relatividade restrita no ensino médio

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Instituto de Física - UFGRS

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  • Cad. Brs. Ens. Fs., v. 21, n. 1: p. 83-102, abr. 2004 83

    RELATIVIDADE RESTRITA NO ENSINO MDIO: OS CON-CEITOS DE MASSA RELATIVSTICA E DE EQUIVALN-CIA MASSA-ENERGIA EM LIVROS DIDTICOS DE FSI-CA+*.

    Fernanda OstermannTrieste F. RicciInstituto de Fsica - UFRGSPorto Alegre - RS

    Resumo

    Neste trabalho, discutem-se dois conceitos amplamente difundidos em livrosdidticos de ensino mdio que abordam a Relatividade Restrita (RR): massarelativstica e equivalncia massa-energia. A partir de uma anlise crtica daabordagem desses conceitos em diversas obras, foi possvel constatar, por umlado, que a massa relativstica introduzida como sendo um conceito funda-mental da RR, quando, de fato, uma noo inadequada e que, portanto, nodeveria ser abordada; e, por outro, que essas obras freqentemente interpre-tam de forma errnea o significado da equivalncia massa-energia.

    Palavras-chave: Massa relativstica, equivalncia massa-energia, anlise delivros didticos.

    Abstract

    In this work we discuss two concepts widely presented in high school physicstextbooks in the context of Special Relativity: relativistic mass and mass-energy equivalence. It was possible to observe that these concepts are not be-ing presented in a rigorous way, leading textbooks to convey serious miscon-ceptions. Relativistic mass is presented as a fundamental concept when in factit is an inadequate notion. On the other hand, the meaning of the mass-energy

    + Special relativity in high school: the concepts ofrelativistic mass and mass-energy equivalencein physics textbooks

    * Recebido: agosto de 2003. Aceito: maro de 2004.

  • 84 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    equivalence has been dealt with erroneously, which can lead the reader tomisunderstandings.

    Keywords: Relativistic mass. mass-energy equivalence. high school textbooksanalysis.

    I. Introduo

    No Brasil, pas onde os livros, em geral, no constituem um objeto dealto consumo, o livro didtico ocupa um lugar de destaque. A produo dessas o-bras corresponde a uma parcela significativa do total editado. O livro didtico ad-quire especial importncia quando se atenta para o fato de que ele pode ser, muitasvezes, o nico livro com o qual os estudantes tm contato. Para a maioria dos cida-dos brasileiros, termina por ser o livro, e, conseqentemente, o nico instrumen-to mediador de um contedo j sistematizado pelo conhecimento cientfico (OS-TERMANN, 1991). inegvel, portanto, a relevncia que as obras didticas assu-mem no contexto do ensino de Cincias no Brasil. Alm disso, diversos fatores,como as precrias condies de trabalho e de remunerao do professor, as dificul-dades para o aprimoramento de sua formao, contribuem para que, sobretudo nasescolas pblicas, tornem-se o apoio bsico e, at mesmo, o nico referencial doprofessor no preparo de suas aulas. facilmente perceptvel essa influncia quandoso constatadas a pobreza e a semelhana dos currculos escolares, que seguem,basicamente, a seqncia dos captulos nos livros didticos (OSTERMANN, 2000).

    A importncia das publicaes didticas na realidade escolar brasileiratambm pode ser constatada a partir da reconstituio das polticas governamentaisque foram implementadas desde a criao do Estado Novo, em 1937, at os diasatuais (OSTERMANN, 1991). A poltica do livro didtico no Brasil sempre estevebalizada pela idia de criar critrios oficiais de seleo e de incluso de livros nosprogramas escolares, passando pela concepo autoritria de imposio ao profes-sor, at a viso atual de que ele quem deve escolher o livro a ser adotado. A ques-to da avaliao dos textos didticos disponveis no mercado tem sido uma iniciati-va relevante do governo brasileiro nos ltimos anos, sob a forma do Programa Na-cional do Livro Didtico (PNLD). Este foi desenvolvido at a ltima srie do ensino fundamental, ficando ainda por concluir a anlise das obras dirigidas para o ensinomdio. At o momento, alguns critrios foram considerados eliminatrios, tais co-mo correo e adequao dos contedos, pois foram constatados, em diversas obras, srios erros conceituais. Em particular, na rea de Cincias da 5a a 8a sries, o PN-LD de 1999 criou os seguintes indicadores para anlise: adequao dos contedos,atividades propostas, integrao entre temas nos captulos, valorizao da experin-cia de vida do aluno, aspectos visuais das obras e qualidade do manual do professor. Das 65 obras verificadas, 35 foram no-recomendadas pelo programa. Das restan-tes, nenhuma foi recomendada com distino, simplesmente foram recomendadasou recomendadas com ressalvas. Vrios erros conceituais, na rea de Fsica, foram

