relatório 2/2012

30
Relatórios técnicos Soft Tissues: Pé e Bisso 2013 GT343 Controle do mexilhão-dourado: Bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas. II. Caracterização biológica

Upload: cbeih-mexilhao-dourado

Post on 01-Apr-2016

267 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Caracterização Biológica do Bisso do mexilhão-dourado

TRANSCRIPT

Page 1: Relatório 2/2012

Relatórios técnicosSoft Tissues: Pé e Bisso

2013

GT343Controle do mexilhão-dourado:Bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas.

II. Caracterização biológica

Page 2: Relatório 2/2012

(página deixada em branco intencionalmente)

Page 3: Relatório 2/2012

SOFT TISSUES: PÉ E BISSO

belo HoriZonte, 11 de noVembro de 2013

Este documento constitui um conjunto com três relatórios técnicos sobre o conjunto de tecidos moles do mexilhão-dourado, referentes ao Projeto “GT343 – Controle do Mexilhão-dourado: Bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas”, realizada durante os anos de 2012 e 2013.

relatÓrioS tÉcnicoS

3

Relatório técnicoSoft Tissues

2013

Page 4: Relatório 2/2012

Através de uma rede que conecta empresas

e o governo, sob a liderança da Cemig,

o Centro de Bioengenharia de Espécies

Invasoras de Hidrelétricas busca soluções para

amenizar os impactos ecológicos, industriais e

econômicos causados por espécies invasoras. A

proliferação descontrolada destes organismos

acaba eliminando outras espécies nativas

e comprometendo atividades humanas que

dependem de recursos naturais, como agricultura,

pecuária e geração de energia hidrelétrica.

Por que o CBEIH foi criado?

A proliferação descontrolada destes organismos

acaba eliminando outras espécies nativas e com-

prometendo atividades humanas que dependem

de recursos naturais, como agricultura, pecuária e

geração de energia hidrelétrica.

Como o CBEIH funciona?

Atuando nas frentes de Bioengenharia, Modela-

gem e Monitoramento Ambiental, o CBEIH tem

por objetivo amenizar e combater os impactos

ecológicos, industriais e econômicos causados por

espécies invasoras.

Quem são os parceiros do CBEIH?

O CBEIH é o resultado de uma união entre o CETEC

e a Cemig, com a gestão financeira da Fundep.

Av. José Cândido da Silveira, 2000 Horto - Belo Horizonte (MG)

www.cbeih.org / [email protected]

centro de bioengenHaria de eSpÉcieS

inVaSoraS de HidrelÉtricaS (cbeiH)

4

Page 5: Relatório 2/2012

Fig. A

Diagrama das áreas de atuação do CBEIH. Para saber mais, acesse www.cbeih.org.

Fig. B

Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) aderido ao substrato natural.

Esta espécie de molusco bivalve é invasora nos ecossistemas brasileiros e é causador de di-

versos problemas de ordem ecológica, econômica e social e tornou-se especialmente danoso

para o funcionamento das hidrelétricas.

B

A

UFMG | CENTRO DEMICROSCOPIA

LABORATÓRIO

MICROSCOPIA

PREVENÇÃO ECONTENÇÃO

CONTROLE EERRADICAÇÃO

CULTIVO DEMEXILHÕESCOLETA EM

CAMPO

EXPERIMENTOS

CONHECERESPÉCIE

bioengenharia

modelagem monitoramento

ÁREASDE RISCO

UHECEMIG

DIVULGAÇÃOCIENTÍFICA

CONVERGIRPESQUISADORES

MODELOS DEDISTRIBUIÇÃO

ÁREASINFESTADAS

comunicaçãocientífica

base colaborativade dados

WEBSITE

Page 6: Relatório 2/2012

O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), molusco bivalve da família Mytilidae, é originário dos dois maiores

rios da China, o Yantsé e o Pearl. Introduzido no Japão e em Hong Kong, foi disseminado por grande parte

do sudeste asiático. Possui características de colonizador invasivo bem sucedido: curto período de vida,

crescimento acelerado, altas taxas de fecundidade e ampla tolerância fisiológica aos fatores abióticos.

Sua introdução no continente sul americano se deu provavelmente na água de lastro de navios cargueiros.

