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René Descartes Infância e juventude. René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye, conhecida, desde 1802, por "La Haye-Descartes", na Touraine, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito e à medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que constitui o extremo noroeste da França. O segundo na família de dois filhos e uma filha, Descartes com um ano de idade perdeu a mãe, Jeanne Brochard, por complicações de seu terceiro parto. Descartes foi criado pela avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até morrer. Seu pai casou novamente, mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes, atendendo às sessões parlamentares, parte em sua propriedade Les Cartes em La Haye, com a família. Chamava o filho ainda criança de seu "pequeno filósofo", devido à curiosidade demonstrada pela criança, porém. mais tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria do seu gosto. Aos oito anos, em 1604, Descartes foi matriculado no colégio Real de La Fleche, em Anjou, aberto pelos jesuítas poucos meses antes, em janeiro daquele mesmo ano, com dotação de Henrique IV. Ele foi recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido, parente dos Des- Cartes, e que logo seria o reitor. Descartes, cujas relações familiares seriam um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um segundo pai". Descartes estudou em La Fleche por quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um adolescente frágil, passando a ter boa saúde só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto desinteressado dos estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua saúde para permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de adulto, e que só no último ano de sua vida foi obrigado a mudar,

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Page 1: René Descartes · Web viewEle também propôs uma teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias. Ética. Descartes

René DescartesInfância e juventude. René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye, conhecida, desde 1802, por "La Haye-Descartes", na Touraine, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito e à medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que constitui o extremo noroeste da França.

O segundo na família de dois filhos e uma filha, Descartes com um ano de idade perdeu a mãe, Jeanne Brochard, por complicações de seu terceiro parto. Descartes foi criado pela avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até morrer. Seu pai casou novamente, mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes, atendendo às sessões parlamentares, parte em sua propriedade Les Cartes em La Haye, com a família. Chamava o filho ainda criança de seu "pequeno filósofo", devido à curiosidade demonstrada pela criança, porém. mais tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria do seu gosto.

Aos oito anos, em 1604, Descartes foi matriculado no colégio Real de La Fleche, em Anjou, aberto pelos jesuítas poucos meses antes, em janeiro daquele mesmo ano, com dotação de Henrique IV. Ele foi recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido, parente dos Des-Cartes, e que logo seria o reitor. Descartes, cujas relações familiares seriam um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um segundo pai".

Descartes estudou em La Fleche por quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um adolescente frágil, passando a ter boa saúde só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto desinteressado dos estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua saúde para permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de adulto, e que só no último ano de sua vida foi obrigado a mudar, modificação que lhe foi fatal. Apesar das aulas perdidas todas as manhãs, era inteligente o bastante para acompanhar o curso e concluí-lo sem maiores dificuldades. As disciplinas eram designadas genericamente por "filosofia", contendo física, lógica, metafísica e moral; e "filosofia aplicada", que compreendia medicina e jurisprudência, e também estudou matemática através dos manuais didáticos do monge Clavius, matemático jesuíta que algumas décadas antes havia criado o Calendário Gragoriano. Disse mais tarde que, embora admirasse a disciplina e a educação recebida dos jesuítas em La Fleche, o ensino propriamente era fútil e desinteressante, sem fundamentos racionalmente satisfatórios, e que somente na matemática havia encontrado algum atrativo. Era muito religioso e conservou a fé católica até morrer.

Decidiu deixar os estudos regulares: não queria a vida de um erudito e intelectual. Em lugar disso, queria ganhar experiência diretamente, em contacto com o mundo; decidiu viajar e observar. Antes porém, passou um curto período aparentemente sem ocupação, em Paris, e depois, para atender ao pai, ingressou no curso de Direito, de dois anos, na universidade de Poitier onde seu irmão também se formara. Concluído o curso em 1616, não seguiu a tradição da família.

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Em 1618 Descartes foi para a Holanda e se alistou, na escola militar de Breda, no Brabante setentrional, como um oficial não pago do exército de Maurício de Nassau, príncipe de Orange que naquele momento estava dispondo suas tropas contra as forças espanholas que tentavam recuperar aquela que fora a província mais rica da Espanha. Estudou arte de fortificações e a língua flamenga.

Amizade com BEECKMAN. O serviço militar era uma escolha convencional da parte de Descartes uma vez que a pratica da guerra era uma complementação da educação dos cavalheiros que não seguiam a carreira eclesiástica, além de que era por excelência o campo de aplicação das matemáticas, tanto no aperfeiçoamento das armas como na construção de fortalezas e edifícios em geral. Não requeria, e é mesmo dado como improvável, que Descartes participasse de alguma luta real.

A vida de campanha o aborreceu. Havia nas suas próprias palavras muita ociosidade e dissipação. Ele continuava a observar e fazer notas e sobretudo a sua fascinação pelas ciências matemáticas ganhou ímpeto por seu conhecimento casual seguido de amizade com o duque filosofo, doutor e físico Isaac Beeckman, em novembro do mesmo ano, o qual era então um professor distinguido pelos seus conhecimentos de mecânica e matemática e reitor do Colégio Holandês em Dort. Beeckman teria ficado surpreso com a habilidade e pendores matemáticos do jovem oficial francês que era capaz de resolver sozinho, rapidamente, um complicado quebra-cabeça matemático.

A amizade deveria continuar por 20 anos com alguns entreveros. A Beeckman Descartes dedicou o Compendium musicae no qual indaga as relações matemáticas que determinam a ressonância, o tom e a dissonância musical, um tópico evidentemente de acordo com sua inclinação pitagórica de então. Beeckman o atualizou com respeito a vários progressos na matemática incluindo o trabalho do matemático francês Vieta, um dos pioneiros da álgebra moderna por usar letras como símbolos para quantidades constantes e desconhecidas em uma equação. Uma parte importante da fama de Descartes vem justamente de ter aplicado a formulação algébrica para problemas geométricos em lugar de grupos de desenhos geométricas e teoremas separados. O encontro com Beeckman renovou o entusiasmo de Descartes de prosseguir no caminho escolhido para seus estudos, e despertou-lhe a ambição de encontrar uma formula geral, racional, de conhecimento universal.

Dedicação à filosofia. Deixando o exército do príncipe de Orange após dois anos na Holanda, Descartes viajou para a Dinamarca, Dantzig, Polônia e Alemanha. Em Frankfurt assistiu as festas da coroação do imperador Ferdinando II. Em abril de1619, foi juntar-se ao exército bávaro no seu acampamento de inverno próximo de Ulm, sob as ordens do Conde de Bucquoy. O duque católico da Baviera (Sul da Alemanha), Maximilian, estava se pondo em campo contra o protestante Frederico V o eleitor palatino (Palatinado, Alemanha, fronteira com a França) e rei da Boêmia (atual Checoslováquia), nos primeiros estágios da Guerra dos 30 Anos que haveria de arrasar o Sacro Império Germânico. Frederico haveria de perder o trono em 1620 após a batalha decisiva em Monte branco perto de Praga. Sua filha, a princesa Elizabete, tornou-se mais tarde, em 1643, uma das amigas e correspondentes mais próximas de Descartes.

Descartes passou o inverno em Neuburg, no Danúbio sul. Segundo seu próprio relato, dispunha de um compartimento bem aquecido, dormia dez horas toda noite, o que muito apreciava, e se ocupava de seus próprios pensamentos. Disse que teve então uns sonhos

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que, de acordo com sua interpretação, significavam que ele tinha a missão de reunir todo o conhecimento humano em uma ciência universal única, toda construída de certezas racionais. Certamente ele se referia à física pois era o sonho comum aos sábios da época, encontrar uma fórmula matemática para o universo (também os alquimistas buscavam um fórmula milagrosa), e foi uma esperança ainda mais estimulada pela descoberta da equação da atração universal feita por Newton, demonstrando, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente exatas as leis fundamentais da natureza. Em Descartes era uma aspiração mais de ordem mística, - embora buscasse uma solução racional -, muito de acordo com seu interesse nessa época, pela filosofia de Pitágoras, com fundamento em números, e pelos segredos dos Rosacruzes.

Vida em Paris. Vivendo de rendas e perseguindo a realização de seu sonho que acreditava profético, viajaria por vários países da Europa. Deixando a Boêmia seguiu para a Hungria onde em 1621 ele estava - pela ultima vez - vivendo a vida militar, como um oficial no exército imperial. Vai à Alemanha, Holanda e França (1622-23). É então que renuncia definitivamente à carreira militar para dedicar-se à investigação cientifica e filosófica. Em 1623 voltou à terra natal para vender umas terras em Poitou que herdara da mãe, e também a pequena propriedade de Perron (Era chamado em família "Monsieur du Perron", devido a essa propriedade). Aplicou o dinheiro da venda sob a forma de bônus e com os rendimentos resultantes pôde viver uma vida descompromissada, simples porém sempre confortável. Do outono de 1623 a primavera de 1625, ele vagou pela Itália onde ficou em Veneza. Roma e Florença por algum tempo, retornando depois à França, onde viveu principalmente em Paris.

A França à época de Descartes é a França de Luís XIII e do Cardeal Richelieu. A política de Richelieu gerou grande progresso para a França, porque atribuiu privilégios e monopólios aos negociantes e manufatureiros e ampliou o comércio marítimo. Porém a ciência oficial continuava estagnada em torno dos comentários dos antigos (particularmente de Aristóteles) porque este atraso indiretamente interessava ao absolutismo monárquico.

Discussões com amigos, estudos privados e reflexão eram o padrão da vida de Descartes em Paris. Realiza, com o matemático Mydorge, experiências de ótica. Fez novos amigos entre os sábios e renovou velhos conhecimentos, especialmente com o Padre Marin Mersenne, seu contemporâneo de La Fleche. Mersenne, um grande erudito, seria depois seu conselheiro e correspondente de confiança, e o manteria informado sobre o universo cultural europeu por muitos anos no futuro. Estava em contacto com todos os intelectuais famosos da Europa e assim numa posição única para apresentar os trabalhos de Descartes a eles e relatar de volta seus comentários e críticas.

Em novembro de 1627 Descartes participa de um debate na residência do núncio papal. Após alguém expor uma nova filosofia, ele fez um aparte em sucinta argumentação, baseada em raciocínio afim com os métodos de prova matemáticos, e confundiu e refutou o postulante. Sua tese causou viva impressão no cardeal De Bérulle, o fundador da congregação do Oratório e que, juntamente com sua prima Madame Acarie, havia introduzido as carmelitas na França, e era o líder da reação católica contra o Calvinismo, e que estava presente aos debates. O cardeal exorta-o a se consagrar à reforma da filosofia. Insistiu que Descartes assumisse o dever de utilizar seus talentos ao máximo e completasse o desenho que havia alí delineado para sua audiência. Foi incisivo ao ponto de adverti-lo de que responderia perante Deus se não utilizasse os

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dons Dele recebidos. Todos os presentes ficaram profundamente impressionados: o nome do jovem filósofo começou a ficar conhecido.

O conselho do Cardeal de Bérulle correspondia exatamente aos sentimentos mais íntimos de Descartes. Dedica-se a escrever, em 1628, o Studium bonae mentis ("Regras para a Direção do Espírito"), obra que se perdeu. Então, convencido de que, para realizar seu trabalho, ele necessitava de paz e quietude, e que Paris era muito agitada, pensa um novo local onde se fixar. As viagens à cata de experiências haviam terminado: era tempo de por em escrito os resultados de seu contacto com o mundo e de suas próprias meditações.