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    freqentemente encontrados, tais como: problemas de escalas e propores no sis-tema solar; fora como atributo dos corpos (e no como interao); incorrees nadistino entre conceitos como calor, energia interna, temperatura. Apesar de todoesse esforo, Bizzo (2000) denunciou que livros excludos pelo MEC ainda eramutilizados em escolas paulistas e mineiras, depois de mais de um ano de conclusoda avaliao. Em particular, no que se refere aos conhecimentos fsicos a seremaprendidos pelos estudantes na escola de nvel mdio, os Parmetros CurricularesNacionais (1999)1 assinalaram claramente a necessidade de atualizao dos conte-dos, para que a Fsica do sculo XX em diante esteja presente nos currculos escola-res. A nova legislao brasileira, ao assinalar essa tendncia curricular de renovao dos contedos, est exercendo uma forte presso para que os livros didticos deFsica incorporem essas novas idias, fato este que j perceptvel em vrias obraspublicadas recentemente. Essa resposta do mercado editorial brasileiro precisa seranalisada criticamente, uma vez que notria a pouca tradio didtica da FsicaContempornea. Dando continuidade a um trabalho anterior de anlise de livros deensino mdio (OSTERMANN; RICCI, 2002), este artigo trata do tema da Relativi-dade Restrita, em especial dos conceitos de massa relativstica e de equivalnciamassa-energia, que, paulatinamente, tm recebido algum espao nos textos didti-cos. Os focos da presente anlise (como critrio ou indicador) so a correo e aadequao da abordagem dessas noes em vrias obras disponveis no mercado2 ede ampla adoo nas escolas, tendo em vista que esses indicadores tem se mostradoextremamente importantes como alguns dos critrios de medida da qualidade dequalquer proposta de livro-texto. Antes da apresentao dos resultados, os conceitos de massa relativstica e equivalncia massa-energia sero discutidos. Espera-se,com este estudo, poder contribuir para uma efetiva avaliao de livros de Fsicapara o ensino mdio, que no seja centrada apenas em aspectos visuais, maquian-do-os , mas que seja, principalmente, um esforo de mudana da qualidade dasobras publicadas em nosso pas.

    1 Parmetros Curriculares Nacionais, Parte III, 1999.

    2 Na anlise aqui relatada, a seleo das obras foi baseada em nossa experincia na formaoinicial e continuada de professores de Fisica. Alm disso, procuramos escolher aquelas obraspublicadas pelas editoras lideres em vendas de livros didticos de ensino mdio no Brasil.

  • 86 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    II. Massa Relativstica e inrcia

    A noo de massa relativstica surgiu a partir da expresso matemti-ca que define o momentum linear relativstico de uma partcula material,

    mvp (1)na qual

    2

    21

    1

    cv

    denominado, atualmente, fator de Lorentz . A equao (1) foi obtida,pela primeira vez, por Max Planck em artigo de 1906 (PAIS, 1995) a partir da an-lise terica da ao de um campo eletromagntico sobre uma partcula carregada,Inicialmente, nem Planck, nem Einstein, propuseram a noo de massa relativsticaa partir da, preferindo simplesmente interpretar o fator de Lorentz como uma cor-reo relativstica expresso newtoniana do momentum linear de uma partcula.

    Em 1909, Tolman e Lewis conseguiram novamente obter a mesma ex-presso relativstica (PAIS, 1995) a partir da constatao de que a expresso domomentum linear newtoniano, p = mv, deveria ser modificada de maneira que a leida conservao fosse vlida em qualquer referencial inercial; em outras palavras,para que o princpio da conservao do momentum linear de um sistema isoladofosse co-variante frente a uma transformao de Lorentz. Para isso, eles analisaramo problema de uma coliso bidimensional elstica envolvendo duas partculas mate-riais de mesma massa m. Escolhendo um referencial cartesiano fixo no centro demassa do sistema das duas partculas, S, eles escreveram as equaes para a conser-vao do momentum linear do sistema neste referencial e, em seguida, usaram astransformaes de Lorentz para obter as correspondentes componentes cartesianasdas velocidades das partculas num segundo referencial cartesiano e inercial, S quese move a uma dada velocidade escalar v (constante) com respeito ao centro demassa das partculas. Exigindo, ento, que o momentum linear do sistema fosseconservado tambm em S', eles concluram que a expresso newtoniana para omomentum linear de uma partcula material deveria ser substituda, em regime develocidades relativsticas, por

    v

    cv

    mp

    2

    21

    (2)

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    Escrita dessa maneira, a expresso sugere imediatamente uma interpre-tao para o fator que multiplica a velocidade, como sendo ele o valor de uma esp-cie de massa relativstica (mr) da partcula, ou seja,

    mmr (3)Ao que tudo indica (VALADARES, 1993), parece ter sido Tolman o

    primeiro a propor essa interpretao, por volta de 1912. A partir da, a noo demassa relativstica difundiu-se dentro da comunidade dos fisicos, embora jamaishouvesse sido favorecida pelo prprio Einstein, que, de fato, nunca a utilizou nosartigos originais sobre a RR (EINSTEIN, 1905a e 1905b), nem em livros de divul-gao cientfica que escreveu posteriormente (EINSTEIN, 1916; EINSTEIN; IN-FELD, 1976; EINSTEIN, 1948). Apesar disso, a noo de massa relativstica aca-bou tornando-se tradicional no ensino de Fsica3.

