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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PESQUISA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC: CNPq, CNPq/AF, UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO Período: 01/08/2014 a 31/07/2015 ( ) PARCIAL ( x ) FINAL IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Título do Projeto de Pesquisa: UMA EDUCAÇÃO NO DORSO DO TIGRE: LITERATURA E EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS. Nome da Orientadora: Gilcilene Dias da Costa Titulação da Orientadora: Doutorado em Educação Faculdade: Faculdade de Linguagem Instituto/Núcleo: Campus Universitário do Tocantins/Cametá/UFPA Título do Plano de Trabalho: Sentidos e experiências de Leitura no ensaio “Sobre a Leitura”, de Marcel Proust. Nome da Bolsista: Jessé Pinto Campos Tipo de Bolsa: ( ) PIBIC/CNPq ( ) PIBIC/UFPA (X) PIBIC/INTERIOR ( ) PIBIC/FAPESPA ( ) PRODOUTOR ( ) PARD renovação ( ) PIBIC/PIAD ( ) PIBIC/AF-CNPq ( ) PIBIC/AF-UFPA ( ) PIBITI ( ) PADRC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DIRETORIA DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC: CNPq, CNPq/AF,

UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO

Período: 01/08/2014 a 31/07/2015

( ) PARCIAL

( x ) FINAL

IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO

Título do Projeto de Pesquisa: UMA EDUCAÇÃO NO DORSO DO TIGRE:

LITERATURA E EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS.

Nome da Orientadora: Gilcilene Dias da Costa

Titulação da Orientadora: Doutorado em Educação

Faculdade: Faculdade de Linguagem

Instituto/Núcleo: Campus Universitário do Tocantins/Cametá/UFPA

Título do Plano de Trabalho: Sentidos e experiências de Leitura no ensaio “Sobre a

Leitura”, de Marcel Proust.

Nome da Bolsista: Jessé Pinto Campos

Tipo de Bolsa: ( ) PIBIC/CNPq

( ) PIBIC/UFPA

(X) PIBIC/INTERIOR

( ) PIBIC/FAPESPA

( ) PRODOUTOR

( ) PARD – renovação

( ) PIBIC/PIAD

( ) PIBIC/AF-CNPq

( ) PIBIC/AF-UFPA

( ) PIBITI

( ) PADRC

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RESUMO

CAMPOS, Jessé Pinto. Sentidos e experiências de Leitura no ensaio “Sobre a Leitura”, de

Marcel Proust. Relatório Final Técnico-Científico de Pesquisa. Universidade Federal do

Pará/Campus Universitário do Tocantins/Cametá.

A presente pesquisa discute o tema da Leitura configurado no ensaio "Sobre a

Leitura", de Marcel Proust (literato parisiense que nasceu em 1871 e morreu em 1922). O

contexto de surgimento da obra data de 1905, momento em que o autor escreveu um prefácio

para a tradução de um livro, e dado tão belo elogio da leitura, o ensaio ganhou status de um

livro: “Sobre a Leitura”. Sabemos que a leitura constitui um dos canais de acesso ao universo

literário e de interação social em diferentes contextos e situações de linguagem. E embora a

leitura constitua uma atividade educativa transversal que perpassa as diferentes áreas do

conhecimento no meio escolar, acadêmico e vida social, infelizmente ela não vem sendo

desenvolvida e incentivada satisfatoriamente desde tenra idade do educando, ocasionando

sérias implicações para o processo de aprendizagem em sua trajetória de escolarização e

aspectos da vida cotidiana. Assim, a pesquisa objetiva espreitar o universo literário proustiano

pelo viés da leitura, a fim de perscrutar experiências de leitura que nos levem a pensar por um

novo ângulo os sentidos e significados do ler. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de

cunho teórico, pautada nas ressonâncias do pensamento de Marcel PROUST (2011) e dos

estudos sobre leitura e experiências formativas presentes no pensamento de NIETZSCHE

(2001; 2003; 2011); LARROSA (2000; 2002; 2004); COSTA (2008; 2013). Na análise da

obra Sobre a Leitura, as memórias da infância de Proust são evocadas para dialogar com um

pensamento que caminha rumo ao universo desconhecido dos sentidos da leitura, muito além

do “utilitarismo”, fazendo reverberar instigantes ressonâncias para uma perspectiva fruidora e

formativa da leitura em suas múltiplas dimensões na educação.

Palavras-chave: Leitura; Sentidos; Experiências Formativas; Marcel Proust;

INTRODUÇÃO

O presente relatório final de iniciação científica, intitulado “Sentidos e experiências

de leitura no ensaio “Sobre a Leitura” de Marcel Proust”, desenvolvido pelo aluno-

bolsista Jessé Pinto Campos, Curso de Letras – Língua Inglesa, Turma de 2011, Faculdade de

Linguagem, Campus Universitário do Tocantins/Cametá, nasceu do arcabouço teórico

discutido dentro do Projeto de Pesquisa “Uma Educação no dorso do tigre: Literatura e

Experiências Formativas”, coordenado pela Professora Dr.ª Gilcilene Dias da Costa,

Faculdade de Linguagem/CUNTINS, com o intuito de discutir uma perspectiva de leitura por

novas (re)significações presentes no pensamento proustiano.

O estudo parte da consideração de que a leitura constitui um dos canais de acesso ao

universo literário e de interação social em diferentes contextos e situações de linguagem. E

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embora a leitura constitua uma atividade educativa transversal que perpassa as diferentes

áreas do conhecimento no meio escolar, acadêmico e vida social, infelizmente ela não vem

sendo desenvolvida e incentivada satisfatoriamente desde tenra idade do educando,

ocasionando sérias implicações para o processo de aprendizagem em sua trajetória de

escolarização e aspectos da vida cotidiana.

O estudo buscou aproximar as teorias que permeiam o campo da Filosofia da

Linguagem e Literatura, a fim de discutir a atividade da leitura com foco nas sensações e

experiências de interação texto-leitor, na concepção de leitura como fruição e prazer, pois,

muito se tem acreditado que o ler se faz no sentido de decifrar códigos da língua e suas

verdades absolutas, tendo em vista o direcionamento que o processo de ensino propõe.

Inicialmente a aquisição cognitiva do ler nos conduz ao limite da pronúncia das

palavras preexistentes, em outras palavras, essa primeira aventura no ler pouco passa pela

apropriação, todavia, enraízam sentidos, mesmo que ainda vagos dessa alteridade constitutiva

da linguagem; temos então, nesse primeiro contato, uma dicotomia entre sentido e som,

possivelmente ocasionado pela preparação silábica que somos expostos.

Nesta formação inicial do leitor o sentido e a experiência permanecem no limite de sua

experiência, ou seja, não vai além da busca do sentido. Nessa busca, chegará o momento em

que o primeiro leitor irá utilizar as técnicas de instrumentalização da leitura para se tornar um

“leitor competente” aos olhos da sociedade na qual está inserido, ou seja, este “leitor que sabe

ler em geral” produz sons e compreende sentidos pré-determinados.

Esta é a ideia que temos de um leitor competente, porém, deve-se ter em mente que o

ensino ou até mesmo a leitura requer um leitor capaz de pensar enquanto lê, um leitor com

qualidade de formação, deste modo, a pesquisa se prontificou a tentar discutir o

posicionamento do leitor enquanto leitura e experiência do ler, entretanto, não se trarão

verdades absolutas, pois nosso foco não é criar um perfil de “leitor crente” ou “leitor ideal”,

pelo contrário, é dar a pensar o ler como relação do leitor em “direção ao desconhecido”, para

que possamos vislumbrar a relação dos sentidos e da experiência da leitura a partir das

memórias e sensações oriundas das ressonâncias da leitura proustiana.

