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RELENDO MACAHÉ Macaé na obra VIAGEM À TERRA DO BRASIL de Jean de Léry (1578) Coordenadoria de Ensino Coordenação de História Secretaria Municipal de Educação Prefeitura Municipal de Macaé 2011

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Primeira parte do projeto Relendo Macahé da Coordenação de História da Secretaria Municipal de Educação de Macaé.Análise da obra de Jean de Léry, que no século XVI descreveu sua passagem pelo litoral macaense.

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RELENDO MACAHÉ

Macaé na obra

VIAGEM À TERRA DO BRASIL

de

Jean de Léry (1578)

Coordenadoria de Ensino

Coordenação de História

Secretaria Municipal de Educação

Prefeitura Municipal de Macaé

2011

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RELENDO MACAHÉ

Glossário:

1. RELENDO MACAHÉ

2. Contexto Histórico 3. Literatura de Informação 4. O Autor 5. O Livro 6. Macaé no livro 7. Sugestões de Projetos para o Ensino

Fundamental 8. Descritores 9. Bibliografia

Capa do Livro Viagem à Terra do Brasil – Edição Francesa de 1778.

O Livro sempre foi um grande sucesso, com centenas de edições em inúmeras línguas.

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RELENDO MACAHÉ

1. RELENDO MACAHÉ

Prestes a completar 200 anos de emancipação política e administrativa,

o município de Macaé destaca-se como um dos mais promissores pólos econômicos do país, com taxas de crescimento populacional acima da média nacional.

Por um lado trata-se de uma boa notícia, afinal de contas demonstra que o progresso oriundo da exploração petrolífera é uma realidade. Por outro esconde alguns dados alarmantes, como por exemplo a perda da identidade cultural, fato conseqüente da migração de milhares de brasileiros e estrangeiros e da falta de programas de valorização da Cultura e História de Macaé.

Relendo Macahé foi idealizado pela Coordenadoria de Ensino da Secretaria Municipal de Educação, com o objetivo primordial de contribuir para a divulgação e a valorização da História local.

Trata-se da releitura de livros, almanaques e periódicos que ao longo de 400 anos fizeram referências ao município de Macaé. Releitura acompanhada de uma análise das obras como um todo, da contextualização, do perfil dos autores, sempre buscando referências transdisciplinares e interdisciplinares, bem como sua inserção nos conteúdos abordados pelo Caderno de Orientação Curricular.

Como se percebe é um projeto voltado aos educadores da rede municipal, mas, disponível e aberto a todos que se propõe a conhecer mais Macaé e divulgar sua História.

Nossa primeira atividade é realmente a ‘primeira’, pois analisaremos a obra do primeiro autor que fez referências a Macaé, o francês Jean de Léry, pastor huguenote (protestante calvinista), que viveu uma temporada na França Antártica no século XVI.

Ao analisarmos o relato do calvinista Jean de Léry de sua viagem ao Brasil, não queremos discutir a veracidade dos fatos apresentados por ele. Não temos mais os fatos. Resta-nos apenas rastros. Ora, rastros são marcas deixadas por alguém ou algo que já passou e não está mais lá. O que temos é interpretação a partir da qual reconstruímos o mundo vivido. Objetivamos inserir o relato de Léry nesta discussão historiográfica sobre Macaé.

Esperamos que apreciem esta e as demais etapas e que nos ajudem a perpetuar aquilo que Macaé tem de mais rico: sua História.

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RELENDO MACAHÉ

2. Contexto Histórico

A Europa do século XVI convivia com aceleradas mudanças de cunho político, social, econômico e cultural. Eram os tempos da Expansão Marítima, que haviam revelado um “Novo Mundo” aos europeus. Eram os tempos do pensamento humanista, manifestado pelo Renascimento Cultural. Era a época das Monarquias Nacionais, do Absolutismo, da ascensão burguesa. Eram os tempos da contestação à autoridade da Igreja Católica, da Reforma Protestante e de seu oposto, a Contrarreforma Católica.

Eram tempos de novidades, de se buscar e experimentar o “novo”, acreditar num Mundo diferente, inclusive quanto às mentalidades.

O livro Viagem à Terra do Brasil de Jean de Léry exibe marcas dessas mudanças, ao apresentar o ponto de vista de um francês, protestante, narrando suas desventuras numa colônia portuguesa, situada nas Américas, habitada por índios e alvo não só das disputas territoriais, como religiosas, contrapondo missionários huguenotes e missionários jesuítas.

2.1 Reforma e Contrarreforma

A unidade do cristianismo foi quebrada no século XVI quando razões

religiosas, econômicas e políticas, provocaram o surgimento de diversas religiões, como o Luteranismo, o Anglicanismo e o Calvinismo, denominados genericamente de Protestantes.

Razões de cunho religioso, como a venda de relíquias sagradas, cargos religiosos e indulgências, somadas às razões políticas, como as necessidades advindas da formação dos Estados Nacionais e a concentração do poder real, atreladas à questões econômicas, como a cobiça em relação as possessões e riquezas da Igreja Católica, foram as causas básicas.

Esse processo de ruptura ou cisma religioso não foi pacífico, pelo contrário, foi assinalado por vários conflitos, que de forma geral contrapunham Católicos e Protestantes, como no caso da França.

Outra conseqüência foi a Contrarreforma ou Reforma Católica, movimento de reação ao protestantismo e outras heresias, organizado pelo Concílio de Trento.

2.2 A França Antártica

Entre 1555 e 1624, o Brasil foi alvo de invasões estrangeiras promovidas

por franceses e holandeses que tentaram, em várias ocasiões, se estabelecer em partes do território colonial brasileiro.

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As invasões e a reação de Portugal para retomar o controle de sua posse provocaram importantes mudanças na vida econômica e na organização política e territorial do Brasil colonial. Mas é importante enfatizar que franceses e holandeses tiveram diferentes motivações para organizar expedições marítimas e aportar no território brasileiro.

O litoral do Brasil já era conhecido há muito tempo pelos navegadores franceses, contrabandistas, piratas e corsários que há anos traficavam pau-brasil para a Europa. Em 1555, entretanto, a situação interna da França era conturbada, marcada por uma guerra civil entre católicos e huguenotes, estes últimos um crescente grupo de calvinistas.

