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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014 1 RELATÓRIO ANUAL DO MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO 2014 Rio de Janeiro 2014

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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

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RELATÓRIO ANUAL DO MECANISMO ESTADUAL DE

PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO

2014

Rio de Janeiro

2014

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MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

Membros: Antônio Pedro Soares, Fábio do Nascimento Simas, Patrícia de Oliveira Silva,

Renata Verônica Cortes de Lira, Taiguara Líbano Soares e Souza, Vera Lúcia Alves Avelar.

Relatório Anual – 2014: I – Introdução; II – Panorama Nacional e Internacional; III – O

Monitoramento dos Megaeventos; IV - Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura; V

– Casos Emblemáticos de Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou

Degradantes; VI – Conclusão; VII– Recomendações.

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Endereço: Palácio Tiradentes, Rua Primeiro de Março, s/n, Rio de Janeiro.

Contato: [email protected]

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SUMARIO

I. INTRODUÇÃO

I.1 - O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ.......................................5

I.2 - Do Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e o Combate à Tortura/RJ........................7

I.3 – Realizações Institucionais

I.3.1 – Das Visitas/Relatórios........................................................................................................9

I.3.2 - Dos Relatórios........................................................................................ ............................10

I.3.3 - Da Participação em Cursos de Capacitação e Formação..............................................10

I.3.4 - Do Regimento Interno e Guia de Procedimentos do MEPCT/RJ................................11

I.3.5 - Do Seminário Anual.............................................................................. ............................11

II. PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL

II.1 - Panorama Internacional do OPCAT............................................................ ............................12

II.1.1- Projeto fundo onu/opcat..................................................................................................15

II.2- PANORAMA NACIONAL do OPCAT.....................................................................................17

II.2.1- A Situação dos Sistemas Estaduais.................................................................................19

II.2.2- O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT).............................22

III. O MONITORAMENTO NOS MEGAEVENTOS...........................................................................25

IV. SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

IV.1 – Sistema Prisional e Carcerário.................................................................... ............................30

IV.1.1 – As transfigurações da “porta de entrada” do Sistema Penitenciário.......................30

IV.1.2 – Os impactos dos Megaeventos e as unidades visitadas pelo MEPCT/RJ.................32

IV.1.3 - O Sistema Penitenciário e a Repressão às Manifestações Populares........................37

IV.1.4 – A Hipertrofia do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro.......................................40

IV.1.5 – Sanções Disciplinares e Violações de Direitos na Execução Penal...........................42

IV.2 – Política Criminal de Segurança Pública................................................................................48

IV.2.1 – A implementação das UPPs no Rio de Janeiro e o projeto de “Cidade Segura”....48

IV.2.2 - A Repressão Estatal às Manifestações Populares.......................................................50

IV.2.3 - Uso Excessivo da Força e Armas de Baixa Letalidade...............................................53

IV.2.4 - Banalização da Prisão Cautelar no Brasil: prisões arbitrárias de manifestantes

populares......................................................................................................................... ...........................56

IV.2.5 - A participação das Forças Armadas na Segurança Pública......................................61

IV.2.6 – Dispositivos Legais de Exceção....................................................................................63

IV.3 Sistema Socioeducativo .............................................................................................................. .66

IV.3.1- Aspectos gerais................................................................................................................66

IV.3.2 - Dos adolescentes.............................................................................................................68

IV.3.3 - Da superlotação..............................................................................................................68

IV.3.4 - Tratamento, tortura e maus tratos...............................................................................73

IV.3.5 - Dos graves acontecimentos............................................................................................74

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IV.4 Acolhimento Institucional................................................................................................................77

IV.4.1- Das Visitas Realizadas às Centrais de Recepção durante a XX Copa do Mundo de

Futebol........................................................................................................................................................79

IV.4.2 - Institucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção Social Rio

Acohedor.............................................................................................................................................80

V. CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU

PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES......................................................................84

VI. CONCLUSÃO......................................................................................................................................96

VII. RECOMENDAÇÕES........................................................................................ ..............................100

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I. INTRODUÇÃO

I.1 - O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) é um órgão criado pela Lei Estadual nº 5.778 de 30 de junho de 2010,

vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo

planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de

liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento,

contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância,

internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em que se encontram

submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a tortura e outros

tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.

Segundo o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, os Mecanismos

também têm como atribuição recomendar medidas para a adequação dos espaços de

privação de liberdade aos parâmetros internacionais e nacionais e acompanhar as

medidas implementadas para atender às recomendações.

Como prevenção à tortura e de outros tratamentos ou penais cruéis, desumanos e

degradantes entende-se “desde a análise de instrumentos internacionais de proteção até

o exame das condições materiais de detenção, considerando políticas públicas,

orçamentos, regulações, orientações escritas e conceitos teóricos que explicam os atos

e omissões que impedem a aplicação de princípios universais em condições locais”.1

Para tanto, o propósito fundamental do mandato preventivo é o de “identificação

do risco de tortura”2 e, a partir da ação proativa de monitoramento de centros de

1 Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura: manual de implementação. (p.73). San

José, Costa Rica: Associação para Prevenção à Tortura e Instituto Interamericano de Direitos Humanos,

2010. 2 Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do

SPT ao Comitê contra a Tortura. Vide “Committeeagainst Torture

meetswithSubcommitteeonPreventionof Torture”, Comunicado de imprensa de 2 de maio de 2009,

disponível em:

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privação de liberdade, prevenir que as violações aconteçam. O enfoque preventivo do

MEPCT/RJ se baseia na premissa de um diálogo cooperativo com as autoridades

competentes para coibição da tortura e outros tratamentos desumanos, degradantes e

cruéis à pessoa privada de sua liberdade. Desta forma, como expressa o inciso II, do art.

2º da Lei Nº 5.778/10 que o institui, busca-se a “articulação, em regime de

colaboração, entre as esferas de governo e de poder, principalmente, entre os órgãos

responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade,

por locais de longa permanência e pela proteção de direitos humanos”.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) resulta do processo de estabelecimento, pelo Estado Brasileiro, das

diretrizes contidas no Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e Outros

Tratamentos ou Penais Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações

Unidas, ratificado pelo país no ano de 2007. O referido Protocolo decorre do acúmulo

estabelecido na Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em 1993

na qual se declarou firmemente que os esforços para erradicar a tortura deveriam

primeira e principalmente concentrar-se na prevenção, designando para tanto, o

estabelecimento de um sistema preventivo de visitas regulares a centros de detenção.

Além disso, a construção de Mecanismos Preventivos de monitoramento dos

locais de privação de liberdade integra as prerrogativas do “Plano de Ações de

Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil”, de 2006, bem como o

Plano Nacional de Direitos Humanos 3 da Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República. Neste sentido, o Estado do Rio de Janeiro coloca-se em

posição de pioneirismo na Federação, salientando o compromisso com a implementação

do Plano de Ações Integradas para a Prevenção e Combate à Tortura no Brasil, com a

defesa dos direitos humanos e a consolidação dos princípios democráticos.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) deu início às suas atividades em julho de 2011 após a nomeação de seus

www.unog.ch.http://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpNewsByYear_en)/02A16C255B95E900C

12575B40051FA5A?OpenDocument

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membros pelo presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,

conforme atribuição do inciso II do 5º parágrafo da Lei 5778/10.

Em 2013, foi sancionada a Lei Nº 12.847/13 que cria formalmente o Comitê e o

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, bem como institui o Sistema

Nacional de Prevenção à Tortura. Cabe destacar que em 2014 foi constuituído o Comitê

Nacional nos moldes da referida lei e ocorreu no final do ano a eleição dos membros

que comporão o Mecanismo Nacional.

I.2 - Do Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e o Combate à

Tortura/RJ

Uma das tarefas primordiais de um mecanismo preventivo constitui a elaboração

do relatório anual. Conforme destacado pela Associação para a Prevenção à Tortura

(APT), na publicação “Monitoramento de locais de detenção: um guia prático”,

compete aos mecanismos nacionais e locais, no âmbito de seu monitoramento

preventivo, elaborar o relatório anual, relatórios de visitas regulares, relatórios de visitas

de seguimentos e, por fim, relatórios de visitas temáticas. A própria Lei 5778/2010 em

seu artigo 8º, V. compete ao Mecanismo eleborar, “anualmente relatório

circunstanciado e sistematizado sobre o conjunto de visitas realizadas, visando à

prevenção da tortura no Rio de Janeiro, com o exame da situação no âmbito de cada

unidade visitada, avaliando as medidas que foram adotadas e que significam boas

práticas a serem difundidas, bem como as que deverão ser adotadas para assegurar a

proteção das pessoas privadas de liberdade contra a prática de tortura e outros

tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.”

O presente relatório tem o objetivo de apresentar o trabalho desempenhado pelo

Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ)

ao longo do ano de 2014. O Relatório pretende, portanto, apresentar uma síntese das

questões analisadas nas visitas e relatórios, bem como em reuniões, seminários,

audiências públicas e demais atividades desempenhadas pelo MEPCT/RJ, CEPCT/RJ e

outras instituições parceiras. Sua finalidade é prevenir e combater as condições de

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tortura através de recomendações que estabeleçam harmonia com os padrões nacionais e

internacionais3.

O Relatório Anual 2014 foi elaborado pelos atuais membros do MEPCT/RJ -

Antônio Pedro Soares, Fábio Simas, Patrícia Oliveira, Renata Lira, Taiguara Souza e

Vera Alves.

O Mecanismo gostaria de deixar agradecimentos aos seus parceiros mais

próximos ao longo do ano de 2014, aqui representados pelo: Comitê Estadual para

Prevenção e Combate à Tortura, sobretudo aos integrantes da sociedade civil que

terminaram seus mandatos: Isabel Lima (Justiça Global), Deize Carvalho e Indaiá Maria

Mendes (Rede de comunidades e Movimento contra Violência), Victória Grabois

(Tortura Nunca Mais/RJ), Francine Damasceno (Centro de Defensa de Direitos

Humanos de Petrópolis), e ainda especialmente aos integrantes Camila Freitas (OAB-

RJ), Deputado Marcelo Freixo e Roberto Gevaerd (Comissão de Defesa de Direitos

Humanos e Cidadania da ALERJ), Elizabeth Souza de Oliveira e Débora Rodrigues

(Conselho Reginal de Serviço Social/RJ), Newvone Costa (Conselho da Comunidade),

Claudia Camuri (Conselho Regional de Psicologia/RJ), Marcelo Anátocles (Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro), Leonardo Kataoka (Ministério Público Estadual) e

Francisco Horta (ex-Coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da

Defensoria Pública), Mônica Alkmin (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do

Adolescente), José Carlos Brasileiro (Conselho Estadual dos Direitos Humanos).

Agradecemos ainda a Margarida Presburguer (Subcomitê das Nações Unidas de

Prevenção à Tortura), Victoria Grabóis, Tânia Kolker (Grupo Tortura Nunca Mais),

Felipe Almeida, Alexandre Inglez (Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria

Pública), Márcia Fernandes, Eufrásia Maria Virgens (Coordenadoria de Defesa dos

3

Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do

SPT ao Comitê contra a Tortura. Nela, o SPT afirmou “que seu principal objetivo é “identificar situações

de risco de tortura”. Ao invés da abordagem mais tradicional de reagir à violações uma vez que já

tenham ocorrido, o SPT adota uma abordagem preventiva holística, baseada numa atuação contínua e pró-

ativa regida pela premissa de um diálogo de cooperação entre o SPT e os Estados-Partes e os MPNs (...)”.

Em: Visita ao Brasil do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura e a

implementação do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura. Documento Informativo

para Atores Nacionais da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).

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Direitos da Criança e do Adolecente da Defensoria Pública), Nadine Borges (Comissão

da Verdade/Rio), Tiago Joffily (Ministério Público), Maíra Fernandes (Presidente do

Conselho Penitenciário), Sidney Teles (Comissão de Direitos Humanos e

Cidadania/ALERJ), Sylvia Dias (Associação para Prevenção à Tortura), Andrea

Sepúlveda, Miguel Mesquita e Caroline Faria (Secretaria de Estado de Assistência

Social e Direitos Humanos). Por fim, registramos o agradecimento aos órgãos públicos

que contribuíram com informações imprescindíveis ao relatório, como a Secretaria de

Estado de Administração Penitenciária (SEAP), Secretaria de Estado de Segurança

Pública e o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE).

Cumpre destacar a contínua contribuição da Subsecretaria de Assistência Social

e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro para o desenvolvimento dos trabalhos

ora relatados, ao manter a cessão de transporte para os membros do MEPCT/RJ até as

unidades de privação de liberdade, além do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria

Pública e Comissão de Direitos Humanos e Cidadania/ALERJ por emprestarem suas

salas para realização de atividades do MEPCT.

I.3 – Realizações Institucionais

I.3.1 – Das Visitas/Relatórios.

O ano de 2014 foi de grande importância no trabalho do Mecanismo Estadual de

Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, o que podemos considerar a

afirmação do processo de institucionalização do órgão, completando três anos e meio de

atividades. Essa dinâmica se observa na consolidação dos procedimentos, dos reiterados

convites que o MEPCT recebe de diferentes órgãos para falar de sua experiência, bem

como participação em cursos de capacitação e desenvolvimento de ações temáticas que

no referido ano se destacou no estudo sobre Megaeventos e privação de liberdade no

Rio de Janeiro, além das dezenas de visitas realizadas no período.

No âmbito do Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT),

ocorreu o processo eleitoral de escolha das representações das organizações da

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sociedade civil. As ONGs Justiça Global, Grupo Tortura Nunca Mais/Rio de Janeiro,

Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis encerraram seus segundos

mandatos (2010/2012, 2012/2014) não lhes permitindo uma terceira recondução

imediata. A Pastoral Carcerária do Rio de Janeiro que havia cumprido o mandato 2012-

2014 foi reconduzida por mais dois anos e as ONGs Centro de Assessoria Popular

Mariana Criola, Movimento Moleque, Instituto de Defesa dos Diretos Humanos

(IDDH) e Instituto Nelson Mandela foram escolhidas para o mandato 2014-2016.

A Cooordenação Geral do CEPCT para 2014/2015 passou a ser exercida pelo

Conselho Regional de Serviço Social/7ª Região Rio de Janeiro (CRESS/RJ) e a

Secretaria Executiva pela Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania da

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).

I.3.2 - Dos Relatórios

Todas as cerca de 50 visitas realizadas ao longo do ano geraram relatórios.

Algumas das unidades mencionadas foram visitadas pela primeira vez, em outras foram

realizadas visitas de seguimento e também foram realizadas visitas temáticas e de

apuração de denúncias recebidas.

Cabe destacar que no ano de 2014, o MEPCT/RJ realizou inúmeras visitas

temáticas a unidades de porta de entrada tanto do sistema prisional, como no

socioeducativo, e nas Centrais de Recepção de crianças, adolescentes e adultos em

situação de rua para a elaboração do Relatório Temático “Megaventos, repressão e

privação de liberdade no Rio de Janeiro”, lançado em 11 de dezembro. Seu objetivo foi

relacionar o incremento das práticas repressivas à população mais pobre com o cenário

de recebimento e preparação do Rio de Janeiro de grandes eventos internacionais.

I.3.3 - Da Participação em Cursos de Capacitação e Formação

Como já vinha acontecendo em 2012, o MEPCT/RJ foi novamente convidado a

participar dos cursos de formação para servidores do Departamento Geral de Ações

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Socioeducativas (DEGASE), ministrando o módulo “Violência Institucional: Prevenção

e Combate à Tortura”, tanto para profissionais que estão lotados nas unidades do

departamento, quanto daqueles convocados no último concurso público. Importante

registrar também que em 2014, o MEPCT participou de capacitação dos recém eleitos

membros do Mecanismo do Estado de Pernambuco, bem como da oficina de

capacitação e inspeção em locais de privação de liberdade para Promotores de Justiça

recém concursados e grupo de monitoramento de unidades prisionais no Estado de

Minas Gerais.

O MEPCT participou também da elaboração e realização da audiência pública

organizada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ

sobre “A gestão do Serviço de Operações Especiais (SOE) da Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária” em 13 de maio de 2014. O referido evento discutiu o uso

excessivo da força e torturas perpetradas pelos agentes penitenciários que fazem o

serviço de transporte de presos, bem como a falta de um maior aparato de segurança

nessas operações, o precário estado das viaturas e formas de responsabilização destes

agentes.4

I.3.4 - Do Regimento Interno e Guia de Procedimentos do MEPCT/RJ

O MEPCT/RJ nesse período finalizou o seu Regimento Interno e o Guia de

Procedimentos, os mesmos aguardam sua publicação no Diário Oficial Fluminense.

I.3.5 - Do Seminário Anual

No dia 11 de dezembro de 2014, o MEPCT/RJ, em parceria com o CEPCT/RJ,

no auditório da Caixa de Assistência aos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ),

realizou o III Seminário “Os Desafios para o Enfrentamento à Tortura”, com a

participação de renomados profissionais, pesquisadores e militantes de defesa dos

4 Disponível em: http://www.alerj.rj.gov.br/escolha_legenda.asp?codigo=47109

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direitos humanos. O evento contou com as seguintes mesas: “50 anos do golpe civil-

militar de 1964: permanências autoritárias no Brasil contemporâneo”, “Reflexões sobre

os 30 anos da Lei de Execução Penal e da Convenão da ONU contra Tortura”5.

O final do seminário contou com o lançamento do relatório temático

“Megaeventos, repressão e privação de liberdade no Rio de Janeiro”.

II. PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL

II.1 - Panorama Internacional do OPCAT

O ano de 2014 marca a celebração dos 30 anos da Convenção das Nações

Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas, Cruéis e Degradantes aprovado

no dia internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, representando até o

momento o documento central que versa sobre tortura no mundo. Evidentemente que

apesar dos avanços normativos, as práticas de tortura e maus tratos permanecem

recorrentes, sobretudo aquelas praticadas contra grupos socialmente discriminados pelos

5 III Seminário “Os desafios para o enfrentamento à tortura”. http://www.cressrj.org.br/site/noticias/1112-

iii-seminario-os-desafios-para-o-enfrentamento-a-tortura/

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aparatos de repressão do Estado, e por sua característica de ser um crime de

oportunidade, a tortura se dá com maior frequência nos espaços de maior invisibilidade

como os locais de privação de liberdade. Além disso, apesar de proibido em cerca de

70% dos países, cerca de 2.800 pessoas foram executadas através da pena de morte

(Anistia Internacional, 2013).

Foi pensando na prevenção à tortura nestes locais que a ONU adotou em 2012 o

OPCAT (Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes) que tem por finalidade o estabelecimento de

órgãos internacionais e nacionais formado por independentes que realizam o

monitoramento nas detenções. O MEPCT, dentre suas atividades, tem acompanhado a

implementação do OPCAT no mundo e no Brasil.

De acordo com o levantamento realizado pela Associaçao para Prevenção à

Tortura (APT), 77 países ratificaram o OPCAT, sete a mais que o ano passado e ainda

18 outros países são signatários do Protocolo, porém ainda não ratificaram internamente

o referido tratado. Além disso, aumentou de 51 para 60 o número de Mecanismos

Nacionais de Prevenção à Tortura designados.6

Estados Partes OPCAT MPN Designados

Fonte: Associação para Prevenção à Tortura.

6 Disponível em: http://www.apt.ch/en/opcat-database/

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Há uma predominância dos países europeus e na América Latina na ratificação

do OPCAT e designação dos MPN. O Brasil figura no quadro desde 2013 quando

promulgou a legislação que cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Vale destacar ainda que dos cinco países com as maiores populações carcerárias do

mundo, somente o Brasil se encontra no sistema OPCAT.

Ainda no que se refere ao continente americano, somente alguns países do

Caribe, norte da América do Sul, além dos Estados Unidos e Canadá ainda não fazem

parte do Protocolo. Importante passo dado para consolidação do OPCAT no continente

foi a realização do Primeiro Fórum Regional sobre o Protocolo Facultativo à Convenção

da ONU contra a Tortura ocorrido na cidade do Panamá entre 30/09 e 02/10 organizado

pela APT7. O referido encontro deu um passo importante para o intercâmbio e

fortalecimento da prevenção à tortura e foram apontados alguns desafios como as

dificuldades de recursos para operar o trabalho, bem como os Estados implementarem

as recomendações.8

Panamá. Fonte: APT

7 http://www.apt.ch/es/news_on_prevention/prevenir-la-tortura-en-america-latina-una-responsabilidad-

compartida/?l=pt#.VOe38HzF8bM 8 O relatório “Prevenir a Tortura- uma responsabilidade compartilhada” do Fórum Regional está

disponível em: http://www.apt.ch/content/files_res/report-regional-opcat-forum-pt.pdf

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Ainda no âmbito internacional, o MEPCT participou na cidade de Genebra, em

junho, do “Jean-Jacques Gautier MPN Simposium”, evento organizado pela APT que

reuniu representantes do Mecanismo e autoridades de todos os continentes. O simpósio

teve com tema a situação das crianças e adolescentes privados de liberdade e as

estratégias para o enfrentamento à tortura nestes locais. No final de 2014, foi produzido

um relatório com as principais observações do encontro.9 O MEPCT/RJ, na ocasião, deu

entrevista à APT relatando os impactos dos megavenentos na repressão e privação de

liberdade no contexto da Copa do Mundo de Futebol.10

Genebra. Fonte APT

II.1.1- Projeto Fundo Onu/Opcat

Ainda no propósito de consolidação do Protocolo Facultativo, o MEPCT enviou

em 2012 uma proposta ao Edital do Escritório de Direitos Humanos do Alto

Comissariado das Nações Unidas através do Fundo Especial para Implementação do

OPCAT que se destina a apoiar Comitês e Mecanismos mundialmente. O projeto

9 http://www.apt.ch/en/resources/addressing-children-s-vulnerabilities-in-detention-jean-jacques-gautier-

npm-symposium-2014-outcome-report/.

Relatório do Simpósio 2014: http://www.apt.ch/content/files_res/report-jjg-symposium-2014-en.pdf 10

Disponível em: http://apt.ch/es/blog/copa-del-mundo-prevencion-de-la-tortura-en-rio-de-

janeiro/?l=pt#.VOe_-XzF8bM

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

16

enviado previa inicialmente a realização de eventos, capacitações e a produção de um

material de campanha para prevenção à tortura no valor de US$ 49.220.

O MEPCT recebeu a aprovação da proposta em 2013 (OPCAT-

017/GLO/09/HC/07-B453) e a quantia fora depositada na conta bancária da ALERJ, no

início de 2014, para um período de execução de quatro meses. Apesar dos inúmeros

contatos e encontros com os setores administrativos, financeiros e direção geral, e o

recurso internacional enviado para tal finalidade, o MEPCT não conseguiu executar

nenhum dos itens propostos no fundo, devido aos trâmites burocráticos da ALERJ.

Devido a não execução e a falta de respostas concretas ao Fundo OPCAT, o

MEPCT foi por algumas vezes contactado pela ONU e inclusive, por uma vez, pelo

Ministério das Relações Exteriores. Considerando que mais que o dobro do prazo

estipulado já havia expirado e nenhum item havia sido executado, a Direção da ALERJ,

após pedido da ONU, fez a devolução da quantia, garantindo ainda, em reunião

posterior com o MEPCT, que o projeto seria executado com recurso próprio do poder

legislativo fluminense. Atualmente, o projeto foi desmembrado em seis processos e está

em andamento para sua execução com recursos da Casa Legislativa, conforme acertado

com a administração anterior.

Ressalta-se que desde o processo de eleição do MEPCT/RJ, os membros

esperaram cinco meses além da previsão do edital para criação dos cargos e nomeação e

até o presente momento, apesar da trajetória de mais de três anos e meio de existência,

e o reconhecimento nacional e internacional do trabalho desenvolvido, o Mecanismo do

Rio de Janeiro ainda não conta com uma infraestrutura própria da Assembleia

Legislativa para execução de suas atividades cotidianas, contando ainda com apoio de

órgãos parceiros como a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Secretaria

de Estado de Assistencia Social e Direitos Humanos, além da Comissão de Direitos

Humanos e Cidadania da ALERJ.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

17

II.2- Panorama Nacional do Opcat

Conforme mencionado, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo para

Prevenção à Tortura no ano de 2007, através do Decreto nº 6085, aprovou em 2006 o

Plano de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura e, gradativamente, vem

buscando adotar seus pressupostos. O país ainda possui um membro no Subcomitê para

Prevenção à Tortura da ONU- Sra. Margarida E. Presburguer com mandato até o ano de

2016 e o membro focal do SPT para o Brasil é o Sr. Felipe Villavicencio Terreros.

O Brasil recebeu no ano 2000 visita do Relator Especial sobre Tortura da

Comissão de Direitos Humanos da ONU, Sr.Nigel Rodley, no qual foi relatada11

a

prática reiterada de tortura e maus tratos praticados pelos agentes do Estado Brasileiro,

bem como as condições degradantes dos locias de detenção e em 2011, o Subcomitê

para Prevenção à Tortura da ONU (SPT) esteve no Brasil, o Rio de Janeiro foi um dos

estados visitados, ocasião em que foi oportunizada uma reunião de trabalho com o

MEPCT/RJ. O SPT produziu um relatório12

e o governo brasileiro respondeu meses

depois.