Retiro na Holanda. No outono de 1628 ele foi por uns poucos meses ao norte da França, mas, no balanço das opções, decidiu-se pela Holanda como a terra que melhor se adaptava à realização de seus planos. Aparentemente nunca se arrependeu. Na Holanda Encontrou uma elite que vivia pelos padrões sociais mais altos da época, uma política intensa e aventureira, e a liberdade para escrever, desde que cuidasse de sua própria vida e não se metesse com os calvinistas dominantes. Essa liberdade atraia cientistas e filósofos de toda a Europa. Avistou-se com Beeckman em Dordrecht e depois se instalou em Franeker, no litoral da Friesland; fez prontamente vários amigos, particularmente Constantyn Huygens, pai do futuro cientista Christian Huygens (1629-1695). Continuou seus contactos com Mersenne e Mydorge, e sua amizade com Beeckman. Manteve contacto também com Hortensius e Van Schooten (o velho). Lá podia gozar períodos de trabalho solitário e ainda, mas somente por sua livre escolha, manter contacto com amigos por meio de visitas e correspondência.

Por quatro anos, de 1629 para a frente, Descartes gastou seu tempo primeiro buscando a consolidação de um método que, partindo da dúvida absoluta, pudesse chegar à mais absoluta certeza, e depois no estudo de diferentes ciências que unificadas pelo novo método, levariam a um esquema universal de conhecimento. Escreveu inicialmente um tratado não publicado, sobre metodologia chamado "Regras para a Direção do Espírito" (abreviado geralmente como o Regulae). Este tratado incompleto e apenas rascunhado com repetições e inconsistências, foi composto por Descartes durante os meses de inverno de 1629 e no ano seguinte. Possivelmente nunca pretendido para publicação ele pode ter sido usado por Descartes como caderno de notas para futuras referências.

Leva avante sua pesquisa em ciências físicas e matemáticas trocando informações com amigos, freqüentemente através de cartas, especialmente com o padre Mersenne. Mas principalmente sozinho, nos diferentes endereços que teve na Holanda. A pesquisa cobria muitos campos: ótica, a natureza da luz, as leis da refração e meteorologia (explicação do arco-íris), a natureza e estrutura dos corpos materiais, o ar a água a terra, matemática especialmente geometria. Fez estudos de anatomia e de fisiologia dissecando diferentes órgãos que obtinha nos açougues locais. Inventou o termo embriogenia para o que agora é chamado embriologia.

Era ambição de Descartes publicar um trabalho abrangente que ele intitula o "Mundo" (Le Monde, ou Traité de la Lumière). Por volta de 1633 ele tinha quase completado o rascunho quando então soube, por uma carta de Mersenne, que o astrônomo Galileu tinha sido condenado em Roma pela igreja católica por advogar o sistema de Copérnico. Beeckman lhe passou um livro de Galileu, no qual ele reconheceu muitas de suas próprias conclusões, particularmente seu apoio à teoria de Copérnico do movimento da

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terra ao redor do sol. Apesar de que não arriscava nenhum perigo físico na Holanda, ele foi suficientemente prudente para não publicar seu trabalho. Nem sequer mandou o manuscrito para Mersenne. Mas continuou com uma inabalável convicção a respeito da verdade de suas conclusões.

Descartes foi, no entanto, pressionado pelos seus amigos para publicar suas idéias. Escreveu um tratado de ciência expondo um método de se chegar à verdade e decidiu publicá-lo anonimamente. Na obra, o novo método, é exposto em termos simples, com menos ênfase matemática, com o título Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans les sciences ("Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência") que se tornou sua mais famosa obra. Incluiu na introdução alguns traços autobiográficos, relatando seu método e doutrina filosófica e acrescentou ao texto três apêndices: La Dioptrique, Les Météores, e La Géométrie. O tratado foi publicado em Leyden em 1637 e Descartes escreveu para Mersenne dizendo que havia buscado no seu La Dioptrique e no seu Les Météores mostrar que o seu método era melhor que o vulgar, e no seu La Géométrie havia demonstrado isso. A obra descreve o que Descartes considerava um meio mais satisfatório de adquirir o conhecimento, que o representado pela lógica aristotélica. Somente a matemática, Descartes sente, está certa; assim tudo deve ser baseado na matemática.

O La Dioptrique é um trabalho no sistema ótico e nele trata da lei da refração. Embora Descartes não cite cientistas precedentes para as idéias que apresenta; os fatos que apresenta não são novos. Entretanto sua aproximação através da observação e da experiência era uma contribuição nova muito importante.

Les Météores é um trabalho de meteorologia e é importante por ser o primeiro trabalho que tenta colocar o estudo do tempo em bases científicas; busca uma explicação científica sobre o tempo, e inclui uma explicação do arco ires. Entretanto, muitas das colocações científicas de Descartes estão não somente erradas como também poderiam ser evitadas se ele tivesse feito algumas experiências simples. Por exemplo, Roger Bacon, o monge franciscano inventor da pólvora estável, já havia demonstrado o erro da crença de que a água fervida congela mais rapidamente. Entretanto Descartes reivindica ter comprovado, pela experiência que a água que foi levada ao fogo por algumas horas se congela mais rapidamente do que de outra maneira e dá a razão: suas partículas que podem ser mais facilmente dobradas são expulsas durante o aquecimento, deixando somente aquelas que são rígidos e facilitarão o congelamento. Após a publicação do Les Météores a obras de Boyle, Hooke e Halley se encarregaram de contestar e corrigir suas postulações falsas.

O terceiro, La Geometrie, talvez cientifica e historicamente o mais importante, introduz as famosas "coordenadas cartesianas", - que teriam sido assim batizadas por G. W. Leibniz -, e lança os fundamentos da moderna geometria analítica usando a notação algébrica para tratar os problemas geométricos.

Obra escrita em francês, o que era pouco comum, pois tudo era escrito em Latim, a língua comum de todos os trabalhos eruditos, O "Discurso" visava, evidentemente, ter sua divulgação circunscrita ao mundo cultural francês. Segundo ele, o raciocínio silogístico no qual a filosofia escolástica está baseada pode ser rejeitado como inútil para a descoberta da verdade. Todo homem que é são tem a habilidade natural de

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discernir o verdadeiro do falso, uma luz natural da razão. Somente descobrindo a natureza e o limite desse poder pode alguém determinar o modo correto de usar essa habilidade.

Isso implica, em primeiro lugar, a eliminação de qualquer fator que possa constituir um estorvo tal como a opinião preconcebida de qualquer tipo e, segundo, a prática estrita de um método ordenado como é encontrado por exemplo nas ciências matemáticas. Assim deve-se começar de dados auto evidentes que são sabidos ser claros e distintamente verdade e fazer duplamente seguro e certo que cada passo no processo dedutivo deste dado seja ele próprio auto evidente.

A despeito da anonimidade do "Discurso", o nome do autor e suas teorias logo se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados da Europa. Seu dito "Penso, logo existo" tornou-se prontamente popular entre os franceses, uma gente nacionalmente amante de frases de efeito. Porém foram os ensaios científicos, constituintes das três partes que atrairiam a atenção dos matemáticos e provocaram muita controvérsia. Ainda em 1637 Descartes começa a preparar o "Meditações sobre a filosofia primeira", uma versão pouco modificada do "Discurso" escrita em latim, que vai explorar o êxito da parte filosófica do Discurso, visando aos filósofos e teólogos. Por isso o "Meditações" constitui a principal exposição da doutrina filosófica de Descarte.

A diferença mais notável é da dúvida metodológica que é levada ainda mais longe para incluir a hipótese de um demônio, maligno e onipotente, que poderia fazer com que todas as coisas que alguém pensasse existir fossem apenas ilusão. Consistia de seis meditações: Das coisas de que podemos duvidar, Da Natureza do Espírito Humano, De Deus, que Ele existe; Da verdade e do Erro, Da Essência das coisas materiais, Da existência das coisas materiais e da verdadeira distinção entre o espírito e o corpo do homem. O manuscrito final foi enviado ao seu correspondente Mersenne, com o encargo de conseguir a aprovação formal da Sorbone e também "as opiniões dos eruditos". Muitos cientistas se opuseram às idéias de Descartes, inclusive o teólogo Arnauld, o filósofo inglês Hobbes e o matemático e filósofo francês Gassendi. Mersenne reuniu essas opiniões críticas e enviou-as a Descartes que rascunhou respostas de certo modo irritada e relutantemente. Finalmente em 1640 o "Respostas" com as objeções e réplicas foi publicado em Paris.

Entre 1638 a 1640 Descartes vive na pequena cidade de Santpoort, com sua amante holandesa, Helen, e sua filha havida em 1635 com essa mulher, antes simplesmente sua empregada doméstica. Para sua grande mágoa, a criança faleceu em 1640.

Se a publicação das "Meditações" trouxe para Descartes renome como um dos mais famosos filósofos também o envolveu direta ou indiretamente em amargas controvérsias de conotações teológicas. Na própria Holanda, o presidente da Universidade de Utrecht (ao sul de Amsterdã) acusou-o de ateísmo e Descarte foi, de fato, condenado pelas autoridades locais em 1642 e novamente em 1643. Descartes pediu o apoio de Huygens e, através dele e do embaixador francês, obteve a proteção do Príncipe de Orange, o que evitou conseqüências piores.

Em 1644 aparece em Amsterdã o Principia Philosophiae ("Princípios da Filosofia"), um livro em grande parte dedicado à física, especialmente às leis do movimento e à teoria dos vórtices, o qual ele ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com quem Descartes

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mantinha assídua correspondência. Eles haviam se encontrado em 1643 e uma amizade afetuosa havia se desenvolvido entre Descartes e a jovem mulher inteligente. É de então o início de seu trabalho no futuro "Tratado das Paixões".

O reboliço causado pelo "Princípios" foi tão grande que, em 1645, a universidade de Utrecht criou um armistício proibindo a publicação de qualquer trabalho a favor ou contra a doutrina cartesiana.

Em Leyden, em 1647, outro ataque incluindo uma acusação de pelagianismo - a crença de que a vontade é igualmente livre para escolher fazer o bem ou o mal - produz um decreto semelhante de censura neutra. Na França os jesuítas, algumas exceções entre os padres mais jovens, deram acolhimento frio ao trabalho do antigo aluno.

"Princípios de Filosofia" apareceu traduzido do latim para o francês em 1647, enquanto Descartes estava numa visita curta à França, Ele esperava que um relato mais formalizado da totalidade do seu pensamento científico poderia receber o apoio dos círculos católicos especialmente entre os jesuítas. Mas sua esperança foi vã. Os jesuítas inicialmente rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi colocado no índex, lista católica dos livros proibidos. Apesar de tudo recebeu do rei, por iniciativa do ministro Mazarino, regente na menoridade de Luís XIII, uma pensão vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas, a qual ele não se empenhou em receber.

O mais abrangente dos trabalhos de Descartes, Principia Philosophiae, foi publicado em quatro partes: As suas doutrinas filosóficas são formalmente repetidas na primeira parte, "Os princípios do conhecimento humano". As outras três partes são uma ampla tentativa de dar uma explicação lógica dos fenômenos naturais em um único sistema de princípios mecânicos, através de todo o campo da física, da química, e da fisiologia: "Os princípios das coisas materiais", "Do mundo visível" e "A Terra", como tentativa de, finalmente, por todo o universo sobre fundamentos matemáticos reduzindo o seu estudo à Mecânica.

As doutrinas do Principia foram recebidas com desconfiança. Mesmo os adeptos de sua filosofia natural, como o metafísico e teólogo Henry More, encontraram objeções. Certamente More admirava Descartes. Entretanto, entre 1648 e 1649 trocaram um certo número de cartas em que More fez várias objeções a suas afirmações. Descartes entretanto, não fez nenhuma concessão aos pontos de vista de More em suas respostas.

Historicamente, a importância do "Princípios de Filosofia" está na total rejeição de toda noção qualitativa ou espiritual nas explanações científicas. A determinação expressa de explicar todo fenômeno físico em termos mecânicos e relacionar esses termos a idéias geométricas e o uso de hipóteses para ajudar generalizações, abriu caminho para a abordagem moderna da teoria científica.

