remond século xix 100-123

12
J R.E.JI)ONDJ~' () ~ X,X, ~ ~; ~,~'113. rf'.400~12,3 5 MOVIMENTO OPERÁRIO, SINDICALISMO E SOCIALISMO Depois do movimento liberal, que provocou a evolução política e social da Europa e definiu uma forma de regime e um tipo de sociedade, depois da idéia democrática, cujos prolongamentos e aplicações estivemos considerando, aborda- mos a fase que se diz socialista. A idéia liberal corresponde, mais ou menos, à primeira metade do século XIX. A belle époque da democracia começa por volta de 1848 e se prolonga pelo menos até depois da ~, Primeira Guerra Mundial. A onda socialista surge mais tarde -- ainda, e não se manifesta senão no último quartel do século. Trata-se, portanto, de uma ordem de sucessão que coincide com a ordem lógica. Dos três movimentos sucessivos, é o último, por certo, que exige um confronto permanente da história política _e da história social, pois, em relação ao movimento operário e ao socialismo, o político e o social interferem de modo mais íntimo. A realidade que iremos examinar pertence ao mesmo tempo à história dos movimentos políticos e à história da sociedade. A própria nomenclatura sublinha a ósmose entre o político e o social: usa-se indiferentemente a expres- são movimento operário, que dá ênfase à referência sociológica. e socialismo, que designa uma inspiração filosófica, ambas intimamente imbrica das. Enquanto podíamos estudar o liberalismo e a democracia de dois pontos de vista diferentes, o das idéias e o das bases sociais, da. clientela, pontos de vista que, ambos, focalizam a realidade considerada das representações distintas e comple- 100 1- ~ mentares, quando se trata do socialismo, a abordagem socio- lógica se impõe de forma imperiosa. O primeiro dado, com efeito, é o encontro ocorrido no século XIX entre duas realidades de natureza diferente: entre o socialismo, de um lado, doutrina dC2yida política e-social, que cria escolas, organizà--ç-ões;- p-artidos, visando a uma ação de transformação política que decorre da chamada his- tória política e, de outro lado, um fenômeno que interessa essencialmente à história da sociedade, a formação de uma categoria social, a _classe operária, que se organiza em movi- mento para a defes-a de seusTnTeresses e a satisfação de suas reivindicações profissionais. É a conjunção dessas duas realidades que constitui a singularidade e a importância deste capítulo da História Geral. \ É grande a tentação de contar a história, depois, como ~ se ela tivesse obedecido a uma lógica imperturbável, a uma ,. necessidade implacável; refaz-se então a história do movimento operário como se, desde toda a eternidade, ele tivesse forne- cido ao socialismo sua inspiração; reescreve-se a história do socialismo como se fosse evidente ser ele a expressão filosófica, ideológica, da classe operária. Não ficou demonstrado que i essa conjunção tenha sido inelutável. De resto, se formos perscrutar o início de um e de outra, descobriremos que, antes de se encontrarem, ambos tiveram sua própria história. As origens elo socialismo são bem anleriores à revolução industrial. A intuição primeira, a inspiração inicial do socia- lismo, aliás, nada eleve ao proletariado, no sentido moderno do termo, já que sua primeira elaboração relaciona-se com os Jlroblemas agrários das sociedades rurais. A reivindicação de igualdade, a fórmula da partilha aplicaram-se primeira- mente à propriedade agrária. Babeuf não pensava num socia- lismo industrial e, se o Manifesto dos Iguais refere-se à divisão dos frutos, tinha em vista os frutos do trabalho da terra, e não os do trabalho industrial. . Não é só na sua pré-história que o socialismo revela nada ter a ver com o. industrialismo; ocorre, o mesmo no presente mais contemporâneo. Onde o socialismo encontra hoje um novo terreno? anele é que ele está tomando novo impulso? Nos países subdesenvolvidos, onde a agricultura é predominante, corno na América Latina. O socialismo africano 101

Upload: alexander-martins-vianna

Post on 18-Jun-2015

413 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REMOND Século XIX 100-123

J

R.E.JI)ONDJ~' () ~ X,X,

~ ~; ~,~'113. rf'.400~12,3

5

MOVIMENTO OPERÁRIO, SINDICALISMOE SOCIALISMO

Depois do movimento liberal, que provocou a evoluçãopolítica e social da Europa e definiu uma forma de regimee um tipo de sociedade, depois da idéia democrática, cujosprolongamentos e aplicações estivemos considerando, aborda-mos a fase que se diz socialista.

A idéia liberal corresponde, mais ou menos, à primeirametade do século XIX. A belle époque da democracia começapor volta de 1848 e se prolonga pelo menos até depois da

~, Primeira Guerra Mundial. A onda socialista surge mais tarde-- ainda, e não se manifesta senão no último quartel do século.

Trata-se, portanto, de uma ordem de sucessão que coincidecom a ordem lógica.

Dos três movimentos sucessivos, é o último, por certo,que exige um confronto permanente da história política _eda história social, pois, em relação ao movimento operárioe ao socialismo, o político e o social interferem de modomais íntimo. A realidade que iremos examinar pertence aomesmo tempo à história dos movimentos políticos e à históriada sociedade. A própria nomenclatura sublinha a ósmoseentre o político e o social: usa-se indiferentemente a expres-são movimento operário, que dá ênfase à referência sociológica.e socialismo, que designa uma inspiração filosófica, ambasintimamente imbrica das.

Enquanto podíamos estudar o liberalismo e a democraciade dois pontos de vista diferentes, o das idéias e o das basessociais, da. clientela, pontos de vista que, ambos, focalizam arealidade considerada das representações distintas e comple-

100

1-~

mentares, quando se trata do socialismo, a abordagem socio-lógica se impõe de forma imperiosa.

O primeiro dado, com efeito, é o encontro ocorrido noséculo XIX entre duas realidades de natureza diferente: entreo socialismo, de um lado, doutrina dC2yida política e-social,que cria escolas, organizà--ç-ões;- p-artidos, visando a umaação de transformação política que decorre da chamada his-tória política e, de outro lado, um fenômeno que interessaessencialmente à história da sociedade, a formação de umacategoria social, a _classe operária, que se organiza em movi-mento para a defes-a de seusTnTeresses e a satisfação de suasreivindicações profissionais.

É a conjunção dessas duas realidades que constitui asingularidade e a importância deste capítulo da HistóriaGeral.

\ É grande a tentação de contar a história, depois, como~ se ela tivesse obedecido a uma lógica imperturbável, a uma,. necessidade implacável; refaz-se então a história do movimento

operário como se, desde toda a eternidade, ele tivesse forne-cido ao socialismo sua inspiração; reescreve-se a história dosocialismo como se fosse evidente ser ele a expressão filosófica,ideológica, da classe operária. Não ficou demonstrado que

i essa conjunção tenha sido inelutável.De resto, se formos perscrutar o início de um e de outra,

descobriremos que, antes de se encontrarem, ambos tiveramsua própria história.

As origens elo socialismo são bem anleriores à revoluçãoindustrial. A intuição primeira, a inspiração inicial do socia-lismo, aliás, nada eleve ao proletariado, no sentido modernodo termo, já que sua primeira elaboração relaciona-se com osJlroblemas agrários das sociedades rurais. A reivindicaçãode igualdade, a fórmula da partilha aplicaram-se primeira-mente à propriedade agrária. Babeuf não pensava num socia-lismo industrial e, se o Manifesto dos Iguais refere-se à divisãodos frutos, tinha em vista os frutos do trabalho da terra, enão os do trabalho industrial. .

