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Relações Comerciais entre a Grande Distribuição Agro-Alimentar e os seus Fornecedores Autoridade da Concorrência Gabinete de Estudos Económicos e de Acompanhamento de Mercados Relatório Preliminar Dezembro de 2009

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Relações Comerciais entre a

Grande Distribuição Agro-Alimentar

e os seus Fornecedores

Autoridade da Concorrência Gabinete de Estudos Económicos e de Acompanhamento de

Mercados

Relatório Preliminar

Dezembro de 2009

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Índice remissivo

Sumário Executivo ................................................................................................ 4

1. Introdução: origem e objecto do Relatório ........................................................ 9

2. Antecedentes ............................................................................................. 12

3. O sector da Distribuição ............................................................................... 37

4. Uma análise dos sectores nacionais do leite UHT, arroz e massas alimentícias ..... 66

5. Relações comerciais entre fornecedores e distribuidores ................................... 88

Anexo 1 – Dados e elementos complementares ...................................................... 95

Anexo 2 – Resenha da literatura económica sobre poder de compra ........................ 100

Glossário ......................................................................................................... 138

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Sumário Executivo

1. À semelhança do ocorrido em diversos mercados internacionais (v.g., do sector

energético), os preços internacionais e europeus de alguns produtos-base

(“commodities”) do sector agro-alimentar – em especial dos cereais, bem como

de outros produtos transaccionáveis – caracterizaram-se por um período de

intensa volatilidade no recente biénio 2007-2008, tendo registado um movimento

de forte subida desde o segundo semestre de 2006 para máximos históricos no

inicio do ano de 2008 e regredido desde então.

2. Esta evolução dos preços de alguns produtos-base no sector agro-alimentar

condicionou, mesmo que só parcialmente, a evolução dos preços na produção

agro-alimentar (de produtos-base e derivados, tal como o leite) na União Europeia

(UE), tendo esta evolução nos preços na produção vindo a merecer especial

atenção por parte da Comissão Europeia (CE) e de diversos Estados Membros.

3. É importante ter presente que o pano de fundo das questões agrícolas na UE está

relacionado com as perspectivas em torno da reforma da PAC (Politica Agrícola

Comum) de 2003. Esta reforma iniciou o processo de liberalização do sector

agrícola, reduzindo o mecanismo de apoio dos preços e criando ajudas directas ao

rendimento, com a abolição definitiva do regime de quotas em 2013 e 2015.

4. A evolução dos preços na produção de diversos produtos agro-alimentares acima

descrita em muito agravou os incentivos às respectivas produções, acentuando os

efeitos da crise económica e do pessimismo gerado por esta nova reforma da PAC.

O impacto que esta situação tem tido no rendimento agrícola levou à promoção de

diversas análises a nível Comunitário, quer pela CE quer por diversos Estados

Membros, de forma a equacionar um conjunto de soluções que se compaginem

com as reformas em curso no âmbito da PAC.

5. Neste sentido a CE produziu, recentemente, uma série de documentos de trabalho

preliminares sobre o funcionamento actual da cadeia de abastecimento alimentar

na UE. Conforme consta destes documentos, é objectivo da CE prosseguir o

acompanhamento deste tema, incluindo o das relações comerciais entre a grande

distribuição alimentar (GDA) e os seus fornecedores ao nível da UE.

6. A Autoridade da Concorrência (AdC) vem acompanhando, no seio da REC (Rede

Europeia da Concorrência ou “European Competition Network”, ECN), os

desenvolvimentos das análises conduzidas pela CE e por outros Estados Membros.

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7. Em paralelo, diversas questões têm sido dirigidas à AdC sobre o alegado

enquadramento deste tipo de problemas no âmbito das relações comerciais entre

os grupos da GDA (grossista e retalhista) e os seus fornecedores que poderão,

nomeadamente, ter condicionado a evolução das margens comerciais dos

fornecedores de diversos produtos agro-alimentares.

8. O presente Relatório Preliminar deverá ser enquadrado neste contexto.

Juntamente com o Relatório Final, com conclusão prevista para Julho de 2010,

procede a uma análise mais aprofundada do que análises anteriores da AdC, quer

ao nível de práticas da GDA (contratuais ou extra-contratuais) junto dos seus

fornecedores, quer ao nível mais especifico de certos produtos, designadamente,

do leite UHT, arroz e massas alimentícias.

9. O enfoque do Relatório Preliminar nestes três produtos justifica-se pelo facto de

serem objecto de intervenção ao abrigo da PAC (existência de preços de

intervenção no leite, no arroz e no trigo duro, sendo este utilizado para o fabrico

de massas alimentícias), de serem objecto de preocupações nacionais e

Comunitárias, nomeadamente no caso do leite. Acresce que as suas cadeias de

valor ao nível nacional apresentam características suficientemente diferenciadas,

no que respeita à produção e transformação, para constituírem pontos de

referência aquando da análise detalhada do impacto do comportamento dos GGR

sobre a evolução do sector agro-alimentar, a ser apresentada no Relatório Final.

10. Este Relatório Preliminar apresenta também as linhas gerais da evolução da GDA,

em especial dos grandes grupos retalhistas (GGR) – principais operadores neste

sector –, quer ao nível do seu posicionamento no comércio a retalho, quer ao

nível da sua representatividade na procura em diversos mercados nacionais de

aprovisionamento. Consta, de igual forma, deste Relatório Preliminar, uma

descrição detalhada da literatura económica relativa aos principais conceitos

subjacentes ao tema em análise, tais como “dependência económica”, “poder de

compra” (“buyer power”), impacto do poder de compra dos GGR sobre o bem-

estar dos consumidores (efeito de “pass-through”) e efeitos colaterais deste poder

de compra sobre os fornecedores e sobre o comércio tradicional (efeito de

“waterbed”).

11. Para além de uma análise mais aprofundada dos três sectores acima indicados, o

Relatório Final de Julho de 2010 incluirá diversos outros produtos, entre os quais

outros lácteos (iogurtes, queijos e manteigas), cafés e sucedâneos, conservas e

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enlatados, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais de pequeno-almoço,

bolachas, produtos de gordura vegetal (margarinas, óleos e azeites), pescado

fresco e bacalhau, frutas e legumes, aves (frango e peru) e carne fresca, ovos,

bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.

12. Igualmente, o Relatório Final de Julho de 2010 analisará em detalhe o fenómeno

dos produtos de marca da distribuição (também designados de ‘marca própria’ ou

‘marca branca’) e do seu impacto sobre a concorrência e bem-estar dos

consumidores. Outros temas delegados para esta análise mais aprofundada são:

(i) o eventual enquadramento de algumas cláusulas constantes dos contratos

entre a GDA e os seus fornecedores no âmbito jusconcorrencial; (ii) a apreciação

jusconcorrencial das práticas da GDA elencadas pelos fornecedores como lesivas

dos seus interesses; e (iii) o impacto que a expansão dos GGR poderá ter tido, a

montante e a jusante, através de uma análise quantitativa enquadrada pelos

conceitos acima referidos.

13. No entanto, algumas conclusões podem, desde já, ser retiradas da presente

análise preliminar. Embora o Relatório tenha como enfoque toda a GDA, os

problemas potenciais em torno das relações comerciais entre esta e os seus

fornecedores respeitam, sobretudo, os GGR. De facto, atenta a expansão destes

grupos na compra nos mercados de aprovisionamento em detrimento dos demais

grupos, nomeadamente dos grossistas e de cadeias retalhistas de dimensão

regional, será pouco expectável que estes outros grupos possam beneficiar de um

poder de compra comparável ao dos GGR, a menos que integrem agrupamentos

de compra e/ou de negociação com estes GGR.

14. Em particular, a representatividade dos GGR no valor total da procura no mercado

de aprovisionamento de produtos alimentares evoluiu de 57,1% em 2002 para

72,4% em 2008. No valor global do comércio a retalho, os GGR cresceram de

77,4% em 2002 para 83,5% em 2008, tendo esta evolução resultado num reforço

do grau de concentração destes Grupos nos mercados de aprovisionamento e de

venda a retalho. A forte concentração do GGR no aprovisionamento reflecte-se, de

igual forma, na importância cumulativa dos dois principais GGR na procura neste

mercado, a qual evolui de 36,6% em 2002 para 45,6% em 2008.

15. Porém, não obstante esta forte concentração, é importante salientar que estes

grupos não se comportam como uma única entidade, mas como 9 grupos

distintos, quer no aprovisionamento, quer no retalho, revelando grande dinâmica

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ao nível das suas estratégias de concorrência entre eles (tal como aliás referido

na análise supra citada da CE).

16. De igual forma se constata que, nos casos do leite UHT, arroz e massas

alimentícias, os GGR representam entre 60% e 80% da procura destes produtos

no mercado de aprovisionamento sem que, todavia, estas percentagens per se

signifiquem que estes grupos disponham, nestes sectores, de um suficiente poder

de compra que possa contrapor o poder de mercado dos respectivos fornecedores.

17. O impacto dos GGR ao nível destes três sectores varia consoante o sector

considerado. Enquanto que existe uma produção agrícola nacional nos casos do

leite e do arroz, envolvendo um número muito significativo de produtores – sendo

Portugal auto-suficiente em leite cru e em cerca de 60% em arroz (auto-suficiente

em arroz carolino, mas quase total dependência externa em arroz agulha) –, as

massas são um produto industrial transformado, sendo a sua principal matéria-

prima (o trigo duro), essencialmente, de origem externa.

18. No que respeita aos mercados de aprovisionamento destes produtos, constata-se

existir um fraco recurso à importação de massas alimentícias e de leite UHT,

tendo estas sido de cerca de 5% e de 10%, respectivamente, no valor total dos

consumos em 2008.

19. Por seu turno, os mercados nacionais de aprovisionamento do leite UHT e das

massas alimentícias são significativamente mais concentrados do que no caso do

arroz (sendo que nos dois primeiros casos um fornecedor representa mais de 70%

dos respectivos mercados).

20. Assim, enquanto que a importância dos GGR no aprovisionamento de leite UHT e

de arroz poderá ter efeitos na respectiva actividade agrícola nacional, ao nível das

massas alimentícias estes efeitos cingir-se-ão à indústria de moagem e fabrico

deste produto.

21. De salientar que a presente análise, que será concluída em Julho de 2010, tem

como objecto as relações comerciais entre a grande distribuição agro-alimentar e

os seus fornecedores, e em que medida estas relações podem ser enquadráveis

na lei nacional da concorrência (Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho) e/ou no âmbito

de práticas comerciais restritivas (Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na

redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio).

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22. Não sendo atribuição da AdC constituir-se como um observatório de preços no

sector agro-alimentar, tarefa que, aliás, se revelaria de muito difícil execução

dada a complexidade de que a mesma se revestiria face à longa lista de produtos,

e/ou tipos de um mesmo produto, que teriam de ser considerados, bem como à

dispersão de fontes de informação e à ausência de vários dados estatísticos, a

análise da evolução de custos, preços e margens comerciais ao longo da cadeia

alimentar para cada produto objecto do presente relatório, será conduzida na

medida em que possa informar a análise das relações comerciais entre a GDA e os

seus fornecedores e a sua evolução no passado recente.

23. Saliente-se que a CE tem-se defrontado com estas mesmas dificuldades tendo,

por este motivo, sublinhado o interesse em construir ferramentas, a nível

europeu, de monitorização dos preços de pelo menos alguns produtos

alimentares, como será referido adiante.

24. Aliás, a relativa dificuldade em obter dados estatísticos de grande abrangência (ao

nível dos diferentes mercados e produtos considerados) e actualizados aponta

para a necessidade de um significativo investimento na expansão da capacidade

de recolha e de tratamento deste tipo de informação a nível nacional.

25. Por último, saliente-se que numa análise jusconcorrencial das práticas (sejam elas

contratuais ou extra-contratuais) da GDA junto dos seus fornecedores, há que

distinguir as que possam, eventualmente, ser: (i) enquadráveis na Secção II –

Práticas Proibidas – da lei nacional da concorrência (ex vi nos seus artigos 4.º, 6.º

e 7.º); (ii) enquadráveis no disposto no supra referido Decreto-Lei n.º 370/93; e

(iii) as que embora espelhando um desequilíbrio de forças negociais entre as duas

partes, não constituem um ilícito jusconcorrencial (ou uma proibição ao abrigo do

supra citado Decreto-Lei n.º 370/93), antes podendo, eventualmente, ser

mitigadas pela adopção de v.g. contratos-tipo, pela facilitação de entrada no

mercado e por outras medidas de natureza regulamentar, quer em termos de

auto-regulação sectorial, quer em termos legislativos.

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1. Introdução: origem e objecto do Relatório

26. À semelhança do ocorrido em diversos mercados internacionais (v.g., do sector

energético), os preços internacionais e europeus de alguns produtos-base

(“commodities”) do sector agro-alimentar – em especial dos cereais, bem como

de outros produtos transaccionáveis – caracterizaram-se por um período de

intensa volatilidade no recente biénio 2007-2008, tendo registado um movimento

de forte subida desde o segundo semestre de 2006 para máximos históricos no

inicio do ano de 2008 e regredido desde então

27. Em particular, os preços dos futuros a um mês dos principais lotes de trigo no

mercado de Chicago (Chicago Board of Trade) – i.e., no mercado de referência

para os cereais nos Estados Unidos (EUA) – atingiram máximos históricos no

primeiro trimestre de 2008. Na UE, os preços médios na produção de diversos

produtos-base (tal como os cereais) e derivados (tal como o leite) atingiram em

vários Estados Membros, incluindo Portugal, máximos históricos no final do ano de

2007 ou no início do ano de 2008, tendo regredido desde essa data.

28. Sem prejuízo desta evolução dos preços na produção poder ser atribuída, segundo

análises recentes da CE e do Banco Mundial, a alterações do próprio

funcionamento dos mercados, a forte queda dos preços na produção no sector

agro-alimentar europeu, observada no decorrer do ano de 2008, em muito

agravou os incentivos às respectivas produção, acentuando os efeitos da crise

económica e do pessimismo gerado por esta nova reforma da PAC. O impacto que

esta situação tem no rendimento agrícola levou à promoção de diversas análises a

nível Comunitário, de forma a equacionar um conjunto de soluções que

condicionem semelhantes evoluções futuras e que se compaginem com o conjunto

de reformas em curso no âmbito da PAC.

29. A importância de que se reveste a designada “grande distribuição alimentar”

(GDA), nomeadamente ao nível dos GGR, na revenda de produtos agro-

alimentares ao consumidor final e a relação tida entre estes grupos e os mercados

de aprovisionamento, ressuscitou, uma vez mais, a tradicional polémica das

relações desequilibradas entre estes grupos e as empresas de aprovisionamento.

30. Neste sentido, o presente Relatório, ainda numa versão preliminar, surge na

sequência de diversas questões dirigidas à AdC sobre problemas que,

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supostamente, se colocam nas relações comerciais entre a GDA (retalhista e

grossista), nomeadamente ao nível dos GGR, e os seus fornecedores.

31. Igualmente, e em paralelo, várias têm sido as notícias veiculadas pela imprensa

dando conta de algumas situações consideradas ”abusivas” por parte da GDA ou

por parte dos GGR e das eventuais repercussões negativas das mesmas na “saúde

económica” das empresas industriais fornecedoras, assim como, em relação a

alguns bens, nos produtores agrícolas nacionais.

32. Em causa estará um certo desequilíbrio nas relações comerciais entre

fornecedores e distribuidores resultante do poder de compra (ou de mercado)

detido pela distribuição, decorrente, nomeadamente, do movimento de

concentrações ao nível do mercado do aprovisionamento e da especificidade

subjacente àquelas relações comerciais, nomeadamente, da maior dependência

dos fornecedores em relação à GDA, face à necessidade de fazerem chegar os

seus produtos aos consumidores, do que dos distribuidores em relação aos

fornecedores, dada a natureza multi-produtos da actividade dos primeiros, tendo

estes cada produto mais do que uma opção de fornecedor.

33. Para o citado desequilíbrio negocial tem também sido apontado como responsável

o crescente peso das marcas dos distribuidores (MDD), com o consequente

reforço do seu poder negocial daí decorrente.

34. A actual crise económica e a concorrência ao nível da GDA tem suscitado uma

adaptação permanente das suas estratégias comerciais, algumas delas com

repercussões directas nas relações comerciais com os seus fornecedores.

35. Têm sido apontadas, como alegadamente lesivas da concorrência, várias práticas

que ocorrem com frequência no sector da cadeia de abastecimento alimentar

(v.g., agrupamentos de compra, crescente uso de MDD e pagamentos para

referenciação de produtos).

36. Numa perspectiva de política de concorrência, questões como a estrutura

concorrencial dos mercados e as barreiras regulamentares à entrada terão de ser

analisadas ab initio para, posteriormente, ser avaliado em que medida as práticas

identificadas estão correlacionadas com aquelas questões.

37. Após uma descrição de diversos antecedentes à problemática das relações

comerciais entre a grande distribuição agro-alimentar e os seus fornecedores

(capítulo 2), analisaremos o enquadramento regulamentar da GDA e dos GGR em

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Portugal, bem como o seu posicionamento nos mercados de venda e de

aprovisionamento (capítulo 3). Embora a questão da alegada dependência

económica dos fornecedores face aos grupos da GDA seja remetida para o

Relatório Final de Julho de 2010, a qual incluirá uma análise específica a vários

produtos agro-alimentares1, o presente Relatório Preliminar identifica alguns

aspectos potencialmente relevantes para este tipo de análise ao nível do leite

UHT, do arroz e das massas alimentícias (capítulo 4).

38. Neste âmbito, constata-se que, nos casos do leite UHT, arroz e massas

alimentícias, os GGR representam entre 60% e 80% da procura destes produtos

no mercado de aprovisionamento sem que, todavia, estas percentagens per se

signifiquem que estes grupos disponham, nestes sectores, de um suficiente poder

de compra que possa contrapor o poder de mercado dos respectivos fornecedores.

39. Também as principais cláusulas constantes dos contratos celebrados entre a

grande distribuição e os seus fornecedores susceptíveis de criar desequilíbrios

nesta negociação são identificadas neste Relatório Preliminar (capítulo 5).

40. Finalmente, este Relatório apresenta ainda em anexo uma resenha da literatura

económica sobre as principais questões de índole económica relacionadas com os

temas aqui em análise, a saber os conceitos de poder de compra da GDA, “pass-

through” (repercussão ao nível do bem-estar do consumidor) e “waterbed effect”

(efeitos colaterais do poder de compra da GDA). A perspectiva da literatura

económica sobre estes conceitos (Anexo 2) permitirá o devido enquadramento

dos temas aqui em análise para uma análise mais aprofundada no âmbito do

Relatório Final de Julho de 2010.

1 A amostra completa de produtos em análise – para o Relatório de Julho de 2010 – inclui produtos lácteos

(leite UHT, iogurtes, queijos e manteigas), cafés e sucedâneos, conservas e enlatados, arroz, massas alimentícias, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (óleos, azeites e margarinas), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, ovos, aves e carne fresca, bem como as bebidas não alcoólicas de alta rotação.

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2. Antecedentes

2.1. Caracterização dos grandes grupos retalhistas

41. O presente Relatório tem como enfoque a análise das relações comerciais entre a

GDA e os seus fornecedores. Neste sentido, são de salientar as seguintes três

ressalvas.

42. Primeiro, a aqui denominada GDA inclui grossistas e retalhistas, nomeadamente

os de grande dimensão, que operam enquanto redes (ou cadeias) de unidades de

distribuição. Sem prejuízo do facto de se analisarem as relações comerciais entre

a GDA e os seus fornecedores, o presente estudo tem como principal enfoque os

GGR atento o seu forte crescimento desde a década de 1980, em detrimento do

comércio tradicional e do canal grossista (vide Capítulo 3 infra).

43. Para efeitos do presente estudo, consideram-se GGR, as cadeias de

supermercados (supers) e de hipermercados (hipers) de âmbito nacional, em

oposição aos demais grupos retalhistas de âmbito regional (v.g., as cadeias

Alisuper no distrito de Faro e A. C. Santos nos distritos de Lisboa e de Leiria).

44. Actualmente, existem nove GGR em Portugal: os grupos Aldi, Auchan (insígnias

Pão de Açúcar e Jumbo), Carrefour (rede de lojas Dia%/Minipreço)2, E. Leclerc, El

Corte Inglés (lojas El Corte Inglés e Supercor), ITMI ou “Os Mosqueteiros”

(insígnias Intermarché e Ecomarché), Jerónimo Martins (doravante “JM” ou

“Grupo JM”, detentor das insígnias retalhistas Pingo Doce3 e Feira Nova e da

insígnia grossista Recheio), Modelo Continente (doravante “MC” ou “Grupo MC”,

do Grupo Sonae Distribuição e detentor das insígnias Modelo, Continente e das

lojas M24 localizadas em alguns postos Galp) e Lidl.

45. Segundo, a aqui denominada GDA inclui todos os bens de consumo corrente

escoados pelos supers, que integram não apenas o ramo alimentar – produtos de

“mercearia”, “frescos (pescado, carne, bem como frutas e legumes)”, “lácteos”,

2 A anterior rede de hipers do Grupo Carrefour foi adquirida pelo Grupo MC após decisão da AdC de não

oposição sob condições, de 27.12.2007 (cf. http://www.concorrencia.pt/Conteudo.asp?ID=1232, vide, de igual modo, subsecção 2.3.3 infra).

3 A cadeia de supermercados Plus (Grupo Tengelmann) foi adquirida pela cadeia Pingo Doce do Grupo JM

após decisão da AdC de não oposição sob condições, datada de 29.04.2008 (cf. http://www.concorrencia .pt/Conteudo.asp?ID=1232, vide, de igual modo, subsecção 2.3.3 infra).

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bem como as “bebidas” alcoólicas e não alcoólicas – mas, de igual modo, os

produtos de “higiene pessoal” e de “drogaria e bazar”.4

46. Terceiro, embora o presente Relatório se cinja aos supra referidos produtos da

“distribuição alimentar”, parte da GDA opera, de igual modo, em segmentos de

um comércio mais especializado (v.g., vestuário, material informático e

electrodomésticos), tal como é o caso, por exemplo, dos Grupos Auchan (Box), El

Corte Inglés e MC (Worten e Sport Zone). Para além destes segmentos, são,

ainda, de salientar os da reparação automóvel (Stationmarché do Grupo ITMI) e o

da venda de combustíveis líquidos rodoviários (gasóleos e gasolinas) em postos

de abastecimento ao público (casos dos Grupos Auchan, E. Leclerc, ITMI e JM).

47. Para além de uma análise genérica da evolução da GDA, e em especial dos GGR,

quer ao nível do seu posicionamento no comércio a retalho, quer ao nível da sua

representatividade na procura nos diversos mercados nacionais de

aprovisionamento, este Relatório tem como enfoque a análise das relações

comerciais entre a GDA e os seus fornecedores nos seguintes produtos: lácteos

(leite UHT, iogurtes, manteiga e queijos), cafés e sucedâneos, conservas e

enlatados, arroz, massas alimentícias, farinhas lácteas e de uso culinário, cereais

de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (margarinas, óleos e

azeites), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, aves (frango e peru) e

carne fresca, ovos, bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.

48. O Presente Relatório Preliminar focará em três destes produtos: leite UHT, arroz e

massas alimentícias.

49. Este capítulo apresenta uma breve resenha da evolução da relação entre a

produção / aprovisionamento e a grande distribuição (secção 2.2), as acções

desenvolvidas no âmbito destas relações ao nível nacional, pela AdC (secção 2.3)

e de auto-regulamentação do sector (secção 2.4), bem como ao nível Comunitário

(secção 2.5) e internacional (secção 2.6).

4 Estes produtos compõem a categoria dos “groceries”, tal como denominada pelos Relatórios recentes

sobre o sector da Autoridade da Concorrência Irlandesa, de Abril de 2008 e da Comopetition Commission do Reino Unido, também de Abril de 2008 (vide secção 2.6 infra).

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2.2. Breve descrição da evolução das relações entre

produção e distribuição

50. À semelhança de outros países da UE, o sector da distribuição alimentar em

Portugal sofreu significativas mutações nas últimas décadas.

51. Como marcos de referência na evolução deste sector podemos dizer que o forte

desenvolvimento dos GGR iniciou-se em Portugal na década de 1980, tendo o

primeiro hipermercado sido aberto em 1985, em Matosinhos, pelo Grupo MC.

Recorde-se que o primeiro hipermercado na Europa foi aberto pelo Grupo

Carrefour, em França, em 1963. Em Portugal, o segmento do “hard discount”5

começou a desenvolver-se nos anos 90 com a entrada da cadeia Lidl6.

52. As mutações em causa assentaram, fundamentalmente, na expansão de novas

formas e métodos de venda, originando novos formatos comerciais, novas

estratégias que tiveram, como provável consequência, uma progressiva alteração

das preferências (ou, mais rigorosamente, da escolha) do consumidor final em

favor dos GGR, o que terá reforçado o grau de concentração dos mesmos ao nível

do retalho e do aprovisionamento. Por seu turno, este movimento de

concentração poderá, em parte, ter contribuído para o reforço do grau de

concentração da oferta, quer nos mercados de aprovisionamento, quer ao nível da

produção (vide capítulo 4 infra).

53. Esta “revolução” comercial foi, sobretudo, induzida pela evolução dos hábitos dos

consumidores, em resultado de factores demográficos, horários de trabalho,

condições de transporte, poder de compra, etc., os quais tornaram o consumidor

cada vez mais exigente, multifacetado e complexo, comportando-se de maneira

diferente na escolha do tipo de loja, consoante o produto a adquirir, a ocasião de

compra e o tipo de compra. Por outro lado, a multiplicação, diversificação e

massificação dos produtos, gerando um aumento significativo de concorrência,

tem originado diversificação dos métodos de venda e do tipo de oferta

(estabelecimentos e produtos) em função de segmentos específicos de mercado.

5 Entende-se por hard discount a distribuição no retalho caracterizada pela venda de produtos a muito baixo

preço, em que muitos desses produtos são MDD (também denominadas por “marcas brancas”), i.e., produtos fabricados ou fornecidos por uma empresa, e vendidos sob a insígnia de outra empresa.

6 J. Rodrigues (2006). “Buyer power and pass-through of large retailing groups in the Portuguese food

sector”, Documento de Trabalho (WP) n.º 14 da AdC, Setembro de 2006 (disponível em: http:// www.concorrencia.pt/Publicacoes/Autoridade.asp, secção “Working Papers”).

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54. Igualmente, a evolução da utilização de novas tecnologias na venda a retalho

propiciou importantes economias na gestão de stocks, bem como o acesso a

dados importantes sobre o tipo de despesas dos consumidores, possibilitando aos

operadores, quase em tempo real, adaptarem as suas estratégias comerciais.

55. O fenómeno tem-se centrado, sobretudo, na área da GDA, onde operam unidades

comerciais oferecendo multiprodutos num sistema de livre-serviço, se bem que se

venha igualmente estendendo à área da distribuição não alimentar, com a

crescente instalação de grandes unidades de retalho especializado (vide supra).

56. A actividade comercial deixou de ser entendida numa óptica de simples actividade

de escoamento dos produtos do fornecedor, para se passar a reconhecer o serviço

que a mesma acrescenta aos produtos (i.e., o seu valor acrescentado)

contribuindo, de maneira decisiva, para a sua valorização junto dos consumidores.

57. Neste sentido, nas relações que se estabelecem entre fornecedores e

distribuidores, estes deixam de ser entendidos como meros agentes do produtor –

permitindo uma total transparência da fileira produtor/consumidor –, passando a

sobressair o valor do seu contacto com o consumidor e a importância das

variáveis de marketing sob seu controlo – preços, promoções, exposição e gama

de produtos - cuja manipulação, segundo os seus próprios objectivos e dos

consumidores, passa a constituir uma “cortina opaca” entre fornecedores e

distribuidores.