Observado inicialmente na Argentina em 1991 (Pastorino et al 1993), entra no Brasil pelo rio Paraguai, na

região do Pantanal, em 1998 (Oliveira et al 2003). Segundo Barbosa (2009), a competição com as comunidades

nativas, a diminuição da turbidez da água, alterações na ciclagem de nutrientes, redução do fitoplâncton e o

aumento das macrófitas aquáticas foram alguns dos problemas que surgiram com a introdução do mexilhão-

dourado no ecossistema. Além desses fatores relacionados à ecologia, esse bivalve tem uma importância

econômica muito grande para o país. Ele obstrui tubulações e motores de usinas hidrelétricas, adere às

grades que permitem a passagem de água e reduz o fluxo da mesma. Os custos anuais para a remoção de

tais animais são muito elevados e cerca de R$ 10 milhões de reais já foram investidos em pesquisas pela

Cemig (PASINI, M., 2011).

introdUÇÃo

1

Fig. 1 - Mexilhão-dourado jovem (3mm) com o pé exposto (imagem obtida com Lupa óptica). O pé se revelou uma importante estrutura na constituição do bisso

6

Page 7: Relatório 2/2012

Inicialmente, o projeto propôs estudos compartimentalizados de cada estrutura componente do organismo

Limnoperna fortunei. Porém, na medida em que avançamos na compreensão destas estruturas, a relação

intrínseca entre estas se mostrou patente. Impossível compreender a construção do bisso como estrutura isolada;

sem relacioná-la à organização cito-histológica do pé e as propriedades morfo-fisiológicas deste, perde-se todo o

vasto universo de informações definidas pelo contexto. Da mesma forma, o pé conecta-se ao sistema muscular e

nervoso do mexilhão dourado, atuando não só como membro locomotor (como o nome “pé” sugere) mas também

como órgão táctil, cuja sensibilidade aos estímulos físicos e químicos funciona como interface sensória entre o

organismo e o meio ambiente. Estes estudos também revelaram o papel fundamental desta estrutura na formação

do bisso: através de um canal na porção ventral do pé encontra-se um canal por onde migram secreções mucosas

ali produzidas para que seja formado o bisso.

Assim, frente aos resultados parciais do projeto, e às mais recentes pesquisas em âmbito internacional, o CBEIH

optou por dividir o mexilhão dourado em duas grandes categorias de materiais:

• SOFT TISSUES: termo utilizado na Engenharia de Materiais e de Tecidos para designar aqueles

tecidos orgânicos tidos como “macios”, devido à sua constituição, organização e à acentuada

presença de água. No caso do mexilhão-dourado, soft tissues compreende pé (e naturalmente

o bisso), tecido muscular, nervoso, brânquias, gônadas, glândulas, tecidos de armazenamento e

metabolismo, etc.

• HARD TISSUES: como esperado, abrange aqueles tecidos cuja composição se dá,

majoritariamente, por componentes biomineralizados, como fosfato de cálcio, carbonato de

cálcio, derivados do silício, do ferro, etc. No mexilhão-dourado, essa categoria é representada

pela concha, composta quase exclusivamente por polimorfos de carbonato de cálcio (calcita e

aragonita), organizados em camadas com diferentes organizações arquitetônicas. Entretanto,

é importante ressaltar, que mesmo dentro da categoria hard tissues, encontramos, em

porcentagens pequenas (1 a 5%) matriz orgânica, composta principalmente por água (na forma

de géis) e proteínas. A matriz orgânica atua como scaffold, onde a matriz mineral é depositada

por meio de processos celulares e físico-químicos.

A importância deste estudo reside no fato de que compreendendo a relação e a atuação das estruturas, estudos

posteriores podem buscar estratégias efetivas para controlar processos como o de adesão, e interromper o

biofouling por L. fortunei.

7

Page 8: Relatório 2/2012

FormaÇÃo e conStitUiÇÃo do biSSo

2

Fig. 2 - Filamentos de bisso observados através de microscopia óptica.

Os membros da família Mytilidae são capazes de secretar uma estrutura chamada bisso, estrutura de

fixação formada por um apêndice muscular conhecido como pé (BRAZEE e CARRINGTON, 2006).

Dentre várias possibilidades, o processo de formação do bisso mais bem aceito, foi proposto, inicialmente,

por Brown, em 1952, para o mexilhão Mytilus edulis. Porém, avanços na Ciência dos Materiais, somados

auma compreensão aguçada dos mercanismos biológicos, proporcionam um ponto de vista inovador, onde

os processo são observados e inferidos no contexto ambiental e orgânico. As estruturas fazem parte de um

todo, e funcionam em consonância neste; uma ótica reducionista limitaria a apreensão desse todo.