Não é só na sua pré-história que o socialismo revelanada ter a ver com o. industrialismo; ocorre, o mesmo nopresente mais contemporâneo. Onde o socialismo encontrahoje um novo terreno? anele é que ele está tomando novoimpulso? Nos países subdesenvolvidos, onde a agricultura épredominante, corno na América Latina. O socialismo africano

101

Page 2: REMOND Século XIX 100-123

liga-se às tradições ancestrais da África negra, e a maioria dosregimes da África negra propõe-se conciliar o socialismo mo-derno com o passado tradicional das aldeias africanas. A ori-ginalidade do comunismo chinês, que constitui um dos ele-mentos de sua díscordância em relação à interpretação sovié-tica do marxismo-leninismo, prende-se ao fato de a China darà questão agrária uma importância maior do que o socialismosoviético. . . ,.

Desse modo, tanto o passado como o presente mostramque o socialismo não se reduz à filosofia das sociedadesindustriais, e que pode haver - que houve - um socialismodas sociedades rurais.

Reciprocamente, o movimento operário teria podido tomarde empréstimo a outras doutrinas sua inspiração. De resto,no fim do século XVIII, na Inglaterra, as primeiras reaçõesde defesa operária não fazem alarde de um pensamento socia-lista. Voltadas para o passado, elas exigem o restabelecimentoda regulamentação dos séculos XVI e XVII, o restabelecimentodo estatuto dos artífices, que é uma carta corporativa. NaFrança, a elite operária dos compagnons também tem osolhos fixos no passado, que lhe parece, com o recuo do i.

t~mpo, uma idade d,e o.uro, ~~ reação contra o i~dividualismo \ \hberal e a vconcorrencia ongmana da Revoluçao. Na Ale-manha: desenvolveram-se sociedades operárias, em geral deinspiração confessional, que já não pedem ao socialismo aresposta para suas dificuldades. Exemplo disso é o movimentoKolping Familie - do nome do eclesiástico que o fundou -que teve grande voga. (A França conhecerá algo compará-vel, mas numa escala reduzida, com os círculos católicos deoperários, criados por Albertde Mun, logo após a Comuna).O movimento chartista, que fez tanto furor na Inglaterra vito-riana entre 1836 e 1849, não é socialista, mas democrata, eespera, da realização da democracia política integral, a solu-ção da questão social.

Esses lembretes sublinham o caráter relativamente fortuito] ,do encontro ocorrido no século XIX entre o movimento ope-: ..rário e o socialismo. '

O que há de positivo - e isso é essencial - é queesse encontro ocorreu. O socialismo, pouco a pouco, im-pregnou-se das, 'preocupações da classe operária, tornou suasas reivindicações das mesmas, procura uma solução para elas,e é nessas classes que ele encontra seu maior apoio. t;; no

. . .:::~

102

,-p'rol~JJUiadq dos operários da indústria que as escolas e ospartidos, que se dizem socialistas, recrutam seu pessoal, seusadeptos. Em troca, o movimento operário deve ao socialis-mo, a partir de datas que variam de acordo com os países,~~!!ençial de sua inspiração, a mola de suas atividades,su~,yisão do mundo - toda ação, mesmo profissional, temnecessidade de inscrever-se dentro de uma perspectiva deconjunto. Ele ainda toma de empréstimo ao socialismo ae.!~E~tégia, o método, o vocabulário e seus temas básicos.

Para retraçar a hist6ria desse encontro, é preciso partirdos alicerces, isto é, da formação de uma nova categoriasocial saída da revolução industrial. Examinaremos em se-guida essa nova classe e a condição que lhe é criada, osproblemas inéditos que ela provoca - o que, no século XIX,recebe o nome de "questão social", - e, enfim, veremosaresposta que o socialismo propõe, a mola mestra dessa ideo-logia e das organizações que nela vão buscar inspiração.

1. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E ACONDiÇÃO OPERÁRIA

SEUS COMPONENTES

Essa revolução industrial, que nasceu na Inglaterra doséculo XVIII e se propaga, no século XIX, pelo continente,na França, na Bélgica, a Oeste da Alemanha, no Norte daItália e em alguns pontos da península ibérica, repousa nouso de uma nova fonte de energia, o carvão, e nos desenvol-vimentos das-máquinas, depois das invenções que modificam'às técnicas de fabricação. A conjunção desses dois fatores,a aplicação dessa energia nova à maquinaria, constitui aorigem da revolução industrial, cujo símbolo é a máquina avapor.

SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Essa revolução causa mudanças de espécies diversas.De um lado, o trabalho humano, a relação do homem comseu trabalho foram profundamente afetados. Nem sempre,como uma versão idealizada faz pensar, há um alívio nosofrimento dos homens. Num primeiro tempo, no século XIX,o trabalho industrial é mais penoso do que antes .

103

Page 3: REMOND Século XIX 100-123

A revolução industrial modifica também as relações doshomens entre si. As máquinas, com efeito, introduzem nasestruturas tradicionais a transformação do mapa da indústria,que agora se reagrupa, - ou se desenvolve - em tornodas fontes de energia ou das matérias-primas, perto das cida-

. des, porque necessita de uma mão-de-obra numerosa. A. con-•. I ç~ptraçãogeográfica e humana. precipita a conjunção entrel o fenômeno urbano e a atividade propriamente industrial.

Essa mão-de-obra, em geral, vem dos çªJIlPos. Aqui sejuntam dois fenômenos, que muitas vezes são estudados emseparado: o crescimento da indústria, com a concentraçãoda mão-de-obra em torno das manufaturas, das fábricas, dasminas, e o êxodo rural que, progressivamente, esvazia os cam-pos das populações que os congestionavam.

Esses operários de origem rural, que vão formar os ba-:>'~ talhões da nova indústria, que enchem as manufaturas, as

oficinas, não são contudo os herdeiros diretos dos compagnonsmedievais ou elos artesãos das corporações: eles constituemuma classe inteiramente nova, uma realidade social original,mesmo se nem todos os seus contemporâneos tiveram cons-ciência exata do fenômeno.

Ao mesmo tempo em que surge uma nova classe, as rela-ções entre os grupos se modificam pouco a pouco e, comopor círculos concêntricos, os efeitos, diretos ou induzidos, daindustrialização vão-se ampliando.

Como o crescimento das unidades industriais supõe aaplicação de capitais, vemos também surgir uma categoriarelativamente nova, a dos chefes de indústria, a dos empre-sários, que dispõem de capitais ou fazem empréstimos. Mas,enquanto entre o patrão do Antigo Regime e seus artífices aseparação não era intransponível, entre os novos patrões e osnovos operários, o abismo que os separa cada vez se apro-funda mais. A disparidade dos gêneros de vida, a desigual-dade dos recursos acabam por criar como que duas huma-nidades diferen tes: de um lado, O capitalismo industrial, fi-nanceiro, bancário, favorecido por dispositivos de lei, comona França a lei de 1867 sobre as sociedades anônimas e, dooutro lado, uma massa assalariada que não tem por si nadamais além de sua capacidade de trabalho físico, que nãotem nem reservas nem recursos, mão-de-obra não-qualificada,vinda em linha direta do campo à busca de trabalho, obri-gada a se acomodar ao primeiro serviço que encontra. A dis-

":::.\

104

l--r

,

socíação entre esses dois grupos se acentua e ganha todos\l ..9~_aspectos da vida social, porque não é apenas dentro da.~ fábrica que eles se diferenciam, mas ainda pelo acesso à

__!nill-llÇão) pela participação na vida política, pelo habitat.No século XIX, surge1J.mª-for~.a. de_ ~~grega2ãgsogi?lógicadesconhecida pelas antigas cidades;q'úe juntavam num mesmoespaço pessoas de todas as condições, às vezes até nas mesmascasas. Com o crescimento das cidades, os bairros elegantesdiferenciam-se dos bairros operários, dos subúrbios, dos arra-baldes, em todas as grandes aglomerações da Europa Oci-dental ou Central.