    Segundo essa interpretao, a massa newtoniana (de aqui em diante de-notada por m) seria to somente o valor da massa de repouso da partcula, en-quanto a massa relativstica dependeria da velocidade da partcula em relao aoobservador. Portanto, massa no mais seria uma propriedade exclusiva de uma par-tcula ou um corpo, mas um atributo fisico relativo, dependente do observador.Talvez seu maior atrativo seja o de permitir continuar escrevendo o momentumlinear relativstico com a forma matemtica de seu correspondente newtoniano,apenas substituindo-se a massa newtoniana (massa de repouso) pela massa relativs-tica. Alm disso, essa interpretao induz imediatamente uma razo fsica paraque a velocidade da luz no vcuo seja um limite superior e instransponvel de velo-cidade para quaisquer objetos materiais, bastando que se interprete mr como sendo,tambm, uma medida da inrcia do corpo: seria impossvel acelerar o corpo atuma velocidade superior a c simplesmente porque sua inrcia tenderia a um valorinfinito quando o valor de v aproxima-se de c. Mas isso pode ser justificado deforma compreensvel ao aluno com base na definio do momentum linear relativs-tico: considerando que o corpo esteja inicialmente em repouso com relao ao ob-servador, como o seu momentum linear torna-se infinito quando a velocidade apro-xima-se de c, segue da que seria necessrio um impulso de valor infinito, o que fisicamente impossvel, para acelerar o corpo at a velocidade da luz. Um outroargumento para justificar tal impossibilidade baseado no teorema trabalho-energiacintica, pelo qual seria necessrio realizar um trabalho infinito para efetuar a tare-fa. Como vemos, possvel justificar a existncia de um limite superior para a velo-cidade sem fazer qualquer referncia ao conceito de massa relativstica.

    Um primeiro problema com essa noo que ela induz a pensar que asexpresses para outras grandezas mecnicas podem ser obtidas das correspondentes

    3 A anlise de livros de Fsica relatada nesse trabalho mostrou que, em obras dirigidas a cursos degraduao, essa a definio mais veiculada. Conseqentemente, essa noo que, em geral, di-f:lndida nos livros de ensino mdio.

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    expresses newtonianas apenas substituindo-se, nelas, a massa newtoniana pelamassa relativstica. Mas se isso fosse verdadeiro, ento a expresso para a energiacintica de uma partcula material relativstica, por exemplo, deveria ser:

    2221

    21 mvvmK r (4)

    completamente diferente da expresso correta, ou seja,)1(2mcK (5)

    que apareceu pela primeira vez no artigo inicial de Einstein sobre a RR (EINSTE-IN, 19O5a). Analogamente, embora a energia mecnica newtoniana de uma partcu-la livre de massa m seja dada por E = K = 1/2 mv2, sua energia mecnica relativsti-ca dada por:

    2mcE (6)e no pela expresso (4), como seria de esperar de acordo com a noo de massarelativstica. Ou ainda, para um aluno que ignore como Newton originalmente e-nunciou as leis do movimento, a expresso Fresultante = mra poderia vir a ser conside-rada a generalizao relativstica da segunda lei, o que est completamente errado.

    Um segundo problema, e mais grave, com a noo de massa relativsti-ca, surge da identificao tcita de mr com a medida da inrcia de um corpo materi-al - que , por definio, a massa inercial. Tanto na Mecnica Clssica como em sua verso relativstica, massa sempre definida e medida por suas propriedades inerci-ais (massa inercial) ou gravitacionais (massa gravitacional) (WHITAKER, 1976).Como introduzido acima, mr simplesmente o fator que multiplica a velocidadevetorial do corpo na expresso do momentum relativstico, enquanto a massa iner-cial , por definio, a razo entre o valor da fora resultante aplicada ao corpo e ovalor da acelerao adquirida pelo mesmo,

    minercial FR / a.Portanto, para identificarmos corretamente a massa inercial do corpo

    temos que usar a segunda lei do movimento como escrita originalmente por New-ton, mas com o momentum linear newtoniano substitudo pelo seu correspondenterelativstico, ou seja,

    23 )()(F

    cvammamv

    dtd

    R

    Como usual na mecnica newtoniana, muito til decompor-se a ace-lerao em duas componentes ortogonais, numa direo paralela ou longitudinal velocidade, alo e numa direo perpendicular ou transversal velocidade, aT. Aacelerao longitudinal a responsvel pela variao do valor da velocidade, en-quanto a acelerao transversal responsvel pela variao da direo da velocida-de. De modo que a acelerao longitudinal a projeo de a na direo de v, ouseja,

    vvaaL /)(

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    Com isso, a partir da expresso para FR acima, podemos identificar as componenteslongitudinal e transversal da fora resultante relativstica como, respectivamente,

    LL

    R mayF3 e t

    TR maF

    Como os coeficientes de proporcionalidade entre cada componente daresultante e sua correspondente componente da acelerao so diferentes, segue quea acelerao do corpo no ser, necessariamente, paralela fora total aplicada.(Isto foi previsto por Einstein, em 1905, e comprovado experimentalmente pelofisico Alfred Bucherer em 1909; foi ele tambm que comprovou experimentalmen-te, um ano antes, a validade da relao (6) para a energia mecnica relativstica.)Porm, com isso, a inrcia do corpo no est bem definida para um dado valor desua velocidade: se a resultante estiver aplicada transversalmente velocidade, tere-mos aL = 0 e a massa inercial ser idntica massa relativstica; nesse caso, a de-nominaremos de massa inercial transversal, mt. Mas, se a fora resultante for apli-cada longitudinalmente velocidade, ento:

    Linercial mmym3

    onde mL a massa inercial longitudinal, que diferente da massa relativstica. Amassa inercial de um corpo, portanto, seria um atributo dependente no apenas doprprio corpo e do observador (atravs da velocidade escalar relativa), mas depen-dente tambm do agente que aplica a fora resultante (atravs da direo em que afora resultante aplicada, com relao direo instantnea de movimento docorpo). Para o caso geral em que a resultante aplicada segundo um certo ngulocom a direo instantnea do movimento, definido por:

    R

    LR

    RR FFvFFv /).(cos

    e usando a relao TL mym2 , obtemos, a partir da definio de massa inercial,

    que

    22

    2cos1/

    cvmm rinercial

    Ou seja, alm de ser, em geral, diferente do valor da massa relativstica definida apartir da expresso do momentum linear, a massa inercial no estaria univocamentedefinida para um dado valor de massa relativstica, dependendo dos possveis - einfinitamente numerosos - valores de . Na verdade, a massa relativstica acabasendo idntica massa inercial relativstica apenas para igual a zero ou .