Em março de 2014, o SPT encaminhou ao Governo Brasileiro sua primeira

réplica13

a respeito da resposta do Brasil ao relatório das visitas de 2011 e dentre outros

aspectos, destacamos: justificativa excessiva sobre a estrutura federativa do país a

intervir na gestão penitenciária dos Estados; falta de respostas mais contundentes em

relação a ações de adoção das recomendações; demora para implementação do MNP;

diferenças sobre a adoção de leis e sua aplicabilidade e ausência de ações contundentes

11

Informe do Relator Especial: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/01/Report-of-the-Special-

Rapporteur-on-Torture-Visit-to-Brazil-2001.pdf Português:

http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj044773.pdf 12

Relatório da visita do SPT ao Brasil em 2011: http://coletivodar.org/wp-

content/uploads/2012/06/relatorio_do_SPT.pdf. Resposta do governo brasileiro:

http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/tortura/resposta-do-governo-

brasileiro-as-recomendacoes-do-subcomite-de-prevencao-da-tortura-da-onu-outubro-2012 13

Primeira Resposta do SPT, disponível em:

http://www.apt.ch/content/files/npm/americas/Brazil_SPT%20response%20to%20Brazil%20replies_May

2013.pdf

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18

para o fechamento do Presídio Ary Franco, já apontado em inspeções também do

MEPCT.

Importante destaque no ano de 2014 foi a finalização e publicação do Relatório

Final da Comissão Nacional da Verdade14

que apurou os crimes cometidos durante a

ditadura civil-militar no Brasil. O documento responsabilizou 377 pessoas pelas graves

violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 em que a tortura foi um dos

elementos de terror mais utilizados, além de apontar a morte e o desaparecimento

forçado de 434 pessoas. O relatório elaborou ainda 29 recomendações15

dentre elas

extinção dos autos de resistência, introdução da audiência de custódia, aperfeiçoamento

dos órgãos de direitos humanos e dignificação do tratamento prisional.

Ainda no bojo dos 50 anos do Golpe, o MEPCT participou na mesa do evento de

um ano da Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, na ALERJ16

, abordando

as consequências do período ditatorial para o incremento das práticas de repressão

extrajudicias e tortura pelos aparatos do Estado. O relatório final da CEV-Rio se

encontra em fase de finalização.

Apesar dos inúmeros avanços, há no país um quadro generalizado de violência

institucional em que as práticas de torturas e maus tratos são um componente do

cotidiano das instituições de privação de liberdade. Embora no ano de 2013 tivesse

ocorrida a condenação de 48 policiais responsáveis pelas mortes de 111 presos no

Complexo do Carandiru em São Paulo, no ano de 1992, em 2014 o país assistiu atônito

aos massacres, rebeliões com mais de 60 vítimas fatais, muitos deles decapitados, no

Complexo de Pedrinhas no estado do Maranhão. Também chamaram atenção as

rebeliões e mortes ocorridas em 2014 no estado de Santa Catarina e recentemente em

Pernambuco, revelando um emblemático plano de fundo de dominação das unidades

prisionais por facções, condições degradantes de detenção, superlotação, ausência de

um acompanhamento qualificado do sistema de justiça à execução penal, falta de

14

Relatorio Final da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em:

http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv 15Recomendações CNV:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141210_recomendacoes_comissao_lk 16

“Comissão da Verdade completa um ano em evento na ALERJ”. Disponível em:

http://www.alerj.rj.gov.br/common/noticia_corpo.asp?num=47083

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

19

profissionais e condições dignas de trabalho, corrupção e uso indiscrimando da prisão

provisória.

Tais casos se constituem como a ponta do iceberg da situação dos lociais de

privação de liberdade no país, o que reforça cada vez mais a afirmação do Sistema

Nacional e Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura.

II.2.1- A Situação dos Sistemas Estaduais

Devido ao pacto federativo e sua dimensão continental, os estados desde então

tem se movimentado para criação de comitês e mecanismos que atendam os

pressupostos do Protocolo Facultativo. A criação e o estabelecimento do CEPCT e do

MEPCT no Rio de Janeiro é um referencial exemplar desta trajetória.

Segue, abaixo, mapa da implementação no OPCAT nos estados brasileiros:

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Fonte CGCT/SDH/PR

Os quadros acima nos mostram que há ainda um longo caminho a ser percorrido

no sentido de se institucionalizar órgãos específicos para o enfrentamento à tortura nos

locais de privação no país. Se por um lado, o país possui 19 comitês oficilializados, o

que representa 70% das unidades federativas, apenas sete possuem decreto ou legislação

estadual para instalação do mecanismo.

Além do Rio de Janeiro, somente o estado de Pernambuco possui Mecanismo

Estadual de Prevençao e Combate à Tortura, instalado no final do ano de 2014. O

MEPCT/RJ vem contribuindo com implementação de CEPCT e MEPCT no país, nos

quais destacamos as participações na capacitação dos membros eleitos do Mecanismo

do estado de Pernambuco, em setembro17

, de um seminário e capacitação no estado de

Minas Gerais, em março, em conjunto com o Ministério Público/MG e APT e da

audiência pública na Assembleia Lesgislativa de São Paulo sobre a importância da

criação do sistema estadual naquele estado, em setembro último18

.

17

Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura é implantado em PE.:

http://www.sedsdh.pe.gov.br/web/sedsdh/exibir_noticia?groupId=17459&articleId=16398066&templateI

d=18128 18

Comitê de Prevenção à Tortura poderá ser criado no estado:

http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=359042

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Audiência Pública setembro/2014. Fonte- ALESP

No que se refere à organização dos sistemas estaduais, percebe-se composições

híbridas de acordo com o marco legal/político de cada estado (APT, 2014). Diante de tal

cenário, o MEPCT/RJ mostra preocupação com Comitês que possam ter em sua

composição representantes de órgãos de segurança pública e sistema penitenciário, além

de reafirmar a importância do equilíbrio entre sociedade civil e Estado, inclusive

revezando-se na coordenação do colegiado.

Sobre o processo de escolha dos membros do Mecanismo, o MEPCT/RJ entende

a independência como um fator primordial para garantia de um monitoramento

preventivo qualificado, para tanto defende que o colegiado do Comitê tenha total

autonomia na eleição dos membros do Mecanismo, que os mesmos sejam remunerados

e que a composição atenda aos equilíbrios de raça/etnia e gênero de caráter

interdisciplinar.

Além disso, recomenda-se que para consolidação do trabalho é fundamental que

o poder público assegure dotação orçamentária própria e autonomia dos

CEPCTs/MEPCTs na execução dos recursos financeiros.

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II.2.2- O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT)

A criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT) no

Brasil nos moldes do OPCAT passou por diversas etapas até chegar a sua configuração

atual, na qual se deu à instalação através de escolhas dos membros do Comitê e

Mecanismo federal. De acordo com um estudo realizado pela APT19

, as discussões

oficiais em torno da criação do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevençao e Combate

à Tortura) iniciram em 2005 antes até mesmo da ratificação do país ao protocolo. No

ano de 2006 foi criado o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT)

com participação de membros do Estado e sociedade civil.

No que se refere ao marco legal, de 2007 a 2011 cerca de cinco versões do

projeto de lei que criaria o SNPCT foram apresentadas até ser apresentado ao Congresso

Nacional, ano em que o país recebeu a visita do SPT. Ocorre que antes de passar pela

casa legislativa federal, o projeto de lei outrora consensuado no âmbito do CNPCT

sofreu uma nova e considerável mudança quando passou pela Casa Civil, especialmente

no tocante à autonomia das organizações da sociedade civil em escolher seus membros,

bem como do CNPCT em selecionar os membros do MNPCT. Finalmente, no ano de

2013 através da Lei 1284720

foi criado o SNPCT, o mais importante marco legal

brasileiro sobre a matéria. No mesmo ano, em setembro e dezembro respectivamente

foram criados os cargos na SDH/PR (Lei 12857)21

e a regulação sobre a composição e

funcionamento do CNPCT através do Decreto Presidencial Nª 815422

.

No âmbito do Sistema Naconal, 2014 foi marcado pela composição dos

membros do Comitê Nacional nos moldes dos novos marcos legais e o processo de

19

“A situação de implementação do Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura (OPCAT)”.

Genebra: APT, 2014. 20

Lei 12847/2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2013/Lei/L12847.htm 21

Lei 12857/2013. Disponóvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2013/Lei/L12857.htm 22

Decreto8154/2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2013/Decreto/D8154.htm

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23

seleção e eleição dos membros para composição do Mecanismo Nacional de Prevenção

e Combate à Tortura.

A Secretaria de Direitos Humanos apresentou em janeiro o edital23

para seleção

pública das 12 vagas para representantes da sociedade civil e associações de classe,

tendo 70 instituições inscritas e em março a SDH publicou a lista das entidades pré-

selecionadas que preenchiam os requisitos do referido edital. A listagem foi

encaminhada para a Presidência da República que decidiria o processo.

Somente em julho de 2014 foram definidas às organizações da sociedade civil

que compõe o Comitê se juntando aos membros governamentais, totalizando 23

membros24

:

COMITÊ

NACIONAL

(CNPCT)

Poder

Executivo

Federal

Sociedade Civil

e Movimentos

Sociais

Conselho de

Classe

Profissional

Entidades de Estudantes,

Trabalhadores,Empresários

e instituições de ensino e

pesquisa.

Membros Secretaria de Direitos Humanos, Casa

Civil, Ministério da Justiça, Ministério da

Defesa, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome, Ministério da Saúde, Secretaria Geral da Presidência da República, Secertaria de Políticas para

Igualdade Racial, Secretaria de politícas para as Mulheres (11)

ASBRAD, Pastoral Carcerária, Associação dos

Magistrados Brasileiros (AMB), Associação

Nacional dos Centros de Defesa de Crianças e Adolescentes (ANCED), Associação Redes de

Desenvolvimento da Maré, Grupo Tortura Nunca Mais/BA, Movimento Nacional dos Direitos Humanos

(MNDH), Rede Nacional Internucleos da Luta Antimanicomial(8)

Conselho

Federal da

Ordem dos

Advogados

do Brasil,

Conselho

Federal de

Psicologia.(2)

Central Única dos

Trabalhadores, Instituto

Brasileiro de Ciências

Criminais. (2)

23

Editais de 2014 do processo de escolha do CNPCT e MPNPCT se encontram em:

http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-

snpct/editais-do-sistema-nacional-de-combate-a-tortura 24

http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=2&pagina=1&data=25/07/2014

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24

Em setembro foi lançado o edital para escolha dos membros do Mecanismo

Nacional, em novembro a lista de candidatos para as entrevistas e no dia 20 do mesmo

mês divulgada a listagem definitiva dos membros selecionados25

. O processo de seleção

do MNPCT foi divido em etapas e apresentou como requisitos formação acadêmica,

experiência profissional voltada à defesa dos direitos humanos, visitas a locais de

privação de liberdade e combate à tortura. Foi designada uma comissão no âmbito do

CNPCT para elaborar o edital e apresentar a listagem daqueles que compunham os

requisitos, respeitando o equilíbrio de gênero/etnia e profissão e enviá-la para a decisão

da Presidência. Os membros terão mandatos distintos e serão remunerados e lotados na

SDH/PR.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

entende que, apesar do atraso de quase cinco anos, a implementação do Comitê e

Mecanismo Nacional representa um fundamental avanço no país em adotar um dos mais

importantes documentos de diretos humanos do mundo, aqui representado pela adesão

ao OPCAT e, sobretudo, na construção de ferramenta eficaz de prevenção e combate à

tortura, ainda mais em um contexto sociopolítico de acirramento das práticas

criminalizadoras e incremento do superencarceramento. Todavia, considerando o

acúmulo desenvolvido no enfrentamento à tortura, o MEPCT vê com preocupação a

forma como foi efetivada as composições destes órgãos, corroborando com algumas de

suas análises com aquelas problematizadas por organizações como o SPT, a APT,

organizações da sociedade civil, tendo o MEPCT inclusive se posicionado sobre o

assunto nos outros relatórios anuais e durante o III Seminário Anual 2014.

Deste modo, considerando a importância deste sistema para o país, o MEPCT vê

com ressalva todo este processo notadamente no que se refere à independência,

autonomia e transparência, aspectos fundamentais para o Sistema Nacional. Ademais,

tal modelo pode servir de referência na adoção nas demais unidades federativas.

25

Listagem final dos Membros do MNPCT: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-

nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/arquivos-pdf/resultado-final-do-edital-ndeg-14-de-24-

de-setembro-de-2014

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Eleição dos Membros da Sociedade Civil no CNPCT: o processo se deu sem

uma participação plural das organizações da sociedade civil, visto que após atender os

requisitos do edital, foi encaminhada uma listagem para escolha da Presidência da

República. O MEPCT entende, assim como ocorre na maioria dos Conselhos de Defesa

de Direitos e no próprio CEPCT/RJ, que as organizações da sociedade civil devem ter

autonomia e ser diretamente responsável pela escolha de seus representantes sem

interferência do ente estatal, fatores primordiais para uma participação plural,

democrática e transparente. Além disso, do método adotado de condução e escolha das

organizações não houve justificativas amplas acerca das organizações eleitas.

Eleição dos Membros do MNPCT: apesar de atender equilíbrio de gênero,

raça, regionalização e interdisciplinariedade, o processo de escolha dos membros do

Mecanismo Nacional seguiu um modelo parecido ao do Comitê. Primeiramente se

optou por critério mais técnico voltado a pontuações por experiência e formação apesar

de um pouco confuso no sistema apresentado, correndo o risco inclusive de eliminar

candidatos com acúmulos na defesa dos direitos humanos das pessoas privadas de

liberdade, mas que não possuem tanto acúmulo acadêmico. O MEPCT/RJ entende a

importância da formação técnica, mas vê os aspectos políticos em relação ao tema como

mais relevante. O ponto principal de preocupação do MEPCT/RJ na seleção dos

membros é o próprio processo de escolha em que (novamente) é encaminhada uma

listagem dos membros que atendiam os requisitos iniciais para decisão final da

Presidência da República, cujo resultado fora divulgada no sítio da SDH e publicada em

diário oficial. Neste sentido, o MEPCT/RJ defende que o Comitê Nacional tenha total

autonomia na escolha nos membros do MNPCT respeitando os critérios estabelecidos

pelo OPCAT e que a eleição ocorra em sessão aberta e pública, elegendo-se aqueles

eleitos com a maioria simples dos votos da plenária.

O MEPCT/RJ aderirá ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e

empenhará esforços na árdua consolidação desta política, embora problematize com

atenção as formas como o mesmo se dará, prezando sempre pela transparência,

autonomia e independência nas ações.

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26

III. O MONITORAMENTO NOS MEGAEVENTOS

Historicamente, são observadas uma série de violações de direitos e práticas

violentas contra a população mais pobre nos países sede quando da preparação dos

grandes eventos, de forma mais deletéria naqueles que se constituem a periferia do

capitalismo. O pensador californiano Mike Davis26

, por exemplo, elabora uma hipótese

de que há um temor dos mais pobres das periferias urbanas em relação aos eventos

internacionais de alto-nível, pois os mesmos são considerados a “sujeira da cidade” e

merecem ser descartados para o processo de “limpeza” da cidade.

A promoção destes acontecimentos à condição de megaeventos se deu a partir de

meados da década de 70, especialmente em relação a um novo redesenho da FIFA

(Federação Internacional de Futebol) que a partir de ação em conjunto com grandes

grupos econômicos, transformou a Copa do Mundo de Futebol em um evento

grandioso, com a maior internacionalização dos participantes e logrou o futebol em um

negócio de comercialização planetária. Assim, no contexto da globalização econômica

internacional, estas competições passaram a ser televisionadas mundialmente sendo

valorizadas pelas grandes corporações midiáticas internacionais, aliadas à ampliação do

marketing esportivo. Os Jogos Olímpicos seguiram o mesmo caminho a partir da década

de 80. (OURIQUES, 2014; PRONI, 2014).

Esse processo foi responsável por uma aproximação cada vez maior com as

autoridades e governos nacionais e se tornaram estratégias de legitimação dos regimes

políticos e da ordem social estabelecida. A partir dos anos 90, se acirra a concorrência

entre os países para receber estes eventos, há a construção da ideia de um legado

positivo para o país após o término dos megaeventos cujo exemplo máximo é a

realização dos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992 e uma série de exigências

sociopolíticas passam a ser levadas em conta na escolha das sedes (Id.)

No caso do Brasil, podemos recordar que durante a Conferência das Nações

Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em

26

DAVIS, Mike. “O Belo da Cidade”. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/03/o-belo-

da-cidade-mike-davis-sobre-megaeventos/.

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1992 (ECO 92), foi registrado que crianças em situação de rua estavam sendo expulsas

das áreas próximas do evento pela Polícia Militar e levadas para as regiões da Baixada

Fluminense e São Gonçalo, locais onde se registrava altos índices de homicídios desta

faixa etária e atuação orgânica de grupos de extermínio27

.

O caso de violação de direitos que talvez tenha deixado um dos mais fortes

legados da ação das forças policiais contra moradores de favelas ficou conhecido como

a “Chacina do Pan”. Às vésperas dos Jogos Panamericanos realizados na cidade do Rio

de Janeiro no ano de 2007, uma operação conjunta dos governos federal e estadual

(Policias Militar e Civil e Força Nacional de Segurança) no Complexo do Alemão

resultou oficialmente na morte de 19 pessoas em um só dia além de dezenas de feridos,

inclusive crianças. De maio a agosto daquele ano, 44 mortos e 81 feridos foram

contabilizados naquela localidade.

Desde o início das atividades, em julho de 2011, do Mecanismo Estadual de

Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ), o estado do Rio de

Janeiro já recebeu inúmeros eventos internacionais, entre os quais a Conferência das

Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), conhecida

como Rio+20, realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012; a Copa das

Confederações da Federação Internacional de Futebol (FIFA), realizada de 15 a 30 de

junho de 2013; a Jornada Mundial da Juventude da Igreja Católica, realizada entre

os dias 23 e 28 de julho de 2013; e mais recentemente, a Copa do Mundo da FIFA,

que ocorreu entre os dias 12 de junho e 13 de julho de 2014. O Mecanismo acompanhou

as ações e políticas públicas desenvolvidas pelo estado e município do Rio de Janeiro na

preparação da cidade para recepcionar cada um destes grandes eventos que repercutiram

diretamente nas políticas criminais28

.

27

“Polícia Federal e Interpol temem atentado terrorista durante a ECO 92.”

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1097891-ha-20-anos-policia-federal-e-interpol-

temem-atentado-terrorista-durante-eco-92.shtml 28

MALAGUTI BATISTA (2011, p.23) apresenta a definição de Nilo Batista sobre política criminal

como “o conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal

e dos órgãos encarregados de sua aplicação. (...) abrangeria a política de segurança pública, a política

judiciária e a política penitenciária, mas estaria intrinsicamente conectado à ciência política.”

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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

28

Analisando a política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro durante

este período, observamos o recrudescimento da repressão em toda a cidade e a

militarização de determinados espaços urbanos que evidenciaram interesses estratégicos

de setores econômicos, promovendo uma valorização imobiliária nunca antes vista

nestes espaços e em seu entorno, bem como promovendo o controle social através do

braço armado do Estado das populações subalternizadas. A criação das Unidades de

Polícia Pacificadora (UPP’s) e as ocupações promovidas pelas forças armadas em

favelas como as dos complexos do Alemão e da Maré são exemplos desta política.

Importante destacar que a lógica do controle e da limpeza social não é exclusiva

da política de segurança pública. A política de assistência social do município do Rio de

Janeiro, contrariando orientações nacionais do Sistema Único de Assistência Social

(SUAS), foi capturada por esta lógica, chegando ao ponto de se ter no cargo de

Secretário Municipal de Assistência Social um político conhecido por ser uma espécie

de “xerife”, notabilizado como responsável pela política de “choque de ordem” na

cidade, e que promoveu gravíssimas violações de direitos humanos, especialmente da

população em situação de rua, implementando uma política de recolhimento e

internação compulsórios destas pessoas, ações estas que beneficiaram economicamente

uma organização posteriormente denunciada por desvio de milhões de reais e

pagamento de propina a este mesmo Secretário. Mas cumpre frisar que mesmo sob o

comando de outros secretários, a política de limpeza social foi promovida ao longo de

2011, 2012, 2013 e 2014, embora não na mesma intensidade.

O mesmo pode-se observar no que tange à política de habitação popular levada a

cabo na cidade, promovendo remoções forçadas de comunidades inteiras e transferindo-

as para áreas distantes e de difícil acesso da cidade.

Outro fenômeno que merece todas as atenções nesta análise são as manifestações

populares ocorridas no Brasil todo, mas especialmente no Rio, durante a realização da

Copa das Confederações, em 2013. Uma das imagens mais marcantes daquele período

foram cartazes com dizeres “queremos hospitais e escolas padrão FIFA”, em alusão aos

vastos recursos públicos empreendidos na construção e reforma de estádios de futebol

por exigência da organizadora da Copa do Mundo de Futebol. Estas manifestações

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

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evidenciaram o despreparo das forças militarizadas de segurança pública para lidar com

a democracia e as liberdades de expressão e de manifestação, se utilizando

excessivamente de munição de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra a

população e ferindo indiscriminadamente os participantes destas manifestações.

Acompanhando a repressão excessiva das manifestações com estes armamentos

de baixa letalidade, observou-se forte campanha de criminalização destes movimentos,

promovendo a perseguição de determinados segmentos mais radicalizados destas

manifestações. Convém destacar que invariavelmente, os discursos de manutenção da

ordem que buscam deslegitimar as grandes mobilizações em curso buscam atribuir aos

manifestantes a pecha de vândalos e baderneiros. A tentativa de enquadrar organizações

e movimentos sociais como organizações criminosas corresponde, em última análise, à

criminalização da ação política, típica de Estados autoritários. As prisões de

manifestantes ocorridas durante as manifestações e aquelas decorrentes de investigações

criminais motivadas pela participação nas mesmas, sem que haja indícios ou provas do

cometimento de quaisquer crimes, como observado, consistem em graves violações de

direitos humanos, especialmente dos direitos e garantias individuais.

Ademais, no que tange aos espaços de privação de liberdade propriamente ditos,

quais sejam, sistemas prisional e socioeducativo, podemos afirmar que o estado do Rio

de Janeiro promove hoje um “grande encarceramento” das populações subalternizadas.

Em sua absoluta maioria, as pessoas privadas de liberdade são negras, jovens,

moradores das periferias urbanas e homens, classificações estas que nos permitem

afirmar que se trata de um sistema discriminatório e seletivo.

Deste modo, podemos afirmar que a realização de um megaevento traz em seu

bojo uma dicotomia fundamental, uma equação na qual por um lado assegura uma

suposta segurança a determinados setores do mercado e aos turistas, por outro, implica

em um cenário de insegurança para vastos segmentos populacionais que tem seus

direitos e garantias fundamentais violados.

Desta forma, as agências punitivas (Sistema Penitenciário, Sistema

Socioeducativo, Instituições Policiais, Poder Judiciário e Ministério Público), muitas

vezes com o suporte dos meios de comunicação de massa, tem conduzido um conjunto

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de políticas criminais que, em nome da garantia da “Lei e da Ordem”, fragilizam

princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

De tal sorte que, a hipertrofia dos lucros do grande capital (especulação

imobiliária, lucros das grandes empreiteiras, do setor hoteleiro e, sobretudo, do capital

financeiro) vem acompanhada da hipertrofia do sistema penal.

Assim, a realização de um megaevento pode significar o incremento de

determinados setores da economia, mas representa sistemáticos atentados contra as

liberdades democráticas.

IV. SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

IV.1 - Sistema Prisional e Carcerário

No ano de 2014, em razão da realização do relatório temático “Megaeventos,

Repressão e Privação da Liberdade”, o MEPCT/RJ pode se debruçar sobre os impactos

que a preparação e realização dos Megaeventos no Estado do Rio de Janeiro tiveram

sobre o Sistema Penitenciário, especialmente na denominada “porta de entrada” do

sistema. Ademais, foi objeto de análise em diversas unidades prisionais a problemática

em torno das sanções disciplinares arbitrárias e ilegais.

IV.1.1 - As transfigurações da “Porta de Entrada” do Sistema

Penitenciário

Desde 2011, a política criminal penitenciária fluminense tem sofrido sucessivas

transformações. Esta trajetória inicia-se com a desativação das carceragens da Polinter e

passa por uma intensa alternância das unidades de triagem masculinas sob custódia da

Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), com claros reflexos

negativos aos direitos das pessoas privadas de liberdade, seja na forma da prisão

cautelar, seja na execução penal.

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Com o processo de desativação das carceragens da Polinter a “porta de entrada”

do sistema prisional do Rio de Janeiro inicialmente foi o Presídio Ary Franco,

precisamente em 15 de março de 2011. No ano de 2012 no mês de abril, o ingresso

passa a ser realizado na Penitenciária Alfredo Tranjan (Bangu II), no Complexo de

Gericinó. Após nova transição, em 15 de agosto de 2013 passa-se à Cadeia Pública

Patricia Acioli, recém-inaugurada à época em Guaxindiba, em São Gonçalo, município

da Região Metropolitana do Estado. Por fim, em 25 de fevereiro de 2014 a triagem

passa a ser realizada na Cadeia Pública José Frederico Marques (Bangu 10). No que

tange à triagem de mulheres presas, após a desativação dos estabelecimentos anômalos

policiais, o ingresso passa a ser realizado na Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza a

partir de março de 2011, sem haver mudanças no estabelecimento de custódia29

.

Atualmente o fluxo das pessoas privadas de liberdade no Estado do Rio de

Janeiro segue o seguinte iter: as prisões preventivas, temporárias ou em flagrante

perpetradas pelas polícias civil e militar são conduzidas para Delegacias da Polícia

Civil. Não há mais custódia de longa duração em estabelecimentos policiais, exceto na

Delegacia Anti-Sequestro (DAS), por “motivos de segurança e ordem pública”, segundo

a Chefia da Polícia Civil.

Há recomendação expressa de que a custódia em sede policial deve perdurar no

máximo 24 horas30

. Entretanto, sobretudo quando a prisão é efetuada no final de

semana, este prazo é comumente extrapolado nas delegacias do Rio de Janeiro. Em

delegacias do interior é comum a inobservância do prazo legal, estendendo-se por 2 ou

3 dias.