Últimos anos. Enquanto na França em 1647, Descartes se encontrou com o Pascal e discutiram sobre o vácuo, cuja existência era necessária ao postulado da influência à distância. Resultou a famosa experiência de Pascal provando que o ar exerce pressão sobre todos os objetos. Sua última visita a Paris, em 1648, permitiu-lhe rever ainda uma vez alguns de seus famosos contemporâneos, entre eles Gassendi e Hobbes, este exilado em Paris desde 1640, e, é claro, Mersenne, que haveria de morrer em breve. Montmor ofereceu-lhe uma casa nas proximidades de Paris e uma pensão valiosa que ele recusou,

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e que mais tarde Montmor transferiu para Gassendi que, por não dispor de rendas pessoais como Descartes, aceitou para poder se manter.

Uma cópia manuscrita do "Paixões" foi para a Raínha Cristina da Suécia, quem, desde 1647, através do embaixador francês, tinha obtido os trabalhos de Descartes e começou a escrever para ele.

Uma ambiciosa patronesse das artes e coletora de homens instruídos para sua corte, ela estava ansiosa para conhecer "o celebrado M. Descartes", com o plano de naturaliza-lo sueco, introduzi-lo na aristocracia sueca e dar-lhe uma propriedade em terras que havia tomado à Alemanha. Mas, a despeito de pressionantes convites, inclusive o envio de um almirante em seu vaso de guerra para busca-lo, Descartes estava extremamente relutante em deixar Egmond uma vila um pouco a noroeste de Amsterdã onde residia então, e ofereceu desculpas de todo tipo, sugerindo que era suficiente ler seus livros. Finalmente ele aceitou e, como ele escreveu, nascido nos jardins da Touraine, ele foi para a terra dos ursos entre rochas e gelo.

Chegando em Estocolmo em outubro de 1649, Descartes foi recebido com grande cerimônia e ficou impressionado pela determinação e energia da rainha de 23 anos de idade e sua devoção aos estudos clássicos. Dispensado da maior parte do cerimonial da corte, exceto de escrever versos franceses para um ballet, sua obrigação principal era instruir a rainha em matemática e filosofia. O horário da aula era cinco horas da manhã, o que o obrigou a quebrar o hábito de se levantar diariamente por volta das 11 horas. No clima rigoroso, onde, nas palavras de Descartes, os pensamentos do homem congelam-se durante os meses de inverno, sua saúde deteriorou. Em Fevereiro de 1650, ele pegou um resfriado que transformou-se em pneumonia. Dez dias depois, após receber os últimos sacramentos, faleceu.

Descartes foi, como um católico, enterrado em cemitério reservado para crianças não batizadas. Em 1667, seus restos foram trasladados para Paris e enterrados na igreja de Santa Genieve-du-Mont. Desenterrado durante a Revolução francesa para enterro entre os pensadores franceses ilustres no Panteón, seu túmulo esta hoje na igreja de St. Germain-des-Près.

Além de seus escritos publicados ou apenas rascunhados, Descartes deixou uma correspondência volumosa, com grande valor documental, principalmente a correspondência com Mersenne e com Antoine Arnauld. Ela cobre uma variedade de campos, desde a geometria às ciências políticas, medicina e à metafísica, mas ocupava-se principalmente com os problemas da interação do corpo com o espírito, buscando aspectos mecânicos e fisiológicos que pudessem explica-la.

PENSAMENTO

As idéias. A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências (domínios da matemática e da ótica) mas o que ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o "Discurso sobre o Método", o mais amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.

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Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os céticos. Argumenta que as idéias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas. Descartes vai, por etapas, nomear as idéias que ele inclui nessa categoria de claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são idéias verdadeiras, não podem ser idéias falsas.

A primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz êle que não pode duvidar. É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua célebre frase: "Penso, logo existo". Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia, aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o método", de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia" (1644) que é praticamente a versão latina do "Discurso", Cogito ergo sum.

É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre frase. Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida de todo pensar verdadeiro, e a tomar a autoconsciência como base do conhecimento e da certeza. Apesar de que a Metafísica de Campanella saiu em 1638, e o Discurso sobre o método saiu antes, o próprio Descartes diz em sua correspondência que havia lido obras de Campanella nas quais este deduzira da autoconsciência a certeza da própria realidade: De sensu rerum (1623), por exemplo. Mas, Descartes pondera, a idéia de minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo existo") não me traz nenhuma certeza sobre qualquer idéia do mundo físico.

Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade, a de que ele existe, e isto não basta para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande nitidez e estabilidade, e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Uma delas é a idéia da "extensão". Esta é uma idéia que Descartes considera inata, clara e evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa idéia existe no espírito humano como a idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a idéia de extensão não é garantia de que os objetos correspondam às idéias que deles fazemos.

Deus verdadeiro. O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de objetos correspondam efetivamente algo real.. Tenho também a idéia de Deus. Mas agora sim, tenho uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar, do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método", a idéia de Deus implica a real existência de Deus.

Voltemos então à idéia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que tenho da extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito

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humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa física. Portanto, as idéias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso

Dualismo. Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas substâncias se juntaram em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela escolástica tomista.

Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência.

Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema nervoso, negando que tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias.

Ética. Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas; trabalha por impulsos naturais, - o que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder da vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há igualmente a necessidade de uma higiene mental, a qual é baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do "bom senso" e a aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da metafísica a qual, a metafísica, por seu turno, inclui o conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos valores, ou seja, em idéias claras e distintas garantidas por Deus, do valor relativo das coisas.

O método. O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e distintamente como tal. Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas, a

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determinação a duvidar até ser convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao conhecimento dos mais complexos.

Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se estar certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da evidência: o preceito da análise (dividir as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e o da enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido).

Revolução científica. Quanto à filosofia e à ciência, Descartes viveu no início da revolução científica. Seu importante trabalho, Meditações sobre a Filosofia Primeira, foi publicado em 1641, o ano anterior a morte de Galileu e nascimento de Newton. Deste período é a obra de Francis Bacon Instauratio Magna, publicada em 1623; é a "A Cidade do Sol", de Campanella, publicada em 1623, é Il Sagiatore Celeste, de Galileu, em 1623, são as obras de Kepler e de vários outros cientistas, filósofos e matemáticos, com suas invenções e descobertas. A grande preocupação na virada do século XVI para o século XVII: encontrar um caminho novo. "As múltiplas opiniões eram caminhos vários e inseguros que não levavam a qualquer meta definitiva e estável. "Precisava-se achar o método para a ciência. Francis Bacon (156l-1626) e Galileu haviam deixado bem claro o novo caminho do método experimental, indutivo, que formularia suas leis, partindo da consideração dos casos particulares.. Alguns, como eles próprios, Bacon e Galileu, enfrentam a hegemonia do pensamento lógico dedutivo dos aristotélicos até então predominante e apoiado pelas forças do Estado e da Igreja. Constituem com Hobbes, Locke, Berkeley e Hume a chamada corrente empirista, que, de um golpe irá devastar o território da alquimia, da astrologia, da cabala, e constrói pacientemente a ciência moderna. Outros reconhecem o valor do método indutivo, mas compreendem que ele é apenas o complemento novo que possibilitou a descoberta do método experimental e que o único instrumento com respeito às causas e aos fins últimos inatingíveis pela experimentação, será sempre a dedução lógica, e se arrojam por essa estrada. Formam a corrente racionalista moderna: Campanella, Descartes, Malebranche, Spinoza, Leibniz, e Kant.

Classificação das ciências. No "Princípios da Filosofia", Descartes classifica as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias que é possível atingir em cada uma. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma árvore; a metafísica é a raiz, a física é o tronco, e os três principais ramos são a mecânica, a medicina, e a moral, estes formando as três aplicações do nosso conhecimento, que são, o mundo externo, o corpo humano, e a conduta da vida. Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o tronco da física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus quem garante o conhecimento científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico está de antemão provado por uma idéia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.

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Geometria. O La Géométrie é a parte mais importante do "Discurso". Ele representa o primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que em estágios posteriores desrelativisa o sistema de referencia e remove arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os problemas típicos na geometria e trazer junto os problemas que na roupagem geométrica não pareceriam de nenhum modo estarem relacionados. A álgebra introduz na geometria os princípios mais naturais da divisão e a mais natural hierarquia do método. Com ela as questões de solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente, rapidamente e inteiramente da álgebra paralela; e sem ela não podem ser decididas de modo algum.

Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi criar uma fórmula algébrica para representar o fato trivial e então já conhecido de que um ponto em uma folha de papel retangular está infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas de suas duas distancias medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram. Em linguagem geométrica, isto quer dizer que um ponto em um plano pode ser representado pelos valores (hoje chamados "coordenadas cartesianas") das suas duas distâncias (x, y) tomadas perpendicularmente a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a convenção de lado positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos eixos. Então uma equação f(x,y)=0 pode ser satisfeita por um infinito número de valores de x e y. O importante é que esses valores de x e y podem representar as coordenadas de vários pontos de uma curva, da qual a equação f(x,y)=0 expressa alguma propriedade geométrica, isto é, a propriedade verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da função f(x)=x2 consiste de todos os pares (x, y) tais que y=x2, ou seja, é a coleção de todos os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva resulta ser uma parábola. Qualquer propriedade particular desta curva pode ser deduzida da equação, sem necessidade de se fazer o desenho da curva para encontrar os pontos graficamente, e duas ou mais curvas podem ser referidas a um e mesmo sistema de coordenadas; o ponto no qual duas curvas intersectam é determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é geometria analítica, sua invenção.

Um de seus críticos diz que algumas idéias no La Géométrie podem ter vindo de um trabalho anterior de Oresme mas reconhece que no trabalho de Oresme não há nenhuma evidência de ligar a álgebra e a geometria. Wallis, um contemporâneo de Descartes, argumenta em sua "Álgebra" (1685) que as idéias do La Géométrie foram copiadas do trabalho de Harriot sobre equações. Isto é considerado possível pelos historiadores da matemática, apesar de que Descartes sempre alegou que nada em sua obra era influência do trabalho de outros.

Ótica e Universo. Dos dois restantes apêndices do Discours um era devotado à ótica, outro a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração, coincidentes no entanto com os achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve ter repetido em Paris, em 1626 e 1627, e provavelmente se esqueceu de mencionar. Grande parte da ótica está dedicada a determinar a melhor forma para as lentes de um telescópio, mas as dificuldades mecânicas para polir uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes naquela época que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática. Mas revelam que Descartes estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os objetos, como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o olho. Porém, como ele considerava a velocidade da luz ser infinita, ele não considerou esse ponto particularmente importante.

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No Meteoros Descartes discute numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris, que não explica corretamente por ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração das substâncias para diferentes cores de luz.. Sua física do universo, de base metafísica, reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le Monde, encontra-se exposta no seu Principia, de 1644.

Descartes não acredita em ação à distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver vácuo em torno da terra e sim alguma matéria que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo cheio com a matéria que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu como um sistema de vórtices que carregam o sol, as estrelas, os planetas e seus satélites, e os cometas em seus trajetos.

Por muitas razões a teoria de Descartes, é mais satisfatória do que o efeito misterioso da gravidade agindo a distância. Ele assume que a matéria do universo tem que estar em movimento, e que o movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o sol está no centro de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são arrastados em círculo como palhas em um redemoinho de água. Supõe que cada planeta está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites são carregados em órbita. Estes redemoinhos secundários supostamente produzem variações de densidade no meio que os circunda e assim afetam o redemoinho primário principal, fazendo os planetas se moverem em elipses e não em círculos.

De acordo com essa concepção o sol estaria no centro das elipses planetárias e não em um de seus focos, como Kepler havia demonstrado. Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler mas também com as leis fundamentais da mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices marca um momento na astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e não milagres do céu.

More perguntou a Descartes: "Por que os seus vórtices não são em forma de coluna ou cilindro (como um ciclone) em vez de elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer ponto do eixo de um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria celestial se afasta com um ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não lhe deu resposta.

Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou na França por quase cem anos, mesmo depois que Newton mostrou que ela era impossível como um sistema dinâmico. Embora não aplicável ao sistema planetário, provou ser verdadeira quando se descobriu a forma das galáxias que revolvem ao redor de um buraco negro que é um vórtice.

Influência. A Física de Descartes tem, como é salientado geralmente, raízes metafísicas, isto é, a certeza depende, em ultima análise, da fé em Deus. Neste sentido, não deixou de representar um certo retrocesso, se consideramos quanto todos os eruditos de então, incluídos aqueles seus contemporâneos que vieram a ser mártires do saber, estavam empenhados em abrir o caminho oposto, suplicando a seus algozes a separação entre filosofia e religião. Mas aconteceu que a filosofia de Descartes, em lugar de por esse motivo precipitar-se no esquecimento, projetou-se para o alto, e isto aconteceu graças à

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oportunidade e ao soar sedutor de uma frase: "Penso, logo existo". Além de agradável como uma goma de mascar, essa frase também representou, na época, um desafio à ditadura dos intelectuais escolásticos. Deixava claro que só existe um ponto de partida verdadeiro, mesmo na dúvida, que sou eu e meu pensamento: se duvido, penso, e se penso, existo. Ela foi prontamente interpretada com sentido de liberdade e emulação de coragem para a busca da verdade, e não o de apenas indicar, como seu autor pretendia, a tábua rasa jacente sob as idéias inatas garantidas por Deus. Portanto esta frase na verdade está, no seu sentido mais revolucionário, divorciada do próprio pensamento de Descartes. Porém, graças a ela Descartes, embora não tenha sido o primeiro a tentar, na verdade foi o primeiro a conseguir libertar o pensamento filosófico de suas peias escolásticas e assim inaugurar definitivamente a filosofia moderna.

Fonte: www.cobra.pages.nom.br

René Descartes

Filósofo e matemático francês

31/03/1596, La Haye, França 11/02/1650, Estocolmo, Suécia

René Descartes

Descartes, por vezes chamado de o fundador da filosofia moderna e o pai da matemática moderna, é considerado um dos pensadores mais influentes da história humana.

Nasceu em La Haye, a cerca de 300 quilômetros de Paris. Seu pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, além de ser conselheiro no Parlamento de Rennes, na Bretanha.

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Com um ano de idade, Descartes perdeu a mãe, Jeanne Brochard, no seu terceiro parto, e foi criado pela avó. Seu pai se casou novamente e chamava o filho de "pequeno filósofo". Mais tarde, aborreceu-se com ele quando não quis exercer o direito, curso que concluiu na universidade de Poitiers em 1616.

Em 1618, Descartes foi para a Holanda e se alistou no exército de Maurício de Nassau. A escola militar era, para ele, uma complementação da sua educação. Nessa época fez amizade com o duque filósofo, doutor e físico Isaac Beeckman, e a ele dedicou o "Compendium Musicae", um pequeno tratado sobre música.

Em 1619, viajou para a Dinamarca, Polônia e Alemanha, onde, segundo a tradição, no dia 10 de novembro, teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Três anos depois retornou a França e passou os anos seguintes em Paris e em outras partes da Europa.

Em 1628, Descartes, incentivado pelo cardeal De Bérulle, escreveu "Regras para a Direção do Espírito". Buscando tranqüilidade, partiu para os Países Baixos, onde viveu até 1649.

Em 1629 começou a trabalhar em "Tratado do Mundo", uma obra de física. Mas em 1633, quando Galileu foi condenado pela igreja católica, Descartes não quis publicá-lo. Em 1635 nasceu sua filha ilegítima, Francine, que morreria em 1640.

Em 1637, publicou anonimamente "Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência". Os três apêndices desta obra foram "A Dióptrica" (um trabalho sobre ótica), "Os Meteoros" (sobre meteorologia), e "A Geometria" (onde introduz o sistema de coordenadas que ficarioa conhecido como "cartesianas", em sua homenagem). Seu nome e suas teorias se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados e sua afirmação "Penso, logo existo" (Cogito, ergo sum) tornou-se popular.

Em 1641, surgiu sua obra mais conhecida: as "Meditações Sobre a Filosofia Primeira", com os primeiros seis conjuntos de "Objeções e Respostas". Os autores das objeções foram Johan de Kater; Mersene; Thomas Hobbes; Arnauld e Gassendi. A segunda edição das Meditações incluía uma sétima objeção, feita pelo jesuíta Pierre Bourdin, seguida de uma "Carta a Dinet".

Em 1643, a filosofia cartesiana foi condenada pela Universidade de Utrecht (Holanda) e, acusado de ateísmo, Descartes obteve a proteção do Príncipe de Orange. No ano seguinte, lançou "Princípios de Filosofia", um livro em grande parte dedicado à física, o qual ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com quem mantinha correspondência.

Uma cópia manuscrita do "Tratado das Paixões" foi enviada para a rainha Cristina da Suécia, através do embaixador francês. Frente a insistentes convites, Descartes foi para Estocolmo em 1649, com o objetivo de instruir a rainha de 23 anos em matemática e filosofia.O horário da aula era às cinco horas da manhã. No clima rigoroso, sua saúde deteriorou. Em fevereiro de 1650, ele contraiu pneumonia e, dez dias depois, morreu.

Em 1667, depois de sua morte, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Índice de Livros Proibidos.

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Fonte: educacao.uol.com.br

René Descartes

René Descartes

"Cogito ergo sum"

Nota Introdutória

Descartes sentiu, desde muito cedo, o desejo de conhecer a natureza, o homem e o universo. Foi após ter terminado os seus estudos, que se apercebeu da sua ignorância.

“Alimentei-me das letras desde a minha infância, e porque me tinham persuadido de que, por meio delas, se pode adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo quanto é útil à vida, tinha um enorme desejo de as aprender. Mas, logo que terminei todo este curso de estudos, no termo do qual é costume ser-se acolhido na categoria dos doutos, mudei completamente de opinião. Pois encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da Europa (...).”

Descartes, Discurso do Método, I Parte, Lisboa, Ed. Mar. Fim, 1989, p. 13.

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Descartes estava, de facto, decepcionado com o ensino que lhe havia sido ministrado. Não era tanto o método de ensino que estava em causa mas os conteúdos e a desarticulação curricular entre as várias disciplinas leccionadas.

Para além de sentir que o seu conhecimento não era coerente, recusou a lógica como processo ideal de investigação do saber. A lógica aristotélica aparecia-lhe incapaz de permitir o progresso do conhecimento. Ora, para Descartes, a função da filosofia é o aumento gradual do conhecimento, a busca de um saber unitário e universal, ou seja, atravessado por uma mesma estrutura matemática.

Influenciado pela filosofia do Renascimento, mas ligado ainda à filosofia medieval, Descartes foi um adepto intransigente do vigor, da clareza e da disciplina metódica. Nesse sentido, a sua obra tem como ponto de arranque a dúvida universal, que se institui como método e critério da verdade. Duvidando de todos os conhecimentos adquiridos, duvidando da sua própria existência, Descartes chega à evidência de uma verdade que não pode negar: o seu próprio pensar, a realidade do sujeito pensante que se torna assim no arquétipo da ideia clara e distinta - «penso, logo existo».

Grande matemático, inventor da geometria analítica, restaurador do interesse pela metafísica na sua época, os problemas e questões por ele levantados abriram caminho a um dos períodos mais florescentes da ciência e da reflexão filosófica na história da Humanidade.

Das suas inúmeras obras, científicas e filosóficas, destacamos as seguintes:

Compêndio de Música (redigida em 1618 e publicada postumamente);

Primeiros Pensamentos (obra só conhecida por referências indirectas);

Exercício do Bom Senso (obra perdida, possivelmente do

período 1620-1625);

O Mundo ou Tratado da Luz (obra inacabada, publicada em 1644 com o título de O Mundo);

O Homem (publicada em 1644);

Discurso do Método (seguido dos três Ensaios Dióptrica, Geometria, Meteoros, publicados em 1637);

Meditações sobre Filosofia Primeira...(Meditações Metafísicas) (publicado em 1641; sete séries de Objecções seguidas das respectivas Respostas de Descartes);

Princípios de Filosofia (publicado em 1644);

As Paixões da Alma (publicado em 1649);

A Busca da Verdade pela luz natural (texto inacabado, com data desconhecida, encontrado após a morte do filósofo);

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A imensa Correspondência de Descartes começa a ser publicada a partir de 1657.

O Conhecimento

O homem sentiu, desde sempre, necessidade de explicar o mundo que o rodeia. Por isso, o problema do conhecimento foi colocado logo desde o início da filosofia grega.

Embora o conhecimento seja, não um estado mas sim um processo e, como tal, necessariamente relacionado com a actividade prática do homem (conhecer não é só possuir uma representação mental do mundo, é também actuar no mundo a partir da representação que dele temos), tradicionalmente, o conhecimento foi descrito como uma relação entre um sujeito, enquanto agente conhecedor, e um objecto, enquanto coisa conhecida. Dois grandes problemas se colocam:

1. Qual a origem do conhecimento?

Será que todo o conhecimento procede apenas da experiência? Será que alguns dos nossos conhecimentos têm a sua origem na razão? Ou será que todo o conhecimento resulta de uma elaboração racional a partir dos dados da experiência?

Três respostas são possíveis a esta questão: o empirismo, o racionalismo e o empírico-racionalismo ou intelectualismo.

O empirismo

O empirismo considera como fonte de todas as nossas representações os dados fornecidos pelos sentidos. Assim, todo o conhecimento é «a posteriori», isto é, provém da experiência e à experiência se reduz. Segundo os empiristas, inclusivamente as noções matemáticas seriam cópias mentais estilizadas das figuras e objectos que se apresentam à percepção.

" Os pontos, as linhas, os círculos que cada um tem no espírito são simples cópias dos pontos, linhas e círculos que conheceu na experiência" Stuart Mill

Assim, "a linha recta seria uma simples cópia do fio de prumo, como o plano, simples cópia da superfície do lago, o círculo da lua ou do sol, o cilindro do tronco de árvore e a noção de número deriva da percepção empírica de colecções de objectos." (Ribeiro e Silva, 1973, p. 390).

O racionalismo

Os racionalistas consideram que só é verdadeiro conhecimento aquele que for logicamente necessário e universalmente válido, isto é, o conhecimento matemático é o próprio modelo do conhecimento. Assim sendo, o racionalismo tem que admitir que há determinados tipos de conhecimento, em especial as noções matemáticas, que têm origem na razão. Não quer isso dizer que neguem a existência do conhecimento empírico. Admitem-no. Consideram-no porém como simples opinião, desprovido de qualquer valor científico. O conhecimento, assim entendido, supõe a existência de ideias ou essências anteriores e independentes de toda a experiência.

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Descartes defende uma particular posição no interior do racionalismo: o racionalismo inatista.

O empírico-racionalismo ou intelectualismo

Para os defensores desta teoria, as nossas representações são construções «a posteriori» elaboradas pela razão a partir dos dados experimentais. Assim, o conhecimento tem a sua origem na experiência mas a sua validade só pode ser garantida pela razão. As noções matemáticas são construções racionais a partir da observação dos objectos e figuras que rodeiam o homem. Decorrem de processos de abstracção e regularização relativamente à irregularidade das figuras reais.

2. Qual a natureza do conhecimento?

O que é que conhecemos? Os próprios objectos ou as representações, em nós, desses objectos?

Para responder a estas questões, duas grandes doutrinas têm sido defendidas:

O realismo

O realismo afirma que no acto do conhecimento, o sujeito consegue apreender um objecto que é independente e distinto dele.

O idealismo

O idealismo defende que não é o objecto em si que conhecemos mas o objecto tal como se nos representa. Em limite, não podemos saber sequer se há coisas reais, transcendentes ou exteriores ao espírito ou, se pelo contrário, tudo quanto existe está no espírito.