58. Assiste-se a uma transferência para as cadeias da GDA, em especial para os GGR,

de funções comerciais que anteriormente eram assumidas exclusivamente pelos

fornecedores/produtores, em que aquelas passam a deter um elevado poder de

mercado na cadeia de valor dos produtos face ao poder destes últimos.

59. Assim, os fornecedores/produtores passam a depender, cada vez mais, da GDA

para fazerem chegar os seus produtos aos consumidores a nível geográfico

(nacional, regional ou local).

60. A gestão dos espaços disponíveis para exposição dos produtos nem sempre é

compatível com a comercialização de novos produtos ou referências, podendo

gerar conflitos de interesses entre fornecedores/produtores e a GDA.

61. Por outro lado, a evolução da capacidade e sofisticação da GDA em matéria de

marketing traduz-se no desenvolvimento da utilização das marcas do distribuidor,

passando este a concorrer directamente com os seus fornecedores.

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62. Todos estes desenvolvimentos têm contribuído para uma certa deterioração no

relacionamento entre fornecedores e distribuidores no sector agro-alimentar, que

merece ser analisada e, se necessário, corrigida.

2.3. Acções desenvolvidas pela AdC no âmbito das

relações entre produção e distribuição

63. A AdC, tal como disposto nos seus Estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.º

10/2003, de 18 de Janeiro), tem por missão assegurar a aplicação das regras da

concorrência em Portugal, no respeito pelo princípio da economia de mercado e da

concorrência não falseada, tendo em vista o funcionamento eficiente dos

mercados e a repartição eficaz dos recursos, na prossecução dos interesses dos

consumidores.

64. Para a realização desta missão, incumbe à AdC, nomeadamente, (i) velar pelo

cumprimento das leis, regulamentos e decisões destinados a promover a defesa

da concorrência; (ii) fomentar a adopção de práticas que promovam a

concorrência e a generalização de uma cultura de concorrência junto dos agentes

económicos e do público em geral; (iii) difundir, em especial junto dos agentes

económicos, as orientações consideradas relevantes para a política de

concorrência; e (iv) contribuir para o aperfeiçoamento do sistema normativo

português em todos os domínios que possam afectar a livre concorrência, por sua

iniciativa ou a pedido do Governo.

65. Para o desempenho das suas atribuições, a AdC dispõe de poderes sancionatórios,

de supervisão e de regulamentação.

66. No exercício dos seus poderes sancionatórios compete, em particular, à AdC:

identificar e investigar as práticas susceptíveis de infringir a legislação de

concorrência nacional e comunitária, proceder à instrução e decidir sobre os

respectivos processos, aplicando, se for caso disso, as sanções previstas na lei.

67. Quanto aos seus poderes de supervisão, compete à AdC, entre outros, proceder à

realização de estudos, inquéritos, inspecções ou auditorias que, em matéria de

concorrência, se revelem necessários.

68. No âmbito dos seus poderes de regulamentação a AdC pode, entre outras

medidas, emitir regulamentações e directivas genéricas.

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69. Acresce que, e ainda de acordo com os seus Estatutos (na alínea b) do n.º 1 do

artigo 5.º do Preâmbulo do supra referido Decreto-Lei n.º 10/2003), a AdC passou

a exercer as competências conferidas à ex-DGCC (Direcção Geral do Comércio e

Concorrência) pelo Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção que

lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio.

70. Assim, este capítulo detalha as principais acções da AdC e de anteriores Direcções

Gerais nacionais da concorrência no âmbito das suas atribuições, no que diz

respeito a: análises (subsecção 2.3.1); recomendações (subsecção 2.3.2);

controlo de operações de concentração (subsecção 2.3.3); e práticas restritivas

(subsecção 2.3.4).

2.3.1. Análises

71. A ex-Direcção Geral de Concorrência e Preços (DGCP) procedeu, em 1995, a um

primeiro inquérito junto da GDA e respectivos fornecedores, sobre as práticas em

vigor no relacionamento comercial entre aquelas entidades.

72. O levantamento então efectuado surgiu na sequência das primeiras queixas,

nomeadamente, de associações de produtores/fabricantes de bens de consumo

corrente (alimentares e outros), sobre alegados “abusos” das cadeias da GDA em

relação aos mesmos.

73. Das conclusões do citado inquérito, salienta-se o facto de algumas empresas, à

data, dependerem em mais de 30% das suas vendas de uma só cadeia de

distribuição, sendo que em vários grupos de produtos a representatividade das

vendas para os GGR de certas empresas era na ordem dos 50%-60%.7

74. À data, as práticas mais frequentemente denunciadas foram:

Selecção de fornecedores: cobrança de avultadas verbas para constarem da

lista de potencial fornecedor;

Custos de entrada: custos de referenciação de novos produtos (entrada em

linha), variáveis e negociáveis loja a loja dentro da mesma cadeia, sendo

7 No período mais recente 2004-2008, nos casos infra analisados do leite UHT, do arroz e das massas

alimentícias (capítulo 4), constata-se que os fornecedores dependem em cerca de, respectivamente, 15% e 30% do primeiro e dos dois primeiros GGR no aprovisionamento. A representatividade das vendas destes produtos para os GGR varia, todavia e no mesmo período, entre 60% e 80%.

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novamente exigidos em situações de mudança de insígnia da loja (situações

de aquisições de estabelecimentos por outra cadeia);

Preços: exigência ao fornecedor, por parte da cadeia de distribuição, do

diferencial de preço necessário para suportar movimentos de baixa de

preços que permite a esta ser competitiva com cadeias concorrentes;

Imposição ou dilação de prazos de pagamento com a ameaça de retirada

dos produtos de todas as lojas das cadeias;

Imposição de promoções;

Imposição de “rappel incondicional” isto é, sem qualquer contrapartida em

termos de volume de vendas anual;

Marcas do distribuidor (MDD): utilização abusiva de “facings” (também

denominados por “look alike”) semelhantes aos das marcas dos

fornecedores induzindo em erro os consumidores;

75. Após este inquérito foram desenvolvidas várias acções, nomeadamente ao nível

legislativo, procurando dar resposta às questões mais problemáticas por via

regulamentar, na medida em que a aplicação das regras de concorrência não se

afigurava adequada (dada a grande relutância dos fornecedores identificarem e

apresentarem documentação sobre situações concretas, para além do difícil

enquadramento das práticas nas regras de concorrência8).

76. Dificilmente, práticas que ocorrem entre fornecedores e distribuidores no âmbito

das suas relações comerciais, decorrentes, nomeadamente, de um poder de

compra acrescido por força de um certo grau de concentração, serão

enquadráveis nos objectivos da legislação de concorrência, na medida em que as

mesmas não tenham por objecto ou como efeito restringir de forma sensível a

concorrência, condição sine qua non para aplicação da lei da concorrência.

77. Assim, foram criadas disposições regulamentares (“venda com prejuízo” e

“práticas comerciais abusivas”) no âmbito da legislação relativa a práticas

comerciais restritivas (ex vi supra referido Decreto-Lei n.º 370/93), a qual visa

regular aspectos de ética comercial e assegurar a protecção dos concorrentes

8 A título de exemplo, ver questões que se colocaram em França com a decisão do Conselho da

Concorrência Francês no caso CORA, em Vogel, Louis (1994), “Ateliers de la Concurrence: juge civil et juge commercial (DGCCRF/02) – L’articulation entre le droit civil, le droit commercial et le droit de la concurrence”, Revue d’Economie Industrielle, 68(1): 81-98.

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e/ou consumidores, aplicando-se independentemente dos seus efeitos ao nível da

concorrência no mercado.

78. Se o procedimento inerente à implementação do Código de Boas Práticas –

celebrado entre a a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) e a APED

(Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) –9 pode ter contribuído para

um melhor relacionamento comercial entre os diferentes agentes económicos das

áreas da produção/distribuição, não eliminou, todavia, um conjunto de problemas

que continuaram a ser relatados pelas empresas e associações de fornecedores.

79. Assim, posteriormente, em 1998/1999, a ex-DGCC procedeu, a um novo inquérito

junto dos principais fornecedores e dos GGR, no sentido de actualizar a

informação recolhida no Estudo anterior e, também, de avaliar a evolução

verificada no relacionamento comercial entre aqueles agentes económicos.

80. O inquérito foi realizado a 97 fornecedores, cobrindo a maioria dos sectores do

retalho alimentar e misto, cujos produtos são comercializados na GDA.

81. Basicamente, as conclusões deste inquérito apontaram no sentido de que as

práticas anteriormente identificadas como geradores de conflitos nas relações

negociais entre fornecedores e distribuidores continuavam a manter-se, por vezes

com outra designação, mas produzindo o mesmo efeito.

82. A AdC, após a sua criação em 2003, iniciou um procedimento de

acompanhamento das “Relações Fornecedores/Distribuidores no Sector da

Distribuição Alimentar”, no âmbito do qual procedeu a um Estudo relativo a

“Breve Enquadramento do Sector da Distribuição Alimentar em Portugal”

(Fonseca, 2005)10, bem como a uma análise econométrica aprofundada do poder

de compra dos GGR no período 2000-2003 (Rodrigues, 2006, cit.), tendo ambos

sido apresentados no Encontro Ibérico entre as Autoridades de Concorrência

Espanholas e Portuguesas, realizado em Ávila a 15 de Abril de 2005.

83. O citado Enquadramento do Sector, para além de apresentar dados estruturais de

evolução do sector a retalho alimentar e por grosso em Portugal, faz uma breve

descrição dos principais problemas em termos de concorrência que se têm

colocado neste âmbito (em particular a constituição de centrais de

9 Vide secção 2.4 infra. 10 Fonseca, C. (2005), “Breve Enquadramento do Sector da Distribuição Alimentar em Portugal”, Documento

Interno da AdC, Abril de 2005.

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compra/referenciação e marcas do distribuidor), do enquadramento regulamentar

aplicável e da intervenção da AdC face às suas competências e atribuições.

84. A análise econométrica (Rodrigues, 2006) foi realizada com base em dados de

compras e vendas dos 5 principais GGR, recolhidos para o período 2000-2003,

desagregados por produto, marca e fornecedor. Esta análise revelou que a

centralização de compras e a integração vertical de alguns GGR originam preços

mais baixos na aquisição por estes grupos, sendo os ganhos daí decorrentes,

tendencialmente, repercutidos nos consumidores, verificando-se assim, o pass-

through dos resultados do poder de compra dos GGR para os consumidores.11

85. Em paralelo, e segundo esta análise, dados adicionais revelaram também que

esses GGR tendem a aumentar menos os seus preços de venda ao público (PVP)

do que o restante comércio.

86. Dos valores apurados nas citadas análises constatava-se que, em 2005, os GGR

representavam 53,4% do global dos mercados de aprovisionamento e 73,9% do

comércio a retalho. Por sua vez, os cinco maiores GGR detinham uma quota

conjunta de, respectivamente, 46,2% e 62,3% no global dos mercados do

aprovisionamento e do comércio a retalho.

87. No ano de 2008, os GGR representavam, respectivamente, 72,4% e 83,5% do

global dos mercados de aprovisionamento e do comércio a retalho. No mesmo

ano, os quatro maiores GGR detinham uma quota conjunta de, respectivamente,

58,8% e 66,9% do global dos mercados de aprovisionamento e do comércio a

retalho (vide subsecções 3.3 e 3.4.1 infra).

88. Quanto ao peso das MDD nas vendas dos GGR, de acordo com dados publicados

pela Revista Distribuição Hoje, a situação em 2004 era a seguinte. (i) Sonae (MC)

28,5%; (ii) JM 36,8% (Pingo Doce 26,9% e Feira Nova 9,9%); (iii) Carrefour

46,4% (Minipreço 39,6% e Hipers 6,8%); (iv) Auchan 10,4% e (v) Plus 52,4%.12

11 Vide, de igual modo, Anexo 2 de resenha do estado de arte da literatura económica sobre estes conceitos

de poder de compra e de “pass-through”, bem como sobre outros conceitos relacionados. 12 A actualização destes valores para o período mais recente 2005-2008 é remetida para o Relatório Final de

Julho de 2010.

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2.3.2. Recomendações já efectuadas pela AdC

89. Em Outubro de 2003, a AdC formulou ao Senhor Ministro da Economia uma

Recomendação sobre a legislação relativa ao licenciamento de grandes superfícies

comerciais.

90. A Recomendação surgiu num contexto em que o Governo tinha em análise a

reformulação da legislação aplicável à data sobre o licenciamento de grandes

superfícies comerciais, a qual continha critérios quantitativos limitativos de acesso

ao mercado (quotas de mercado máximas a nível nacional e local).

91. Nessa Recomendação a AdC alertou para o facto de, no caso em concreto, ser

indispensável eliminar as barreiras à entrada que pudessem constituir limitações

quantitativas de acesso à actividade, criando condições para o estabelecimento de

relações mais equilibradas nos mercados de aprovisionamento.

92. Foi igualmente referido que o licenciamento deveria ter por objectivo assegurar o

cumprimento de requisitos de ordem ambiental, de ordenamento do território e de

política urbanística.

93. A AdC considerou que deveria ser evitado todo o acréscimo de custos

administrativos desnecessários, limitando-se o sistema de autorização prévia de

instalação às unidades comerciais cuja dimensão fosse susceptível de produzir

efeitos negativos ao nível dos aspectos anteriormente referidos.

94. Por outro lado, os critérios de concessão da autorização prévia de instalação

deveriam ser objectivos, transparentes e facilmente comprováveis, eliminando-se

quaisquer critérios quantitativos, pela grave limitação à liberdade de formação da

oferta que os mesmos constituem, bem como, os critérios qualitativos cuja

aplicação envolva elevado grau de discricionariedade.

95. Este aspecto, no caso em apreço, apresentava extrema relevância, dado estar

prevista a descentralização das decisões de autorização em comissões de âmbito

regional, o que foi considerado poder constituir um factor potencialmente gerador

de assimetrias de decisão.

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2.3.3. Controlo de operações de concentração

96. Várias têm sido as concentrações de empresas do sector da distribuição

notificadas à AdC, salientando-se, pelas repercussões que tiveram no sector, a

concentração relativa à aquisição, em 2007, por parte da Sonae dos

hipermercados Carrefour (cit.), bem como a aquisição, em 2008, por parte do

Pingo Doce (Grupo JM) da cadeia de discount Plus do Grupo Tengelmann (cit.).

97. As duas operações foram aprovadas com obrigações e condições, tendentes a

assegurar o cumprimento dos compromissos apresentados pelas notificantes no

sentido de ser assegurada a manutenção de uma concorrência efectiva nos

mercados relevantes13 onde foram detectados problemas de concorrência.

98. No âmbito das análises efectuadas, a AdC avaliou, de igual modo, os efeitos sobre

os mercados de aprovisionamento, que se encontram a montante da actividade de

distribuição retalhista de base alimentar e onde actuam as empresas que

fornecem os retalhistas de base alimentar, sendo assim considerada uma

actividade relacionada com a de distribuição retalhista de base alimentar.14

99. O mercado do aprovisionamento compreende a venda de bens de consumo

corrente, pelos respectivos fabricantes, à totalidade dos seus clientes – grossistas,

GGR e outros clientes, incluindo outras cadeias retalhistas de âmbito regional15 e

o canal HORECA (Hotéis, Restaurantes e Cafés) –, localizados em território

nacional ou sedeados no exterior.

100. Não existindo um único mercado do aprovisionamento mas, antes, um conjunto

diversificado de mercados, a AdC considerou que se impunha, em face da

diversidade das estruturas de cada mercado e da especificidade própria de cada

produto ou categoria de produtos, uma análise mais desagregada.

13 A definição dos mercados relevantes foi feita com base na prática decisória da CE e da AdC em processos

anteriores; quanto ao “mercado do produto relevante”, a AdC concluiu que deveria ser o mercado de base alimentar, nos formatos hipermercados, supermercados e lojas discount; quanto ao “mercado relevante geográfico”, foi definido em termos locais, variando a delimitação das áreas em função da localização das lojas da Adquirida e do equipamento comercial da zona (isócronas correspondentes a 10 minutos ou 30 minutos de deslocação, consoante os casos).

14 Vide, de igual modo, Comunicação CE relativa à definição do mercado relevante para efeitos de aplicação

da legislação Comunitária da concorrência, Jornal Oficial n.º C 372, de 09.12.1997 e Comunicação CE relativa às linhas de orientação na aplicação do Artigo 81 do Tratado CE (Tratado que instituiu as Comunidades Europeias) sobre os acordos de cooperação horizontal, Jornal Oficial n.º C 3, de 06.01.2001.

15 O pequeno retalho ou “retalho tradicional” (v.g., mercearias e mercados locais) não se abastece, em

geral, directamente nos mercados de aprovisionamento, mas outrossim no canal grossista.

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101. Assim, com base na prática decisória da CE, a actividade do aprovisionamento é

normalmente analisada por referência a grupos de produtos, cuja homogeneidade

é função da finalidade no consumo e do grau de substituibilidade ou

complementaridade entre os produtos.

102. No processo Sonae/Carrefour, a avaliação jusconcorrencial da AdC incidiu sobre

dezasseis mercados relevantes de distribuição de retalho alimentar de âmbito

local, e ainda o mercado nacional da venda retalhista de combustível para

transportes rodoviários.

103. Na avaliação jusconcorrencial do impacto da operação de concentração analisou-

se a estrutura de todos os mercados relevantes identificados, considerando-se,

para esses efeitos, os estabelecimentos de formato “hipermercado”,

“supermercado” e discount de todos os operadores activos nas áreas de influência

consideradas.

104. Foi, ainda, desenvolvida uma análise prospectiva destes mercados, tendo em

conta a evolução previsível das respectivas estruturas de mercado, incluindo as

autorizações já concedidas para a instalação deste tipo de estabelecimentos.

105. A AdC definiu os mercados geográficos relevantes com base na identificação de

áreas de influência, em torno de cada um dos estabelecimentos da insígnia

Carrefour a adquirir, atento, designadamente a que, do ponto de vista da procura,

a substituibilidade entre diferentes localizações está limitada pela disponibilidade

de deslocação dos consumidores.

106. Dos mercados relevantes identificados pela AdC onde a operação de concentração

era susceptível de levar à criação ou reforço de posição dominante da qual

poderiam resultar entraves significativos à concorrência efectiva, os

compromissos assumidos pela notificante permitiram afastar as preocupações

jusconcorrenciais identificadas.

107. No processo Pingo Doce/Plus, a AdC, em linha com a sua prática decisória neste

sector, aceitou a proposta da Notificante quanto à definição dos mercados

relacionados de aprovisionamento.

108. A Notificante definiu 23 grupos de produtos, correspondendo cada um a um

mercado relevante distinto.

109. Quanto ao mercado relevante geográfico, a AdC, embora reconhecendo que

determinados mercados geográficos de aprovisionamento poderão apresentar um

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âmbito geográfico mais lato do que o território nacional, tanto a prática decisória

da AdC16, como a prática decisória da CE tendem a considerar o mercado

geográfico como sendo o mercado nacional.

110. Com base nos elementos recolhidos, a AdC não concluiu que a operação fosse

susceptível de resultar na deterioração das condições comerciais de

aprovisionamento dos restantes distribuidores retalhistas de base alimentar, nem

tão pouco que a operação fosse susceptível de resultar no reforço significativo do

poder negocial do Grupo JM nos mercados de aprovisionamento, pelo que concluiu

que a operação não seria susceptível de resultar em efeitos anti-concorrenciais

relacionados com os mercados de aprovisionamento.

2.3.4. Práticas restritivas

111. Nesta subsecção, serão apresentadas as acções desenvolvidas pela AdC ao abrigo

dos seus poderes sancionatórios, tal como tipificados na lei nacional da

concorrência (Lei n.º 18/2003), nos seus artigos 4.º, 6.º e 7.º, bem como no

supra referido Decreto-Lei n.º 370/93.

2.3.4.1. Artigo 4.º da Lei n.º 18/2003

112. Na sequência de denúncias efectuadas junto da ex-DGCC, sobre os efeitos de um

alegado reforço do poder de compra da UNIARME (União dos Armazenistas de

Mercearia, C.R.L.)17, resultante da adesão à mesma das empresas retalhistas

Pingo Doce, SA e Feira Nova Hipermercados, pertencentes ao Grupo JM, e, em

cumprimento de despacho do Conselho da AdC, foi aberto o processo nº. 12/05.

113. Estava em causa uma situação de duplo desconto (rappel) auferido por aquelas

empresas em resultado do reforço do poder negocial que lhes permitia negociar,

no âmbito dos contratos de fornecimento anuais, um rappel junto dos seus

fornecedores e outro rappel decorrente da adesão à UNIARME (rappel UNIARME).

16 Cf. Decisões AdC relativas às operações de concentração Sonae/Carrefour e Pingo Doce/Plus (cit.). 17 A UNIARME foi constituída em 1985 como uma central de negociação entre cadeias grossistas, tendo tido

como principais fundadores o Grupo Manuel Nunes (grossista) e a cooperativa de grossistas UNIMARK. O Grupo JM integra a UNIARME em 1986 através da sua cadeia Recheio e mais tarde, em 1998, através das suas cadeias retalhistas Pingo Doce e Feira Nova.

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114. A retroactividade do duplo rappel a todo o ano em que se processou a referida

adesão à UNIARME (Novembro de 1998), foi sancionada pela ex-DGCC por prática

negocial abusiva (em infracção ao artigo 4.º-A do supra referido Decreto-Lei n.º

370/93), tendo a decisão sido confirmada, em sede de recurso, pelo Tribunal do

Comércio de Lisboa.

115. Esta prática foi considerada abusiva na medida em que a exigência aos

fornecedores, com efeitos retroactivos, por parte das empresas Pingo Doce e Feira

Nova, de um duplo rappel sobre o mesmo montante anual de aquisições,

constituía uma condição de cooperação comercial exorbitante, por constituir um

benefício para aquelas empresas compradoras não proporcional ao seu volume de

compras (vide, de igual modo, subsecção 2.3.4.4 infra).

116. O processo AdC (n.º 12/05) tinha em vista avaliar se o acordo resultante da

adesão do Pingo Doce e Feira Nova à UNIARME se revelava restritivo da

concorrência, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da lei nacional da concorrência.

117. A avaliação jusconcorrencial efectuada ao referido acordo concluiu que o mesmo

não constituía um entrave ao livre funcionamento do mercado, quer no mercado

da compra, quer nos mercados a jusante de venda a retalho e de venda por

grosso, pelo que o processo foi arquivado.

118. Para a conclusão supra referida contribuíram vários factos, tais como: (i) forte

queda da quota de compra da UNIARME, no período 2002-2005, de cerca de 30%

para cerca de 15%; (ii) forte concorrência afecta à UNIARME no mercado de

compra dado o seu principal concorrente representar, por si só, quase o total de

compras de todos os associados desta central e os seus quatro principais

concorrentes superarem o seu cumulativo de compras, no global do mercado e

em todas as categorias de produtos; (iii) o peso relativamente enfraquecido que

os associados da UNIARME, para além do Grupo JM, representavam (e ainda

representam) nos seus mercados de venda respectivos, quer no que concerne à

evolução das suas vendas, em queda no sector grossista, quer no que concerne

ao peso crescente dos seus concorrentes directos; e (iv) a saída recente da

UNIARME de grande parte dos seus associados grossistas, que representaram, em

2005, cerca de metade do volume total de compras da nova UNIARME e um

volume de vendas por grosso superior ao desta central.

119. Em Janeiro de 2001, as empresas Modelo Continente, SGPS, S.A. (MC) e GCT –

Gestão Comercial Total, S.A. (GCT), notificaram à ex–DGCC a celebração de um

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Acordo Global de Parceria Estratégica, no âmbito do qual estavam previstos três

negócios jurídicos (duas concentrações e um acordo de franquia que integrava um

contrato de cooperação comercial).

120. Estas operações, para além do acordo de franquia, foram analisadas e permitidas

pela ex-DGCC enquanto operações de concentração. Foi, de igual forma, decidido

pela ex-DGCC que o contrato de franquia deveria ser analisado, enquanto acordo,

nos termos do disposto no artigo 2.º do então Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de

Outubro (hoje artigo 4.º da lei nacional da concorrência).

121. Com a criação da AdC, o citado processo foi remetido a esta Autoridade, o qual

veio a ser analisado no âmbito da actual lei nacional da concorrência, nos termos

do disposto no seu artigo 4.º.

122. Compulsados os elementos entretanto solicitados às empresas envolvidas, foi

constatado que os acordos de franquia e de cooperação comercial tinham sido

revogados em 2003 por vontade expressa das partes, tendo sido substituídos por

um Contrato Quadro de Franquia.

123. Quanto ao contrato de cooperação comercial, revogado em 2003, foi possível

apurar que nunca as empresas efectuaram quaisquer aquisições em conjunto pelo

que não foi verificado que o acordo tivesse produzido quaisquer efeitos danosos,

designadamente, em termos jusconcorrenciais.

124. No que se refere ao Contrato Quadro de Franquia foi feita uma análise

jusconcorrencial do mesmo à luz do artigo 4.º da citada lei, tendo sido apurado

que no seu texto não se verificava a existência de qualquer cláusula restritiva da

concorrência, sendo o processo arquivado por falta de objecto processual.

2.3.4.2. Artigo 6.º da Lei n.º 18/2003

125. Segundo o disposto neste artigo, “[é] proibida a exploração abusiva por uma ou

mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte

substancial deste, tendo por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir

a concorrência”.

126. Até à data, não foram abertas investigações no âmbito das relações comerciais

entre a distribuição alimentar e os seus fornecedores ao abrigo deste artigo, quer

pela AdC, quer pela ex-DGCC.

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2.3.4.3. Artigo 7.º da Lei n.º 18/2003

127. O número 1.º do artigo 7.º da Lei da Concorrência proíbe, na medida que seja

susceptível de afectar o funcionamento do mercado ou a estrutura da

concorrência, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de

dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer

empresa fornecedora ou cliente, por não dispor de alternativa equivalente.

128. Pode ser considerada ‘exploração abusiva’ do estado de dependência económica a

adopção de qualquer dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 4.º da

mesma lei – ‘práticas proibidas’ –, ou a ruptura injustificada, total ou parcial, de

uma relação comercial estabelecida, tendo em consideração as relações

comerciais anteriores, os usos reconhecidos no ramo da actividade económica e

as condições contratuais estabelecidas.

129. Para efeitos da aplicação do n.º 1, entende-se que uma empresa não dispõe de

alternativa equivalente, quando: (a) O fornecimento do bem ou serviço em causa,

nomeadamente o de distribuição, for assegurado por um número restrito de

empresas; e (b) A empresa não puder obter idênticas condições por parte de

outros parceiros comerciais num prazo razoável.

130. Por outro lado, e de forma simplificada, pode afirmar-se que um fornecedor é

economicamente dependente de um comprador se não é viável para o fornecedor

perder o comprador como cliente, podendo este permitir-se a perder esse

fornecedor. Para que exista dependência económica, esta terá de ser sempre

unilateral, no sentido em que não afecta o comprador.

131. A adopção do conceito de ‘dependência económica’ suscita a questão de

determinar qual o “benchmark” que identifica a sua existência e o seu grau. No

caso Rewe/Meinl a CE, tendo em conta os relatórios dos produtores

(fornecedores), estabeleceu que, em média, um comprador que contribua para

22% ou mais do volume de negócios do fornecedor só pode ser substituído a um

custo financeiro muito elevado.