Desse modo, e considerando a importância em aprofundar estudos e perspectivas

sobre a leitura que sinalizem suas ressonâncias em todos os aspectos da vida estudantil e

social, o presente plano de trabalho visa espreitar o universo literário proustiano pelo viés da

leitura, buscando analisar sentidos e experiências da formação singular do leitor Proust que

nos leve a (re)pensar a atividade da leitura relacionada aos aspectos da formação do leitor em

suas múltiplas dimensões. Para tanto, levantamos alguns questionamentos sobre a temática:

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Qual o papel da leitura na sociedade atual?

Que entendimentos construímos em torno dos significados da leitura?

Em que sentido dizemos que somos “leitores competentes”?

Que sentidos e experiências de leitura a obra de Proust nos proporciona?

Consoante com as questões acima levantadas e do diálogo com o arcabouço teórico da

pesquisa, acreditamos que a análise da obra “Sobre a leitura” valora e incentiva um novo

olhar sobre a leitura, ao mesmo tempo, desafiador e atual, pois apresenta um contexto

histórico do início século XIX com um alto grau de atualidade e ressonâncias com os

processos educacionais em nossos dias. Trata-se, pois, de um estudo de grande relevância ao

meio acadêmico e perspectivas sobre leitura, em diálogo com a filosofia e a literatura, cujas

ressonâncias nos levam a pensar a importância da leitura como atividade formativa para além

do “utilitarismo” e da voracidade do tempo que consome nossa educação.

OBJETIVOS

Apresentamos, abaixo, os objetivos trabalhados no plano de pesquisa:

Interpretar e analisar sentidos e experiências de leitura no ensaio “Sobre a Leitura”, de

Marcel Proust, em articulação aos processos de formação do leitor;

Interligar os campos da literatura e da educação pelo viés da leitura nos estudos da

linguagem;

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa centrou-se em uma pesquisa bibliográfica, no intuito de pensar o ato de

ler como atividade formativa que se dá na experiência da leitura, perscrutando os significados

usuais da leitura, indo em direção aos sentidos da leitura emanados da experiência formativa

do escritor Marcel Proust, para assim vislumbrar as relações que se tecem entre leitor e

leitura. Seguidamente, a pesquisa estabeleceu conexões entre leitor-leitura, discutindo a

leitura como experiência formativa que transforma o leitor por meio de sensações e interações

com o texto; deste modo, buscamos autores que se aproximam da perspectiva proustiana de

leitura, a fim de ressignificar os sentidos da leitura em suas experiências e ressonâncias, sob

esse ponto de vista.

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Assim, utilizamos algumas obras de cunho autobiográfico sobre a vida e a obra de

Proust e outras que discutem o contato com a leitura, sentidos e experiências: o ensaio de

Marcel PROUST “Sobre a leitura” (2011), com objetivo de perscrutar a leitura como

experiência formativa do leitor; e os ensaios de Jorge LARROSA, respectivamente, “Ler em

direção ao desconhecido. Ou, para além da Hermenêutica” (2002) e “Ensaios Pedagógicos”

(2004); Friedrich NIETZSCHE em “A Gaia Ciência” (2001), “Escritos sobre Educação”

(2003), “Assim Falou Zaratustra” (2011); Gilcilene COSTA em “Trilogia antropofágica [a

educação como devoração]” (2008). Em suma, estas foram as veredas principais deste

trabalho que caminhou em busca da figura (proustiana) do leitor enquanto experiência

formativa e seus sentidos, com o intuito promover um pensar da leitura para além dos seus

sentidos usuais ou “utilitários”, a fim de renovar a educação.

O próximo passo foi organizar o material de análise selecionando os conceitos

estudados nos primeiros meses de pesquisa e sistematizando-os na forma de relatório parcial

de pesquisa, sob a supervisão e auxílio da professora-orientadora do projeto, com a emissão

de seu parecer de avaliação e encaminhamentos aos órgãos competentes da UFPA, para

ciência e divulgação necessárias. O foco das análises deu-se inicialmente na contextualização

da obra e biografia do autor, em seguida buscou-se pensar em ressignificar os conceitos de

leitura com base no Pensamento da Diferença sustentado por Nietzsche, Larrosa e Costa para

que pudéssemos desterritorializar a leitura, com intuito de vislumbrar uma leitura como

convite ao “desconhecido”, desta forma, seguimos ao encontro do universo proustiano da

leitura, onde pertencemos às suas memórias construídas na infância e experiências singulares

que dão o que pensar à nossa formação.

RESULTADOS

I. MARCEL PROUST: VIDA E OBRA

Marcel Proust (literato parisiense que nasceu em 1871 e morreu em 1922), filho de

Louis Proust e Jane Weil, nascido em família burguesa, viveu na infância em escolas de

prestigio, convivendo com sua saúde frágil, decorrente da asma, o que não impediu de servir

um ano no serviço militar. Em sua formação acadêmica, chegou a matricular-se na Escola de

Direito e na Escola de Ciências Políticas, entretanto, acabou por se licenciar em Letras na

Sorbonne. Entre outras áreas de atuação, Proust flertou pelo Jornalismo, onde fundou a revista

Le Banquet (O Banquete); neste mesmo período publicou alguns textos em periódicos.

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Proust ainda escreveu poesia em prosa e pequenos relatos, posteriormente, compilados

no prefácio organizado por Anatole France, intitulado, Les plaisirs et le jours (O prazer e os

dias), por estes escritos ganhou reputação de “mundano”. Em 1895, iniciou um romance

autobiográfico, que deixou inacabado, publicado postumamente em 1952, chamado Jean

Santeuil, considerado um esboço daquela que seria sua grande obra, À la recherche du temps

perdu (Em busca do tempo perdido).

A morte do seu pai (1903) e de sua mãe (1905) tiveram um papel decisivo na

formação de Proust como escritor, mudanças que refletiram em sua postura de vida. Com a

morte do seu pai, tornara-se mais frequente a presença de Proust nos círculos da sociedade

parisiense, entretanto, a morte de sua mãe fez com que ele se afastasse das atividades sociais,

ambas as mudanças modificaram-no profundamente. Decorrente de sua condição frágil de

saúde, Proust precisou passar uma temporada em uma casa de saúde, suas crises asmáticas

tornaram-se frequentes, o que o obrigava a viver quase em reclusão total. Proust instalou-se

no apartamento dos pais, no Boulevard Haussmann, onde mandou preparar o seu famoso

quarto com paredes revestidas de cortinas para reduzir a propagação de ruídos.

Em meados de 1908 os primeiros esboços do que mais tarde seria “Em busca do

tempo perdido” multiplicaram, todavia, o projeto ainda procurava uma forma, foi só entre o

período de 1913 a 1927 que ganhou concretude, o primeiro livro publicado foi Du côté de

Chez Swann (A caminho de Swann), após três tentativas de publicações. Rejeitado até pela

reputadíssima editora Gallimard, que reconheceu seu erro e comprou os diretos das suas

obras, Proust tornou-se um escritor conhecido e reconhecido, sobretudo depois que À l’ombre

des jeunes filles en fleur (À Sombra das Raparigas em Flor) ganhou o prêmio Goncourt, em

novembro de 1919. Apesar do agravo de sua doença e da ameaça de morte latente, não foi

motivo para Proust abandonar suas atividades mundanas e literárias. Proust foi nomeado

Cavalheiro da Legião da Honra e chegou a pensar na Academia Francesa de Letras.

Entre os anos de 1920 e 1921 foi publicada a primeira parte do livro Sodoma e

Gomorra que só teve sua segunda parte publicada em 1922, quando Proust teria confiado à

Celeste (sua célebre governanta, que cuidou dele até a morte em abril do mesmo ano).