Percebemos, hoje, que a produção do bisso é um processo complexo, onde processos menores acontecem

simultaneamente em locais distintos do pé. E que esses processos menores também são desencadeados

em etapas, reguladas por mecanismos físicos (tensão superficial, diferença entre densidades, polaridade) e

químicos (ação enzimática, polimerização, oxi-redução, etc.).

8

Page 9: Relatório 2/2012

O bisso é um conjunto de polímeros secretados pelas glândulas do pé, e pode ser divido em três partes:

uma raiz fibrosa ligada aos músculos retratores do bisso; uma haste que se extende da raiz, composta por

bainhas sobrepostas; emaranhados fibrosos que se projetam individualmente de cada bainha. Os fios de

bisso, por sua vez, são produzidos na canaleta ventral do órgão podal do mexilhão. Eles são compostos

por um eixo interior flexível de colágeno revestido por uma proteína polifenólica curada e endurecida,

que compõe a cutícula bissal. Acredita-se que a proteína em questão envolva um processo de quinona-

tanagem com uma enzima catecol oxidase específica. O tipo proteico depende do gênero e da espécie

do animal, por exemplo, a Mefp-1 (Mytilus edulis foot protein-1) para o mexilhão-azul, Mytilus edulis,

e a Lffp-1 (Limnoperna fortunei foot protein-1) para o mexilhão dourado Limnoperna fortunei (BROWN,

1952; SILVERMAN, ROBERTO, 2007). Todo o conjunto é coberto por uma cutícula polimérica que evita a

degradação por fungos e bactérias. A adesão entre o bisso e o substrato se dá em escala nanométrica, por

interações do tipo capilaridade e forças de van der Waals (MEYERS, 2009), permitindo que o mexilhão se

fixe em praticamente qualquer substrato sólido, de pedras, troncos e conchas de outros moluscos a cascos

de barco, redes de pesca e placas de vidro.

Amygdalum (pearly-mussels) (a)

Arcuatula (bag-mussels) (b)

Austromytilus (beaked-mussels) (c)

Brachidontes (mussels) (d)

Gibbomodiola (horse-mussels) (e)

Gregariella (mussels) (f)

Limnoperna (mussels) (g-i)

Modiolus (horse-mussels) (j)

Musculus (mussels) (k-l)

Mytilus (mussels) (m)

algUnS gÊneroS de molUScoS pertencenteS

À FamÍlia mYtilidae

4

3

Fig. 4 - Alguns gêneros de moluscos da família Mytilidae.

FONTE: www.molluscsoftasmania.net / Copyright Simon Grove

Fig. 3 - Mexilhão-azul Mytilus edulis

FONTE: www.wikipedia.com.br

9

Page 10: Relatório 2/2012

500 µm

16Fig. 16

Bisso e placa adesivo produzidos pelo mexilhão-dourado em MEV

Page 11: Relatório 2/2012

Unidade ii

Caracterização Biológica

Page 12: Relatório 2/2012

• Caracterizar biologicamente as amostras de bisso de L. fortunei,

obtidas anteriormente pelo grupo.

obJetiVo

26

Page 13: Relatório 2/2012

Seleção de biSSoS para regiStro daS imagenS

Após a limpeza dos bissos coletados para retiradas de resíduos aderidos principalmente nas placas adesivas,

foram selecionadas três unidades para a aquisição das imagens, escolhidas devido o nível de limpeza e

integridade das estruturas do bisso. Para isso foi realizada uma criteriosa verificação nas amostras para que a

qualidade das imagens fosse a melhor possível.

obtenção daS micrografiaS ópticaS e eletromicrografiaS de varredura

A aquisição das imagens foi realizada por meio de lupa e do programa de captura de imagens MOTIC Imagens®

que permite a análise completa da amostra através de ferramentas de medidas que podem ser alteradas

e adaptadas para o tipo de trabalho desejado. Os bissos foram registrados primeiramente inteiros em um

aumento de 10x, para visualização da estrutura íntegra. Em seguida, foram cortados todos os fios de cada bisso

e colocados em ordem crescente, para melhor visualização das estruturas.