132. Contudo, tem de se ter em conta a importância do bem para o próprio retalhista.

Tratando-se de um produto “âncora”, relativamente ao qual os consumidores têm

um certo grau de lealdade, é necessário ter em conta o custo que o retalhista

incorre ao não fornecer esses produtos. Os fornecedores de um produto com estas

características estarão obviamente menos dependentes. Mesmo assim, os

retalhistas, ao oferecerem uma série de comodidades aos seus consumidores

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como one-stop-shopping, uma grande variedade de produtos e outras, podem

muitas vezes reduzir a importância da disponibilização desses produtos nas

decisões dos consumidores sobre onde efectuar as suas compras (vide Anexo 2,

subsecção A2.9.3).

133. Até à data, não foram abertas investigações no âmbito das relações comerciais

entre a distribuição alimentar e os seus fornecedores ao abrigo deste artigo, quer

pela AdC, quer pela ex-DGCC.

2.3.4.4. Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro

134. O supra referido Decreto-Lei n.º 370/93 tem como objectivo a promoção do

equilíbrio e da transparência das relações entre agentes económicos que lhe estão

subjacentes, muito embora não tenham necessariamente efeitos a nível da

concorrência e/ou não envolvam um abuso de posição dominante, tal como

caracterizado no artigo 6.º da Lei n.º 18/2003.

135. Estes diplomas tipificam o que se entende como “práticas comerciais restritivas”,

designadamente, a aplicação de preços ou de condições de venda

discriminatórias, a venda com prejuízo, a recusa de venda de bens ou de

prestação de serviços e as práticas negociais abusivas.

136. Até à data a AdC interveio, ao abrigo daqueles diplomas legais, em vários casos

de venda com prejuízo. A ex-DGCC também interveio ao abrigo daqueles mesmos

diplomas, nomeadamente no caso UNIARME (vide subsecção 2.3.4.1 supra),

envolvendo a imposição de retroactividade do duplo desconto (rappel).

2.4. Código de Boas Práticas Comerciais – APED/CIP

137. As dificuldades sentidas no relacionamento entre produtores/fornecedores e a

Grande Distribuição, levaram a CIP e a APED, a elaborar e assinar, em 17 de

Julho de 1997, um “Código de Boas Prática Comerciais”18 que tinha em vista abrir

uma via de diálogo entre as duas partes.

18 Cf. http://www.cpaa.org.pt/codigo.asp

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138. Nesse documento foram estabelecidos uma série de princípios, de regras e de

procedimentos que os respectivos associados, sem prejuízo da própria liberdade

contratual, deverão observar nas suas relações comerciais.

139. No campo dos princípios foram adoptados os seguintes:

Transparência: prevê um documento com as condições básicas de

negociação, devendo ser formalizadas aquelas que vierem a ser objecto de

acordo;

Não discriminação: consiste no compromisso de oferecer a todos os

clientes as mesmas condições de partida para a negociação de prestações

equivalentes19;

Reciprocidade: dever de basear as negociações e acordos na existência de

contrapartidas efectivas e proporcionais;

Maximização do valor: dever de cooperar para proporcionarem um maior

benefício ao consumidor assegurando a maior eficácia à cadeia logística;

Cumprimento do acordado: compromisso de cumprir pontual e

integralmente os acordos celebrados, dentro dos limites da boa-fé

negocial.

140. Para além dos princípios atrás enunciados as partes aceitaram fazer

recomendações aos associados relativas ao clima de cooperação e urbanidade que

deve presidir às negociações, ao cumprimento integral dos contratos, à logística

com a observância de todas as condições de entrega e ao cumprimento dos

prazos de pagamento negociados.

141. Para supervisionar e dinamizar a aplicação desta auto-regulamentação a CIP e

APED criaram a CPAA (Comissão Permanente de Avaliação e Acompanhamento do

Código de Boas Práticas Comerciais).

142. A CPAA é constituída por dois representantes de cada parte subscritora e por uma

personalidade independente, escolhida por acordo entre as partes, que preside à

Comissão.

143. A CPAA tem por atribuições avaliar e acompanhar a aplicação do Código e propor

às partes subscritoras as alterações ao clausulado do Código que considere

necessárias.

19 Podemos interpretar este princípio como uma forma de estabelecer um level playing field entre clientes

aquando do processo de negociação, procurando neutralizar eventuais diferenças que existam entre o valor das opções-fora-do-contrato (OFC’s) dos diferentes clientes. Podemo-nos questionar se, em termos da promoção da eficiência económica, faz sentido a criação desse level playing filed.

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144. As interpretações e recomendações emitidas pela CPAA serão comunicadas às

partes subscritoras que se encarregarão de as divulgar a todos os interessados e

incentivar a sua aplicação20.

145. A CPAA funciona de acordo com um regulamento interno aprovado pelas partes

subscritoras e reúne regularmente de dois em dois meses, reunindo

extraordinariamente sempre que convocada por dois ou mais dos seus membros.

146. Até à data (2009) foram já produzidas 15 Recomendações21 pela CPAA sobre os

mais variados assuntos, tais como:

Recomendação relativa à Modificação das Condições Contratuais

Negociadas (1998);

Recomendação relativa às Tabelas de Espaços do "Pingo Doce" (1998);

Recomendação sobre o Contrato - Tipo relativo às Condições Gerais de

Fornecimento das Empresas do Grupo Sonae para 1998;

Recomendação sobre os Sistemas de Centralização de Pagamentos (2001);

Recomendação relativa à Resolução de Divergências entre as Empresas

(2001);

Recomendação sobre a Cooperação entre Produtores e Distribuidores para

a Limitação da Quebra (2003).

2.5. Acções da Comissão Europeia

147. A nível comunitário, a questão do ‘poder de compra’ do retalho alimentar tornou-

se num assunto relevante no contexto dos desenvolvimentos ocorridos na

distribuição a retalho na UE ao nível, nomeadamente, de alguns movimentos

concentrativos, quer de âmbito nacional, quer de âmbito comunitário (v.g., caso

Kesko/Tuko22).

20 Como Código de Boas Práticas que é, ele não prevê penalizações pelo não cumprimento das suas

disposições. Neste contexto, vale a pena referir que existem dúvidas sobre a eficácia do estabelecimento deste tipo de códigos. Assim, numa apresentação na Autoridade da Concorrência Irlandesa, em 22 de Outubro 2009, o seu presidente, William Prasifka, levantou dúvidas sobre a eficácia da adopção destes códigos no controlo do denominado “poder de compra” dos GGR. Por outro lado, e ainda segundo Prasifka, “planning laws and facilitating market access are the key to countering buyer power concerns”.

21 Cf. http://www.cpaa.org.pt/recomendacoes.asp. 22 Caso IV/M.784 – Kesko/Tuko, com Decisão CE, datada de 20.11.1996, declarando a operação de

concentração entre estas duas empresas finlandesas como incompatível com o Mercado Comum.

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148. Algumas Autoridades Nacionais de Concorrência iniciaram inquéritos sobre a

problemática do poder de compra da distribuição a retalho, tendo a DG COMP

(Direcção Geral da Concorrência da CE e ex-DGIV) contratado um estudo a

consultores externos sobre “O poder de compra e o seu impacto, em termos de

concorrência, no sector da distribuição a retalho alimentar na União Europeia”23.

149. O problema da evolução dos preços dos bens alimentares, bem como dos

diferenciais entre os preços ao produtor e os preços ao consumidor associado a

um conjunto de práticas comerciais seguidas pela grande distribuição alimentar,

têm vindo a preocupar as instâncias comunitárias, nomeadamente, o Parlamento

Europeu e a Comissão.

150. Vários documentos foram já produzidos sobre esta problemática de que se

salientam: (i) Declaração do Parlamento Europeu sobre a necessidade de

investigar e solucionar o abuso de poder (de compra) por parte dos GGR que

operam na UE; (ii) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao

Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de

09.12.2008 sobre “Preços dos géneros alimentícios na Europa”24; (iii)

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité

Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 20.05.2008 sobre “Fazer

face à subida dos preços dos géneros alimentícios. Orientações para a acção da

UE”25; e (iv) Comunicação da Comissão de 29.01.2008 sobre “Acompanhamento

dos resultados para os consumidores no mercado único: o painel de avaliação dos

mercados de consumo”26.

151. Na sua Comunicação de Dezembro de 2008 a CE constatou que o choque causado

pelo recente aumento dos preços agrícolas e da energia foi absorvido de modo

diferente nos Estados Membros, identificando vários factores que poderão ter

contribuído para a fragmentação do mercado interno, de entre os quais se

salientam: (i) restrições à entrada de grandes retalhistas; (ii) restrições às vendas

com prejuízo; e (iii) restrições de horários de abertura de grandes

estabelecimentos.

23 “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”,

prepared for the European Commission – DGIV by DOBSON CONSULTING – Maio de 1999. 24 COM CE (2008) 821 final de 9.12.2008. 25 COM CE (2008) 321 final de 20.05.2008. 26 COM CE (2008) 31 final de 29.01.2008.

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152. Todavia, esta Comunicação CE alerta para o facto de quando se procura avaliar o

impacto destas medidas regulamentares (restrições acima indicadas) não se

podem descurar os eventuais objectivos políticos que as mesmas procuraram

alcançar.

153. Em termos do enquadramento jusconcorrencial, a CE constatou que o poder

negocial das empresas nos diversos sectores ao longo da cadeia de valor, varia

muito conforme os produtos que comercializam.

154. Assim, produtores que oferecem marcas internacionais com um estatuto

irrecusável tendem a gozar de uma maior margem de manobra junto dos

retalhistas; em contrapartida, os produtores de marcas com estatuto

indiferenciado junto dos consumidores tendem a ficar numa posição mais fraca.

155. Ao nível dos produtores agrícolas, a assimetria do poder de negociação tem

fomentado uma certa reorganização daqueles, nomeadamente, através da

constituição de agrupamentos de produtores e cooperativas.

156. Quanto às práticas mais preocupantes em matéria de concorrência27, a Comissão

considera que as mesmas devem ser avaliadas numa base casuística, nunca

deixando de considerar o contexto em que ocorrem.

157. De entre as acções que a Comissão tem em curso nesta área, de destacar a

recente versão provisória da Comunicação CE relativa ao “Melhor funcionamento

da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”, de 28.10.2009.

158. A Comissão tem acompanhado a evolução dos preços dos géneros alimentícios no

âmbito de um exercício de monitorização do mercado lançado no contexto da

revisão do mercado único de Novembro de 2007, que tem por objectivo

apresentar soluções políticas para as causas de mau funcionamento

identificadas28.

27 São enunciadas as seguintes práticas: cartéis, acordos de compra, imposição de preços de venda, marca

única, produtos de marca privada, subordinação, acordos de fornecimento exclusivo e regimes de certificação.

28 Vide Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social

Europeu e ao Comité das Regiões “Um mercado único para a Europa do século XXI”, Bruxelas, 20.11.2007 COM(2007) 724 final.

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159. Em Dezembro de 2008, a Comissão publicou um relatório intercalar sobre “Preços

dos géneros alimentícios na Europa”29, tendo estabelecido um roteiro que

identifica as orientações chave para as acções políticas.

160. A supra referida Comunicação CE, de 28.10.2009, apresenta iniciativas políticas

concretas em consonância com esse roteiro, concluindo o exercício de

monitorização do mercado da cadeia de abastecimento alimentar.

161. Nesta comunicação a Comissão identifica três prioridades transversais comuns a

toda a cadeia de abastecimento alimentar e a serem prosseguidas pelos diferentes

Estados Membros, não obstante o facto desta cadeia ser muito heterogénea e de

os desafios enfrentados pelas partes interessadas diferirem entre subsectores e

entre Estados Membros: (i) a promoção das relações sustentáveis e baseadas no

mercado entre as partes interessadas da cadeia de abastecimento alimentar; (ii) o

aumento da transparência ao longo da cadeia para incentivar a concorrência e

aumentar a sua resistência à volatilidade dos preços; e (iii) a promoção da

integração e a competitividade da cadeia europeia de abastecimento alimentar em

todos os Estados Membros.

162. De seguida, são apresentadas diversas considerações pela Comissão com o

objectivo de dar resposta às três prioridades acima identificadas, e que

envolverão a colaboração continuada entre a Comissão e os diferentes Estados

Membros, quer seja com as diferentes autoridades da concorrência quer seja com

os diferentes institutos nacionais de estatística.

163. Em particular, e no que respeita à primeira prioridade – a promoção das relações

sustentáveis e baseadas no mercado entre as partes interessadas da cadeia de

abastecimento alimentar –, a Comissão considera que é necessário agir para

eliminar as práticas contratuais desleais entre agentes comerciais em toda a

cadeia de abastecimento alimentar e colaborará com a REC (Rede Europeia da

Concorrência) para desenvolver uma abordagem comum das questões de

concorrência pertinentes, tendo em vista um intercâmbio contínuo de

informações, a identificação rápida de casos problemáticos e uma distribuição

eficiente de tarefas entre os seus membros.

164. No que respeita à segunda prioridade – o aumento da transparência ao longo da

cadeia para incentivar a concorrência e aumentar a sua resistência à volatilidade

29 Vide COM(2008) 821, de 9 de Dezembro de 2008, e respectivos documentos de trabalho.

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dos preços – a Comissão apresentará propostas para melhorar a supervisão e a

transparência geral dos mercados de derivados dos produtos agrícolas de base no

contexto da abordagem global dos derivados e da revisão da directiva relativa aos

mercados de instrumentos financeiros; publicará uma primeira edição da

ferramenta europeia de monitorização dos preços dos alimentos, comprometendo-

se a examinar formas de a desenvolver para abranger um número maior de

produtos e de cadeias alimentares, com início no Verão de 2010; e recomendará a

todos os Estados Membros que implantem serviços de comparação de preços de

retalho dos géneros alimentícios, disponíveis na Web e de fácil acesso.

165. No que respeita à terceira prioridade – a promoção da integração e a

competitividade da cadeia europeia de abastecimento alimentar em todos os

Estados Membros –, a Comissão avaliará medidas para abordar os

condicionalismos do abastecimento territorial, na medida em que estes criam

ineficiências económicas e estão em contradição com os princípios do mercado

interno; insta o Conselho e o Parlamento Europeu a adoptarem rapidamente a

proposta da Comissão para a revisão da legislação sobre as regras de rotulagem;

reverá um conjunto seleccionado de normas ambientais e de sistemas de

rotulagem da origem que podem impedir o comércio transfronteiras e colaborará

com os Estados Membros e com a indústria para melhorar a harmonização da

aplicação das normas comunitárias em matéria de segurança alimentar;

promoverá e facilitará a reestruturação e a consolidação do sector; e adoptará

medidas para apresentar as propostas do grupo de alto nível com o objectivo de

melhorar a competitividade do sector agro-alimentar, nomeadamente das PME, e

promover a inovação e as exportações no sector.

166. Assim, e não obstante as acções e/ou recomendações que a AdC possa vir a

tomar e/ou a propor no que concerne as relações comerciais entre a GDA e os

seus fornecedores, a AdC está envolvida num esforço conjunto a nível da UE com

vista à prossecução das três prioridades transversais comuns a toda a cadeia de

abastecimento alimentar, tal como acima identificadas e referidas na

Comunicação CE, de 28.10.2009 (cit.).

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2.6. Acções de autoridades de concorrência de diversos

países e de organizações internacionais (OCDE)

167. Vários têm sido os organismos responsáveis pela política de concorrência em

Estados Membros da UE que têm desenvolvido estudos/inquéritos sobre os efeitos

do poder de compra da grande distribuição quer nos mercados a montante

(aprovisionamento), quer nos mercados a jusante (venda a retalho e por grosso).

168. Estes estudos iniciaram-se no início da década de 1990, quando se começaram a

sentir os efeitos do desenvolvimento/consolidação dos GGR.

169. Assim, o Conselho da Concorrência de França elaborou um Parecer em Janeiro de

1997 relativo às diversas questões relacionadas com a concentração da

distribuição30 onde procede a uma abordagem desta problemática com o objectivo

de definir linhas de orientação para análises concretas quer de concentrações

nestes sectores, quer de eventuais práticas restritivas.

170. O citado Parecer, para além de fazer um enquadramento histórico da

problemática, analisa as estruturas da venda a retalho de bens de consumo

corrente, a metodologia para definir os mercados da distribuição na acepção da

concorrência (venda a retalho e aprovisionamento), a concentração no sector da

distribuição, o efeito da concentração sobre a concorrência nos mercados a

montante e jusante desenvolvendo metodologias de análise na perspectiva da

concorrência (dependência económica, marcas do distribuidor).

171. Por seu lado, a Autoridade da Concorrência Irlandesa produziu, em 2008, três

relatórios sobre os sectores alimentar e de produtos de drogaria e higiene pessoal

(“groceries”), no grosso e no retalho, nesse país, em resposta a uma solicitação

ministerial. 31

30 Avis n.º 97-A-04 du Conseil de la Concurrence en date du 21 Janvier 1997 relatif à diverses questions

portant sur la concentration de la distribuition. 31 Estes três relatórios foram elaborados pela AdC Irlandesa em resposta a uma solicitação do Minister for

Enterprise, Trade and Employment da Irlanda, na sequência de alterações legislativas ocorridas em 2006. O primeiro relatório, publicado em Abril 2008, analisa a estrutura de mercado e o nível de concorrência no grosso e no retalho alimentar, de produtos de higiene e drogarias (“groceries”), entre 2001 e 2006. O segundo relatório, publicado simultaneamente com o primeiro, analisa a evolução dos preços no retalho entre 2001 e 2007. O terceiro e último relatório, publicado em Julho de 2008, analisa o sistema de licenciamento neste sector (“groceries”) entre 2001 e 2007.

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172. No Reino Unido (RU), em 1999, o Office of Fair Trading (OFT) concluiu uma

primeira investigação sobre o poder dos GGR, tendo remetido a mesma para a

Competition Commission (CC).

173. Por outro lado, em Maio de 2006 o OFT recomendou à CC a investigação, nos

termos da legislação de concorrência, das relações fornecedores/ retalhistas,

tendo aquele organismo vindo a elaborar um estudo aprofundado sobre a

questão32, cujo relatório final foi publicado em Abril de 2008.

174. As conclusões focaram, essencialmente, dois tipos de problemas: (i) que várias

cadeias retalhistas detinham fortes posições em mercados locais com

consequências negativas para os consumidores e (ii) que a transferência

excessiva de risco e de custos inesperados dos distribuidores retalhistas para os

seus fornecedores através de diversas práticas comerciais, pode ter efeitos

adversos no investimento e inovação dos fornecedores e em último caso no bem

estar dos consumidores.

175. No que se refere à área dos produtos hortofrutícolas e à evolução dos seus

preços, para além dos desenvolvimentos que tem tido a nível comunitário como

anteriormente referido, também algumas autoridades nacionais de concorrência

têm procurado acompanhar este assunto.

176. A Direcção Geral de Defesa da Concorrência Espanhola publicou em 2004 um

relatório relativo a “Investigação da cadeia de distribuição de determinadas frutas

e hortaliças”33 onde faz um levantamento dos circuitos de comercialização destes

produtos e compara preços ao longo da cadeia de valor.

177. Das várias conclusões constantes deste relatório, salientamos a de que as

características estruturais mais salientes da cadeia de distribuição são, por um

lado, a significativa importância da intermediação (entre produtores de

hortofrutícolas e o retalho e efectuada, em boa parte, pela rede de mercados

centrais), a reduzida dimensão dos operadores na produção e/ou fornecimento e,

por outro, a existência de barreiras à entrada no retalho de hortofrutícolas em

resultado de normas autonómicas de licenciamento de novos formatos comerciais.

32 Competition Commission (2008), “The supply of Groceries in the UK - Market Investigation”, 30.04.08, RU

(em http://www.competition-commission.org.uk/ rep_pub/reports/2008/fulltext/538.pdf). Saliente-se que este relatório teve origem numa solicitação do OFT, de Maio de 2006, e foi antecedido de dois conjuntos de análises preliminares, a primeira de Janeiro de 2007 e a segunda de Outubro de 2007.

33 “Investigación de la Cadena de Distribución de Determinadas Frutas y Hortalizas”, Dirección General de

Defensa de la Competencia, Janeiro de 2004.

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3. O sector da Distribuição

178. O sector da distribuição tem estado sujeito a forte regulamentação, quer quanto a

restrições no acesso ao mercado, quer quanto a restrições a nível do exercício da

actividade.

179. Apresenta-se de seguida uma breve descrição da evolução deste tipo de

regulamentação, do seu impacto no mercado e dos eventuais efeitos restritivos

sobre a concorrência da regulamentação actualmente em vigor (secção 3.1) e da

estrutura da distribuição retalhista em Portugal (secção 3.2), bem como o

posicionamento nacional dos GGR no comércio a retalho (secção 3.3) e nos

mercados de aprovisionamento (secção 3.4).

3.1. Enquadramento regulamentar

3.1.1. Restrições no acesso ao mercado

3.1.1.1. Evolução

1989 – Sector retalhista – hipers

180. Após a abertura do primeiro hiper em Portugal, pelo Grupo MC em Matosinhos, no

ano de 1985 (vide supra), a primeira legislação que instituiu um sistema de

autorização prévia de instalação de unidades comerciais, para além do

licenciamento camarário relativo a obras particulares, surgiu em 198934, após as

reacções do pequeno comércio, entretanto ocorridas no mercado, face à abertura

de grandes unidades comerciais retalhistas.

181. Ficaram abrangidas pela obrigatoriedade de obtenção, por parte da Administração

Central,35 de uma autorização prévia de localização, todas as unidades retalhistas

de área superior a 3000m2 (designadas à data por “UCDR”, i.e. “Unidades

Comerciais de Dimensão Relevante”).

34 Decreto-Lei n.º 190/89, de 6 de Junho. 35 Ministério do Comércio e Turismo.

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182. A concessão da autorização baseava-se em critérios qualitativos tais como a

avaliação: (i) do impacto em termos de abastecimento (interesses dos

consumidores); (ii) das consequências para o tecido comercial da zona; e (iii) da

contribuição para a reestruturação e modernização da actividade comercial da

zona.

1991 – Sector grossista

183. Em 1991, face à entrada no mercado português da cadeia grossista Makro – de

unidades comerciais de maior dimensão do que as dos grupos grossistas já

presentes em Portugal (v.g., a cadeia Manuel Nunes) –, o âmbito do sistema

anteriormente referido foi alargado às unidades grossistas36.

184. Em paralelo com a instalação de grandes unidades comerciais, começaram a

surgir unidades comerciais com formatos de média dimensão (supers) – já

existentes antes de 1985 – que não estavam abrangidos pelo sistema de

autorização prévia anteriormente indicado.

1992 – Sector retalhista – supers

185. Como resposta ao desenvolvimento deste segmento de mercado, em 199237 a

legislação foi alterada, baixando o limiar mínimo de área sujeita a autorização

prévia, para 2000m2 e passando o sistema também a abranger os centros

comerciais com área superior a 3000m2.

186. Os critérios para autorização da instalação continuaram a ser de teor qualitativo e

tinham em consideração os seguintes aspectos: (i) a instalação da nova unidade

devia contribuir para a modernização e diversificação da oferta comercial na

região e aí estimular uma ‘sã concorrência’; (ii) o benefício para os consumidores

decorrente do equilíbrio entre os vários tipos de equipamento comercial; e (iii) as

características da estrutura e da actividade comercial da respectiva zona, no que

respeita à qualificação profissional, à utilização de novas tecnologias e aos

serviços prestados ao consumidor.

36 Decreto-Lei n.º 9/91, de 8 de Janeiro. 37 Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro.

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187. Em 199538, numa tentativa de “travar” a instalação de médias unidades

comerciais cujas dimensões se situavam, por norma, ligeiramente abaixo do limiar

de aplicação da lei, as áreas mínimas para aplicação da legislação foram

novamente reduzidas e definidas em função do número de habitantes do concelho

onde as unidades se instalavam.

1997 – Unidades individuais e unidades de Grupos: Limitações

quantitativas e Quotas máximas

188. Entretanto, em meados dos anos 90 surgiram em força as lojas de desconto

(discount) e pequenos supers (lojas de proximidade), os quais, não estando

abrangidos pelos limiares da legislação, facilmente se instalaram e expandiram.

189. Face a esta realidade e a uma crescente contestação do comércio instalado (lojas

tradicionais), o sistema é profundamente alterado em 199739 numa tentativa de

travar o aumento de quota de mercado da grande distribuição.

190. A nova legislação, para além de ter alterado os limiares de aplicação (ficaram

abrangidas unidades retalhistas alimentares, retalhistas especializadas e unidades

grossistas, com áreas superiores a 2000m2, 4000m2 e 5000m2, respectivamente),

passou a abranger também as unidades comerciais integradas em grupos que

dispusessem de áreas de venda acumuladas superiores a 15.000m2, 25.000m2 e

30.000m2, respectivamente).

191. O sistema de áreas acumuladas foi instituído para controlar as pequenas unidades

dos grupos, nomeadamente, os de hard discount.

192. Deixaram de estar abrangidos os centros comerciais, enquanto área de venda

descontínua, estando, contudo, abrangidas as lojas que ultrapassassem os

limiares referidos no parágrafo n.º 185 supra.

193. Foram introduzidos critérios quantitativos com carácter eliminatório para a

autorização de unidades comerciais retalhistas (quotas de mercado a nível

nacional e a nível da área de influência):

(i) Quota máxima de 35% a nível nacional (unidades abrangidas pela lei em

relação ao mercado global de retalho) e,

38 Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril. 39 Decreto-Lei n.º 218/97, de 20 de Agosto.

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(ii) Quota máxima de 45% a nível da área de influência (idem a nível da área

de influência da unidade a instalar);

194. Os critérios qualitativos constituíam um segundo patamar de decisão.

2001 a 2004 – “Congelamento” de autorizações (entradas)

195. Em virtude de as quotas nacionais terem sido atingidas, a legislação ficou

suspensa de aplicação desde Outubro de 2001 até à entrada em vigor da lei

seguinte (Maio de 2004), tendo correspondido a um verdadeiro “congelamento”

na atribuição de novas autorizações de instalação.

196. Esta situação foi fortemente contestada, sobretudo, pelos grupos que se

encontravam em fase de expansão.

2004 – Descentralização das autorizações: Taxas por

procedimento que revertem para apoio pequeno comércio

197. Em Maio de 2004 foi publicada nova legislação40 cuja regulamentação ficou

consubstanciada em quatro Portarias41 e um Despacho42.

198. Esta nova Lei introduziu alterações profundas nas regras anteriormente vigentes,

tendo alterado (reduzido) os limiares de aplicação:

500m2 para retalhistas;

5000m2 de área acumulada retalhista;

5000m2 para grossistas;

30.000 m2 de área acumulada grossista; e

6000m2 para centros comerciais

199. Os critérios de decisão passaram a ser exclusivamente qualitativos, se bem que

alguns deles relacionados com a dinâmica concorrencial da área de influência:

Enquadramento protecção ambiental e ordenamento do território;

Áreas adequadas para estacionamento;

40 Lei n.º 12/2004, de 30 de Março. 41 Portaria n.º 518/2004, de 20 de Maio; Portaria n.º 519/2004, de 20 de Maio; Portaria n.º 520/2004, de 20

de Maio e Portaria n.º 620/2004, de 7 de Junho. 42 Despacho n.º 11005/2004, de 2 de Junho.

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Contribuição para a melhoria das condições concorrenciais do sector da

distribuição, coexistência e equilíbrio entre várias formas de comércio e

adequação da estrutura comercial às necessidades dos consumidores;

Desenvolvimento do emprego; e

Integração intersectorial (sectores a montante).

200. De entre as novidades destaca-se a criação de taxas a aplicar aos actos relativos

ao processo que reverteram para um Fundo destinado a apoiar o pequeno

comércio (URBCOM43).

201. As decisões deixaram de pertencer ao Ministro e passaram a ser responsabilidade

das designadas Comissões Regionais de Equipamento Comercial (CREC), onde

estavam representadas várias entidades da Administração Central e Local, bem

como representantes das Associações de Comerciantes da zona de instalação da

nova unidade e representantes de Associações de Consumidores.