Existem portanto, agora, duas populações, frente à frente,populações que não se encontram senão por ocasião do tra-balho e não têm outra relação que as de mando e de subor-dinação. Elas poderiam ignorar-se, mas logo passam da dis-sociação para o antagonismo. Seus interesses são contráriose o liberalismo concorre para contrapô-Ias. O interesse dospatrões, evidentemente, é diminuir os salários; o dos traba-lhadores, é defendê-Ios, já que era impossível conseguir au-mentos, pois a concorrência, que opõe os empresários entresi, age em detrimento dos assalariados. A concorrênciaopõe os assalariados en Ire si pela inexistência de acordos oude convenções, e a falta de empregos, que coloca à disposi-ção dos patrões um exército de reserva, no qual podem con-seguir a substituição dos eventuais grevistas, agrava aindamais a dependência dos trabalhadores.

Eis o encadeamento de causas e de conseqüências queleva do uso do carvão e da introdução da maquinaria à cons-tituição de duas categorias sociais antagônicas. Do técnicoao sociológico, passando pelo econômico, através de planossucessivos, pode-se reconstituir uma das principais transfor-mações da sociedade moderna. A princípio ela não afetasenão regiões limitadas, tais como os grandes centros indus-triais britânicos dos fins do século XVIII, a França, sob amonarquia constitucional, e, na segunda metade do século,outras partes da Europa, e ainda assim esporadicamente, por-que temos de tomar cuidado para não antecipar o que dizrespeito à industrialização. Para dar apenas um exemplo,o da França, o mapa das regiões industrializadas localiza-seestritamente em alguns departamentos: o Loire, com as minasde carvão, a manufatura de armas de Saint-Étienne e a indús-tria têxtil, ocupa aí um dos primeiros lugares; a alta Alsácia, em

105

Page 4: REMOND Século XIX 100-123

torno de Mulhouse; o Norte, embora a exploração das baciascarboniferas aí seja posterior; Ruão, grande cidade industrial,centro da fabricação de tecidos, e Paris. Isso, mais ou menos,nos anos de 1830-1850. Com o Segundo Império, a indus-trialização chegará a outras regiões.

As condições de trabalho são as mais duras possíveis,pois não existe qualquer limitação de tempo. Trabalha-seenquanto a claridade ou a luz do dia o permitir, ou seja,até quinze ou dezesseis horas por dia. Nunca se descansa,nem mesmo aos domingos; a supressão da maioria das festas

.;., religiosas, dias santificados sob o Antigo Regime, reduzia aindamais as possibilidades de repouso dos trabalhadores. No planoreligioso, a continuidade do trabalho, colocando os operáriosna impossibilidade de praticar e de observar os mandamentos,sontribui para a descristianização.

Não existe também limite de idade. As crianças sãoobrigadas a trabalhar desde os mais tenros anos e os maisvelhos não gozam de aposentadoria. Isso está de acordo comas máximas do liberalismo, que quer que a liberdade daoferta e da procura não seja entravada por nenhuma regraobrigatória. O que, aliás, não impede a existência, nas ma-nufaturas, de regulamentos disciplinares de oficinas que san-cionam a infração às regras com descontos, multas, agravandoainda mais a situação material, já precária, se se considerara insalubridade dos locais, a insegurança do trabalho.

Essas condições de trabalho são agravadas pelas condiçõesde habitat. Os trabalhadores são obrigados a se contentarcom os locais que a população lhes abandona, cujo equiva-lente atual seriam as favelas. Assim, há uma centena deanos, os camponeses que chegavam do campo encontravam-senuma situação semelhante à dos africanos do norte ou dosportugueses na Europa industrial de hoje.

Enfim, os salários são igualmente baixos, visto não havernenhuma regulamentação, nenhuma fixação de salário,exis-tindo à porta das fábricas uma multidão de pessoas sem tra-balho, pronta a aceitar não importa que condições.

_ De fato, no século XIX, a condição dos operários foi, agravada por dois fatos independentes da revolução industrial,

do egoísmo dos proprietários e da falta de organização dosexplorados, e que são, de um lado, uma fase de depressãoeconômica e, de outro lado, o impulso demográfico. O en-

106

'\

contro desses dois fenômenos com a revolução industrial fezda condição operária no século XIX algo de espantoso.

Com efeito, depois das guerras do Império, a Europaentra numa dessas fases de depressão econômica que se repe-tem periodicamente e que durará até 1851, ou seja, por maisde um terço do século. A procura diminui justamente quandoa capacidade de produção aumenta. As empresas disputamentre si um mercado em vias de redução, tentam conteros preços de venda e, portanto, fazem tudo para reduzir aindamais a parte da remuneração salarial. É assim que a depres-'são repercute sobre, a renda dos trabalhadores .

Como conseqüência da revolução demográfica que se es-boçava no século XVIII, a Europa conhece, por outro lado,um rápido impulso demográfico. A situação nos lembra ade numerosos países hoje em vias de desenvolvimento; nãose trata do único caso em que a comparação, com um séculode intervalo, entre a Europa da primeira metade do séculoXIX e a América Latina, a África Negra ou a Ásia atual éesclarecedora. Os dados não são idênticos, mas as tendên-cias são análogas e nos ajudam a compreender as causas edeterminados aspectos da evolução da Europa no início darevolução industrial. O impulso demo gráfico, multiplicandoo número dos trabalhadores disponíveis, quando o uso das má-quinas diminui as necessidades, multiplica os virtuais desem-pregados, o que Marx chama de "exército de reserva do pro-letariado". Com a ameaça do desemprego tecnológico - outécnico - tudo se une contra os trabalhadores.

Desse modo, fatores propriamente econômicos e demo-gráficos, independentes do regime jurídico e mesmo das in-tenções das partes aliciantes, contribuem para agravar a con-dição dos operários no século XIX. Qpauperismo, grande·fato social - cujos vestígios são encontrados na literatura daépoca, desde Os Miseráveis aos romances de Dickens -, seimpôs, como uma evidência, à atenção. Presente em todasas grandes aglomerações industriais, ele inspira uma legislação(as, leis sobre os pobres, da Inglaterra), suscita um movi-mento de piedade e de simpatia, obras filantrópicas, as confe-rências de São Vicente de Paula, o romantismo do misera-bilismo.

Essa. evocação da condição operária é útil, não apenaspara compreender as primícias do movimento operário, masainda para entender sua orientação atual. Permanecendo

107

Page 5: REMOND Século XIX 100-123

vivo na memória coletiva do sindicalismo operano, esse pas-sado ajuda a compreender certa psicologia operária, feitade amor-próprio ferido, de ilign.idade_Jlçhjl1ç:.ª.Jh.~ª.l!, de. des-çopfiqnças.e. cl~Jt;l~~en.li.rr1e}!.t9. Essas lembranças explicamos motivos pelos quais o movimento operário não crê senãona luta para melhorar sua situação, nem confia senão noretorno ao combate, nem se volta naturalmente senão parafilosofias de luta de classes, que lhe propõem a esperança deuma libertação.