Por conseguinte, o preso do sexo masculino atualmente é transferido para a

Cadeia Pública José Frederico Marques, já a mulher presa, para a Penitenciária Joaquim

Ferreira de Souza. Ambas as unidades destinam-se à custódia na forma de triagem,

29

Informações obtidas junto à Subsecretaria Adjunta de Unidades Prisionais da SEAP. 30

Recomendação Nº 7 do Plano de Ações Integradas para Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil da

Secretaria de Direitos Humanos : “Evitar que as pessoas legitimamente presas em flagrante delito sejam

mantidas em delegacias de polícia além de 24 horas necessárias para obtenção de um mandado judicial de

prisão provisória, evitando também que qualquer prisão seja cumprida em delegacia, mesmo que seja ela

uma prisão provisória”.

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encaminhando os internos para transferência no prazo de até 30 dias no caso da unidade

masculina, e após a condenação criminal, no caso da unidade feminina.

As sucessivas mudanças na triagem masculina do sistema penitenciário

evidenciam de modo irrefutável que não há uma política clara para a gestão prisional no

Estado do Rio de Janeiro. Mudanças tão profundas em prazo tão exíguo denotam que a

política criminal penitenciária é implementada em total casuísmo, ao sabor dos

acontecimentos. Inexiste também um plano de ações com metas estabelecidas a ser

desenvolvido pela SEAP- tanto é que as unidades sofrem adaptações para receber

diferentes tipos de regimes, mas mantendo sua estrutura arquitetônica.

O sistema parece ser gerido em uma lógica eminentemente empírica que se

satisfaz em apagar incêndios, preconizando a garantia da disciplina e segurança

internas, em detrimento do esforço em adequar as unidades aos parâmetros legais

nacionais e internacionais.

IV.1.2 – Os Impactos dos Megaeventos e as Unidades Visitadas pelo

MEPCT/RJ

Como exposto, a “porta de entrada” do sistema penitenciário sofreu grandes

transformações, no que se refere aos presos do sexo masculino. Apresentamos, abaixo,

informações gerais de cada uma das unidades que serviram de triagem do sistema, desde

2011.

i. Presídio Ary Franco

Unidade Visitada: Presídio Ary Franco

Endereço: Rua Monteiro Da Luz- S/N – Água Santa. Rio de

Janeiro- RJ

Diretor: João Cláudio Wagner da Silva

Destinação: Regime fechado e presos provisórios. Sexo

masculino.

Capacidade: 968 / Efetivo: 1398

Data da última visita: 28/08/2014

O Presídio Ary Franco é uma unidade masculina até recentemente designada

para receber presos recém-ingressados no Sistema Prisional. Sua capacidade é para o

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máximo de 958 internos, contudo nas visitas realizadas ao local desde agosto de 2011

até julho de 2012, contabilizando quatro visitas, o Mecanismo constatou a presença

de até 1680 pessoas no presídio.

A superlotação e as condições estruturais degradantes da unidade já foram

relatadas pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU31

, o Conselho Nacional de

Justiça32

, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária33

e o próprio

Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura34

. Ademais, foi motivo de

destaque a possível epidemia de Tuberculose, relatada durante audiência pública sobre

saúde no sistema prisional realizada em 17 de abril de 2012 na Assembleia Legislativa

do Rio de Janeiro.

ii. Penitenciária Alfredo Tranjan

Unidade Visitada: Penitenciária Alfredo Tranjan (Bangu II)

Endereço: Complexo de Gericinó

Diretor: Daniel Xavier

Destinação: Regime fechado e presos provisórios. Sexo

masculino.

Capacidade: 968 / Efetivo: 1630

Data da última visita: 27/06/2014

A unidade possui capacidade para 968 internos, tendo à data da visita do

MEPCT/RJ realizada em 27 de junho de 2014, 1630 presos. Com a desativação das

Carceragens da Polinter, o ingresso dos presos ao sistema prisional que havia sido

31

“ONU pede fechamento imediato do presídio Ary Franco no Rio”, Terra online, publicado em 14 de

junho de 2012, disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5836728-EI5030,00-

ONU+pede+fechamento+imediato+do+presidio+Ary+Franco+no+Rio.html 32

“Mutirão Carcerário do Rio de Janeiro, Relatório Final”, Conselho Nacional de Justiça, apresentado

em 05 de julho de 2012 ao Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, disponível em:

http://www.cnj.jus.br/images/programas/mutirao-carcerario/relatorios/relatorio_final_rio_de_janeiro.pdf 33

Em julho de 2011, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), constatou que:

“A Unidade Penal não fornece as condições humanas de permanência naquele local. Os presos vivem

trancafiados diuturnamente numa ociosidade total, sem os atendimentos necessários, muitos em alas que

mais se parecem com porões, sem ter acesso a luz do dia”. Relatório de visitas a carceragens e cadeias

públicas do Rio de Janeiro – 11 e 12 de julho de 2011. Disponível em:

http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDA5701978080B47B798B690E484B4928

5PTBRNN.htm 34

Ofícios encaminhados a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária a respeito de visitas

realizadas no Presídio Ary Franco: Ofício MEPCT/RJ 93/11 e Ofício MEPCT/RJ 45/12.

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transferido para o Presídio Ary Franco muda mais uma vez, para a Penitenciária Alfredo

Tranjan, local no qual, segundo informou a direção, são realizados os exames médicos

necessários a diagnosticar e inibir possíveis contágios de Tuberculose e doenças

sexualmente transmissíveis.

O MEPCT/RJ considerou que não é suficiente mudar o local de privação de

liberdade e oferecer condições análogas. A adaptação da Penitenciária Alfredo Tranjan

em “porta de entrada”/”triagem” deveria ter como fim a efetiva mudança no tratamento

dispensado aos presos que estão chegando ao sistema prisional, contudo o que se pôde

perceber é que as condições ainda eram precárias e não atendiam a legislação nacional e

internacional sobre o direito das pessoas privadas de liberdade.

iii. Cadeia Pública Patricia Acioli

Unidade Visitada: Cadeia Pública Juíza Patrícia Lourival Acioli

Endereço: Guaxindiba – São Gonçalo

Diretor: Fábio Luís Sobrinho

Destinação: Regime fechado e presos provisórios. Sexo

masculino.

Capacidade: 616 / Efetivo: 450

Data da última visita: 17/10/2013

No dia 16 de setembro de 2013, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate

à Tortura esteve reunido com a Subsecretaria de Unidades Prisionais da SEAP. Na

oportunidade, o MEPCT/RJ indagou sobre como passou a ser preconizado o roteiro de

porta de entrada no sistema penitenciário. A SEAP informou que, após a ativação da

Cadeia Pública Juíza Patricia Acioli, inaugurada em 24 de junho de 2013, os presos

recém-ingressos no sistema penitenciário seriam encaminhados para a referida unidade.

Em visita realizada à unidade no dia 17 de outubro de 2013 para conversar com

os manifestantes presos, o Mecanismo e o Comitê observaram que aparentemente os

mesmos estavam bem fisicamente, apesar de apresentar relatos de agressões verbais. Há

muitas reclamações quanto à grande incidência de mosquitos e falta de abastecimento

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de água na unidade, tendo que o diretor custear carros-pipa para garantir o

fornecimento. Outro fator destacado quanto a este estabelecimento é a localização. O

local é considerado distante, tanto para os visitantes dos internos quanto para a logística

de transferências do sistema, de modo que não foi considerada como uma boa escolha

para ser a nova “porta de entrada” das unidades prisionais.

iv. Cadeia Pública José Frederico Marques

Unidade Visitada: Cadeia Pública José Frederico Marques (Bangu

10)

Endereço: Complexo de Gericinó

Diretor: Constantino Cocotóz

Destinação: Presos provisórios. Sexo masculino.

Capacidade: 532 / Efetivo: 427

Data da última visita: 01/07/2014

A Cadeia Pública José Frederico Marques (CPJFM) é uma unidade para presos

do sexo masculino inaugurada em 2011, recentemente, a partir de Fevereiro de 2014 foi

transformada em “porta de entrada” do sistema penitenciário do estado do Rio de

Janeiro. A unidade tem capacidade para 532 homens e abriga em suas galerias presos de

diversas naturezas de crimes praticados, inclusive de facções de tráficos de drogas

ilícitas. No dia da visita realizada pelo MEPCT havia 427 custodiados.

Segundo a Direção, os presos ficam na unidade de 03 a 05 dias e depois são

encaminhados para outras unidades do sistema prisional. A unidade funciona como uma

espécie de triagem, na qual será definida para que tipo de unidade penal o preso deverá

ser encaminhado.

Recentemente, o MEPCT/RJ recebeu inúmeras denúncias de tortura e outros

tratamentos cruéis, desumanos e degradantes nas dependências da unidade. Tais práticas

teriam o condão de servir como uma espécie de “rito de passagem” ao preso recém-

ingresso no sistema.

Devido ao pouco tempo em que os presos ficam na CPJFM, o banho de sol é

somente assegurado aos presos que estão na unidade cumprindo prisão temporária de 30

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dias. A unidade não possui atividades laborativas, educacionais ou religiosas, exceto a

função de colaborador da administração penitenciária, denominado “faxina”.

Segundo a direção da unidade, em média entram de 80 a 90 homens na CPJFK,

em geral, as segundas e terças-feiras. Nas quintas e sextas-feiras são transferidos para os

demais presídios cerca de 250 presos. No mês de maio de 2014 foi observado um

aumento no número de entradas, e de acordo com a direção, essa estimativa passou de

100 presos por dia.

v. Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza

Unidade Visitada: Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza

Endereço: Complexo de Gericinó

Diretor: Juraciara Maria Gonçalves da Silva

Destinação: Presos provisórios. Sexo feminino.

Capacidade: 350 / Efetivo: 332

Data da última visita: 01/07/2014

A Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza destina-se à triagem de presas do

sexo feminino. As presas são custodiadas na unidade até que sobrevenha a condenação

criminal ou absolvição, quando serão transferidas para outra unidade feminina (Presídio

Nelson Hungria ou Penitenciária Talavera Bruce) ou obterão o alvará de soltura.

Indagada pelo MEPCT/RJ, a Diretora da unidade opinou que tem a impressão de

que tem ingressado um número maior de mulheres presas. Afirma ainda que a Copa do

Mundo não gerou nenhum incidente.

A tipificação mais comum é tráfico de drogas ilícitas, tendo ocorrido uma

mudança em 2014, quando entraram muitas presas que relataram possuir vínculo afetivo

com grandes traficantes, aumentando, portanto, o número de internas que responde por

associação para o tráfico. A unidade separa as internas por tipo penal.

Há muitas reclamações das presas especialmente no que tange ao fornecimento

de insumos de higiene e tratamento perpetrado pelas agentes penitenciárias.

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IV.1.3 – O Sistema Penitenciário e a Repressão às Manifestações

Populares

O contexto de realização dos megaeventos no Rio de Janeiro, acompanhado de

amplas mobilizações populares, gerou repercussões diretas no sistema penitenciário

estadual, em especial da segunda metade de 2013 ao primeiro semestre de 2014.

As grandes manifestações populares que eclodiram em Junho de 2013 trouxeram

como resposta estatal o sistemático emprego da prisão provisória como estratégia de

contenção.

Em 2013, os detidos nas manifestações após passar pela Delegacia de Polícia

eram transferidos para o sistema penitenciário para a Penitenciária Alfredo Tranjan. Na

unidade, os manifestantes presos passavam por 4 etapas:

1 – avaliação da documentação e corte de cabelo;

2 – agentes perguntam quem é manifestante;

3 – custódia em galeria separada;

4 – transferência para a Cadeia Pública Bandeira Stampa.

Segundo informado pelo Diretor da unidade, Sr. Moyses Marques Sobral, a

transferência era efetuada no mesmo dia ou no dia seguinte à detenção. Na Penitenciária

Alfredo Tranjan ingressavam em média cerca de 100 presos por dia. Os manifestantes

presos eram mantidos custodiados em uma cela de triagem fora das galerias. A referida

cela não possui banheiro próprio, de modo que os presos dali quando necessitassem,

deveriam solicitar para utilizar o banheiro da cela 1 da galeria 2.

Com a transferência da triagem masculina, o primeiro ingresso passa a ser feito

pela Cadeia Pública Patricia Acioli, e posteriormente pela Cadeia Pública José Frederico

Marques.

A SEAP determinou que, após o ingresso na unidade de triagem, os

manifestantes presos do sexo masculino fossem deslocados para a Cadeia Pública

Bandeira Stampa.

No caso das mulheres presas em manifestações, o ingresso dava-se apenas pela

Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, unidade na qual permaneciam.

Convém analisar os aspectos gerais da Cadeia Pública Bandeira Stampa:

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Unidade Visitada: Cadeia Pública Bandeira Stampa

Endereço: Complexo de Gericinó. Tel: 23335046

Diretor: Marcio Fernandes

Destinação: Regime fechado e presos provisórios. Sexo masculino

Capacidade: 541 / Efetivo: 422.

Data da última visita: 15 de maio de 2014.

A Cadeia Pública Bandeira Stampa (CPBS) é uma unidade destinada a presos do

sexo masculino, inaugurada em 03 de março de 2011. A despeito do fato de possuir a

denominação “cadeia pública” que, segundo o art. 102 da Lei de Execução Penal (Lei

7.210/84), deve servir exclusivamente à custódia de presos provisórios, na prática vem

destinando-se tanto a presos provisórios como a presos condenados. Quanto aos presos

condenados, a unidade opera apenas o regime de cumprimento de pena fechado.

Segundo a Direção, a unidade não se destina a uma facção específica. Os presos

reconhecem a CPBS como uma unidade de “castigo”, destinada prioritariamente a

presos que cumprem sanção disciplinar ou internos considerados pelo sistema como

“perigosos”. O MEPCT/RJ já ouvira este mesmo relato de seu Diretor, Fernandes,

quando de visita realizada em junho de 2013.

Vale destacar que a SEAP reiterou o compromisso de custodiar os presos

manifestantes em galeria separada na referida unidade (Bandeira Stampa). Tal fato se

justifica em função do caráter provisório e, na maioria dos casos, sem aparente

justificativa legal das detenções, fato que redundava na expedição rápida do alvará de

soltura para a maioria dos internos.

O MEPCT/RJ realizou visitas a manifestantes provisoriamente custodiados em

unidades prisionais. Em sua ampla maioria, os acusados obtiveram o deferimento da

liberdade provisória.

Entretanto, cabe destacar que alguns manifestantes ainda encontram-se privados

da liberdade, ou permaneceram por longo período aguardando ao julgamento em prisão

preventiva. Podemos destacar:

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i. Jair Seixas Rodrigues (Bahiano) – permaneceu preso por três meses,

sob a acusação de crimes de associação criminosa (art. 288 do Código

Penal). Bahiano relatou ter sofrido graves atos de violência

proporcionados pelo Serviço de Operações Externas (SOE), junto com

outros manifestantes presos. Obteve a liberdade provisória após a

intervenção de advogados ativistas.

ii. Fabio Raposo e Caio de Souza – acusados da morte do cinegrafista da

TV Bandeirantes, Santhiago Andrade. O incidente ocorreu no dia 06 de

fevereiro de 2014 durante uma manifestação na Central do Brasil,

quando um rojão foi disparado. O caso recebeu imensa repercussão

midiática, fato que possivelmente teve reflexos no processo penal.

Ambos encontram-se custodiados na Cadeia Pública Bandeira Stampa.

Fabio relata ter sofrido agressões físicas perpetradas por um agente

penitenciário ao retornar de uma audiência, bem como outros maus tratos

na custódia.

iii. Rafael Braga Vieira – o único manifestante condenado em todo o país.

Rafael é morador de rua, jovem e negro. Foi acusado de porte de artefato

explosivo (art. 16, III, do Estatuto do Desarmamento), quando portava

uma garrafa de produto de limpeza. Cumpria sua pena no Presídio

Vicente Piragibe, até obter a autorização para trabalho externo, no mês

de outubro de 2014, sendo então, transferido para a Casa do Albergado

Coronel PM Francisco Spargoli Rocha, em Niterói. Por imposição de sanção

disciplinar, foi submetido à regressão para o regime fechado, encontrando-se

hoje no Presídio Edgar Costa.

iv. Igor Mendes da Silva – acusado de ter descumprido medida cautelar

judicial que arbitrariamente impedia manifestantes que constavam no

“inquérito mãe” da Polícia Civil de participar de novos protestos sociais.

No dia 03 de dezembro de 2014, quando da realização de uma atividade

cultural no Centro do Rio de Janeiro, Igor fora preso em flagrante, tendo

sua prisão se convertido em preventiva. Encontra-se atualmente na

Cadeia Pública Bandeira Stampa.

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IV.1.4 – A Hipertrofia do Sistema Penitenciário no Rio de Janeiro

A população prisional do Rio de Janeiro vem crescendo exponencialmente.

Entre dezembro de 2011 e setembro de 2014 o acréscimo é de 32,8 %, saltando de

29.045 em dezembro de 2011 para 38.568 até setembro de 2014. Ao passo que o

crescimento da população prisional nacional no mesmo período é de 10,2 %, partindo

de 514.582 em dezembro de 2011 para 567.000 em junho de 201435

. Em outras

palavras, o crescimento do número de encarcerados no Rio de Janeiro corresponde ao

triplo da média brasileira.

Fonte: Dados do DEPEN-MJ e SEAP/RJ.

No entendimento do MEPCT/RJ, apesar de não haver elementos comprobatórios

mais objetivos, capazes de indicar uma relação direta de causa e efeito, há consideráveis

indícios de que tal fato pode guardar relações com a preparação para os megaeventos

realizados no período em análise.

35

Os dados da população prisional nacional no ano de 2014 ainda não se encontram disponibilizados pelo

DEPEN. O MEPCT/RJ utilizou o quantitativo divulgado em relatório recente do Conselho Nacional de

Justiça de junho do presente ano.

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Para fins comparativos, o MEPCT/RJ analisou a progressão do número de

presos que ingressaram nos anos que demarcam a preparação para a Copa do Mundo e

os demais megaeventos, observando a partir de 2011 até 2014. A análise debruça-se nos

meses de maio a julho, por trataram-se dos meses mais próximos da realização do

referido evento desportivo. Nestes intervalos, foram verificados os seguintes índices:

Ingresso de Presos do Sexo Masculino – 2011-201436

Ingresso de Presos do Sexo Feminino – 2011-2014

Cabe ressaltar que entre os anos de 2011 e 2012 foi realizada a desativação das

carceragens no Rio de Janeiro, de modo que este fato certamente influencia no

quantitativo de ingresso de internos no período.

36

No ano de 2013 a porta de entrada é transferida para a Cadeia Pública Patricia Acioli, entretanto apenas

no a partir de 15/08. Portanto, no período analisado (maio a julho) a porta de entrada em 2013 ainda era a

Penitenciária Alfredo Tranjan.

1.651

1.676

1.589

1.857

1.771

1.687

1589

2.086

1.913

2.053

1.730

1.415

1.340

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Porém, a análise dos números obtidos revela ainda que não haja uma

significativa inflexão no quantitativo de pessoas presas durante a realização da Copa do

Mundo, há um claro aumento nos anos que a antecedem. De tal modo, pode-se inferir

que há uma oscilação especialmente na entrada de presos do sexo masculino, com o

acréscimo de cerca de 500 presos a mais por mês entre 2011 e 2014. No que se refere ao

ingresso de mulheres presas o quadro apresenta pouca alteração. Exceto em 2011,

quando houve a transferência das mulheres custodiadas em carceragens para a

Penitenciária Joaquim Ferreira, a média mensal de ingresso permanece estável em cerca

de 150 presas.

Os números assustam especialmente se considerados diante do efetivo carcerário

total do Brasil. Segundo dados do DEPEN, em junho de 2011 a população carcerária

brasileira era de 513.802. Em recente relatório, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

constata que o Brasil alcançou a marca de cerca de 567 mil presos, somados ao total de

presos em prisão albergue domiciliar, chega-se a um exército de 715 mil presos37

.

Diante deste índice, o Brasil passa a ocupar o terceiro lugar no ranking

internacional de países com maior população prisional em números absolutos. No

momento, passa a ocupar o posto anteriormente da Rússia, estando atrás apenas dos

Estados Unidos e da China.

IV.1.5 – Sanções Disciplinares e Violações de Direitos na Execução

Penal

A Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, determina em seu artigo 39, inciso

VI, como um dos deveres do preso, a submissão à sanção disciplinar. O artigo 45

garante que a aplicação da sanção não violará a integridade física ou psíquica do preso e

presa, cabendo ressaltar o parágrafo terceiro que determina que estão terminantemente

proibidas as sanções coletivas:

37

“Total de pessoas presas no Brasil sobre para 715mil diz CNJ”. Disponível em:

http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/06/total-de-pessoas-presas-no-brasil-sobe-para-715-mil-diz-

cnj.html.

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“Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa

e anterior previsão legal ou regulamentar.

§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade

física e moral do condenado.

§ 2º É vedado o emprego de cela escura.

§ 3º São vedadas as sanções coletivas” (grifo nosso)

O artigo 50 da referida legislação enumera de forma taxativa as faltas consideradas

graves pelo legislador, tais como: incitar ou participar de movimento para subverter a

ordem ou a disciplina; fugir; descumprir, no regime aberto, as condições impostas; entre

outras.

Em seu artigo 53, trata das sanções aplicadas às faltas disciplinares:

“Art. 53. Constituem sanções disciplinares:

I - advertência verbal;

II - repreensão;

III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo

único);

IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos

estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado

o disposto no artigo 88 desta Lei.

V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.”

O artigo 54 completa determinando que as sanções elencadas no artigo acima em

seus incisos I ao IV, serão aplicadas “por ato motivado do diretor do estabelecimento

(...)”.

Portanto, de acordo com a Lei de Execuções Penais as sanções disciplinares

devem ter previsão legal prévia; não violar a integridade física ou psíquica do preso ou

presa; a pessoa para quem será aplicada a sanção não poderá ser levada à cela escura e,

principalmente, a sanção disciplinar não poderá ser coletiva.

Durante as visitas realizadas pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à

Tortura foi possível constatar que muitos desses dispositivos são desrespeitados pela

administração penitenciária. A dinâmica de violações de direitos na execução penal

acarreta também inúmeras distorções sobre a imposição de procedimentos disciplinares,

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sendo comum a utilização de sanções arbitrárias, sanções coletivas, sanções informais

e ilegais, bem como sanções incompatíveis com o princípio da dignidade humana.

a) Sanções arbitrárias

É recorrente o recebimento de denúncias ao MEPCT/RJ alegando a imposição

de sanções arbitrárias. Tal reclamação é ainda mais frequente em alguns

estabelecimentos prisionais considerados “unidades de castigo”, como é o caso da

Penitenciária Laércio da Costa Pelegrino (Bangu 1), Cadeia Pública Bandeira Stampa

(Bangu 9), Serrano Neves (Bangu 3a) e Gabriel Castilho (Bangu 3b)38

.

Tais unidades destinam-se de modo geral ao cumprimento de sanções

disciplinares mais gravosas a presos considerados como portadores de alto grau de

periculosidade.

O MEPCT/RJ observa que há elevado índice de discricionariedade na aplicação

e execução das sanções disciplinares. Os internos alegam que as sanções disciplinares

são aplicadas sem critérios. Em geral, a sanção disciplinar é aplicada preventivamente

por 10 dias e apóscaso confirmado, por mais 20 dias.

A gestão de disciplina e segurança em tais unidades gera inúmeras questões

problemáticas para a execução penal, acarretando significativas restrições aos direitos

das pessoas privadas de liberdade.

Se por um lado há grande controle contra desvios, por outro observamos uma

lógica de desarrazoada restrição aos direitos do preso, fato que põe em xeque a

finalidade de reinserção social da execução penal, preconizada pela Lei 7.210/84, em

seu art. 1º.

Segundo informado pela maioria das direções de unidade, boa parte das sanções

disciplinares decorrem de condutas como riscar a parede, desrespeitar funcionário

público, não cumprir os horários estabelecidos. Muitos internos sequer sabem o porquê

de estar cumprindo parte disciplinar. Inúmeras são as alegações de imposição de sanção

disciplinar por motivos banais e obscuros.

38

Ver mais informações nos ofícios do MEPCT/RJ nº 116/2014 (Relatório Bangu 1); nº 0062/2014

(Relatório da Cadeia Pública Bandeira Stampa).

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Em especial na Cadeia Pública Bandeira Stampa, em razão das condições

gravosas de detenção, muitos presos solicitam transferência para outras unidades.

Entretanto, afirmam que é difícil alcançar a autorização para transferência. Internos

alegam que já ouviram de inspetores da unidade a afirmação de que deste

estabelecimento só é possível sair com o alvará de soltura ou no “saco preto”.

O decisionismo presente nas sanções disciplinares causa profunda preocupação

ao MEPCT/RJ, trata-se de verdadeiro atentado ao princípio da legalidade, bem como

aos postulados processuais do devido processo legal, ampla defesa e segurança jurídica.

É sabido que, segundo informações do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria

Pública (NUSPEN), cerca de 98% dos presos condenados no Rio de Janeiro são

assistidos . Desta forma, com uma gigantesca demanda de atendimento, a Defensoria

Pública encontra dificuldades para prestar o atendimento individualizado a contento,

sobretudo no que se refere à defesa diante de sanções disciplinares.

Se o processo penal é caracterizado pelo arbítrio, a execução penal é ainda mais

sujeita ao autoritarismo. Por sua vez, a sanção disciplinar pressupõe o auge do exercício

do poder disciplinar sem limites claros, sem respeito aos anteparos mais elementares ao

Estado Democrático de Direito.

b) Sanções coletivas

A superlotação é identificada como um dos graves problemas no sistema prisional

carioca favorecendo a prática de tortura e maus tratos. Uma das consequências

negativas do elevado número de presos é a utilização de castigos coletivos como forma

de conter e disciplinar o coletivo. Em várias oportunidades, os membros do Mecanismo

ouviram dos presos relatos de que toda uma galeria havia ficado semanas sem visita dos

familiares ou sem banho de sol por determinação da Direção em represália a ato

indisciplinar cometido por um interno ou por um grupo de presos.