II. A LEITURA E SEUS SENTIDOS

A leitura que fazemos nos dias atuais constrói-se em nossas manifestações sociais,

desta forma, o ler passa a ser amplamente difundido como a interação entre texto e leitor, pela

qual, ao ver da sociedade um leitor competente é aquele que se apropria das mais variadas

formas de leitura; este é o leitor nato, o que compreende tudo muito bem, e o que tem

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conceito pronto de tudo; é um intelectual enciclopedista (NIETZSCHE, 2002). Aqui veremos

um pouco do ler dentro do imaginário construído na sociedade, problematizando o

entendimento da leitura em seus significados usuais, suas limitações, mas também, como

desejo, obscuridade, dispersão... que explanaremos pelo pensamento de Larrosa, autor que

traz em seu corpo teórico acenos do pensamento nietzschiano. Assim, buscamos discutir as

interações e sensações provocadas no leitor pelo percurso da leitura, com propósito de

descortinar a leitura como experiência formativa no leitor.

a. Leitura: sentidos, significados.

Quando se pensa em ler qual é a ideia que nos surge? Se refletirmos a leitura nos dias

atuais, acabaremos presenciando o contanto dela com prazer? Pelo pensamento de Nietzsche

compactuaremos com a concepção de que a leitura em seu sentido usual se tornou uma

mercadoria a ser exibida, no qual o ter lido ou conhecer resumidamente o enredo da história

implica status, um ganho imediato, deste modo, “o „leitor moderno‟ já não têm tempo para

esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se veem com clareza, e das quais não

podem colher imediatamente os resultados”. (LARROSA, 2002, p. 14) pois para o

“profissional da leitura” ler é mera produção, orientado diríamos, ao próximo artigo, a

próxima resenha, ao próximo livro... são esses leitores “produtores” que leem apressados, que

preferem se guiar por ideias prontas, do que ruminar suas próprias, e esquecem que a “leitura

é algo ao qual cada um deve se aplicar com lentidão” (LARROSA, 2002, p.14).

Já começamos a ver um perfil do leitor que pertence à leitura como a

compreendemos usualmente, entretanto, nosso foco não é o leitor, mas falar da leitura, sem o

leitor, é retirar dela seu expectador principal, em alguns momentos divagaremos tanto pelo

leitor, quanto pelo ato de ler.

O sentido da leitura usual que somos levados a crer paira na concepção de que ler é a

ação de decifrar códigos com intuito de compreender os significados usuais predeterminados

pela pragmática do senso comum; e fugir desse conceito é difícil, visto que a sociedade nos

mergulha desde o processo de alfabetização, quando “saber ler” é apenas pronunciar palavras,

e não nos apropriar dos sentidos, este “esquecer” o sentido se instaura naturalmente na

desapropriação involuntária da infância, ou seja, esse primeiro leitor nasce pela sua

competência da pronúncia dos símbolos chamados “palavras”, que ao tropeçar por entre as

regras e símbolos da língua, sua (in)compreensão não faz muito sentido.

A leitura das palavras, como são arbitrariamente determinadas, acaba por criar uma

dicotomia entre o som e o sentido, este último que se esvai ao vento seguindo as palavras que

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esse “primeiro” leitor produz, e desse processo de produção, surge o primeiro “leitor” que mal

consegue chegar ao sentido usual, e que não consegue ver a leitura além da ferramenta, não

dando à leitura seu sentido vivo. (LARROSA, 2004)

Consoante ao pensamento de Larrosa (2004), combatemos a concepção de um “ler

competente” como aquele ávido em decifrar códigos da língua, restringindo a leitura ao

aspecto cognitivo. Com isso, um “leitor competente” entendido como o que “saber ler” não

esquece o que é esse “ler”, e por isso não se abre ao “não saber ler”, ou seja, ao desconhecido,

à dimensão enigmática e incompreensiva da leitura; esquece o lugar que a leitura desempenha

dentro de si e interioriza a leitura com voracidade e utilidade.

Ao longo do processo cognitivo acontecem mudanças no modo como interagimos

com a leitura, desde o primeiro contato até o momento em que nos autodenominamos “leitor”

(aquele que “saber ler em geral”), ou seja, aquele que se debruça na leitura com intuito de

apropriação e que vive em entender o sentido explícito no texto, com propósito de se bastar no

caráter limítrofe da leitura, ainda é aquele, que segue guiado pelos sentidos anteriores que os

outros já haviam definido como o certo.

Deste modo, nos tornarmos “leitores competentes” em sentido usual quando

buscamos a utilidade do texto e seus significados aplicáveis a algum fim. Desta forma, apenas

avistamos o sentido vivo da leitura quando abrimos ao horizonte do olhar vindo do outro,

dentro dessa alteridade que se constrói com o texto, quando julgamos o limite da leitura não

como verdade. Pelo sentido vivo da leitura seguimos por um caminhar leve “rumo ao

desconhecido”. Ocorre que muitas vezes não nos abrimos à alteridade do texto e sequer nos

autocompreendemos como leitores em formação, sendo assim, tomamos nossas outras leituras

como manuais para lermos tudo de antemão e para julgarmos saber sem muito trabalho.

(LARROSA, 2004)

Há pouco vimos a relação habitual da leitura pela sua manifestação dentro da

sociedade, assim como entendemos seu sentido usual como a ação de decifrar códigos da

língua presente, pela qual o ler se instaura nos sentidos habituais. O ler então é visto como

uma ferramenta de busca que o leitor utiliza para encontrar o que lhe convém. Ler em busca

de inventar os sentidos se faz imprescindível para que se possa permitir ir além do que já foi

construído; despir-se da ideia de colheita, aquisição e apropriação, para assim promover o

pensar, direcionando-nos ao esquecer natural, como veremos expresso em Larrosa:

Cada dia lemos, às vezes falamos de nossas leituras e das leituras dos outros,

todos nós sabemos ler e, às vezes, ensinamos a outros a ler, habitualmente

usamos com plena normalidade e competência a palavra ler... mas talvez

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ainda não sabemos o que é ler e como tem lugar a leitura. (LARROSA,

2004, p.18)

Nessa perspectiva, Larrosa (2004) nos sugere que ler é algo que fazemos com tanta

naturalidade que esquecemos a complexidade que deveria ser empregada na leitura; esquecer

deveria ser um processo natural para renovação, de modo que pudéssemos alcançar a força

que a leitura expressa em nós, e nos defender da voz que ressoa do outro quando se faz

opressão; para que a leitura perpasse pelo estranhamento e desassossego, a fim de possuirmos

um leitor que pense enquanto lê (NIETZSCHE, 2004). Desse esquecimento do ler pelas

entrelinhas que o limite se apresenta, seguimos o pensamento nietzschiano de que o ler é

“algo que dá a pensar”, sendo direcionado ao ler além do legível, a fim de trazer à tona a

obscuridade da palavra posta à incerteza.