Esses fios foram distribuídos no máximo em 11 grupos e identificados. Para cada parte do bisso, foram adquiridas

duas imagens: uma próxima a haste e a outra próxima a placa adesiva. Essas imagens foram registradas em

um aumento que variou entre 30x a 50x de maneira a facilitar o momento da mensuração dos fios. Durante o

processo de captura das imagens, foi necessário adicionar gotas de água na amostra para diminuir a repulsão

eletrostática entre os fios e a pinça utilizada para manusear a estrutura. Após a aquisição das imagens, iniciou-

se o processo para realizar a medida do diâmetro de cada fio. Em cada imagem, procurou-se contar o maior

número de fios possíveis, quando foi registrado um total de 708 fios entre próximos a haste e próximos da

placa adesiva. É importante salientar que o número atribuído a cada fio de bisso na parte próxima da haste não

corresponde ao número do fio de bisso da parte próxima da placa adesiva. Isso ocorreu porque cada grupo foi

dividido em duas partes diferentes.

Para as eletromicrografias de varredura, as amostras foram devidamente preparadas seguindo protocolos

padrões do CM-UFMG: fixação em solução Karnovisk, desidratadas, impregnação com tetróxido de ósmio e

secagem em ponto crítico (CPD). Em seguida foram montadas nos porta-amostras e pulverizadas com ouro.

As imagens foram obtidas por microscopia eletrônica de varredura, no Centro de Microscopia da UFMG e no

CBEIH.

menSuração doS regiStroS

Para iniciar a mensuração foi necessário determinar uma distância de 0,85mm a partir da placa adesiva, pois

o fio de bisso de Limnoperna fortunei possui regiões morfologicamente distintas. A região próxima da placa

adesiva tende a apresentar maior diâmetro de secção transversal que a região próxima da haste. Para medir

o diâmetro foram utilizadas as imagens capturadas pelo programa de aquisição MOTIC Imagens®, procurando

medir o maior número possível de fios.

Fios e placas adesivas também foram mensuradas através de eletromicrografias de varredura com auxílio do

software que acompanha o MEV Tescan Vega III.

mÉtodoS

27

Page 14: Relatório 2/2012

raiZ e HaSte

17

Fig. 17 - Fotomicrografia de um corte transvesal do pé do mexilhão dourado. É possível visualizar a

inserção do pé nos músculos, os fios do bisso, a haste e a raiz. Fonte: CBEIH.

A raiz (Fig. 20, 22, 23) é uma estrutura originária da glândula do bisso, a qual se abre na junção do pé com

a massa visceral. Ela é composta de um material fino disposto em lâminas que, ao ser secretado por essa

glândula, passa por um processo de compressão e dobramento (BROWN, 1952). Esse processo resulta em

um cilindro, a haste (Fig. 17, 18, 19, 21, 22).

Um eixo recém-moldado de lâminas empacotadas é, então, revestido por um material produzido no topo da

glândula em questão (mouth of the gland). A partir desse ponto, a raiz muda de nome, passando agora a ser

conhecida por haste (BROWN, 1952).

Conforme mais material é secretado e forçado a sair da glândula bissal, o diâmetro e o comprimento da

haste aumentam. Desse modo, conclui-se que a parte mais antiga dessa estrutura é a que está mais longe

do corpo do animal (BROWN, 1952).

28

Page 15: Relatório 2/2012

Fig. 18 - Complexo bissal (raiz, haste, fios e placas adesivas) inserido no pé de Limnoperna fortunei. FONTE: CBEIH.

500 µm

19 20

18

Fig. 20 - Micrografia destacando a raiz da haste. FONTE: CBEIH.Fig. 19 - Detalhes do corte transversal do pé do Limnoperna fortunei evidenciando a raiz e a

haste e como estão inseridas na estrutura podal. FONTE: CBEIH.

29

Page 16: Relatório 2/2012

500 µm

Fig. 21

Complexo bissal de Limnoperna fortunei (MEV, 275X). FONTE: CBEIH

Fig. 22

Detalhe da junção raiz-haste do mexilhão dourado (MEV, 1,49kx). FONTE: CBEIH

Fig. 23

Detalhe da raiz do bisso do Limnoperna fortunei (MEV, 912X). FONTE:CBEIH

21

30

Page 17: Relatório 2/2012

100 µm

100 µm

22

23

31

Page 18: Relatório 2/2012

1.0 mm

Fig. 24

Bissos (MEV, 141X). FONTE: CBEIH

Fig. 25

Detalhe de placas adesivas fusionadas (microscopia

óptica). FONTE: CBEIH.