A legislação prevê sanções a serem aplicadas à pessoa ou pessoas identificadas

como autoras do ato indisciplinar, sendo inadmissível que todo um coletivo seja

castigado por um ato isolado. A vedação é expressa no art. 45 § 3º da LEP.

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Durante as visitas realizadas especificamente em unidades que abrigam presos que

estão cumprindo o regime semiaberto ouvimos relatos dos internos e das direções que as

punições coletivas estão sempre relacionadas à impossibilidade de saída das celas, ou

seja, o preso deixa de ter o seu benefício, concedido pela SEAP, de circular livremente

pela unidade39

. A determinação de uma punição coletiva em unidades de semiaberto é

ainda mais grave, pois viola o próprio princípio do sistema progressivo.

c) Sanções informais e violência institucional

Os relatos de agressões físicas perpetradas pelo SOE (Serviço de Operações

Especiais) é encontrado em todas as unidades monitoradas pelo MEPCT/RJ. Tal uso

sistemático da violência institucional serve como sanção informal, ou mesmo, como

medida preventiva para obtenção de obediência.

Os casos de violência institucional tem se intensificado, sobretudo na Cadeia

Pública José Frederico Marques (Bangu 10). A referida unidade atualmente é a porta de

entrada do sistema penitenciário fluminense. Atualmente, apenas uma galeria (D) possui

colchões, os demais internos dormem ou na cama de alvenaria designado

pejorativamente de “pedra” ou no próprio chão das celas, sequer tem cobertores ou

qualquer outra roupa sobressalente. Faltam materiais de higiene e chinelos.

O Bangu 10 recebe, em média, 90 internos diariamente. Não há comunicação

entre esses internos e suas famílias nem quando são detidos nas delegacias, nem quando

ingressam, muito menos durante sua permanência na unidade.

O MEPCT/RJ realizou visitas à unidade em 2014, inclusive em atuação conjunta

com a Promotoria de Tutela Coletiva do Sistema Penitenciário e a Núcleo do Sistema

Penitenciário da Defensoria Pública40

. A motivação principal da realização visita foi um

conjunto de denúncias, que de forma unânime, relatavam espancamento dos internos

que lá ingressam e permanecem; são espancados deliberadamente por inspetores, os

quais alguns foram identificados.

39

Tal problemática é especialmente grave nos Presídios Vicente Piragibe e Plácido de Sá Carvalho. 40

Ver mais informações no Ofício nº 133/2014 MEPCT/RJ.

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Diante o exposto, o MEPCT/RJ considera que os presos, que sequer foram

julgados, alocados na Cadeia Pública José Frederico Marques estão submetidos

cotidianamente à práticas reiteradas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e

degradantes, desde as condições básicas de detenção quanto às sessões de

espancamentos e torturas, configurando gravíssima violação dos direitos humanos.

A porta de entrada do sistema penitenciário do Rio de Janeiro tornou-se uma

espécie de rito de passagem onde sanções informais e violência institucional tornam-se

regra com o objetivo de “docilizar” os indivíduos recém-ingressos no cárcere.

O vasto conjunto de relatos de violência física e ameaças dão conta de uma

realidade onde o princípio da dignidade humana, insculpido no art. 1º, III da

Constituição Federal, é cotidianamente aviltado. O uso indiscriminado da força

contribui para uma cultura de autoritarismo, medo, torturas, não responsabilização dos

agressores e aniquilação da subjetividade das pessoas privadas de liberdade.

d) O Regime Disciplinar Diferenciado e sua incompatibilidade com o Princípio da

Dignidade Humana

O Regime Disciplinar Diferenciado, incorporado na Lei de Execução Penal

através da Lei nº 10.792/2003, também é fato que gera profunda preocupação. No Rio

de Janeiro é implementado, sobretudo, na Penitenciária Laércio da Costa Pelegrino

(Bangu 1)41

. São notórios os danos à saúde mental do interno submetido às privações no

que se refere a atividades laborativas e educacionais, bem como as restrições no que

tange à assistência familiar ao longo do cumprimento de tal sanção. O preso em

cumprimento de regime disciplinar diferenciado não pode ter contato físico com os

visitantes, apenas comunica-se através do parlatório. Ademais, constatou-se que não é

possível entrar livro na unidade que não seja da biblioteca.

Por tais motivos, parte significativa da comunidade jurídica entende que este

espécie de sanção é inconstitucional42

.

41

Ver mais informações sobre a unidade no Ofício nº 0116/2014 MECPT/RJ. 42

Em 2012, o Instituto dos Advogados Brasileiros aprovou Parecer pela inconstitucionalidade do R.D.D.

Cumpre ainda salientar que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária unanimemente

apresentou parecer questionando a constitucionalidade da inclusão do R.D.D no texto da Lei de Execução

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Tais fatos reafirmam que os presos em cumprimento de R.D.D., bem como aos

demais internos privados ou limitados nestes direitos fundamentais não são ofertadas

condições mínimas para a ressocialização (prevenção especial positiva), mas tão

somente elementos para sua neutralização, denominada pela dogmática jurídico-penal

de prevenção especial negativa.

Desta forma, a prisão abre mão de sua pretensa função correcional e assume seu

caráter atuarial, servindo apenas como depósito humano desprovido de capacidade para

agregar fatores positivos às pessoas privadas de liberdade.

IV.2 – Política Criminal de Segurança Pública

No que se refere às políticas criminais na área da segurança pública, é necessário

perceber no ano de 2014 suas conexões diretas e indiretas com a preparação e realização

da Copa do Mundo e demais megaeventos antecedentes, especialmente no que tange ao

modus operandi das instituições policiais. Neste sentido, constituem objeto de grande

preocupação para o MEPCT/RJ seis aspectos no bojo das medidas repressivas

implementadas no Rio de Janeiro: 1 - a implementação das Unidades de Polícia

Pacificadora (UPP); 2 - a repressão estatal às manifestação populares; 3 - o emprego de

armas de baixa letalidade; 4 - a banalização das prisões cautelares; 5 - o uso das Forças

Armadas para fins de policiamento; 6 – dispositivos legais excepcionais.

IV.2.1 – A implementação das UPPs no Rio de Janeiro e o projeto de

“Cidade Segura”

É fundamental compreender o processo de implementação das Unidades de

Polícia Pacificadora (UPPs) como parte integrante de um amplo projeto com o fulcro de

tornar o Rio de Janeiro uma cidade segura e apta a sediar eventos de renome

internacional. Esta temática foi objeto de relatório do MEPCT/RJ, através do Ofício nº

Penal, especialmente os arts. 52, 53, V, 54, 58 e 60. Na mesma esteira, o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil, através do processo n° 045/2006 opinou pela inconstitucionalidade desta inovação

legislativa.

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0042/14, em monitoramento da UPP do Cantaglo/Pavão-Pavãozinho, bem como foi

aprofundada no relatório temático “Megaeventos, Repressão e Privação da Liberdade no

Rio de Janeiro”.

As UPPs constituem um projeto denominado pelo Governo do Estado do Rio de

Janeiro de “policiamento de proximidade”, implementado, sobretudo pela Polícia

Militar a partir do ano de 200843

. Tal medida foi apresentada pelas autoridades como a

grande novidade que alteraria os rumos da política de segurança pública no Rio de

Janeiro, trazendo impacto na redução da violência nas favelas cariocas, especialmente

na diminuição do uso de armas de fogo pelo tráfico varejista de drogas. Ao todo,

existem atualmente 38 UPPs em funcionamento no Rio de Janeiro44

. Vale destacar que

prioritariamente as unidades foram instaladas nas favelas situadas na Zona Sul, área

nobre da cidade e posteriormente no entorno do Maracanã, e em favelas que dão acesso

à Barra da Tijuca.

A opção política pela das UPPs nestas localidades permite perceber que a

prioridade desta política não é alocação das unidades nos locais percebidos como de

maior índice de violência, mas sim nos territórios da cidade que deveriam sofrer maior

controle social no contexto de preparação para os megaeventos que viriam a ser

realizados.

Chama a atenção o fato de que o Governo Estadual sempre apresentou como

justificativa das UPPs, que a entrada do efetivo policial seria indispensável para

assegurar a presença da UPP Social – conjunto de políticas sociais que viria a ser

implementado nestes territórios. Entretanto, inúmeros são os relatos e críticas à

inefetividade ou inexistência das ações da UPP Social, que permitem concluir que a

tônica do projeto de “pacificação” pressupõe sobre tudo a atuação do aparato policial

nas áreas ocupadas.

A grande contradição do projeto de “pacificação” dos territórios de UPPs é a

permanência da violência institucional em índice elevado. Há registros de emprego de

43

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/12/upp-santa-marta-completa-4-anos-e-comemora-

reducao-de-criminalidade.html. 44

Mais informações em: http://www.upprj.com.

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tortura, detenções ilegais e sarqueamento na sede física da UPP, bem como diversos

episódios de execuções sumárias e outras formas de violação a direitos e garantias

fundamentais como procedimentos vexatórios e violentos de revista, invasão de

domicílio, agressões físicas e verbais e episódios de discriminação racial, de gênero e

por orientação sexual45

.

É possível constatar que o projeto preconizado pelas UPPs parte da premissa

equívoca que compreende política de segurança pública como atribuição pura e

exclusivamente policial, desprezando a importância da adoção efetiva de políticas

públicas de cidadania dotadas de potencialidade de resultados preventivos.

Do exposto, o MEPCT/RJ considera que a implementação das UPPs tem

acentuado o controle social punitivo nestas localidades do espaço urbano. Não se

caracteriza como uma ruptura com o padrão beligerante observado na política de

segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, mas, sim como continuidade da lógica

de militarização do território que cumpre papel estratégico diante dos Megaeventos

realizados. Apesar da presença mais ostensiva da polícia nessas áreas pobres, não se

percebe qualitativamente uma significativa melhora no direito à segurança dessas

pessoas. Ademais, observa-se ainda a precariedade do acesso a políticas sociais de

qualidade como educação, saúde, assistência social, habitação, trabalho, cultura,

esportes e lazer.

IV.2.2 - A Repressão Estatal às Manifestações Populares

Desde junho de 2013, o MEPCT/RJ vem acompanhando com preocupação a

reação estatal à onda de grandes mobilizações que se espalhou pelo país46

. Grandes

intervenções policiais, uso excessivo da força, emprego sistemático de armas menos

letais, investigações policiais e processos penais eivados de clara perseguição política e

ideológica.

45

Mais informações em estudo elaborado pela organização Justiça Global. Disponível em:

http://global.org.br/arquivo/noticias/sobre-violacoes-de-direitos-em-favelas-com-upp/. 46

Tal temática foi abordada pelo MEPCT/RJ no Relatório Anual de 2013, no relatório temático

“Megaeventos, Repressão e Privação da Liberdade no Rio de Janeiro”, bem como em ofícios específicos

referentes a visitas ad hoc para entrevistar manifestantes sociais privados de liberdade de modo arbitrário.

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51

O uso excessivo da força no combate às mobilizações nas principais cidades do

país gerou em resposta, por outro lado, a constituição de uma significativa rede de

solidariedade de advogados ativistas47

.

Foto de domínio público

O esforço do poder punitivo em enquadrar penalmente os manifestantes é

crescente. Em recente relatório, a ONG Justiça Global aponta que:

“o processo de criminalização dos defensores/as se insere no contexto político

atual, e expressa-se desde a deslegitimação das lutas sociais até a violência

direta, realizada por diversos agentes públicos e privados. Dessa forma, esses

agentes se utilizam de diversas estratégias, visando neutralizar as

manifestações e demandas políticas dos/as defensores/as e dos movimentos

sociais.”48

(MENDONÇA, CARVALHO & MANSUR, 2014)

47

A advocacia comprometida com a defesa dos direitos e garantias fundamentais basilares do Estado

Democrático de Direito contribui com a assessoria jurídica pro bono de manifestantes sociais. No Rio de

Janeiro foram destacados os coletivos Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), o grupo

Habeas Corpus, a Associação Mariana Criola, bem como advogados plantonistas da Comissão de

Direitos Humanos da OAB/RJ. Em São Paulo houve grande contribuição dos Advogados Ativistas. Em

outros estados da federação percebeu-se importante atuação da Rede Nacional de Advogadas e

Advogados Populares (RENAAP). 48

Dias, Rafael Mendonça; Carvalho, Sandra; Isabel Mansur (orgs.). Na Linha de Frente: Criminalização

dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2006-2012). Rio de Janeiro, JUSTIÇA GLOBAL.

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A estratégia política de criminalização generalizada das mobilizações populares,

agora sob a justificativa de combate aos “vândalos”, envolve a constituição de um

discurso estatal que os promova ao status de uma “organização criminosa”.

Neste sentido, é reveladora a afirmação de Wagner Giudice, Diretor do

Departamento Estadual de Investigações Criminais de São Paulo: “a intenção é

descobrir quem são eles, de onde vem. Eles são uma organização criminosa? Sim. E

nossa função é provar isso”. 49

foto de domínio público

O discurso oportunista de associação de movimentos sociais com organizações

criminosas, sem qualquer prova ou elemento robusto de informação, não é novo em

nosso país e remonta especialmente aos anos de chumbo, deixando no tempo presente

as cicatrizes do entulho autoritário50

.

49

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1357784-black-blocs-sao-organizacao-

criminosa-diz-diretor-do-deic.shtml. acessado em: 25/06/14. A leitura destas colocações nos obriga a uma

pergunta de base: se a intenção é descobrir quem são e de onde vem, como é possível apontar

peremptoriamente que se trata de organização criminosa? 50

Neste sentido, conferir a entrevista do líder do partido Democratas (DEM) na Câmara dos Deputados,

Ronaldo Caiado (GO), comparando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) às Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) por causa da destruição de uma lavoura de laranjas no

interior de São Paulo. "O MST é as 'Farc brasileira' mantida pelo ministro do Desenvolvimento Agrário,

Guilherme Cassel e financiada com dinheiro público". Disponível em:

http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/lider-do-dem-mst-e-39farc-brasileira39-mantida-pelo-

governo,323068f40d94b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html acessado em em: 25/06/14.

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53

O uso político do conceito de organização criminosa com o fulcro de reprimir,

por outro lado, é criticado pelo Procurador da República Rodrigo de Grandis, que atua

no Ministério Público Federal em São Paulo:

"Eu não sei direito o que são os 'Black blocs'. Precisa verificar se efetivamente

essas pessoas que se autodenominam 'black blocs' se associam de forma estável

e permanente, com a finalidade de praticar crimes cuja pena seja superior a 4

anos de prisão, com divisão de tarefas e hierarquia". (...) "Pelo que vi na

imprensa esse grupo ainda não tem esse grau de sofisticação, estrutura"51

.

As estratégias estatais que buscam criminalizar manifestantes, aos quais as

autoridades policiais e de justiça criminal atribuem pertencer a grupos como Black

Blocs e Anonymous, representam verdadeira ameaça a direitos e garantias elementares

ao Estado Democrático de Direito.

Neste particular, alguns juristas de orientação democrática52

ponderam que é

necessário inclusive o questionamento acerca da relevância jurídico-penal de certas

condutas praticadas no contexto de desobediência civil. Deste modo, aventa-se a

possibilidade de os agentes não serem penalmente responsáveis, em razão de uma causa

de exclusão da culpabilidade, em alguns delitos, como o crime de dano, cabendo apenas

as consequências cíveis do resultado.

IV.2.3 - Uso Excessivo da Força e Armas de Baixa Letalidade

A repressão estatal tem se caracterizado pelo uso excessivo da violência em face

das manifestações populares, ocasionando inúmeros incidentes com lesões leves e

graves, e até mesmo com vítimas fatais53

.

51

Disponível em: http://folhapolitica.jusbrasil.com.br/noticias/112550583/procurador-nao-ve-black-bloc-

como-organizacao-criminosa. Consultado em: 25/06/14. 52

Nas palavras de Juarez Cirino dos Santos: "autores de fatos qualificados como desobediência civil são

possuidores de dirigibilidade normativa e, portanto, capazes de agir conforme o direito, mas a exculpação

se baseia na existência objetiva de injusto mínimo, e na existência de motivação política ou coletiva

relevante, ou, alternativamente, na desnecessidade de punição, por que os autores não são criminosos –

portanto, a pena não pode ser retributiva e, além disso, a solução dos conflitos sociais não pode ser obtida

pelas funções de prevenção especial e geral atribuídas à pena criminal". (SANTOS, 2008). 53

Morre estudante que caiu de viaduto em protesto em Belo Horizonte (IG, Belo Horizonte, 27/16/13).

Manifestante do Rio morre por complicações pulmonares após inalar gás lacrimogêneo: Fernando

Candido, que era anão, estava internado desde a manifestação do dia 20 de junho. (Estadão, 28/06/13).

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54

Dentre as várias modalidades do arsenal de armas de baixa letalidade

adquiridas pelo Brasil para o controle dos “distúrbios civis”54

, destacam-se55

: bala de

borracha; bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, spray de pimenta e taser56

.

foto de domínio público

Entre junho de 2013 e abril de 2014, os órgãos de segurança pública do Brasil

pediram autorização para comprar mais de 270 mil granadas e projéteis de gás lacrimogêneo

e de pimenta, além de 263.088 cartuchos de balas de borracha de vários tipos e modelos.

Toda a munição química não letal adquirida seria suficiente para fazer mais de 819

lançamentos de granadas de gás e 797 disparos de balas de borracha por dia nesses 11

meses57

.

Os dados do Exército Brasileiro mostram que Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito

Federal, São Paulo e Bahia foram os estados que mais compraram armas não letais desde

junho do ano passado. Amazonas e Amapá foram os únicos estados que não pediram ao

Exército autorização para a compra de tais equipamentos.

54

Nomenclatura técnica utilizada pelas instituições policiais para referir-se aos protestos populares 55

Mais informações acerca de armas de baixa letalidade podem ser obtidas em:

http://menosletais.org/armas-menos-letais/. 56

Mais informações no Relatório Temático.. 57

Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/05/visando-copa-pms-aumentam-estoque-de-

armas-nao-letais.html.

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55

A Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, contabilizou 38

casos de prisões, agressões e detenções envolvendo 36 profissionais da comunicação

durante a cobertura de manifestações de 12 de junho a 13 de julho de 2014.

Seguindo o padrão observado desde junho de 2013, a Abraji aponta que a

maioria das violações (89%) partiu da polícia. Dentre estas, 52% foram intencionais -

ou seja, o comunicador se identificou como profissional a serviço ou portava

identificação à vista. As demais agressões partiram de manifestantes e de seguranças

privados da FIFA58

.

A Anistia Internacional emitiu, de Londres, o comunicado abaixo:

"Após a dramática conclusão da Copa do Mundo (...) a Anistia Internacional está

pedindo investigações imediatas e independente dos muitos abusos cometidos por

policiais brasileiros contra os manifestantes durante o último fim de semana. (...) Há

apenas dois dias cerca de 20 manifestantes foram presos no Rio de Janeiro. As prisões

no sábado e a forma como a polícia se comportou no domingo, reprimindo

violentamente um pequeno protesto perto do estádio do Maracanã, foram uma clara

tentativa de intimidar os manifestantes. A violência exercida pelas forças de segurança

ao longo da Copa do Mundo foi excessiva, desnecessária e uma ameaça direta para o

direito de protesto pacífico ",59

.

Vale destacar que a Copa do Mundo e os protestos realizados por todo país estão

trazendo grandes lucros para a empresa com sede no Rio, Condor Tecnologias Não-

letais60

. Como parte do farto orçamento de segurança da Copa, Condor faturou um

contrato de R$22 milhões, fornecendo gás lacrimogêneo, balas de borracha, armas de

choque e granadas de luz e som à polícia e forças de segurança privada. Ao vender

armamentos de controle de protestos e ordem pública para compradores da polícia,

58

Disponível em: http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=2850. 59

Disponível em:

www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140508_anistia_internacional_protestos_copa_rb.shtml 60

Segundo seu sítio, a Condor Tecnologias Não-letais tem como visão “ser uma empresa de classe

mundial, cuja marca seja reconhecida pelos nossos colaboradores, parceiros, clientes e comunidade

primando sempre pela inovação tecnológica contínua de soluções não letais na área de segurança e

pirotecnia de salvatagem, preservamos a vida humana, sem abrir mão da preservação do meio

ambiente.”

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

56

exército militar e Nações Unidas, os negócios da Condor cresceram mais de 30% nos

últimos cinco anos61

.

Enquanto a Condor não divulga oficialmente os detalhes dos seus lucros, de

acordo com o currículo de seu diretor de marketing, a companhia tem vendas

internacionais de R$50 milhões de armamento não letais e munição. Nos últimos anos,

viu crescer sua receita em 33% como resultado de uma nova estratégia de marketing,

com ferramentas de comunicação cativantes e participação em feiras de comércio. Com

essas iniciativas o diretor de marketing tem garantido uma média de crescimento nas

vendas em 90%, passando de 12 países para mais de 40, com novos mercados na Ásia e

África62

.

Apesar do uso crescente como força mortal, o controle de protestos permanece

de fora da abrangência da Convenção de Armas Químicas da ONU, que permite gases

usados contra civis. Como outras armas que podem ser classificadas como

equipamentos policiais, esses agentes não raramente ficam à margem das restrições de

vendas de armas.

IV.2.4 - Banalização da Prisão Cautelar no Brasil: prisões arbitrárias

de manifestantes populares

A repressão às manifestações evidenciou o uso da prisão cautelar como um

instrumento de contenção das lutas sociais. No Rio de Janeiro e em São Paulo centenas

de manifestantes foram presos provisoriamente após os levantes de junho de 2013.

Vale destacar que no dia 12 de julho de 2014, véspera da final da Copa do

Mundo, 19 pessoas, suspeitas de envolvimento em atos de vandalismo em

manifestações, foram presas pela Polícia Civil no Rio de Janeiro. Ao todo, foram 26

mandados de prisão e dois de busca e apreensão. No dia 11 de julho de 2014, o juiz de

61

Todas as vendas internacionais de gás lacrimogênio no Brasil passam pelos Ministério de Relações

Exteriores e Ministério da Defesa. No entanto, eles não guardam registros de como são usados e os dados

das vendas não são publicizados. 62

Disponível em http://contrapoder.info/reprimir-protestos-na-copa-do-mundo-um-negocio-explosivo-

para-o-brasil/.

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57

direito Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, titular da 27ª Vara Criminal da Comarca da

Capital do Rio de Janeiro, emitiu 26 mandados de prisão temporária63

, dos quais 17

foram cumpridos no dia seguinte, sábado, nas primeiras horas da manhã. A operação

policial foi batizada de Firewall.

Além destas prisões temporárias, também foram cumpridos dois mandados de

busca e apreensão de adolescentes, na mesma operação. Estes mandados foram

expedidos pela Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital.

Sob a suspeita de que estariam se organizando para realizar protestos durante a

partida final da Copa do Mundo de Futebol, todos os detidos foram surpreendidos no

horário entre as 6 e 8 horas da manhã em suas residências ou próximo às mesmas, sendo

conduzidos para a Cidade da Polícia, vinculada à Polícia Civil localizada na zona norte

do Rio de Janeiro. Cabe destacar que o MEPCT entrevistou essas pessoas três dias

depois nas unidades a que as mesmas foram encaminhadas.

De acordo com os relatos obtidos pela equipe do MEPCT/RJ durante visitas nas

unidades de privação de liberdade, as abordagens foram, em um primeiro momento,

extremamente truculentas, tendo os agentes policiais arrombado portas das residências,

apontado armas para os detidos bem como revirado seus pertences. Ainda segundo os

relatos obtidos nas visitas, os mandados diziam que os mesmos estavam sendo detidos

em razão do crime de associação criminosa armada, por isso a truculência inicial, mas,

quando souberam se tratar de manifestantes, a postura dos agentes mudou, não havendo

queixas mais contundentes à respeito do tratamento dispensado pelos policiais64

.

Ao chegarem na Cidade da Polícia, foram mantidos em pequenas “celas”

brancas. Os adultos eram mantidos em grupos, separados por sexo, e os adolescentes

sozinhos. Durante este período, alguns receberam visitas de advogados, que forneceram

comida e bebidas. Da Cidade da Polícia, os adolescentes foram levados para a

63

De acordo com o Código de Processo Penal Brasileiro, a prisão temporária pode durar até cinco dias,

podendo ser renovada por mais cinco.

64 Ainda durante as abordagens, os agentes apreenderam muito objetos nas residências dos detidos, entre

os quais camisetas, faixas e bandeiras com dizeres políticos, máscaras, luvas, jornais, etc, práticas essas

que remontam a características de regimes políticos autoritários.

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Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), de onde seguiram para o

DEGASE, na Ilha do Governador. Por sua vez, os adultos foram encaminhados para o

Complexo Penitenciário de Gericinó.

Inúmeras entidades de defesa dos direitos humanos se manifestaram em repúdio

às referidas prisões, classificando as mesmas ilegais e inconstitucionais, de caráter

intimidatório e de viés político. A Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ

considerou fascista a ordem judicial que determinou as prisões e afirmou terem o

objetivo de afastar as pessoas de manifestações públicas. O MEPCT, por sua vez, emitiu

uma nota pública com informações acerca das inspeções realizadas e manifestando

preocupação em relação à forma como foram conduzidas essas prisões65

.

É inegável que prisões decorrentes da operação Firewall têm claro viés de prisão

política. Com ampla cobertura dos grandes veículos de comunicação, as prisões foram

acompanhadas de inúmeras entrevistas das autoridades policiais responsáveis e com a

exposição de nomes e dados dos detidos, o que contribuiu para a estigmatização dos

réus.