2. O MOVIMENTO OPERÁRIO

A passagem da classe para o movimento implica numatomada de consciência dessa condição operária e num esforçode organização.

O nascimento do movimento operário choca-se contraobstáculos que irão retardá-lo ou entravá-Io; primeiramente,contra obstáculos jurídicos e políticos.

A esse respeito, é preciso lembrar as características daordem social saída da Revolução Francesa, que impede aorganização de um movimento operário.

A doutrina que prevalece, a que é ensinada nas escolasde Direito, a que inspira parlamentos e governos, é o libe-ralismo, que tem por princípio deixar que a iniciativa indivi-dual possa agir livremente. Como o Estado deve conservar-seneutro, ele só poderá intervir para restabelecer o equilíbrioentre os agentes econômicos e para deixar que a economiade mercado funcione, contra os indivíduos ou os grupos, quelhe deturpariam a liberdade de ação.

Desse modo, as leis decretaram a dissolução de todas asassociações, corporacões, confrarias, mestrados, criando dis-positivos contra sua eventual reconstituição. Contudo, se alei Le Chapelier (1791) era dirigida tanto contra as associa-ções operárias como contra as patronais, na prática ela agecontra os empregados, porque é relativamente fácil aos em-presários concertarem-se, oficiosamente, enquanto que os tra-balhadores não têm a possibilidade de organizar sua defesasenão dentro dos quadros de uma organização.

Os trabalhadores estão impedidos tanto de formar asso-ciações como de se coalizarem, termos que não devem serconfundidos, porque a associação é duradoura, enquanto que

108

.~ r coalizão é um delito passível de penas de prisão ou de multas.Assim, em 1834, seis diaristas de Dorchester são perseguidose punidos com vários anos de cadeia por terem tentado se

! agrupar. A greve, tida como um empecilho à liberdade do\ \ trabalho, também depende dos tribunais. Em diversos países,

'.:J . o Código prevê que, em caso de conflito, a palavra do em-.)0': pregador é sempre digna de crédito, enquanto o empregado

. terá de provar o que diz. A instituição da caderneta detrabalho, a vigilância dentro das empresas, cujos regulamentossão postos em execução por um grupo de contra-mestres,tudo isso constitui. um conjunto de dispositivos legais e re-gulamentares que retarda a organização do movimento ope-

.~ário.De resto, mesmo com outras leis, as reações de defesa

seriam lentas, por uma razão sociológica ligada ao fato dea classe operária ser uma classe nova, sem tradições de lutanem experiência de combate, formada que é por pessoas

r> que se encontram fora de seu meio natural, lançadas nummundo desconhecido e hostil, habituadas a sofrer resignada-mente a fome, as intempéries, os golpes do destino. Postasa trabalhar desde a idade de quatro ou cinco anos, essaspessoas são iletradas, carecem de organização e de uma elite,e desconhecem o Iazer, que daria oportunidade à conversação,à discussão. Em condições semelhantes, é impossível orga-nizar uma greve 011 uma luta em defesa de direitos.

Também não será desses elementos que irá nascer o mo-vimento operário, mas dos artesãos e cios compagnons, umaespécie de aristocracia do trabalho, que irá constituir a van-guarda e lançar as bases do movimento operário. São elesos precursores, os promotores do movimento aos quais amassa aderirá pouco a pouco, mas tardiamente. Isso podeser visto com clareza na Grã-Bretanha, onde se distinguem.

·10 velho e o novo unionisrno. Só por volta de 1880-1890 é-c; .: que as novas categorias sociais, sem experiência riem instru-Yi ção (mineiros, estivadores, trabalhadores das companhias de

gás) ingressam no sindicalismo.

A CONQUISTA DOS DIHEITOS

O primeiro objetivo do movimento operano nascente, énatural, é conseguir uma mudança na legislação, que lhe

109

Page 6: REMOND Século XIX 100-123

permita sair da clandestinidade e organizar-se abertamente;trata-se, portanto, de uma luta para a conquista da igualdadejurídica. Pouco a pouco, o movimento operário conseguirádispositivos que autorizam um início de organização aprovei-tando-se da mudança do regime, ou ainda graças à ajuda dospartidos, interessados em conquistar o voto dos operários àmedida que o direito de votar vai-se ampliando.

Como foi a primeira a se industrializar, a Grã-Bretanha éa primeira a reconhecer a liberdade de associação e de coa-lizão (1824); mas, no ano seguinte, o Parlamento voltaráatrás, pelo menos em parte, a respeito desses dispositivos,então julgados demasiado liberais. Cerca de meio séculomais tarde, em 1875, Gladstone concederá às trade-unionsum reconhecimento de pleno direito, com a votação da chama-da lei Patrão e Operário, que substitui a velha lei, que receberao nome de Mestre e Servidor, de 1715. As irade-unions aindaterão de travar batalhas para conquistar a plenitude dos di-reitos. É dessa necessidade que sairá, em 1893-1894, a fundaçãode um pequeno partido trabalhista indeperideiite, ancestraldo grande partido' trabalhista que,' pehpdmeirâ vez, apre-sentará e fará eleger, candidatos à eleição de, 1906. Com'efeito, as trade-unions, conscientes de não poderem conquistar,apenas com a boa vontade dos partidos, a votação dos dispo-sitivos que desejavam, decidem engajar-se no jogo político.

Na França, essa emancipação foi feita em duas etapas.Dois regimes tão dessemelhantes quanto possível concorrerampara isso. Primeiro, o Segundo Império, por uma decisãopessoal de Napoleão III, cujo pensamento comportava umaspecto humanitário vagamente tingido de socialismo. Alémdo' mais, a orientação permanente do bonapartismo gostavade procurar o apoio das massas contra as classes dirigentese de conceder ao povo certo número de satisfações. Em 186(\"uma lei autoriza greves e coalizões, que deixam de constituir Ium crime, ficando a greve na dependência dos tribunais S61

quando acompanhada de vio.lên_ciasou .de a~entados. à .liber-}dade do trabalho. Se essa lei nao autonza ainda o direito deassociação, o regime, em 1867, reconhece um estatuto legalpara as cooperativas. Em 1868 foi abolido o famoso artigodo Código, tão discriminatório. O balanço do Segundo Im_,J'pério, portanto, é claramente positivo. A Terceira Repúblicairá ampliar o estatuto com o voto, em .1884, da lei Waldeck--Rousseau, do nome do Ministro dó 'Inte;ior, que reconhece

110

a liberdade sindical. Desse modo, a liberdade sindical precedea liberdade de associação, pois será preciso esperar por 1901para que qualquer associação consiga o direito de se constituir.Em 1884, não se trata ainda de um tipo determinado deassociação, pois as associações profissionais, rurais ou operá-rias, e o sindicalismo agrícola desenvolvem-se a partir dessa1§i de 1884, tanto quanto o sindicalismo operário.