Descartes recusa a concepção realista do objecto defendendo um idealismo crítico.

Racionalismo inatista

Descartes distingue três tipos de ideias: inatas, adventícias e factícias. As ideias adventícias são aquelas que nos chegam a partir dos sentidos, as factícias são provenientes da nossa imaginação, uma combinação de imagens fornecidas pelos sentidos e retidas na memória cuja combinação nos permite representar (imaginar) coisas que nunca vimos.

A grande questão porém é a de saber se todas as nossas ideias se podem explicar destes dois modos. Será o triângulo uma ideia adventícia? Como explicar então a sua perfeição? Será uma ideia factícia? Como explicar nesse caso a sua universalidade? E a ideia de Deus? Como explicar que seres finitos e imperfeitos como os homens são, possam ter a ideia de um ser infinito e absolutamente perfeito?

A resposta de Descartes é a de que para além das ideias adventícias e factícias os homens possuem ideias inatas, ideias que, nascidas connosco, são como que a marca do criador no ser criado à sua imagem e semelhança.

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Estas ideias inatas, claras e distintas, não são inventadas por nós mas produzidas pelo entendimento sem recurso à experiência. Elas subsistem no nosso ser, em algum lugar profundo da nossa mente, e somos nós que temos liberdade de as pensar ou não. Representam as essências verdadeiras, imutáveis e eternas, razão pela qual servem de fundamento a todo o saber científico.

Como Descartes escreve:

“(...) quando começo a descobri-las, não me parece aprender nada de novo, mas recordar o que já sabia. Quero dizer: apercebo-me de coisas que estavam já no meu espírito, ainda que não tivesse pensado nelas. E, o que é mais notável, é que eu encontro em mim uma infinidade de ideias de certas coisas que não podem ser consideradas um puro nada. Ainda que não tenham talvez existência fora do meu pensamento elas não são inventadas por mim. Embora tenha liberdade de as pensar ou não, elas têm uma natureza verdadeira e imutável.”

Méditations Métaphysiques, “Méditation cinquième”, p. 97-99.

Quais são então as ideias inatas? Fundamentalmente os conceitos matemáticos e a ideia de Deus.

Num texto dirigido à princesa Elisabeth, Descartes escreve (1645):

“A primeira e a principal [das ideias inatas] é que há um Deus de quem todas as coisas dependem, cujas perfeições são infinitas, cujo poder é imenso, cujos decretos são infalíveis...”

Como diz Koyré:

“Do desmoronamento das suas primeiras certezas, Descartes apenas salvará as que não dependem da filosofia: a crença em Deus e na Matemática.”

Este inatismo traduz a profunda confiança que Descartes tem na razão. Fonte de todo o conhecimento seguro e verdadeiro, faculdade universalmente partilhada, a razão ou bom senso é aquilo que define o homem como homem, o que o distingue dos outros animais.

"O bom senso é a coisa que, no mundo, está mais bem distribuída: de facto, cada um pensa estar tão bem provido dele, que até mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em todas as outras coisas não têm de forma nenhuma o costume de desejarem [ter] mais do que o que têm. E nisto, não é verosímil que todos se enganem; mas antes, isso testemunha que o poder de bem julgar, e de distinguir o verdadeiro do falso que é aquilo a que se chama o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; da mesma forma que a diversidade das nossas opiniões não provém do facto de uns serem mais razoáveis do que outros, mas unicamente do facto de nós conduzirmos os nossos pensamentos por vias diversas, e de não considerarmos as mesmas coisas."

Descartes, Discurso do Método, I Parte, ed. cit., p. 11.

Mas, de que maneira opera a razão? Afastada a hipótese de se fazerem conjecturas com base nos sentidos que só poderiam conduzir-nos a um conhecimento provável e incerto,

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as operações da razão que conduzem à verdade e à certeza são apenas duas: a intuição e dedução.

A intuição, é portanto, um acto puro e atento da inteligência que apreende directa e imediatamente noções tão simples que acerca da sua validade não pode restar qualquer dúvida. Assim, o que caracteriza a intuição é a sua clareza e distinção, o seu caracter imediato, o facto de constituir um acto de apreensão total e completa.

Fruto de uma singularidade meditativa, a intuição é o fundamento do seu individualismo subjectivista. Como Descartes escreve:

“Entre os quais [os pensamentos que me ocupavam], um dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, muitas vezes, não há tanta perfeição nas obras compostas por várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, quanto naquelas em que um só trabalhou. Desta forma vemos que os edifícios que um só arquitecto empreendeu e acabou, são habitualmente mais belos e melhor ordenados, do que aqueles que vários tentaram compor, servindo-se de velhas paredes que tinham servido para outros fins. Assim, essas antigas cidades que, não tendo sido de início senão pequenos burgos, tornaram-se, com o passar do tempo, grandes cidades, são geralmente tão mal ordenadas em comparação com essas praças regulares que um engenheiro traça à sua fantasia numa planície que, ainda que considerando os seus edifícios um por um, encontramos neles tanta ou mais arte do que nos das outras (...).”

Descartes, Discurso do Método, II Parte, ed. cit., p. 18.

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A construção do edifício do saber só é possível a partir de projectos unitários, solitariamente concebidos e ordenadamente aplicados.

A dedução é, em primeiro lugar, um encadeamento de intuições. Ela pressupõe portanto a intuição das ideias simples e das relações existentes entre elas das quais conclui, necessariamente, outras ideias e relações, como consequências lógicas das anteriores.

A dedução estabelece um encadeamento entre as proposições, um nexo lógico de antecedente e consequente de tal modo que a verdade do antecedente exige a verdade do consequente. Assim, a dedução permite construir uma relação necessária entre as proposições de tal modo que a verdade das proposições intuitivas possa passar para a conclusão. Nesse sentido, é necessário partir de verdades evidentes para depois, dedutivamente, descobrir todas as outras ainda não conhecidas e, assim, alcançar o

René Descartes

Os três sonhos de Descartes

Descartes acorda sentindo uma dor aguda no lado esquerdo do corpo e volta-se para o lado direito. Faz uma pequena oração a pedir a Deus que lhe afaste os pesadelos pelos quais algum espírito mau o quer atormentar.

Após ter reflectido durante duas horas sobre os bens e os males deste mundo, Descartes adormece de novo e tem, então, um segundo sonho.

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Descartes entende o estrondo do trovão e a claridade luminosa do raio, bem como as faíscas deste derivadas, como um sinal da Verdade que descia sobre ele para o possuir.

Readormece e dá-se então o terceiro sonho.

Ainda a dormir, Descartes apercebe-se que está a sonhar e interpreta este último sonho do seguinte modo: o Dicionário significaria a reunião de todas as ciências; o Corpus Poetarum, a união entre a filosofia e a sabedoria; o Est e Non, o sim e o não, representariam a necessidade de opção entre a verdade e a falsidade na ciência.

Que sentido atribuir a estes sonhos? Que significado oculto poderão eles esconder? Que terá, de facto, Descartes descoberto nesse dia 10 de Novembro de 1619? Que entusiasmo o levou a deitar-se com o espírito perturbado e ter três sonhos consecutivos a que deu uma importância decisiva para a sua vida?

As opiniões divergem quanto a esta questão.

Terá sido a descoberta da ideia da constituição de uma Mathesis Universalis, isto é, da unidade do corpo das ciências?

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Será que Descartes descobriu, com o princípio da Geometria, a generalidade do método, apercebendo-se que o método se aplica, não só às coisas matemáticas, mas também às coisas físicas e espirituais?

Ou, simplesmente, será que Descartes descobriu a sua vocação filosófica, que estes três sonhos foram como que a revelação simbólica de que deveria consagrar a sua vida à missão de filosofar?

Descartes e a Matemática

Descartes é um dos grandes matemáticos de todos os tempos. Ele foi um dos fundadores da geometria analítica: a geometria passou a beneficiar da linguagem da análise, mais fácil de manejar e, por outro lado, a análise ganhou com o suporte intuitivo fornecido pela geometria.

Foi no decorrer do ano de 1637 que Descartes concluiu o Discurso do Método acompanhado de três anexos, o último dos quais A Geometria. Escrita com a intenção de ilustrar matematicamente as considerações filosóficas gerais do Discurso do Método relativamente ao método científico, A Geometria é a única obra matemática publicada pelo filósofo e matemático, ocupando uma centena de páginas.

De entre os vários domínios matemáticos em que Descartes trabalhou, salientamos os seguintes:

Geometria analítica Álgebra geométrica Classificação das curvas Identificação de cónicas Normais e tangentes

Foi Descartes quem, imaginando o sistema de coordenadas de um ponto, construiu as bases da Geometria Analítica. Para dar a sua justa relevância e homenagear esse facto, denominam-se ainda hoje de cartesianos os referenciais em que se representam graficamente as funções.

Recordemos brevemente como se constroem esses gráficos:

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Correspondência entre o plano e IR²

Traçamos duas rectas orientadas perpendiculares que se intersectam num ponto 0, origem dos eixos.

Escolhemos uma unidade e representamos os números inteiros nas duas rectas. No eixo horizontal, os números positivos são representados à direita do ponto 0. No eixo vertical os números positivos são representados acima do ponto 0. Ao eixo horizontal chamamos eixo das abcissas ou eixo dos xx. Ao eixo vertical chamamos eixo das ordenadas ou eixo dos yy.

Designamos este conjunto de eixos por referencial cartesiano.

Para determinar o ponto correspondente a um par ordenado, devemos ter em conta que:

1. O 1º elemento é a abcissa do ponto - 1ª coordenada.2. O 2º elemento é a ordenada do ponto - 2ª coordenada.3. Os dois elementos constituem as coordenadas do ponto.

A um par ordenado de números reais (o primeiro no eixo dos xx e o segundo no dos yy) corresponde um ponto do plano que se situa na intersecção da recta paralela ao eixo dos yy que passa no ponto do eixo dos xx de abcissa a, com a recta paralela ao eixo dos xx que passa no ponto do eixo dos yy de ordenada b.

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Assim, se P for o conjunto dos pontos do plano e IR² o conjunto de todos os pares ordenados de números reais, podemos estabelecer uma correspondência biunívoca entre P e IR²: a cada ponto corresponde um par e reciprocamente.

O plano fica dividido em quatro partes - os quadrantes.

René Descartes

Correspondência entre o espaço e IR³

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Consideram-se três eixos, perpendiculares dois a dois, com a mesma origem em O: o eixo dos xx ou das abcissas, o eixo dos yy ou das ordenadas e o eixo dos zz ou das cotas.

A um terno de números reais (em que o primeiro é a abcissa, o segundo a ordenada e o terceiro a cota) corresponde um ponto do espaço, obtido através de paralelas aos eixos.

Os eixos, dois a dois, definem, assim, planos - chamados planos coordenados, ou seja, xOy, yOz e xOz.

Deste modo, se E for o conjunto de todos os pontos do plano e IR³ o conjunto de todos os ternos ordenados de números reais, podemos estabelecer uma correspondência biunívoca entre E e IR³: a cada ponto do espaço corresponde um terno de números reais e reciprocamente.

O espaço fica dividido em oito porções - os octantes.

Todas as leis da geometria euclidiana permanecem verdadeiras nesta nova geometria. Por exemplo, na geometria euclideana uma recta é descrita por dois pontos e, na geometria cartesiana, uma vez que um ponto é descrito por um par de números, então uma recta pode ser descrita por dois pares.

Um exemplo do trabalho de Descartes utilizando o conceito de coordenadas é o da demonstração de que as diagonais de um rectângulo têm comprimentos iguais.

1. Consideremos uma curva como mostra a figura:

e seja P um ponto da curva. Podemos, assim, estudar a curva se analisarmos a posição do ponto P que se desloca para cima ou para baixo quando a linha vertical se move para a direita ou esquerda. A posição é, pois, a distância x a um ponto fixo O. A linha vertical PQ dá-nos a distância, y, a que o ponto P se encontra acima da linha OQ. Deste modo, para cada posição de P teremos um valor de x e de y. O que caracteriza cada curva é, pois, a relação entre x e y.