2009 – Legislação actual: Critérios qualitativos

202. Entretanto, em Janeiro do corrente ano, foi mais uma vez alterado o regime de

autorização de instalação de estabelecimentos comerciais, passando a vigorar um

novo sistema44.

203. O novo sistema, para além de pretender dar cumprimento aos objectivos do

Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa – SIMPLEX – adequou os

critérios de autorização aos imperativos comunitários em matéria de concorrência

e de liberdade de estabelecimento.

204. Como principais novidades, será de referir que a legislação actual: (i) reduziu o

universo de estabelecimentos sujeito a autorização prévia (aumento dos limiares

das áreas abrangidas); (ii) acabou com as fases de candidatura; (iii) exigiu a

prévia obtenção da informação prévia de localização favorável e de impacto

43 O URBCOM, ou Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial, foi uma medida do Eixo 2

(Medida 2.4.B2) do Programa de Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), inserido no QCA III, tendo como objectivo revitalizar e consolidar as actividades empresariais do sector do comércio e de alguns serviços, requalificar o espaço público envolvente e promover o respectivo projecto global.

44 Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico da instalação e da

modificação dos estabelecimentos de comércio a retalho e de conjuntos comerciais.

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ambiental; e (iv) criou uma única entidade decisória (COMAC45) ao nível da NUT

III, com decisões mensais.

205. Para efeitos de decisão, os projectos são pontuados em função da sua valia

(VP)46, tendo em conta parâmetros tais como: (i) a contribuição do projecto para

a multiplicidade da oferta comercial, quer em formatos, insígnias e diversidade

das actividades nos conjuntos comerciais, tendo em vista promover a

concorrência efectiva na área de influência; (ii) a avaliação da qualidade dos

serviços prestados, integração de pessoas com incapacidades; (iii) a avaliação da

qualidade do emprego e da responsabilidade social da empresa; (iv) a avaliação

da integração da unidade comercial no ambiente urbano; e (v) a contribuição da

unidade comercial para a eficiência energética ou utilização de energias

renováveis e de materiais recicláveis.

206. A metodologia para proceder à determinação da VP e as regras técnicas para

execução dos seus parâmetros foram definidas por Portaria do Ministro da

Economia e da Inovação47.

207. A pontuação é positiva quando o projecto obtém uma VP superior a 50% da

pontuação total.

208. No caso da pontuação ser negativa a decisão da COMAC é desfavorável.

209. A decisão da COMAC pode ser acompanhada da imposição de obrigações

destinadas a garantir o cumprimento de dos compromissos assumidos pelo

requerente e que tenham constituído pressupostos da autorização.

210. Das decisões das COMAC cabe impugnação para os Tribunais Administrativos de

Círculo.

211. As autorizações concedidas têm validade de três ou quatro anos, caso se trate,

respectivamente, de estabelecimentos comerciais ou conjuntos comerciais

(centros comerciais).

45 A Comissão de Autorização Comercial (COMAC) foi criada pelo Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro,

como a única entidade com competência para decidir, ao nível das NUT III e com uma periodicidade mensal, os pedidos de autorização de instalação e modificação dos estabelecimentos de comércio e retalho e de conjuntos comerciais. As suas regras de funcionamento foram estabelecidas pela Portaria n.º 417/2009, de 16 de Abril, do Ministério da Economia e Inovação.

46 Cf. Artigo 10.º, 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro. 47 Portaria n.º 418/2009, de 16 de Abril.

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212. Findo aqueles prazos sem que se tenha verificado a entrada em funcionamento

dos estabelecimentos, as autorizações de instalação caducam.

3.1.1.2. Síntese conclusiva

213. Conforme exposto anteriormente, as restrições à instalação de unidades

comerciais surgiram após se terem feito sentir os efeitos da abertura ao público

dos primeiros hipers, tendo por objectivo salvaguardar um correcto ordenamento

territorial, quanto a aspectos ambientais e à preservação do território.

214. Tinham, igualmente, subjacente evitar sobrecarga excessiva nas infra-estruturas

(rodoviárias) bem como o impacto no tecido comercial retalhista tradicional.

215. O surgimento da cadeia Makro, levou a que a legislação fosse adaptada no sentido

de abranger também unidades grossistas de grande dimensão.

216. Entretanto, o sector da distribuição continuou o seu processo de desenvolvimento,

à semelhança do que ocorria na Europa, começando a surgir novos formatos,

novas insígnias e novos conceitos de venda (discount).

217. A legislação, que inicialmente abrangia só grandes unidades comerciais (hipers),

veio sucessivamente a ser alterada procurando abranger todas as novas

realidades que foram surgindo.

218. À medida que o mercado foi evoluindo, crescendo, nomeadamente, nos formatos

não abrangidos pela legislação, a contestação por parte do pequeno comércio

tradicional foi aumentando, pelo que a legislação foi “tentando adaptar-se” às

novas realidades, tornando cada vez mais abrangente o seu campo de aplicação.

219. Assim, em 1992 o sistema de licenciamento foi profundamente modificado,

surgindo o conceito de “área de venda acumulada” para determinar o limiar de

aplicação da lei, tendo sido também introduzidos limites para as quotas (nacional

e na área de influência) dos estabelecimentos, em termos de mercado global,

limites esses que tinham carácter eliminatório.

220. Na sequência da aplicação desta regulamentação, a quota de mercado nacional foi

atingida em 2001, pelo que foi suspensa a aplicação da legislação, o que na

prática resultou num “congelamento” da atribuição de autorizações para a

instalação e/ou expansão de unidades comerciais.

221. Esta situação durou até 2004, data em que foi publicada nova legislação, sem

restrições quantitativas, mas ainda com critérios económicos na atribuição das

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autorizações, prevendo vir a ser revista passados três anos após a sua entrada

em vigor (i.e., a 15.04.2007).

222. Entretanto, a partir de 2003, começaram a chegar queixas à CE, a qual abriu um

processo48 ao Estado Português por infracção ao Princípio da Liberdade de

Estabelecimento (artigo 43.º do Tratado CE49).

223. Em causa está o cumprimento por parte da legislação dos princípios e disposições

constantes da Directiva “Serviços” 2006/123/CE.

224. A CE considerava que a legislação anteriormente em vigor (Lei n.º 12/2004)

continha restrições, na instalação de unidades comerciais, incompatíveis com as

disposições comunitárias.

225. A legislação actualmente em vigor (Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro)

procurou eliminar tudo o que fossem critérios incompatíveis com a legislação

comunitária, nomeadamente, critérios económicos, centrando a avaliação dos

projectos em requisitos ambientais e de política urbanística.

3.1.2. Restrições ao nível dos horários de funcionamento

3.1.2.1. Evolução

226. O Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, actualmente em vigor, marcou a

legislação nacional em matéria de horários de comércio.

227. Com efeito, até 1977, os horários do comércio não eram regulados de forma

autónoma, mas por via de regulamentação relacionada (legislação do trabalho) a

qual obrigava ao descanso no domingo (encerramento obrigatório).

228. A legislação publicada em 197750, veio introduzir os conceitos de abertura e fecho

dos estabelecimentos (das 8h às 22h, todos os dias da semana), deixando, assim,

de estar limitada a abertura ao domingo e, competindo às Câmaras Municipais

definirem o horário de acordo com as especificidades locais (dentro dos limites

legais).

48 Processo CE 2003/4717 – Nota de culpa ao Estado Português em 18.10.2004. Notificação complementar

para cumprimento em 04.07.2006 e Parecer fundamentado em 29.06.2007. Fica a dúvida se o Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro, terá corrigido as restrições alegadas pela Comissão Europeia.

49 Leia-se “Tratado que institui as Comunidades Europeias”. Hoje substituído pelo Tratado sobre o

Funcionamento da União Europeia (vide Anexo 2 infra). 50 Decreto-Lei n.º 75-T/77, de 28 de Fevereiro.

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229. Em 198351, o horário sofreu um alargamento (das 6h às 24h, todos os dias da

semana), prevendo a possibilidade, nalguns casos, de funcionamento

permanente.

230. Em 199552, a legislação veio redefinir o encerramento (das 2h às 6h, todos os

dias da semana) e limitar, pela primeira vez, o horário de funcionamento das

grandes superfícies comerciais contínuas53 aos domingos e feriados, nos meses de

Janeiro a Outubro, em que apenas podiam operar por um período de 6 horas.

231. O enquadramento legal em vigor54, de 1996, permite a abertura entre as 6h e as

24h todos os dias da semana, contemplando algumas excepções, sendo a mais

relevante a das grandes superfícies comerciais contínuas com mais de 2000m2,

situadas em concelhos com mais de 30 mil habitantes, e, as com mais de 1000m2

desde que situadas em concelhos de menos de 30 mil habitantes, cujo período de

funcionamento foi reduzido aos domingos e feriados, de Janeiro a Outubro, entre

as 8h e as 13h.

232. A situação tem sido objecto de contestação por parte, nomeadamente, das

empresas de distribuição e dos seus fornecedores, sendo defendido, entre outros,

pelo comércio tradicional, sindicatos e organizações várias que defendem o

domingo como dia de descanso.

233. Em 1999, foi realizado um Estudo para o Observatório do Comércio55 que, entre

outras, produziu as seguintes conclusões:

A restrição de abertura das grandes unidades comerciais contínuas,

contrariando a lei geral, está associada a uma tentativa de contenção

crescente da quota de mercado dos grandes operadores em prejuízo do

comércio independente (tradicional);

A informação recolhida leva a crer que ninguém beneficiou com a medida

adoptada;

51 Decreto-Lei n.º 417/83, de 25 de Novembro. 52 Decreto-Lei n.º 86/95, de 28 de Abril. 53 Terminologia da legislação sobre autorização prévia de instalação de unidades comerciais. 54 Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio. 55 “Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais – situação actual e prospectiva”, Dezembro

de 1999 - realizado para o Observatório do Comércio por: I.D.E. - Instituto de Dinâmica do Espaço Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, coordenado por Prof.ª Margarida Pereira e Prof. José Afonso Teixeira.

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O crescimento e diversificação da oferta continua em curso e o reforço da

concentração tem conduzido a um aumento da quota de mercado dos

principais grupos; e

O pequeno comércio ainda se apoia no raciocínio segundo o qual o

consumidor tinha de se ajustar aos horários proporcionados pelos

comerciantes.

234. A APED tem exercido forte contestação a esta medida tendo, em 2007, entregue

na Assembleia da República uma petição com 250 mil assinaturas de

consumidores, tendo em vista a liberalização dos horários do comércio.

235. No seu site apresenta um documento56 onde enumera 12 argumentos para a

abertura ao domingo das grandes superfícies comerciais, salientando-se, de entre

elas, as seguintes:

A abertura do comércio ao Domingo vai ao encontro das necessidades da

generalidade da população trabalhadora;

A abertura do comércio ao Domingo gera emprego e evita desemprego;

A abertura do comércio ao Domingo representa a consagração de um

hábito responsável por boa parte das vendas da semana;

A abertura do comércio ao Domingo é um pressuposto básico e

determinante dos investimentos efectuados no sector.

236. A APED procedeu, também, a uma síntese da situação regulamentar dos horários

de abertura das lojas na Europa57, onde se verifica que só dois países (Suécia e

Irlanda) não têm restrições de abertura ao domingo.

237. Existem 4 países com restrição total de abertura ao domingo (Alemanha, Áustria,

França e Grécia), apresentando os outros países, situações diversas de restrições

de nível médio de abertura.

238. Entretanto, em 2007, a Roland Berger produziu um Estudo58 para a APED

intitulado “Impacto da liberalização dos horários do comércio nas grandes

56 “12 argumentos em defesa da abertura do comércio ao domingo”, APED (http://www.aped.pt/

documentacao_outra_campanha_horarios.php). 57 “Situação actual e evolução dos horários de comércio nos países da Europa”, APED (http://

www.aped.pt/pdf/Hor_rios_Abertura_Europa.pdf). 58 Cf. http://www.aped.pt/pdf/roland_berger.pdf.

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superfícies aos domingos e feriados” onde apresenta, de entre outras, as

seguintes conclusões:

A restrição de abertura das lojas com mais de 2.000m2 aos domingos e

feriados nos meses de Janeiro a Outubro foi imposta para permitir tempo

ao comércio tradicional alimentar para reinventar-se – Hoje em dia cria

desigualdades entre operadores e condiciona a escolha dos formatos de

loja mais adequados;

Face aos outros países europeus Portugal está a meio da tabela em termos

de liberalização, sendo um dos países em que o comércio tradicional tem

mais peso;

A liberalização dos horários de comércio poderá criar entre 8000 e 8300

novos postos de trabalho e gerar uma receita fiscal de 1 300 a 1 600M€

(em 10 anos – até 2017);

A indústria nacional irá beneficiar de um aumento das vendas para as

grandes superfícies alimentares, devido a estas terem maior diversidade de

oferta.

239. O supra citado Estudo veio a ser muito contestado pela CCP – Confederação do

Comércio e Serviços de Portugal59, em particular, os pressupostos para o calculo

dos novos empregos e das receitas no período de 10 anos.

3.1.2.2. Síntese conclusiva

240. As restrições existentes no horário de funcionamento das grandes superfícies

(estabelecimentos com área superior a 2 000m2), vieram favorecer os grupos de

distribuição que têm privilegiado os estabelecimentos de formato médio ou

pequeno.

241. Por outro lado, em termos de efeitos no pequeno comércio, serão estes formatos

os que, em princípio, fazem maior concorrência às lojas tradicionais, dado

funcionarem, praticamente, como lojas de proximidade.

242. De acordo com estudos efectuados e tal como salientado anteriormente, as

restrições existentes nos horários não parecem ter tido os efeitos esperados,

59 Cf. http://www.uacs.pt/fotos/noticias/CCPestudopelaAPED.pdf.

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concretamente, em termos de protecção do comércio tradicional face à quota

ganha pela grande distribuição.60

243. Contudo, será de realçar que a maioria dos países europeus têm regulamentações

que restringem o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais ao

domingo, sendo muito variável, de país para país, o grau da restrição existente.

3.2. Caracterização da distribuição retalhista

3.2.1. Caracterização da distribuição retalhista nacional actual

244. O sector nacional da distribuição retalhista actual é caracterizado por uma elevada

heterogeneidade (métodos/conceitos de venda, formatos, perfil das empresas,

grau de desempenho da cadeia de distribuição), com elevado grau de

concentração da oferta ao nível dos GGR.

245. Continuam a coexistir um grande número de empresas de reduzida dimensão, a

maioria delas pouco evoluídas a par de um reduzido número de grupos com forte

know-how e elevada capacidade de gestão, os quais têm vindo a ganhar quota de

mercado.

246. Tem-se verificado, igualmente, algum processo de concentração e formas de

cooperação entre empresas, com vista à aquisição de capacidade competitiva,

bem como procura de dimensão europeia por parte das empresas de maior

dimensão.

247. Todavia, segundo dados da A.C.Nielsen de 2002, Portugal continuava a ser dos

países europeus que dispõe do maior número de lojas per capita, 2,4 por 1000

habitantes contra 0,3 na Holanda e Dinamarca ou 0,6 na França.

248. Ainda segundo dados Nielsen de 2002, Portugal era dos países da Europa que

apresentava a maior percentagem de lojas tradicionais, em relação ao número

total de lojas dos vários conceitos de retalho misto, de 88,1%.

60 Salientar-se-á, todavia, que a devida aferição desta ilação deveria considerar o contrafactual de qual teria

sido a evolução do mercado na ausência daquela restrição, i.e. se os hipers tivessem sido autorizados a abrir aos Domingos. Não obsta porém o facto que mesmo com esta restrição de horários de funcionamento, os GGR têm conseguido ganhar quota de mercado ao comércio tradicional.

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249. Em contrapartida, considerando a repartição do volume de vendas do retalho

misto, por conceito/formato, as lojas tradicionais representavam 11,3% da

facturação total dos vários conceitos.

250. O formato hipermercado representava, por si só, uma quota de 35%.61

3.2.2. Influência a montante e a jusante dos GGR

251. Em comparação com o comércio tradicional, os GGR apresentam a principal

vantagem de concentrarem nas suas unidades de venda uma forte diversidade de

produtos, dos produtos vendidos em supers (dos produtos da denominada

“distribuição alimentar”, vide supra) à oferta mais abrangente dos hipermercados,

que incluem, de igual modo, outros segmentos de actividade, da venda de

vestuário, a electrodomésticos e a combustíveis (gasóleos e gasolinas) em postos

de abastecimento (vide supra).

252. A expansão dos GGR terá efeitos, do lado do consumo, sobre o remanescente do

comércio (v.g., mercearias e mercados tradicionais locais); e terá também efeitos

nos mercados de aprovisionamento, através de agrupamentos de compra e/ou de

negociação com outros retalhistas e/ou grossistas (v.g., os casos da UNIARME e

do recente acordo Intercompra62).

253. A expansão dos GGR nos lados do consumo e do aprovisionamento têm efeitos

sobre os demais clientes do aprovisionamento, que incluem: (a) o canal grossista,

de menor dimensão do que os GGR e cujo declínio progressivo deriva, de igual

modo, do facto deste canal ser fornecedor do comércio tradicional; e (b) sobre os

demais canais de distribuição, incluindo cadeias retalhistas de menor dimensão e

de âmbito regional (v.g., os casos das cadeias A. C. Santos nos distritos de Lisboa

e de Leiria e Alisuper no distrito de Faro) e o canal HORECA (hotéis, restaurantes

e cafés). De salientar a propósito do canal HORECA que, embora este canal possa,

ainda, não concorrer de forma significativa no retalho com os GGR, grande parte

dos supermercados e hipermercados dispõem já de serviços próprios de

restauração e de pastelaria.

61 A actualização destas percentagens para o período recente de 2005-2008 é remetida para o Relatório Final

de Julho de 2010. 62 O acordo Intercompra foi estabelecido entre a Auchan, operador no retalho, e a Makro, operador no

grosso, com o objectivo de negociar os contratos-base de fornecimento e algumas condições de compra em representação conjunta daquelas duas empresas.

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254. O forte crescimento dos GGR, quer no aprovisionamento, com detrimento das

quotas dos demais clientes deste mercado (v.g., canal grossista e outros canais,

tal como o HORECA), quer nas vendas a retalho, com detrimento das quotas de

mercado do comércio tradicional, poderá decorrer de condições de preço mais

vantajosas para o consumidor final e de uma alteração da escolha de consumo do

consumidor final.

255. Por seu turno, o aumento do grau de concentração da procura dos GGR nos

mercados de aprovisionamento poderá, de igual modo, incentivar o reforço do

grau de concentração da oferta nesses mercados (vide da indústria

transformadora / fornecedora), pelo desaparecimento progressivo de empresas

menos competitivas (vide, de igual modo, Capítulo 4 infra).

256. Nos sectores onde a produção nacional assume ainda alguma importância – tal

como nos casos do leite e do arroz (Capítulo 4 infra) –, o poder de compra

exercido pelos GGR junto do aprovisionamento poderá ter influência na

determinação dos preços na produção, i.e. na negociação mais a montante entre

as empresas de aprovisionamento (indústria transformadora) e a produção.

257. Em qualquer dos casos, quer isto dizer que, em termos jusconcorrenciais,

qualquer apreciação do comportamento dos GGR deverá ter em consideração dois

níveis, o nível material dos mercados dos produtos / serviços relevantes e o nível

espacial dos mercados geográficos relevantes63, em dois estádios da actividade:

(i) O estádio do aprovisionamento, onde os GGR concorrem, na compra, com

agrupamentos de compras entre grandes retalhistas e/ou grossistas, com

empresas grossistas, bem como com outros canais tal como o canal

HORECA e, na venda dos produtos da sua marca (MDD), com as empresas

de aprovisionamento; e,

(ii) O estádio da venda a retalho, onde os GGR concorrem com o

remanescente do comércio ou o denominado “comércio tradicional”, o qual

inclui as tradicionais “mercearias”, bem como padarias, pastelarias e os

mercados locais tradicionais (vide supra).

63 Cf. Comunicação CE relativa à definição do mercado relevante para efeitos de aplicação da legislação

Comunitária da concorrência (cit.) e Comunicação CE relativa às linhas de orientação na aplicação do Artigo 81.º do Tratado sobre os acordos de cooperação horizontal (cit.).

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258. No âmbito jusconcorrencial e atento o critério de substituibilidade subjacente à

definição de mercado relevante e segundo prática decisória da CE64, as dimensões

material e geográfica relevantes variam consoante o estádio considerado.

259. Ao nível do retalho, a dimensão material do mercado relevante respeita o serviço

prestado pelos GGR aos consumidores finais, abrangendo, por conseguinte, todo o

cabaz de bens da aqui considerada “distribuição alimentar” comercializado pelas

unidades (supers e hipers) destes grupos. Por seu turno, ao nível geográfico, os

mercados de venda a retalho são definidos em termos locais, em torno de cada

unidade de venda (num raio de curta distância e/ou curto tempo de percurso).

260. Em contrapartida, nos mercados do aprovisionamento, deverá ser feita a

destrinça, ao nível material, entre os diversos produtos comercializados pelos GGR

atento o facto da oferta e procura poderem diferir consoante o produto em causa.

Ao nível geográfico, os mercados de aprovisionamento são, em geral, definidos

como de âmbito nacional.65

261. Esta estrutura a dois níveis de mercados tem uma complexidade acrescida

derivada da existência de:

(i) Um estádio mais a montante da produção, que abastece os mercados de

aprovisionamento, estejam estes interligados ou não;

(ii) Agrupamentos de compra e/ou de negociação entre GGR e cadeias

grossistas, os quais concorrem no aprovisionamento, mas operam em

diferentes estádios a jusante da actividade, os GGR na venda a retalho e os

grossistas enquanto intermediários entre os fornecedores e o comércio a

retalho tradicional (v.g., o caso supra da UNIARME);

(iii) Acordos de integração vertical entre os GGR e empresas de

aprovisionamento (v.g., o caso da participação de 49% do Grupo JM da

Unilever Portuguesa), bem como com Agrupamentos de Produção no caso

dos hortofrutícolas; e

(iv) Os denominados “produtos da marca do distribuidor” dos GGR (MDD),

entregues pelas empresas de aprovisionamento aos GGR – e

64 V.g. Decisão CE relativa ao Caso n.º COMP/M.1684 « Non-opposition à la fusion Carrefour – Promodés »,

de 25.01.2000 (versão francesa). Vide, de igual modo, Relatório preparado para a CE pela Dobson Consulting, Buyer power and its impact on competition in the food retail distribution sector of the European Union, DG IV, Study Contract nº IV/98/ETD/078 by Dobson Consulting, Maio 1999.

65 Vide subsecção 2.3.3 supra e Anexo 2 infra.

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transformados, maioritariamente, pela produção nacional – mas vendidos

sob a marca do distribuidor em clara concorrência com os produtos de

marca das empresa de aprovisionamento.

262. A existência de agrupamentos de negociação e/ou de compra junto à integração

vertical dos GGR no aprovisionamento – através, quer dos acordos de integração

vertical, quer, nomeadamente, da venda de produtos sob as suas insígnias –

reforça o poder de compra destes grupos no aprovisionamento. Todavia, este tipo

de acordos reforça, de igual modo, a complexidade das relações comerciais entre

os GGR e os seus fornecedores, dificultando a apreciação económica do impacto

da expansão destes grupos, quer sobre o bem-estar dos consumidores, quer

sobre a eficiência dos mercados de aprovisionamento (vide, de igual modo, da

produção) em geral.

263. Uma análise recente do sector agro-alimentar nacional (Barros et al., 200666)

sugere que o aumento do grau de concentração dos GGR ao nível local do retalho

nacional contribui para um maior poder de compra destes grupos nos mercados

de aprovisionamento mas, de igual modo, para maiores preços de venda ao

consumidor final. Este estudo conclui, assim, que o aumento do grau de

concentração dos GGR no retalho nacional anula qualquer transmissão (pass-

through) do maior poder de compra destes grupos ao consumidor final.

264. Em contrapartida, uma outra análise do sector agro-alimentar nacional no período

2002-2005 (Rodrigues, 2006, cit.) conclui pela inexistência de evidência de um

elevado grau de concentração dos GGR na venda a retalho e no

aprovisionamento, desagregado por categorias de produtos. Os resultados desta

análise sugerem que o poder de compra dos GGR no aprovisionamento é, em

geral, transmitido ao consumidor final. Em particular, resulta da análise

econométrica constante deste estudo que o maior poder de compra decorrente do

agrupamento de negociação UNIARME, reflectido na redução de preços de

aquisição, é, em geral, transmitido ao consumidor, ainda que parcialmente.

265. No que respeita aos agrupamentos de compra / negociação e aos acordos de

integração vertical entre os GGR e empresas de aprovisionamento, salientar-se-á

que, embora este tipo de acordos contribua a priori para um maior grau de

concentração da procura no aprovisionamento, reduzindo assim as alternativas

66 Barros, P.P., Brito, D. e D. Lucena (2006), “Mergers in the food retailing sector: an empirical

investigation”, European Economic Review, 50(2): 447-468.

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dos fornecedores, o mesmo não é necessariamente prejudicial aos fornecedores.

Enquanto que os acordos verticais poderão contribuir para uma redução de custos

de ambos os distribuidores e fornecedores, estes últimos beneficiam seguramente

de uma redução de custos em negociarem com um único conjunto de

compradores do que com cada um deles de forma separada67.

266. Acresce que, não obstante a dimensão e elevada diversidade de oferta dos GGR,

dificilmente poderão estes grupos impor o seu poder de compra sobre todos os

fornecedores. Em particular, um estudo recente (Gohin e Guyomard, 2000)68

sugere que o poder de compra dos GGR tende a ser menor quanto maior for o

grau de concentração dos fornecedores e maior a inelasticidade preço-procura do

produto em questão. Este estudo sugere que a alocação de rendas entre os GGR/

fornecedores depende dos poderes relativos de oligopsónio / oligopólio que estes

operadores dispõem nos respectivos mercados dos produtos relevantes, sendo

ambos condicionados pelos graus de elasticidade da oferta e da procura nos

mercados em causa. 69

3.3. Posicionamento dos GGR no comércio a retalho

267. Para a estimativa do posicionamento dos GGR no comércio a retalho e nos

mercados de aprovisionamento, bem como dos totais respectivos destes

mercados e seguindo prática decisória da CE, bem como análises de outras

entidades no sector alimentar70, são consideradas as seguintes categorias de

produtos: “mercearia”, “frescos”, “bebidas (alcoólicas e não alcoólicas)”, “lácteos”,

“congelados”, “higiene pessoal” e “drogaria e bazar”.71

67 Custos de negociação deverão ser considerados como “custos de transacção” ou custos incorridos na

realização de uma transacção comercial. Este conceito foi introduzido na literatura económica por Ronald Coase, ainda que de uma forma não explícita.

68 Gohin, A. and H. Guyomard (2000). “Measuring market power for food retail activities: French evidence”,

Journal of Agricultural Economics, 51: 181-195. 69 Embora uma análise mais aprofundada deste tipo de questões seja delegada para o Relatório Final de

Julho de 2010, as secções 4 e 0 infra tecem alguns comentários mais detalhados sobre esta matéria. Vide, de igual modo, Rodrigues (2006, cit.).

70 V.g. Decisão CE de não oposição à operação de concentração Carrefour / Promodés (cit.) e análises da

Centromarca (disponíveis em http://www.centromarca.pt/), bem como da Autoridade da Concorrência Irlandesa e da Competition Commission do RU, ambas de Abril de 2008 (cit.).