Em entrevista, o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro disse: "Apreendemos

jornais, bandeiras, e outros materiais ditos inofensivos porque ajudam a fortalecer a

vinculação entre as pessoas que foram presas. Alguém que tem um mero jornal em casa

pode ter participado de outra ação violenta e isso será deixado mais claro em cinco

dias".

Ora, não é preciso ter conhecimento aprofundado da legislação processual penal

para afirmar que estas prisões são ilegais, uma vez que não houve o cometimento de

nenhum crime e, pelo momento em que foram efetuadas, assumem ainda mais um

caráter de prisões políticas.

As prisões foram requeridas pelo delegado da Delegacia de Repressão aos

Crimes de Informática, no âmbito de inquérito aberto em setembro de 2013. O referido

inquérito foi mantido sob sigilo até o dia 16 de julho de 2014, ou seja, quatro dias após

65

Dos 19 detidos, 16 tiveram a liberdade concedida na semana seguinte às prisões, pelo Desembargador

Siro Darlan, sob a alegação de que não haveria necessidade para a manutenção da prisão provisória. No

entanto, três presos tiveram as suas prisões provisórias convertidas em preventivas, os quais receberam a

liberdade cerca de uma semana após os demais por meio de habeas corpus.

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59

as prisões. Este fato por si só já configura violação às prerrogativas dos advogados dos

réus, mas torna-se ainda mais grave, pois, quando da disponibilização dos seus autos, os

mesmos já haviam sido entregues para os grandes meios de comunicação.

O inquérito possuía, à época, dez volumes, grande parte sendo cópias de páginas

da internet, sem nenhuma evidência de participação dos suspeitos em associação

criminosa armada. À época, os autos possuíam também transcrições de conversas

obtidas por interceptações telefônicas autorizadas pelo mesmo juiz criminal, mas sem

nenhuma prova concreta da prática de nenhum crime. Inclusive houve interceptações

telefônicas a advogados que prestaram assessoria jurídica aos mesmos configurando

ferindo a inviolabilidade de comunicação entre advogado e cliente.

Ainda sobre os autos do inquérito, há uma relação de mais de 70 (setenta)

organizações e movimentos sociais listadas como potenciais organizações criminosas, o

que corresponde, em última análise, à criminalização da ação política, típica de Estados

autoritários e fascistas. As prisões de manifestantes decorrentes de investigações

criminais motivadas pela participação nas mesmas, sem que haja indícios ou provas do

cometimento de quaisquer crimes, como observado, consistem em graves violações de

direitos humanos e devem ser apuradas pelas instâncias competentes.

Em nota emitida pela Justiça Global, Instituto de Defensores de Direitos

Humanos e outras organizações, considera-se que tais prisões “evidenciam o propósito

único de neutralizar, reprimir e amedrontar aqueles e aquelas que tem feito da presença na

rua uma das suas formas de expressão e luta por justiça social”66

.

Na mesma direção, a Anistia Internacional manifesta que “a liberdade de

expressão e manifestação pacífica são um direito humano e devem ser respeitados e

garantidos pelas autoridades em todas as situações, inclusive durante a Copa do Mundo.

Ninguém deve ser detido ou preso apenas por participar de uma manifestação e exercer tal

direito”67

. Tal incidente reforça a preocupação com o uso indiscriminado da prisão

provisória no país. Neste sentido, a Comissão Interamericana de Direito Humanos

66

“Justiça Global condena prisão de ativistas na véspera da final da copa”. Disponível em:

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/07/justica-global-condena-prisao-de-ativistas-na-vespera-

da-final-da-copa.html. 67

Idem.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

60

(CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou em setembro de

2014, em São Paulo, o “Relatório sobre o uso das prisões preventivas nas Américas”,

que critica a utilização excessiva da prisão provisória em países da região. O

levantamento mostrou que cerca de 40% da população carcerária brasileira é formada de

detentos provisórios68

.

O ordenamento jurídico brasileiro é regido pelo princípio da presunção de

inocência. A regra, tutelada pela Constituição Federal em seu art. 5 LXVI, estabelece

que deve-se aguardar o julgamento em liberdade.

Contudo o que se observa é o uso abusivo e arbitrário da prisão provisória

contribuindo para o quadro de superlotação crônica. Tal fato resulta na banalização da

prisão cautelar, mesmo após o advento da Lei N 11.340/10, a Nova Lei de Medidas

Cautelares Penais - que prevê o cabimento de medidas cautelares alternativas à prisão

para delitos com pena máxima até quatro anos.

De modo geral, os presos provisórios estão ainda mais expostos à tortura, maus

tratos e tratamento degradante. A superlotação e as condições totalmente anti-higiênicas

a que estão expostos os coloca em risco de contrair doenças infecto contagiosas.

Ademais, comumente estes presos não possuem contato com suas famílias até chegarem

ao Sistema Prisional, desta forma sofrem também pelo distanciamento de seus entes.

Vale fazer referência ao Manual da Associação para Prevenção à Tortura quando

aponta que:

¨Ao privar uma pessoa privada de liberdade, as autoridades assumem

a responsabilidade de cobrir as necessidades vitais dessa pessoa. A

privação de liberdade tem em si mesma um caráter punitivo. O Estado

não tem a autoridade para agravar isto mediante más condições de

detenção, que não cumpram com os padrões internacionais que o

Estado se comprometeu a respeitar. (....) As áreas de alojamento, a

alimentação e higiene são fatores que contribuem ao sentimento de

dignidade e bem-estar dos presos.¨ 69

O uso desarrazoado da prisão cautelar gera grande preocupação para o sistema

penitenciário brasileiro. Entre junho de 2009 e junho de 2012, a CIDH lembra que o

68

Relatório sobre o uso das prisões preventivas nas Américas. OEA. 2014. 69

Monitoramento dos locais de privação de liberdade: um guia prático. Associação para Prevenção à

Tortura. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

61

número de presos no Brasil cresceu 17,04%, enquanto que o número de presos

provisórios subiu 27,76% 70

.

IV.2.5 - A participação das Forças Armadas na Segurança Pública

O contexto da preparação e realização dos megaeventos também é marcado pela

utilização das Forças Armadas como suporte aos estados da Federação em vias de

garantir a segurança pública, tendo sido largamente utilizada no Rio de Janeiro. A

Constituição Federal de 1988 não previu a participação das Forças Armadas na

execução de políticas de segurança, em seu art. 144. No entanto, a própria Constituição

a permite, ao estabelecer, no artigo 142, que as Forças Armadas também se destinam à

garantia “da lei e da ordem” 71

.

A interpretação conjunta dos artigos 142 e 144 leva a concluir que a execução

políticas de segurança por parte das Forças Armadas estaria restrita a situações

excepcionais, quando da decretação de: estado de defesa (art.136), estado de sítio

(art.137) ou intervenção federal (art.34, III).

Fora dos contextos de excepcionalidade constitucional, há ainda duas outras

possibilidades de as Forças Armadas serem empregadas na segurança pública: a

realização de investigações criminais no âmbito de inquérito policial militar (art. 7º e 8º,

b, do Código de Processo Penal Militar, e art. 144, § 4º da CF 1988, como exceção à

competência das Polícias Civis); e a execução de operações de policiamento ostensivo

em contextos em que predomine o interesse nacional, em especial em visitas de chefes

de estados estrangeiros (art. 5º do Decreto nº 3.897/2001).

Essas são as possibilidades de as Forças Armadas executarem ações de

segurança pública. Entretanto, a Lei Complementar nº 97/1999 ainda prevê mais uma

possibilidade: a realização de ações de policiamento ostensivo por solicitação do

70

O Relator Especial da CIDH, James Cavallaro, lembra que a prisão preventiva deve ser exceção, não

regra, e que os "objetivos legítimos e permissíveis da detenção preventiva devem ter caráter processual,

tal como evitar o perigo de fuga ou obstáculos do processo", entre outros pontos. Disponível

em: http://oglobo.globo.com/brasil/quase-metade-dos-presos-no-brasil-espera-julgamento-revela-

relatorio-da-oea-13840167#ixzz3DRBn10Hu. 71

Sobre a crítica à previsão constitucional de “lei e ordem” para a segurança pública, ver ZAVERUCHA,

Jorge. Relações civis militares. 2009, p. 48

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62

Governador de Estado, quando os meios disponíveis na esfera estadual se mostrarem

insuficientes. Entretanto, alguns juristas alegam que referida lei carece de

constitucionalidade72

.

A utilização das Forças Armadas para fins de segurança pode acarretar sérios

prejuízos para a democracia. Zaverucha destaca que incidentes danosos ocorreram nos

governos dos presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula73

. Cabe

destacar o episódio dos soldados do Exército que em ocupação do Morro da Providência

para assegurar obras do PAC no ano de 2008, vieram a entregar três jovens para facção

do tráfico de drogas do Morro da Mineira, comunidade vizinha74

, bem como os

incidentes de violência institucional promovidos na ocupação do Exército no Complexo

do Alemão em 2013.

Com base na Lei nº 97/1999 e no Decreto-Lei nº 3.897/2001, o Governador do

Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, emitiu diversos pedidos ao Ministério de Justiça

para autorizar a utilização das Forças Armadas para fins de policiamento75

.

Durante a Copa do Mundo, o Ministério da Justiça, as Forças Armadas e a FIFA

divulgaram que o esquema de segurança para a realização do evento esportivo contou

com 80 mil homens - sendo 20 mil profissionais particulares - e 12 "tropas de elite" do

exército nas cidades-sede para casos de emergência, “para garantir o bem-estar da

população”76

. O investimento total para tal medida superou R$ 1 bilhão.

72

Ver mais em SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Segurança Pública na Constituição Federal de 1988, p.

34. 73

“Lula tem mantido a política anterior de FHC de enviar tropas militares para a missão de paz da

ONU no Haiti, sob o argumento, dentre outros, de que estão sendo treinadas para posterior utilização

em ações de “lei e ordem”, em especial no Rio de Janeiro”. Ver ZAVERUCHA, Jorge. Relações civis-

militares. In TELLES, Edson e SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção

brasileira. Vol. 1. São Paulo, Boitempo, 2009, p. 49. 74

Ver Informe 2009 – Anistia Internacional: o estado dos direitos humanos no mundo. 75

“Lula recebe pedido oficial para que Forças Armadas atuem no Rio”. Fonte: www1.folha.uol.com.br.

Acessado em 11/04/2007. 76

“Segurança da copa tem 80mil homens de elite do Exército para emergência.” Disponível

em:http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/06/10/seguranca-da-copa-tem-80-mil-homens-

e-elite-do-exercito-para-emergencia.htm

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foto de domínio público

O MEPCT/RJ considera um retrocesso democrático o uso sistemático das Forças

Armadas para fins de policiamento, especialmente no contexto em que são completados

50 anos do Golpe-Civil Militar de 1964, trazendo, portanto, consequências negativas

para a afirmação de políticas públicas de Memória, Justiça e Verdade.

IV.2.6 – Dispositivos Legais de Exceção

Um amplo conjunto de medidas vem sendo adotadas para o recrudescimento do

controle social. Como acima exposto, o MEPCT/RJ observa que a reação estatal tem

respondido na forma da violência institucional, por meio de grandes intervenções

policiais e uso excessivo da força com o arsenal de armas letais e menos letais.

Entretanto, em matéria legislativa o Estado também tem apresentado inovações

legais repressivas em reação às manifestações sociais. Assim, o discurso penal de

emergência prima pela aprovação de um conjunto de dispositivos legais de exceção.

a) Lei Geral da Copa: O fato de sediar a Copa do Mundo acarretou ao Brasil a

imposição de uma legislação excepcional, denominada Lei Geral da Copa (Lei

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12.663/12). Aviltando a soberania nacional, a FIFA impõe ao país a incorporação na

ordem jurídica de um marco legal que estabelece três novos crimes (Utilização

indevida de Símbolos Oficiais, marketing de emboscada por associação e marketing de

emboscada por intrusão), todos relacionados à proteção dos interesses econômicos da

FIFA. Portanto, dá-se ensejo a um verdadeiro estado de exceção a serviço da defesa de

interesses privados77

.

b) Crime de Terrorismo: Junto à realização dos megaeventos caminha ainda o clamor

pela regulamentação do crime de terrorismo78

, mencionado na Constituição Federal no

art. 5º XLIII, no entanto, não tipificado no Ordenamento Jurídico-penal. A positivação

do crime de terrorismo causa grande preocupação tendo em vista a possibilidade de a

norma penal incriminadora servir à imposição de ainda maior criminalização aos

movimentos sociais79

.

No Congresso Nacional há parlamentares defendendo acelerar a aprovação de

tal pauta, através do PLS 499/2013, diante da repercussão das grandes manifestações,

preconizando pelo Direito Penal de Emergência como solução à suposta “crise” 80

.

c) Lei de Organizações Criminosas: Em 02 de agosto de 2013, passa a ter vigência a

Lei nº 12.850/13, que conceitua juridicamente organização criminosa, criando seu tipo

penal respectivo.

77

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/60339/ Com leis próprias, megaeventos criam 'estado de

exceção', dizem especialistas 78

http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/06/13/projeto-que-define-crime-de-terrorismo-

pode-ser-votado-ate-agosto-pelo-congresso 79

Segundo salienta Valter Maierovitch: “um criminoso quando põe fogo em uma casa, o rapaz que deu

um tiro na criança de cinco anos, isso tudo são métodos terroristas, mas não significa que estamos diante

de um fenômeno terrorista, que é o que precisa de lei. Essa violência toda não é para busca de poder, para

fins políticos partidários, para derrubar o Estado. O Brasil não sabe distinguir. Nessas propostas de

legislação que estão tramitando agora, tudo é terrorismo, inclusive “baderna””. Brasil não sabe distinguir

terrorismo de outros crimes, diz jurista. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-14/brasil-

nao-sabe-distinguir-terrorismo-de-outros-crimes-diz-jurista.html 80

Protestos apressam votação da lei de crimes de terrorismo no Brasil. Disponível em:

http://www.sul21.com.br/jornal/2013/06/protestos-apressam-votacao-da-lei-de-crimes-de-terrorismo-no-

brasil/

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65

A Anistia Internacional manifesta preocupação ao constatar que no Rio de Janeiro

“A polícia civil tem enquadrado a maioria dos manifestantes no crime de formação de

quadrilha e começa a aplicar recente Lei sobre Organizações Criminosas”81

.

d) Outros dispositivos excepcionais: Entretanto, não são estas as únicas legislações de

exceção. No dia 22 de julho de 2013, o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio

Cabral Filho baixou o decreto nº 44.302. Dentre outras disposições, o decreto constituía

a CEIV, Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações

Públicas, criada após a onda de protestos nas ruas do Rio. Segundo o art. 2º do decreto:

“Art. 2º - Caberá à CEIV tomar todas as providências necessárias à

realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo

requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos

necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade

de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações

públicas.”

No entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil, o conteúdo do decreto

carece de constitucionalidade82

. Diante da repercussão negativa, o Governador decidiu

revogar o decreto, após muitas informações terem sido obtidos pelo referido

subterfúgio.

O mesmo no que se refere à deliberação do Congresso Nacional quanto ao

aumento da pena cominada para o crime de dano no contexto de distúrbios civis, a

modificação na natureza da ação penal e a criação de uma qualificadora para o

homicídio cometido em manifestações.83

Recentemente, a polícia civil do Estado de São Paulo instaurou Inquérito com

fundamento na Lei de Segurança Nacional, intimando vários manifestantes a depor. No

81

http://anistia.org.br/?q=taxonomy/term/95. 82

Decreto de Sérgio Cabral é inconstitucional, diz presidente da OAB nacional. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1315596-decreto-de-cabral-e-inconstitucional-diz-

presidente-da-oab-nacional.shtml 83

Discussões realizadas no contexto deliberativo do novo código penal (PL nº 236/2012).

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

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entendimento das organizações Justiça Global, Instituto de Defensores de Direitos

Humanos (DDH) e Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola “a utilização

de legislação penal específica para manifestações e organizações políticas é medida de

exceção e enfraquece a democracia”84

.

Diante deste cenário que se ergue, o Estado declarado “Democrático de Direito”

está aderindo aos dispositivos próprios de regimes políticos autoritários para frear a

ascensão das mobilizações populares.

IV.3- Sistema Socioeducativo

IV.3.1. Aspectos Gerais

A legislação brasileira tratou historicamente a criança e o adolescente como

objetos de direito, alvo da intervenção estatal apenas em casos de “situação irregular”.

Essa concepção de política pública consistia, na prática, em uma poderosa ferramenta de

criminalização da juventude associada à criminalização da pobreza, uma vez que esta

denominada situação irregular estava intimamente relacionada à condição sócio-

econômica familiar, podendo haver a retirada do poder familiar em casos de extrema

pobreza, entre outros, gerando uma demasiada institucionalização destas crianças e

adolescentes em instituições como o Serviço de Assistência ao Menos (SAM) e,

posteriormente, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e as

Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEM).

Sob esta lógica que o Brasil tratou suas crianças e adolescentes ao longo de

quase todo o século XX, desde a aprovação do código de menores de 1927 (também

conhecido como código de Mello Matos), passando pela reforma do mesmo em 1979

até a promulgação da Constituição de 1988 e a decorrente aprovação da Lei 8.069/90,

mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

84

http://global.org.br/programas/processar-manifestantes-com-lei-de-seguranca-nacional-e-lei-de-

organizacao-criminosa-e-uma-violencia-contra-a-democracia-brasileira/

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2014

67

A Constituição de 88 traz, em seu artigo 227, uma inovação em relação a todas

as anteriores. Estabelece que cabe ao Estado, à Família e à Sociedade em geral,

conjuntamente, zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Desta forma, o Estado

não mais será provocado a proteger e garantir os seus direitos apenas nos casos em que

a família ou a comunidade “falharem”. Segundo a lógica inaugurada pela Constituição

(denominada Proteção Integral), caberia ao Estado ajudar à família e a comunidade a

fazê-lo, constituindo, desta forma, uma rede de proteção e promoção de direitos

denominado Sistema de Garantia de Direitos – SGD, atribuindo à criança e ao

adolescente a condição de pessoa em peculiar situação de desenvolvimento, sujeitos de

direitos e prioridade absoluta. Diante desta inovação constitucional, o antigo código de

menores não fora recepcionado pela nova ordem constitucional85

, o que gerou uma

lacuna no ordenamento jurídico, a qual veio a ser preenchida com a aprovação do ECA,

em 1990.

Apesar dos avanços alcançados em termos de dispositivos legais, a efetivação

dos direitos das crianças e adolescentes enfrenta inúmeros desafios desde então. E

dentro deste espectro, a proteção e garantia dos direitos dos adolescentes autores de atos

infracionais é um desfio ainda maior, diante das grandes campanhas midiáticas de

criminalização destes jovens e da permanência de uma cultura institucional de violência

e criminalizante nas unidades socioeducativas, que remetem ainda ao código de

menores.

É neste sentido que o MEPCT/RJ cumpre um papel de suma importância no

Sistema de Garantia de Direitos, junto com os demais órgãos de fiscalização do Sistema

Socioeducativo. O monitoramento contínuo das unidades de privação de liberdade de

adolescentes autores de atos infracionais deve, prioritariamente, enfrentar esta cultura

violadora que ainda impera e contribuir para a superação da mesma, promovendo a

85

Destacamos aqui uma característica própria da teoria da norma em que, para uma lei ter validade, ela

não pode estar em desacordo com uma norma hierarquicamente superior. No caso do código de menores,

o mesmo tinha validade na ordem constitucional anterior à de 1988, mas quando da promulgação da nova

constituição, diante das inovações da mesma, seus princípios norteadores não admitiam as disposições

gerais da lei anterior, provocando desta forma a perda da validade da norma hierarquicamente inferior.

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prevalência da promoção de direitos e garantia da cidadania sobre a lógica da segurança

e neutralização do infrator.

Diante deste quadro, o MEPCT/RJ, para além da realização do monitoramento

das unidades, tem atuado conjuntamente com o Departamento Geral de Ações

Socioeducativas – DEGASE, órgão estadual responsável pela execução das medidas

socioeducativas privativas de liberdade, na formação continuada dos servidores em

exercício no órgão, bem como do curso de formação daqueles recém-aprovados em

concurso público. Esta parceria permite que o MEPCT/RJ ministre em ambos os casos o

módulo “Prevenção e Combate à tortura”, promovendo uma reflexão acerca das práticas

institucionais e dos procedimentos violentos muitas vezes naturalizados pelos

envolvidos.

IV.3.2. Dos Adolescentes

Nas inúmeras visitas realizadas às unidades do sistema socioeducativo do estado

do Rio de Janeiro, o MEPCT/EJ pôde constatar mais uma vez a seletividade do sistema

punitivo fluminense. São, em sua grande maioria, jovens do sexo masculino, negros,

moradores das periferias urbanas.

Diante destas constatações, imperativa se faz a análise de que a passagem pelo

sistema socioeducativo é mais uma etapa de violação e negação de direitos humanos na

trajetória de vida destes adolescentes. Em regra, uma trajetória que envolve a negação

de direitos tão básicos, tais como a alimentação, saúde e educação.

IV.3.3. Da Superlotação

É notória a situação de superlotação das unidades de internação de adolescentes

no Rio de Janeiro. Inúmeras foram às reportagens jornalísticas veiculadas sobre o

assunto ao longo de 2014 que apenas reforçam os fatos denunciados reiteradas vezes

pelo MEPCT/RJ em seus relatórios de visitas, temáticos e anuais, desde o ano de 2011,

quando tem início as suas atividades.

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Destarte, é importante destacarmos que no final de 2013 foram inauguradas duas

unidades de internação e internação provisória no interior do estado, uma em Campos,

região norte do estado, outra em Volta Redonda, região sul. A inauguração destas novas

unidades representou um movimento do DEGASE com vistas à efetivação dos direitos à

convivência familiar e comunitária, uma vez que até então, todas as seis unidades de

internação existentes no estado do Rio de Janeiro estavam localizadas na região

metropolitana, sendo cinco destas na cidade do Rio de Janeiro. Desta forma, o ano de

2014 teve início com uma perspectiva de mudança para melhor, na medida em que, com

a inauguração de novas vagas, a lógica apontaria para a redução da superlotação e,

conseqüentemente, a melhoria das condições de privação de liberdade. Infelizmente, o

que se viu foi exatamente o contrário.

Se nos anos anteriores o quadro de superlotação já era grave, em 2014 o mesmo

se agravou ainda mais. E esta constatação em muito se deve à realização da Copa do

Mundo de Futebol de 2014, cuja partida final foi justamente no Rio de Janeiro, em 13

de julho, como veremos mais adiante.

Ademais, vale observar que, em novembro de 2013, em audiência pública

convocada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ,

perguntado acerca das razões para o crescimento do número de adolescentes internados

no DEGASE, o então Subdiretor daquele órgão revelou que acreditava que a realização

da Copa do Mundo de Futebol 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016 tinham influência

direta neste fenômeno, indicando haver uma mudança na orientação da política criminal

fluminense diante destes megaeventos.

Por esta razão, iniciaremos as nossas analises pelos dados acerca das apreensões

de adolescentes pelas forças policias no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o

Instituto de Segurança Pública, o número de adolescentes apreendidos no estado tem

aumentado exponencialmente, ano após ano, conforme podemos observar ao

analisarmos e tabela abaixo.

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Importante destacar que esses números não representam o quantitativo de

adolescentes que ingressaram no DEGASE, uma vez que estão incluídos adolescentes

apreendidos por supostamente praticarem atos infracionais leves, sem violência ou

grave ameaça à pessoa, casos estes em que o Delegado que lavrar a apreensão em

flagrante, deve liberar o adolescente, mediante a apresentação do responsável, segundo

a legislação vigente. Desta forma, estes números evidenciam a orientação institucional

da política de segurança pública destinada à atuação policial, não ao DEGASE.

Analisando a variação do número de apreensões nos quatro anos apresentados,

podemos afirmar, sem receio algum, que há uma tendência de crescimento no número

de apreensões de adolescentes, até mesmo no que se refere ao ano de 2014, cujos dados

estão restritos até o mês de julho, uma vez que, se comparado com o mesmo período de

2013, houve um crescimento (4047 em 2013 contra 4265 em 2014).

O gráfico a seguir demonstra a variação da população socioeducativa entre os

anos de 2011 e 2014.

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

2011 2012 2013 2014*(atéjulho)

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Fonte DEGASE

O gráfico acima foi elaborado com base no número de adolescentes privados de

liberdade no DEGASE no dia 04 de julho dos respectivos anos. A análise deste gráfico

nos permite afirmar que, embora o número de apreensões de adolescentes entre os anos

de 2011 e 2013 tenha passado de 3.466 para 7.222, isso não representou um aumento

proporcional da população de adolescentes no DEGASE, embora também tenha havido

um crescimento. Inúmeras são as conjecturas que podemos levantar para justificar estes

dados, tais como apreensões ilegais, infundadas, por prática de atos infracionais sem o

emprego de violência ou grave ameaça, etc.

Nos chama muito a atenção o crescimento desproporcional do número de

adolescentes privados de liberdade no dia 04 de julho de 2014, se comparado aos anos

anteriores. Um aumento de mais de 40% (de 1005 em 2013, passou para 1487 em 2014)

no número de jovens encarcerados. Diante deste quadro, impossível não apontar a

evidente relação entre este fenômeno e a realização da Copa do Mundo de Futebol,

realizada entre o dia 12 de junho e 13 de julho de 2014. Esta constatação nos impõe a

leitura de que se instalou no estado do Rio de Janeiro, quiçá no Brasil, um verdadeiro

estado de exceção, em que adolescentes eram apreendidos pelas forças de segurança e

mantidos privados de sua liberdade pelo Poder Judiciário com vistas à higienização da

cidade sede da partida final da Copa do Mundo de Futebol.