Liderados por Nicolau Durand Villegaignon e com o apoio do Almirante Gaspar Coligny, os huguenotes buscaram refúgio no Brasil. Em 1555, os franceses planejaram, então, se fixar permanentemente na Baía da Guanabara, um ponto do litoral brasileiro que os portugueses ainda não tinham povoado. Os franceses se instalaram nas ilhas de Serigipe (hoje Villegaignon) e Paranapuã (hoje ilha do Governador), Uruçu-mirim (hoje Flamengo) e em Laje, e denominaram toda essa região de França Antártica.

2.3 Confrontos entre franceses e portugueses

Quando os franceses invadiram o Brasil, os portugueses já tinham

iniciado o processo de colonização. Desde de 1549 o Brasil possuía um governo-geral. Assim, Portugal reagiu, determinando ao governador-geral, Duarte da Costa que organizasse uma campanha para pôr um fim à França Antártica. Duarte da Costa, no entanto, não obteve êxito em nenhuma de suas tentativas. Em 1558, foi substituído no cargo por Mem de Sá. Este, em 1560, deu início a outra campanha para expulsar os franceses.

Mem de Sá seguiu de Salvador para a vila de São Vicente, onde obteve o apoio dos colonos e dos jesuítas, reunindo esforços para lutar contra os franceses. Os portugueses, então, obtiveram uma vitória parcial contra os franceses ao atacar o forte Coligny, na ilha de Serigipe, e conseguiram fazê-los fugir. A região foi, entretanto, abandonada, pois as avarias nas embarcações, provocadas pelos combates, não permitiram seu imediato uso.

Com a retirada dos portugueses, os franceses retornaram e ocuparam novamente o forte Coligny, tomando ainda posições em Uruçu-mirim e Paranapuã. Com o objetivo de resistir e defender a França Antártica, os franceses conquistaram o apoio dos índios que habitavam a região. Desde que se estabeleceram em terras brasileiras, haviam firmado boas relações com os índios, fazendo-os seus aliados contra os próprios colonizadores portugueses, considerados por ambos - franceses e índios - como o "inimigo comum".

2.4 A Confederação dos Tamoios

Incentivados pelos franceses, os índios das tribos tamoios conseguiram

se unir a outras tribos e criaram a Confederação dos Tamoios, com objetivo de guerrear contra os portugueses. Embora ficasse iminente, a guerra entre os

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portugueses e os índios não chegou a ocorrer. Antes disso, os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta realizaram um valioso trabalho de negociação com os tamoios, firmando o chamado Armistício de Iperoig. Na prática, isso resultou no fim da aliança dos índios com os franceses.

Ainda assim, os invasores permaneciam na Guanabara. Por esse motivo, Mem de Sá solicitou reforços a Portugal. D. Catarina, regente do trono português, enviou, em 1563, de uma frota comandada por Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá. Além dos reforços, Mem de Sá obteve o importante apoio de Araribóia, chefe dos temiminós.

Com a reunião dessas forças, os portugueses iniciaram uma nova campanha. Após travarem vários combates, conseguiram expulsar os invasores acabar com a França Antártica. Estácio de Sá, porém, morreu em decorrência dos combates. De qualquer modo, de sua expedição resultou na fundação da cidade do Rio de Janeiro. O índio Araribóia foi recompensado por Mem de Sá com uma sesmaria próxima à Baía da Guanabara, que futuramente daria origem à cidade de Niterói.

2.4 O Renascimento

Renascimento, período da história européia caracterizado por um

renovado interesse pelo passado greco-romano clássico, especialmente pela sua arte. O Renascimento começou na Itália, no século XIV, e difundiu-se por toda a Europa, durante os séculos XV e XVI.

A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transformou-se em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil, em que floresceu o mecenato da educação, das artes e da música.

O termo “Renascimento” foi empregado pela primeira vez em 1855, pelo históriador francês Jules Michelet, para referir-se ao “descobrimento do Mundo e do homem” no século XVI. O historiador suíço Jakob Burckhardt ampliou este conceito em sua obra A civilização do renascimento italiano (1860), definindo essa época como o renascimento da humanidade e da consciência moderna, após um longo período de decadência.

O Renascimento italiano foi, sobretudo, um fenômeno urbano, produto das cidades que floresceram no centro e no norte da Itália, como Florença, Ferrara, Milão e Veneza, resultado de um período de grande expansão econômica e demográfica dos séculos XII e XIII.

Uma das mais significativas rupturas renascentistas com as tradições medievais verifica-se no campo da história. A visão renascentista da história possuía três partes: a Antigüidade, a Idade Média e a Idade de Ouro ou Renascimento, que estava começando.

A idéia renascentista do humanismo pressupunha uma outra ruptura cultural com a tradição medieval. Redescobriram-se os Diálogos de Platão, os textos históricos de Heródoto e Tucídides e as obras dos dramaturgos e poetas gregos. O estudo da literatura antiga, da história e da filosofia moral tinha por objetivo criar seres humanos livres e civilizados, pessoas de requinte e julgamento, cidadãos, mais que apenas sacerdotes e monges.

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Os estudos humanísticos e as grandes conquistas artísticas da época foram fomentadas e apoiadas economicamente por grandes famílias como os Medici, em Florença; os Este, em Ferrara; os Sforza, em Milão; os Gonzaga, em Mântua; os duques de Urbino; os Dogos, em Veneza; e o Papado, em Roma.

No campo das belas-artes, a ruptura definitiva com a tradição medieval teve lugar em Florença, por volta de 1420, quando a arte renascentista alcançou o conceito científico da perspectiva linear, que possibilitou a representação tridimensional do espaço, de forma convincente, numa superfície plana.

Os ideais renascentistas de harmonia e proporção conheceram o apogeu nas obras de Rafael, Leonardo da Vinci e Michelangelo, durante o século XVI.