A classe operária aproveita-se dessas conquistas legaispara se organizar. Esta é a mola do movimento sindical, dasirade-unums, na Inglaterra; das Bolsas do Trabalho, na Fran-ça, que se organizam como federações por volta de 1890;dos sindicatos, que se reagrupam em 1895 numa Confedera-ç~o Geral do Trabalho, a primeira grande central sindicalfrancesa. '

Como a pluralidade dos objetivos constitui um traço gerale constante da história do movimento operário, ele apresentadois ramos paralelos, um dos quais é o sinq.i.çaltillJo, movi-mento propriamente profissional; o. outro .é político •....com oaparecimento dos partidos operários, geralmente de inspira-ção socialista."

O movimento operário sob a forma Sindical sempre teve emvista diversos objetivos: um primeiro objetivo imediato, quejustifica sua existência aos olhos de seus mandantes, visaa melhorar a condição material, ou a conseguir a satisfaçãodas reivindicações relacionadas com a estabilidade do em-prego, a duração do trabalho, as condições de higiene, desegurança, o nível dos salários, numa palavra, com tudo o quediz respeito ao trabalho. Para chegar a isso, o movimentofará uso de métodos diversos. Suas preferências, de acordocom as ocasiões, vão dos meios violentos a métodos maisconciliadores. Mas a classe operária deve essas melhoriasigualmente, senão mais, à iniciativa da lei, aos partidos polí-ticos, pois a J!"gislação social, de modo muito inusitado, era oresultado da luta operária e da iniciativa dos poderes pú-blicos.

Pouco a pouco, esboça-se uma regulamentação que dáinício à ordem liberal. Os primeiros dispositivos legais limitamo tempo de trabalho das mulheres e das crianças, às quaissão proibidos certos tipos de atividades, por causa de suainsegurança, insalubridade ou duração. Fixa-se uma idademínima, abaixo da qual não se tem o direito de empregaras crianças: oito, dez anos, de acordo com as situações. Depois,

111

Page 7: REMOND Século XIX 100-123

por contágio, essas restrições são aplicadas a todos os esta-belecim entos que fazem uso de mão-de-obra mista, infantilou adulta, ou masculina e feminina. f: por esse meio que seamplia o campo de aplicação da lei.

Paralelamente, elaborou-se um conjunto de medidas pro-tetoras contra os riscos sociais: seguros contra os acidentesde trabalho, contra as doenças, e. até, nos países em que aconsciência social está à frente. sistemas ele aposentadoria.Todos esses sistemas desenvolvem-se pelos fins do século XIX:na Grã-Bretanha, por volta de 1890-1910; na França, nos pri-meiros anos do século XX. A entrada de Millerand para-ogoverno Waldeck-Ilousseau, em 1895, contribui para isso demodo decisivo. Em 1906 cria-se o Ministério do Trabalho.

A Alemanha, que está à frente da França cerca de umquarto de século, graças à iniciativa de Bismarck, dispõe,desde 1880-1885, de um sistema bem completo de proteçãosocial. Constrói-se assim um sistema que se afasta cada vezmais dos princípios do liberalismo; elabora-se um direito"social, cuja aplicação é controlada por corpos de inspeção,incumbidos de velar p!:lfa que a lei não se transforme em letramorta.

Mas o movimento operário, mesmo na Inglaterra, onde temum caráter mais pragmático, não limitou seus objetivos a esseaspecto material, reivindicativo, imediato. Todos os movi-mentos sociais e a maioria dos grupos de pressão têm em vista,

,além de seu objetivo imediato, objetivos mais longínquos.- Com mais razão, o movimento operário tirava de sua si-

tuação e do clima de religiosidade e utopia do século XIXtoda uma filosofia social e política, ainda hoje viva nas orga-nizações operárias.

O segundo objetivo, mais geral: trata-se de transformar asociedade, de preparar o advento de uma ordem social mais

_\ justa, para a sociedade como um todo. É o messianismo da... classe operária, convencida de que sofria e trabalhava por toda

a humanidade, e não apenas para a satisfação de suas limitadas.reivindicações.

Em todos os textos constitutivos do movimento operárioencontra-se essa dualidade de objetivos, como o testemunhauma citação tirada de um texto do congresso confederativo daCCT, reunido em Amiens em 1906, a chamada "Carta deAmiens'',

112

........-'

Sua importância se torna mais clara quando sabemos que'o voto ocorre um ano depois da unificação .do socialismo naFrança: é em 1905, com efeito que, pela primeira vez, as dífe-

. rentes escolas socialistas, colocando uma surdina em suasdissensões, concordam em se unificar numa organização que,

I por isso, constitui um atrativo mais forte para os trabalhadores.)\IIOs responsáveis pelas organizações sindicais têm portanto mo-

Itivos para temer, em 1906, que a unidade socialista desvieias energias do combate sindical operário em benefício de umaluta propriamente política. A votação da carta de Amiens éfUma resposta, um repto à unificação socialista, um alerta para

J lembrar que o sindicato conserva sua razão de ser, porqueGeu objetivo não se limita a reivindicações materiais. Hoje,

ainda, a velha CCT, como a CCT Dissidente Força Operária,continuam a considerar, mesmo se na prática se afastam delade forma notável, que a carta de Amiens continua a constituirsua regra de ação.

"O Congresso, pelos pontos seguintes, torna explícita a·afirmação teórica, de acordo com a qual reconhece a luta declasses. Na obra diuturna de reivindicação, o sindicalismopretende conseguir a coordenação dos esforços operários,.aelevação do nível de vida dos trabalhadores pela conquistade uma melhoria imediata" [graças à diminuição das horasde trabalho, ao aumento dos salários, etc.],

"Mas essa tarefa não constitui mais do que um aspectoda obra do sindicalismo: ele prepara a emancipação integral,impossível de se realizar senão pela expropriação capitalista.Ele preconiza, como meio de ação, a greve geral, e consideraque o sindicato, hoje grupo de resistência, será; no futuro, ogrupo de produção e de abastecimento, base da reorganizaçãosocial."

l Eis enunciados dois objetivos diferentes por sua natureza, e prazo de realização. A função do sindicato, portanto, não éapenas a de lutar e de combater, mas ainda a de preparar

, as estruturas da sociedade futura. O sindicato constitui oembrião, a célula em torno da qual se erguerá a sociedadede amanhã, capaz de, no futuro, substituir todas as institui-ções, o Estado, inclusive. Essa definição de seu papel rela-ciona-se com o anarco-sindicalismo, filosofia que inspira omovimento operário na passagem do século, misto de con-fiança nas virtudes da organização operária e de rejeição aqualquer ordem política. O anarco-sindicalismo rejeita em

. bloco a propriedade, o Estado, o exército, a polícia, a religião,

113

Page 8: REMOND Século XIX 100-123

e imagina ser possível reconstruir a sociedade tendo comojbase apenas o sindicato.,'

Em 1908, a CGT está nas mãos de homens ligados, em suamaioria, a essa ideologia. Não podemos nos esquecer de quenão estamos longe do período em que o anarquismo constituíaurna força, entre 1870 e 1900. O ideal anarquista exerce vivaatração sobre os intelectuais e sobre muitos militantes operá-rios, e é grande a tentação de um protesto geral e de urnareconstrução total. Na Rússia, o movimento niilista atraimuitos jovens estudantes e intelectuais, antes de ser suplan-tado pelo socialismo. Esta é também a época em que umpunhado de anarquistas recorrem à propaganda pelo filtQ, istoé, ao atentado: diversos chefes de Estado são suas vítimas;entre esses, o presidente McKinley, dos Estados Unidos, o pre-sidente Sadi Carnot, da França, o rei Humberto da Itália e aimperatriz Elizabeth, da Áustria.

rr- De que modo o movimento operário irá combater a socie-dade estabelecida e preparar o advento da seguinte? Paraessa pergunta podem-se conceber duas respostas, que corres-

» pondem às duas tendências por mim indicadas: a ação pro-fissional operária e a ação política; o sindicato e o partido.