Fig. 26

Discos adesivos em detalhe na porção distal dos fios

(MEV, 160X). FONTE: CBEIH

Fig. 27

Medida de discos adesivo na porção distal dos fios

(MEV, 790X). FONTE: CBEIH

24

25

32

Page 19: Relatório 2/2012

200 µm500 µm

FioS FibroSoS e placaS adeSiVaS

Os fios de bisso são produzidos em um sulco ventral presente no órgão do pé do mexilhão (Fig. 21, 24, 25

e 26). Já as placas adesivas são formadas na região mais distal do pé, a qual se assemelha a uma ventosa

(Fig. 25, 26, 27). Eles são compostos por um eixo interior flexível de colágeno revestido por uma proteína

polifenólica curada e endurecida. Acredita-se que a proteína em questão envolve um processo de quinona-

tanagem com uma enzima catecol oxidase específica e seu tipo depende do gênero e da espécie do animal,

sendo a Mefp-1 (Mytilus edulis foot protein-1) para o mexilhão azul Mytilus edulis e Lffp-1 (Limnoperna

fortunei foot protein-1) para o mexilhão dourado (BROWN, 1952; SILVERMAN e ROBERTO, 2007).

Ao serem formados, os fios devem ser unidos a haste e conforme a raiz e a haste aumentam de tamanho, os

fios vão sendo levados para mais longe da base dessas estruturas. Com isso, conclui-se que a porção mais

distal do bisso é também o local mais antigo desse complexo (BROWN, 1952) (Fig. 26 e 27).

A placas adesivas são formadas por um acúmulo de proteínas no órgão do pé. Uma série desses proteínas

foi identificada para Mytilus edulis, como Mefp-1, Mefp-2 (exclusiva dos discos adesivos), Mefp-3, Mefp-4,

Mefp-5, Mefp-6. Todas elas apresentaram L-DOPA (L-diidroxifenilalanina), seja em maiores ou menores

quantidades (SILVERMAN e ROBERTO, 2007).

26 27

33

Page 20: Relatório 2/2012

1.0 mm 28

Fig. 28

Bisso e disco adesivo com cutícula (MEV, 1040X). FONTE: CBEIH

Fig. 29

Superfície aderente do discos adesivo (MEV, 486X). FONTE: CBEIH

Fig. 30

Detalhe da cutícula (MEV 3880X). FONTE: CBEIH.

34

Page 21: Relatório 2/2012

100 µm 20 µm

29 30

cUtÍcUla

Segundo Andersen-Holten (2005), a cutícula apresenta diferenças estruturais ao longo dos fios de bisso, o

que a confere propriedades específicas. Na extremidade distal dos fios, fora da concha do molusco, ela se

configura em um arranjo granular. Isso possibilita ao mexilhão uma proteção contra o fenômeno de “sand

blasting”, ou seja, a abrasão provocada pela areia dispersa na água do mar, o que sugere dureza e rigidez.

Apesar dessa última característica, ela é capaz de acomodar tensões de até 70% por parte das fibrilas

subjacentes no núcleo distal sem delaminação, o que torna essa capa protetora um revestimento altamente

extensível. Sabe-se principal proteína dessa capa protetora é a proteína do pé -1 (foot protein -1), tal como

foi descrito anteriormente na seção anterior (ANDERSEN-HOLTEN, 2005).

35

Page 22: Relatório 2/2012

Quantificação doS fioS de biSSo

A divisão das amostras em grupos facilitou a visualização e a análise de um maior número de fios. Permitiu

também observar detalhes como a variação de comprimento e largura dos fios da parte próxima à haste (Fig.

21) e também das placas adesivas (Fig. 26, 27, 29).

No período de dissecação foram escolhidas 14 amostras de bisso, limpos e contados, utilizando os critérios de

classificação descritos anteriormente: fios muito danificados, fios sem placa adesiva e fios inteiros. A partir

da montagem de uma tabela foi possível definir as três amostras que seriam direcionadas para a aquisição e

mensuração. Foi contado um total de 4.402 fios de bisso nas 14 amostras e, o número de fios por bisso variou

entre 169 e 675. Em seguida, foram selecionadas 03 amostras que continham o maior número de fios limpos e

íntegros. Os dados são apresentados na Tabela 01.

Observa-se que a variação entre a quantidade de fios por bisso foi grande, por exemplo, o bisso de número 10

com 120 fios e o bisso de número 09 com um total de 675 fios. Isso demonstra que a quantidade de fios não é

limitada e que cada animal pode desenvolver inúmeros fios.