Houve também progressos na medicina e anatomia, especialmente após a tradução, nos séculos XV e XVI, de inúmeros trabalhos de Hipócrates e Galeno. Entre os avanços realizados, destacam-se a inovadora astronomia de Nicolau Copérnico, Tycho Brahe e Johannes Kepler. A geografia se transformou graças aos conhecimentos empíricos adquiridos através das explorações e dos descobrimentos de novos continentes e pelas primeiras traduções das obras de Ptolomeu e Estrabão.

No campo da tecnologia, a invenção da imprensa, no século XV, revolucionou a difusão dos conhecimentos e o uso da pólvora transformou as táticas militares, entre os anos de 1450 e 1550.

No campo do direito, procurou-se substituir o abstrato método dialético dos juristas medievais por uma interpretação filológica e histórica das fontes do direito romano. Os renascentistas afirmaram que a missão central do governante era manter a segurança e a paz. Maquiavel sustentava que a virtú (a força criativa) do governante era a chave para a manutenção da sua posição e o bem-estar dos súditos.

O clero renascentista ajustou seu comportamento à ética e aos costumes de uma sociedade laica. As atividades dos papas, cardeais e bispos somente se diferenciavam das usuais entre os mercadores e políticos da época. Ao mesmo tempo, a cristandade manteve-se como um elemento vital e essencial da cultura renascentista. A aproximação humanista com a teologia e as Escrituras é observada tanto no poeta italiano Petrarca como no holandês Erasmo de Rotterdam, fato que gerou um poderoso impacto entre os católicos e protestantes.

Edição do ano 2000.

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RELENDO MACAHÉ

3. Literatura de Informação

Diversos viajantes europeus que estiveram no país durante a colonização do Brasil, no século 16, registraram suas observações sobre a terra. Fizeram-no por obrigação profissional ou motivos pessoais. Os textos são depoimentos e relatos de viagem, apresentando aos compatriotas um panorama do Novo Mundo. Sob a forma de cartas, diários, tratados ou crônicas esses textos informativos compõem o chamado Período de Informação, Literatura de Informação, ou Literatura Colonial. O primeiro texto da época é a célebre "Carta de achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel I, escrita entre abril e maio de 1500, quando a frota de Cabral se preparava para deixar o Brasil, seguindo em direção á Índia. Nela, o escrivão da armada dá conta do descobrimento da terra, descrevendo seus aspectos físicos e os contatos com os nativos. Da autoria dos portugueses, uma série de outras obras segue-se à carta de Caminha. Entre elas, podem-se destacar o "Diário da Navegação da Armada que foi à terra do Brasil", de Pero Lopes de Sousa, que narra minuciosamente a expedição de Martim Afonso de Sousa, em 1532, ou o "Tratado descritivo do Brasil em 1587", do senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, que procura traçar um amplo panorama da Colônia, em seus aspectos históricos, geográficos e econômicos.

3.1 Índios, franceses e jesuítas

Europeus de outras nacionalidades que aqui estiveram também deixaram

documentos importantes sobre o Brasil de então. É o caso de "Duas Viagens ao Brasil" (1557), do alemão Hans Staden, que descreve pormenorizadamente o modo de vida dos tupinambás, dos quais o autor foi prisioneiro em 1554.

Também se destacam "Viagem à Terra do Brasil", de Jean de Léry e "As Singularidades da França Antártica", de André Thevet, que documentam a tentativa de colonização francesa na baía da Guanabara comandada por Villegaignon. Missionários jesuítas também estiveram no Brasil, a partir do primeiro Governo-geral. Seu objetivo principal era catequizar os índios, convertendo-os ao cristianismo, mas seu trabalho acabou ultrapassando os limites religiosos e interferiu em diversos aspectos da vida colonial, particularmente com a criação de escolas e vilas. Os jesuítas também nos legaram obras sobre o período, como as "Cartas", de Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, os fundadores da cidade de São Paulo. Esse conjunto de textos produzidos no Brasil ou apresentando a Colônia como tema nos permitiu o conhecimento de diversos fatos históricos da época. Em sua totalidade, as obras documentam os vários aspectos da implantação do processo colonial em território brasileiro. Nesse sentido, sua importância histórica é indiscutível: trata-se do relato dos acontecimentos pela perspectiva privilegiada de participantes ou testemunhas oculares.

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Mas não se esgota aí a riqueza desses textos, em que também se podem encontrar valores estéticos, que os aproximam de textos literários.

Gravura de um ataque indígena a uma aldeia rival.

3.2 Caráter Literário

Dada sua finalidade principalmente informativa, a linguagem dos textos do século 16, em geral, não admite metáforas nem outros artifícios estéticos. Entretanto, o caráter narrativo da maioria das obras e a capacidade imaginativa dos autores contribuem para fazê-los superar o caráter utilitário dos relatórios burocráticos ou científicos. Nas obras, a anedota, a aventura e a fantasia se misturam com as informações sobre a terra e os acontecimentos históricos, gerando narrativas com as quais o leitor não consegue deixar de se envolver, como num bom livro de ficção. O exemplo mais evidente é a obra de Hans Staden, repleta de peripécias e de episódios emocionantes, em que a vida do protagonista corre perigo.

Até numa carta de Anchieta podem-se encontrar, lado a lado, a expulsão dos franceses da Guanabara e as aventuras do padre para salvar índios cristianizados que caíram prisioneiros de uma tribo antropófaga. Sem falar em obras como a "História da Província de Santa Cruz", de Pero de Magalhães Gândavo, onde o aparecimento de um leão-marinho é narrado como se um terrível monstro marítimo viesse à terra para atacar a vila de São Vicente.

3.3 Estilo e Deslumbramento

No que se refere à linguagem, podem-se encontrar nos textos do século 16 preocupações estilísticas semelhantes às dos prosadores portugueses do mesmo período. Um exemplo é a carta de Caminha. Homem erudito, ao dirigir-se ao rei o escrivão de Cabral estava atento aos padrões de elegância linguística da época. O

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cuidado com o estilo também está presente na já citada "História da Província de Santa Cruz", de Pero de Magalhães Gândavo, que foi estudioso da gramática portuguesa, tendo sido um dos primeiros a estabelecer suas normas num tratado. Assim, as qualidades estilísticas se unem à criatividade e às manifestações de emoção dos autores, modificando o caráter informativo/utilitário dos textos do século 16 e neles revelando valores artísticos e literários. Esses valores são reforçados na medida em que os textos apresentam particularmente o deslumbramento e o entusiasmo do europeu diante da natureza exuberante dos Trópicos.