Digamos, então, que dar a pensar a leitura é um gesto puramente filosófico que

carrega consigo a reflexão; e não limita a experiência da leitura que o silêncio direciona ao

pensar, para que se possa ler a obscuridade, visto que o leitor se liberta quando quebra a ideia

do ler como acumulação de sentido, fugindo da ideia de leitura-mercadoria; mercadoria essa

que vive na metáfora da produção (quanto menor o custo e maior aquisição, melhor para a lei

do mercado). Ou, por outro viés, o do escritor que “é semelhante ao operário de fábrica, que

durante toda a sua vida não faz outra coisa que determinado parafuso e de determinada

mangueira, para determinado utensílio ou determinada máquina, no que indubitavelmente

chegará a ter incrível maestria” (NIETZSCHE, 1977 apud LARROSA, 2002, p.37), maestria

que traz ao leitor uma outra figura:

[...] O Erudito não faz outra coisa senão revolver livros – o filólogo corrente,

uns duzentos por dia –, acaba por perder íntegra e totalmente a capacidade

de pensar por conta própria. Se não revolve livros, não pensa. Responde a

um estímulo (um pensamento lido) quando pensa, – ao final a única coisa

que faz reagir. O erudito dedica toda a sua força a dizer sim ou não, à crítica

de coisas já pensadas – ele mesmo já não pensa...[...]” (NIETZSCHE, 1971

apud LARROSA,2002, p.35)

É pelo caminho da alienação que o erudito representa o “nanismo intelectual”

(NIETZSCHE, 2002), não consegue “receber uma impressão insólita ou ter um pensamento

decente” (NIETZSCHE,1977 apud LARROSA, 2002, p.37), desta forma, vive-se hoje em um

“mercado” de produção, onde instrumentaliza-se a leitura para ser objetiva, orienta-se a

leitura à produção acadêmica de artigos, resenhas, livros, etc. Aceitar a ilegibilidade do ler é

negar tudo que se compreende por leitura atual, porém, é essencial ouvir, amar e pertencer à

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leitura de outra forma, para que se leia pra além do próprio sentido. Ler, então, para seguir

“rumo ao desconhecido”.

b. A leitura como convite ao desconhecido

Sobre o ato de ler como interpretação de sentidos, reportaremos a experiência do leitor

diante da leitura, para justificar o papel sinestésico que o ler possui, entendendo-o da seguinte

forma: ler é mergulhar em outro mundo, velejar por entre novas experiências, ler é ser outras

pessoas e pertencer realidades antes não sonhadas, ler é conhecer o mundo e partilhar das

ideias e se divertir com os mais diversos personagens, ler para poder compreender o mundo e

para se autocompreender, e entender as problemáticas, ler para imaginar, ler para mudar, ler

para quebrar paradigmas, ler para emancipar, ler para colher as experiências que habitam as

páginas dos livros que o leitor abraça pelo prazer da curiosidade.

O livro será um convite ao leitor a uma jornada vindoura que o levará a percorrer

sensações antes não sonhadas, sensações que tornarão o contato do leitor algo estritamente

subjetivo. O submergir nas páginas do livro, a fim de vivenciá-las, direcionará o leitor a um

caminho sem volta, pelo qual mudará seu olhar ao contato com a voz que vem do outro. Por

meio dessa aventura, sentimentos de horror, medo, júbilo, cólera, paixão, dúvidas, repúdio,

amor e desconfiança... atravessarão o leitor, que aceitou o convite ao sentido submerso da

leitura. Tronar-se um emaranhado de sensações não conexas de experiências diferentes, para

pertencer de fato à leitura, dessa leitura, de olhar para a história que se encontra nas páginas

dos mais diversos livros e desmitificá-las não pela ótica de decodificação, mas pela de

liberdade de criar sentidos múltiplos, fazendo do contato íntimo da leitura o olhar pelo

posicionamento do outro, mas com o cuidado de não ganharmos ou torná-los dogmas. Esta

relação de vislumbre está expressa no pensamento de Steiner:

De alguma forma nos sentimos liberados de nosso próprio corpo; ao olhar

para trás, nos vemos e sentimos um terror súbito, enlouquecer; outra

presença se está introduzindo em nossa pessoa e não existe caminho de

volta. Ao sentir tal terror a mente anseia um brusco despertar. Assim, deveria

ser, quando tomamos em nossas mãos uma grande obra de literatura ou de

filosofia, de imaginação ou de doutrina. (STEINER, 1982 apud LARROSA,

2002, p. 17)

Pertencer à leitura é permitir doar um pouco de si ao livro, e esperar o gesto contrário,

mas essa leitura não tange a busca de crenças, e sim, nos orienta a entrega do sentir pela

presença do outro como convite à mudança, à reflexão. O engano é fazer da presença do outro

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uma doutrinação, tendo em vista que ler é dar e esquecer ao mesmo tempo, cabendo a um

bom livro desassossegar o leitor deixando-o na obscuridade... Não impor ideias fundadas do

imaginário comum, e sim pluralizar os sentidos, atentando para o fato de que toda leitura é um

caminho sem volta onde todo leitor deveria se entregar sem medo, sem querer esperar grandes

verdades, sem trazer consigo a sua experiência, o leitor deveria despir-se, para ver as

possibilidades da leitura, pois um “ler bem significa arriscar-se muito. É deixar vulnerável

nossa identidade, nossa possessão de nós mesmos”. (STEINER, 1982 apud LARROSA, 2002,

p. 17). Deste modo, a leitura seria experiência ao ser ilegível, ou seja, não mostra ao leitor

toda a sua literalidade, incitando-o a adentrar nas entrelinhas.

c. O corpo vivo da leitura

A partir deste ponto espreitaremos a leitura pelo viés da obscuridade, do vazio, da

dissipação, do transbordamento de sentidos, e por outras ideias levantadas anteriormente,

consoante com os demais posicionamentos. Para tanto, adentraremos em uma perspectiva

fisiológica do “ler com o corpo todo”, espreitando os acenos de Nietzsche de uma “arte da

leitura” como inocência, sensibilidade, coragem e maldade que há em nós. Falaremos do

corpo vivo da leitura, guiados pelos instintos primários do ser leitor presente na leitura,

interpelado pelo sabor do apetite e da fome, impulsionado pelo desejo natural (o ver, o

cheirar, o ouvir, o tocar, o degustar), sentidos esses que o leitor moderno desaprendeu a usar

por falta de tempo, ou por desprezo pela boa leitura.

A leitura bordeja a “devoração”, um apetite que “exige (do leitor) um estômago capaz

de evacuar o que não convém [...]” (LARROSA, 2002, p.22) com rapidez e alegria, além

disso, exige “um estômago poderoso e valente que atreva, sem revolver-se, com alimentações

ousadas e pouco comuns; [...]” (LARROSA, 2002, p.22), e também pede do leitor “um

estômago que tenha uma digestão ligeira naquilo que lhe convém: que converta facilmente o

ingerido como parte da própria substância, da própria força, e que seja capaz de eliminar o

resto com prontidão” (LARROSA, 2002, p.22). No jogo contínuo de apropriação seletiva e

recusa, fizemos da evacuação rápida o caminho para não sossegarmos, um caminho para que

a fome do saber nunca se esgote e nunca se limite. O leitor moderno que se tornou

“compulsivo”, que nada seleciona a um estômago facilmente saciável, está preso ao gosto da

inércia e do conformismo, saciado pelo que leu e pelo sentido que alcançou com a ingestão.

Tendo vista os vestígios de um pensamento antropofágico, veremos que a “arte da

devoração”, o desejo do outro, a abertura ao pensar, requer outros procedimentos de ingestão:

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Pensar pelo modo pergunta-problema (apetite, devoração) e não pelo modo resposta-

solução (ingestão das formas). É disso que se trata, caros confrades! Sim, mais vale

um pensamento perplexo do que um pensamento apaziguado, um pensamento

faminto do que um pensamento saciado. Importante é não desperdiçar a força de ter

fome com o comer imediato e sem apetite. Não fazer dessa força viva que é o desejo

uma preocupação grosseiramente digestiva em prol de si mesmo. E quanto a isso

todos concordam! (COSTA, 2008, p.17)

A arte da leitura conflui com o sentido do gosto e com a saúde da digestão. “Ler bem é

comer bem” (LARROSA, 2002). Ler bem é apurar os sentidos e deslocá-los, é opor-se às

ideias doutrinárias, é pertencer à fome e não bastar-se ao conforto do “tudo comer, tudo saber

nesse vasto universo do conhecimento” (COSTA, 2008), pois, “o importante é não

desperdiçar a força viva de ter fome com o comer imediato e sem apetite” (COSTA, 2008), o

importante é não sossegar, achar que encontrou tudo que o texto mostra, é sentir-se inquieto

na busca do sentido e do sem-sentido, guiado pela força insaciável do desejo e dos apetites

latentes que anseiam o outro como abismo e sedução.