2. Consideremos uma linha recta que passe pelo ponto O e que faça um ângulo de 45º com a linha horizontal, como mostra a figura

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Se deslocarmos a linha PQ, haverá uma posição P tal que a distância y será igual a x. OQP forma, assim, um triângulo isósceles, ou seja, OQ é igual a OP. Temos que y=x caracteriza qualquer ponto da linha recta, isto é, para um ponto fazer parte da linha recta ele terá de satisfazer a equação y=x. Ao ponto R, por exemplo, corresponde um valor y diferente do de x, ou seja, R não pertence à linha recta.

Se considerarmos, como já vimos, um sistema de eixos perpendiculares com intersecção O, temos que qualquer ponto de uma curva fica definido pelo valor de x (abcissa de P) e pelo valor de y (ordenada de P).

3. Vejamos ainda como a equação da circunferência que conhecemos, surgiu naturalmente para Descartes.

Consideremos a seguinte figura:

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onde o raio da circunferência é 5. O Teorema de Pitágoras diz-nos, pois, que x²+y²=25, pois x e y são os catetos de um triângulo rectângulo de hipotenusa 5.

Assim, cada ponto P da circunferência de coordenadas (x,y) satisfaz esta equação. Qualquer ponto que não pertença à circunferência, não satisfaz aquela equação.

A Geometria de Descartes também permite representar uma curva quando nos é dada uma equação.

4. Consideremos agora a equação y=x². Que tipo de curva lhe estará associada?

Sabe-se que à direita de O, o valor da abcissa de P, isto é, de x, é positivo. A equação dá-nos um valor de y igual a x². Temos então que a ordenada também será positiva, ou seja, ficará acima do eixo dos xx.Nota-se ainda que para valores pequenos de x se têm valores pequenos de y. Contudo, para valores maiores de x, o valor de y aumenta consideravelmente.

Assim, é fácil imaginar o aspecto que tomará a curva para valores de x à direita de O.

Por outro lado, quando PQ se move para a esquerda de O, o valor da abcissa de P é negativo. Porém, o valor de y é x² que é positivo.

Deste modo, para x e -x obtém-se o mesmo valor de y. A curva tomará então o mesmo comportamento que a anterior mas no sentido contrário, ou seja, para valores muito pequenos à esquerda de O, y tomará valores muito grandes. Aproximando-nos de O, verificamos que y tomará valores pequenos.

A curva terá então a forma:

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onde se verifica haver uma simetria em relação ao eixo dos yy.

Esta associação entre equação e curvas, possibilitou várias aplicações em diversos campos, em especial do domínio científico. As curvas foram, mais tarde, utilizadas em telescópios, microscópios, máquinas de raio-X,...

Além disso, proporcionou a expansão desta ideia a um espaço tridimensional.

Descartes verificou que podia descrever a posição de um ponto por um terno de números, como acima referimos.

Tal como no plano, Descartes também verificou ser possível relacionar equações algébricas e figuras geométricas no espaço.

Vejamos alguns exemplos.

A esfera

A esfera é um conjunto de pontos no espaço que estão situados à mesma distância de um ponto - o centro da esfera.

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Consideremos o seguinte exemplo como mostra a figura, cujos pontos distam 5 unidades do centro da esfera. Seja ainda o centro da esfera coincidente com a origem do referencial a três dimensões. Um ponto P na esfera tem coordenadas (x,y,z). Verifica-se que x e y são os catetos de um triângulo rectângulo com hipotenusa OR. Pelo teorema de Pitágoras, tem-se:

x²+y²=OR². (1)

OR e z são, por sua vez, os catetos do triângulo rectângulo ORP, cuja hipotenusa é OP, ou seja, 5 unidades. Da mesma forma se vê que OR²+z²=25.

Substituindo OR² pelo valor de (1), temos que x²+y²+z²=25.

Esta é a equação da esfera. Qualquer ponto que esteja na esfera satisfaz esta equação.

Notemos as semelhanças desta equação com a da circunferência.

O parabolóide

Tal como para a esfera, chegamos à seguinte equação do parabolóide x²+y²=z, que tem muitas semelhanças também com a equação da parábola y=x².

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Existe, assim, uma ligação entre as equações das figuras no plano e no espaço.

Estavam, pois, abertos os caminhos para se explorar uma geometria no espaço. O mundo físico podia ser visto a quatro dimensões. Qualquer acontecimento tem lugar num certo espaço e tempo. A posição no espaço poderia ser dada por um terno de números x, y e z, e o tempo seria a quarta coordenada t.

Esta nova perspectiva permitia, por exemplo, descrever a posição dos planetas que a cada momento ocupam uma determinada posição no espaço.

Bibliografia

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Fonte: www.educ.fc.ul.pt

René Descartes

31 de março de 1596, em La Haye (hoje Descartes), Touraine, França.11 de fevereiro de 1650, em Estocolmo, Suécia

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René Descartes

René Descartes foi um filósofo cuja obra, La Géometre, inclui a aplicação da álgebra à geometria, o que originou a Geometria Cartesiana.

Descartes foi educado no colégio Jesuíta de La Flèche, em Anjou, que frequentou dos oito aos dezesseis anos. Lá ele aprendeu lógica, filosofia aristotélica tradicional e matemática. Um fato curioso que teve início nesta época foi que, devido à sua saúde frágil, era permitido ao jovem Descartes permanecer na cama até onze horas da manhã. E ele manteve este hábito até o dia de sua morte.

Ainda na escola, René lançou as bases do trabalho de sua vida. Ele percebeu como eram pequenos os seus conhecimentos e que a matemática era a única matéria que o atraía. Essa idéia foi o fundamento do seu modo de pensar.

Terminados os estudos no colégio, Descartes foi para a universidade de Poitiers, onde se formou em direito (1616). Depois disso, alistou-se na escola militar de Breda. Em 1618, começou a estudar matemática sob a tutela do cientista holandês Isaac Beeckman, e a procurar por uma ciência natural única.

Em 1619, juntou-se ao exército da Bavária, e começou a viajar pela Europa. Numa dessas viagens, conheceu Mersenne, que o manteve em contato com o mundo científico por muitos anos. Em 1628, cansado das viagens e depois de muito ponderar, Descartes decidiu fixar residência na Holanda, que ele pensava se adequar à sua natureza.

Logo que chegou a Holanda, começou a trabalhar em seu maior tratado em física: Le Monde, ou Traité de la Lumière. Quando estava prestes a terminar, a notícia da condenação de Galileu a prisão domiciliar chegou aos seus ouvidos, e Descartes achou melhor não publicar sua obra (e de fato, ela só foi publicada, parcialmente, após a sua morte).

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Descartes foi pressionado por vários de seus colegas cientistas (como Mydorge, Hortensius, Huygens e Frans van Schooten), a publicar Le Monde. Ele resistiu, mas escreveu um outro tratado científico entitulado Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans les sciences. Três apêndices a esse trabalho foram La Dioptrique, Les Météores, e La Géometrie. O tratado foi publicado em 1637, em Leiden, e sobre ele escreveu Descartes a Mersenne:

Eu tentei, com Dioptrique e Météores, mostrar que meu método é melhor que o corriqueiro, e com La Géometre, demonstrá-lo.

O trabalho demonstra o que Descartes tinha como filosofia: que somente a matemática era correta, portanto tudo deveria se basear nela.

La Dioptrique é, em essência, um trabalho em óptica, cujo valor está nos resultados experimentais encontrados por Descartes. Les Météores é um trabalho sobre meteorologia, na verdade, é o primeiro trabalho em que se tentou consolidar o estudo do clima em bases científicas. Entretanto, sua contribuição para essa área não foi grande, pois a obra contém muitos conceitos errados, alguns dos quais poderiam ser verificados com a realização de experimentos simples (exemplo disso é a afirmação feita de que a água que tenha sido fervida congela mais rápido).

La Géométrie é claramente a parte mais importante da produção científica de Descartes. Scott resumiu a importância desse trabalho em quatro pontos:

1. Ela dá o primeiro passo em direção à teoria das invariâncias, que mais tarde acabou por desrelativizar o sistema de referência e remover arbitrariedades.

2. A Álgebra possibilita o reconhecimento de problemas típicos em geometria e o estabelecimento de relações entre problemas aparentemente desconexos quando tratados em caráter geométrico

3. A Álgebra traz para a geometria princípios naturais de divisão e de hierarquia de métodos

4. Não somente a álgebra possibilita a resolução de várias questões em geometria, como fornece múltiplas opções para isso. Permite que se decidam por métodos mais elegantes, mais rápidos ou mais completos. Algumas idéias em La Géométrie podem ter sido baseadas em trabalhos de Oresme, mas nestes não há indícios de ligação entre a álgebra e a geometria. Há também suspeitas de que os resultados alcançados pelo matemático Harriot em seus estudos em equações tenham influenciado Descartes. Mas este, sempre declarou (falsamente) nunca ter sido influenciado por ninguém em seus trabalhos.

Em 1641, Descartes publicou Meditations on First Philosophy (considerações em primeira filosofia), destinada a filósofos e teólogos. A obra consiste de seis considerações: Das coisas que nós talvez duvidemos, Da Natureza da Mente Humana, De Deus: Que Ele Existe, Da Verdade e do Erro, Da Essência das Coisas Materiais, Da Existência das Coisas Materiais e Da Real Distinção Entre a Mente e o Corpo do Homem.

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O trabalho mais compreensível de Descartes, Principia Philosophiae, foi publicado em Amsterdã em 1644. Composto de quatro partes, Os Princípios do Conhecimento Humano, Os Princípios das Coisas Materiais, Do Mundo Visível e A Terra, ele se propõe a fundamentar todo o universo na matemática, reduzindo seu estudo ao da mecânica.

Este é um ponto de vista importante. Descartes não acreditava na ação à distância. Dessa forma, não poderia haver vácuo cercando a Terra, ou não haveria transferência de forças.

Em muitos aspectos, a teoria de Descartes de que as forças agem por contato é mais satisfatória do que o misterioso efeito da gravidade agindo à distância. Entretanto, sua mecânica deixa muito a desejar. Ele assume que todo o universo é preenchido com matéria a qual, devido a algum movimento inicial, acionou um sistema de vórtices que carrega as estrelas e os planetas em sua trilha.

Apesar de todas as falhas na teoria dos vórtices, o modelo de Descartes foi aceito ainda muitos anos depois de Newton provar sua impossibilidade. Como coloca Brewster, um dos biógrafos de Newton:

A mente desinstruída de Descartes não podia admitir a idéia de grandes massas suspensas no espaço vazio, mantidas em suas órbitas apenas por uma influência invisível?

Em 1649, a rainha Christina da Suécia persuadiu Descartes a se mudar para Estocolmo. Como a rainha queria desenhar tangentes às cinco da manhã todos os dias, ele abandonou seu hábito de acordar tarde. Após alguns meses andando pelo palácio nas madrugadas frias da capital sueca, Descartes morreu de pneumonia.

Carlos Eduardo Tibúrcio

Fonte: www.ime.unicamp.br

René Descartes

Descartes rompeu com o aparato conceitual da escolástica medieval para edificar seu próprio sistema, e por isso é considerado um dos fundadores da filosofia moderna.

René Descartes, latinizado como Renatus Cartesius, origem do nome de "cartesianismo" dado a sua doutrina, nasceu em La Haye, França, em 31 de março de 1596. De família abastada, com oito anos entrou para o colégio dos jesuítas de La Flèche, onde adquiriu ampla formação filosófica e matemática. Formado em direito pela Universidade de Poitiers em 1616, no ano seguinte iniciou um período de viagens "para estudar mais livremente no livro do mundo" e assim concretizar seu desejo de "aprender a distinguir o verdadeiro do falso". Em 1618 alistou-se no exército de Maurício de Nassau, nos Países Baixos, e um ano depois no de Maximiliano da Baviera. Foi nessa época que,

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segundo suas próprias palavras, "brilhou a luz de uma revelação admirável" e Descartes encontrou o caminho para elaborar sua filosofia.