3.4 Sentimento Nativista

Essas sensações são a base de um sentimento de afeto pelo território que veio a se desenvolver em seus habitantes. Manifestou-se gradualmente ao longo do século 16, até se transformar num modo de pensar, o Nativismo, que valorizava a Colônia, chegando mesmo a considerá-la como o futuro do Reino de Portugal. O Nativismo representou o estabelecimento dos conflitos de visão de mundo que permitiram diferenciar a mentalidade dos habitantes e nativos do Brasil, do pensamento dos reinóis, isto é, dos naturais do reino lusitano. Nesse sentido, foi um dos primeiros passos do povo do Brasil em direção à Independência e à construção da nacionalidade. Apresentando-se deforma embrionária nos textos do século 16, o Nativismo tornou-se uma característica essencial das obras do Barroco e do Arcadismo, nossas primeiras escolas literárias, que se manifestaram respectivamente nos século 17 e 18, Vistos por essa ótica, a compreensão do desenvolvimento histórico da literatura brasileira no período colonial tem como pré-requisito o conhecimento dos textos informativos produzidos entre 1500 e 1600.

Para completar o quadro da literatura brasileira no século 16, porém, não se pode deixar de olhar com mais atenção para a obra do padre José de Anchieta que, paralelamente ao trabalho religioso, desenvolveu uma constante atividade literária. Escreveu numerosos autos teatrais com finalidade de catequese, e uma grande quantidade de poemas, em português, espanhol, tupi e latim, cujos méritos artísticos são reconhecidos pela crítica literária. Além disso, publicou um estudo linguístico intitulado "Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil" (1595).

Gravura de uma edição francesa do século XVI.

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RELENDO MACAHÉ

4. O Autor

Jean de Léry nasceu em Côte-d'Or, França, no ano de 1536, falecendo na Suíça em 1613. Era sapateiro, pastor, missionário, membro da igreja reformada de Genebra durante a fase inicial da Reforma Calvinista.

Léry era um jovem seminarista quando, em 1556, tomou a decisão de acompanhar um grupo de ministros e artesãos protestantes em uma viagem à França Antártica, colônia francesa estabelecida na baía de Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro.

Conforme visto no “Contexto Histórico”, a França Antártica havia sido estabelecida por Nicolas Durand de Villegagnon, com ajuda financeira e apoio de Gaspard de Coligny, almirante da marinha francesa convertido ao calvinismo. Villegagnon embora inicialmente aceitasse os protestantes, passados oito meses da chegada destes, expulsou-os acusando-os de heresia. Léry e os demais passaram mais dois meses na região da Baía de Guanabara, acolhidos pelos índios Tupinambás. Alguns dos missionários retornaram para a colônia e foram mortos por Villegagnon. Léry e parte dos missionários retornaram à França em um navio bastante avariado. A viagem foi arriscada, demorou mais do que o usual, e quase levou os passageiros e tripulantes a morrerem de fome. Ao final do percurso, Léry e os demais estavam comendo couro, papagaios, ratos e até mesmo mastigando o Pau Brasil que traziam consigo. Já se preparavam para tirar sortes para decidir qual deles morreria para servir de alimento aos outros quando chegaram à Europa. Sem saberem, Léry e seus amigos traziam na bagagem uma carta escrita por Villegagnon ordenando a prisão e execução dos missionários. A ordem não foi cumprida. Os missionários foram acolhidos na França por autoridades protestantes, que ignoraram a ordem. Léry recebeu a notícia das mortes de três de seus amigos no Brasil e as narrou no capítulo "Perseguição dos Fiéis nas Terras da América" do livro "História dos Mártires", publicado por Jean Crespin, advogado protestante refugiado em Genebra.

De volta a Genebra, Léry tornou-se pastor e casou-se. Em 24 de Agosto de 1572, na chamada "Noite de São Bartolomeu", os católicos assassinaram inúmeros protestantes na França, dando início a uma guerra civil que dividiu o país. A experiência de carestia no Brasil, e especialmente na viagem de volta à França, foi útil a Léry nesse conflito. Com outros protestantes, ele resistiu a um cerco de tropas católicas contra a cidade de Sancerre. Léry ensinou aos demais a dormir em redes e sobreviver comendo quase nada. Os católicos terminaram por desistir do cerco sem prejudicar tanto os protestantes. A história desse cerco está narrada no primeiro livro de Léry, "História Memorável da Cidade de Sancerre". Nesse livro Léry acusa os franceses de serem mais bárbaros do que os índios canibais que conheceu no Brasil.

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A França Antártica foi conquistada pelos portugueses em 1567. Em seu lugar criaram a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. André Thévet, um frade franciscano, acusou os protestantes pelo fracasso da colônia em seu livro "Cosmografia Universal". Em resposta a essa acusação e atendendo a pedidos de amigos Léry permitiu que seu diário de viagem fosse publicado com o título "Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil". Isso, porém só pôde ser feito em 1578, após o manuscrito original ser perdido e outros contratempos referentes às Guerras Religiosas ocorrerem. O livro de Thévet mistura realidade e fantasia. Fala de índios que carregavam canhões nos ombros, com os quais atiravam contra os portugueses. Contém inúmeras incongruências. Léry parte desses elementos para contar o verdadeiro relato do que ocorreu no Forte Coligny. Após a publicação de sua obra Léry permaneceu trabalhando como pastor até o fim de sua vida.

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RELENDO MACAHÉ

5. O Livro

Viagem à Terra do Brasil é uma obra única, não só em relação a História desse país, como também em relação a História do continente americano.

Trata-se de um relato pouco comum, pois mostra a visão das Américas partindo de um homem do século XVI, protestante, Calvinista, que denota em sua prática literária algumas características do período, como a transição entre o pensamento Medieval e o pensamento humanista, renascentista, Moderno.