    Outra crtica que se pode fazer ao conceito de massa relativstica queele pode dar ao aluno a impresso de que os efeitos relativsticos so devido a algoque acontece com o corpo, ao passo que eles so uma conseqncia das proprieda-des do espao e do tempo. Esse tipo de crtica anloga que fizemos em artigoanterior acerca da contrao de Lorentz-FitzGerald (OSTERMANN; RICCI, 2002).

  • 90 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    A massa relativstica no uma grandeza relevante sequer do ponto devista formal. Sob o ponto de vista histrico, isso fica evidente a partir da necessida-de que houve de reformular o conceito newtoniano de momentum linear, para man-ter a covarincia do princpio da conservao do momentum linear, e no o conceitonewtoniano de massa. Outra indicao disso fornecida pela relao existente entrea energia mecnica de uma partcula livre e o valor de seu momentum linear,

    22222 )(mcpcEonde a massa newtoniana que comparece como fator relacionando p e E, e no amassa relativstica. De um ponto de vista mais formal, pode-se chegar conclusoque inicia este pargrafo a partir da formulao de Minkowski para a RR (MIN-KOWSKI, 1908)4, que tambm podemos chamar de formulao espao-temporalou covariante (TAYLOR; WHEELER, 1992), em que o tempo considerado comouma coordenada, em mesmo p de igualdade que qualquer coordenada espacial, emvez de um parmetro, como na fisica newtoniana. Na formulao espao-temporal,o momentum linear relativstico tridimensional, dado pela relao (1), e a energiamecnica relativstica so encarados como partes ou componentes de um quadrive-tor energia-momentum,

    P = (E/c, Px, Py, pz) = (E/c, p),um vetor definido no espao-tempo tetradimensional de Minkowski (usamos p paradenotar o momentum linear relativstico tridimensional, e a mesma letra grifadacom _ para o correspondente quadrivetor energia-momentum). Nessa formulao, uma transformao de Lorentz corresponde a uma rotao do sistema de coordena-das no espao-tempo. E como acontece com qualquer (verdadeiro) vetor do espaoeuclidiano tridimensional, um quadrivetor deve tambm possuir uma norma oucomprimento bem definido e invariante frente a uma rotao no espao-tempo. Seconsiderarmos as coordenadas do espao-tempo como sendo X0 =ct, X1, = X1, X2 =y e X3 = Z, e usando o tensor da mtrica de Minkowski como 00 = +1, 11 = 22 =

    33 = -1, 4= 0 para i j, a relao anterior entre a energia mecnica e o momentumlinear relativsticos pode ser reescrita e identificada como:

    )(.)/( 22 mcpppcEOu seja, na formulao espao-temporal, o quadrado da massa newtoniana igual, a no ser por um fator de proporcionalidade, ao quadrado do comprimento doquadrivetor energia-momentum, igual ao produto interno dele consigo mesmo.Nessa formulao, o conceito de massa relativistica no tem lugar nem qualquerfuno, pois o comprimento de um vetor um invariante, independente da escolhado sistema de coordenadas. Portanto, a massa que aparece nessa formulao amassa newtoniana. Acrescente-se a isso o fato de que a formulao espao-temporal a base para a teoria relativstica da gravitao (a Relatividade Geral ,

    4 Minkowski tornou pblico seu trabalho em 1908, curiosamente, sob a forma de uma confernciaproferida no 80. Congresso dos Naturalistas e Mdicos de Colnia, em 21 de setembro de 1908.

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    base para a teoria relativstica da gravitao (a Relatividade Geral , desenvolvidapor Einstein entre 1907 e 1915), e percebemos, ento, que a noo de massa relati-vstica inteiramente suprflua e descartvel na teoria da relatividade inteira, inclu-indo a gravitao.

    III. Equivalncia Massa-Energia

    Outro atrativo do conceito de massa relativstica que ele permite sim-plificar a expresso (6) da energia mecnica relativstica para E = mrc2. Essa ex-presso se reduz a:

    E0 = mc2 (7)para um observador em repouso com relao partcula, a famosa relao de equi-va- lncia massa-energia publicada num curto artigo de setembro de 1905 (EINS-TEIN, 1905b). Podemos nos convencer rapidamente de que a expresso (6) repre-senta a energia mecnica relativstica de um corpo ou uma partcula livre, por serigual soma de sua energia cintica com sua energia de repouso, dada pela equao (7).

    A relao (7) talvez seja a equao mais pop da Fsica, aparecendo emtodo tipo de mdia e reconhecvel por qualquer pessoa minimamente informada. Ela tambm a expresso correta da equivalncia massa-energia, ao contrrio da ex-presso alternativa E=mrc2, nunca empregada por Einstein, mas muito popular emlivros didticos, mesmo em alguns dirigidos a cursos de graduao. Embora forne-cendo resultados numricos corretos, esta expresso para a energia mecnica relati-vstica introduz srios problemas de ordem histrica e conceitual. Historicamente,Einstein chegou equivalncia massa-energia, em 1905, considerando um experi-mento de pensamento em que um corpo livre emite simultaneamente dois pulsosluminosos de igual intensidade em sentidos opostos. Consideremos dois sistemas de coordenadas inerciais (a notao usada aqui no a originalmente empregada porEinstein), S(x,y,z) e S'(x',y',z') mostrados na figura seguinte, com o segundo se mo-vendo com velocidade escalar v na direo do eixo x.