Entre 1860 e 1900, é na ação prolis~ioJlal que primeirose engaja urna parte da aristocracia operária. Este é o caminhoque lhes é aconselhado por Proudhon, o que inspira em 1864o Manifesto dos Sessenta e o que preside ainda o avanço dosindicalismo nos anos 1890-1900. Os operários só devem contar'consigo próprios, não devem confiar em nenhuma representa-ção parlamentar burguesa e devem colocar todas as suas espe-ranças em sua própria ação, em seus próprios grupos. O sin-dicato ou a cooperativa serão 0S instrumentos de transforma-ção da sociedade, constituindo o sindicato um organismo deluta e de reivindicação, enquanto as cooperativas - sobretudoas de produção - serão um esboço da economia futura, pois,nelas, os operários podem dispensar o capital; abolindo assima oposição entre o capital e o assalariado, os operários são

. ..seus próprios patrões. A pioneira das cooperativas, fundadana Inglaterra, em Rochester, em 1844, recebe o estranho nome

,.de "Pioneiros da Eqüidade". A fórmula cooperativa só teráêxito em alguns países, notadamente na Escandinávia. Na

.,. França, seu êxito sempre foi limitado, Mas ela é bem aevidência da vontade de bastar-se a si mesma, fugindo àdependência de outrem.

114

jI

--3. O SOCIALISMO

O segundo caminho é político. Os que se engajam nele; julgam necessário colocar em ação outros meios, além daorganização profissional e da greve, e consideram impossível

ignorara Estado. Este é um dos pontos de divergência entre"'ós dois ramos, pelo menos no século XIX, porque no século XXo problema será colocado em outros termos, à medida que osindicalismo reconhece o fato político e consente em colaborar

lcom ele. llü século XIX, vemos o dilema entre um sindicalismo\" ,: q.ue conhece as instituições políticas ilpenas para combatê-Ias,

/ e uma ação política obrigada, pela força das circunstâncias,/ J a levar em conta a existência de uma sociedade política.

O ramo político logo se identificará com o socialismo., Tornamos a encontrar a conjunção entre o fenômeno social,,\ - o nascimento de uma classe nova, a classe operária - e o;t desenvolvimento de um pensamento, de uma filosofia - o

socialismo. Os contactos entre o movimento operário e aidéia socialista tornar-se-ão sempre mais freqüentes.

As FONTES DO SOCIALISMO

Se deixarmos de lado o primeiro período de sua história,no qual ele é mais agrário do que industrial, o socialismomoderno, tal como o conhecemos, pretende ser a respostaaos problemas nascidos da revolução industrial.

A princípio, a reflexão dos fundadores de escolas socia-listas foi suscitada por duas conseqüências essenciais da revo-lução industrial, principalmente pela miséria dos trabalhadorese a dureza da condição operária, l!.,gue fazem eco os testemu-nhos, a literatura, o romance_popular ou as pesquisas oficiais,como a ordenada' pelá Academia das Ciências Morais e Polí-jicas por volta de 1840, p~q.uisa_Lque-Villermé ligou seu .nome. Ante o espetáculo dessa miséria total, perturbadora, dopauperismo, algumas pessoas indagam se um regime econômicoque produz tais conseqüências é aceitável, e, tornam a colocarem discussão a iniciativa particular, a concorrência, a proprie-dade privada, postulados sobre os quais se baseia a economialiberal do século XIX. Os fundadores da escola socialistasão igualmente alertados pela freqüência das crises que, naverdade, constituem um fenômeno mais econômico do quesocial. O século XIX, com efeito, sofreu crises periódicas que,

115

Page 9: REMOND Século XIX 100-123

a cada dez ou nove anos, vêm interromper bruscamente oprogresso da economia, causando o desemprego, o fechamentode empresas, um desperdício considerável de riquezas. Outrosespíritos, ou os mesmos, se interrogam sobre a rentabilidadeou eficácia do regime. Como afirmar que esse regime é omelhor, se seu desenvolvimento é feito ao preço de tantosfracassos e tempos de espera? Não haveria verdadeiramenteum meio de organizar a economia, de tal modo que se pudessesuprimir esses acidentes crônicos que, a cada dez anos, fazem--na regredir?

Existe, assim, no início do socialismo um duplo protesto,de revolta moral contra as conseqüências sociais e de indig-nação racional contra o ilogismo das crises. Os pensadoressocialistas tentam, portanto, responder a essa dupla inquieta-ção. Os dois métodos vão dar na mesma crítica do postuladodo regime liberal, segundo o qual é preciso dar toda a liber-dade à iniciativa privada.

O primeiro sentido da palavra socialismo é uma reaçaocontra o individualismo. Mais do que deixar ao indivíduotoda a liberdade, o socialismo subordina-o ao interesse e àsnecessidades do grupo social. A ênfase é deslocada do indi-víduo para à. sociedade. O socialismo, portanto, faz a críticaelo liberalismo individualista e, mais precisamente, porqueisso lhe parece constituir a raiz do regime, da propriedade

} privada dos meios de produção, das minas, dos equipamentos,das máquinas, da terra, já que a propriedade individual per-mite que seu possuidor exerça domínio sobre outrem, notada-mente sobre o-s trabalhadores.

Desse ponto de partida, o socialismo passa à construção')de um sistema positivo e propõe uma doutrina de organizaçãosocial, não política, convém insistir nisso, pois, a princípio,asescOlã"s sociálistas se apresentam como uma reação às escolaspolíticas (esse é o segundo sentido da palavra socialismo),

\, dando ênfase ao social, que elas opõem ao político. De fato, ~",~ antes de 1848, e antes ainda, os socialistas concordam em

:J:.. considerar que a solução das dificuldades contemporâneasIl.ão está na substituição da monarquia pela república, )lemmesmo na substituição do sufrágio censitário pelo sufrágiouniversal, problemas considerados menores, que nada maisfazem do que afastar a atenção do essencial, isto é, dasquestões sociais e da organização da sociedade.

I

116

)

I 1-As escolas socialistas pretendem, portanto, situar-se num\'. plano diferente do das agrerniaçõés políticas, e este é o ponto\~, de partida de uma competição, elo eterno mal-entendido entre\.À políticos e socialistas, com os socialistas afetando colocar no

mesmo saco todos os políticos, tanto os democratas como osreacionários. Qual a vantagem obtida pelos trabalhadorescom a mudança da denominação do regime, se o verdadeiroproblema éa, mudança elo regime da propriedade?

Os socialistas mantêm-se igualmente fora das lutas polí- "ticas, e nada é mais significativo a esse respeito do que a -,~sliferençª de Proudhon, entre 1848 e 1852, do que s~aseveridade em relação à República, sua passividade por ocasiãodo golpe de Estado de 1851.