Esse modo de pensar conflituoso contrapôs uma visão da natureza, do índio enfim, do Novo Mundo, que está cheia d elementos mitológicos, fruto do imaginário popular daqueles tempos sobre o novo continente. O trabalho de De Léry, além do lado mitológico, tipicamente Medieval, ainda nos brinda com elementos dissertativos de uma visão Moderna, tratando a natureza, inclusive os índios, a partir de um conceito Mercantilista, fruto da Expansão Marítima e da Revolução Comercial daqueles tempos.

Como escritor de um século pontuado por inúmeras mudanças, Jean de Léry, trata o índio de forma dualista, ao mesmo tempo que admira o exotismo dos nativos, critica alguns de seus costumes, não eximindo-se do preconceito de compará-los e inferiorizá-los em relação aos costumes europeus em alguns pontos e de valorizá-los excessivamente em outros.

A obra Viagem à Terra do Brasil do Suíço Jean de Lery editada pela primeira vez em 1578 na Europa é uma importante fonte de informações acerca da parte inicial do período colonial do Brasil, dos primeiros contatos dos povos Europeus com os povos Ameríndios e do contato da Europa pós-medieval no século das Grandes Navegações.

Pelas surpresas que a vida proporciona, Lery perdeu a obra original na perturbada Europa do século 16 e viu-se obrigado a relembrar os eventos da viagem ao Brasil e demorou quase duas décadas para republicá-la, devido a alguns fatores como a concorrência de obras menos complexas (e mais fáceis de ler) que antes não afetavam o sucesso que a obra de Lery fez.

Filho de pais protestantes, modesto sapateiro, estudante de teologia e discípulo do mestre Calvino, Lery viu-se obrigado a abandonar o Velho Mundo devido às disputas religiosas entre católicos e protestantes e pelas novas possibilidades da França Antártica, na época uma colônia francesa na Baia de Guanabara, atual estado do Rio de Janeiro. Lery chamava a nova terra de América e Terra do Brasil (p. 53).

Apesar da visão religiosa e européia da época (Lery se admitia um escravo de Deus) o viajante suíço traz uma minuciosa visão do Novo Mundo e de seus habitantes.

É destacada a vida em alto-mar. Em meio à população do navio encontram-se mulheres e crianças, levados com propósitos bem definidos a América. Dificuldades como o apodrecimento da comida e água, doenças e

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mortes eram comuns nessas viagens, que também vivenciou encontros com outros navios em alto-mar, como naus Espanholas e Inglesas. Tormentas e calmarias dificultavam a navegação. Após alcançar o Brasil, chamado por ele também de França Antártida e quarta parte, (referência ao quarto continente conhecido na época) Lery e sua tripulação aportam no território do Rio de Janeiro atual. Sua visão dos habitantes da América é muito próxima de outros viajantes europeus como Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio (citados por ele).

A visão do autor acerca dos habitantes e seus costumes tende em alguns relatos para a ideia que os índios viviam na escuridão (p. 209) e em outros relatos os considerava puros em relação aos habitantes do Velho Mundo Europeu.

Adjetivos como ‘selvagem’, ‘ignorantes’, ‘cães’, ‘vingativos’ e ‘iletrados’ são comuns em sua obra. Formas de organização dos índios, principalmente dos Tupinambás e Margaia que Lery conviveu integralmente foram minuciosamente exploradas; tinham grande diversidade de idiomas, eram robustos, bebiam da fonte de juventude (p. 112), pintam-se de barro, banhavam-se muitas vezes por dia, excelentes usuários de armas de guerra, praticavam o canto e tratavam muito bem seus amigos, ao contrário dos inimigos. Quando em guerra com tribos adversárias, Lery informa da grande violência e selvageria que presenciou com as inúmeras flechas (p. 189) que as tribos lançavam uma sobre a outra e da crueldade que sofriam os guerreiros quando se efetivavam os encontros entre eles.

Merecem destaque os comentários do historiador Suíço acerca do antropofagismo; nos índios do Brasil fica claro a diferença entre o canibalismo e antropofagismo, sendo que nos índios o ato de comer o inimigo não estava ligado a ideia única de alimentação e sim de absorver a coragem e boas qualidades dos mais nobres guerreiros. No passar do ano que Lery ficou no Brasil, presenciou que o ato antropofágico era muito comum entre as tribos, nos rituais em que os prisioneiros eram preparados para serem devorados normalmente era por vingança por parentes ou amigos devorados anteriormente, sendo que o próprio Lery por momentos ficou aflito com ele ser a vítima desses rituais dos povos da América. Por parte dos povos indígenas, era evitado se alimentarem dos miolos e características que por eles não eram bem vistas, como se alimentar de animais que fossem considerados lentos, com receio de assim também ficarem.

Outros aspectos são detalhados; a poligamia masculina, casas que comportam até 600 índios, o conceito de machismo inerente a eles, lamentações com altas cantorias aos mortos, curiosidade indígena nos rituais cristãos, divisão dos afazeres masculinos e femininos e as crenças indígenas como o espírito de Anhagá.

No retorno a Europa, Lery disserta sobre o gelo visto nas Américas e as inúmeras dificuldades em seu retorno, merecendo destaque o fim dos alimentos e água que entrava nas frágeis embarcações; a situação esteve tão precária que Lery relata que se alimentaram do Pau-Brasil dentro do navio, ratos e ratazanas e rodelas de couro, havendo horas em que os próprios tripulantes viviam a ameaça de devorar os esqueléticos corpos uns dos outros

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como o próprio autor temia acontecer, situações tais que arruinaram a saúde da tripulação. Isso na visão de Lery que o mundo é uma máquina redonda de água e terra miraculosamente suspensa no espaço.

Em suma, adicionando o glossário dos idiomas Português-Tupi, a obra de Jean de Lery é um importante manual de informações históricas, geográficas e antropológicas dos habitantes do território Sul da América no século 16 e mesmo sendo uma visão fortemente influenciada pela religião cristã, permite ao leitor descobrir importantes informações com a minuciosidade e detalhamento nem sempre disponível de outras experiências.

Edições dedicadas ao público juvenil e infantil: edições de 1998 e 2002.