    No referencial S, o corpo se encontra em repouso antes e depois da e-misso, pois os pulsos so emitidos em sentidos opostos e so de mesma intensida-de, transportando, portanto a mesma energia (igual a E/2, digamos) e momentumlinear. Logo, em S, a energia cintica do corpo sempre nula. Mas, pelo princpioda conservao da energia, a energia inicial do corpo, E0, sofre uma diminuioigual energia transportada pelos pulsos, de modo que a energia do corpo aps aemisso torna-se:

  • 92 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    Agora consideremos essa situao do ponto de vista de um observadorque utiliza o sistema de coordenadas S em relao ao qual o corpo possui energiacintica tanto antes como depois da emisso. Temos que obter a energia transporta-da pelos pulsos medida em S, e, para isso, Einstein se valeu de uma relao que jhavia obtido em seu artigo inicial sobre a RR (EINSTEIN, 1905a), a partir da teoriarelativstica do efeito Doppler da luz: se E a energia da onda eletromagnticamedida em S, sua energia E' medida em S' dada por:

    ,1'cvEE

    onde o fator de Lorentz envolve a velocidade de S' em relao a S, de mesmo valor, portanto, que a velocidade do corpo medida em S'. Usando essa relao, fcilmostrar que a energia inicial do corpo medida em S' que denotaremos por E0, dimi-nui para o valor:

    EEE 01 '' (9)Subtraindo a relao (9) da relao (8), obtemos aps alguma manipulao algbri-ca,

    )1()'()'( 1100 EEEEEPorm )'( 00 EE a diferena entre as energias mecnicas iniciais medidas em S eem S', enquanto que )'( 11 EE a diferena entre as energias mecnicas finais me-didas nestes dois sistemas de referncia. Logo, argumenta Einstein, como o corpono possui energia cintica, medida em S, nem antes nem depois das emisses, ecomo ele livre, segue que )'( 00 EE essencialmente a energia cintica inicial docorpo medida em S', podendo diferir dela apenas por uma constante aditiva que

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    depende de sistema de unidades, e no da emisso em si; analogamente, )'( 11 EEdifere da energia cintica do corpo aps as emisses, como medida em S', apenaspela mesma constante aditiva, que no modificada pelas emisses. Logo, podemos reescrever a relao acima como:

    )1(''0 EKKMas nada nos impede de considerarmos que v

  • 94 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    sa), pois em relao ao observador o corpo (ou sistema composto) como um todo seencontra em repouso. Mas deve incluir a energia interna do corpo, de forma quetanto as energias cinticas de seus constituintes mais elementares, como tambmsuas energias potenciais de ligao entre pares desses constituintes estejam contem-pladas em E0. Para sistemas estveis, como um ncleo atmico por exemplo, emgeral a energia total de ligao (negativa) suplanta em valor a energia cintica mi-croscpica total (positiva), de tal forma que a energia interna resulta negativa e,portanto, a energia de repouso diminui de valor em relao soma das energias derepouso dos constituintes se eles no esto ligados. No caso de um ncleo atmicocom N ncleons, podemos expressar isto matematicamente como:

    2int

    20 cNmEcNmE ligadoernalivre

    o que explica porque a massa dos ncleons em um ncleo atmico estvel menordo que suas massas quando livres.

    IV. Massa Relativstica e equivalncia Massa-Energia em alguns livros didti-cos de Fsica para o ensino mdio

    O livro As faces da Fsica de Carron e Guimares (2002)5 dedica nove pginas Relatividade Restrita, onde, na seo Dinmica relativstica , a questo

    da massa relativstica apresentada ao leitor atravs da equao 22

    0 1/cvmm

    sem nenhuma meno ao conceito de momentum relativstico. No entanto, os auto-res tomam o cuidado de mencionar que a alterao na inrcia de uma partculano significa aumento de quantidade de matria do corpo . Mesmo assim, a obrapeca em definir 2mcE e 200 cmE , onde 0m chamada de massa de repouso.Sem grandes comentrios, os autores passam, em seguida, para a obteno da ener-gia cintica relativstica como 0EEEc , sem ressaltar que E significa a energiamecnica total para a partcula livre. A nica meno ao significado conceitual daequivalncia massa-energia se refere ao fato de os autores mencionarem que ela usada para o clculo da transformao de massa em energia e constitui a chave paraa compreensso da energia nuclear.