O leitor ruminativo de Nietzsche é um leitor capaz de se afetar pelos signos do texto,

identificar seus atributos artísticos, sua carga fisiológica (nervos e entranhas), é um leitor

sensível aos signos do mundo; é o que espreita os pensamentos, o dia e a noite, que celebra e

canta as vitórias sobre si mesmo após ter pacientemente ingerido e ruminados os pensamentos

e ter sentido vagarosamente todo o sumo e o sabor das sensações do que leu, com lentidão e

paciência: “Ruminando me pergunto, paciente como uma vaca: quais foram, afinal, tuas dez

superações?” (NIETZSCHE, 2011, p. 30). Ler com lentidão exige do leitor o ato de pensar

enquanto lê sem destino, sem ideias prontas, sem anexar sentido de outras leituras; ler que

esbarra em um diálogo silencioso entre leitor e livro, autor e leitor, eu e outro; uma

conversação por onde os sentidos se dispersam rumo ao incompreensível, por onde olhares

múltiplos irão retorcer e vozes que nunca ecoaram nascerão, mas é pelo sentir, pelo silêncio e

pela incerteza que ruminar é preciso:

Ruminar é preciso! Ruminar os pensamentos, as ações, o dia e a noite. De boca

aberta, degustar e sentir fome pelo que se fez e pelo que ainda não se fez. De olhos

abertos, elevar os pensamentos à prova do alto e do baixo, com leveza e gravidade.

Espreitar os pensamentos e, junto deles, seus atos de bravura e coragem, de fraqueza

e lassidão. Ruminar é preciso! “Ruminando, eu me pergunto, paciente como uma

vaca: quais foram, afinal, as dez vitórias sobre mim mesmo?” (NIETZSCHE, 2000a,

p.55). O importante é manter os olhos, a boca e os ouvidos apurados, “juntar o

libertino com o libertário, o desejo com a rebeldia” (TADEU, 2005), deixar o

pensamento alçar voos mirabolantes em suas rajadas de criação. Romper a

comodidade do pensamento para tocar na vida lá onde ela é mais sensível e fazê-la

fremir e delirar até que eventualmente nasça aquilo que ainda não nasceu, mas que

pode vir a nascer dessa inusitada agitação. (COSTA, 2008, p.17)

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A figura do leitor que Nietzsche aspira, envolvido por uma “arte da ruminação”, se

reconhece não como aquele que lê as partes “altas” das faculdades privilegiadas dos sentidos,

os olhos e a mente, mas como aquele que lê com o corpo inteiro, alma e entranhas; é

reconhecido pelo estado de sua jovialidade resultante de um “tempo do metabolismo”

saudável por ter uma “barriga jovial” (NIETZSCHE, 1995), sendo capaz de entrar e sair do

texto sem ausências ou ressentimentos. Nessa arte da ruminação, “a mobilidade ou a lentidão

dos pés do espírito” (NIETZSCHE, 1995) são os termômetros de uma “inércia intestinal” ou

de uma “barriga jovial”, condição para seguir o seu próprio pathos, o seu próprio caminho.

Zaratustra adverte: “Afastai-vos de mim e defendei-vos de Zaratustra! E, melhor ainda:

Envergonhai-vos dele! (...) Agora vos mando me perderdes e vos encontrardes; e somente

quando me tiverdes todos renegado, eu retornarei a vós...” (NIETZSCHE, 2011, p. 105).

Talvez seja este ler com paciência e reflexão que urge em meio ao tempo que se

instaura, devemos então, “topar” pela forma que o ler apresenta-se, para que possamos ensinar

o “ler” do porvir, o ler orientado ao ensinar o sentido do gosto, para que se possa “formar um

critério de eleição suficientemente delicado para aceitar o que é bom e refutar o resto”

(LARROSA, 2002, p.34), para que se possa dedilhar a leitura com toques suaves ou dissecá-

la, inclusive utilizando “ajuda de martelos e bisturis” (LARROSA, 2002, p.31).

Larrosa (2002) nos auxilia a enxergar algumas importantes características presentes na

perspectiva fisiológica da leitura em Nietzsche, que precisam ser cultivadas nos espaços do

educar e do aprender: aprender a ver as coisas, aprender a cheirar as palavras, aprender a

ouvir os timbres, aprender a tocar os livros, aprender a comer com apetite. Para cada uma

destas aprendizagens necessitamos espreitar os abismos dos sentidos para: contemplar com a

devida calma os signos do mundo, captar e sentir seus aromas e odores, saber ouvir o timbre

de cada espírito, ter a delicadeza ou os punhos firmes para tocar nos livros ou nas coisas, ter

um gosto apurado e a saúde da digestão para escolher livros que lhe agrada e esquecer o resto.

E quanto maior for o número dos afetados que nos falem aos olhos, olfatos, ouvidos,

tato, boca...tanto mais podemos expressar nossas impressões sobre dada coisa, tendo a

possibilidade de decidir, “querer” ou “não querer”, em refutar o determinismo da decisão do

outro ou de si próprio, perseverando nos sentidos múltiplos e multifacetados da arte da leitura

como abertura ao desconhecido. Daí a colocação enfática de Nietzsche sobre o valor dos

signos que inquietam o pensar: “Nossas primeiras perguntas, quanto ao valor de um livro,

uma pessoa, uma composição musical, são: “É capaz de andar? Mais ainda, é capaz de

dançar?” (NIETZSCHE, 2001, aforismo 366, p. 267).

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Pela leitura, o corpo leitor sente e reage aos instintos e aos signos do mundo, não se

pode negar a impregnação do homem às suas necessidades fisiológicas, corpo e espírito, e a

essas necessidades se associam o instinto de autodefesa, um desejo seletivo, com gosto

apurado, pois, uma debilidade das nossas defesas nos “obriga a esbanjar o tempo e a energia

em finalidades negativas e reativas [...]” (LARROSA, 2002, p.34). Ler como autodefesa

obriga-nos a metamorfosearmo-nos em ouriços, pois a autodefesa nasce da seleção intrínseca

do gosto que reage na leitura com o seu “corpo vivo”, dando a ler pela liberdade ao

desconhecido, um leitor que não fica no limite da interpretação, nem da sua própria ideia

construída, um leitor que não vai até a leitura para simples apropriação, que vai ao texto com

as mãos e os sentidos abertos, que sente fome, desejo, afeição, náusea, dor, contentamento,

que mantem seu esquecimento natural em dia, um leitor que não crê em máximas, que não

carrega consigo as verdades absolutas de tudo, talvez, a nudez, o desapego da “devoração” de

quem vive na tentativa da renovação dos sentidos.

Eis a fórmula de Nietzsche contra os assombros do ideal ascético e suas doenças do

ressentimento: “Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: nada querer diferente,

seja para trás, seja para a frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário,

menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo...”

(NIETZSCHE, 1995, p. 51). É preciso corpo e espírito, calma e coragem, amor fati para

apostar na singularidade formativa da leitura e no leitor porvir. Nasça!

III. MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE LEITURA: UM DIÁLOGO COM

PROUST

“Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como

aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia

de um livro preferido” (PROUST, 2011, p. 9), dias, que o silêncio gravou em nossa face

resquícios do passado, transportando-nos à memória, assim, divagaremos entre presente e

passado ao encontro do sentido.