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RELENDO MACAHÉ

6. Macaé no livro

As referências a Macaé surgem no capítulo V, páginas 63, 64, 65 e 66. Tratam-se de referências ao litoral fluminense em sua porção norte, do Cabo de São Tomé até a foz do rio Macaé. Citaremo-na por completo, pois compreendemos que as visões da natureza, da geografia, dos índios colhidas por Léry desde o Cabo de São Tomé até as Ilhas de Santana e a foz do Macaé fazem parte de um conjunto integrado, que nos ajuda a compreender essa região como um todo.

Mapa do litoral brasileiro. Destaque para o Cabo Frio. Edição do século XVI.

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RELENDO MACAHÉ CAPITULO V

DO DESCOBRIMENTO E PRIMEIRA VISTA QUE TIVEMOS DA ÍNDIA

OCIDENTAL OU TERRA DO BRASIL, BEM COMO DE SEUS HABITANTES

SELVAGENS E DO MAIS QUE NOS ACONTECEU ATÉ O TRÓPICO DE

CAPRICÓRNIO

A primeiro de março alcançamos uma região de pequenos baixios, isto é, escolhos e restingas salpicadas de pequenos rochedos que entram pelo mar e que os navegantes evitam passando ao largo. Desse lugar avistamos uma terra plana na extensão de 15 léguas [1] e que é ocupada pelos Uetacá[2], índios tão ferozes[3] que não podem viver em paz com os outros e se acham sempre em guerra aberta não só contra os vizinhos, mas ainda contra todos os estrangeiros. Quando apertados e perseguidos por seus inimigos, os quais, entretanto, nunca os puderam vencer ou ornar, correm tão rápidos [4] a pé que não só escapam da morte como apanham na carreira certos animais silvestres, veados e orças. Andam nus como todos os brasileiros [5] e usam cabelos compridos e pendentes até as nádegas, o que não parece comum entre os homens desse país, pois, como já disse, costumam tonsurar o cabelo na frente e apará-lo na nuca. Em suma esses diabólicos Uetacá, invencíveis nessa região, comedores de carne humana[6], como cães e lobos, e donos de uma linguagem que seus vizinhos não entendem[7], devem ser tidos entre os mais cruéis e terríveis que se encontram em toda a índia Ocidental.

Como não têm nem querem ter comércio com os franceses, espanhóis e portugueses, nem com outros povos transatlânticos, ignoram em que consistem as nossas mercadorias.

Entretanto, conforme vim a saber de um intérprete normando, quando seus vizinhos os procuram e eles concordam em atendê-los, assim procedem: o margaiá, o caraiá ou o tupinambá (assim se chamam as nações vizinhas), sem se fiar no uetacá mostra-lhe de longe o que tem a mostrar-lhe, foice, faca, pente, espelho ou qualquer outra bugiganga e pergunta-lhe por sinais se

_____________________________ Notas_______________________________ [1] Uma légua corresponde a 6 Km. [2] Uetacá, goitacá, goitacás, muitas são as denominações para os índios da região. [3] A fama de índios perigosos, guerreiros começou com Jean de Léry, sendo confirmado por diversos autores posteriormente. [4] Para alguns autores uetacá ou goitacá significa índio corredor ou índio nadador. [5] Na concepção da palavra brasileiro é o habitante do Brasil, naquela época, índios. [6] A fama de antropófagos foi descrita por quase todos os autores. [7] Os índios do Rio de Janeiro eram do ramo lingüístico Tupi. Segundo Darci Ribeiro, os goitacás era, do ramo lingüístico Gê.

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RELENDO MACAHÉ quer efetuar a troca. Em concordando, o convidado exibe por sua vez plumas, pedras verdes que coloca nos lábios, ou outros produtos de seu território[8].

Combinam então o lugar da troca, a 300 ou 400 pés de distância; aí o ofertante deposita o objeto da permuta em cima de uma pedra ou pedaço de pau e afasta-se. O uetacá vai buscar o objeto e deixa no mesmo lugar a coisa que mostrara, arredando-se igualmente, a fim de que o margaiá ou quem quer que seja venha procurá-la. Enquanto isso se passa são mantidos os compromissos assumidos. Feita, porém a troca, rompe-se a trégua [9] e apenas ultrapassados os limites do lugar fixado para a permuta procura cada qual alcançar o outro a fim de arrebatar-lhe a mercadoria. E parece-me inútil dizer quem leva a melhor o mais das vezes, sendo os uetacá como se sabe excelentes corredores. Não devem, portanto meter-se em negócios com esses selvagens, os coxos, os gotosos, os mal empernados de qualquer espécie que tenham amor aos seus bens. Entretanto, como afirmam que os biscainhos têm muita lábia e são, como sabemos, facetos e ágeis, reputando-se os melhores lacaios do mundo, creio que podem ser comparados aos uetacá e capazes de com eles disputar um jogo de barras. Também poderíamos pôr em paralelo com esses selvagens certos habitantes da Flórida, perto do rio das Palmas, tão fortes e ágeis que correm um dia inteiro sem parar e pegam veados na carreira; ou ainda os grandes gigantes[10] que vivem no rio da Prata e são igualmente tão fortes e ágeis que agarram com as mãos os cabritos na corrida.

Mas deixemos esses corcéis e cães corredores de dois pés correr céleres como o vento, com furibundas cambalhotas, ou cair como chuva em diversos lugares da América e da Europa muito distantes uns dos outros, e passemos novamente à nossa viagem. Depois de costearmos a terra desses uetacá, avistamos outra região próxima chamada de Macaé[11] e habitada por outros selvagens[12] que, como é de imaginar pelo que ficou dito acima, não podem se comprazer na vizinhança de índios tão brutais e ferozes.

Nessas terras vê-se à beira-mar um grande rochedo em forma de torre, tão reluzente ao sol que pensam muitos tratar-se uma espécie de esmeralda; e com efeito, os franceses e portugueses que por aí velejam o denominam "Esmeralda de Macaé"[13]. Dizem que ela é rodeada por uma infinidade de rochedos à flor [14] água que avançam mar afora cerca de duas léguas e como tampouco a ela se tem acesso por terra, é completamente impraticável.