Importante aqui destacar que os profissionais do DEGASE entrevistados pelo

MEPCT/RJ confirmaram esta impressão, afirmando que as audiências de apresentação e

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

2011 2012 2013 2014

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continuação do processo de conhecimento na Vara da Infância e da Juventude da

Comarca da Capital do Rio de Janeiro foram todas adiadas para o período posterior à

Copa do Mundo, evidenciando que o Poder Judiciário, neste caso, consentiu com a

política criminal de excepcionalidade adotada pelo estado do Rio de Janeiro, mantendo

os adolescentes apreendidos internados provisoriamente, mesmo nos casos em que não

haveria razões para a manutenção da privação de liberdade.

Tudo isso só faz agravar o quadro de superlotação nas unidades de internação do

DEGASE, que pela primeira vez desde o início das atividades do MEPCT/RJ, pôde ser

constatada não apenas nas unidades masculinas, mas também na unidade feminina. Esse

agravamento das condições de superlotação do DEGASE se deu apesar da criação de

três novas unidades de internação ou internação provisória (Campos, Volta Redonda e

CENSE Ilha).

Insta corroborar as reiteradas afirmações presentes nos relatórios de visita às

diversas unidades do DEGASE, de que a superlotação de qualquer espaço de privação

de liberdade constitui, por si só, em tratamento cruel e desumano, representando uma

violação dos direitos dos adolescentes internados, que são obrigados a dividir material

de limpeza, higiene, roupas de cama e banho (quando disponibilizados), têm reduzida a

oferta de atividades recreativas, educacionais e de capacitação profissional, bem como

dos servidores, que diante destas condições insalubres e precárias, são expostos a

ambiente hostil, no qual muitos acabam adoecendo.

Outro ponto importante que merece a atenção deste relatório é a Ação Civil

Pública impetrada pela Promotoria da Infância e da Juventude Volta Redonda, cujo

pedido de liminar foi concedido, no sentido de que a unidade CENSE Irmã Assunción

de La Gandara Ustara não receba mais adolescentes do que a sua capacidade, o que tem

gerado um grande fluxo de transporte de adolescentes entre Volta Redonda e a Capital

Fluminense. Essa Ação Civil Pública foi proposta logo após uma rebelião promovida

pelos adolescentes, na qual reivindicavam melhor tratamento por parte dos agentes, e

menor superlotação. A unidade na época estava com quase o dobro da sua capacidade

oficial e esta ação foi uma resposta a estas condições precárias observadas no

atendimento socioeducativo na região.

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IV.3.4. Tratamento, Tortura e Maus Tratos

Em todas as visitas do MEPCT/RJ as unidades de internação e internação

provisória, vinculadas ao DEGASE, é uníssona a queixa acerca do tratamento violento

dispensado por agentes contra adolescentes. Essas queixas se agravam de acordo com a

condição de superlotação da unidade visitada, sendo mais freqüentes e incisivas nas

unidades com alto índice de superlotação. Tapas na “cara”, socos no peito e uso

indiscriminado de spray de pimenta são algumas das queixas mais freqüentes,

juntamente com agressões verbais aos adolescentes e seus familiares.

Muitas das vezes, estas agressões ocorrem como uma forma de sanção ou

castigo por algumas falta ou ação do adolescente que seja considerado desrespeito pelos

agentes. Faz-se necessário, neste momento, afirmar o óbvio: qualquer castigo ou pena

que atente contra a integridade física ou moral é proibido pela constituição federal, pelo

ECA e pela legislação internacional de proteção aos direitos humanos de crianças e

adolescentes. É preciso que a preocupação do DEGASE com a segurança das unidades

socioeducativas não se sobreponha aos direitos fundamentais dos internos. Por exemplo,

é comum os adolescentes relatarem que o spray de pimenta é lançado no interior dos

alojamentos, atingindo a todos que ali se encontram, sempre que alguém “bate a chapa”.

Ora, essa situação claramente consiste em sanção coletiva, vedada por lei.

Ainda no que se refere à prevalência dos procedimentos de segurança em

detrimento dos direitos dos adolescentes internados no sistema socioeducativo,

detacamos o papel desempenhado hoje pela Coordenação de Segurança e Inteligência

(CESINT) do DEGASE. Essa coordenação, chefiada pelo agente penitenciário Sr.

Leonam Leão, funciona como uma espécie de “serviço especial” que atua em situações

de distúrbios ou crises nas diversas unidades do DEGASE espalhadas pelo estado. Em

inúmeras situações, foram relatados episódios de violação de direitos envolvendo a

intervenção de agentes da CESINT, tais como uso excessivo da força, xingamentos e

tortura. Utilizando da estética da violência cada vez mais presente nos espaços de

segurança, os agents da CESINT utilizam uniforme preto, a exemplo do BOPE

(Batalhão de Operações Especiais, da PM), da CORE (Coordenadoria de Recursos

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Especiais da Polícia Civil) e do SOE (Serviço de Operações Especiais da SEAP).

Cumpre reiterar a convicção que a equipe do MEPCT/RJ de que a estética da violência

e do extermínio representada pelo uniforme preto da CESINT não coaduna com os

princípios da socioeducação, tão defendidos nos discursos e manifestações públicas da

Direção Geral do DEGASE. Ademais, tal qual a presença de um oficial da polícia

militar no cargo de Diretor Geral do DEGASE é uma situação que não nos parece a

mais adequada, a presença de um agente penitenciário na coordenação da CESINT deve

ser encarada com grande desconfiança e cautela, pois, a princípio, não nos parece uma

situação adequada para o trato com adolescentes, pessoas em peculiar situação de

desenvolvimento.

IV.3.5. Dos Graves Acontecimentos

O ano de 2014 foi um ano de grandes desafios na efetivação dos direitos

humanos dos adolescentes privados de liberdade no sistema socioeducativo do Rio de

Janeiro. Inúmeros foram os fatos e denúncias que chegaram ao conhecimento do

Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura que elevam o Departamento

Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE ao órgão que, em 2014, mais foi vistoriado

pelo Mecanismo se levarmos em consideração uma relação visitas/número de unidades.

A seguir trataremos de algumas situações encontradas durante o trabalho desenvolvido

ao longo do ano, como elementos de exemplificação da dura realidade à qual os

adolescentes autores de atos infracionais fluminenses estão submetidos.

Como dito anteriormente, o ano de 2014 teve início com uma grande expectativa

de melhoria das condições às quais os adolescentes privados de liberdade são

submetidos nas unidades de internação, uma vez que no final de 2013, foram

inauguradas duas unidades no interior do estado, uma em Campos, norte fluminense, e

outra em Volta Redonda, sul fluminense.

Infelizmente, essas expectativas foram frustradas, não só pelo agravamento do

quadro de superlotação, mas também por alguns acontecimentos lamentáveis. As mais

significativas, e que merecem a atenção de todo o Sistema de Garantia de Direitos,

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foram às mortes de dois adolescentes ocorridas na unidade Centro de Socioeducação

Dom Bosco, o antigo Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Ambas as mortes

possuem aspectos comuns que evidenciam fragilidades em procedimentos de segurança

adotados pelas equipes do DEGASE.

Ambos os meninos que vieram a óbito, um em março de 2014 e outro em julho

de 2014, não possuíam antecedentes infracionais e foram apreendidos pela prática de

ato infracional análogo ao tráfico de entorpecentes, situação esta que não poderia

ensejar a internação do jovem, uma vez que tal ato não envolve emprego de violência ou

grave ameaça à pessoa, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça

consolidado na súmula 492 deste tribunal superior. Neste sentido, insta a observação da

responsabilidade do Ministério Público e do Poder Judiciário nestes casos, ao

determinarem o cumprimento de medidas privativas de liberdade em casos em que estas

medidas são flagrantemente ilegais.

Quanto aos procedimentos de segurança, no momento em que os jovens foram

recepcionados na unidade CENSE Dom Bosco, foram submetidos a breve triagem, na

qual os mesmos teriam declarado não ter pertencimento a nenhuma facção criminosa,

embora residissem em comunidades comandadas pelo Comando Vermelho. Diante

desta informação, foram alocados em alojamentos/celas com outros adolescentes desta

facção, onde acabaram mortos por, supostamente, comprarem drogas em comunidades

dominadas por outra facção para, posteriormente, revendê-las, com vistas à manutenção

da própria dependência química. Estas duas mortes foram amplamente noticiadas por

veículos de comunicação e geraram vistorias ad hoc do Mecanismo Estadual de

Prevenção e Combate à Tortura à unidade.

Após algum tempo, a gestão do DEGASE optou por alterar os procedimentos de

segurança e evitar misturar adolescentes que se encontrassem em sua primeira passagem

pelo sistema socioeducativo, com outros que já possuem passagens anteriores. Para isso,

criou uma nova unidade de internação provisória apenas para jovens nestas

circunstâncias (primeira passagem), o Centro de Socioeducação Ilha. Esta unidade se

encontra localizada no espaço em que antes funcionava o Centro de Recurso Integrado

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de Atendimento ao Adolescente, o CRIAAD Ilha, unidade de semiliberdade, unidade

visitada pelo MEPCT/RJ em 2014.

Este processo de precarização das condições de internação e superlotação trazem

inúmeras conseqüências para o ambiente das unidades do DEGASE. Um evento de

grande relevância que retrata bem esta afirmação foi a rebelião ocorrida na unidade

Centro de Socioeducação Irmã Assunción de La Gandara Ustara (CENSE IAGU), em

Volta Redonda, no dia 23 de setembro, evento este citado de forma breve anteriormente.

De acordo com relatos dos adolescentes colhidos pela equipe do MEPCT/RJ, por volta

das 12h do dia 22/09, durante a saída para o almoço se iniciou um movimento dos

adolescentes baterem a porta dos alojamentos que se estendeu, por conseguinte, por

todos os módulos. Após diversas batidas, a estrutura de alvenaria que sustentava as

portas dos alojamentos cedeu e os mesmos ocuparam os corredores e posteriormente se

direcionaram para o telhado da unidade. Cabe mencionar que apesar de a unidade ter

sido inaugurada apenas nove meses antes do ocorrido, pôde-se observar que a estrutura

física comportava materiais de péssima qualidade e que não atendiam às necessidades

que uma unidade de internação requer, conforme podemos verificar na imagem abaixo.

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Segundo informações do DEGASE, o edital de licitação para a realização da

obra possuía especificações técnicas que não foram cumpridas pela empresa

responsável, o que evidencia uma precariedade também na fiscalização da obra.

Na ocasião, os adolescentes haviam feito algumas reivindicações do cotidiano

institucional como maior tempo de banho de sol e extensão do horário de TV. Contudo,

segundo informações colhidas, o motim se deu por um acúmulo de situação de maus

tratos cotidianos que os adolescentes vêm sofrendo na unidade tendo o agravamento da

superlotação como um dos elementos mais basilares desta insatisfação. Para se ter uma

ideia, se na última inspeção realizada pelo MEPCT/RJ havia 120 adolescentes para uma

capacidade de 90, no momento do motim a população de adolescentes chegava a 160 se

aproximando do dobro do quantitativo mínimo.

Diante deste panorama, podemos afirmar que a erradicação desta grave violação

dos direitos destes adolescentes não passa por aumento de vagas ou inauguração de

novas unidades estado afora. Faz-se imperiosa uma radical mudança da prática judicial

e da política de segurança pública, que criminalizam o jovem, negro, pobre e morador

das periferias urbanas. É necessário que o Poder Judiciário, o Ministério Público e a

Defensoria Pública funcionem de forma satisfatória e apliquem a legislação de proteção

ao adolescente, efetivando o caráter excepcional das medidas socioeducativas,

privativas de liberdade.

IV.4- Acolhimento Institucional86

A Lei estadual 5.778/2010 que cria o Sistema Estadual para Prevenção e

Combate à Tortura estabelece que além das unidades prisionais e sistema

socioeducativo, o MEPCT/RJ tem a atribuição de inspecionar os locais de abrigos de

pessoas, prerrogativa que consideramos estar de acordo com os propósitos do OPCAT

(Protocolo Facultativo à Convenção da ONU Contra a Tortura), pois, apesar de

necessariamente não significar espaços de privação de liberdade, são estabelecimentos

86

Na confecção deste tópico o MEPCT se utilizou em muitas de suas partes de redação e conteúdo já

expressos em outros relatórios como os de visitas regulares, anuais e temáticos.

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públicos e privados nos quais frequentemente ocorre um processo de institucionalização

de pessoas que ficam, por certo período, sob a chancela do Estado.

No caso brasileiro, estas instituições estão inseridas na política de Assistência

Social, política pública não contributiva que prevê a garantia de mínimos sociais87

.

Geralmente, os abrigos acolhem pessoas em situação de extrema pobreza e geralmente

vínculo familiar fragilizado e/ou rompido. No âmbito da cidade do Rio de Janeiro, a

gestão desta política está a cargo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

(SMDS).

Desde o ano de 2011, o CEPCT e o MEPCT estabeleceram um grupo de

trabalho que tem realizado ações relativas à temática de acolhimento institucional,

“recolhimento compulsório” e política de drogas no estado do Rio de Janeiro. Dentre as

atividades realizadas estão inspeções e atividades temáticas como visitas de fiscalização

em abrigos, publicações de relatórios, campanhas e realização de audiências públicas.

Deste modo, destacamos as atuações realizadas acerca dos Abrigos Especializados de

Crianças e Adolescentes88

e substituídos em 2013 pelos Abrigos Abrigos Casas Vivas89

,

abrigos da Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS (atual Secretaria

Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS); ações realizadas na ocasião da

Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20)90

em

2012, e o Relatório Temático ¨Megaeventos, Represssão e Privação de Liberdade no

Rio de Janeiro.”, no ano de 2014.

87

Lei Orgânica da Assistência Social.(LOAS). Lei n.8742/1993. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm)

Merece destaque como uma política voltada para a defesa dos direitos humanos a aprovação do Sistema

Único de Assistência Social (SUAS) aprovado pelo Estado brasileiro em 2006 após um amplo processo

de participação da sociedade. 88

Relatório de visitas aos “Abrigos Especializados” de Crianças e Adolescentes. Disponível em:

http://www.crprj.org.br/documentos/2012-relatorio_CADQs.pdf 89

O MEPCT junto com outros órgãos estiveram nas unidades da Casa Viva no final de 2013. Pode-se

destacar, dentre outros aspectos, uma atenção mais humanizada ao adolescente abrigado, desde a estrutura

arquitetônica quanto do trabalho em rede e a não privação de liberdade, diferindo em muito dos antigos

Abrigos Especializados. Todavia, há ainda uma confusa relação entre atendimento à saúde mental de

álcool e drogas e assistência social, fator que deve ser ainda analisado no decorrer desta política. 90

Relatório de Visita aos Abrigos da Secretaria Municipal de Assistência Social. Disponível em:

http://www.cressrj.org.br/download/arquivos/abrigos-final-5.pdf

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Na presente temática do Sistema Estadual, focaremos as inspeções realzidas

durante a Copa do Mundo e a situação emblemática da Unidade Municipal de

Reinserção Social Rio Acolhedor.

IV.4.1. Das Visitas Realizadas às Centrais de Recepção durante a XX Copa

do Mundo de Futebol

No período da realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014, o MEPCT

junto com organizações do CEPCT realizou inspeções nas Centrais de Acolhimento da

SMDS, optando-se pela Central de Recepção de Crianças e Adolescentes (CRCA)

Adhemar Ferreira de Oliveira, pela Central Taiguara e pelo Centro de Acolhimento

Stela Maris.

Na Central Adhemar Ferreira que atende adolescentes do sexo masculino (12 a

18 anos incompletos) havia uma média diária de entrada de 36 meninos, principalmente

em abordagens realizadas pela Prefeitura nas ruas. Foi possível observar na CRCA que

não havia roupa de cama, roupa de banho e uniformes suficientes, assim como material

de higiene pessoal. As roupas e calçados que são entregues aos meninos são fruto de

doações recebidas e cada adolescente lava sua própria roupa. Há ausência de

profissionais terceirizados, tais como psicólogos. O ambiente é sujo e tem mau cheiro,

os quartos não possuem estrutura adequada para recepção dos adolescentes.

No CRCA Taiguara, destinado a acolher crianças de ambos os sexos e

adolescentes do sexo feminino, conforme já havíamos observado em outras inspeções,

apresentava espaço físico de muros altos, pouco colorido, muito pequeno e fechado. No

ano de 2013, o MEPCT junto com a Coordenação de Defesa dos Direitos da Criança e

do Adolescente (CDEDICA) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro acompanhou um

caso de crianças e adolescentes que haviam sofrido tortura de educadores, inclusive com

utilização de choque elétrico. Foi observado um aumento do número de adolescentes

acolhidos nos meses anteriores à Copa. No final de 2014, o MEPCT recebeu informação

que a Central Taiguara havia se transferida para o bairro de Cachambi com uma

infraestrutura mais adequada a receber esse público.

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Foi relatado que além das abordagens da SMDS, durante o período noturno, o

Projeto Lapa Legal desde o início de 2014, com a denominação Lapa Presente91

também recolhe alguns meninos que chegam aos abrigos, comem, dormem e quando

acordam, geralmente evadem do abrigo. O Projeto Lapa Legal92

foi criado pela

Prefeitura do Rio de Janeiro no ano de 2009 e conta com a integração de diversas

secretarias do município, tendo como objetivo o “reordenamento urbano” daquela

região turística da cidade. O MEPCT/RJ ouviu inúmeros relatos acerca de ações de

abordagens truculentas de pessoas em situação de rua daquela região por este projeto.

O Centro de Acolhimento Stella Maris compreende o conjunto de quatro

serviços distintos, todos lotados em uma mesma unidade arquitetônica, sendo, dentre

outros, unidade de entrada de população adulta em situação de rua. Segundo a diretora,

de maio até a data da visita, houve um sensível aumento de cerca de 70% do número de

usuários. Ela não soube explicar as razões, mas apontou como possíveis causas a Copa

do Mundo e a proibição de ingresso imposto pelo Ministério Público ao abrigo Rio

Acolhedor.

IV.4.2 - Institucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção

Social Rio Acohedor

A Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor é um equipamento da SMDS do

Rio de Janeiro responsável pela recepção de adultos em situação de rua. Por suas

características peculiares, entendemos a URS Rio Acolhedor como uma síntese da

política de atendimento à população adulta em situação de rua do Rio de Janeiro. Criada

91

“Operação Lapa Presente faz 04 meses com quase mil detenções.” Disponível em:

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/operacao-lapa-presente-faz-4-meses-com-quase-mil-

detencoes-diz-rj.html 92

De acordo com o sítio da Prefeitura: “O projeto Lapa Legal, que desde julho de 2009 mobiliza e

integra as ações das secretarias Municipal de Ordem Pública, Conservação e Serviços Públicos, CET-

Rio, Subprefeitura do Centro, Rioluz e Comlurb, revitalizou o bairro e turbinou a boemia carioca. (...) A

Secretaria Municipal de Ordem Pública reprime o xixi na rua, o estacionamento ilegal, a presença de

flanelinhas e a venda de mercadorias por ambulantes não autorizados assegurando aos frequentadores e

turistas nacionais e estrangeiros mais tranquilidade e segurança.”

Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo?id=1740821

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no ano de 2011 fica localizada no bairro de Paciência na Zona Oeste do Rio de Janeiro,

quase duas horas de distância do Centro da capital fluminense. O abrigo está situado em

uma estrutura física que anteriormente sediava uma extensa área de educação

profissional industrial.

A parte externa está situada entre duas favelas (Antares e Três Pontes) onde

respectivamente uma é conhecida pelo comércio de drogas ilícitas e outra por grupos

milicianos, cujo relato de conflito e incursões policiais é constante, o próprio MEPCT

foi abordado por um homem com um fuzil em uma inspeção de 2013. No mesmo ano

duas grandes operações de “recolhimento” de pessoas em situação de rua ganharam

repercussão pela tamanha truculência na intervenção, seja da Prefeitura e da Policia

Militar, inclusive com utilização do veículo blindado “Caveirão”.

No que se refere à capacidade, a informação fornecida dá conta de 422 pessoas.

Não há como precisar com exatidão o número médio de acolhidos, vista a alta

rotatividade de pessoas no equipamento. Segundo relatado pelo Ministério Público

Estadual, com informações da Prefeitura, se registrou entre maio de 2010 e setembro de

2012 um total de 56.507 pessoas “depositadas” no Abrigo de Paciência. O abrigo Rio

Acolhedor conta com escola, espaço de recreação e corredores separando os

alojamentos dos idosos, homens e mulheres.

No acolhimento de adultos da ala masculina, alguns ficam dispostos em quartos

coletivos e um número muito grande deles em um imenso galpão formado por bicamas

e colchonetes dispostos no chão. O referido galpão remete a um cenário de um

amontoado de pessoas, com parcos espaços para privacidade, além de pouca ventilação

se agravando com o excesso de calor que o Rio de Janeiro costuma fazer em variadas

épocas do ano.

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O MEPCT/RJ recebeu informações que uma das questões mais agudas deste

fenômeno se dá nas abordagens de rua realizada durante a madrugada. Essas

intervenções conduzidas por educadores sociais da SMDS abrangendo ações do Lapa

Legal e/ou Zona Sul Legal recolhem moradores em situação de rua, diversas vezes de

forma intimidatória e encaminham os mesmos para um veículo da Prefeitura, sendo

encaminhados para os equipamentos, especialmente o Rio Acolhedor. Há nessas

atividades noturnas uma meta a ser cumprida baseada na lotação do automóvel.

Portanto, em relação à Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor a partir das

inspeções realizadas é possível afirmar que: está situada em área de difícil acesso,

estrutura rígida de complexo industrial que difere de aspectos mais acolhedores

semelhantes a residências, incompletude institucional carecendo de uma maior

articulação entre as políticas favorecendo a dicotomia rua-abrigo/abrigo-rua e a

constante instabilidade da área situada entre duas favelas cuja situação de violência e

instabilidade é latente.

Nas vésperas da Copa 2014, o Ministério Público Estadual fez uma vistoria no

equipamento e constatou a permanência das situações acima relatadas. O MP identificou

uma série de irregularidades “presença de percevejos nos colchões - responsáveis por

lesões de pele -, insalubridade, falta de encaminhamento dos abrigados para

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programas de trabalho, banheiros sem portas, falta de protocolos de atendimento

ambulatorial e mau estado das instalações de forma geral, além da presença de insetos

e baratas.”93

Diante desse quadro e da superlotação, em junho deste ano, membros do

Mecanismo e Comitê de Prevenção e Combate à Tortura tentaram realizar mais uma

visita ao abrigo, mas tiveram o seu ingresso ao local proibido pela coordenação do

referido abrigo.

A situação do Rio Acolhedor corrobora com análise que o MEPCT tem

realizado ao longo dos anos em que há um contexto de repressão cuja maior expressão

são as práticas de “recolhimento forçado” à população mais pobre, especialmente aquela

em situação de rua em detrimento à garantia de direitos como assistência social, saúde,

educação e trabalho, por exemplo. Pudemos observar que tal situação se agravou nos

preparativos e proximidades com os grandes eventos que tem na Copa do Mundo de

Futebol sua maior referência.

Na ocasião da inspeção em junho de 2014, o MEPCT/RJ em companhia de

membros do CEPCT/RJ, foram recepcionados pelo coordenador da Unidade, Paulo

César Nascimento (matrícula 59212353-7) que impediu a entrada da equipe no

local, alegando que visitas de inspeção devem ser previamente comunicadas à SMDS e

deverão ser acompanhadas pelo então secretário, Rodrigo Abel. Em seguida, a equipe

fez contato telefônico com o Sr. Rodrigo Abel, Subsecretário de Proteção Especial que

apesar de ter relatado conhecer o trabalho do MEPCT/RJ mencionou não ser possível à

realização da visita, impedindo, portanto, a continuidade da referida atividade.

Em julho, o MEPCT se reuniu com o Subsecretário Rodrigo Abel que afirmou

que as inspeções só poderiam ser realizadas mediante comunicação prévia, o que fere a

93

“Depósito humano de mendigos acumula denúncias no Rio e Prefeitura nega problemas.” Disponível

em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2014/07/03/deposito-humano-de-mendigos-acumula-

denuncias-no-rio-prefeitura-nega-problemas.htm

“MP denuncia irregularidades em abrigo para população de rua da Prefeitura. Disponível

em:http://oglobo.globo.com/rio/mp-denuncia-irregularidades-em-abrigo-para-populacao-de-rua-da-

prefeitura-12789579

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Lei Nº5778/201094

e os princípios elencados no Protocolo Facultativo das Nações

Unidas para Prevenção à Tortura (OPACT). O impedimento de realização de inspeções

esta profundamente em desacordo com o princípio da transparência e acesso à

informação do serviço público. As visitas realizadas sem aviso prévio são reconhecidas

nacional e internacionalmente como instrumentos imprescindíveis para a prevenção de

tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

O Mecanismo registrou a ocorrência junto à Ouvidoria do Ministério Público

Estadual em 16 de junho de 2014 e oficiou o órgão, além de informar o caso à

Coordenação Geral de Combate à Tortura e o Subcomitê para Prevenção à Tortura das

Nações Unidas (SPT).

V. CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU

PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES

Caso de agressão física realizada pelo SOE

Em 30 de abril de 2014, o MEPCT/RJ esteve na Cadeia Pública Bandeira

Stampa para realizar visita ao preso Fábio Raposo, nesta oportunidade, o preso

informou que em fevereiro de 2014, após sua prisão, este foi encaminhado à Unidade de

Pronto Atendimento (UPA) do Complexo de Gericinó para atendimento médico porque

estava desidratado. Na unidade de saúde, Fábio, e pelo menos outros nove presos,

teriam sido agredidos fisicamente por agentes do Serviço de Operações Externas (SOE),

levando tapas no rosto, chineladas nas pernas e nádegas, tendo estes ainda ficado na

chuva, sem as suas roupas. Vale destacar que o Mecanismo já denunciou inúmeras

94

Lei Nº 5778/2010: Art. 7º Serão assegurados ao Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura

do Rio de Janeiro e aos seus membros: (...)IV - o acesso livre a todos os lugares de privação de liberdade

e a todas as instalações e equipamentos do local, independentemente de aviso prévio; Art. 8º Compete ao

Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro: I - planejar, realizar e

conduzir visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade, qualquer que seja a forma ou

fundamento de detenção, aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou

privado de controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições de fato e de

direito a que se encontram submetidas;

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vezes os maus tratos realizados pelo SOE, sendo praticamente uníssono em todas as

unidades visitadas, as reclamações quanto ao uso excessivo da força perpetrado por

agentes deste serviço. No Relatório Anual de 2012 o Mecanismo dedicou um tópico a

tratar sobre este assunto que considera crônico no sistema prisional carioca.

Questionado sobre a denúncia tardia, Fábio disse que se sentiu inseguro,

ameaçado e que seu advogado à época, Sr. Jonas Tadeu, o havia aconselhado a não

mencionar o fato às autoridades. Contudo, segundo o interno, há um Registro de

Ocorrência na 34ª Delegacia de Polícia datado de 09 de fevereiro. Ressalta-se que o

MEPCT já havia atendido o referido jovem em 25 de fevereiro do corrente ano, mas na

época, este, seguindo o conselho de seu advogado, preferiu não relatar a tortura sofrida

ao Mecanismo.

O MEPCT reitera preocupação com os relatos acerca de violência física e

psicológica contra as pessoas privadas de liberdade perpetradas por agentes da SEAP,

sejam eles penitenciários ou integrantes do SOE.

Mortes no Cense Dom Bosco

Dois adolescentes (Renato Silva Oliveira e Marco Antônio Tavares) foram

assassinados no Cense Dom Bosco, unidade que se destina ao cumprimento de medida

socioeducativa de internação provisória para adolescentes do sexo masculino,

geralmente oriundos da capital, Região Metropolitana e interior. A unidade permanece

com a galeria que não fora desativada do antigo Instituto Padre Severino (IPS), de

precárias condições, abrigando um número bem maior de adolescentes que o módulo

inaugurado em 2013. De todas as visitas já realizadas desde 2011, o MEPCT sempre

encontrou superlotação e denúncias de maus tratos físicos e tortura, na ocasião das

mortes havia a lotação de 227 e 245 para a capacidade de 215. Desde o ano de 2008

não era registrada morte dentro do sistema socioeducativo. De acordo com o relatado o

Renato fora vítima de homicídio na madrugada de 26 de março após desentendimento

com outros adolescentes de seu alojamento cuja causa teria sido por rivalidade em

relação à pertencimento à facção de tráfico de drogas, embora o MEPCT tenha

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encontrado controvérsias nos relatos. Em 08 de julho, durante a partida Brasil e

Alemanha na Copa do Mundo, o adolescente Marcos Antônio após sofrer agressões

físicas o mesmo fora asfixiado com utilização de lençol por outros quatro adolescentes

do referido alojamento vindo a falecer sendo que cerca de uma hora depois os

socioeducadores e uma técnica de enfermagem tomaram conhecimento do fato.

Segundo informações, o assassinato foi motivado por rivalidade no sentido de

pertencimento a facção de vendas de drogas ilícitas, embora Marcos não pertencesse de

forma orgânica a nenhuma facção e fazia uso abusivo de drogas. Cabe destacar que é

responsabilidade de quem executa a privação de liberdade de prevenir e evitar agressões

e quaisquer outras formas de violência contra as pessoas detidas. Nos casos específicos,

identifica-se o problema da facção de tráfico de drogas que deve ser enfrentado a partir

de uma proposta pedagógica em que e uma unidade superlotada e com relato de maus

tratos pelos agentes torna-se inexequível. Além disso, ambos os adolescentes

ingressaram pela primeira vez no sistema e pelo ato infracional análogo à

comercialização de drogas ilícitas, o que à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente

não justificaria a aplicação de medida de internação, considerada excepcional.

Rebelião no Centro de Socioeducação Irmã Assunción de la Gándara Ustara

Em 22 de setembro, por volta das 12h durante a saída para o almoço se iniciou

um movimento dos adolescentes baterem a porta dos alojamentos que se estendeu, por

conseguinte, por todos os módulos do Cense IAGU situado em Volta Redonda,

destinado a internação de adolescentes do sexo masculino. Após diversas batidas, a

estrutura de alvenaria que sustentava as portas dos alojamentos cedeu e os mesmos

ocuparam os corredores e posteriormente se direcionaram para o telhado da unidade.

Cabe mencionar que apesar de a unidade ter sido inaugurada há nove meses, pode-se

observar que a estrutura física comporta matérias de má qualidade. A partir de então,

dezenas de adolescentes se amotinaram na parte superior do prédio, arremessando

pedras, pedaços de concreto e até um vaso sanitário de louça em direção ao pátio. A

Coordenação de Segurança e Inteligência do DEGASE e Dois Conselheiros Tutelares

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participaram do diálogo com os adolescentes, buscando assegurar que os mesmos não

sofressem represálias. Com o passar do tempo, o número de adolescentes no telhado foi

diminuindo e cerca de 39 ficaram a maior parte do tempo e cessando com o ato do

motim por volta das 18h. Na ocasião, os adolescentes haviam feitas algumas

reivindicações do cotidiano institucional como maior tempo de banho de sol e extensão

do horário de TV. Contudo, segundo informações colhidas, o motim se deu por um

acúmulo de situação de maus tratos cotidianos que os adolescentes vem sofrendo na

unidade tendo o agravamento da superlotação um dos elementos mais basilares, havia

160 para uma capacidade de 90.

Além disso, foram uníssonas as reclamações acerca de violência física e

psicológica, como xingamentos, tapas e socos e uso indiscriminado de spray de pimenta

com a situação se agravando após o relato de ocorrência de agressão verbal de um

profissional da portaria a uma mãe de adolescente durante a visita. Ainda no ato da

rebelião, muitas das estruturas de alvenaria da unidade foram danificadas e houve

reiterado uso de spray de pimenta pelos agentes do DEGASE como forma de contenção,

fato observado nas paredes dos corredores que apresentavam manchas do gás. Dois

adolescentes conseguiram pular para fora da unidade, mas foram recapturados pela PM

e quatro adolescentes receberam atendimento médico após se ferirem tentando pular o

muro.

Cabe ressaltar o papel imprescindível desempenhado pelos Conselheiros

Tutelares na negociação e também no acompanhamento dos adolescentes na unidade

policial. Apesar de refutada pelo DEGASE, os adolescentes que participaram da

rebelião e permaneceram na unidade relataram que sofreram agressões físicas e verbais

após o ocorrido como forma de retaliação.

Falta de água nas unidades prisionais

Entre os meses de dezembro de 2013 e fevereiro de 2014, o MEPCT/RJ recebeu

inúmeras denúncias a respeito da falta de água em unidades prisionais. Em alguns

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estabelecimentos os internos chegaram a passar mais de três dias seguidos sem o

fornecimento de água.

Tal problemática foi verificada no Complexo Penitenciário de Japeri, em

especial no Presídio Cotrim Neto e na Penitenciária Milton Dias, bem como no Instituto

Penal Vicente Piragibe. O MEPCT/RJ apurou ainda denúncia de falta de água na

Penitenciária Talavera Bruce. Ressalta-se a gravidade da falta de abastecimento neste

estabelecimento, por se tratar de uma unidade que custodia mulheres grávidas, bem

como mulheres que mantém vínculos com seus filhos recém-nascidos com idade de até

6 meses.

Tais incidentes são ainda mais graves diante do extenuante calor do verão

carioca, de modo que configuram verdadeira afronta ao princípio da dignidade humana

tutelado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 e no art. 1º da Declaração

Universal de Direitos Humanos da ONU; bem como em respeito ao art. 16.1 da

Convenção Contra a Tortura da ONU. Outrossim, também contraria o item 20.211 das

Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da ONU; Princípio XI.212, dos

Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas

Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da

OEA.

Agressões físicas e perseguição perpetradas pelo SOE

Em visita realizada à data de 15 de maio de 2014 à Cadeia Pública Bandeira

Stampa (Ofício MEPCT/RJ nº 062/14), o Mecanismo ouviu relatos do interno D.S.B.,

oriundo de unidade prisional de Campos dos Goytacazes, relata que já sofreu inúmeras

agressões físicas perpetradas por um agente do SOE de nome Isaque Medeiros. Afirma

que o mesmo busca vingar-se de fato ocorrido extramuros, tendo o ameaçado com arma

de fogo. O interno afirma já ter registrado 4 Boletins de Ocorrência contra o agente. A

última agressão teria ocorrido no dia 14/04/2014, no transporte quando voltava de

audiência judicial. O agente Isaque demandou a instauração de processo disciplinar

contra o interno, tendo ele próprio colhido o depoimento do preso na CPBS. O interno

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afirma estar custodiado na unidade há cerca de 4 meses, tendo recebido o banho de sol

neste período em apenas 3 oportunidades.

Tortura na Cadeia Pública José Frederico Marques

O MEPCT/RJ tem recebido constantes relatos de violência institucional na

Cadeia Pública José Frederico Marques (Bangu 10). Em 2014 a referida unidade tornou-

se a porta de entrada do sistema penitenciário. Atualmente, apenas uma galeria (D)

possui colchões, os demais internos dormem ou na cama de alvenaria designado

pejorativamente de “pedra” ou no próprio chão das celas, sequer tem cobertores ou

qualquer outra roupa sobressalente. Faltam materiais de higiene e chinelos.

O MEPCT/RJ realizou três visitas à unidade em 2014, inclusive em atuação

conjunta com a Promotoria de Tutela Coletiva do Sistema Penitenciário e o Núcleo do

Sistema Penitenciário da Defensoria Pública. A motivação principal da realização da

visita foi um conjunto de denúncias, que de forma unânime, relatavam espancamento

dos internos que lá ingressam e permanecem.

A porta de entrada do sistema penitenciário do Rio de Janeiro tornou-se uma

espécie de rito de passagem onde sanções informais e violência institucional tornam-se

regra com o objetivo de “docilizar” os indivíduos recém-ingressos no cárcere. Este

quadro de violência institucional recai sobre presos provisórios, que sequer foram

julgados, submetidos a práticas reiteradas de tortura e outros tratamentos cruéis,

desumanos e degradantes, desde as condições básicas de detenção quanto às sessões de

espancamentos e torturas, configurando gravíssima violação de direitos humanos.

Caso de morte e tortura na UPP do Cantagalo – O caso ¨DG¨

Moradores da UPP Cantagalo relataram ao MEPCT/RJ que em 21 de abril de

2014, alguns destes presenciaram policiais disparando armas de fogo contra o

transformador de energia elétrica da localidade. Havia um grande movimento de

policiais à noite. Testemunhas também observaram policiais ingressando e saindo da

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Creche Lar Pierina situada na entrada do Morro do Cantagalo, horas depois, na referida

creche foi encontrado o corpo do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido

como ¨DG¨.

Após a constatação da morte, houve grande tumulto na comunidade. Foi uma

noite de muita tensão, com tiros, barricadas com fogo e ruas do bairro de Copacabana

bloqueadas. O tumulto se estendeu por duas das principais vias do bairro, e o comércio

fechou as portas. A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das principais da região,

foi fechada antes das 18:00 h. O Batalhão de Choque se posicionou bem perto da entrada da

comunidade Pavão-Pavãozinho, onde está situada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Uma multidão se concentrou no acesso ao morro. A cada movimentação da polícia, havia

revolta da população.

No dia seguinte, 22 de abril, o protesto continuou. Muitos policiais

acompanharam, de forma ostensiva, o deslocamento dos manifestantes, o que ocasionou

conflitos, causando, inclusive, a morte do manifestante, Edílson da Silva Santos, ex

interno do Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho de 27 anos, que, apesar de

estar com as mãos levantadas, foi baleado com um tiro na cabeça.

Das apreensões de manifestantes durante a Copa do Mundo de Futebol

No dia 12 de julho de 2014, foi realizada uma grande operação policial que

envolveu muitos agentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro, com vistas ao cumprimento

de ordens de prisão provisória de 21 adultos e de internação provisória de dois

adolescentes, um do sexo masculino e outra do sexo feminino. Estas ordens, emitidas

em 11 de julho de 2014, acolhiam pedido feito pela Delegacia de Repressão a Crimes de

Informática, alegando que estas pessoas teriam planos para o cometimento de crimes em

manifestação agendada para acontecer no dia 13 de julho de 2014, dia da partida final

da Copa do Mundo de Futebol, realizada no estádio do Maracanã.

No que diz respeito aos adolescentes apreendidos, eles foram capturados em

suas casas no início da manhã do dia 12 de julho, por agentes da polícia civil. Nenhum

dos dois resistiu à prisão. Apesar disso, houve buscas por objetos em suas casas e, no

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caso da menina, foi apreendida uma arma de fogo, pertencente ao pai da menina, que é

segurança particular em uma universidade pública. A arma estava com o documento

vencido, o que não configura crime, apenas infração administrativa. Conta ainda, a

jovem que foram apreendidos livros de política, seu aparelho de celular e uma bandeira

do movimento estudantil, do qual faz parte.

Ambos foram conduzidos para a Cidade da Polícia, complexo da Polícia Civil

localizado na zona norte do Rio de Janeiro, onde foram mantidos isolados dos demais

presos em celas pequenas, por várias horas, não sabendo precisar quantas.

Posteriormente, foram conduzidos para a Delegacia de Proteção à Criança e ao

Adolescente (DPCA), trajeto este durante o qual foram conduzidos juntos e algemados,

o que configura excesso diante da não resistência que ambos apresentaram, apesar da

ilegalidade das ordens judiciais. O adolescente relata ter recebido comida de um

advogado conhecido, mas a menina nos confidenciou que ficou de sete horas da manhã,

horário em que foi capturada, até as sete horas da noite sem se alimentar. Relatou ter

recebido comida apenas na DPCA.

A menina foi encaminhada para o CENSE Antônio Carlos Gomes da Costa,

enquanto o menino foi para o CENCE GCA, onde permaneceram até o dia 17 de julho,

quando foram liberados por força de habeas corpus.

Importante destacar que estes adolescentes já tinham sido vítima de apreensões

arbitrárias por suas militâncias políticas em momentos anteriores.

O jovem possuía duas passagens pelo sistema socioeducativo. Ambas em

outubro de 2013, durante manifestações políticas em apoio à paralisação dos professores

da rede municipal de ensino.

Já a menina, foi apreendida em 28 de junho de 2014, durante manifestação. Ela

relata que neste dia, foi agredida por policiais com cassetetes e fora conduzida para a 18

DP e posteriormente para a 21 DP. Acabou liberada no mesmo dia, sem que soubesse a

razão de sua apreensão.

Por estas razões, é possível afirmar que não se tratou de mera coincidência as

apreensões destes manifestantes justamente na véspera da partida final da Copa do

Mundo de Futebol. Consideramos estes fatos de extrema gravidade, devendo os órgãos

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de controle tanto do Poder Judiciário, quanto do Ministério Público e da Polícia Civil

apurarem as motivações que levaram a estas prisões, sob pena de serem enquadradas em

atos de perseguição política e cerceamento das liberdades de expressão e manifestação,

versão esta defendida por inúmeras associações de juristas.95

No que se refere aos adultos, no dia 12 de julho, véspera da final da Copa do

Mundo, 19 pessoas, suspeitas de envolvimento em atos de vandalismo em

manifestações, foram presas pela Polícia Civil no Rio de Janeiro. Ao todo, foram 26

mandados de prisão e dois de busca e apreensão. No dia 11 de julho de 2014, o juiz de

direito Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, titular da 27ª Vara Criminal da Comarca da

Capital do Rio de Janeiro, emitiu 26 mandados de prisão temporária96

, dos quais 17

foram cumpridos no dia seguinte, sábado, nas primeiras horas da manhã. A operação

policial foi batizada de Firewall.

Sob a suspeita de que estariam se organizando para realizar protestos durante a

partida final da Copa do Mundo de Futebol, todos os detidos foram surpreendidos no

horário entre as 6 e 8 horas da manhã em suas residências ou próximo às mesmas, sendo

conduzidos para a Cidade da Polícia, vinculada à Polícia Civil localizada na zona norte

do Rio de Janeiro. Cabe destacar que o MEPCT entrevistou essas pessoas três dias

depois nas unidades a que as mesmas foram encaminhadas. Segundo relatado, as

abordagens foram, em um primeiro momento, extremamente truculentas, tendo os

agentes policiais arrombado portas das residências, apontado armas para os detidos bem

como revirado seus pertences. Ainda segundo os relatos obtidos nas visitas, os

mandados diziam que os mesmos estavam sendo detidos em razão do crime de

associação criminosa armada, por isso a truculência inicial, mas, quando souberam se

tratar de manifestantes, a postura dos agentes mudou, não havendo queixas mais

contundentes à respeito do tratamento dispensado pelos policiais.

95

“Prisão de ativistas no Rio foi futurologia dizem especialistas.”

Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jul-17/prisao-ativistas-rio-foi-futurologia-dizem-

especialistas 96

De acordo com o Código de Processo Penal Brasileiro, a prisão temporária pode durar até cinco dias,

podendo ser renovada por mais cinco.

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Ainda durante as abordagens, os agentes apreenderam muito objetos nas

residências dos detidos, entre os quais camisetas, faixas e bandeiras com dizeres

políticos, máscaras, luvas, jornais, etc, práticas essas que remontam a características de

regimes políticos autoritários.

Ao chegarem à Cidade da Polícia, assim como os adolescentes, foram mantidos

em pequenas “celas” brancas, separados por sexo. Durante este período, alguns

receberam visitas de advogados, que forneceram comida e bebidas de Gericinó.

Dos 19 adultos detidos, 16 tiveram a liberdade concedida na semana seguinte às

prisões, pelo Desembargador Siro Darlan, sob a alegação de que não haveria

necessidade para a manutenção da prisão provisória. No entanto, três presos tiveram as

suas prisões provisórias convertidas em preventivas, os quais receberam a liberdade

cerca de uma semana após os demais por meio de habeas corpus.

Ora, não é preciso ter conhecimento aprofundado da legislação processual penal

para afirmar que estas prisões são ilegais, uma vez que não houve o cometimento de

nenhum crime e, pelo momento em que foram efetuadas, assumem ainda mais um

caráter de prisões políticas.

As prisões foram requeridas pelo delegado da Delegacia de Repressão aos

Crimes de Informática, no âmbito de inquérito aberto em setembro de 2013. O referido

inquérito foi mantido sob sigilo até o dia 16 de julho, ou seja, quatro dias após as

prisões. Este fato por si só já configura violação às prerrogativas dos advogados dos

réus, mas torna-se ainda mais grave, pois, quando da disponibilização dos seus autos, os

mesmos já haviam sido entregues para os grandes meios de comunicação.

O inquérito possuía, à época, dez volumes, grande parte sendo cópias de páginas

da internet, sem nenhuma evidência de participação dos suspeitos em associação

criminosa armada. À época, os autos possuíam também transcrições de conversas

obtidas por interceptações telefônicas autorizadas pelo mesmo juiz criminal, mas sem

nenhuma prova concreta da prática de nenhum crime. Inclusive houve interceptações

telefônicas a advogados que prestaram assessoria jurídica aos mesmos configurando

ferindo a inviolabilidade de comunicação entre advogado e cliente.

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Ainda neste final de semana, no dia da final da Copa do Mundo no domingo 13

de julho, uma manifestação ocorrida na parte da manhã na Praça Saens Peña, no bairro

da Tijuca, nas proximidades do estádio do Maracanã, foi contida pelo impedimento de

circulação das pessoas nas margens da referida praça por diversas barreiras físicas da

Polícia Militar. Para tanto, foram utilizados carros blindados e outras viaturas da

corporação, o que pode configurar um cerceamento forçado do direito de ir e vir, uma

detenção arbitrária.

MEPCT/RJ impedido de realizar vistoria em abrigo da Prefeitura – Rio

Acolhedor

Em 16 de junho de 2014, o MEPCT/RJ em companhia de membros do

CEPCT/RJ, foi impedido, pelo então coordenador da Unidade Rio Acolhedor, Paulo

César Nascimento (matrícula 59212353-7) de entrar no local, alegando que visitas de

inspeção devem ser previamente comunicadas à Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social e deveriam ser acompanhadas pelo então secretário, Rodrigo

Abel. Em seguida, a equipe fez contato telefônico com o Sr. Rodrigo Abel,

Subsecretário de Proteção Especial, que apesar de ter relatado conhecer o trabalho do

MEPCT/RJ, mencionou não ser possível a realização da visita, impedindo, portanto, a

continuidade da referida atividade.

Vale destacar que o MEPCT/RJ criado pela Lei 5.778/2010 tem atribuição legal

de inspecionar todos os locais de privação de liberdade e acolhimento institucional do

Estado do Rio de Janeiro e as inspeções podem ser realizadas sem aviso prévio, como

inclusive já ocorreu no equipamento em outras ocasiões como 18/06/2012, 19/02/2013,

15/11/2013. Além disso, também no dia 16/06/14, outra parte da equipe realizou

inspeções nos abrigos Central de Recepção de Crianças e Adolescentes Taiguara e

Central de Recepção de Crianças e Adolescentes Adhemar de Barros, conforme descrito

acima.

Em julho, o MEPCT se reuniu com o Subsecretário Rodrigo Abel que afirmou

que as inspeções só poderiam ser realizadas mediante comunicação prévia, o que fere

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além da legislação ora mencionada, os princípios elencados no OPCAT. O

impedimento de realização de inspeções além de descumprir a legislação estadual,

fere o princípio da transparência e acesso à informação do serviço público. As

visitas realizadas sem aviso prévio são reconhecidas nacional e internacionalmente

como instrumentos imprescindíveis para a prevenção de tortura e outros tratamentos

cruéis, desumanos e degradantes.

O Mecanismo registrou a ocorrência junto à Ouvidoria do Ministério Público

Estadual, em 16 de junho de 2014 e oficiou o órgão, além de informar o caso à

Coordenação Geral de Combate à Tortura e o Subcomitê para Prevenção à Tortura das

Nações Unidas (SPT).

Perseguição Homofóbica e Violência Física no Presídio Evaristo de Moraes

Em 25 de setembro de 2014 durante visita realizada ao Presídio Evaristo de

Moraes, o Mecanismo recebeu grave denúncia sobre espancamento de um interno, que

teria sido motivada por perseguição homofóbica.

E. F. S. afirmou, em entrevista ao MEPCT/RJ, que no dia 22 de setembro de

2014, ao comunicar ao chefe de segurança que desejava ser transferido de cela, após

cumprir castigo em outra galeria, pois não gostaria de ficar no mesmo local que o seu

ex-companheiro. Tal fato gerou reação por parte de agentes penitenciários. O preso foi

conduzido até o corredor em frente a sala de segurança, obrigado a tirar toda roupa, foi

algemado ao ar condicionado e agredido com sapatadas nas nádegas. O interno relata

que 10 agentes penitenciários participaram da sessão de agressão, cada qual

desferindo 10 golpes com o sapato. Ele sofreu ainda golpes na face e foi agredido

verbalmente.

A situação revela-se ainda mais grave visto que, segundo a Secretaria de Estado

de Administração Penitenciária, o Presídio Evaristo de Moraes seria uma unidade

pioneira no estado que recebe um programa de atenção e inclusão da comunidade

LGBT no sistema prisional.

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VI. CONCLUSÃO

O ano de 2014 celebrou os 30 anos da Convenção das Nações Unidas contra

Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, aprovado no

dia internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, representando ainda hoje o

documento mais importante sobre prevenção e combate à tortura no mundo. Muito

embora os esforços realizados para avançar nas convenções e legislações regionais

continuem ocorrendo, as práticas de tortura e maus tratos permanecem recorrentes,

sobretudo aquelas praticadas contra grupos socialmente discriminados pelos aparatos de

repressão do Estado.

Em âmbito nacional, importante destaque no ano de 2014, no qual se completa

50 anos do golpe civil-militar, foi a finalização e a publicação do Relatório Final da

Comissão Nacional da Verdade97

. Ao todo 377 pessoas foram responsabilizadas pelas

graves violações de direitos humanos, ocorridas entre 1964 e 1985, período no qual 434

pessoas foram oficialmente consideradas como desaparecidas. Entre as 29

recomendações realizadas pelo referido relatório, com base no princípio da não

repetição da tortura e outras formas de violência institucional, destaca-se a extinção dos

autos de resistência, a introdução da audiência de custódia e dignificação do tratamento

prisional.

A partir dos fatos relatados no Relatório Anual de 2014 do MEPCT/RJ é

possível afirmar que, especificamente no que se refere ao Rio de Janeiro, este foi um

ano emblemático para os movimentos e órgãos que atuam na prevenção e combate à

tortura no estado. Ainda que tenhamos sempre o cuidado em objetivar um caso ou outro

e nesta oportunidade, um ano ou outro, como emblemático, entendendo que todos são

igualmente importantes e graves, o ano em que a cidade do Rio de Janeiro recepcionou

a Copa do Mundo de Futebol e passou pela excessiva internação de jovens com

primeira passagem pelo sistema socioeducativo (resultando inclusive em duas mortes),

certamente não pode ser considerado como um ano comum.