Depois, a situação modificou-se bastante: toda a história:da evolução do socialismo, que, progressivamente, se transfor--f

~mará l!.~lma força política, quase poderia reduzir-se ao itine- "i'rário de uma escola de organização social que se transformaem partido político para· a conquista - ou o exercício -

.' do poder.I

A DIFUSÃO DO MARXISMO

Essa evolução do social para o político, da escola para opartido, está ligada à evolução interna do socialismo. Comefeito, há grande número de escolas, de sistemas, de pensa-dores, de doutrinadores. Limitando-nos apenas à França,podemos enumerar, antes de 1848, Saint-Simon, Fourier, Cabet,e outros ainda, pois todos têm seus discípulos e propõemsoluções. As escolas socialistas contam-se às dezenas, e é, aliás,essa riqueza ideológica, essa abundância de sistemas que carac-terizam os meados do século XIX.

Se todas essas escolas têm como base comum a crítica'ao liberalismo e como programa a substituição da propriedadeprivada pela propriedade socializada, elas divergem no que dizrespeito às modalidades práticas, como também na filosofia

. geral. Algumas são otimistas, outras pessimistas; umas se in-j teressam mais pela indústria, outras cuidam mais da agricul-

tura; há espiritualistas que querem regenerar o cristianismo;outros, pelo contrário, que optam pelo materialismo.

Rivais, essas escolas disputam entre si a simpatia dos-espíritos. Mas, com o tempo, uma delas irá tomar a dianteira ,)das outras e excluí-Ias: O marxismo. Em parte, foi porque

117

Page 10: REMOND Século XIX 100-123

'o marxismo prevaleceu que o socialismo se politizou. Tal-vez a evolução fosse completamente outra se uma escola

, menos sistemática e menos global houvesse levado a melhor.;- O marxismo impôs-se pela força do sistema, por sua coerência

I,)nterna, pelo gênio de seus fundadores.Uma áspera competição, uma feroz luta de influências é

tra vada no congresso da Internacional. A Primeira Interna-cional, fundada em Londres, em 1864, tem um caráter muitodiversificado, associando os sindicatos - as trade-unions bri-tânicas -, as organizações propriamente políticas e mesmoos partidos que se propõem libertar o país oprimido. Comoo programa junta anarquistas, socialistas proudhonianos, mar-xistas, ele fica bastante vago no plano ideológico. Em cadaum dos- congressos da Internacional, que se reúnem entre1864 e 1870 na Suíça ou na Bélgica, confrontam-se escolasaté que, pouco a pouco, a minoria marxista se reforça a pontode se tornar maioria pelo fins do decênio,

Nos diversos países, trava-se também uma luta de influên-cias entre o marxismo e as outras escolas socialistas. Na Fran-ça, é o pensamento de Proudhon que representa para o mar-xismo o principal adversário, pois o proudhonismo exerceupoderosa influência sobre uma geração do movimento operárioe sobre a maioria dos fundadores da Internacional, os que ire-mos encontrar na Comuna de 1871.

Na Alemanha, o grande nome é o de Lassalle, que fundouem 1864 um partido socialista. De 1864 a 1875, uma vivaoposição põe em confronto lassallistas e marxistas, com a vitóriadefinitiva dos últimos,

Circunstâncias da política externa contribuíram para avitória do marxismo, entre as quais, curiosamente, a guerrade 1870: a vitória da Alemanha enfraqueceu a influênciado socialismo francês, que assim deixa o campo livre à influên-cia de Marx, Circunstâncias de política interna, tais como as"jornadas de 1848, depois a Com una, diminuem também ainfluência das" escolas socialistas, g,lle não admitem a luta declasses senão com Jeser,vªs, Com efeito, os socialismos ante-riores a 1848, aqueles aos quais o marxismo irá ligar o epítetode utópicos, basearam-se numa visão otimista da sociedade,na convicção de que basta o acordo de todos para ,que_ aregeneração 0ll a melhora da sociedade se tornem possíveís.A guerra civil que, ~1ll1!nhQ.,g~,"!§:18, opõe os bairros popu-lares de Paris à Assembléia e, vinte e três anos depois, 'à

118

-\Comuna, reduzem a nada essas esperanças e, de algum modo,'são á prova experimental de que a luta de classes não éuma idéia visionária, mas a lei da realidade social. Por duasvezes, a oposição dos interesses terminou numa prova deforça; por duas vezes a classe operária saiu delas vencidapela coalizão do poder do Estado, da força armada e dosproprietários.

A partir de 1870-1880, o progresso do marxismo se acelera;na maioria dos países, ele se torna a própria filosofia domovimento operário. N a França, J ules Cuesde, radical con-vertido ao marxismo depois de ter lido a obra de Marx, nota-damente O Capital, a partir de 1875 torna-se marxista mili-tante e lança um jornal que lhe vale uma denúncia à justiça.O ano de 1879 marca uma data capital do marxismo, pois,'

\ pela primeira vez, um congresso operário, em sua maioria,.':~i'e~p~esta-Ih~ s.eu apoio. Em 1875, na Alemanha, as ?~as ten-

, dências socialistas, a de Lassalle e a de Marx, unificam-se''j.iõ: programa de Cotha, que por muito tempo será o programa

oficial do socialismo alemão. Nos anos de 1880, na Itália, naEspanha, na Bélgica, nos Países Baixos, na Escandinávia, sur-gem partidos socialistas filiados ao marxismo.

Desse modo, a vitória do marxismo sobre as outras escolassocialistas e a transformação do socialismo de doutrina espe-culativa em força política organizada são, de fato, concorni-tantes.

x(.~'t'

O SOCIALISMO COMO FORÇA POLÍTICA

Como o marxismo provoca a formação de partidos quetentam conquistar a opinião pública e o poder, é precisoagora, no sistema de forças políticas, contar com os partidossocialistas, que não julgam mais possível transformar a socie-dade ignorando, isolando ou contornando o poder, É pelopoder que o socialismo se transformará em realidade.

Mais disciplinados que os outros, esses partidos tentavamcompensar sua fraqueza inicial com um aumento de orga-nização e de coesão. Eles constituem os primeiros partidoscujo grupo parlamentar é considerado o instrumento de umaação concebida fora do Parlamento, o grupo avançado, oprolongamento de um organismo exterior à vida parlamentar.

Os partidos recrutam adeptos e se desenvolvem, a despeitodas dificuldades, das proibições legais, que às vezes têm de

'7'

119

Page 11: REMOND Século XIX 100-123

,."~.

enfrentar, como a social-democracia alemã, entre 1878 e 1890..Com efeito, Bismarck, preocupado com a popularidade dosocialismo, usa como pretexto uma tentativa de atentado con-tra Guilherme I para fazer votar uma lei de exceÇ..~Qque, apli-cada em todo o seu rigor, causará a interdição do partido,o exílio de seus dirigentes, o desaparecimento de sua im-prensa.

A pesar de tudo, o partido socialista toma força e, a partiri. de 1900, na maioria dos países da Europa Ocidental, Central,

e até mesmo Oriental, o socialismo representa uma força .deprimeiro plano, ou mesmo a primeira força, pelo efetivo deseus adeptos, o número de seus eleitos, a tiragem de seusjornais. Na França, na~ eleições de 1914, o partido socialistavem imediatamente dépois dü's"rãdlcids-sôcialistas: 10.4 depu-tados num total de. 60.0., Na Alemanha, o partido social--democrata é o primeiro grupo parlamentar com 110. eleitos,em 1912, e mais de 4 milhões de votos. Na Inglaterra, umpartido socialista se constituiu por iniciativa dos sindicatos,o Partido Trabalhista, que enfrenta os eleitores, pela primeiravez, em 1906.