_________________________Notas_____________________________ [8] Esse sistema de comèrcio baseado nas trocas era chamado de escambo. [9] De Léry baseou-se nas informações de um intérprete, que não falava ou tinha contato com os goitacás, mas com seus vizinhos e inimigos. [10] Fernão de Magalhães os chamou de patagões, grandes patas, dando origem ao termo Patagônia.[11] Percebe-se a antiguidade do termo Macaé. [12] Seriam os tamoios? [13]Trata-se do Pico do Frade. [14] Descreve as montanhas vizinhas ao Frade.

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RELENDO MACAHÉ Também existem três pequenas ilhas chamadas ilhas de Macaé[15]

junto das quais fundeamos e dormimos uma noite. Pensávamos chegar no dia seguinte ao Cabo Frio, mas tivemos tanto vento contrário que foi preciso voltar para o ponto de onde partíramos pela manhã e aí permanecermos ancorados até quinta-feira à tarde, pouco tendo faltado como vereis para ali ficarmos definitivamente. Com efeito, na quarta-feira, 2 de março, primeiro dia da Quaresma, depois da festa habitual dos marinheiros, sucedeu desencadear-se, ali pelas onze horas da noite, quando começávamos a repousar, tão rude temporal que as amarras não resistiram ao ímpeto das vagas furiosas. Nosso navio combalido e sacudido pelas ondas foi impelido para o lado da praia, chegando a ficar apenas em duas braças e meia de água (o mínimo que podia ter para flutuar descarregado) e pouco faltou para que batesse na areia e naufragasse. O mestre e o piloto que procediam à sondagem, em vez de se mostrarem os mais imperturbáveis e animarem os companheiros, vendo o perigo clamaram duas ou três vezes: "estamos perdidos". Mas os nossos marujos diligentemente lançaram outra âncora que graças a Deus ficou segura, o que impediu fôssemos levados contra os rochedos de uma dessas ilhas de Macaé, os quais sem dúvida alguma teriam despedaçado o nosso navio em vista da violência do mar. Esse angustioso transe durou quase três horas durante as quais de nada servira gritar: A bombordo! A estibordo! Segura o leme! Mete de ló! Ergue a bolinai Larga a escota! O que só se faz em mar alto onde as tormentas são menos temidas do que perto da terra. Como já disse estava a nossa aguada corrompida, por isso pela manhã, ao cessar a tormenta, alguns marujos foram procurar água potável nessas ilhas desabitadas e verificaram que todo o terreno se achava coberto de ovos de aves de diversas espécies, aliás, diferentes das nossas. E tão mansas, por nunca terem visto gente, que se deixavam pegar com a mão ou matar a pauladas; assim nossos homem puderam encher o escaler, trazendo para o navio grande quantidade delas [16] e apesar de ser dia de Cinzas nossos marinheiros vencidos pelo apetite, agravado com o trabalho da noite precedente, não hesitaram em comê-las, embora fossem verdadeiros católicos romanos.

Certamente quem contra a doutrina proibiu aos cristãos o uso da carne em determinados dias e épocas não tinha penetrado neste país onde a prática dessa supersticiosa abstinência é ignorada.

__________________________________________Notas______________________________ [15] Arquipélago de Santana – Ilha de Santana; Ilha do Francês e Ilha dos Papagaios. [16] Até hoje as ilhas são usadas por inúmeras aves como área de repouso e ninhal.

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7. Sugestões para o Ensino Fundamental

As referências a Macaé e ao Norte Fluminense na obra de Jean de Léry nos possibilitam inúmeras possibilidades de trabalhos em aulas de História, Artes, Português, Literatura Brasileira, Geografia e Ciências, principalmente.

A começar pelo contexto histórico especialmente dinâmico, envolvendo navegações marítimas, reforma religiosa, conflitos religiosos, tentativas de colonização do Brasil, além, principalmente da História nacional e local, focadas sobretudo na questão indígena; estendendo-se à visão literária e sua forma de expressão, a observação dos aspectos naturais e suas transformações até os dias de hoje.

Alguns pontos devem ser destacados no trabalho com alunos:

O indígena.

O observador europeu no Novo Mundo.

Forma de ver o Novo Mundo e o “outro”.

Descrição da paisagem natural.

As opiniões e os princípios de uma época e de uma região.

Gravura de uma cerimônia indígena. Edição francesa do século XVI.

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RELENDO MACAHÉ

7.1 Sugestões de Planos de Aula

7.1.1 Leitura de Documentos.

→ Conteúdos: Sociedades Indígenas do Brasil; Expansão Marítima; Brasil Colônia; Reforma Religiosa; França Antártica; Literatura de Informação; História de Macaé. → Objetivos: - Pesquisar a História do município de Macaé. - Desenvolver a capacidade de ler e interpretar documentos históricos (livros, mapas, fotografias e documentário). - Perceber que a História de Macaé não está desvinculada de outros contextos históricos. → Anos 6º e 7º. → Tempo estimado: 6 aulas. → Material necessário: Papel pardo, pincel atômico, descrição feita por Léry sobre Macaé e região, texto e /ou imagens sobre índios, colonização do Brasil, França Antártica e Macaé. → Desenvolvimento: 1ª etapa: Inicie a seqüência apresentando a proposta de investigar a História do município onde a escola está localizada. Faça um levantamento coletivo sobre como é o município hoje e convide a turma a imaginar como ele era no passado: como as pessoas viviam? Onde trabalhavam? Por que elas decidiram se mudar para lá? Havia luz elétrica ou água encanada? Onde estudavam? Havia violência e pobreza? O número de árvores nas ruas era maior ou menor? Registre as hipóteses num cartaz e oriente os alunos a copiar as anotações no caderno. Em seguida, peça que leiam o(s) texto(s) selecionado(s) e observe(m) a(s) imagem(ns). Para que elas sejam produtivas, é preciso combinar uma pauta de perguntas semelhantes às citadas anteriormente. Também é importante que a entrevista seja transcrita e as respostas às perguntas e outras informações históricas que a turma descobrir sejam destacadas por algum procedimento escrito de apoio à leitura, como sublinhados e anotações. Pode-se dividir a turma em grupos, conforme a quantidade de material disponível 2ª etapa Apresente os documentos históricos, no caso o texto de Léry, que