Desta ideia de leitura como tempo perdido, há quem prefira caminhar por entre

campos verdes, desenvolver atividades práticas com fins específicos, ou correr por entre o

mundo físico sem rumo, a vontade de preencher seu tempo move-os. Todavia, para os

amantes da leitura, o convite emana dos livros, como a aventura a ser vivida, pertencida em

outros lugares, em outras viagens. O corpo envolve-se com a leitura em um ler mergulhado

que o leitor ama habitar, esses momentos de leitura geram no leitor sensações, experiências e

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memórias. Trataremos aqui das memórias proustianas nascidas na infância como construção

formativa do leitor.

Era como se tudo aquilo que para os outros os transformava em dias cheios,

nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite

de um amigo para um jogo exatamente na passagem mais interessante, a

abelha ou raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou mudar

de lugar, a merenda que nos obrigavam a levar e que deixávamos de lado

intocada sobre o banco, enquanto sobre nossa cabeça o sol empalidecia no

céu azul. (PROUST, 2011, p.9)

Qualquer presença que nos force a submergir da leitura incomoda, interrompe o ato de

amor profundo com o livro, ainda se, nesses dias a visão do outro nos julgue procrastinar:

diriam que somos vazios das “grandes atividades” desenvolvidas por eles, como que o sentido

de “tempo aproveitado” estivesse no mundo real, deste modo, somos e seremos transgressores

dessa razão coletiva, que com o amor aos livros, amamos, em liberdade e desejo no observar

íntimo. Frutos das leituras da infância que o discurso proustiano elenca e valora, “Quem,

como eu, não se lembra dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo

sucessivamente em todas aquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e

invioláveis para abrigá-las” (PROUST, 2011, p. 10) em seu deleite supremo; repousar ao

encontro da curiosidade típica da infância e da disposição do interesse, uma sensação

complacente com prazer algoz, que não se notava o transcorrer das horas, e nem tínhamos

horas, mas tínhamos apenas vontade:

De manhã, voltando do parque, quando todos “tinham ido fazer um passeio”,

eu me metia na sala de jantar, onde, até a ainda distante hora do almoço,

ninguém, senão a velha Félicie, relativamente silenciosa, entraria, e onde não

teria como companheiros de leitura mais do que os pratos coloridos

pendendo nas paredes, o calendário cuja folha da véspera havia sido há

pouco arrancada, o pêndulo e o fogo que falam sem pudor que se lhes

responda, e cujos suaves propósitos vazios de sentido não substituem – com

as palavras dos homens – o sentido das palavras que se leem. (PROUST,

2011, p.10)

Das memórias descritas no imaginário proustiano podemos reconstruir nossa própria

experiência de leitura, dando a pensar as nuances minuciosamente descritas. Este cenário que

aqui nasce pelo convite da leitura se eterniza na fala do autor; o convite a regressar à infância

nos imerge a alma e faz ressonar sensações presentes no sentido vivo da leitura, por entre as

interjeições que interpelam o movimento de leitura, tornando as memórias presentes, sentidos

sensoriais que constroem conceitos. Os detalhes gravados habitam nesse “pertencer” um

momento regresso, estamos aqui então lendo, eis aqui nosso lugar, nosso conforto, o que ecoa

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por entre ação de leitura são as vozes que flutuam do livro ao encontro da realidade, os

sentidos também flutuam aqui por uma alteridade constitutiva da linguagem, o que com

outro, e pelo outro, a conversa segue em silêncio eternizando na memória entre as sensações e

experiências construídas na relação com o livro.

De tempos em tempos, ouvia-se o barulho da bomba que fazia a água correr

e também levantar olhos e olhá-la através dos vidros fechados da janela, ali,

bem perto, na única aleia do jardinzinho que margeava com tijolos e faianças

em meias-luas suas platibandas de amores-perfeitos: amores-perfeitos

colhidos, parece, nesses céus tão bonitos, esses céus versicolores e como que

refletidos dos vitrais da igreja que se viam às vezes entre os tetos da vila,

céus tristes que apareciam antes tempestades, ou depois, já bastante tarde,

quando o dia estava prestes a terminar. (PROUST, 2011, p.11)

É o detalhamento da memória proustiana que continua sendo exaltado, as experiências

e sentidos são concomitantes, as horas que o contato com a leitura perdura, a cisão do elo

invisível da leitura se interrompe pela imposição das convenções sociais, esse incômodo nos

força a voltar à realidade, e nos nega a leitura no cerne mergulhado, em períodos interruptos o

leitor se volta à realidade e guarda o olhar distraído, olhar dadivoso, transmutado, observa

tudo como um expectador distante desse mundo real, pois seu estado de embriaguez o faz ver

o sentido fluido entre a plenitude e o vazio, seu admirar sensitivo perpetua nesse lugar que

não se pode carregar, nessas memórias que nascem distraídas, que vão aos encontros da

eternidade do ser humano/leitor; sentidos e sensações vagam através do leitor que valora o

admirar e imerge no mundo sensitivo, dando ao sentido um lugar que não se pode perpetuar,

uma imagem de renovação, uma imagem descontraída, desta forma, não tomaremos a leitura

como “ferramenta”.

As memórias que construímos ao longo da leitura pertencem a essa experiência que

nos vem de longe, que nos afasta da realidade, que nos leva a aproximação do íntimo da

leitura, destas horas, que o tempo é um mero espectador, que as convenções sociais são

incômodas.

A paixão entre Proust e a leitura continua ressonando nas suas memórias enquanto

leitor. O tempo passava em uma relatividade surpreendente, simplesmente não parecia

acompanhar a sua vontade de ler, “não fazia muito tempo que lia no quarto e já era preciso ir

ao parque” (PROUST, 2011, p. 25) para cumprir suas atividades obrigatórias, o livro

acompanhava com certa proibição, entretanto, havia jeitos de abreviar a atividade e se

direcionar a leitura.

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Eu deixava os outros terminarem de lanchar na parte baixa do parque, à

margem dos cisnes, e subia correndo no labirinto até uma alameda onde eu

sentava, impossível de ser encontrado, recostado nos nogueirais podados,

olhando os aspargos, a cercadura dos pés de morango, o lago, onde certos

dias, os cavalos faziam a água subir de nível andando à sua volta, a porteira

branca que estava acima, no “fim do parque” e, além, os campos de

centráureas-azuis e de papoulas. (PROUST, 2011, p. 23)

Em profundo silêncio, e seguro das possíveis interrupções, continuava a leitura, em

seu estado de fuga, em seu estado de paz, as horas que transcorriam pareciam impiedosas, seu

corpo guardava os cenários e as sensações. Tenro é lembrar as horas de leitura em que a única

companhia era os livros e o silêncio. Em silêncio e embriagado, Proust lia, o tempo sempre o

trairia, distante de tudo, e todos, só tinha horas quando os sinos da igreja anunciavam o

entardecer, o som doce e morno soava ao longe, regressar-se-ia para a casa onde cumpriria

seus rituais sociais.