    A coleo Fsica de Gaspar (2000)6 tem o mrito de apresentar, emseu terceiro volume, tpicos importantes da Fsica do sculo XX com certa profun-didade. A Relatividade Restrita abordada num capitulo em separado, com 27 p-

    5 CARRON, W.; GUIMARES, O. As faces da Fsica. So Paulo: Moderna, Volume nico 2002

    6 GASPAR, A. Fsica. So Paulo: tica. 3 volumes, 2000.

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    ginas. Na seo Quantidade de movimento e massa relativstica , a expresso domomentum relativstico apresentada na forma da equao (2), mas, inadequada-mente, 0m definida como sendo a massa de repouso. Novamente, introduzida aidia de que, se um corpo tem massa, ele no pode atingir a velocidade da luz, poisnesse caso sua inrcia seria infinita. Na pgina 320, na seo Energia Relativsti-ca , o autor define a energia cintica relativstica de um corpo de massa de repou-so 0m e velocidade v em relao a determinado referencial por:

    1

    1

    1

    2

    22

    0

    cv

    cmEc ,

    sendo 202 cmmcEc , em que o termo mc

    2 chamado de energia total relativsti-ca (E), e o termo m0c2 a energia de repouso (E0). Novamente, v-se o no esclare-cimento de que E s poderia ser a energia mecnica total de uma partcula livre,pois no inclui energia potencial de interao. Quanto interpretao da equivaln-cia massa-energia, o autor menciona que massa energia, e que o valor c2 pode serentendido apenas como um fator de transformao entre essas grandezas.

    A obra Curso de Fsica 7 introduz o conceito de massa relativstica naseo 5-7, Limitaes da Mecnica Newtoniana . O momentum linear relativsticono apresentado. A massa relativstica usada para justificar que um objeto mate-rial no possa ser acelerado at a velocidade da luz. Mais adiante, na pgina 329, arelao massa-energia introduzida como um tpico especial e de forma curiosa:usando a definio de massa relativstica, a equao para a energia cintica do obje-to apresentada na forma:

    220 cmcmmEc

    sugerindo explicitamente ao aluno que a energia cintica seja igual variao damassa, devido ao movimento relativo, multiplicada pelo fator c2 (na notao adota-da no livro, m denota a massa relativstica). Na pgina seguinte, os autores afirmamque Einstein generalizou essa idia, concluindo que a variao da massa de umcorpo pode ser provocada no apenas por energia cintica, mas por qualquer outraforma de energia que seja fomecida a este corpo ou dele retirada . A partir da, osautores apresentam a equivalncia massa-energia como:

    2cmEAlm do erro histrico em afirmar que o prprio Einstein tenha escrito a relaoacima, novamente nos deparamos com o erro conceitual de afirmar que a energiaque aparece na equivalncia massa-energia inclui a energia cintica de translao

    7 MXIMO, A.; ALVARENGA, B. Curso de Fsica. v. 1. So Paulo: Scipione, 2000.

  • 96 Ostermann, F. e Ricci, T. F.

    do centro de massa do corpo, o que no correto (WARREN, 1976; ADLER,1987). Essa idia reforada com o exemplo dado na pgina 330, onde lemos quePortanto [...] um carro em movimento (possui energia cintica) tem massa maior

    do que se estivesse em repouso . Com isso, os autores esto identificando o signifi-cado da equivalncia massa-energia com a noo de massa relativstica dependenteda velocidade relativa. Como vimos, de maneira alguma esse o verdadeiro signifi-cado da famosa relao obtida por Einstein em 1905. Uma concluso errada a quetal interpretao logicamente conduz que, em um ncleo atmico estvel queesteja em movimento de translao relativo, a massa de um ncleon (igual massamedida para o ncleo, dividida pelo nmero de ncleos que ele contm) deveria,ento, ser maior do que quando o mesmo est livre, quando o correto o contrrio!Nada dito quanto ao papel desempenhado pela energi de ligao negativa dosncleons na reduo de suas massas.

    A obra Temas de Fsica de Bonjorno et al (1997)8 apresenta uma in-troduo RR tambm em nove pginas. Os autores no definem massa relativsti-ca, nem tampouco apresentam o momentum linear relativstico. Com relao aotema da equivalncia massa-energia, em uma pequena seo, apresentada a ex-presso 2mcE , da qual retirada a expresso para a energia de repouso como

    200 cmE . No entanto, os autores no explicitam a diferena entre m e m0 em cada

    expresso, mas de forma implcita est a o conceito de massa relativstica. O signi-ficado atribudo equivalncia massa-energia , em sntese, segundo esses autores,a concepo de que a energia equivale massa, que fica aprisionada na prpriamassa do corpo (BONJORNO et al, p. 313).

    Em uma das obras mais recentes no mercado (CABRAL; LAGO,2002)9, apresentada uma introduo de dez pginas RR em um captulo sobreFsica Moderna e Fsica Atual . Na pgina 515, na seo Matria e Energia ,

    definida a massa relativstica de um corpo a partir da massa de repouso m0 chaman-do a ateno para o fato de que a massa de um corpo depende de sua velocidade. Aseguir, apresentado um grfico que ilustra a variao da massa com a velocida-de (m/m0 x v/c). A relao massa-energia definida, na notao incorreta, comodada por 2mcE . Os autores no definem momentum relativstico e definem, erra-damente, a energia cintica como 20cmEc . notvel nesse livro que, novamen-te, srias incorrees so transmitidas aos alunos, alm do que, a expresso da ener-gia cintica apresentada incorretamente, um erro no encontrado nos outros textosconsultados. Alm disso, atribudo um significado errado relao massa-energia,

    8 BONJORNO, J.R.; BONJORNO, R.A.; BONJORNO, V.; RAMOS, C.M. Temas da Fsica. SoPaulo FTD. 3 volumes, 1997.

    9CABRAL, F.; LAGO, A. Fsica 3. So Paulo: Harbra, 3 volumes, 2002.

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    como se massa e energia fossem a mesma grandeza, podendo ser convertidas umana outra.