Os bissos selecionados foram divididos em partes para facilitar a mensuração, pois eles continham muitos fios

e não seria possível registrar as imagens em um aumento maior. O número de fios medidos não corresponde

ao valor total de fios, pois, alguns fios ficaram muito próximos uns dos outros ou a iluminação da lupa não os

favoreceu. Logo, no bisso 03 foram medidos 159 fios sendo que a estrutura foi dividida em 7 partes e continha

um total de 169 fios; o bisso 04 foi dividido em 6 partes e foram medidos 194 fios de um total de 522 fios; por

fim, o bisso 09 que possuía um total de 675 fios foi agrupado em 10 partes e foram medidos 297 fios.

Ao contrário do que foi descrito por Carrington (2002), que descreveu a região proximal do bisso relativamente

espessa e ondulada e a região distal afilada e lisa para as espécies de Mytilus edulis, durante a análise das

amostras de L. fortunei, foi possível observar em sua morfologia que a porção proximal é mais afilada e a porção

distal, à medida que se aproxima da placa adesiva, torna-se mais grossa (Fig. 25, 26). Essa característica foi

fundamental para a execução da medida do diâmetro dos fios, pois devido a essa observação foi necessário

estabelecer uma distância mínima de pelo menos 0,80mm para iniciar a mensuração. Os resultados da análise

morfométrica dos fios do bisso são apresentados na tabela 02.

Cada bisso secretado pelo mexilhão pode ser morfologicamente separado em três partes distintas: a placa

adesiva, o filamento e a haste (BAIRATI, 1991). Foi possível verificar a variação de comprimento entre essas

estruturas, sendo a haste bem menor que os fios, que possuem tamanhos diversos. Esta amostra foi medida

utilizando o mesmo programa anterior e foram verificados três comprimentos diferentes para três regiões

distintas. Na porção superior esquerda foi encontrado um valor de 1,79mm de comprimento; na porção superior

direita 1,74mm; e por fim, na porção inferior central foi verificado um valor de 1,02mm. A haste também foi

medida e com o valor de 0,27mm podemos verificar a diferença de comprimento entre essas estruturas, todas

essas informações contidas na figura (Fig. 17).

reSUltadoS e diScUSSÃo

36

Page 23: Relatório 2/2012

medidaS doS tamanhoS daS placaS adeSivaS

As placas adesivas de L. fortunei foram medidas por meio da ferramenta Measurement do microscópio

eletrônico de varredura (MEV-TESCAN III) do Cbeih. Utilizou-se um n amostral de 12 discos adesivos e,

para cada um deles, mediu-se o diâmetro. Como essas estruturas não são círculos exatos, diferenças entre o

diâmetro mensurado na vertical e na horizontal foram observadas. A soma de ambos os diâmetros, para cada

placa, é dada pela figura (Fig. 27).

conStituição reSumida

cutícula: revestimento protetor presente em todo o bisso, composto basicamente de Dopa (L-b-3,4-

diidroxifenil-a-alanina) e foot protein-1;

raiz: estrutura ligada aos músculos retratores de bisso, inserida dentro da cavidade glandular na base do pé;

haste: estrutura presente no pé do mexilhão, da qual emergem os fios do bisso, revestida pela cutícula e

formada por um eixo interno fibroso de colágeno.

fios: compostos de colágeno tipo P, presente na porção proximal, e D, na porção distal. A extremidade proximal

é caracterizada por ser menos rígida que a distal.

placa adesiva (disco adesivo): composta de proteínas polifenólicas do pé (foot proteins) e DOPA.

37

Page 24: Relatório 2/2012

1 µm

31Fig. 31 - Cílios encontrados na superfície do pé do mexilhão-dourado (MEV, 5000X)

38

Page 25: Relatório 2/2012

A análise dos resultados, contagem e mensuração do diâmetro dos fios analisados permitiram a caracterização

morfométrica do bisso de Limnoperna fortunei. Foi possível observar as diferenças entre comprimento e

tamanho de cada fio estudado, bem como sua morfologia.