Logo após o jantar, Proust recolhia-se para seu quatro onde continuaria a abrigar sua

leitura, proibido era de continuar seu deleite madrugadas adentro, apenas desobedecia quando

encontrava-se nas páginas finais de um livro, a curiosidade e vontade de saber o que sucederia

com os personagens que relacionava com tanta paixão, o motivava a seguir até o fim, e o tão

esperando anúncio acontecia “chegamos ao final da leitura!”, depois de todas as horas, de

todas as expectativas, de toda a paixão, de toda submersão. “A última página era lida, o livro

tinha acabado, era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem

ruídos, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo”. (PROUST, 2011, p. 25), era preciso

se recompor, era preciso “dar aos tumultos há muito desencadeados em mim, outros

movimentos para se aclamarem” (PROUST, 2011, p. 25), assim, caminhava aflito por entre

seu quatro, em um estado de transtorno eminente, seu corpo reagia, e seus:

Olhos ainda fixos em algum ponto que, em vão, se buscaria em meu quarto ou

fora dele, porque ele não estava situado senão numa distância de alma, dessas

distâncias que não se medem por metros e por léguas como elas quando se

olham os olhos “distantes” dos que pensam “em outra coisa” E aí? Esse livro

não era senão isso? (PROUST, 2011, p. 25)

O corpo reage às sensações, nos entorpece os sentidos, como algo que empenhamos

tanta força e paixão nos deixa aqui sem respostas! Este ato final de desligamento acompanha

o fim do livro, a partir desse momento não saberemos o que se sucederá na vida dos

personagens que relacionamos intimamente, estas “pessoas” que se empenham mais atenção

do que pessoas da vida “real”, “nem sempre ousando dizer o quanto a gente os amava”

(PROUST, 2011, p. 25), o quanto essas pessoas significavam em nossa vida, “essas pessoas

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por quem se tinha suspirado e soluçado, não as veríamos jamais, jamais saberíamos alguma

coisa delas” (PROUST, 2011, p. 25); o fim do livro como libertação para criarmos nossas

próprias histórias, inventar as significações e torná-las memória, neste emaranhado de

sensações que a leitura nos constrói.

As memórias proustianas nos lançam um convite, ao aceitá-lo somos imbuídos a

perscrutar a figura do leitor em seu caráter formativo, desta forma, ao refletirmos veremos as

experiências da leitura orientada ao primeiro leitor, este que nasce na infância. O leitor Proust

guarda em si suas sensações e memórias; não fez mais do que provar o valor da leitura na

infância, assim, vimos um elogio doce à leitura, dando a ela um caráter de amizade, um

caráter contemplativo que se observa de longe, não podemos mudar as histórias que seguem

no livro, mas a partir do fim podemos escrever o que ficou em nós, podemos vivenciar as

marcas dos lugares em que fizemos a leitura, tal regressão no faz pensar com é válida leitura

dos clássicos, o ato da leitura na vida, dentro da vida (escolar) da criança com papel formativo

de um leitor que caminhe para o desconhecido, que busca em seu cerne não crer em verdades

construídas como máximas.

IV. RUMO A UMA EDUCAÇÃO DO PORVIR

Tal elogio à leitura não se encerra apenas nas memórias da infância, pelo contrário, se

eterniza por meio delas na formação constitutiva do primeiro leitor, este que lê mergulhado,

este que nasce na infância, como o pensamento proustiano nos conduziu, exaltamo-nos por

meio das memórias que “as leituras da infância deixam em nós é a imagem dos lugares e dois

dias que fazemos” (PROUST, 2011, p. 27), deixam em nós um desejo de seguir ao

desconhecido, com valoroso saudosismo. Desta forma, nos faz pensar que precisamos

incentivar o gosto da leitura desde a tenra idade, para afirmar sua importância na formação do

ser/leitor, negando assim, a repetição do modelo pragmático de ensino, onde a leitura é mera

ferramenta.

É preciso treinar o gosto, treinar o olhar, fazer o corpo reagir às verdades vindas do

outro para habitarmos seu sentido sensorial; onde não se possa crer em verdades que não

gerem renovação. Experimentar uma formação por uma experiência transformadora que possa

imprimir no leitor sensações e experiências que perdurem e desassosseguem, e que construa

no íntimo a ideia da regressão por meio dos sentidos e memórias da infância, confluindo a um

ler sinestésico, onde a leitura perpasse pela experiência do silenciar.

Nesse desbravar a experiência formativa do leitor nos debruçamos pelas memórias do

leitor Proust: “sem dúvida não fiz mais do que provar pelo tamanho e pelo caráter do

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desenvolvimento o que já tinha dito antes” (PROUST, 2011, p. 27), que as leituras da infância

desempenham em nós um papel transformador e sinestésico, onde não esquecemos as horas

nem o lugar onde as fizemos. “Mas talvez as lembranças que elas me trouxeram tenham elas

mesmas sido despertadas nos leitores, conduzindo-os pouco a pouco [...] a recriar em seu

espírito o ato psicológico original chamado Leitura” (PROUST, 2011, p. 27). Deste modo,

com força suficiente, ela transforma o contato íntimo do leitor com reflexões que nascem a

partir do que se encerra o ato de ler.

As leituras de infância que a pouco vimos nas memórias de Proust carregam um

caráter essencial na construção formativa do gosto do leitor, onde o contato com o livro cria

uma curiosidade latente, cria desejos que tornam a leitura um instinto natural, onde nosso

instinto de defesa habita, precisamos não aceitar as verdades absolutas, pois a vontade de

renovação seguirá no íntimo desse ser/leitor, com intuito de criar nas crianças/leitores

vontades e desejos através da leitura, dando a vida espiritual a um prazer que não se mede,

apenas se encanta, para que se consiga formar um gosto pelas grandes obras, criar um gosto

que faça o leitor pensar enquanto lê, um gosto com gesto antropofágico seletivo, apreciativo,

que leve o leitor a discernir o que acolheu, mas para que esse gosto exista é preciso ler em

atitude contemplativa e em um silêncio observador, é preciso acima de tudo presenciar o

mundo com um olhar distraído e transformado, mas acima de tudo, é preciso ruminar:

E nisto reside, com efeito, um dos grandes e maravilhosos caracteres dos

belos livros (que nos fará compreender o papel, ao mesmo tempo essencial e

limitado que a leitura pode desempenhar na nossa vida espiritual) que para o

autor poderiam chamar-se “Conclusões” e para o leitor “Incitações”.

Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e

gostaríamos que ele nos desse respostas quando tudo o que ele pode fazer é

dar-nos desejos. (PROUST, 2011, p.33)

O desejo promove a curiosidade e nos evidencia as sensações, é preciso que sejamos

interpelados pelas inquietações em nosso processo de leitura, querer, é algo presente dentro da

formação do ser/leitor, promovido e ressignificado por seu desejo de plenitude, e completude

do gosto, já este leitor (diferente do leitor atual) detém suas forças em algo que “não faz

sentido”, ou que não se encaixe na sua arrogância, qualquer dessas opções são simplesmente

renegadas, pois o querer deve nos elevar a busca do desconhecido, deve nos desassossegar, a

fim de resvalar pela perspectiva proustiana por entre a ideia de incitação quando o livro

encerra, assim, ler é uma reescritura do porvir, a leitura começa e as inquietações precisam

estar presentes no íntimo do leitor, desta forma, é nesse momento que se faz necessário topar

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a leitura com uma qualidade de filólogo, buscando sempre nas entrelinhas sentidos submersos

para compreender o que não se desenha em plenitude, pois é através destes desejos que

ele (o autor) não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a

beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar. Mas

por uma lei singular e, aliás, providencial da ótica dos espíritos (lei que

talvez signifique que não podemos receber a verdade de ninguém e que

devemos criá-la nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria não nos

aparece senão como começo da nossa, de sorte que é no momento em que

eles nos disseram tudo que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o

sentimento de que ainda nada nos disseram. [...]” (PROUST, 2011, p. 34)

Inventar não deixa de ser uma razão, aos sentidos que flutuam dispersos, os sentidos

fazem-se submersos, mas em sua certeza mostram-se presentes em um espaço que só se

constitui no limiar da leitura. Às vezes, precisaremos ir além do sentido, ou se não nos for

dado um sentido, teremos que criá-lo, para que o mundo não se constitua de verdades

irredutíveis, e sim, ver o mundo pela ótica da renovação das verdades, com intuito de que

essas verdades não sejam um acervo de respostas prontas, negando a possibilidade de

caminhar para o novo.