71 A secção 4 infra apresenta uma análise mais fina ao nível do leite UHT, arroz e massas alimentícias.

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268. Para este efeito, consideram-se, em acréscimo, elementos de valores de compra,

no período 2004-2008, recolhidos dos GGR que operam actualmente em Portugal,

a saber, conforme supra referido, os Grupos Aldi, Auchan (Pão de Açúcar e

Jumbo), Carrefour (Dia% / Minipreço), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI

(Intermarché e Ecomarché), JM (Feira Nova, Pingo Doce e Recheio), MC (Modelo e

Continente) e Lidl – e dos três grossistas de maior dimensão, para além da cadeia

grossista Recheio do Grupo JM – Grupos GCT, Makro e Manuel Nunes.

269. Dado que esta informação não abrange, por um lado, a rede de hipermercados do

Grupo Carrefour (adquirida pelo Grupo MC em Dezembro de 2007, cit.) e a cadeia

retalhista Plus (adquirida pela cadeia Pingo Doce do Grupo JM em Abril de 2008,

cit.), bem como, por outro lado, os restantes retalhistas, que incluem outras

cadeias retalhistas de âmbito regional (v.g., os casos das cadeias A. C. Santos e

Alisuper) e o denominado “retalho tradicional”, estes elementos são extrapolados

com base em informação anterior da Centromarca (Associação Portuguesa de

Empresas de Produtos de Marca), disponível para o período 2002-2005.72

270. Esta informação da Centromarca permitirá, de igual modo, uma estimativa, ao

nível dos mercados de aprovisionamento, do total do canal grossista – em

particular, os que integram a UNIARME para além dos Grupos JM e Manuel Nunes,

este último apenas até ao final de 2007 – e os denominados “Outros Canais” de

distribuição – que incluem cadeias retalhistas de menor dimensão e de âmbito

mais regional e o canal HORECA, bem como do total dos mercados de

aprovisionamento (vide secção 3.4 infra e Anexo 1 para detalhes).

271. Destas estimativas resulta que o valor total do mercado nacional de venda a

retalho dos produtos ditos da distribuição alimentar” terá crescido de forma quase

ininterrupta no período 2002-2008, salvo uma ligeira contracção no período 2003-

2005, de 8.217,9 M € em 2002 para 10.616,2 M € em 2008, com um aumento

cumulativo de 29,2%. O aumento do valor total de aprovisionamento no período

2002-2008 foi de 20,3% (vide Tabela 1 e secção 3.4 infra).

272. Na venda a retalho, observa-se, de igual modo, um crescimento dos GGR face aos

demais retalhistas, no global do mercado, de 77,4% em 2002 (6360,7 M €) para

83,5% em 2008 (8864,5 M €). Os GGR revelam-se, de igual modo, de maior

72 Todavia, dado que a informação recolhida no âmbito do presente estudo é mais exaustiva e mais actual do

que a da Centromarca – relativa às vendas dos seus associados, discriminados pelos principais tipos de clientes e pelas categorias de produtos supra referidas, no período 2002-2005 (detalhados em Anexo) –, a mesma permite a actualização de estimativas anteriores (em Fonseca, 2005 e Rodrigues, 2006, cit.).

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importância do que os demais retalhistas na venda a retalho, discriminada por

categorias de produtos, com percentagens que variam dos 62,5% nas bebidas

alcoólicas em 2004 para os 89,9% nos “frescos” em 2008 (vide Gráfico 1 infra).

Tabela 1 – Evolução do valor total do comércio nacional a retalho de produtos de grande

consumo, período 2002-2008

Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 8.217,9 8.401,4 8.335,7 8.612,4 9.045,3 9.866,5 10.616,2Taxa de crescimento anual 2,23% -0,78% 3,32% 5,03% 9,08% 7,60%GGR 77,4% 76,7% 76,5% 78,5% 79,9% 82,0% 83,5%Primeiros 2 44,0% 41,7% 39,0% 39,5% 40,9% 41,5% 46,5%Primeiros 4 61,2% 59,5% 58,1% 59,1% 60,3% 63,1% 66,9%Outros 16,2% 17,2% 18,3% 19,4% 19,6% 18,9% 16,7%Outros retalhistas 22,6% 23,3% 23,5% 21,5% 20,1% 18,0% 16,5%Rácios de quotasPrimeiros 2 GGR / Total dos GGR 0,569 0,544 0,511 0,503 0,512 0,506 0,556MC / JM Retalho 1,389 1,425 1,388 1,409 1,364 1,314 1,355IHH GGR 1186 1122 1094 1136 1185 1240 1413

Fonte: Estimativas (preliminares) AdC com base em informação recolhida dos GGR (vide Anexo 1). De salientar

que os “outros retalhistas” incluem o “comércio tradicional” e todos as outras cadeias retalhistas (de âmbito

regional) não consideradas nos GGR.

Gráfico 1 – Importância relativa dos GGR e dos demais retalhistas no comércio nacional a

retalho de produtos da “distribuição alimentar”, no global do mercado e discriminado por

categoria de produtos, nos anos de 2004 e de 2008

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebida

s alco

ólica

s

Total B

ebida

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Lácteo

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elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Droga

ria e B

azar

Total

GGR 2004 Outros 2004 GGR 2008 Outros 2008

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273. Atenta a importância decrescente dos demais retalhistas e o crescimento dos dois

e dos quatro principais GGR desde 2004 – sendo que os dois principais (MC e JM)

representam, em 2008 e no seu conjunto, cerca de 46,5% do comércio nacional

total a retalho – o grau de concentração desta actividade tem vindo a aumentar

para valores acima do limiar de 1800 de uma estrutura concentrada de mercado.

Em especial, no ano de 2008, o Índice de concentração de Herfindahl-Hirschmann

(IHH)73 atinge os valores mais elevados nas categorias “frescos” (2230), “drogaria

e bazar” (1917) e “higiene pessoal” (1830), para um IHH no global do mercado de

1413, acima dos 1094 do ano de 2004 (vide Gráfico 8 em Anexo 1). Os valores

mais baixos destes IHH verificam-se ao nível das bebidas, sendo de,

respectivamente, 1050 e 854 nas bebidas alcoólicas e não alcoólicas.

3.4. Posicionamento dos GGR nos mercados nacionais

de aprovisionamento

274. No que respeita à procura nos mercados de aprovisionamento, dado dispor-se

apenas de informação relativa aos GGR e a três grossistas (vide supra), o global

do canal grossista e dos “outros canais” – incluindo outras cadeias retalhistas de

dimensão regional (cit.) e o canal HORECA – são extrapolados através desta

informação conjugada com informação anterior da Centromarca, relativa ao

período 2002-2005 (vide Anexo 1 para detalhes).74

275. Saliente-se que o valor de aquisições relativo ao Grupo JM inclui as aquisições da

sua cadeia grossista Recheio, atento o facto deste grupo – o único GGR que

opera, de igual modo, no segmento grossista – adquirir como um todo no

aprovisionamento, sendo este valor incluído no total de aquisições dos GGR.

276. Esta secção começa por comentar o posicionamento relativo dos GGR nos

mercados de aprovisionamento, bem como a sua evolução no período 2002-2008

(subsecção 3.4.1). Atento o facto da UNIARME integrar todas as cadeias do Grupo

JM, desde 1998, e deste ser o maior agrupamento actual de negociação em

73 Segundo os critérios de concentração do índice de Herfindhal-Hirschmann (IHH), valores deste índice

abaixo dos limiares de 1000-1200 indicam uma estrutura de mercado não concentrada, valores entre 1200-1800 indicam uma estrutura de mercado com grau moderado de concentração e valores acima de 1800 definem uma estrutura concentrada de mercado, onde a existência de questões de índole jus-concorrencial é mais verosímil.

74 De qualquer forma, os globais do canal grossista e dos “outros canais” são de difícil quantificação atento,

nomeadamente, o elevado grau de atomização dos operadores que incluem estes canais.

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Portugal, o cálculo do grau de concentração (IHH) dos GGR nestes mercados

considera a quota de aquisição do total da UNIARME em substituição da quota do

Grupo JM (subsecção 3.4.2).

3.4.1. Posicionamento dos GGR nos mercados nacionais de

aprovisionamento

277. No agregado dos mercados de aprovisionamento aqui em análise, verifica-se,

primeiro, uma ligeira contracção do valor global destes mercados dos anos de

2002 a 2004, de 10.078,7 milhões de euros (M €) em 2002 para 9655,7 M € em

2004 (um decréscimo cumulativo de 4,4%). De 2004 a 2008, este valor global

evidencia, em contrapartida, um forte crescimento – de variação anual sempre

positiva e superior à taxa de inflação –, para 12.128,2 M € em 2008, i.e. um

aumento (nominal) de 25,6% em relação a 2004 (vide Tabela 4 infra).

278. De par com esta evolução, a quota conjunta dos GGR evidencia um forte

crescimento em detrimento dos demais canais de distribuição, i.e. dos grossistas

e dos outros canais. No agregado do mercado de aprovisionamento, o conjunto

dos (9) GGR evolui de 57,1% em 2002 (5754,9 M €) para 72,4% em 2008

(8780,8 M €), i.e. um aumento de, respectivamente, 26,8% e 52,6% da quota e

do valor total de aquisições. Em contrapartida, o canal grossista regride de 21,5%

em 2002 (2166,9 M €) para 11,8% em 2008 (1431,1 M €), i.e. um decréscimo de

34,0% do seu valor total de aquisições. Os demais canais regridem em menor

proporção de 21,4% em 2002 (2156,8 M €) para 15,8% em 2008 (1916,3 M €),

tendo o valor das suas aquisições regredido, assim, de 11,2% de 2002 a 2008

(vide, de igual modo, Gráfico 2 infra).

279. O crescimento dos GGR no aprovisionamento e decréscimo dos demais canais de

distribuição é comum a todas as categorias de produtos, salvo a excepção das

bebidas não alcoólicas, que representam cerca de 9,3% do valor total do

aprovisionamento, em média, no período 2004-2008 (vide Gráfico 3 infra e

Gráfico 9 em Anexo 1).

280. Nas bebidas não alcoólicas, o conjunto dos GGR no aprovisionamento evolui de

45,8% em 2004 (390,9 M €) para 43,3% em 2008 (498,3 M €), à semelhança do

observado no canal grossista, de 15,8% em 2004 (134,8 M €) para 13,0% em

2008 (149,6 M €) – embora este decréscimo de quota esteja associado com um

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aumento do valor total de aquisições destes canais nesta categoria de,

respectivamente, 27,5% e 11,0% –, observando-se, assim, um aumento da quota

dos “outros canais”, de 38,3% em 2004 (326,9 M €) para 43,7% em 2008 (502,9

M €). Em contrapartida, no total das bebidas alcoólicas e não alcoólicas, os GGR

cresceram, de 40,1% em 2004 para 48,9% em 2008, em detrimento do canal

grossista e dos outros canais que regrediram, respectivamente, de 16,4% e

43,5% em 2004 para 12,8% e 38,3% em 2008.

Tabela 2 – Evolução do total do mercado de aprovisionamento de produtos de grande

consumo, período 2002-2008

Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 10.078,7 9.918,0 9.655,7 10.111,0 10.658,6 11.238,8 12.128,2Taxa de crescimento anual -1,59% -2,64% 4,72% 5,42% 5,44% 7,91%GGR 57,1% 60,4% 62,5% 66,0% 68,3% 70,3% 72,4%Primeiros 2 (%) 36,6% 34,7% 34,7% 37,2% 39,6% 40,9% 45,6%Primeiros 4 (%) 47,6% 48,2% 49,2% 51,9% 54,0% 56,0% 58,8%Outros (%) 9,5% 12,2% 13,3% 14,1% 14,3% 14,3% 13,5%Grossistas 21,5% 19,1% 17,7% 14,9% 13,8% 13,0% 11,8%Outros canais 21,4% 20,5% 19,8% 19,1% 17,9% 16,7% 15,8%Rácios de quotasUNIARME / MC 1,686 1,423 1,342 1,098 1,182 1,217 1,089UNIARME / GGR 0,531 0,439 0,403 0,317 0,334 0,337 0,336IHH GGR c/ UNIARME 1402 1216 1162 986 1073 1129 1248

Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos e estimativas detalhados em Anexo 1. “GGR” inclui a cadeia

grossista Recheio do Grupo JM. O remanescente da UNIARME, para além do Grupo JM, integra a categoria

“Grossistas”. Os rácios “UNIARME/MC” e “UNIARME/GGR” reportam-se aos rácios de quotas de aquisição do

total da UNIARME (incluindo o Grupo JM) e, respectivamente, o Grupo MC e o cumulativo de todos os GGR.

Gráfico 2 – Repartição do agregado do mercado do aprovisionamento por tipo de

clientes, GGR, Grossistas e outros canais, anos de 2002 e de 2008

Ano de 2002

21,5%

21,4%

57,1%

GGR Grossistas Outros canais

Ano de 2008

15,8%11,8%

72,4%

GGR Grossistas Outros canais Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.

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Gráfico 3 – Importância relativa dos três canais de distribuição no aprovisionamento –

GGR, Grossistas e Outros Canais –, discriminado por categoria de produtos (anos de

2004 e de 2008)

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebid

as não

alco

ólica

s

Bebid

as alco

ólica

s

Total B

ebida

s

Lácteo

s

Cong

elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Drog

aria

e Ba

zar

Total

GGR 2004 Grosso 2004 Outros 2004 GGR 2008 Grosso 2008 Outros 2008

Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.

281. No que respeita às bebidas, observa-se, assim, que enquanto que os “outros

canais” superam os GGR nas bebidas não alcoólicas em 2008 – em oposição à

situação em 2004 – estes “outros canais” regridem no total das bebidas de uma

posição relativa acima dos GGR em 2004 – respectivamente, de 43,5% contra

40,1% – para uma importância relativa abaixo destes GGR em 2008, de 38,3%

contra 48,9%.

282. Os maiores aumentos de quotas dos GGR de 2004 a 2008 ocorrem nas bebidas

alcoólicas e nos produtos de higiene pessoal, respectivamente, de 36,1% para

54,4% e de 64,7% para 81%.

283. À excepção das bebidas (alcoólicas e não alcoólicas) e dos congelados, os GGR

representam, em 2008, mais de 70% da procura neste mercado, com

percentagens de, respectivamente, 72,4% e 73,1% no agregado do mercado e

nos lácteos e percentagens superiores a 80% nos produtos de “higiene pessoal”

(81,0%), de “frescos e mercearia” (81,6%) e de “drogaria e bazar” (82,5%).

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284. A forte concentração dos GGR no aprovisionamento reflecte-se, de igual forma,

pela importância cumulativa dos dois principais GGR na procura neste mercado –

Grupos JM (Feira Nova, Pingo Doce e Recheio) e MC (Modelo e Continente) – a

qual evolui de 36,6% em 2002 (3688,8 M €) para 45,6% em 2008 (5530,5 M €).

O cumulativo de quotas destes dois GGR atinge inclusive percentagens superiores

a 50% em 2008 nos “frescos e mercearia”, “higiene pessoal” e “drogaria e bazar”,

ficando próximo dos 40% nos lácteos e congelados (vide Gráfico 4 infra).

Gráfico 4 – Cumulativo de quotas dos dois primeiros GGR no aprovisionamento,

discriminado por categoria de produtos e no período 2004-2008

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebid

as al

coóli

cas

Total B

ebida

s

Lácte

os

Cong

elado

s

Higien

e pes

soal

Droga

ria e

Baza

rTo

tal

2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.

285. O cumulativo de quotas dos 4 primeiros GGR no total do aprovisionamento evolui,

em contrapartida, de quase 50% em 2002 (47,6%) para 58,8% em 2008.75 A

concentração dos 4 primeiros GGR no aprovisionamento varia consoante a

categoria de produtos (vide Gráfico 10 em Anexo 1), superando os 60% nos

produtos de “frescos e mercearia” (67,4%), “higiene pessoal” (70,7%) e “drogaria

e bazar” (72,6%), e rondando, respectivamente, os 60% e 50% nos “lácteos”

(57,8%) e nos “congelados” (48,7%).

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3.4.2. Uma apreciação preliminar do poder de compra dos GGR

286. Não obstante a forte concentração da procura pelos GGR no aprovisionamento,

tanto no agregado como quando discriminado por categorias de produtos, salvo

os casos das bebidas e dos congelados, o IHH relativo às quotas daqueles GGR no

global do aprovisionamento toma valores abaixo do limiar de 1200 de um

mercado ligeiramente concentrado no período 2007-2008 e valores abaixo do

limiar de 1000, reflectindo uma estrutura não concentrada de mercado, no

período 2002-2008 (vide “IHH GGR” na Tabela 3 infra).

Tabela 3 – Evolução do total do mercado de aprovisionamento de produtos de grande

consumo, período 2002-2008

Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Valor do mercado (M €) 10.078,7 9.918,0 9.655,7 10.111,0 10.658,6 11.238,8 12.128,2Taxa de crescimento anual -1,59% -2,64% 4,72% 5,42% 5,44% 7,91%GGR 57,1% 60,4% 62,5% 66,0% 68,3% 70,3% 72,4%Q4 / Q2 1,299 1,388 1,418 1,395 1,366 1,371 1,291UNIARME + MC 42,4% 43,0% 43,9% 40,0% 42,1% 43,2% 46,7%Rácios de quotasUNIARME / MC 1,686 1,423 1,342 1,098 1,182 1,217 1,089UNIARME / GGR 0,531 0,439 0,403 0,317 0,334 0,337 0,336IHH GGR 945 819 783 878 964 1024 1195IHH GGR c/UNIARME 1402 1216 1162 986 1073 1129 1248IHH GGR c/UNIARME e Interc. 1484 1287 1230 1040 1120 1174 1290

Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1. As três primeiras linhas são as

reportadas na Tabela 2 supra. “Q4 / Q2” reporta-se ao rácio de quotas conjuntas entre os 4 e os 2 primeiros

GGR. Os rácios “UNIARME/MC” e “UNIARME/GGR” reportam-se aos rácios de quotas no aprovisionamento do

total da UNIARME e, respectivamente, o Grupo MC e o cumulativo dos “GGR”. Os IHH são relativos às quotas

de aquisições dos GGR, destes em conjunto com a UNIARME (em substituição do Grupo JM) e deste último em

conjunto com o agrupamento recente de negociação, a Intercompra, entre os Grupos Auchan e Makro, em

substituição do Grupo Auchan.

287. Enquanto que o aumento relativo das quotas dos terceiro e quarto GGR face aos

dois maiores, tal como reflectido pelo aumento do rácio Q4 / Q2 no período 2002-

2004 contribui para um ligeiro recuo do “IHH GGR” naquele período (vide, de

igual modo, Rodrigues, 2006, cit.), esta tendência inverte-se no período 2004-

2008. Neste último período, observa-se um aumento do “IHH GGR” no global do

mercado e em todas as categorias de produtos em análise, salvo a única excepção

das “bebidas não alcoólicas” (vide Gráfico 10 em Anexo 1).

75 Enquanto que os Grupos JM e MC são os dois primeiros compradores em todas as categorias de produtos

e anos considerados, os terceiro e quarto GGR variam consoante o período e categoria em análise. No ano de 2008 e global do mercado, estes lugares são ocupados, respectivamente, pelos Grupos ITMI e Lidl.

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288. Em particular, nos “frescos”, o “IHH GGR” evolui de 1646 em 2004 para valores

acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado a partir de 2005, atingindo

o valor de 2254 em 2008. Na aquisição de produtos de “drogaria e bazar”, o “IHH

GGR” atinge o segundo valor mais elevado em 2008, de 1778, próximo do limiar

de 1800. No global dos produtos de “frescos e mercearia” e de “higiene pessoal”,

aquele IHH supera, de igual modo, o limiar de 1200, atingindo os valores de,

respectivamente, 1567 e 1624 em 2008.

289. Embora este “IHH GGR” reflicta o grau de concentração das aquisições efectivas

dos GGR, o mesmo não quantifica o poder de compra destes grupos naquele

mercado. Para além do facto dos GGR centralizarem as suas compras –

independentemente de operarem em regime de franquia (v.g., os casos dos

Grupos ITMI e E. Leclerc) –, o seu poder de compra traduz-se pela força de

aquisição destes grupos e/ou de eventuais agrupamentos de compra / negociação

que os mesmos possam integrar. No período em análise, apenas o Grupo JM

integra um tal agrupamento de compras / negociação, a UNIARME. Assim, o

poder de compra do Grupo JM deve ser conjugado ao da UNIARME (vide supra).

290. A importância relativa da UNIARME no mercado do aprovisionamento tem,

todavia, vindo a decrescer no período em análise, tal como reflectido, quer pelo

rácio de quotas no aprovisionamento entre a UNIARME e o Grupo MC (segundo

operador neste mercado) que evolui de 1,686 em 2002 para 1,089 em 2008, quer

pelo rácio de quotas entre a UNIARME e o total de todos os GGR (incluindo o

Grupo JM), que evolui de 0,531 em 2002 para 0,336 em 2008. Acresce que a

UNIARME perde recentemente grande parte dos seus principais associados, a CMC

e grande parte da UNIMARK em 2005 (vide supra), e o grossista Manuel Nunes

em 2007. Com a saída destes associados, a importância do Grupo JM na UNIARME

evolui de cerca de 40-60% (59% em média) para mais de 80%.

291. Assim, a ligeira recuperação de quota da UNIARME, em relação ao Grupo MC e

aos demais GGR de menor dimensão, no período 2006-2007 dever-se-á ao

reforço relativo da quota do Grupo JM face aos demais GGR. A queda de quota da

UNIARME em relação ao Grupo MC no ano de 2008 poderá, por seu turno, estar

relacionada com a expansão deste grupo neste ano, derivada da sua aquisição da

rede de hipermercados Carrefour em Dezembro de 2007 (cit.).

292. Considerando os IHH relativos às aquisições dos GGR, sendo as do Grupo JM

substituídas pelo total da UNIARME, temos que estes “IHH GGR c/UNIARME”

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evoluíram de 1402 em 2002 para 1248 em 2008, ambos acima do limiar de 1200

de um mercado com grau moderado de concentração, mas em ligeira queda. Esta

evolução é semelhante entre categorias de produtos, embora os respectivos IHH

superem, por vezes, o limiar de 1800 de um mercado concentrado, nos “frescos”

desde 2004-2005 e na “drogaria e bazar” desde 2008 (vide Gráfico 5 infra).

Gráfico 5 – IHH relativos às quotas no aprovisionamento dos GGR, sendo o Grupo JM

substituído pela UNIARME, discriminados por categoria de produtos (período 2004-2008)

0200

400600

80010001200140016001800200022002400

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebida

s alco

ólica

s

Total B

ebida

s

Lácteo

s

Cong

elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Drog

aria

e Ba

zar

Total

2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: Cálculos AdC baseados nos elementos detalhados em Anexo 1.

293. No que respeita ao recente agrupamento de negociação, Intercompra, constituído

entre os Grupos Auchan (retalho) e Makro (grossista), no ano de 2009, a última

linha da Tabela 3 supra estima qual teria sido o efeito sobre o grau de

concentração do aprovisionamento nacional no período 2002-2008 caso este

acordo tivesse vigorado durante este período e no pressuposto que o mesmo não

teria alterado as quotas na aquisição daqueles grupos76. Observa-se, assim, um

ligeiro aumento do IHH quando considerados os dois agrupamentos de

76 Em princípio, um agrupamento de negociação, tal como o da Intercompra, terá como efeito o aumento de

quotas individuais na aquisição de cada um dos seus associados, sendo este, aliás, o objectivo principal de um tal acordo. O facto deste acordo ser ainda recente não permite, todavia, averiguar de forma rigorosa os efeitos que o mesmo terá sobre a estrutura do mercado e/ou a posição individual no mesmo de cada um dos seus associados.

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negociação, UNIARME e Intercompra, embora o acréscimo de IHH em relação ao

“IHH GGR c/ UNIARME” se atenue no tempo, o que reflecte o decréscimo da quota

conjunta dos Grupos Auchan e Makro na aquisição.77

3.5. Evolução das margens médias brutas dos GGR

294. No que respeita à evolução das margens médias brutas dos GGR78 – i.e., da

diferença entre os valores de vendas e de compras em percentagem do valor de

vendas – constata-se, em geral, que estas têm vindo a regredir no período em

análise, no global de vendas – de 13,3% em 2004 para 7,1% em 2008 – e

quando discriminadas por categorias de produtos, à excepção dos lácteos (vide

Gráfico 6 infra). Nos lácteos, a margem média bruta dos GGR evoluiu de 9,7% em

2004 para 15,7% em 2008, tendo atingido um máximo em 2007 de 17,5%, após

o mínimo de 1,7% em 2006.

295. Esta evolução das margens médias brutas dos GGR deverá, todavia, ser objecto

de uma análise mais aprofundada no Relatório Final de Julho de 2010, dado que a

mesma pode resultar de outros factores sem alcance jusconcorrencial. De entre

estes factores, são de salientar: (i) o grau de heterogeneidade entre produtos

incluídos nas aqui consideradas categorias de produtos e (ii) o peso que os

produtos de marca do distribuidor (MDD) poderão ter sobre estas margens, sendo

os MDD caracterizados por um custo para o distribuidor inferior ao dos produtos

de marca do fornecedor.

296. Em particular, o efeito potencial dos MDD poder-se-á sentir, nomeadamente, no

caso dos lácteos, onde o leite UHT representa cerca de 40% das vendas totais

destes produtos (vide secção 4.2 infra), mais do que nas demais categorias, onde

existe uma maior heterogeneidade entre os produtos ai incluídos.

297. Acresce que, na ausência de uma análise paralela sobre a evolução das margens

das empresas de aprovisionamento, será prematuro concluir por qualquer tipo de

distribuição de rendas entre estas empresas e os GGR, incluindo uma eventual

77 No global do aprovisionamento, a quota conjunta dos Grupos Auchan e Makro regrediu de 10,4% em 2004

para 8,6% em 2008, tendo idêntica situação se verificado ao nível individual de cada um destes grupos. 78 De salientar que, embora dispúnhamos de elementos de compra e de venda para os quatro principais

grossistas, estes valores não nos permitem uma estimativa rigorosa das margens médias brutas do canal grossista em geral, embora estas quatro empresas representem mais de 50% do aprovisionamento total deste canal. A resposta a esta questão é, todavia, delegada para o Relatório Final de Julho de 2010.

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maior captação de rendas por estes grupos no caso dos lácteos, em contraponto à

elevada concentração do aprovisionamento neste sector, detendo a Lactogal uma

quota superior a 2/3 neste mercado (vide secção 4.2 infra). Remete-se, de igual

forma, esta análise para o Relatório Final de Julho de 2010, bem como uma

comparação com a situação a nível dos vários Estados membros da UE. De

qualquer forma, uma redistribuição de rendas não constitui per se um ilícito

jusconcorrencial.

Gráfico 6 – Evolução das margens médias brutas na venda a retalho, em percentagem do

valor global destas vendas no agregado dos GGR, discriminadas por categorias de

produtos e no período 2004-2008

0%

5%

10%

15%

20%

25%

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebid

as não

alco

ólica

s

Bebid

as al

coóli

cas

Total B

ebida

s

Lácte

os

Cong

elad

os

Higien

e pes

soal

Drog

aria

e Ba

zar

Total

2004 2005 2006 2007 2008

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4. Uma análise dos sectores nacionais do leite

UHT, arroz e massas alimentícias

298. A análise do capitulo anterior permite o enquadramento genérico do

posicionamento (nacional) dos GGR no global das vendas a retalho e na procura

em diversos mercados de aprovisionamento. O grau de concentração destes

grupos e, em especial, o seu poder de compra face ao poder de venda dos

fornecedores podem, todavia, diferir consoante o produto em causa.