Depois de outra etapa de viagens, instalou-se em 1625 em Paris, onde levou uma vida tranqüila de reflexão e trabalho. Três anos mais tarde, em busca de um ambiente mais propício ao estudo, mudou-se para os Países Baixos. Ali redigiu as Regulae ad directionem ingenii (Regras para a direção do espírito), só publicadas em 1710. Em 1637 apareceu em Leyden seu famoso Discours de la méthode (Discurso sobre o método), com três apêndices científicos: Dioptrique (Dióptrica), Météores (Meteoros) e Geométrie (Geometria).

Em 1633, ao saber da condenação de Galileu, de cujas idéias compartilhava, Descartes sustou a publicação do Traité du monde (Tratado sobre o mundo); contudo, partes dessa obra apareceram em 1641. Também publicadas em 1641, suas Meditationes de prima philosophia (Meditações sobre filosofia primeira) encontraram franca oposição nos meios holandeses e seus livros foram proibidos pela igreja. Isso o levou a pensar em voltar para a França. Contudo, o convite que recebeu da rainha Cristina da Suécia o fez decidir-se, em 1649, a viver nesse país.

Filosofia de Descartes. No Discurso sobre o método, Descartes afirma que sua decisão de elaborar uma doutrina baseada em princípios totalmente novos procede do desencanto em relação aos ensinamentos filosóficos que recebera. Convencido de que a realidade inteira respondia a uma ordem racional, pretendia criar um método que possibilitasse alcançar, em todo o âmbito do conhecimento, a mesma certeza que a aritmética e a geometria proporcionavam em seus campos.

Teoria do conhecimento: a dúvida metódica. Para realizar seu propósito, Descartes estrutura fundamentalmente seu método em quatro regras: (1) nunca aceitar como verdade senão aquilo que vejo clara e distintamente como tal; (2) decompor cada problema em suas partes mínimas; (3) ir do mais compreensível ao mais complexo; e (4) revisar completamente o processo para assegurar-se de que não ocorreu nenhuma omissão.

Todo esse método, contudo, reside na primeira regra: como obter a certeza? O instrumento utilizado por Descartes para resolver o problema é a "dúvida metódica". De acordo com esse princípio, ele questiona todos os seus conhecimentos, inclusive o de sua própria existência. Ora, em toda dúvida existe algo de que não podemos duvidar: a própria dúvida, isto é, eu não posso duvidar de que estou duvidando. Mas a dúvida, prossegue Descartes, é um pensamento, meu pensamento, e eu não posso pensar sem existir. Portanto, há algo de que posso ter uma firme certeza: penso, logo existo, ou je pense, donc je suis (em latim, cogito, ergo sum). Eu sou, em última análise, uma substância pensante, espiritual.

A partir daí Descartes elabora toda sua filosofia. O cogito lhe servirá como chave para prosseguir: toda representação que se lhe apresentar com "clareza" e "distinção" -- os dois critérios cartesianos de certeza -- tal como se manifesta o cogito, deverá ser tida como correta e aceitável. É a aplicação positiva da dúvida metódica.

Dessa forma, Descartes começa a "passar em revista" todos os conhecimentos que pusera de lado no início de sua busca. Quando os reconsidera, dá-se conta de que as

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representações são de três classes: idéias "inatas", como as de verdade, justiça, substância; idéias "adventícias", originadas pelas coisas exteriores; e idéias "factícias" ou "feitas por mim mesmo" , as que são tidas como criações de nossa fantasia, como os monstros fabulosos etc.

Nesse ponto, Descartes introduziu uma nova cautela na aceitação das idéias. Poderia ocorrer, diz ele, que os conhecimentos "adventícios", que eu considero como correspondentes a impressões de coisas que realmente existem fora de mim, fossem provocados por um "gênio maligno" que desejasse enganar-me. Contudo, essa hipótese é rechaçada de imediato, uma vez que, por outro lado, entre as idéias que encontro em mim mesmo, sem correlação externa sensível e que denominei "inatas", está a idéia de Deus. Dado que a idéia de Deus possui certos atributos, como a infinitude, que não podem provir de parte alguma, é necessário que ele os tenha posto no intelecto. Portanto, Deus existe; e, dado que a idéia de Deus é a de um ser perfeito, ele é incapaz de enganar-se ou de enganar-me. Portanto, posso ter plena certeza da validade de meu conhecimento.

Na verdade, essa demonstração da existência de Deus constitui uma variante do argumento ontológico já empregado no século XII por santo Anselmo de Canterbury, e foi duramente atacada pelos adversários de Descartes, que o acusavam de cair num círculo vicioso: para demonstrar a existência de Deus e assim garantir o conhecimento do mundo exterior, utilizam-se os critérios de clareza e distinção, mas a confiabilidade destes é por sua vez justificada pela existência de Deus.

Matéria e espírito. Admitida a existência do mundo corporal, Descartes passa a determinar qual é a essência dos seres. Aqui introduz seu conceito de substância, aquilo que "existe de tal modo que só necessita de si mesmo para existir". As substâncias se manifestam por seus modos e atributos; os atributos são aqueles modos que revelam a determinação essencial da substância, isto é, aquilo sem o que uma substância deixaria de ser tal substância. Assim, resulta claro para Descartes que o atributo dos corpos é a extensão, e todas as demais determinações -- forma, cor, figura etc -- são modos.

Da mesma forma, considera evidente que o atributo do espírito é o pensamento, pois o espírito "pensa sempre". A conclusão é que existe uma substância pensante -- res cogitans -- e uma substância que compõe os corpos físicos -- res extensa -- e que ambas são irredutíveis entre si e totalmente separadas. É a isso que se chama o "dualismo" cartesiano.

O caráter que Descartes outorga aos corpos implica outra conclusão necessária: se o corpo é uma simples magnitude espacial, não existe espaço vazio; a matéria é infinita, e as mudanças qualitativas nos corpos são simples mudanças de lugar no espaço: trata-se de uma explicação puramente mecanicista do mundo, que permite interpretá-lo de acordo com leis matemáticas -- como, de fato, Descartes fez em seus escritos científicos.

Corpo e alma. A separação radical entre matéria e espírito é aplicada rigorosamente, em princípio, a todos os seres. Assim, os animais não são mais que máquinas. Contudo, Descartes faz uma exceção quando se trata do homem. Dado que este se compõe de corpo e alma, e sendo o corpo, por definição, material e extenso, e a alma, espiritual e pensante, deveria haver entre eles uma absoluta ausência de comunicação. No entanto,

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no sistema cartesiano isso não acontece; a alma e o corpo se comunicam entre si, mas não ao modo clássico, isto é, a alma constituindo a "forma" do corpo, e sim de uma maneira singular. A alma está assentada na glândula pineal, situada no encéfalo, e dali rege o corpo, como "o navegante dirige a nave", por meio dos spiritus animales, substâncias a meio caminho entre espírito e corpo, à maneira de finíssimas partículas de sangue, que transmitem ao corpo as ordens da alma.

Influência do cartesianismo. Enquanto sistema rígido e fechado, o cartesianismo não teve muitos seguidores e perdeu sua vigência em poucas décadas. Contudo, a filosofia cartesiana tornou-se ponto de referência para grande número de pensadores, para tentar resolver as contradições que encerrava, como fizeram os racionalistas, ou para rebatê-la frontalmente, caso dos empiristas. Assim, o alemão Leibniz e o holandês Spinoza estabeleceram formas de paralelismo psicofísico para explicar a comunicação entre corpo e alma. Spinoza, aliás, foi mais longe, afirmando que existia uma só substância, que englobava em si a ordem das coisas e a ordem das idéias, e da qual a res cogitans e a res extensa não eram senão atributos, com o que se chega ao panteísmo. De um ponto de vista completamente oposto, os empiristas ingleses Thomas Hobbes e John Locke negaram que a idéia de uma substância espiritual fosse demonstrável, afirmaram que não existiam idéias inatas e que a filosofia devia reduzir-se ao terreno do conhecimento pela experiência. A concepção cartesiana de um universo mecanicista, enfim, influenciou decisivamente a gênese da física newtoniana.

Em suma, não é exagero afirmar que, embora Descartes não tenha chegado a resolver todos os problemas que levantou, tais problemas se tornaram questões centrais da filosofia ocidental. René Descartes morreu em Estocolmo, em 1o de fevereiro de 1650, poucos meses depois de sua chegada à corte da rainha Cristina.

Fonte: www.mundofisico.joinville.udesc.br

René Descartes

René Descartes (* 31 de Março de 1596, † 11 de Fevereiro de 1650), também conhecido como Cartesius, foi um filósofo e um matemático francês. Notabilizou-se sobretudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesianas, que influenciou o desenvolvimento do cálculo moderno.

Descartes, por vezes chamado o fundador da filosofia moderna e o pai da matemática moderna, é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da história humana. Ele inspirou os seus contemporâneos e gerações de filósofos. Na opinião de alguns comentadores, ele iniciou a formação daquilo a que hoje se chama de Racionalismo continental (supostamente em oposição à escola que predominava nas ilhas britânicas, o Empirismo), posição filosófica dos séculos XVII e XVIII na Europa.

Outros autores não vêem então uma grande oposição entre o "Racionalismo continental" do século XVIII e o empirismo. O grande cisma teria início com Hegel, que partiu da

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posição de Kant onde havia já alguns sinais de Idealismo, mas ainda uma base racional que não se desviava muito da tradição empírica Inglesa. A leitura de Hume foi um ponto fulcral na obra de Kant, até então sem qualquer texto relevante publicado. Kant disse mesmo que Hume o despertou de um "sono dogmático".

Descartes nasceu em La Haye, Indre-et-Loire, França. Com oito anos, ingressou no Colégio Jesuíta Royal Henry-Le-Grand em La Flèche. Tinha bastante liberdade e era apreciado pelos professores, mas declarou no Discurso Sobre o Método decepção com o ensino escolástico. Depois, seguiu seus estudos na Universidade de Poitiers, graduando com Baccalauréat e Licença em Direito em 1616.

Contanto, Descartes nunca exerceu o direito, e em 1618 alistou-se no exército do Príncipe Maurício de Nassau, com a intenção de seguir carreira militar. Mas se declarava menos um ator do que um espectador: antes ouvinte numa escola de guerra do que verdadeiro militar. Conheceu então Isaac Beeckman, e compôs um pequeno tratado sobre música intitulado Compendium Musicae. É nessa época também que escreve Larvatus prodeo (Eu caminho mascarado). Em 1619, viajou até a Alemanha e no dia 10 de Novembro teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Em 1622, ele retornou a França e passou os seguintes anos em Paris a algumas outras partes da Europa.

Em 1628, ele compôs as Regulae ad directionem ingenii (Regras para a Direção do Espírito), e partiu para os Países Baixos, onde viveu até 1649, mas mudando de endereço frequentemente. Em 1629 começou a trabalhar em Tratado do Mundo, uma obra de física, que deveria defender a tese do heliocentrismo, mas em 1633, quando Galileu foi condenado, Descartes abandonou seus planos de publicá-lo. Em 1635, a filha ilegítima de Descartes, Francine, nasceu. Ela foi batizada no dia 7 de Agosto de 1635. Sua morte em 1640 foi um grande baque para o Descartes.