97

Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-

destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv

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No que se refere à implementação das diretrizes do Protocolo Facultativo à

Convenção da ONU Contra a Tortura (OPCAT), no ano de 2013 através da Lei 12.84798

foi criado o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), o mais

importante marco legal brasileiro sobre a matéria. O ano de 2014 foi marcado pela

efetiva composição dos membros do Comitê Nacional nos moldes dos novos marcos

legais, bem como pelo processo de seleção e eleição dos membros para composição do

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

O MEPCT/RJ ressalta que a implementação do Comitê e do Mecanismo

Nacional representa um importante avanço no país, sobretudo no contexto sociopolítico

de acirramento das práticas criminalizadoras e incremento do superencarceramento.

Entretanto, o Mecanismo não pode deixar de explicitar preocupação quanto à

necessidade de assegurar maior independência e autonomia no processo de composição

do Comitê e Mecanismo Nacionais de Prevenção e Combate à Tortura.

No decorrer do presente ano, o MEPCT/RJ, em seu monitoramento preventivo,

priorizou realizar uma análise sobre os inúmeros eventos internacionais que o Estado

recebeu desde a sua criação em 2011, dentre os quais a Conferência das Nações Unidas

sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), conhecida como Rio+20, realizada entre

os dias 13 e 22 de junho de 2012; a Copa das Confederações da Federação

Internacional de Futebol (FIFA), realizada de 15 a 30 de junho de 2013; a Jornada

Mundial da Juventude da Igreja Católica, realizada entre os dias 23 e 28 de julho de

2013; e mais recentemente, a Copa do Mundo da FIFA, que ocorreu entre os dias 12

de junho e 13 de julho de 2014. O Mecanismo acompanhou as ações e políticas públicas

desenvolvidas pelo estado e município do Rio de Janeiro na preparação da cidade para

recepcionar cada um destes grandes eventos que repercutiram diretamente na adoção de

políticas criminais repressivas99

.

98

Lei 12847/2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12847.htm 99

MALAGUTI BATISTA (2011, p.23) apresenta a definição de Nilo Batista sobre política criminal

como “o conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal

e dos órgãos encarregados de sua aplicação. (...) abrangeria a política de segurança pública, a política

judiciária e a política penitenciária, mas estaria intrinsicamente conectado à ciência política.”

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Ao analisar a política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro durante

o período acima mencionado, constatou-se o recrudescimento da repressão em toda a

cidade e a militarização de determinados espaços urbanos, refletindo interesses

estratégicos de setores econômicos que promoveram uma supervalorização imobiliária

nunca antes vista nestes espaços e em seu entorno, bem como a promoção do controle

social de populações subalternizadas através tão somente do braço armado do Estado,

através da implementação das Unidades de Polícia Pacificadora.

As manifestações populares contrárias aos megaeventos foram tratadas com

excessiva repressão e utilização de armamentos de baixa letalidade, havendo clara

criminalização e perseguição a determinados segmentos mais radicalizados destas

manifestações, destacando-se ainda a grave tentativa de enquadrar organizações e

movimentos sociais como organizações criminosas. Destacamos as prisões realizadas na

véspera da final da Copa do Mundo quando 19 pessoas foram presas sob suspeita de

envolvimento em atos de vandalismo.

No Sistema Prisional observou-se mais uma mudança na porta de entrada em

uma clara evidência de que não há uma política de recepção de pessoas, sobretudo do

sexo masculino. As mudanças realizadas não são acompanhadas de um planejamento

estratégico ou de um plano de ações baseado em parâmetros legais nacionais e

internacionais. Enquanto isso, a população prisional do Rio de Janeiro cresce

expressivamente. Entre dezembro de 2011 e setembro de 2014 houve um aumento de

32,8 %, correspondendo ao triplo da média da população carcerária nacional que

cresceu no mesmo período 10,2 %.

No Socioeducativo houve um agravamento no quadro de superlotação

comparado aos anos anteriores, esta afirmação se dá em função da realização da Copa

do Mundo de Futebol de 2014, período no qual se percebeu um maior número de

adolescentes apreendidos pelas forças de segurança e mantidos privados de sua

liberdade pelo Poder Judiciário. Contudo, no presente ano aconteceram fatos ainda mais

graves, redundando em duas mortes no Centro de Socioeducação Dom Bosco, o antigo

Instituto Padre Severino. Os dois adolescentes não tinham passagem pelo Sistema

Socieducativo e estavam provisoriamente internados por prática de ato infracional

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análogo ao tráfico de entorpecentes, ato infracional que não enseja medida

socioeducativa de internação. O Mecanismo ousa afirmar que o Departamento de

Medidas Socioeducativas do estado do Rio de Janeiro encontra-se sobre um barril de

pólvora, na iminência de explodir a qualquer momento.

O ano de 2014, considerado emblemático para o Rio de Janeiro, como já foi dito

anteriormente, muito em função dos megaeventos recepcionados pela cidade, é na

verdade um prenúncio de como serão os próximos anos até que se realizem os Jogos

Olímpicos de 2016. Faz-se necessário que para além de interesses econômicos, o Estado

brasileiro cumpra o seu compromisso de erradicar a tortura e maus tratos, garantindo a

vida e dignidade, sobretudo àqueles que se encontram privados de sua liberdade.

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VII. RECOMENDAÇÕES

Sistema Penitenciário

a) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – implementar Vara

especializada de Penas e Medidas Alternativas. Conforme Recomendação Nº II.b do

Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP,

2011 e Conforme Recomendação do Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão

Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria Nº 108/2011;

b) Ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública - priorizar de

aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade, impedindo situações

de superpopulação carcerária e promovendo a redução dos danos do uso da prisão,

conforme apregoa a Lei 12403/11, a Resolução 101/2010 do CNJ, a Resolução Nº

06/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, bem como o Plano

Nacional de Política Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça;

c) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e à Vara de Execuções

Penais – assegurar que o preso inicie o cumprimento de pena no regime adequado,

revertendo assim o estrutural quadro de desvio de execução que se estabelece no

sistema penitenciário fluminense. Conforme orienta o art. 33 do Código Penal e

conforme Recomendação do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do

Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;

d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

incrementar o investimento na monitoração eletrônica com o fulcro de diminuir a

incidência da prisão provisória, bem como possibilitar maior número de apenados em

prisão albergue domiciliar;

e) Ao Conselho Nacional de Justiça, Vara de Execuções Penais e Defensoria

Pública do Estado do Rio de Janeiro – realizar mutirão carcerário para atualizar e

realizar juntadas nos processos de modo a superar as pendências acumuladas, bem como

mitigar os casos de presos em desvio de execução. Conforme Recomendação do

Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro,

regulamentado pela Portaria Nº 108/2011;

f) Ao Conselho Nacional de Justiça, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – assegurar as disposições da Nova Lei de

Cautelares Penais (Lei 12.403/11), de modo a coibir a banalização da prisão provisória,

assegurando assim, a regra constitucional que assegura ao réu o direito a responder ao

processo em liberdade, segundo o art. 5º, LXVI da Constituição Federal de 1988;

g) Ao Congresso Nacional – Aprovar o PLS 554/2011, que propõe a alteração do

art. 306 do Código de Processo Penal, prevendo a Audiência de Custódia, de modo a

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assegurar que o preso tenha contato com o juiz em no máximo 24 horas. Desta forma,

ampliando a possibilidade de evitar a prisão provisória ilegal e desnecessária, em

respeito art. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos;

h) Ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro – Adotar medidas para assegurar a independência do Poder Judiciário em face

dos meios de comunicação, coibindo a divulgação de dados processuais sigilosos e a

exposição midiática compulsória dos acusados;

i) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Chefia da Polícia

Civil do Estado do Rio de Janeiro – Vedar oitivas policias em unidades prisionais sem a

presença de representante legal, por constituir prova ilícita, por contrariar disposição da

Constituição Federal de 1988, art. 5, XL, LVI E LXIII;

j) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro - ampliar as verbas orçamentárias

destinadas à manutenção e melhoria do Sistema Carcerário, no sentido de fornecer

melhor assistência material aos internos (alimentação, vestuário, material de higiene e

limpeza). Conforme Recomendação Nº I do Relatório de Visitas a Carceragens e

Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;

k) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional – rever a orientação de proibição de recebimento de donativos familiares em

dias de visita, de modo a não ter que obrigar os familiares a deslocar-se às unidades

prisionais em dias distintos, caso queriam visitar os custodiados, fato que pode ser

alcançado com o aumento do número de agentes lotados na unidade, de modo a não

restringir de modo desproporcional o direito à assistência familiar insculpido no art. 41,

inciso X da Lei de Execuções Penais;

l) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

retomar a confecção da carteira de visitante no prédio da Secretaria, sito à Rua

Camerino, Centro, de modo a viabilizar o procedimento em local de fácil acesso, em

respeito ao direito à assistência familiar previsto no art. 41 da Lei de Execução Penal;

m) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e à

Direção da Unidade Prisional – assegurar que o procedimento de visitas seja iniciado

logo após custódia do preso em unidade prisional, não devendo prosperar o requisito do

decurso do prazo de 30 dias para autorização das visitas, em respeito ao direito à

assistência familiar previsto no art. 41 da Lei de Execução Penal;

n) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, Assembléia Legislativa do Estado do

Rio de Janeiro e Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro - garantir o

direito à assistência jurídica adequada, como dispõe o art. 15 da Lei de Execuções

Penais (Lei 7.210/84), bem como a Medida Nº 7 do Plano Nacional de Política Criminal

e Carcerária do Ministério da Justiça, a partir da dotação de estrutura adequada, recursos

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materiais e humanos suficientes para desempenho competente das funções da

Defensoria Pública e da advocacia privada;

o) À Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro – promover a

ampliação do atendimento dos presos na fase processual e na execução penal. Sendo

que no caso da execução penal seja analisada a possibilidade de lotar os defensores

públicos nas unidades prisionais e de contratar assistentes e estagiários para melhorar a

assistência jurídica e dar retorno aos presos das providências tomadas. Conforme

Recomendação Nº IV do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio

de Janeiro do CNPCP, 2011;

p) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, ao Conselho Nacional de

Justiça e à Vara de Execuções Penais – vedar o cerceamento de acesso a livros ou outras

leituras por motivações religiosas, políticas ou ideológicas, bem como prover o acervo

das bibliotecas das unidades prisionais com exemplares da Constituição Federal de

1988, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal;

q) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – prover as unidades

prisionais de adequadas instalações para a assistência jurídica, garantindo o efetivo

contato do acusado com o defensor ou seu advogado, de modo a garantir os princípios

da ampla defesa e do contraditório. Os parlatórios coletivos e os interfones são

inadequados. Conforme Recomendação da OAB/RJ;

r) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - suspender as funções de

suspeitos de praticar tortura e outras violações dos direitos humanos durante as

investigações. Quando comprovada a participação do agente público em crimes desta

natureza, o funcionário deve ser imediatamente demitido, sem nenhuma possibilidade

de voltar a exercer a antiga função. Conforme Recomendação do Relatório da CPI da

Tortura de 2005 da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de

Deputados;

s) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Defensoria Pública Geral

do Estado do Rio de Janeiro e Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública –

Estabelecer um livro de registro sobre casos de tortura e maus-tratos impulsionado pela

Defensoria Pública como instrumento para inibir o uso indiscriminado da força por

parte dos agentes estatais, buscando garantir o respeito à dignidade humana, conforme o

artigo 10 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;

t) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – Incluir tópico didático-

pedagógico sobre a existência do CEPCT/RJ e do MEPCT/RJ e suas atribuições legais,

nas atividades de capacitação e formação promovidas aos agentes penitenciários

estaduais, em respeito ao art. 10.18 da Convenção Contra a Tortura da ONU, bem como

à Lei estadual Nº 5.778/10;

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u) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional – Intervir junto aos agentes penitenciários e os membros do Serviço de

Operações Especiais (SOE) através de atividades de capacitação e formação de caráter

preventivo, bem como a diligente instauração de processos disciplinares para apurar

eventuais abusos para que o emprego da força seja utilizado como último recurso

possível conforme dispõe os princípios básicos das Nações Unidas sobre o Emprego da

Força e de Armas de Fogo de Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei;

v) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional – vedar de qualquer forma de discriminação no tratamento das pessoas

privadas de liberdade, por motivo relacionado a crença ou religião, sexo, orientação

sexual, procedência, nacionalidade, condição física, classe social ou orientação política,

por força do art. 3º, § único da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, bem como do art.

3º, IV, da Constituição Federal de 1988.

x) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e a Companhia Estadual de

Águas e Esgoto – CEDAE – assegurar que que no caso de falta de água em qualquer

unidade prisional, que seja garantida para as mesmas, caminhões pipa, em quantidade

suficiente para suprir as demandas diárias, até o pleno restabelecimento do fornecimento

de água. Ademais se faz necessário que as unidades prisionais tenham em suas

estruturas cisternas, assim como bombas e também geradores, para em caso de falta de

luz, o abastecimento não seja prejudicado. A existência do ser humano, por si só,

garante-lhe o direito de consumir água ou ar. “Negar água ao ser humano é negar-lhe o

direito à vida, ou em outras palavras, é condená-lo à morte.” O direito à vida antecede

os outros direitos. Por isto, cada ser humano tem direito a consumir ou usar a água para

as suas necessidades individuais fundamentais.

Segurança Pública

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Secretaria de

Segurança Pública – elaborar política de garantia de acesso à informação para a família

do preso, de modo a utilizar cartazes ou banners informativos nas delegacias de polícia

com informações sobre transferências, requisitos para carteira de visitante e localização

das unidades prisionais;

b) À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil, ao

Comandante Geral da Polícia Mlitar, à Corregedoria da Polícia Civil e à Corregedoria

da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - suspender as funções de policiais

suspeitos de praticar tortura e outras violações dos direitos humanos no exercício de

suas funções. Quando comprovada a participação do agente público em crimes desta

natureza, o funcionário deve ser imediatamente exonerado, sem nenhuma possibilidade

de voltar a exercer a antiga função. Conforme Recomendação do Relatório da CPI da

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Tortura de 2005 da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de

Deputados;

c) À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil, ao

Comandante Geral da Polícia Militar, à Corregedoria da Polícia Civil e à Corregedoria

da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – vedar expressamente a custódia de

presos em carceragens informais em dependências de Unidades de Polícia Pacificadora,

bem como da Cidade da Polícia;

d) Ao Congresso Nacional – aprovar marco legal para a regulamentação do uso das

armas de baixa letalidade, conforme orientam as resoluções do 8° Congresso da ONU

em Havana, realizado em 1990;

e) Ao Governo do Estado, À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia

da Polícia Civil e ao Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro –

estabelecer critérios claros para o uso progressivo da força, no que se refere ao uso de

armas de baixa letalidade, vedando a adoção de tais armamentos com fins proibição dos

direitos fundamentais à liberdade de manifestação de pensamento, liberdade de

locomoção, liberdade de reunião e liberdade de associação, respectivamente previstos

no art. 5º, incisos IV, XV, XVI, XVII, da Constituição Federal de 1988, com base nas

resoluções do 8° Congresso da ONU em Havana, realizado em 1990;

f) Ao Governo do Estado, À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia

da Polícia Civil, ao Comandante Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro – realizar ampla investigação nos contratos administrativos

para a aquisição de armamentos de baixa letalidade utilizados no contexto dos

megaeventos, observando as disposições da Lei nº 8.666/93;

g) Ao Governo Federal, ao Ministério de Justiça, ao Ministério Público Federal e

ao Governo do Estado do Rio de Janeiro – vedar à utilização das Forças Armadas para

fins de policiamento com base na Lei Complementar nº 97/1999, ou seja, quando os

meios disponíveis na esfera estadual se mostrarem insuficientes, por se tratar de

hipótese não autorizada na Constituição Federal de 1988;

h) Ao Governo do Estado, À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia

da Polícia Civil, ao Comandante Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro – vedar expressão e responsabilização dos agentes públicos

que mantenham detenções de pessoas privadas de liberdade em viaturas policiais por

longa duração, bem como a manutenção do acusado em condições adversas em

estabelecimentos policiais, como a permanência em pé por longa duração, ou algemados

pelos pés, ou privados de realizar necessidades fisiológicas, por se tratar de hipótese de

tratamento cruel, desumano ou degradante, vedado pela Convenção da ONU Contra a

Tortura, e em vistas a garantir o respeito à dignidade humana conforme o artigo 1º, III

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da Constituição Federal de 1988, e o artigo 10 do Pacto Internacional de Direitos Civis

e Políticos;

i) À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil e ao

Comandante Geral da Polícia Militar - conduzir as prisões em flagrante para a delegacia

da circunscrição ou para a delegacia de plantão, como forma de coibir a criação de

obstáculos para a assistência jurídica do acusado, com observância ao art. 15 da Lei de

Execuções Penais (Lei 7.210/84), bem como à Medida Nº 7 do Plano Nacional de

Política Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça;

j) Ao Governo do Estado, À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia

da Polícia Civil, ao Comandante Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro – promover instalação de câmeras de monitoramento nas

viaturas policiais, de modo a assegurar a obtenção de provas de possíveis flagrantes

ilegais, bem como outras violações a garantias processuais das pessoas privadas de

liberdade;

k) Ao Governo do Estado, À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia

da Polícia Civil, ao Comandante Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro – adotar medidas concretas com o intuito de vedar a

criminalização dos movimentos sociais em procedimentos e inquéritos policiais, bem

como em investigações realizadas pelo Ministério Público;

l) À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil, ao

Comandante Geral da Polícia Militar, ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro – adotar posicionamento institucional contrário a prisões

arbitrárias e ilegais, admitindo prisões cautelares apenas em mediante critérios

objetivos, com individualização da conduta, quando se possa claramente perceber os

institutos do fumus boni iuris e do periculum libertatis;

m) Ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, à Secretaria de Estado de Segurança Pública e à Chefia da Polícia Civil –

definir critérios claros para o arbitramento do valor de fiança, devendo guardar

vinculação proporcional à renda do acusado;

n) À Secretaria de Estado de Segurança Pública, à Chefia da Polícia Civil, ao

Comandante Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público do Estado do Rio de

Janeiro – adotar medidas para a proibição expressa de manutenção conjunta de mulheres

e homens em viaturas e carceragens policiais.

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Sistema Socioeducativo

a) Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Dever-se-á

estimular e apoiar as medidas socioeducativas em Meio Aberto, seja pela liberdade

assistida ou pela prestação de serviço à comunidade, bem como prezando pela

excepcionalidade e brevidade da medida, inclusive assegurando troca de experiências e

difusão de melhores práticas, entendendo a privação de liberdade do adolescente como

último recurso, conforme orienta o Princípio 1 das Regras Mínimas para a Proteção de

Jovens Privados de Liberdade da ONU, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)

b) Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar junto à

autoridade judiciária o retorno do adolescente ao cumprimento de medida

socioeducativa anteriormente aplicada na hipótese de representação voluntária por

descumprimento de medida socioeducativa;

c) Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar e aplicar

a Súmula do Superior Tribunal de Justiça de 2012 que dispõe quanto à limitação de não

aplicação de medida privativa de liberdade à adolescente autor de atos infracionais

análogos a tráfico de drogas;

d) Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar a

aplicação medida Socioeducativa em meio aberto quando inexistir vaga para o

cumprimento de medida de privação de liberdade, exceto nos casos de ato infracional

cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá

ser internado em unidade mais próxima de seu local de residência nos moldes do Art. 49

II da Lei 12.594/2012;

e) Órgãos de fiscalização e monitoramento do Sistema de Garantias de Direitos da

Criança e do Adolescente- Promover maior número de visitas de inspeção, bem como

estabelecer agenda conjunta dos órgãos do sistema de garantia de direitos responsáveis

pela fiscalização das unidades do sistema socioeducativo;

f) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente: Elaborar e

implementar o Projeto Pedagógico do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro nos

moldes do SINASE;

g) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Garantir plena autonomia e independência da Corregedoria e Ouvidoria do

DEGASE, além de dotação de recursos suficientes para sua capacitação e desempenho

competente das funções;

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h) Ministério Público e Defensoria Pública: Criar um livro de registro em poder do

Ministério Público e Defensoria Pública para anotações de relatos de tortura e maus

tratos no sistema socioeducativo;

i) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Comunicar ao Judiciário, ao Ministério Público e à defesa para requerimento

de eventuais diligências nas situações de suspeita ou relatos de tortura e maus tratos em

qualquer fase de apuração de ato infracional ou cumprimento de medida socioeducativa;

j) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos: Desenvolver

Programas específicos de Assistência aos familiares de jovens privados de sua

liberdade, para que o acompanhamento das famílias seja realizado e/ou intensifique,

respeitando desta forma o direito fundamental à convivência familiar e comunitária,

disposto no art. 111 inciso VI do Estatuto da Criança e do Adolescente;

k) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Direção das

unidades: Desenvolver e estimular projetos que estimulem as ações afirmativas

garantindo a diversidade étnico-racial, de gênero e orientação sexual;

l) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Reduzir o número de adolescentes por unidade para

que seja observado o número máximo de 40 adolescentes estabelecido como parâmetro

pelo SINASE, como orienta o Princípio XVII dos Princípios e Boas Práticas para a

Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos

da Comissão Interamericana de Direitos Humanos;

m) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção da unidade: Instalação de scanners corporais, utilização de

detectores de metais ou outros procedimentos não vexatórios, de modo a não mais se

realizar a revista íntima sofrida pelas famílias na unidade o que configura tratamento

desumano e degradante, e desrespeita o princípio da dignidade humana tutelado no art.

1º, III da Constituição Federal de 1988 e no art. 1º da Declaração Universal de Direitos

Humanos da ONU; bem como em respeito ao art. 16.1 da Convenção Contra a Tortura

da ONU;

n) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Acesso adequado a insumos de higiene pessoal,

conforme orienta o item 15 das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos da

ONU; e o Princípio XII.2,Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas

Privadas de Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos da Comissão Inter

americana de Direitos Humanos;

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o) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Garantir que o Estado forneça, de acordo com os

padrões nacionais e internacionais, alimentação e acomodação adequadas assim como

itens necessários para que os adolescentes privados de liberdade tenham condições

mínimas de dignidade no que se refere ao exercício do direito fundamental à saúde;

p) Tribunal de Justiça, Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria

de Estado de Educação, Direção das Unidades: Garantir o direito do adolescente em

cumprimento de medida socioeducativa de internação o direito à visita íntima e o direito

a receber visitas dos filhos nos moldes dos art. 67, 68 e 69 da Lei 12.594/2012;

q) Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das

Unidades: Estimular campanhas para visibilidade do tema de prevenção à tortura nos

espaços de privação de liberdade, bem como publicizar os canais de denúncia;

r) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Promover as desativações completas do Instituto Padre Severino (em todas

as antigas dependências) e Educandário Santo Expedito com elaboração de cronograma

de transferência para outras unidades, vinculando a abertura de novas unidades à

desativação destas como forma de evitar a criação de mais vagas e que o Estado acelere

o processo de descentralização para possibilitar que adolescentes permaneçam em

instituições mais próximas a suas famílias;

s) Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das

Unidades: Observar a ilicitude o uso de algemas, bem como a utilização de spray de

pimenta, armas não letais ou de qualquer uso excessivo da força em adolescente salvo

em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física

própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por

escrito, sob pena de responsabilidade disciplinazação civil e penal do agente ou da

autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da

responsabilidade civil do Estado;

t) Tribunal de Justiça, Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de

Estado de Educação, Direção das Unidades: Promover a interrupção da prática de

isolamento como medida disciplinar em quaisquer circunstâncias.

u) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça, Departamento Geral

de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação: Estimular a ampliação do

número de Delegacias de Proteção a Crianças e Adolescentes (DPCA) nas diversas

regiões do estado contando com equipe qualificada para atuar com o tema, além de

garantia de funcionamento das mesmas durante 24h;

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v) Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento Geral

de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das Unidades:

Estimular a participação dos adolescentes, seus pais e familiares durante todo o período

de cumprimento de medidas socioeducativas, com vistas a permitir que os mesmos

tenham um contato constante, além de garantir transportes para deslocamento de

familiares para visitação e a proibição de realização de procedimentos vexatórios de

revistas íntimas sofridas por familiares nas unidades o que configura tratamento

desumano e degradante;

w) Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Promover a ampliar a educação regular e técnica oferecida aos adolescentes

mantidos no sistema socioeducativo de modo a possibilitar sua reintegração em sua

comunidade.

Acolhimento Institucional

a) Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: cessar operações noturnas de acolhimento

de pessoas em situação de rua e que essas ações sejam sempre realizadas pela equipe de

abordagem social do CREAS referente à região da intervenção.

b) Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: desativar o Abrigo Rio Acolhedor e

promover a distribuição das unidades de acolhimento regionalizadas contando com

estrutura arquitetônica semelhante a uma residência e com equipe de profissionais.

c) Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: cumprir o Termo de Ajuste de Conduta do

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de 25 de maio de 2012 sobretudo no

que se refere às operações de abordagem e acolhimento, inclusão em programas de

transferência de renda e moradia, além de estabelecer condições físicas adequadas

semelhantes a residências em consonância com a Política Nacional para População em

Situação de Rua e a Resolução 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social;

d) Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: implementar

a política municipal de atendimento à criança e adolescente em situação de rua aprovada

pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em 2009;

e) Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: adequar a

política de acolhimento institucional às “Orientações técnicas: serviços de acolhimento

institucional de crianças e adolescentes no Brasil” do Conselho Nacional dos Direitos

da Criança e do Adolescente (CONANDA) e Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS) 2009;

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f) Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro; Conselho

Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e Conselho Municipal dos Direitos

da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro: Estimular os programas de família

acolhedora como alternativa ao acolhimento institucional, além do investimento de

repúblicas para os jovens;

g) Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro: realizar

concurso público de forma estatutária para provimento de vagas de psicólogos,

assistentes sociais, educadores sociais e demais profissionais de acordo com o

parâmetro nacional exigido;

h) Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho

Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Elaborar e aprovar o Plano

Municipal de Defesa, Promoção e Garantia ao Direito à Convivência Familiar e

Comunitária do Rio de Janeiro;