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RELENDO MACAHÉ poderá ser dividido pelo número de alunos. Explique aos estudantes que, assim como um historiador, eles também deverão pesquisar em diversas fontes os principais fatos da História do município, do Brasil, para comprovar ou descartar as hipóteses levantadas. Dividindo a classe em grupos, proponha uma primeira análise do material: quem é o autor? Há data de publicação? Qual o título escolhido? Com base no título, o que se quer explicar ou debater? Pelo formato, é possível identificar o gênero (prosa, verso, texto jornalístico)? No caso de imagens, vale indagar, além do autor e da data, que elementos é possível observar e qual a relação entre o que se vê e os textos escritos (no caso de haver legenda ou a foto acompanhar uma reportagem, por exemplo). Peça que cada grupo anote as informações no caderno. 3ª etapa Solicite uma leitura mais detalhada do material orientada pela seguinte pergunta: que informações históricas sobre nosso município podemos colher do texto e/ou da imagem analisada? Pedindo que anotem as descobertas em frases curtas na forma de uma lista, circule pela classe, auxiliando cada grupo a encontrar marcadores de tempo e referências à situação social, política ou econômica que ajudem a circunscrever a época e o contexto dos dados obtidos. Se um bairro violento possuir um recente livro comemorativo produzido, digamos, pela administração regional, que não faça menção a esse tipo de ocorrência, vale discutir o porquê dessa omissão e anotar a hipótese na lista. 4ª etapa Convide a turma a organizar os acontecimentos e relatos destacados em uma grande linha do tempo feita na forma de cartazes. Ao redor das datas principais, encaminhe uma colagem de fotos e anotações feitas pelos alunos que justifiquem a data destacada. Peça, ainda, que elaborem um título para o cartaz e uma legenda explicativa para cada ponto da linha do tempo, que pode ser apresentada pelos alunos para pais e funcionários da escola. → Avaliação: Verifique se a linha do tempo inclui os elementos mais importantes da História do Brasil, Mundo e município, se enfatizam as principais transformações e se as contribuições foram adequadamente contextualizadas – avalie, por exemplo, se consideram a intenção dos autores dos documentos históricos. Para discutir se faltou algum dado ou ponto de vista importante, peça que pais e funcionários se manifestem após a apresentação, debatendo com a turma possíveis fontes para cobrir as lacunas.

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RELENDO MACAHÉ 7.1.2 Os Primeiros Tempos de Macaé.

→ Bloco de Conteúdo:

História das relações sociais, da cultura e do trabalho. → Conteúdo: História das relações sociais, da cultura e do trabalho

→ Objetivos: - Conhecer sociedades que viviam aqui antes de 1500. - Entender as relações sociais e políticas de comunidades que habitavam o Brasil, Macaé e os sambaquis litorâneos. - Valorizar as tecnologias e os modos de vida desses povos. → Conteúdos específicos: - Sociedades pré-históricas do Brasil, Rio de Janeiro e Macaé. - Relações sociais e políticas. - Tecnologias e modos de vida. → Anos: 6º e 7º. → Tempo estimado: três aulas. → Material necessário:

Mapa do Brasil, sites (Arqueologia Brasileira) e livros (Arqueologia da Amazônia e Brasil Rupestre) com texto e imagens sobre sociedades antigas. Texto do Léry sobre Macaé.

→ Desenvolvimento: 1ª etapa Leia com a classe textos sobre Arqueologia e sociedades pré-históricas do Brasil. Mostre imagens de objetos de pedra, ossos e cerâmica utilizados por elas e pergunte como eram feitos e usados. Diga que o arqueólogo encontra peças como essas e define seu tempo de existência. Pergunte sobre a provável idade do material mostrado e peça um relato sobre o que foi aprendido. Em seguida faça a leitura do texto do Léry. 2ª etapa Divida a turma em grupos de seis e peça que cada um pesquise sobre um dos povos propostos e os artefatos que produzia. A idade da sociedade, onde ficava e como se extinguiu devem ser mencionados. Monte um quadro com os seguintes itens: região geográfica, alimentação, moradia, objetos, rituais, hierarquia. Os grupos devem preencher os tópicos com informações da sociedade estudada e comparar o levantamento feito na aula anterior com a pesquisa. Oriente os grupos e peça que preparem uma apresentação com cartazes. 3ª etapa Na hora do seminário, pendure um mapa do Brasil no quadro para os grupos localizarem a região habitada pela civilização a ser descrita. Cada aluno do grupo deve abordar um item do relatório feito. Durante as falas, pergunte se terrenos, matas, rios e praias eram como agora, o que pode ter mudado e por quê. Fale sobre a diversidade das populações atuais e que influências receberam das antigas. Proponha que todos anotem as informações sobre os povos apresentados pelos colegas num quadro igual ao já trabalhado. Elas

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RELENDO MACAHÉ facilitam examinar a diversidade dos povos. Peça que cada aluno escreva por

que registrou as informações, como imaginava os antigos povos e o que descobriu. Como lição de casa, eles devem comparar sua pesquisa com a de outra sociedade e fazer um relatório.

→ Avaliação : Avalie os textos dos grupos e observe que categorias de comparação foram utilizadas, assim como semelhanças e diferenças elencadas.

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8. Descritores Em Língua Portuguesa:

a) Localizar informações explícitas em um texto. b) Inferir o sentido de uma palavra ou expressão. c) Inferir uma informação implícita no texto. d) Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas,

quadrinhos, fotos, entre outros). e) Identificar o tema de um texto. f) Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.

Em Língua Matemática:

a) Identificar a localização/movimentação de objeto em mapas, croquis e outras representações gráficas.

b) Estabelecer relações entre unidades de medida de tempo.

c) Calcular o resultado de uma adição ou subtração de números naturais.

d) Calcular o resultado de uma multiplicação ou divisão de números naturais.

e)

Gravuras das Edições Francesas do século XVI. Mostram (da esquerda para direita):

um funeral; divisão de tarefas e um combate.

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9. Bibliografia LERY, Jean. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 1999. SOUZA, Laura de Melo. O Diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1986. THEVET, André. As singularidades da França Antártica. Trad. Eugenio Amado. São Paulo: EDUSP, 1978. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. Trad. Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1982. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

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