Em 1637, ele publicou três pequenos resumos de sua obra científica: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria mas é o prefácio dessas obras que continua sendo lido até hoje: o Discurso Sobre o Método. Em 1641, aparece sua obra mais conhecida: as Meditações Sobre a Filosofia Primeira, com os primeiros seis conjuntos de Objeções e Respostas. Os autores das objeções são: do primeiro conjunto, o téologo holandês Johan de Kater; do segundo, Mersene; do terceiro, Thomas Hobbes; do quarto, Arnauld; do quinto, Pierre Gassendi; e do sexto conjunto, Mersene. Em 1642, a segunda edição das Meditações incluía uma sétima objeção, feita pelo jesuíta Pierre Bourdin, seguida de uma Carta a Dinet. Em 1643, a filosofia Cartesiana foi condenada pela Universidade de Utrecht, e Descartes começou sua longa correspondência com a Princesa Elizabeth de Bohemia. Descartes publicou Os Princípios de Filosofia, uma espécie de manual cartesiano, e faz uma visita rápida a França em 1644, onde encontra o embaixador da frança junto à corte sueca, Chanut, que o põe em contato com a rainha Cristina. Em 1647 ele foi premiado com uma pensão pelo Rei da França e começou a trabalhar na Descrição do Corpo Humano. Ele entrevistou Frans Burman em Egmond-Binnen em 1648, resultando na Conversa com Burman. Em 1649 ele foi a Suécia a convite da Rainha Christina, e suas Tratado das Paixões, que ele dedicou a Princesa Elizabete, foram publicados.

René Descartes morreu de pneumonia no dia 11 de Fevereiro, 1650 em Estocolmo, Suécia, onde ele estava trabalhando como professor a convite da Rainha. Acostumado a

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trabalhar na cama até meio-dia, sua saúde por ter sofrido com as demandas da Rainha Christina - começavam seus estudos às 5 da manhã. Como um católico num país protestante, ele foi enterrado num cemitério de crianças não batizadas, em Adolf Fredrikskyrkan em Estocolmo. Depois, seus restos foram levados para a França e enterrados na Igreja de São Genevieve-du-Mont em Paris. Um memorial construído no século XVIII permanece na igreja sueca.

Durante a Revolução Francesa seus restos foram desenterrados para irem ao Panthéon, ao lado de outros grandes pensadores franceses. A vila no vale Loire onde ele nasceu foi renomeada La Haye - Descartes.

Em 1667, depois de sua morte, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Índice de Livros Proibidos.

Pensamento

Descartes é considerado o primeiro filósofo "moderno". Sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou o seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - ambas escritas no vernáculo, ao invés do latim tradicional dos trabalhos de filosofia - as bases da ciência contemporânea.

O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser, etc, Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado. O próprio Descartes consegue provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - cogito ergo sum, penso logo existo) e de Deus. O ato de duvidar como indubitável.

Também consiste o método na realização de quatro tarefas básicas: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada; analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.

Em relação a Ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser passada pela metodologia de Newton. Ele mantinha, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo. Descartes acreditava que a matéria não possuía qualidades inerentes, mas era simplesmente o material bruto que ocupava o espaço. Ele divida a realidade em res cognitas (consciência, mente) e res extensa (matéria). Acreditava também que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vortical e que funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.

Matemáticos consideram Descartes muito importante por sua descoberta da geometria analítica. Até Descartes, a geometria e a álgebra apareciam como ramos completamente separados da Matemática. Descartes mostrou como traduzir problemas de geometria para a álgebra, abordando esses problemas através de um sistema de coordenadas.

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A Teoria de Descartes providenciou a base para o Cálculo de Isaac Newton e Gottfried Leibniz, e então, para muito da matemática moderna. Isso parece ainda mais incrível tendo em mente que esse trabalho foi intencionado apenas como um exemplo no seu Discurso Sobre o Método.

Fonte: geodesia.ufsc.br

René Descartes

Sua Vida

René Descartes, nascido em 1596 em La Haye - não a cidade dos Países-Baixos, mas um povoado da Touraine, numa família nobre - terá o título de senhor de Perron, pequeno domínio do Poitou, daí o aposto "fidalgo poitevino".

De 1604 a 1614, estuda no colégio jesuíta de La Flèche. Aí gozará de um regime de privilégio, pois levanta-se quando quer, o que o leva a adquirir um hábito que o acompanhará por toda sua vida: meditar no próprio leito. Apesar de apreciado por seus professores, ele se declara, no "Discurso sobre o Método", decepcionado com o ensino que lhe foi ministrado: a filosofia escolástica não conduz a nenhuma verdade indiscutível, "Não encontramos aí nenhuma coisa sobre a qual não se dispute". Só as matemáticas demonstram o que afirmam: "As matemáticas agradavam-me sobretudo por causa da certeza e da evidência de seus raciocínios". Mas as matemáticas são uma exceção, uma vez que ainda não se tentou aplicar seu rigoroso método a outros domínios. Eis por que o jovem Descartes, decepcionado com a escola, parte à procura de novas fontes de conhecimento, a saber, longe dos livros e dos regentes de colégio, a experiência da vida e a reflexão pessoal: "Assim que a idade me permitiu sair da sujeição a meus preceptores, abandonei inteiramente o estudo das letras; e resolvendo não procurar outra ciência que aquela que poderia ser encontrada em mim mesmo ou no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha juventude em viajar, em ver cortes e exércitos, conviver com pessoas de diversos temperamentos e condições".

Após alguns meses de elegante lazer com sua família em Rennes, onde se ocupa com equitação e esgrima (chega mesmo a redigir um tratado de esgrima, hoje perdido), vamos encontrá-lo na Holanda engajado no exército do príncipe Maurício de Nassau. Mas é um estranho oficial que recusa qualquer soldo, que mantém seus equipamentos e suas despesas e que se declara menos um "ator" do que um "espectador": antes ouvinte numa escola de guerra do que verdadeiro militar. Na Holanda, ocupa-se sobretudo com matemática, ao lado de Isaac Beeckman. É dessa época (tem cerca de 23 anos) que data sua misteriosa divisa "Larvatus prodeo". Eu caminho mascarado. Segundo Pierre Frederix, Descartes quer apenas significar que é um jovem sábio disfarçado de soldado.

Em 1619, ei-lo a serviço do Duque de Baviera. Em virtude do inverno, aquartela-se às margens do Danúbio. Podemos facilmente imaginá-lo alojado "numa estufa", isto é, num quarto bem aquecido por um desses fogareiros de porcelana cujo uso começa a se difundir, servido por um criado e inteiramente entregue à meditação. A 10 de novembro

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de 1619, sonhos maravilhosos advertem que está destinado a unificar todos os conhecimentos humanos por meio de uma "ciência admirável" da qual será o inventor. Mas ele aguardará até 1628 para escrever um pequeno livro em latim, as "Regras para a direção do espírito" (Regulae ad directionem ingenii). A idéia fundamental que aí se encontra é a de que a unidade do espírito humano (qualquer que seja a diversidade dos objetos da pesquisa) deve permitir a invenção de um método universal. Em seguida, Descartes prepara uma obra de física, o Tratado do Mundo, a cuja publicação ele renuncia visto que em 1633 toma conhecimento da condenação de Galileu. É certo que ele nada tem a temer da Inquisição. Entre 1629 e 1649, ele vive na Holanda, país protestante. Mas Descartes, de um lado é católico sincero (embora pouco devoto), de outro, ele antes de tudo quer fugir às querelas e preservar a própria paz.

Finalmente, em 1637, ele se decide a publicar três pequenos resumos de sua obra científica: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. Esses resumos, que quase não são lidos atualmente, são acompanhados por um prefácio e esse prefácio foi que se tornou famoso: é o Discurso sobre o Método. Ele faz ver que o seu método, inspirado nas matemáticas, é capaz de provar rigorosamente a existência de Deus e o primado da alma sobre o corpo. Desse modo, ele quer preparar os espíritos para, um dia, aceitarem todas as conseqüências do método - inclusive o movimento da Terra em torno do Sol! Isto não quer dizer que a metafísica seja, para Descartes, um simples acessório. Muito pelo contrário! Em 1641, aparecem as Meditações Metafísicas, sua obra-prima, acompanhadas de respostas às objeções. Em 1644, ele publica uma espécie de manual cartesiano. Os Princípios de Filosofia, dedicado à princesa palatina Elisabeth, de quem ele é, em certo sentido, o diretor de consciência e com quem troca importante correspondência. Em 1644, por ocasião da rápida viagem a Paris, Descartes encontra o embaixador da frança junto à corte sueca, Chanut, que o põe em contato com a rainha Cristina.

Esta última chama Descartes para junto de si. Após muitas tergiversações, o filósofo, não antes de encarregar seu editor de imprimir, para antes do outono, seu Tratado das Paixões - embarca para Amsterdã e chega a Estocolmo em outubro de 1649. É ao surgir da aurora (5 da manhã!) que ele dá lições de filosofia cartesiana à sua real discípula. Descartes, que sofre atrozmente com o frio, logo se arrepende, ele que "nasceu nos jardins da Touraine", de ter vindo "viver no país dos ursos, entre rochedos e geleiras". Mas é demasiado tarde. Contrai uma pneumonia e se recusa a ingerir as drogas dos charlatões e a sofrer sangrias sistemáticas ("Poupai o sangue francês, senhores"), morrendo a 9 de fevereiro de 1650. Seu ataúde, alguns anos mais tarde, será transportado para a França. Luís XIV proibirá os funerais solenes e o elogio público do defunto: desde 1662 a Igreja Católica Romana, à qual ele parece Ter-se submetido sempre e com humildade, colocará todas as suas obras no Index.

O Método

Descartes quer estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e em suas "longas cadeias de razão".

1. - A primeira regra é a evidência: não admitir "nenhuma coisa como verdadeira se não a reconheço evidentemente como tal". Em outras palavras, evitar toda "precipitação" e toda "prevenção" (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto, isto é, o que "eu não tenho a menor oportunidade de duvidar". Por conseguinte, a evidência é o

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que salta aos olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o que resiste a todos os assaltos da dúvida, apesar de todos os resíduos, o produto do espírito crítico. Não, como diz bem Jankélévitch, "uma evidência juvenil, mas quadragenária".

2. - A segunda, é a regra da análise: "dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem possíveis".

3. - A terceira, é a regra da síntese: "concluir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para, aos poucos, ascender, como que por meio de degraus, aos mais complexos".

4. - A última á a dos "desmembramentos tão complexos... a ponto de estar certo de nada ter omitido".

Se esse método tornou-se muito célebre, foi porque os séculos posteriores viram nele uma manifestação do livre exame e do racionalismo.

a) Ele não afirma a independência da razão e a rejeição de qualquer autoridade? "Aristóteles disse" não é mais um argumento sem réplica! Só contam a clareza e a distinção das idéias. Os filósofos do século XVIII estenderão esse método a dois domínios de que Descartes, é importante ressaltar, o excluiu expressamente: o político e o religioso (Descartes é conservador em política e coloca as "verdades da fé" ao abrigo de seu método).

b) O método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de modo algum, a evidência sensível e empírica. Os sentidos nos enganam, suas indicações são confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas. O ato da razão que percebe diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo das belas cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada mais é do que uma intuição continuada.

A Metafísica

No Discurso sobre o Método, Descartes pensa sobretudo na ciência. Para bem compreender sua metafísica, é necessário ler as Meditações.

Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").

Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas! Mas quê? Não é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um

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gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto (permitam-me retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié).

Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas idéias como o fundamento de todo conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as evidências matemáticas remetem a este ser que é meu pensamento).

Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele só tem certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido desse objeto que é meu corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser conhecida que o corpo").

É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão. Dentre as idéias do meu cogito existe uma inteiramente extraordinária. É a idéia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela veracidade divina. Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do mundo. O caminho é exatamente o inverso do seguido por São Tomás. Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que só têm um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto (por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o movimento). Alguns acham que Descartes fazia um circulo vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata da mesma evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a evidência dos objetos matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma evidência mais profunda que a ciência. É ela que fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode ser geômetra!).

A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo que Descartes (que não leu Santo Anselmo)

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reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa) do que de um raciocínio.

Fonte: www.mundodosfilosofos.com.br