    A obra Imagens da Fsica (AMALDI, 1995)10 no introduz explici-tamente o conceito de massa relativstica, nem tampouco o de momentum linearrela- tivstico. A equivalncia massa-energia inicialmente apresentada de formacorreta, como se pode concluir da frase a massa de um corpo que absorve umaquantidade de energia E aumenta de uma quantidade E/c2 . Mas, no pargrafoseguinte, encontramos a relao 2mcE e, no prximo pargrafo, a relao

    200 cmE . Est, portanto, implcito que quando o autor escreve a primeira dessas

    relaes, est se referindo massa relativstica, a qual no foi definida antes. Poroutro lado, nada dito quanto m0, nem o termo massa de repouso mencionado. O leitor deve se sentir confuso com a notao empregada! A confuso aumentamais quando, contrastando as minsculas variaes de massa ocorridas em reaesqumicas com as que ocorrem nas reaes nucleares, o autor escreve no final daseo a frase infeliz: J nas reaes nucleares a energia cintica das partculasemitidas no desprezvel em relao energia de repouso dos ncleos e demaispartculas. Nesse caso, a no-conservao da massa desempenha um papel funda-mental . Nada dito quanto ao papel desempenhado pelas energias de ligao en-volvidas, a causa verdadeira das variaes de massa nessas reaes, dando ainda aoleitor a impresso de que tais variaes se devem s altas velocidades das partculasemitidas, o que parece estar relacionado, confusamente, ao uso implcito que o autorest fazendo do conceito de massa relativstica.

    No livro de Nicolau et al (2002)11, h um captulo de mais de vinte p-ginas dedicado RR (incluindo trs pginas dedicadas Relatividade Geral). Osautores no mencionam o conceito de massa relativstica e na seo Energia relati-vstica a expresso para a equivalncia massa-energia dada a partir do conceitode energia de repouso, E0= mc2, usando a notao mais aconselhada. A energia total definida, ento, como 22 mcmcKE , apenas os autores no esclarecem quese trata de uma partcula livre, ou seja, que se move com velocidade constante. Osautores tambm no abordam o conceito de momentum linear relativstico. Ao finalda seo, chamada a ateno de que a converso massa-energia facilmenteconstatada em reaes nucleares, mas o significado correto da relao massa-energia no discutido.

    preciso reconhecer que existe um atenuante para os erros cometidospelos autores dos livros didticos analisados. Pois, de fato, a partir de sua formao

    10 AMALDI, U. Imagens da Fsica. So Paulo: Scipione, 1995.

    11 NICOLAU, G.F.; PENTEADO, P.C.; SOARES, P.T.; TORRES, C.M. Fsica - Cincia eTecnologia. So Paulo: Moderna, v. nico, 2002.

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    universitria e de leituras complementares que devem ter realizado sobre o assunto,esses autores certamente foram influenciados por obras didticas mais avanadassobre a RR (SAWICKI, 1996) ou de divulgao cientfica, obras essas muitas vezesescritas por fisicos consagrados internacionalmente. Como exemplo de uma obradidtica em nvel de graduao, podemos citar uma muito famosa (FEYNMAN etal, 1963)12, onde os autores, surpreendentemente, iniciam a seo 15-1 sobre a RRescrevendo a segunda lei do movimento na forma originalmente proposta por New-ton, mas com a massa newtoniana, como escrevem, corrigida por Einstein (o queconstitui um erro histrico), ou seja, substituda pela massa relativstica. Mais adi-ante, na seo 15-9, encontramos a energia mecnica relativstica escrita como

    2mcE , seguida da frase Estudemos as conseqncias resultantes da suposiode Einstein de que a energia de um corpo sempre mc2 , de cujo contexto podemos concluir, com certeza, que os autores esto se referindo massa relativstica quando escrevem o smbolo m. Um erro didtico grave, ainda mais que o texto leva o leitordesavisado a concluir que a energia de um corpo sempre igual a mrc2, mesmo queno se trate de um corpo livre, o que no verdadeiro para um corpo submetido acampos de fora. Na seo 16-4, encontramos um longo comentrio sobre a massarelativstica. E no captulo 17, quando abordam a formulao de Minkowski para aRR, os autores introduzem, genericamente, quadrivetores do espao-tempo e defi-nem o produto interno e a norma de quadrivetores, mas em nenhum momento tra-tam de mencionar o exemplo concreto do quadrivetor momentum linear, para o qual a massa newtoniana , basicamente, o comprimento do quadrivetor momentum-energia. Esta uma obra que exerceu e exerce grande influncia em autores detextos de ensino mdio. Veja, por exemplo, o caso da discusso que podemos en-contrar na pgina 319 de Gaspar (2000), declaradamente influenciada pela obra deFeynman et al. Apesar de sua abordagem iniciar com a definio de massa relativs-tica, como fazem Feynman et al (1963), o autor teve o mrito de criticar este trata-mento, em um pequeno box de discusso complementar, mencionando que a ten-dncia de considerar a massa constante tem crescido muito entre os fisicos ultima-mente e comentando que, em 1948, o prprio Einstein reconheceu que a relativida-de da massa no foi uma boa idia . Como exemplo de uma obra de divulgaocientfica escrita por um fisico consagrado e que usa, por simplicidade, o conceitode massa relativstica, podemos citar a obra recm editada do fsico ingls StephenHawking (HAWKING, 2002)13, onde podemos ler na pgina 12 da edio brasileira