A partir dos resultados obtidos, somados a conceitos de Engenharia de Materiais que permeiam todas as

discussões de Materiais Biológicos desenvolvidas no projeto, uma nova visão sobre a formação do bisso

foi proposta: a de que sua formação não se daria somente em gradiente cronológico, mas principalmente

geográfico, dentro da canaleta principal formada no interior do pé. A visão que prevalece na literatura

divide a formação da haste, do fio do bisso e da placa adesiva em momentos temporais distintos. Porém as

experiências acumuladas pelo projeto, dentro da visão multidisciplinar que orienta os trabalhos, sugerem que

as estruturas que compõe todo o conjunto bissal devem ser construídas simultâneamente, em locais distintos

do pé, por atuação de complexos glandulares distintos. E na medida em que essas estruturas crescessem por

deposição de compósitos monoméricos, elas se fundiriam e sofreriam polimerização e cura. Essa visão pode

ser justificada pela ausência de emendas no complexo bissal, pela velocidade de produção desse complexo e

pela natureza estrutural desse, onde são observadas camadas não tão distintas e nenhuma estrutura ancorada

(como ferragens no concreto armado - organização que seria encontrada se os fios do bisso fossem, de fato,

produzidos antes da placa adesiva).

Tais observações revelam o bisso como estrutura complexa, com hierarquia molecular e estrutural. A composição

dos seus componentes, somada à sua arquitetura, conferem ao bisso consideráveis propriedades mecânicas

e biológicas. Essencial à fixação do mexilhão-dourado, a compreensão da mecânica do bisso, assim como os

processos envolvidos na formação e montagem dos seus componentes (self-assembly), pode fornecer a chave

para o controle deste organismo, minimizando o impacto econômico gerado pela sua adesão em estruturas de

captação e transporte de água. Os mecanismos de formação do bisso podem, ainda, inspirar a criação de novos

materiais, como adesivos que funcionem em ambientes aquáticos, colas cirúrgicas, curativos bactericidas e

fungicidas.

Cabe salientar que estudos complementares continuam sendo realizados, a fim de elucidar dúvidas levantadas

nos testes acima citados. Umas das linhas busca, por exemplo, compreender o processo de cura dos polímeros

constituintes do bisso, a cronologia de liberação das diferentes enzimas e o desenvolvimento estrutural das

diferentes partes do conjunto bissal.

conclUSÕeS

39

Page 26: Relatório 2/2012

reFerÊnciaS bibliográFicaS

ANDERSEN-HOLTEN, N. et al. Nano-mechanical Investigation of the Byssal Cuticle, a Protective Coating of a Bio-

elastomer. Materials Research Society, v. 844, p. Y3.7.1/R3.7.1-Y3.7.6/R3.7.6, 2005. Disponível em: <http://www.

materials.ucsb.edu/~zok/PDF/Nano-MechanicalHolten-Andersen.pdf> Acesso 08/08/2012

BAIRATI, A. The byssus of the mussel Mytilus from the molecules to the organ: functional performence resides in

the ultrastructural assembly. In Form and Function in Zoology ( ed. G. Lanzavecchia and R. Valvassori ), pp. 163-177.

Moderna: Mucchi. 1991

BARNES, Robert. Zoologia dos invertebrados. 4. Ed. São Paulo: Roca, 1990. 1179p.

BRADY, R. F.; SINGER I. L., Mechanical Factor Favoring Release from Fouling Release Coatings. Biofouling, v.15(1-

3), p. 111-116, 1995.

BOLTOVSKOY, D., CATALDO, H.D. Population dynamics of Limnoperna fortunei, an invasive fouling mollusk, in

the Lower Paraná River (Argentina), Biofouling, 14(3), p.255-263. 1999

BRAZEE, S. L.; CARRINGTON, E. Interspecific Comparison of the Mechanical Properties of Mussel Byssus.

Biological Bulletin, v. 211, p. 263-274, Dec, 2006. Disponível em: <http://www.biolbull.org/content/211/3/263.full>

Acesso 16/08/2012

CARRINGTON, E.; The ecomechanics of Mussel Attachment: From Molecules to Ecosystems, from the Symposium

Physiological Ecology of Rocky Interdial Organisms: From Molecules to Ecosystems presented at the Annual

Meeting of the Society Compartive and Integrative Biology, 2-7, AT Anahein. California, v.42, p.846-852. 2002.

CLARKE, M., Mc MAHON, R. F. Comparison of byssal attachment in dreissenid and mytilid mussels:

mechanicsms, morphology, secretion, biochemistry, mechanics and environmental influences. Malacological

Rreview.p.29.1-16, 1996.

DARRIGRAN, G. Potential impact of filter-feeding invaders on temperate in land, a. freshwater environments.