299. Sem prejuízo da natureza multi-serviços / multi-produtos da actividade dos GGR,

no que respeita às relações comerciais entre estes grupos e os seus fornecedores

nos mercados de aprovisionamento, o mercado relevante do produto para efeitos

de apreciação jusconcorrencial de certos tipos de práticas poderá ter de ser

definido ao nível de um determinado produto, i.e. a um nível mais fino do que o

das categorias de produtos consideradas no capitulo anterior.

300. Em particular, à semelhança do que aconteceu em diversos mercados

internacionais de produtos base (“commodities”) – incluindo os sectores do

petróleo e derivados –, os preços internacionais e europeus na produção nos

sectores lácteo e cerealífero foram afectados por um forte pico de volatilidade no

biénio recente de 2007-2008, tendo fortemente aumentado do segundo semestre

de 2006 para máximos históricos no final de 2007 e regredido desde essa data.

301. Embora a forte subida destes preços, do segundo semestre de 2006 até ao final

do ano de 2007, tenha incentivado as respectivas produções e de forma algo

contra-cíclica face à crise económica da data, a sua forte queda, que se observou

de forma compensatória no ano de 2008, em muito agravou aqueles incentivos,

acentuando os efeitos da crise económica e do pessimismo gerado pela nova

reforma da PAC.

302. O impacto que a forte queda destes preços tem no rendimento agrícola e nos

respectivos incentivos à produção levaram à promoção de diversos estudos a nível

Comunitário, de forma a equacionar um conjunto de soluções, que se

compaginem com o conjunto de reformas em curso no âmbito da PAC.79

79 V.g. Comunicação CE sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”

(cit.).

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303. Assim, o presente Relatório Preliminar pretende facultar uma primeira visão sobre

a situação nacional actual ao nível das relações entre os GGR e os seus

fornecedores no âmbito de três sectores influenciados, quer por aquela evolução,

quer pela PAC, e que se compaginam com as análises ora em curso ao nível

Comunitário, a saber o leite UHT – que representa cerca de 40% das vendas

nacionais de produtos lácteos –, o arroz e as massas alimentícias.

304. A escolha destes três produtos justifica-se, de igual modo, pela importante

destrinça existente entre as suas cadeias de valor ao nível nacional e a influência

potencial que o eventual poder de compra dos GGR poderá ter sobre as mesmas.

Primeiro, enquanto que Portugal é auto-suficiente em leite cru, matéria-prima

para a produção láctea, e cerca de 60% do arroz para transformação é de origem

doméstica, a maioria do trigo duro para fabrico de massas alimentícias é de

origem externa (intracomunitária). Segundo, embora o mercado nacional de

venda de arroz à GDA seja caracterizado por alguma concentração, com IHH

próximos do limiar de 1800 de um mercado concentrado, mais de 70% de cada

um dos mercados de aprovisionamento de leite UHT e de massas alimentícias é

controlado por uma única empresa, exibindo ambos IHH superiores a 5000.

305. Assim, enquanto que nos casos do leite UHT e do arroz, o eventual poder de

compra da GGR poderá influenciar a determinação dos preços na produção

nacional, o mesmo não acontece ao nível do trigo duro atenta a sua natureza

externa. Por seu turno, será a priori mais verosímil que o poder de compra dos

GGR tenha uma maior influência sobre os preços no aprovisionamento e, por esta

via, na produção no caso do arroz do que nos casos do leite UHT e das massas,

onde a indústria transformadora é fortemente concentrada.

306. Esta primeira análise caracteriza, de forma preliminar, a cadeia de valor específica

a cada um destes sectores, da produção à indústria transformadora e da relação

entre esta, enquanto fornecedora, e a GDA, incluindo os GGR, bem como o grau

de concentração de cada uma destas actividades, incluindo o da procura pelos

GGR no aprovisionamento. Todavia, o devido enquadramento entre as

caracterizações destes sectores e os conceitos económicos de “dependência

económica” de alguns fornecedores face aos GGR e de existência ou não de um

“poder de compra” destes GGR é delegado para uma análise mais aprofundada no

âmbito do Relatório Final de Julho de 2010 (vide, de igual modo, capítulo 6 infra).

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307. Esta análise aprofundada, a ser concluída em Julho de 2010 debruçar-se-á, de

igual modo, sobre um cabaz mais diversificado de produtos para além dos aqui

em análise, incluindo outros produtos lácteos (iogurtes, queijos e manteigas),

cafés e sucedâneos, conservas e enlatados, farinhas lácteas e de uso culinário,

cereais de pequeno-almoço, bolachas, produtos de gordura vegetal (óleos, azeites

e margarinas), pescado fresco e bacalhau, frutas e legumes, ovos, aves e carne

fresca, bem como bebidas não alcoólicas de alta rotação.

308. O presente capítulo é organizado do seguinte modo. Primeiro, atento o carácter

preliminar da presente análise, começaremos por salientar um conjunto de

ressalvas relativas à mesma (secção 4.1). De seguida, descreve-se o

enquadramento geral dos sectores em análise (secção 4.2) e analisa-se os casos

do leite UHT (secção 4.3) e do arroz e das massas alimentícias (secção 4.4). O

capítulo é concluído por alguns comentários finais preliminares (secção 4.5).

4.1. Ressalvas quanto à análise preliminar

309. Primeiro, os elementos estatísticos que servem de base a esta análise,

desagregados pelas empresas abrangidas, não podem ser divulgados por motivos

de confidencialidade relativos aos pedidos de elementos efectuados pela AdC no

âmbito da elaboração do presente Relatório. Assim, a informação estatística infra

é de natureza agregada e não passível de poder inferir qualquer tipo de elementos

específicos a uma determinada empresa.

310. A referência, na presente secção, a “grau de dependência” e/ou à

representatividade dos GGR na procura reporta-se à percentagem do valor de

vendas de um fornecedor afecto a um ou a vários GGR, não podendo esta medida

ser confundida com o conceito de “dependência económica”. Aliás, não existe uma

medida exacta a partir de que grau de representatividade das suas vendas face a

um determinado cliente, in casu GGR, pode um determinado fornecedor ser

legalmente qualificado no estado de “dependência económica”, tal como tipificado

no artigo 7.º na lei nacional da concorrência (vide, de igual modo, Anexo 2 infra),.

311. Em paralelo, atento o seu carácter preliminar, não pode ainda a presente análise

pronunciar-se sobre a eventual existência de poder de compra dos GGR, quer nos

sectores aqui em análise, quer nas categorias de produtos analisadas no capítulo

anterior. Todavia, conforme supra referido (capítulo 3), nos sectores com

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produção de origem nacional e onde o poder de compra dos GGR prevaleça sobre

o poder de mercado (“selling power”) dos fornecedores, poderá ser expectável

que sejam os GGR e não os produtores e/ou fornecedores que determinem os

preços na produção, sem que tal facto consubstancie per se um ilícito

jusconcorrencial.

4.2. Enquadramento geral dos sectores nacionais do

leite UHT, arroz e massas alimentícias

312. Segundo a CE,80 a forte volatilidade dos preços europeus na produção nos

sectores lácteo e cerealífero deve-se a um conjunto de diversos factores, entre os

quais se incluem o aumento da procura europeia e internacional destes produtos

em paralelo com restrições do lado da oferta na UE nos anos de 2006 e de 2007,

que reduziram de forma considerável os stocks europeus destes produtos.

Também o aumento dos custos de transporte marítimo e das cotações energéticas

(petróleo e derivados), conjugadas com a relativa fraqueza do dólar americano,

poderão ter, em parte, contribuído para uma maior volatilidade dos preços destes

produtos no biénio 2007-2008.

313. O leite e os cereais são de elevada importância em toda a cadeia de

abastecimento alimentar. Em particular, enquanto que o trigo é utilizado, em

conjunto com outros cereais no fabrico de rações para animais, importante para o

sector lácteo, o trigo mole é o principal cereal utilizado no fabrico de farinhas para

alimentação humana, bem como para panificação e produtos de pastelaria em

geral enquanto que o trigo duro é o principal cereal para o fabrico de massas

alimentícias.

314. Aos níveis nacional e Comunitário, os sectores do leite, arroz e das massas

alimentícias (provenientes do trigo duro) são, à semelhança de outros sectores

agro-alimentares na UE, fortemente influenciados pelas regras estabelecidas no

âmbito da PAC.

315. A PAC estabelece preços de garantia para os agricultores, controla as áreas para a

sua produção (set-aside) e cobra direitos aduaneiros às importações. Os preços

de intervenção estabelecidos pela PAC têm mostrado uma tendência decrescente

80 Cf. Comunicação CE “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa” (cit.).

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nos últimos anos, fruto da redução do orçamento da PAC, sendo previsto o seu

termo, bem como das respectivas quotas na produção, até 2013.

316. Em particular, a Reforma da PAC de 2000 no sector cerealífero estabeleceu uma

redução de 15%, a ocorrer em dois anos (2001-2002), dos preços de intervenção,

que viria a ser fixada em 3% em 2005, 4% em 2006 e 5% a partir de 2007 na

Reforma da PAC de 2003.81 Também, no caso do leite, os preços de intervenção

da PAC têm vindo a diminuir de forma considerável.82

317. Em resultado da PAC, o sector nacional tem vindo a especializar-se na produção

de arroz em detrimento de outros cereais, tal como o trigo (mole e duro). Por seu

turno, o sector nacional é auto-suficiente em leite cru para a produção láctea.

318. Segundo o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

(MADRP)83, da proposta de reforma em curso da PAC é esperada uma redução

significativa da produção nacional de leite cru, de arroz e de trigo duro. No que

respeita ao trigo, está apenas a ser equacionada a eventual manutenção das

quotas e preços de intervenção actuais ao nível do trigo mole, utilizado na

panificação e nos produtos de pastelaria em geral.

319. A produção agro-alimentar nacional é, em geral, caracterizada por sistemas

fortemente atomizados, embora por vezes dominados por estruturas

cooperativistas, tal como no caso dos lácteos. Em particular, a recolha de leite cru

em território nacional é assegurada por um número limitado de grandes

cooperativas (caso da Serraleite na região do Alentejo) ou uniões de cooperativas

(caso da Lactogal no Centro e Norte do Continente, bem como na RAA), sendo

estas, em geral, integradas mais a jusante na indústria transformadora.

81 V.g., Culturas Arvenses: Diagnóstico Sectorial, Ministério da Agricultura (cit.) e Evolução da Politica

Agrícola Comum (PAC) no Sector dos Cereais, CONFAGRI, 02.07.2008 (cit.). Consta, todavia, deste último documento que uma das propostas para a futura da PAC é a da manutenção dos preços de intervenção apenas no caso do trigo mole.

82 Cf. Comunicação da Comissão ao Conselho: Situação do mercado do leite e dos produtos lácteos – 2009,

COM(2009) 385 Final, de 22.07.2009, Gráficos pp. 4 e 5. 83 Cf. Leite e Lacticínios: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas do MADRP, 2007.

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4.3. Sector lácteo e leite UHT

4.3.1. Caracterização do sector lácteo nacional84

320. Segundo a ANIL (Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios), Portugal é

auto-suficiente no aprovisionamento de matéria-prima (leite cru), embora esta

auto-suficiência possa vir a ser comprometida em resultado da proposta de

reforma da PAC até 2013 (cit.), caso os preços nacionais na produção de leite

percam em competitividade face a outros Estados Membros em resultado do

termo dos preços de intervenção estabelecidos no âmbito da PAC.

321. Todavia, a crise no sector dos lacticínios ao nível da UE (cit.) gerou diversas

discussões aos níveis Comunitários e de diversos Estados Membros no sentido de

aligeirar os efeitos da crise no sector através de auxílios de Estado. Uma análise

detalhada de propostas neste sentido consta, em particular, das conclusões

recentes da CE relativas ao “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento

alimentar na Europa” (cit.) 85.

4.3.1.1. Produção primária de produtos lácteos

322. Segundo o MADRP, a produção nacional de leite cru é caracterizada por uma

estrutura fundiária atomizada, embora a dimensão das explorações tenha

aumentado desde meados da década de 1990, em resultado de uma redução do

seu número, nomeadamente, das de menor dimensão e de uma maior

concentração destas explorações na proximidade da indústria transformadora

(Norte, Centro, Alentejo e RAA).

323. Grande parte da produção nacional de leite cru é, conforme supra referido,

organizada em cooperativas, sendo a maioria destas cooperativas integradas mais

a jusante na indústria transformadora. Em particular, este facto confere a esta

industria um poder de influência sobre os preços na produção.

84 O referido nesta subsecção, bem como na secção 4.4 infra, provém, nomeadamente, de informação da

ANIL (Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios) – v.g. Comunicado da ANIL, Audiência com o Exmo. Sr. Secretário do Estado do Comércio, dos Serviços e da Defesa do Consumidor, Lisboa, 11.07.2008, bem como Newsletters da ANIL (http://anilact.pt/content/view/60/100/) – e do MADRP (cf. Leite e Lacticínios: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas do MADRP, 2007).

85 Vide também o Comunicado CE relativo à distribuição de um auxilio adicional de 300 M € para a produção

láctea na UE, cabendo 4,08 M € a Portugal (em http://ec.europa.eu/agriculture/newsroom/en/373.htm).

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324. As quatro maiores uniões de cooperativas nacionais de produtores integram a

FENALAC (Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite)86, a saber

a Agros, Proleite, Lacticoop e Serraleite. As três primeiras (Agros, Lacticoop e

Proleite)87 constituíram, por fusão, a Lactogal (Lactogal – Produtos Alimentares,

SA), em 1996, sendo as suas accionistas desde essa data. A Lactogal é, segundo

informação do MADRP, responsável por cerca de 2/3 da recolha de leite em

território nacional (Norte, Centro e RAA), sendo a Serraleite88, segundo

nformação da própria, a principal responsável pela recolha de leite na região do

cerca de 75% do total

Alentejo.89

325. A Lactogal e a Serraleite, operam, de igual modo, na indústria transformadora,

sendo esta representada pela ANIL. Segundo a FENALAC, os cerca de 8000

produtores que esta federação reagrupa representam

nacional (Continente e RAA) de produção de leite cru.

326. No período 2000-2005, embora se tenha assistido na UE15 a uma redução do

número de vacas leiteiras90, de 7% em Portugal (de 355 mil em 2000 para 330

mil em 2005) contra 11% na UE15, e de explorações, de 38% em Portugal (de

23,9 mil em 2000 para 14,7 mil em 2005) contra 9% na UE15, o volume (em

milhares de ton) de produção de leite em Portugal aumentou no mesmo período

em 1,9%, de 2060 no ano de 2000 para 2100 em 2005. A este aumento está

associado um aumento da produtividade bovina, de 9% em Portugal (de 5787 ton

de leite/vaca em 2000 para 6287 ton/vaca em 2005) contra 12% na UE15, bem

como da produtividade por exploração, de 59% em Portugal (de 79

ton/exploração em 2000 para 126 ton/exploração em 2005) contra 10% na UE15.

327. Salientar-se-á, de igual modo, que o rendimento líquido bovino se situa, em

média, nos 29% do rendimento total por animal. Os custos bovinos são,

86 Cf. http://www.fenalac.pt/#/a-fenalac/. 87 Formalmente, estas uniões de cooperativas são designadas por: AGROS – União das Cooperativas de

Produtores de Leite de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, UCRL, LACTICOOP – União das Cooperativas de Produtores de Leite de Entre Douro e Mondego, UCRL e PROLEITE / MIMOSA, SA (cf. http://www.lactogal.pt/presentationlayer/Home _00.aspx).

88 SERRALEITE – Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite de Portalegre, CRL (http://

www.serraleite.pt/quem_somos.htm). 89 No biénio 2005-2006, a produção nacional de leite está repartida entre as regiões de: Entre-Douro-e-

Minho (35%), RAA (27%), Beira Litoral (14%), Ribatejo (10%), Alentejo (7%), Trás-os-Montes (4%), Beira Interior (3%) e Algarve (<1%).

90 Segundo estatísticas do INE, a grande maioria do leite cru nacional provém da vaca (em cerca de 98%),

sendo o remanescente proveniente de ovelha e de cabra (vide Tabela 4 infra).

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maioritariamente, devidos à alimentação (51,6% do custo total) e a juros e

amortizações (32,9% do custo total). Assim, a evolução das taxas de juro e dos

preços dos cereais utilizados para fabrico de rações para animais, terá um

impacto não negligenciável na evolução dos custos no sector lácteo.

0 M €) do total de VABpm gerado pela

ção mundial,

consumo de leite cru,

at (Parmalat e Ucal), Fromageries 92

(Loreto); e nos

Portugal, detendo uma quota na produção e na revenda de produtos lácteos

4.3.1.2. Indústria transformadora de produtos lácteos

328. Segundo o MADRP, a produção láctea (de leite e de derivados) representava no

biénio 2005-2006 cerca de 11% (120

indústria agro-alimentar e de bebidas.

329. Em comparação, na UE como um todo, mais de um milhão de produtores escoam,

actualmente, cerca de 48 M de tons de leite por ano, com um valor aproximado

de 41 mil M € à saída da exploração. Por outro lado, a produção láctea na UE gera

um VABpm de cerca de 120 mil M € anualmente. Note-se, igualmente, que a UE é

o maior produtor mundial de leite com cerca de 27% da produ

seguido da Índia com cerca de 20% e dos EUA com cerca de 16%91.

330. Nesta indústria (transformadora de leite cru), operam em território nacional

empresas nacionais e grandes multinacionais, sendo o seu

maioritariamente, de origem nacional (Continente e RAA).

331. Os principais produtores de leite UHT em Portugal são: a Lactogal (insígnias

Agros, Gresso, Matinal, Mimosa e Vigor), Parmal

BEL (Terra Nostra) e a Serraleite (Serraleite).

332. Nos demais produtos lácteos, são de destacar, nas manteigas: a Lactogal

(Milhafre, Mimosa e Primor), Parmalat (Ucal), Fromageries BEL

queijos: a Fromageries BEL (Limiano), Lactogal e Queijo Saloio.

333. Enquanto que a Lactogal e a Serraleite são as principais responsáveis pela recolha

de leite em território nacional (vide supra), a Fromageries BEL é o principal

operador na recolha de leite na RAA. A Lactogal é líder no sector lácteo em

91 Dados da International Dairy Federation, “Production of cow milk”, 2007, http://www.fil-icif.org. 92 A Fromageries BEL integra o Grupo francês BEL (http://www.groupe-bel.com/bebel/fr/accueil.html).

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superior a 2/3. Esta liderança é apenas contraposta no segmento dos queijos, o

qual é liderado pela Fromageries BEL, em especial, através dos queijos Limiano.93

334. Grande parte do leite cru (47%) é destinado à produção de leite UHT, o qual

representa cerca de 77% do volume total de produção nacional de produtos

lácteos frescos. Dos demais produtos lácteos de origem doméstica, são de

destacar: (i) os iogurtes, que consomem cerca de 5,5% do total nacional de leite

cru e representam cerca de 9% do volume nacional total de produtos lácteos

frescos; (ii) os queijos, que consomem cerca de 3,5% do total nacional de leite

cru e representam cerca de 50% do volume nacional total de produtos lácteos

transformados; e (iii) as manteigas, que consomem cerca de 1,5% do total

nacional de leite cru e representam cerca de 20% do volume nacional total de

produtos lácteos frescos (vide Tabela 4 infra).

Tabela 4 – Principais produtos lácteos de fabrico nacional

Ton. % Ton. % Ton. %1. Leite cru 1.954.432 100% 1.889.547 100% 1.871.643 100%

De vaca 1.920.643 98,3% 1.850.836 98,0% 1.836.543 98,1%2. Produtos frescos 1.164.527 59,6% 1.169.864 61,9% 1.141.676 61,0%

Leite para consumo 958.988 49,1% 962.927 51,0% 917.812 49,0%

Leite cru 17 0,0% 57 0,0% 39 0,0% Leite UHT 930.322 47,6% 919.524 48,7% 883.912 47,2%

Outros leites 28.649 1,5% 43.346 2,3% 33.861 1,8%

Natas 17.167 0,9% 17.382 0,9% 17.367 0,9%Iogurtes 101.671 5,2% 105.986 5,6% 108.109 5,8%

Bebidas lácteas 62.828 3,2% 68.780 3,6% 74.037 4,0%

Outros lácteos frescos 23.873 1,2% 24.789 1,3% 24.360 1,3%3. Produtos transformados 130.882 6,7% 141.451 7,5% 139.529 7,5%

Leite em pó 16.216 0,8% 16.421 0,9% 14.418 0,8%

Manteiga 26.971 1,4% 28.694 1,5% 27.695 1,5%Queijos 66.282 3,4% 66.244 3,5% 69.269 3,7%Soro de leite 22.413 1,1% 30.091 1,6% 28.146 1,5%

2005 2006 2007*

Fonte: MADRP e INE (Instituto Nacional de Estatística). Os valores relativos ao ano de 2007 referem-se a

estimativas.

335. Todavia, dado que o sector nacional é deficitário em iogurtes e queijos, sendo

excedentário em leites e em manteigas, estas percentagens não correspondem à

importância relativa destes produtos nas vendas nacionais totais (em €) de

produtos lácteos (vide Gráfico 7 infra).

93 De salientar que operam, de igual modo, no sector lácteo nacional, outras grandes multinacionais tais

como a Nestlé (leite em pó) e a Milupa (leites infantis). Realçar-se-á ainda o facto da Lactogal e a Parmalat operarem, em paralelo, no sector dos sumos e néctares.

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336. Segundo informação do MADRP, enquanto que o sector nacional é excedentário

em leite cru, ao nível dos produtos lácteos finais, esta capacidade excedentária

verifica-se apenas nos produtos de menor valor acrescentado (leite, natas e

manteiga), sendo o sector nacional deficitário nos produtos de maior valor

acrescentado (“iogurtes & quefir” e “queijos & requeijão”). O principal destino das

saídas é o espaço UE, com excepção dos queijos onde existe alguma colocação

em Angola e nos EUA.

337. Ao nível do consumo per capita e no cômputo geral do período 2000-2006,

verificou-se uma relativa estagnação no consumo nacional de leite e queijos e um

ligeiro aumento do consumo de manteigas. Segundo estatísticas do INE relativas

às despesas das famílias no ano de 2005,94 o consumo de leites UHT (magro,

meio gordo e gordo) representava nesse ano cerca de, respectivamente, 4,6% e

32,7% do consumo nacional total de produtos alimentares e de produtos lácteos,

i.e. da rubrica “leite, queijo e ovos” (vide Tabela 5 infra).

Gráfico 7 – Repartição do total nacional de vendas (em €) de lacticínios em 2007

Gelados2,8%

Leite UHT40,5%

Leite em pó1,8%

Manteiga6,9%

Nata3,2%

Queijos21,9%

Iogurtes22,9%

Fonte: Inquérito Anual à Produção Industrial, INE, 2007.

94 De notar que estes inquéritos do INE são quinquenais, de onde o próximo inquérito será efectuado apenas

em 2010.

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Tabela 5 – Importância dos principais produtos lácteos nas despesas das famílias,

inquérito do INE relativo ao ano de 2005

Categoria

Total de produtos lácteos ("leite, queijo e

ovos")

Total de "Produtos

Alimentares"

Leites UHT 32,7% 4,6%Iogurtes, Leites Fementados e Similares 28,8% 4,0%

Queijo 25,7% 3,6%

Outros Produtos Lácteos 5,6% 0,8%

Manteiga 3,8% 0,5% Fonte: Cálculo AdC com base em informação facultada pelo INE.

338. Dado que o total de “Produtos Alimentares” representa, segundo as mesmas

estatísticas, cerca de 14,8% do total de despesas de consumo (em 2005), o

consumo de leites UHT representa, assim, cerca de 0,7% do total de despesas de

consumo. Em contrapartida, os “iogurtes, leites fermentados e similares” e os

“queijos” representam, respectivamente, 0,6% e 0,5% do total de despesas de

consumo. Estas percentagens em muito excedem os 0,1% que o arroz e as

massas alimentícias representam no total de despesas de consumo (vide infra).

4.3.2. Representatividade da procura dos GGR em leite UHT

339. Dos elementos apurados relativos aos principais fornecedores de produtos lácteos

no mercado nacional, verifica-se que no global de vendas de leite UHT relativo ao

ano de 2008, cerca de 60% é escoado para os GGR, sendo cerca de 15%

exportado e cerca de 4% destinado ao canal HORECA (vide Tabela 6 infra).

Enquanto que no período 2004-2008, esta última percentagem se manteve

estável, verificou-se um ligeiro aumento das exportações – de cerca de 10% em

2005 para cerca de 15% em 2008 – em detrimento das vendas aos GGR. O

remanescente de cerca de 21% de vendas de leite UHT é destinado aos demais

clientes do aprovisionamento, incluindo o canal grossista.

340. De igual modo se constata que do total de vendas de leite UHT dos principais

fornecedores aos GGR, cerca de 50% são destinados, de forma quase equitativa,

aos dois principais GGR. Assim, estes GGR adquirem, no seu conjunto, cerca de

30% do valor total do aprovisionamento nacional em leite UHT.

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341. Embora cerca de 60% do total de vendas de leite UHT se destinem aos GGR no

ano de 2008, no global do volume de negócios (VN) destes fornecedores – o qual

inclui a venda de outros produtos lácteos – aquelas vendas de leite UHT afectas

aos GGR representam 25%. Percentagem esta que contrasta com 30% no ano de

2005. Assim, no agregado dos fornecedores considerados, o total de vendas de

leite UHT representou, em 2008, cerca de 41,5% do VN destas empresas (vide

Gráfico 7 supra).

342. Resulta, assim, como primeira ilação desta análise que, sem prejuízo de um

ligeiro aumento das exportações de leite UHT pelos principais fornecedores de

produtos lácteos e atenta a importância do leite UHT no global de vendas dos

produtos lácteos, a forte importância que revestem os GGR nas aquisições totais

de leite UHT no mercado nacional poder-lhes-á conferir um poder de compra não

negligenciável neste produto, sendo este poder potencialmente acrescido pela

possibilidade destes grupos recorrerem à importação deste produto.

Tabela 6 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de leite

UHT, em % dos valores de vendas no global deste produto e do VN dos fornecedores

2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de leite UHTGGR n.d. 66,1% 68,8% 66,4% 60,7%HORECA n.d. 4,0% 4,0% 3,6% 4,6%

Outros canais n.d. 19,6% 16,9% 17,2% 19,7%Exportações n.d. 10,3% 10,2% 12,8% 15,0%Maior GGR n.d. 14,0% 15,8% 13,7% 15,9%

Dois maiores GGR n.d. 27,0% 30,0% 25,9% 29,0%Em termos do VNGGR n.d. 29,3% 31,3% 30,7% 24,9%Maior GGR n.d. 6,2% 7,2% 6,3% 6,5%

Dois maiores GGR n.d. 12,0% 13,6% 12,0% 11,9%Mercado do aprovisionamentoImportações n.d. 12,6% 13,0% 13,0% 9,9%IHH n.d. 6490 6521 6425 7034

Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade

de informação para o ano de 2004 justifica-se pelo facto desta não ter sido fornecida pela integralidade das

empresas abrangidas pelo Estudo.

343. Também não é menos negligenciável o facto de existir um elevado grau de

concentração nas vendas de leite UHT no mercado nacional. Em consistência com

a supra referida informação do MADRP, na amostra de (21) fornecedores

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considerada no presente Relatório AdC, a Lactogal dispõe de uma quota superior a

2/3 do total de vendas de leite UHT no mercado nacional, constatando-se, ainda,

que nenhuma outra empresa atinge os 10% de quota.

344. Nesta amostra do aprovisionamento nacional de leite UHT, o IHH relativo às

vendas deste produto neste mercado supera valores na ordem dos 5400, bastante

acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado. Todavia, este grau de

concentração tem mostrado alguma tendência decrescente no período 2004-2008

com um ligeiro aumento do recurso à importação, de cerca de 12% em 2004 para

cerca de 17% em 2008.