    ...que quando a energia utilizada para acelerar qualquer coisa, seja uma part-cula, seja uma espaonave, a sua massa aumenta, tornando ainda mais difcil ace-ler-la , No mesmo pargrafo, lemos a frase Massa e energia so equivalentes,

    12 FEYNMAN, R.; LEIGHTON, R.; SANDS, M. The Feynman Lectures on Physics.So Franscisco: Addison-Wesley. v. 1, 1963.

    13 HAWKING, S. O Universo numa casca de noz. So Paulo: Arx, 2002.

  • Cad. Brs. Ens. Fs., v. 21, n. 1: p. 83-102, abr. 2004 99

    conforme sintetizado na famosa equao de Einstein E=mc2 . Sem que o autor faaqualquer observao para esclarecer ao leitor que m denota a massa inercialnewtoniana da partcula, e dada a proximidade das duas frases citadas, o leitor ficacom a impresso de m a massa relativstica, o que, como vimos, est incorreto.

    Como contraponto aos exemplos de livros didticos de ensino mdio ci-tados, podemos citar a obra Fsica Conceitual (HEWITT, 2002)14, que em suanona edio aborda a RR em um captulo separado. L, o momentum linear relati-vstico introduzido com a notao aconselhvel da equao (1), enquanto a impos-sibilidade de um corpo material ser acelerado at uma velocidade igual a c justifi-cada com base na impossibilidade fsica de se dispor, para tal, de um impulso devalor infinito atuando sobre o corpo. O autor tambm comenta sobre a inadequaodo conceito de massa relativstica, mencionando que o prprio Einstein, em suamaturidade, manifestou-se neste sentido (ver citao no final da concluso desteartigo). Alm disso, o autor define corretamente a equivalncia massa-energia, refe-rindo-se energia de repouso, poeticamente, como sendo a energia de existncia ,tomando o cuidado de observar que esta relao no se restringe a reaes nuclearesou qumicas apenas, mas a quaisquer processos fsicos em que ocorram trocas deenergia entre um sistema e sua vizinhana. Quanto aos dois conceitos da RR aquianalisados, esta obra pode ser uma referncia preciosa para aqueles professores quedesejam introduzir de maneira conceitualmente correta essas noes.

    V. Concluses

    De um ponto de vista de correo conceitual, mais aconselhvel defi-nir e escrever o momentum linear, a energia mecnica e a energia cintica relativs-ticos, respectivamente, como mvp , 2mcE e 12mcK , em lugar dasformas tradicionais que empregam a definio de massa relativstica. Com isso, seevitaia que o aluno fosse induzido, em seu contato formal com a RR, a utilizar esteconceito; e, ao mesmo tempo, se reforaria a idia de que o momentum linearrelativstico que difere do newtoniano no limite de velocidades relativsticas, e noa massa relativstica de sua correspondente newtoniana. Na RR se deveria, desdeo incio, falar apenas em uma massa , a massa newtoniana, evitando-se inclusive aexpresso dbia massa de repouso . Muito mais adequado introduzir o conceitode momentum linear relativstico do que o de massa relativstica. O conceito demomentum linear newtoniano bastante usado no ensino mdio (a chamada quan-tidade de movimento ), e valeria a pena mostrar como ele generalizado na RR.Infelizmente, poucos livros didticos disponveis para o ensino mdio o fazem.

    Uma certa displicncia pode ser notada em autores de livros didticos de ensino mdio, ao introduzirem a relao 2ymcE sem deixar claro para o leitor

    14 HEWITT, P.G. Fsica Conceitual. Porto Alegre, Bookman, 2002.

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    ser ela vlida apenas para uma partcula ou um corpo livre. O mesmo pode-se dizerquanto notao freqentemente empregada. Um cuidado especial deveria ser to-mado quanto s diferentes possibilidades de emprego da mesma. Na literatura daFsica, a equivalncia massa-energia pode ser encontrada escrita nas formas (O-KUN, 1989) 20 mcE ,

    2mcE , 200 cmE ou2

    0cmE . A segunda delas confusa por no deixar claro que se trata da energia de repouso (e se E fosse a ener-gia mecnica simplesmente, ento m teria que ser a massa relativstica). A terceiraexige que se introduza a expresso massa de repouso , o que pode levar algumautomaticamente a pensar numa massa de movimento (que nada mais do quemassa relativstica ). A ltima delas confusa, pois sugere que a energia mecnica

    de uma partcula livre (no necessariamente em repouso) seja sempre igual a m0c2(que, na sua notao, seria sua energia de repouso), o que falso; alm do que osubndice o denota a massa de repouso, noo que deveria ser evitada. A melhornotao de todas , pelos argumentos expostos antes, a primeira delas. Ainda comrelao equivalncia massa-energia, na quase totalidade das obras analisadas, oseu significado correto no abordado, preferindo-se, em geral, identific-lo com apossibilidade de converso de massa em energia e vice-versa.

    Deixemos o prprio Einstein se manifestar a respeito, transcrevendouma citao, traduzida do alemo e retirada de uma carta sua, escrita em 19 de ju-nho de 1948 a Lincolm Barnett (OKUN, 1989): No bom introduzir, para um

    objeto mvel, o conceito de massa 221 cvmM para o qual nenhuma defini-o clara fornecida. melhor no introduzir qualquer outra massa alm da 'mas-sa de repouso' m. Em vez de introduzir M; melhor mencionar as expresses parao momentum e a energia de um corpo em movimento .

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