Biological Invasions 4: 145-156. 2002

DARRIGRAN, G.; DAMBORENEA, C.; GRECO, N.. An evaluation pattern for antimacrofouling procedures:

Limnoperna fortunei larvae study in a hydroelectric power plant in South America. Ambio. 2007 Nov; 36(7):575-9.

40

Page 27: Relatório 2/2012

HARRINGTON, M. J., GUPTA, H. S., FRATZL, P., and WAITE, J. H. Collagen insulated from tensile damage

by domains that unfold reversibly: In situ X-ray investigation of mechanical yield and damage repair in the mussel

byssus. Journal of Structural Biology 167: 47-54. 2009

FARIA, E. A. Caracterização de Superfícies Antiincrustantes para o “Limnoperna fortunei” - Mexilhão Dourado.

Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Ouro Preto. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de

Materiais. Ouro Preto. 2005

SILVA, D. P. Aspectos Bioecológicos do Mexilhao Dourado Limnoperna fortunei (Bivalvia Mytilidade) (DUNKER,

1857). Universida Federal do Paraná. Tese (Doutorado) Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em

Engenharia Florestal. Curitiba, 2006

MANSUR, M. C. D.; SANTOS C. P. dos; DARRIGRAN, G. et al. Primeiros dados quali-quantitativos do

Mexilhao Dourado, Limnoperna fortunei (Dunker), no Delta do Jacuí, no Lago Guaíba e na Laguna dos Patos, Rio

Grande do Sul, Brasil e alguns aspectos de sua invasão no ambiente. Ver. Bras. Zool., vol 20, n.1, p.75-84. ISSN

0101-8175, 2003.

OLIVEIRA, M. D. et al. Invasion by Limnoperna fortunei (Dunker, 1857) (Bivalvia, Mytilidae) of the Pantanal

wetland, Brazil. Biological Invasions, v. 8, p.97-104, 2006.

PAOLUCCI, E. M. et al. Larvae of the invasive species Limnoperna fortunei (Bivalvia) in the diet of fish larvae in the

Paraná River, Argentina. Hydrobiologia, v. 589, p.219-233, 2007.

RICCIARDI, A. Global range expansion of the Asian mussel Limnoperna fortunei (Mytilidae): Another fouling threat

to freshwater systems. Biofouling v.13 n.2. p.97-100. 1998

SILVERMAN, H. G., ROBERTO, F. F. Understanding Marine Mussel Adhesion – Review. Marine Biotechnology,

v. 9, p. 661-681, Nov, 2007. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2100433/

pdf/10126_2007_Article_9053.pdf> Acesso 05/02/2013

PASINI, M. O pequeno e incômodo visitante. (Reportagem de capa).Revista Conexão marítima, ed. 81, dez, 2011.

Disponível em: <http://www.aguadelastrobrasil.org.br/images/Livros/reportagem%20conexao%20maritima.pdf>

Acesso 06/08/2012

41

Page 28: Relatório 2/2012

Centro de Bioengenharia de Espécies

Invasoras de Hidrelétricas | CBEIH.org

Equipe CBEIH

Expediente

Endereço

Av. José Cândido da Silveira, 2000

Horto - Belo Horizonte (MG)

Telefone: +55 31 3489 2320

Web: www.cbeih.org / [email protected]

Coordenador

Antônio Valadão Cardoso

Pesquisadores

Antônio Valadão Cardoso

Arnaldo Nakamura Filho

Arthur Corrêa de Almeida

Fabiano Alcísio e Silva

Gabriela Rabelo Andrade

Hélen Regina Mota

Hernan Roberto Espinoza Riera

Mônica de Cássia Souza Campos

Estagiários de Iniciação Científica

Anna Carolina Guañabens

Frederico Magalhães Vieira

Gabriel Cardoso Salgado

João Locke Ferreira De Araujo

Vinicius Sergio Rodrigues Diniz

Técnico de Laboratório

Kelly Carneiro de Souza Lima

Revisão: Arthur Corrêa de Almeida

Design Gráfico: Gabriela Rabelo Andrade

Data: Novembro de 2012

crÉditoS

Relatório técnicoSoft Tissues

2013

Page 29: Relatório 2/2012

Piscicultura entre as UHEs Igarapava e Jaguara (MG)

Page 30: Relatório 2/2012

Relatórios Técnicos 2013: Soft Tissues

gt343: controle do mexilhão-dourado:

Bioengenharia e novos materiais para aplicações em

ecossistemas e usinas hidrelétricas.

+55 31 3489-2320

www.cbeih.org

[email protected]