Talvez o que Proust quis nos mostrar pelas memórias da infância seja o papel

valorativo que estas leituras desempenham na formação constitutiva do leitor, causando assim

no interior do leitor uma sede pelo porvir, guiando-nos por uma curiosidade natural da

infância, a fim de que não percamos a vontade e nem o ânimo; dar a ler as páginas para além

do término do livro, desta forma, o término não marcará o fim da busca do sentido, pelo

contrário, gerará no leitor impulso a desbravar o desconhecido. O sentido não precisa ser

rapidamente formado e consumido, pois a maior certeza é pertencer à incerteza, abraçando o

silêncio com um jeito distraído, o silêncio como estado de alma verdadeiro, desta infância que

se desenha no esquecimento.

CONCLUSÃO:

Esta pesquisa conclui que a ideia de leitura, presente na obra “Sobre a Leitura”, de

Marcel Proust, valora e incentiva o ler na tenra idade, trazendo a importância do ato do ler por

entre seu contato subjetivo com o “leitor”, assim, as memórias cultivadas na experiência com

a leitura desde a infância dão ao ler o recorte dos sentidos e experiências que o leitor precisa

ser incentivado a fazer, seja em suas vivências escolares ou sociais mais amplas. Apesar das

memórias proustianas não elencarem o ensino da leitura, dão pistas do caminho que devemos

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nos guiar, pois subentende que todo ler perpassa pela experiência do prazer, e qualquer

tentativa de ensinar a ler como instrumentalização implica em diminuir a complexidade da

leitura.

Desta forma, precisamos pensar a leitura pela ótica dos sentidos como fruição e

experiência de formação, a fim de ressonar estes pensamentos pela sociedade, em especial, na

educação, pois, é preciso repensar o ler em seu sentido usual bem como as práticas de leitura

que habitualmente cultivamos em nossas vidas, muitas vezes, sem ressonâncias formativas.

Pelas memórias de infância e seu universo de leitura desbravamos por um ler

diferente, longe das concepções usuais na sociedade e na educação, uma leitura como

reescritura do novo; aqui se buscou pensar no porvir, pela figura da infância, desta forma,

ensejamos que o ensino gere renovações das verdades, onde nosso espírito possa ser

preenchido pela experiência do vazio, destarte, esta alma deve habitar uma experiência

salutar, em busca do tempo “perdido”, em que as leituras se reiterem ao prazer. Prazer que

Proust valora em seu discurso, e que queremos salientar em nossa pesquisa, o maior bem,

maior prazer. Pertencer, então, à leitura em seu caráter contemplativo, é lançarmo-nos em

busca do desconhecido, assim, é precisamos perder nossa consciência, realidade, arrogância,

cultura, história, saberes, certos interesses, expectativas, gostos, ideias, preocupações, nossas

certezas... para que nossa experiência formativa de leitura seja plena e leve, como o brincar de

uma criança, isto é, despida do já sabido para mergulhar no porvir do desconhecido, sem

medo da pouca luz no caminho.

Ao fim, o elogio que Proust desenvolveu em seu ensaio “Sobre a leitura”, abriu-nos a

sensações e ideias que gritam notoriedade no tempo que se instaura, onde o ensino e o leitor

estão presos na produção, e na idade de mercado, o mundo cansou de pensar, prefere se guiar

pelas ideias fabricadas pelos outros, este é o maior perigo, verdades que nascem da

objetividade do olhar, e que perduram. Nosso convite, com esse trabalho, não foi forjar

verdades, não foi dizer que este é “o caminho” (afinal, nos diz Nietzsche: “Ai daqueles que se

perguntam pelo caminho!”), não, não queremos ser profetas, pois quem crê se prende

novamente, nosso maior desafio e perigo é subverter o pragmatismo, em busca de uma

experiência transformadora pelo encontro com a leitura, incentivado a leitura desde tenra

idade, pela formação constitutiva do primeiro leitor, pois, pensar a leitura no primeiro leitor,

também é pensar na educação e no mundo do porvir, como bem o fez Proust.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIOGRAFIA DE MARCEL PROUST. Disponível no Site da Editora LPM:

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=

0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=946437 Acessado em: novembro/2014.

COSTA, Gilcilene Dias. Trilogia antropofágica [a educação como devoração]. Tese

(doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008, 190f.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo

Veiga-Neto, 3ª ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.

LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Traduzido por Cynthia Farina.

Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César

de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

______. A Gaia Ciência. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia

das letras, 2001.

______. Escritos sobre Educação. Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho, Rio de

Janeiro: Editora PUC-Rio, 2003.

______. Assim Falou Zaratustra. Tradução de Paulo César de Souza, São Paulo:

Companhia das Letras, 2011.

PROUST, Marcel. Sobre a leitura. Tradução de Carlos Vogt. 2. ed. Campinas: Pontes, 1991.

PRODUÇÕES/ PUBLICAÇÕES:

A socialização dos resultados da pesquisa iniciou com alguns exercícios de

apresentação dos estudos no contexto da disciplina Filosofia da Linguagem, no ano de 2014,

sob a supervisão da professora-orientadora Gilcilene Dias da Costa.

Posteriormente iniciamos produções e apresentações de trabalhos nos seguintes

eventos científicos:

- Apresentação de trabalho no I Seminário Nacional do PPGEDUC e V Diálogos

Científicos do Campus de Cametá, com Publicação de resumo expandido nos Anais do evento

em 2014;

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- Apresentação de trabalho na Semana de Iniciação Científica da UFPA (Campus

Universitário do Tocantins-Cametá) em 2014;

- Publicação de artigo científico na Revista Poiésis em coautoria com a professora-

orientadora em 2015;

- Apresentação de trabalho no Encontro Regional dos Estudantes de Letras

(EREL/2015) & Encontro Paraense dos Estudantes de Letras (EPEL/2015), ocorridos em

Bragança.

- Aprovação de resumo expandido no XXXVI Encontro Nacional dos Estudantes de

Letras (ENEL-2015);

- Aprovação de artigo científico no VI Simpósio Internacional de Educação e

Filosofia, Marília, São Paulo, em coautoria com a professora-orientadora, com publicação nos

Anais do evento.

- Apresentação de trabalho na Feira do Vestibular-2014 do Campus Universitário do

Tocantins/UFPA;

- Apresentação de trabalho na Semana de Extensão do Campus em 2014;

- Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e defesa no Curso de Letras

– Língua Inglesa;

É válido ressaltar que a pesquisa continuará o aprofundamento teórico e

posteriormente copilaremos novos escritos a fim de investir em apresentações/ publicações

em eventos científicos e pesquisas no âmbito da pós-graduação.

PARECER DO ORIENTADOR:

Em atenção ao relatório final das atividades de pesquisa apresentado pelo aluno-

bolsista JESSÉ PINTO CAMPOS, do Programa PIBIC/UFPA-Interior, correspondente ao

cronograma de atividades de Agosto/2014 a Julho/2015, atesto que o trabalho de pesquisa foi

plenamente desenvolvido em concordância aos objetivos propostos, havendo total dedicação e

comprometimento acadêmico por parte do aluno-bolsista, o que despontou em um

aprendizado e amadurecimento crescente em sua formação acadêmica.

Ressalto, ainda, que o aluno-bolsista cumpriu qualitativamente com todas as

responsabilidades acadêmicas desenvolvidas nesse período, demonstrando disponibilidade e

interesse em aprender com as questões da pesquisa, empenhando-se em socializar, produzir e

publicar as perspectivas do estudo em eventos e veículos de circulação científica, e

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demonstrando potencialidades relevantes para o desdobramento de sua pesquisa no âmbito da

pós-graduação na área de estudo. Conceito final: EXCELENTE.

DATA: Cametá-PA, 10 de agosto de 2015.

PROFA. DRA. GILCILENE DIAS DA COSTA

(ORIENTADORA DO PROJETO)

JESSÉ PINTO CAMPOS

(ALUNO-BOLSISTA)