Muito pequeno nos Estados Unidos, no Canadá, ausenteno resto do mundo, o socialismo é ainda um fenômeno cir-cunscrito à Europa, onde representa lima força política orga-nizada, com meios poderosos, jornais de grande tiragem. jauréslançou L'Humanité, em 190.4; na Alemanha, o Vorwiirts é umdos maiores jornais. O Avanti cobre toda a Itália. Às vésperas'da guerra, só na Alemanha, os socialistas imprimem 90. jornais.diários.

Às vésperas de 1914, chega ao fim a evolução que fazo socialismo passar elo plano das idéias para o das forçasorganizadas.

A difusão do socialismo de inspiração marxista modificouprofundamente o estilo da vida pública, introduzindo nelepreocupações e -:ll1é..t9.~.n.9:~!!:~~·-Nao-ãSsoci~d;--~;~-nenhum\lugar ao exercício do poder, o socialismo constitui por tOda)parte uma força de oposição, e é precisamente porque é con-tido na oposição que ele se alinha à esquerda. No ,início'sua recusa em dar importância ~oblemas políticos, "suaàfelação'-ei!i-- tratú' ~~om--~ 'j-iiesma_jTldife:rençª __~ esqüerâã e' liqireita,nãoprey.Iii:m_Q....F.oI}J-º- __ª-o_1.~quepolíticQ C'?111,qtle. ~Iese iria colocar, n() ..ªi,!.em que tivesse eleitore~~_ eleitos.

.,..

120

--I

í1..~I.

Porque combate a ordem estabeleci da, porque ataca aomesmo tempo os vestígios do Antigo Regime, o conservantismopolítico ou social e o liberalismo, cujos defeitos deram origemà sua revolta, ele constitui uma força de oposição política, àqual junta-se uma oposição a todos os valores reconhecidos.Não seria demais insistir no caráter global dessa crítica, querejeita em bloco as instituições políticas, o regime econômico,o sistema das relações sociais, a moral burguesa, a filosofiae a religião de que se prevalece a sociedade. º.~ºcial!_sl1Jonão é. ~peTlas uf!lª- s.olu~ão econ§mica: é também uma fiJosofil)..Com o triunfo do marxismo, o materialismo alcança o seu

~/' objetivo. O sOcia,lismo toma posição contra a religião, e não .~ •.,ªpenas contra as igrejas, como certos liberais ou certos demo-} cratas, mas contra o fato religioso.em s).

x.. A par de seu caráter internacional, que é um de seus'·,-,; elementos constitutivos, as escolas socialistas tomaram posição

contra o nacionalismo e o Estado-Nação. No plano das idéias,elas são unânimes em considerar que o sentimento nacionalnã'?.passa de um álibi, de um logro suscitado pela burguesia

\proprietária para afastar os proletários de seus interesses de

. classes. A solidariedade que liga os trabalhadores além-fron-teiras deve ser mais forte do que a solidariedade que, dentrodas fronteiras, une exploradores e explorados. O socialismoorganiza-se nas Internacionais que na época ostentavam umacoesão que o tempo enfraqueceu.

A Primeira Internacional, a Associação Internacional dos'Trabalhadores, fundada em Londres em setembro ele 1864, '/quase não sobreviveu à prova da guerra franco-alemã. Logo :~,após a Comuna, sua sede se transferiu para Nova Iorque, .mas a associação já está agonizante; ela vegetará por algunsanos ainda, antes de desaparecer, sem protestos, em 1876.

A Segunda Interna~ion~í, constituída Em1' 1889, ~;'~iínuaa existir, mas suas estruturas não têm mais a mesma consis-tência. Ao. contrário da primeira, ela é homogênea; trata-sed~Luma internacional de partidos, que só agrupa organiza-ç..§e!ipolíticas, e os sindicatos, tais como as trade-unions, queeram os membros da primeira, estão agora ausentes. Elesse agruparam numa Internacional Sindical, a Federação Mun-dial Internacional, constituindo as relações entre as duas in-ternacionais uma história complicada.

Todos os partidos políticos que aderem à Segunda Inter-nacional dizem Fíliar-se ª.<:'.._~~ciªlismo marxista. Trata-se de

t\~:

121

Page 12: REMOND Século XIX 100-123

1""

uma Internacional social-democrata, socialista e democrática,pois o socialismo sQnhavaerri- dar à democracia PQ.!ítica as ri.qimensões de uma democracia social. Desde que se conven-!\ceu de que, no sistema de forças, seus aliados estavam maisà esquerda, e que existiam deveres com respeito à democraciapolítica, ele passou do estágio de neutralismo para o de J!P9ipàs instituições democráticas. É pelo livre jogo das eleições'e da representação parlamentar que esses partidos esperamchegar ao poder e realizar seu programa. Esta é a idéia deJ aurês, na França, a esperança dos trabalhistas da Inglaterra,o objetivo dos socialistas nos países escandinavos, na Bélgica,nos Países Baixos, até na Alemanha. Mais a leste, onde o

_socialismo foi reduzido à clandestinidade" não ocorre Q me.$qiõ"O caráter internacional do socialismo é tão marcado que

ele pode ser notado até no nome dos partidos. Assim, em1905, o partido que reúne, na França, as diversas escolas socia-listas, chama-se Se.cio Francesa da Internacional Operária,SFIO. Em primeiro lugar vem a Internacional, da qual os par-tidos nacionais não passam de seções. A Internacional não éo coroamento de um processo que teve início em diversospaíses. Ela se conscientiza da solidariedade internacional dostrabalhadores resultante da identidade de seus interesses ede sua oposição a um capitalismo igualmente internacional,para constituir uma força política que depois se ramifica,em diversos países. O internacionalismo não constitui, por- ~tanto, um caráter ocasional ou subsidiário, mas fundamental. ;

Esse internacionalismo traduz-se, nos Parlamentos, pela-atitude dos grupos parlamentares que combatem a diplomaciatradicional, a corrida aos armamentos, a política da paz ar-.."mada, e se recusam sistematicamente a votar o orçamento mi-litar, os orçamentos coloniais, os fundos secretos. i

Como o socialismo encarna a causa da paz internacional,às vésperas do primeiro conflito mundial, a conjunção entrepacifismo e socialismo é quase perfeita. É difícil dizer, naverdade, se o pacifismo não faz mais ainda pelo sucessodo socialismo-d~ -9~e suas" posições propriamente sociãis ....•O socialismo parece encarnar, para grande número de pessoas,tanto uma esperança de solidariedade, uma aspiração à paz,quanto o sonho de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Em 1914, o socialismo representa uma força em cresci-mento regular, capaz de conseguir milhões de votos, capaz dereunir um público considerável para ouvir seus tenores, seus

-~"

~.,

J

122

.....-

"

líderes, Liebknecht na Alemanha, J aures na França ou Van-dervelde na Bélgica.

Tudo isso transforma o socialismo num elemento capitaldo jogo político. Fazendo ruir por terra a grande esperançade paz que ele encarnava, a Primeira Guerra Mundial cons-tituiu para ele uma prova decisiva. A impotência em que seviram os socialistas, no verão de 1914, de deter a corrida àguerra explica a cisão do movimento após a guerra e o fato

i : de seus adeptos mais absolutistas terem aderido a uma outraj fórmula, cujo exemplo é proposto pela Rússia bolchevístacom a Terceira Internacional ..

e

\" : I, ,,', \.'; (

123