345. No mesmo sentido se verifica que o valor total de aquisições de leite UHT pelos

dois principais GGR representa cerca de 12% do VN dos fornecedores aqui

considerados, sendo esta percentagem repartida de forma quase equitativa entre

estes dois GGR.

4.3.3. Influência dos GGR na determinação dos preços na produção

nacional de leite cru

346. Resulta da análise supra que a representatividade dos GGR na procura de leite

UHT, na ordem dos 60% em 2008, poderia a priori ser mitigado: (i) por o que as

vendas de leite UHT destas empresas representam no seu VN e (ii) pelo elevado

grau de concentração no mercado nacional de aprovisionamento deste produto.

347. Todavia, a verosimilhança que aquele “grau de dependência” se estenda, de

forma análoga, a outros produtos lácteos (v.g., iogurtes, queijos e manteigas)95,

poderá reduzir o impacto que o VN tem sobre o “grau de dependência” especifico

a um determinado produto, concedendo a priori um maior poder aos GGR em

influenciar os preços na produção nacional de leite cru, através do processo

negocial entre estes grupos e a indústria transformadora (fornecedora).

348. Não obstante o peso que os GGR representam no total de compras de leite UHT,

este está repartido entre os GGR de uma forma pouco concentrada. Embora cerca

de 60% e 30% das vendas de leite UHT no aprovisionamento relativo ao ano de

2008 estejam condicionadas ao conjunto dos nove GGR e dos dois principais GGR,

respectivamente, o IHH relativo ao peso dos GGR no aprovisionamento em

95 Conforme supra referido estes outros produtos lácteos integram a análise esperada para o Relatório Final

de Julho de 2010.

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produtos lácteos atinge, no período 2004-2008, valores abaixo de 1200,

compatíveis com uma estrutura não concentrada de mercado (vide supra).

349. Todavia, embora a aquisição de leite UHT pelos GGR seja caracterizada por uma

estrutura menos concentrada do que a da venda de leite no aprovisionamento, os

lácteos – da qual o leite UHT representará cerca de 40% (vide supra) –

constituem a única categoria de produtos da “distribuição alimentar” onde se

observa um acréscimo, significativo, da margem média bruta global no agregado

dos GGR, nomeadamente, no biénio 2007-2008 (vide secção 3.5 supra).

Conforme acima referido, no âmbito do Relatório Final de Julho de 2010 será

avaliada a forma como este alegado aumento da margem média bruta de revenda

de produtos lácteos pelos GGR se compara à evolução das margens das empresas

de aprovisionamento, em especial, no caso do leite UHT.

4.4. Arroz e massas alimentícias

350. As indústrias do arroz e das massas alimentícias dependem da produção de

cereais, respectivamente, arroz para transformação e trigo duro.

351. Segundo informação do MADRP96, a produção nacional anual de cereais (incluindo

arroz) representava, em média no quinquénio 2000-2004, cerca de 378 M € a

contrastar com cerca de 475 M € de importações/ano, sendo cerca de 75% destas

“importações” de natureza intracomunitária, ascendendo o valor anual de

exportações a cerca de 31 M €, na sua quase totalidade destinado à UE. Estes

produtos contribuíram, nesse mesmo quinquénio, em 15% para o défice da então

balança comercial de produtos agrícolas. O VABpm gerado pelo conjunto das

indústrias de transformação de cereais (i.e., da moagem,

descasque/branqueamento de arroz, produção de amidos, alimentos compostos

para animais, panificação e pastelaria, bem como massas alimentícias)

representava cerca de 25% do conjunto das Indústrias Alimentares e de Bebidas,

totalizando 2325 M € em 2004.

96 Cf. Culturas Arvenses: Diagnóstico Sectorial, Gabinete de Planeamento e Politicas, do MADRP, 2007 (em

http://www.gppaa.min-agricultura.pt/pbl/diagnosticos/Arvenses_Diagnostico_Sectorial.pdf).

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4.4.1. Caracterização dos sectores nacionais de arroz e de trigo

4.4.1.1. Produção nacional de arroz e de trigo duro

352. Segundo o MADRP e o Eurostat, a área nacional de produção cerealífera (cereais e

arroz) regrediu em quase 50% de 1990 a 2006, de 750 mil hectares (ha) para

390 mil.

353. As reformas da PAC contribuíram para uma forte redução da área de produção do

trigo duro, de 19 mil ha em 1990 para 3,2 mil ha em 2006 (após a reforma da

PAC de 2003)97.

354. A área de produção de arroz regrediu em cerca de 25% entre 1990 e 2006, de

33,8 mil ha para 25,0 mil ha. A distribuição desta área entre as duas principais

subespécies, Japónica (arroz “Carolino”) e Indica (arroz “Agulha”), manteve-se

relativamente estável, embora em claro favor da cultura Japónica. De salientar, a

este propósito, que enquanto Portugal é auto-suficiente em arroz do tipo

“Carolino”, grande parte do consumo nacional de arroz do tipo “Agulha”, bem

como de todo o tipo de trigo duro, é de origem externa maioritariamente

intracomunitária. Em particular, as importações nacionais de arroz “Agulha”

representam cerca de 80% do total nacional de importações de arroz, sendo o

remanescente em novos tipos de arroz (v.g., dos tipos “vaporizado” e “basmati”).

355. A área nacional afecta à produção de trigo duro e de arroz reparte-se no ano de

2005, respectivamente, entre as regiões do Alentejo (83% e 41%), Ribatejo e

Oeste (12% e 35%) e Beira Litoral (5% e 23%).

356. Enquanto que a cultura de arroz deve cingir-se às áreas de exploração

especializadas neste cereal, as áreas de especialização arvense podem ser afectas

à cultura de diversos cereais de sequeiro, sendo a cultura de milho a que

apresenta a maior rentabilidade nestas últimas áreas. As áreas de especialização

em arroz apresentam quase o quadruplo da rentabilidade unitária das áreas de

especialização arvense de cerca de, respectivamente, 399 € e 117 €/ha de SAU

(Superfície Agrícola Útil), embora o custo unitário da exploração de arroz seja

quase o triplo do relativo à exploração arvense de cerca de, respectivamente,

1206 € e 415 €/ha de SAU (MADRP, 2007, cit., pp. 22-24).

97 A reforma da PAC de 2000 terá, todavia, contribuído para um forte crescimento das áreas de exploração

de trigo duro, tendo a sua dimensão atingido os 188 mil ha em 2002.

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357. A produção nacional de cereais e de arroz é, em geral, estruturada em

cooperativas sob forma de Agrupamentos de Produtores, em grande parte

constituídos na década de 1990. Estes agrupamentos terão contribuído para uma

maior concentração da produção na presente década e representavam, no ano de

2005, cerca de, respectivamente, 30% e 38% da produção nacional total de arroz

e de cereais.

4.4.1.2. Indústria transformadora de arroz e de trigo duro

358. Segundo um inquérito do INE relativo ao ano de 2004, o tecido empresarial

nacional da indústria de arroz (descasque e branqueamento de arroz) era

composto por 17 empresas (11 e 6 de pequena e média dimensões,

respectivamente) enquanto que a indústria de massas alimentícias (fabrico de

massas alimentícias, cuscuz e similares) era composta por 7 empresas (uma

grande, uma média e cinco de pequena dimensão).

359. Segundo informação mais recente obtida pela AdC, relativa ao ano de 2008, a

Cerealis (insígnias Nacional e Milaneza) representou mais de 80% da produção

nacional de massas alimentícias enquanto que nas actividades nacionais de

produção e de comercialização de arroz, destacam-se três grandes empresas – a

Arrozeiras Mundiarroz (insígnia Cigala), a Ernesto Morgado (insígnia Pato Real) e

a Saludães (insígnia Saludães) – em concorrência com outras empresas de menor

dimensão (v.g., Orivárzea e Valente Marques),98 bem como com o arroz

proveniente do exterior.

360. A transformação de cereais e leguminosas, fabrico de amidos, féculas e produtos

afins representava, no seu conjunto e no ano de 2006, cerca de 3,1% (140,9 M €)

do VABpm do conjunto das Indústrias Alimentares e de Bebidas. O fabrico de

alimentos compostos para animais assume um peso maior, de cerca de 5,8%,

correspondente a um VABpm de 878 M €.

361. Segundo o Inquérito Anual à Produção Industrial do INE, relativo ao ano de 2007

(cit.), o valor de vendas em território nacional de produtos de arroz ascendeu a

138,1 M € – do qual o de “arroz semi-branqueado, branqueado e glaceado”

representava 92,1% – enquanto que o de massas alimentícias ascendeu a 56,0 M

98 Vide, de igual modo, Associação Nacional dos Industriais de Arroz (ANIA, em http://www.ania.pt/).

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€. Em comparação, o valor de vendas de leites UHT ascendeu, no mesmo ano, a

533,3 M € (Gráfico 7 supra).

4.4.1.3. Consumo nacional de arroz e de trigo duro

362. O grau de auto aprovisionamento nacional de cereais – excluindo o milho e o

arroz – é bastante reduzido, sendo de cerca de 19% em média no quinquénio

1999/2000 a 2004/2005. Em média neste período, as importações de trigo duro

representaram cerca de 65% do consumo nacional total deste cereal (161 mil ton

para um consumo total de 247 mil ton), para um grau de aprovisionamento

nacional de cerca de 13%.99

363. No caso do arroz, em média no mesmo período, as importações representaram

34% do consumo nacional total (75 mil ton para um consumo total de 218 mil

ton), para um grau de aprovisionamento de 55%.

364. Enquanto que naquele período, o consumo anual per capita de trigo duro exibiu

alguma volatilidade – de 42kg per capita em 1999/2000 para 76kg em 2004/2005

e 59kg em média no período de 1999/2000 a 2004/2005 – o consumo anual per

capita de arroz manteve-se relativamente estável, em torno dos 16kg. Este último

é cerca de triplo do consumo anual per capita médio na UE deste cereal, sendo

cerca de dobro do espanhol, o segundo maior na UE.

365. Não obstante a estabilidade do consumo nacional per capita de arroz, observou-se

na década de 1990 uma certa alteração dos hábitos de consumo do arroz do tipo

Carolino para o arroz do tipo Agulha, embora se estime que, actualmente, estes

dois tipos de arroz repartam equitativamente cerca de 90% do consumo nacional

total de arroz, sendo os 10% remanescentes dos novos tipos, “vaporizado” e

“basmati”.

366. Segundo o último inquérito do INE relativo às despesas das famílias, realizado no

ano de 2005 (cit.), o arroz e de massas alimentícias representavam ambos cerca

de 0,1% do total de despesas de consumo e, respectivamente, 0,9% e 0,8% do

total de despesas em produtos alimentares, e 5,5% e 4,9% do total da sua

categoria de “Cereais e Produtos à base de Cereais”.

99 Em contrapartida, as importações de trigo mole representavam, em média no mesmo período, cerca de

95% do consumo nacional total (1531 mil ton para um consumo total de 1606 mil ton – 87,7% do consumo nacional total no agregado dos trigos mole e duro), para um grau de aprovisionamento nacional de cerca de 7%.

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4.4.1.4. Comércio internacional de arroz e de trigo duro

367. Na UE e em média no biénio 2005-2006, os dois maiores produtores de arroz

eram a Itália e a Espanha com cerca de 50% e 30% da produção total de arroz

respectivamente. A subespécie Japónica (Carolino) é a principal na UE,

representando cerca de 60% da produção UE no total das duas subespécies de

arroz, Japónica e Indica (Agulha). A produção nacional total de arroz representa

cerca de 5% do total da UE, sendo, respectivamente, de 7% e de 2% nos casos

das subespécies Japónica e Indica. Em contrapartida, a Itália e a Espanha

contribuem para a produção total da UE em, respectivamente, 61% e 29% na

subespécie Japónica e 42% e 39% na subespécie Indica.

368. Os maiores produtores mundiais de arroz são a China e a Índia com,

respectivamente, 128 e 91 M ton, em média no biénio 2006-2007, em

comparação com 6,1 M ton nos EUA e 1,7 M ton na UE.

369. Na produção mundial de trigo (mole e duro) no biénio 2006-2007, a liderança é

assumida pela UE, com 117,2 M ton, seguida da China (103,5 M ton), da Índia

(68 M ton), dos EUA (49,3 M ton) e da Rússia (43,5 M ton).

370. As principais origens do consumo nacional de trigo duro são europeias, em

especial, a Espanha, Reino Unido e Turquia, embora os dois maiores produtores

deste cereal na UE sejam (no biénio 2005-2006) a Itália e a Grécia.100

4.4.2. Representatividade da procura dos GGR no arroz e nas massas

alimentícias

4.4.2.1. Caso do arroz

371. Em relação ao leite UHT, constata-se que o mercado nacional de

aprovisionamento de arroz (vide Tabela 7 infra) é menos concentrado, embora o

IHH relativo à amostra de 20 fornecedores considerados, nacionais e estrangeiros,

ascenda a valores acima do limiar de 1800 de um mercado concentrado, embora

em ligeiro decréscimo no período 2004-2008. De igual forma se constata um

maior recurso à importação de arroz do que no caso do leite UHT, em aumento

100 Em contrapartida, o consumo nacional de trigo mole provém, mormente, de França e da Alemanha, em

cerca de, respectivamente, 66% e 18% (vide Relatório AdC sobre os Sectores da Moagem de Trigo Mole e da Panificação em Portugal, Setembro de 2009).

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desde 2004 e tendo a sua percentagem no consumo total sido em 2008 cerca do

dobro da relativa ao leite UHT, de 31,8% contra 16,7% respectivamente.101

372. Em contrapartida, a procura de arroz no aprovisionamento está mais concentrada

nos GGR do que no caso do leite UHT, em percentagens superiores a 70% no

período considerado, salvo no ano de 2006. Todavia, os dois principais GGR

representam uma percentagem no global de aquisições, idêntica à observada no

caso do leite UHT, de cerca de 30%.

373. No que respeita aos canais alternativos aos GGR para escoamento de arroz,

constata-se, primeiro, que as exportações de arroz são, em oposição às de leite

UHT, despiciendas e, segundo, que o canal HORECA tem vindo a assumir uma

importância crescente desde 2005, de 0,4% nesse ano para 7,4% em 2008.

374. Em suma, à semelhança do leite UHT, esta análise preliminar sugere um a priori

forte grau de representatividade da procura de arroz pelos GGR. Todavia, em

termos do VN destas empresas, o valor global de compras de arroz pelos GGR

contribui para cerca de 49% em 2008 no agregado destas empresas.

Tabela 7 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de

arroz, em % dos valores de vendas no global deste produto e do VN dos fornecedores

2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de arrozGGR 82,7% 71,0% 61,9% 72,4% 72,5%HORECA n.d. 0,4% 0,5% 3,6% 7,4%

Outros canais n.d. 26,6% 37,4% 23,8% 19,3%Exportações 0,1% 1,9% 0,2% 0,3% 0,9%Maior GGR 17,4% 26,4% 14,8% 17,5% 18,3%

Dois maiores GGR 27,7% 39,7% 26,0% 27,5% 28,0%Em termos do VNGGR n.d. 44,8% 40,8% 52,9% 49,0%Maior GGR 16,3% 16,7% 9,8% 12,8% 12,4%

Dois maiores GGR 26,0% 25,0% 17,2% 20,1% 18,9%Mercado do aprovisionamentoImportações 15,9% 13,0% 16,8% 24,3% 31,8%IHH 2235 2235 1987 1893 1892

Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade

de parte da informação relativa ao ano de 2004 justifica-se pelo facto desta ter sido fornecida não pela

integralidade das empresas abrangidas pelo Estudo.

101 Salientar-se-á, todavia, que a percentagem de importações de arroz aqui referidas estão enviesadas por

defeito dado respeitarem apenas o arroz vendido em território nacional à distribuição alimentar por empresas estrangeiras e não o arroz importado comercializado por empresas nacionais, tais como os do tipo “Agulha”, “Vaporizado” e “Basmati” não proveniente da produção doméstica.

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375. Em oposição ao caso do leite UHT, a importância relativa que a venda de arroz

aos GGR tem no VN destas empresas, em especial, nas arrozeiras, especializadas

na venda deste produto, na ordem de 49% em 2008, pode traduzir a importância

de outros tipos de actividade, para além da relativa à venda de arroz à GDA,

destas empresas, questão esta que delegamos para o Relatório de Julho de 2010.

4.4.2.2. Caso das massas alimentícias

376. No caso das massas alimentícias (vide Tabela 8 infra), constata-se, primeiro, um

fraco recurso às importações, fortemente aquém dos observados nos casos do

leite UHT e do arroz, na ordem dos 1-2% no período 2004-2007 e com um ligeiro

aumento, até 4,6% em 2008. À semelhança do leite UHT e em oposição ao caso

do arroz, o aprovisionamento nacional de massas alimentícias é, de igual forma,

fortemente concentrado, com valores do IHH acima de 6700, neste caso numa

amostra de 26 empresas consideradas (19 estrangeiras).

Tabela 8 – Importância dos GGR no valor total de compras em território nacional de

massas alimentícias, em % do global de vendas deste produto e do VN dos fornecedores

2004 2005 2006 2007 2008Em termos do global de vendas de massas alimentíciasGGR n.d. > 90% > 80% > 80% > 80%HORECA n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.

Outros canais n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.Exportações n.d. < 10% < 10% 5-15% 5-15%Maior GGR n.d. < 20% < 20% < 20% < 20%

Dois maiores GGR n.d. 25-35% 25-35% 25-35% 25-35%Em termos do VNGGR n.d. < 50% < 50% < 40% < 40%Maior GGR n.d. < 10% < 10% < 10% < 10%

Dois maiores GGR n.d. < 20% < 20% < 20% < 20%Mercado do aprovisionamentoImportações 1,5% 1,7% 1,2% 1,2% 4,6%IHH 7412 6768 7439 7368 7318 Fonte: Cálculo AdC com base em elementos confidenciais recolhidos no âmbito do Estudo. A indisponibilidade

de parte desta informação justifica-se pela sua potencial confidencialidade.

377. No caso das massas alimentícias, a importância das exportações é semelhante à

do leite UHT, tendo sido observado um ligeiro acréscimo das mesmas no biénio

2007-2008.

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378. A representatividade da procura deste produto pelos GGR é, de igual modo,

superior à observada nos casos do leite UHT e do arroz, superando os 80% em

2008, sendo que os dois principais GGR representam, à semelhança dos produtos

anteriores, uma representatividade entre 25% e 35% no período em análise.

379. Quando ajustado pelo VN dos fornecedores, este grau de representatividade da

procura de massas alimentícias pelos GGR reflecte a possibilidade, como nos

casos supra do leite UHT e do arroz, das empresas aqui consideradas

comercializarem outros produtos para além das massas alimentícias, sem,

todavia, significar que as vendas destes outros produtos não estejam no mesmo

“grau de dependência” em relação aos GGR do que os aqui considerados.

380. Em oposição aos casos do leite UHT e do arroz, o sector nacional de massas

alimentícias tem, todavia, a característica do eventual poder de compra dos GGR

ter impacto apenas no processo de negociação com as empresas de

aprovisionamento, não tendo o primeiro nem estas últimas qualquer influência

sobre os preços de aquisição do trigo duro, atenta a sua origem externa.

4.5. Síntese conclusiva

381. No cômputo geral destes três sectores – leite UHT, arroz e massas alimentícias -

constata-se um forte grau de representatividade da procura destes produtos pelos

GGR nos respectivos mercados de aprovisionamento. Embora este grau de

representatividade seja mitigado pelo volume de negócios dos fornecedores,

atento o facto destas empresas comercializarem outros produtos potencialmente

escoados para os GGR, não poderá este facto atenuar per se o eventual “grau de

dependência” destes fornecedores em relação aos GGR.

382. Em particular, a AdC averiguará no Relatório Final de Julho de 2010: (i) se no

caso dos lácteos, a representatividade das vendas do global de todos os produtos

lácteos aos GGR difere ou não da representatividade aqui encontrada para o caso

do leite UHT e (ii) se este “grau de dependência” das vendas dos fornecedores em

análise face aos GGR não confere per se um poder de compra a estes grupos que

contraponha o poder de mercado dos fornecedores de maior dimensão, em

especial, nos sectores concentrados do leite UHT e das massas alimentícias.

383. Sem prejuízo da necessidade de uma análise mais aprofundada deste tipo de

questões, os resultados deste capítulo sugerem, primeiro, que no caso do arroz, o

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eventual poder de compra da GGR é susceptível de ter uma forte influência ao

nível dos preços na produção, sendo este acrescido pela capacidade destes grupos

em recorrerem ao arroz importado, quer do tipo Carolino (Japónico) – existente

em Espanha –, quer do tipo Agulha (Indico) – onde a produção nacional é

deficitária –, bem como dos novos tipos (basmático e vaporizado), para os quais

não existe produção nacional.

384. O possível recurso à importação pelos GGR é, de igual modo, susceptível de

conferir a estes grupos um poder de compra acrescido, com maior verosimilhança

de contrapor o elevado grau de concentração dos mercados nacionais de

aprovisionamento de leite UHT e de massas alimentícias detendo, assim, os GGR

no caso dos lácteos, um maior grau de influência dos preços na produção

nacional.

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5. Relações comerciais entre fornecedores e

distribuidores

385. O presente capítulo apresenta uma resenha das práticas da GDA – contratuais ou

extra-contratuais – elencadas pelos fornecedores como potencialmente lesivas dos

seus interesses. Assim, após uma breve descrição das principais características

dos contratos de fornecimento celebrados com a GDA (secção 5.1), apresentamos

as práticas da GDA elencadas pelos fornecedores como lesivas dos seus interesses

(secção 5.2). A análise aprofundada do eventual enquadramento destas práticas

no âmbito jusconcorrencial é remetida para o Relatório Final de Julho de 2010.

5.1. Contratos de fornecimento

386. Todos os Grupos da Grande Distribuição Alimentar (GDA) – retalhistas e

grossistas –, os Agrupamentos de Compras e as Centrais de Negociação, celebram

anualmente acordos comerciais, suportados em contratos, com os seus

fornecedores.

387. Os tipos de contratos, em especial os estabelecidos com os fornecedores de bens

da indústria alimentar, são semelhantes entre os vários Grupos, destacando-se:

(i) CGF – Contratos Gerais de Fornecimento, (ii) Contratos de Prestações de

Serviços, (iii) Contratos Pontuais de Promoções, (iv) Condições Comerciais,

Condições Gerais de Fornecimento e Condições Específicas de Fornecimento, (v)

Acordo de Cooperação Comercial, (vi) Acordo de Parceria Comercial, e (vii)

Contrato/Acordo Logístico.

388. Para além destes contratos-base, alguns GDA celebram, ao longo do ano,

aditamentos/complementos/adendas aos acordos/contratos gerais, relativos a (i)

acções promocionais pontuais, (ii) contratos de aberturas de lojas, (iii)

aniversários.

389. O contrato-base (clausulado) de cada Grupo, é igual para todos os fornecedores,

sendo negociados, cada ano, alguns dos valores das clausulas pré-estabelecidas,

bem como as condições comerciais.

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390. Assim, alguns fornecedores consideram que estão perante contratos de adesão,

na medida em que existem cláusulas inegociáveis.

391. Genericamente, os contratos de fornecimento anuais, estabelecem as principais

cláusulas de fornecimento (prazos e modo de pagamento, regras sobre as

entregas, prazos de validade dos produtos, devoluções, requisitos das

embalagens, penalizações por incumprimentos, desconto comercial, rappel,

qualidade dos produtos, etc.), havendo ao longo do ano, aditamentos/adendas

onde são regulamentadas acções de promoção, aberturas de lojas, aniversários,

etc.

392. Alguns contratos definem também, o número de vezes que o distribuidor aceita

variações dos preços base do fornecedor, sendo que alguns estipulam que, no

caso de baixas de preços, o fornecedor é obrigado a suportar o diferencial de

preços dos stocks existentes no distribuidor.

5.2. Práticas consideradas lesivas pelos fornecedores

393. Várias têm sido as práticas comerciais referenciadas pelos fornecedores, como

habitualmente seguidas pelas empresas da distribuição alimentar no

relacionamento comercial entre as duas partes, que consideram lesivas dos seus

interesses.

394. Enquanto algumas das práticas identificadas se reportam e ocorrem durante o

processo negocial dos contratos de fornecimento anuais, outras verificam-se ao

longo do período de fornecimento (ano civil), muitas vezes sem ligação directa a

transacções concretas de produtos.

395. Algumas práticas consideradas lesivas pelos fornecedores surgem como resultado

da desigual relação da força negocial entre fornecedores e distribuidores,

motivada por vários factores (ex: mercados atomizados do lado da oferta versus

mercado concentrado do lado da procura).

396. A CE, no âmbito da sua Comunicação sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de

abastecimento alimentar na Europa” (cit.), no seu documento de trabalho sobre

“Competition in the food supply chain” integrante daquela Comunicação, refere

que um poder desigual de negociação nem sempre representa um problema de

poder de compra em termos da legislação de concorrência.

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397. Em particular, enquanto que o poder de compra e os abusos decorrentes do

mesmo, poderão ter implicações nefastas do ponto de vista da concorrência,

nomeadamente, no bem-estar dos consumidores, algumas das práticas

resultantes do desequilíbrio da força negocial das partes, surgem como práticas

consideradas “injustas”, “desleais” ou “indesejáveis” de outros pontos de vista.

398. No âmbito destas práticas poder-se-ão enquadrar os “atrasos de pagamento”,

“cláusulas não negociáveis”, “alteração unilateral de certas condições contratuais”,

“pagamentos de topos, aniversários”, etc.

399. Alguns países têm regulamentado, através de legislação específica, certas

condições de transacção entre distribuidores e fornecedores, procurando tornar o

ambiente negocial entre as partes mais transparente e equilibrado.

400. Também têm surgido alguns Códigos de Boas Práticas definindo regras para a

negociação entre os fornecedores e as empresas de distribuição.

Exemplos de práticas consideradas lesivas

401. Contrato-tipo: Os grupos da distribuição dispõem de minutas de contratos de

fornecimento, iguais para todos os fornecedores, não sujeitas a negociação

(contratos de adesão).

402. Em princípio, não existe negociação das cláusulas constantes do contrato,

respeitantes a regras de fornecimento (prazos e locais de entrega, prazos de

pagamento, devoluções, prazos de validade dos produtos fornecidos, etc.), só

havendo negociação quanto aos valores a considerar como descontos comerciais,

descontos de volume (quantidades), rappel incondicional.

403. Alguns fornecedores (de maior poder negocial, v.g. multinacionais e/ou

detentores de certas marcas líder), negoceiam alterações/revogações de algumas

das cláusulas base.

404. Penalizações de serviço: Os contratos contêm as regras para o fornecimento do

produto encomendado nas centrais logísticas dos distribuidores.

405. Os prazos de fornecimento dos produtos, após a encomenda, são fixados e variam

entre os vários distribuidores, podendo ir desde 6 horas até 2 a 3 dias, sendo em

média de 24 horas.

406. O não cumprimento do prazo estipulado implica, regra geral, uma penalização

(em regra um valor percentual da encomenda que pode ir até 20%).

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407. Normalmente, não existe reciprocidade para situações de rupturas de stocks nas

prateleiras dos estabelecimentos, derivadas de falhas das centrais de entrega.

408. Prazos de validade dos produtos: Só são aceites produtos que não tenham

ultrapassado, em média, 2/3 do prazo total de validade recomendada,

independentemente desse prazo ser 1 ano ou 30 dias com as inerentes

repercussões em termos dos stocks dos fornecedores.

409. Emissão de débitos indevidos: Notas de débito, não justificadas, e imediatamente

descontadas nos pagamentos efectuados pelo distribuidor.

410. Retroactividade: Os distribuidores impõem que as condições dos contratos de

fornecimento negociados, muitas vezes só concluídos no final do ano, tenham

efeitos retroactivos a 1 de Janeiro.

411. Acordos de compra/negociação conjunta: alinhamento das condições de venda, de

vários operadores, através de “agrupamento de negociação" que não oferece

qualquer contrapartida adicional para os produtores/fornecedores, só melhorando

as condições comerciais das entidades que integram o agrupamento.

412. Estes casos de acordos de compra/negociação conjunta traduzem-se num reforço

do poder negocial da Grande Distribuição face aos seus fornecedores.

413. Comparticipações desproporcionadas para abertura de novas lojas: Normalmente,

o valor exigido a cada fornecedor não é ajustado ao potencial de vendas das lojas

e, em certos casos, sem evidente contrapartida (ex: quando a loja muda

meramente de insígnia, continuando a pertencer ao mesmo grupo da

distribuição).

414. Cláusulas penais nos CGF: Em regra, os Contratos definem penalizações para

incumprimentos do fornecedor, sem possibilidade negocial.

415. Práticas de retaliação: o distribuidor corta ou limita as compras durante a

negociação das condições de fornecimento, como forma de forçar a conclusão do

acordo.

416. Também, no caso de existirem no mercado preços de venda ao público, para

produtos do fornecedor, inferiores aos praticados por aquela cadeia, o distribuidor

segue, por tempo indeterminado, os PVP praticados pela concorrência e exige do

fornecedor consequente compensação da margem, ameaçando com retirada de

produtos de linha como retaliação.

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417. Pressão negocial através da retirada injustificada de linha de produtos de forma

inesperada.

418. Acordo de margem garantida: Por vezes existe um acordo verbal de margem

garantida, pelo fornecedor ao distribuidor, com débitos mensais, como condição

necessária para estar presente na cadeia.

419. Descontos globais ou antecipados: sem qualquer relação com os volumes de

vendas (descontos incondicionais).

420. Pagamentos relacionados com promoções não acordadas previamente.

421. Pagamentos por incumprimento de expectativas de vendas (em volume e valor)

ou de lucros do distribuidor.

422. Contratualização de prazos de pagamento excessivos: Em especial para produtos

perecíveis, são definidos, em geral, prazos muito alargados, face à data de

entrega dos produtos às empresas de distribuição, face ao curto prazo de validade

desses produtos e face à data da sua venda ao consumidor, que em termos

médios não ultrapassa 10 dias.

423. Atrasos nos pagamentos: Atrasos face aos prazos contratualmente definidos, sem

pagamento de penalizações.

424. Retirada unilateral e não justificada de linha de produtos relativamente aos quais

tinha havido pagamento de um fee de entrada.

425. Incumprimento de serviços de reposição em loja: O serviço é normalmente pago

pelo fornecedor (% em função das vendas).

426. Alguns distribuidores diminuem, por vezes, o nível de reposição obrigando alguns

fornecedores a contratarem pessoal para realizarem esse serviço, duplicando,

assim, os seus custos com o mesmo.

427. Utilização da localização das marcas próprias (MDD) no linear de venda como

instrumento negocial: Verificam-se dificuldades crescentes no que diz respeito à

localização e espaço concedido às marcas da indústria, em detrimento dos MDD,

independentemente da sua efectiva aceitação pelos consumidores.

428. Cópias parasitárias: Os GDA procuram replicar sob as suas próprias insígnias

quaisquer produtos que obtenham sucesso no mercado.

429. Este comportamento sistemático é alavancado no facto dos GDA disporem, por

um lado, de toda a informação estatística relativa às vendas de produtos de

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marca e, por outro lado, da possibilidade de influenciarem (o que se tem

verificado na prática através de extensos espaços reservados nos expositores aos

próprios produtos) a performance comercial dos produtos dos fornecedores.

430. A conduta supra referida é especialmente gravosa relativamente aos novos

produtos/linhas de produtos que são objecto de apresentações do “plano de

negócio” pela empresa produtora, por forma a atingir a sua comercialização, o

que constitui um instrumento relevante para uma subsequente replicação e

comercialização destes produtos enquanto produtos MDD.

431. Várias vezes, os GDA lançam exactamente o mesmo tipo de produto (de carácter

inovador) do fornecedor, com acentuadas semelhanças físicas, pouco tempo

depois do seu lançamento original (pago).

432. O distribuidor tem, simultaneamente, marcas próprias e tem acesso e usa a

informação comercial sensível do fornecedor (ex: preços, planos de lançamento,

investimentos promocionais, campanhas de promoção, etc.).

433. A política de gestão de stocks dos distribuidores, em relação aos produtos dos

fornecedores, é definida por estratégias que vão contra os interesses das marcas

da indústria, pois sempre que existe a necessidade de escoar um produto de

marca própria são feitas alocações obrigatórias às lojas, reduzindo o stock das

marcas industriais, chegando por vezes ao ponto de ruptura.

434. Os produtos MDD têm uma visibilidade privilegiada nos lineares, não proporcional

à sua quota de mercado, regra que é, normalmente, utilizada para as marcas

comerciais do fornecedor.

435. Os distribuidores, por vezes, não validam claims promocionais que valorizem as

marcas industriais, sempre que entendem que esse claim coloca em causa as suas

marcas próprias.

436. Comercialização de look alikes.

437. Os distribuidores no desenvolvimento da imagem das suas marcas próprias

copiam todo o universo da marca líder e colocam-nas lado a lado para que assim

o consumidor seja confundido e seja levado a escolher, só via factor preço, único

em que as marcas da distribuição têm, normalmente, vantagem.

438. Os distribuidores adoptam políticas agressivas de preços nas marcas próprias

financiando esta baixa de preços através do aumento das margens obtidas nas

marcas dos fornecedores.

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439. Desta forma, são as marcas da indústria que subsidiam o crescimento dos seus

maiores concorrentes, as marcas da distribuição (MDD).

440. Os distribuidores impedem que os fornecedores pratiquem preços promocionais

nas suas marcas, abaixo dos preços das marcas próprias, para não haver hipótese

de uma marca da indústria ser mais barata que a marca branca similar.

441. Alavancagem nas margens auferidas nos produtos de marca: É convicção de

alguns fornecedores que a estratégia dos vários operadores da grande distribuição

alimentar passa por extrair dos produtores de marca o rendimento/margem

suficiente na distribuição dos seus produtos, que lhes permita oferecer preços

muito competitivos nas suas marcas próprias.

442. Esta estratégia tem um objectivo claro por parte dos distribuidores que é o de

criar uma fidelização dos consumidores às respectivas marcas, que não consegue

obter com as marcas de produtores, em regra disponíveis em toda a GDA.

443. Os fornecedores não controlam parte significativa da promoção efectuada em loja,

a exposição nos lineares, não controlando o posicionamento dos seus produtos

face aos dos seus concorrentes – nomeadamente as marcas da distribuição.

5.3. Síntese conclusiva

444. Na análise jusconcorrencial das práticas, contratuais e extra-contratuais, da GDA

junto dos seus fornecedores, há que distinguir as que possa, eventualmente, ser:

(i) enquadráveis na Secção II – Práticas Proibidas – da lei nacional da

concorrência (ex vi os seus artigos 4.º, 6.º e 7.º); (ii) enquadráveis no disposto

no Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (na redacção dada pelo Decreto-Lei

n.º 140/98, de 16 de Maio); e (iii) as que embora espelhando um desequilíbrio de

forças negociais entre as duas partes não constituem um ilícito jusconcorrencial

(ou uma proibição ao abrigo do supra citado Decreto-Lei n.º 370/93), antes

podendo, eventualmente, ser mitigadas pela adopção de v.g. contratos-tipo, pela

facilitação de entrada no mercado e por outras medidas de natureza

regulamentar, quer em termos de auto-regulamentação, quer em termos

legislativos.102

102 Cf. Comunicação CE sobre o “Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa”

(cit.), pp. 5-7.

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Anexo 1 – Dados e elementos complementares

445. Apresentam-se neste anexo os dados recolhidos pela AdC, ao abrigo dos seus

poderes de supervisão (ex vi artigo 7.º dos seus Estatutos, aprovados pelo

Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de Janeiro), para elaboração do capítulo 3 do

texto (secção A1.1), bem como os Gráficos complementares apresentados

naquela secção (secção A1.2).

A1.1. Dados e extrapolações

446. No âmbito do presente Relatório, foi solicitada informação a 18 empresas de

fornecimento, a três grossistas (GCT. Makro e Manuel Nunes), para além da

cadeia grossista (Recheio) do Grupo JM e aos GGR: Aldi, Auchan, Dia%/Minipreço

(Grupo Carrefour), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI, JM (insígnias Pingo Doce,

Feira Nova e Recheio), MC (insígnias Modelo e Continente) e Lidl.

447. A informação relativa aos grupos da GDA (grossistas e retalhistas) inclui, em

particular, os seus valores totais anuais de vendas e de compras (em €),

desagregados pelas categorias de produtos “frescos”, “mercearia”, “bebidas não

alcoólicas”, “bebidas alcoólicas”, “lácteos”, “congelados”, “higiene pessoal” e

“drogaria e bazar”, bem como no agregado destas categorias, relativos ao período

2004-2008.

448. Todavia, esta informação não é exaustiva no que respeita, quer ao global do

comércio a retalho – que abrange, de igual modo, outras cadeias retalhista de

âmbito regional (v.g., os casos das cadeias Alisuper e A.C. Santos) e o comércio

tradicional, não existindo informação relativa às vendas deste último atento,

nomeadamente, o seu elevado grau de atomização –, quer ao global da procura

nos mercados de aprovisionamento da GDA. A procura nos mercados de

aprovisionamento é, em geral, desagregada entre três principais canais: (i) os

GGR, (ii) o canal grossista; e (iii) os “outros canais”, que incluem outras cadeias

retalhistas de âmbito regional que se abastecem directamente junto dos

fornecedores103 e o canal HORECA.

103 Conforme referido no texto (secção 3), o pequeno comércio (ou “comércio tradicional”) não se abastece,

em geral, directamente junto dos fornecedores, mas outrossim no canal grossista, não sendo, por este motivo, considerado para efeitos de quantificação da procura nos aqui considerados mercados de aprovisionamento.

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449. Enquanto que os GGR e os grandes grossistas dispõem de informação fiável

relativa aos valores acima referidos, este tipo de informação é de quase

impossível recolha junto de empresas de menor dimensão e/ou do canal HORECA

atento o elevado grau de atomização destas entidades.

450. A única informação que pode, de algum modo, colmatar, em parte, este problema

provém da Centromarca. Esta Associação colige informação directamente junto

dos seus associados (53 empresas de produtos de marca) relativa aos seus

valores anuais de vendas discriminados pelos supra referidos canais de procura no

aprovisionamento. A informação de que dispomos da Centromarca é, todavia,

relativa ao período 2002-2005, menos recente do que o aqui considerado.

451. Acresce que, para além desta informação, não existem elementos recentes

(período 2006-2008) relativos à cadeia de supermercados Plus (adquirida pela

cadeia Pingo Doce do Grupo JM, em Abril de 2008, cit.) e à cadeia de

hipermercados Carrefour (adquirida pelo Grupo MC, em Dezembro de 2007, cit.).

452. O conjunto de informação não disponível, desagregada pelas supra referidas

categorias de produtos e no agregado destas, foi, assim, extrapolada da forma

que de seguida se descreve. Atento o carácter algo ad hoc destas extrapolações,

uma análise mais aprofundada do sector deverá equacionar uma forma alternativa

de obtenção de estatísticas mais fiáveis para devida quantificação dos mercados

em análise.

Hipermercados Carrefour, cadeia Plus e vendas dos Grupos ITMI e E. Leclerc

453. Os valores de compras dos hipermercados (hipers) Carrefour relativo aos anos de

2006 e de 2007 – dado que no ano de 2008 estes hipers estavam já integrados

no Grupo MC – foram extrapolados da informação da Centromarca, disponível

para os anos 2002-2005, assumindo a mesma taxa de crescimento que a relativa

à evolução do ano de 2004 para 2005 e ajustados por um factor de correcção.

Este factor corresponde ao rácio entre os elementos disponibilizados à AdC pela

rede Dia%/Minipreço (no global das suas compras) e os elementos desta rede

constantes da informação restrita ao universo Centromarca.

454. Os valores de vendas dos hipers Carrefour, no período 2002-2007, são

extrapolados das suas compras assumindo a mesma margem percentual de

revenda que a da rede Dia%/Minipreço. Esta estimativa de vendas estará

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potencialmente enviesada por defeito atento o facto da rede Dia%/Minipreço

praticar, em geral, um nível de preços inferior ao da rede de hipers Carrefour.

455. Os valores de compras da cadeia Plus no período 2006-2008 são extrapolados da

mesma forma que no caso dos hipers Carrefour, embora seja apenas considerado

um terço do total do ano de 2008 (primeiros 4 meses) dado esta cadeia ter sido

adquirida pelo Grupo JM no final de Abril de 2008 (cit.). Os valores de vendas

desta cadeia são extrapolados dos seus valores de compras assumindo a mesma

margem percentual de revenda que a do Grupo Lidl, cuja politica de preços era

semelhante à da cadeia Plus.

456. Por seu turno, atento o facto dos Grupos ITMI e E. Leclerc operarem no retalho

em regime de franquia, estes grupos dispõem apenas de elementos fiáveis de

compra, tal como disponibilizados pelas suas centrais de compras respectivas.

Assim, os valores de vendas destes Grupos foram extrapolados através dos seus

elementos de compras e com base no pressuposto que as vendas E. Leclerc e

ITMI têm a mesma margem de revenda que as cadeias Lidl e Pingo Doce

respectivamente.

Valores de compras do canal grossista e dos “outros canais”

457. Os valores de compras do canal grossista no período 2006-2008 foram

extrapolados dos valores disponíveis para este canal no período 2002-2005, tal

como coligido pela Centromarca, e ajustados por um factor de correcção

semelhante ao supra referido, entre a média dos valores existentes para os

grossistas GCT, Makro e Manuel Nunes e a média destes valores no universo

Centromarca, no período 2002-2005.

458. Os valores de compras dos “outros canais” no período 2006-2008 foram

extrapolados com base nos valores existentes do universo Centromarca,

assumindo para os anos subsequentes a 2005, a mesma taxa de crescimento que

a do canal grossista.

Valores de vendas dos outros retalhistas para além dos GGR

459. Os valores de vendas dos outros retalhistas para além dos GGR – que incluem o

denominado “comércio tradicional” e todas as cadeias retalhistas de dimensão

regional, necessários à estimativa do global do comércio a retalho na área

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“alimentar” da GDA, foram fixados ao valor de compras do canal grossista

acrescido da margem média de revenda do agregado das cadeias grossistas GCT,

Makro e Manuel Nunes.

460. Embora possa existir algum enviesamento por excesso destas vendas do canal

grossista, este enviesamento poderá ser compensado ao nível das vendas a

retalho atento o facto de tal estimativa pressupor que os retalhistas que adquirem

junto daqueles grossistas não têm qualquer margem de revenda.

A1.2. Gráficos complementares ao capítulo 3 do texto

Gráfico 8 – IHH relativos à importância dos GGR no comércio nacional a retalho,

discriminados por categoria de produtos e no período 2004-2008

0

200400

600

8001000

1200

140016001800

20002200

2400

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebida

s alco

ólica

s

Total B

ebida

s

Lácteo

s

Cong

elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Droga

ria e B

azar

Total

2004 2005 2006 2007 2008

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Gráfico 9 – Importância relativa das categorias de produtos no global dos mercados de

aprovisionamento, período 2004-2008

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebida

s alco

ólica

s

Total B

ebida

s

Lácte

os

Cong

elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Droga

ria e B

azar

2004 2005 2006 2007 2008

Gráfico 10 – Quota conjunta dos 4 principais GGR no aprovisionamento, sendo a do

Grupo JM substituída pela do total da UNIARME, discriminados por categoria de produtos

e no período 2004-2008

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Fres

cos

Merce

aria

Fres

cos +

Merce

aria

Bebida

s não

alco

ólica

s

Bebida

s alco

ólica

s

Total B

ebida

s

Lácteo

s

Cong

elado

s

Higien

e pe

ssoa

l

Droga

ria e B

azar

Total

2004 2005 2006 2007 2008

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Anexo 2 – Resenha da literatura económica sobre

poder de compra

A2.1. Introdução

461. O sector da distribuição alimentar em Portugal, à semelhança do sucedido em

toda a Europa, tem sido alvo de profundas alterações estruturais induzidas por

mudanças significativas nos hábitos dos consumidores relativamente aos horários

e subsequente generalização do one-stop-shopping, pela banalização da utilização

do automóvel como meio de transporte, e pelo aumento do poder de compra. A

tais comportamentos não é alheio o processo de consolidação e concentração da

actividade de venda a retalho e do comércio grossista, que se traduz na

implantação das grandes cadeias de distribuição alimentar104.

462. A vantagem comparativa das grandes cadeias de distribuição alimentar, decorre

da exploração de economias de escala que surgem com a aplicação de novas

tecnologias na gestão de stocks, e da compreensão dos hábitos de despesa dos

consumidores, que lhes confere neste contexto um papel decisivo no processo de

valorização dos produtos junto destes. Tal decorre da assimetria de informação

entre fornecedores e grande distribuição, em que estes têm mais informação

sobre as preferências dos consumidores finais do que aqueles. Esta nova função

desempenhada através do marketing, das campanhas promocionais etc., produz

uma transferência de poder de negociação para as grandes cadeias de distribuição

alimentar, que está na origem do fenómeno denominado por “poder de compra”.

463. O acréscimo de poder de compra associado ao processo de consolidação e

concentração do sector do retalho é acentuado pela cada vez maior participação

das cadeias de distribuição no processo de produção (verticalização), através da

promoção de marcas próprias que concorrem directamente com as dos

fornecedores. Este acréscimo de concorrência é, contudo, desigual já que as

marcas dos fornecedores não têm controlo sobre as decisões de exposição e

promoção dos seus produtos nos espaços comerciais, em condições idênticas à

104 Vários artigos e estudos caracterizam a evolução recente dos mercados retalhistas em Portugal; Fonseca

(2005, cit.), Rodrigues (2006, cit.) Barros et al. (cit.); Os estudos realizados em 2009 pela Nielsen e pela Roland Berger (cit.); enquanto que a nível europeu refira-se, entre outros, o artigo de Dobson, P. et al. (2001), “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”, Journal of Industry Competition and Trade, 1(3): 247-281; Competition Commission (2008), “The Supply of Groceries in the UK Market Investigation” (cit.); e o Relatório CE “Food supply chain” (cit.).

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dos produtos de marca da distribuição. De facto, a grande distribuição exerce

para muitos fornecedores e produtores uma função de “gatekeeper” dos seus

produtos, o que lhe confere ainda maior poder de negociação.

464. Paralelamente ao movimento de consolidação do sector do retalho, a constituição

de Grupos de Compras, onde retalhistas independentes se juntam para negociar

com os fornecedores, tem acentuado, ainda mais, o grau de concentração da

procura e o correspondente poder de negociação nos mercados de

aprovisionamento105.

465. Além dos Grupos de Compras de acção nacional, tem-se assistido à criação de

“alianças” de compras compostos por grandes retalhistas de nacionalidades

diferentes, não concorrentes entre si, que partilham informação sobre os preços

de compra, agindo como uma única unidade económica perante fornecedores e

que colaboram na contratação de fornecedores para as suas marcas próprias106.

Esta questão, que será alvo de análise neste artigo, levanta o problema de se

acordos entre compradores numa cadeia vertical são tratados de uma forma mais

benévola pelas políticas de concorrência do que acordos entre vendedores.

466. Como resultado desta revolução, o poder de mercado do produtor deu lugar ao

poder de compra do retalhista, onde este, através da escala das suas operações e

a dimensão das suas compras, adquire maior capacidade para impor as condições

de compra que lhe sejam favoráveis e, eventualmente, impor restrições verticais

com o intuito de não só se apropriar da renda económica dos fornecedores mas,

também, limitar a liberdade destes fornecerem outros retalhistas em condições

concorrenciais.

467. Neste capítulo é feito o enquadramento das relações bilaterais que se estabelecem

entre fornecedores e compradores em geral e grande distribuição alimentar (e

bebidas) em particular, no contexto do exercício de poder de compra destes.

Interessa aferir sob o ponto de vista da política de concorrência quais as

consequências deste exercício ponderando, nomeadamente, os efeitos positivos

105 É comum referir-se ao espaço onde decorrem as negociações bilaterais entre grande distribuição e

fornecedores como “jaulas de negociação”, enfatizando-se o carácter intimidatório e pouco amigável com que são conduzidas.

106 Dobson, P. (2003), “Buyer Power in Food Retailing: The European Experience” proceedings from the

Conference on Changing Dimensions of the Food Economy: Exploring the Policy Issues”, 6-7 Fevereiro 2003, The Hague, Netherlands, debruça-se sobre o impacto nas relações entre fornecedores e grande distribuição dos “grupos de compras” que operam nos mercados internacionais, alertando para as consequências do excessivo poder de negociação destas alianças.

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de curto prazo decorrentes do expectável pass-through para o consumidor, com

outros efeitos dinâmicos potencialmente lesivos da concorrência e do bem-estar

geral (e do consumidor em particular) como por exemplo os resultantes do

denominado “waterbed-effect” (WBE), menor diversidade de produtos e menor

inovação no médio e longo prazos.

468. A este respeito o Relatório Preliminar CE sobre o “Food supply chain” (cit.), vem

enfatizar a ideia de que “(…) quando se afere do impacto do exercício de poder de

compra sobre os consumidores, o bem-estar do consumidor deve ter em conta, os

preços, a diversidade e a qualidade (dos produtos)”.

469. No contexto desta nova estrutura do mercado retalhista, o problema de

regulamentar o poder de mercado dos grandes retalhistas sobre os seus

fornecedores tem suscitado diversos desafios quanto à interpretação dos

objectivos da politica de concorrência.

470. Embora a consolidação no retalho esteja associada a um aumento de eficiência e

de qualidade do serviço, o aumento da concentração daí decorrente pode facilitar

a capacidade dos retalhistas exercerem poder de mercado como compradores

(i.e., poder de compra) – muitas vezes com recurso a práticas que só são

possíveis devido ao desequilíbrio de poder negocial entre este e os fornecedores –

e como vendedores (poder de venda ou de mercado, “seller power”, SP), com

impacto sobre o bem-estar geral e do consumidor em particular.

471. A questão que se coloca à política de concorrência é a de como lidar com o poder

de compra dos grandes retalhistas, especialmente quando ele não é exercido

apenas aquando da negociação de preços, mas se reflecte em toda uma série de

contrapartidas contratuais muitas vezes consideradas desproporcionais e não

justificadas107.108

472. No que diz respeito a esta matéria a CE, no contexto do seu Relatório Preliminar

sobre o “Food Supply Chain” (cit.), veio clarificar a sua posição relativamente ao

fenómeno do poder de compra. Na sua perspectiva deve-se distinguir entre poder

107 Na UE existem as orientações da Comissão na aplicação do artigo 102 TFUE, relativas ao comportamento

de exclusão abusivos por parte de empresas com posição dominante, e em Portugal os decretos de lei nº370/93 sobre vendas com prejuízo e práticas negociais abusivas.

108 Vide Dobson, P. Waterson, M. and A. Chu (1998) “The Welfare Consequences of the Exercise of Buyer

Power”, Office of Fair Trading, Research Paper 16. De referir que nos EUA, à semelhança do que sucede com os vendedores, o Robinson-Patman Act proíbe todas as formas de discriminação de preços praticadas pelos fornecedores.

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de negociação desigual (“Unequal Bargaining Power” ou UBP) e poder de compra.

O primeiro diz respeito a situações em que “…uma das partes (o vendedor ou o

comprador), consegue impor à outra termos e condições contratuais que são

desfavoráveis à outra parte.(…) UBP geralmente conduz a negociações comerciais

que parecem injustas, ou indesejáveis do ponto de vista social. O segundo, “(…)

pode ter efeitos benéficos ou perversos sobre os consumidores. poder de compra

é geralmente imposto por compradores como um countervailling power para obter

melhores preços e termos dos fornecedores”. Por isso, a Comissão parece

distinguir entre o exercício de poder de mercado do lado da procura (poder de

compra) que se traduz em alterações dos preços, e o exercício de poder de

mercado através de outras práticas negociais que não envolvem directamente os

preços.

473. De qualquer forma, com a crescente concentração do sector do retalho, há cada

vez uma maior preocupação de que o poder de compra exercido pelos grandes

retalhistas junto dos fornecedores possa ter efeitos adversos sobre a viabilidade

económica destes e o nível de eficiência da afectação dos mercados a jusante

(quando está associado ao mero exercício de poder negocial e independente da

eficiência produtiva) e que, paralelamente, esteja associado a um aumento do SP

com efeitos nefastos para o consumidor.

474. A questão da aplicação da lei da concorrência neste sector levanta vários desafios.

Aparentemente, os artigos 101 e 102 TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da

União Europeia)109 e correspondentes orientações para a sua aplicação seriam

suficientes para regulamentar as relações comerciais entre fornecedores e

distribuição. Contudo, mesmo quando não existe uma posição dominante à la

artigo 102 TFUE e correspondentes disposições nacionais (artigo 6.º da Lei n.º

18/2003, de 11 de Junho) alguns retalhistas podem ainda exercer poder de

compra de formas que podem ser interpretadas como lesivas para a concorrência.

O problema reside na interpretação e aplicação do conceito de posição dominante

no contexto das relações entre retalhistas e fornecedores110.

109 Substitui o Tratado CE. 110 No artigo 7.º, n.º 3, da lei nacional da concorrência (Lei n.º 18/2003, cit.) está contemplado o conceito de

dependência económica que vem explicitamente referir a questão da dependência de fornecedores que não têm uma alternativa equivalente.

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475. Por exemplo, de acordo com Warwick and Murray (2009)111, a análise da

regulação do sector do retalho alimentar no Reino Unido veio, de acordo com a

interpretação da Competition Comission (CC), alertar para a insuficiência dos

artigos 101 e 102 TFUE para garantirem que esses mercados funcionem

concorrencialmente. De acordo com estes autores, a falha existe quando certas

características dos mercados indiciam que a concorrência não está a funcionar

correctamente. Esta falha de mercado não ocorre devido à existência de ilícitos

jusconcorrenciais, quer ao abrigo do artigo 101 TFUE, quer ao abrigo do artigo

102 TFUE, mas outrossim devido à natureza estrutural do mercado retalhista

caracterizado por um elevado grau de concentração112.

476. As questões relativas ao poder de compra de um operador de mercado suscitam

três tipos de potenciais problemas: (i) operações de concentração entre grandes

compradores, potencialmente conducentes a um elevado índice de concentração

no mercado retalhista e, consequentemente, a um excessivo SP; (ii) agentes

independentes que fazem acordos de compras conjuntas (centrais de compras); e

(iii) compradores poderosos que exercem abusivamente o seu poder de compra

para extraírem vantagens sobre os fornecedores sem contrapartidas

proporcionais113.

477. A política de concorrência preocupa-se em primeiro lugar com distorções no

mercado que afectam o bem-estar do consumidor final, privilegiando por isso a

intervenção nos mercados a jusante.

478. Por outro lado, refira-se que a política de concorrência não tem uma finalidade

redistributiva, entendida como um instrumento para salvaguardar a sobrevivência

dos retalhistas mais pequenos. Contudo, embora este não possa ser um fim, ele

pode, em certas circunstâncias, ser um meio necessário para garantir que, no

longo prazo, um excessivo grau de concentração no retalho não prejudique o

111 Warwick, N. and Murray, D. (2009), “Regulation of UK Supermarkets: The Saga Continues”. European

Competition Law Review, Vol. 30(8), pp. 376-378. 112 Este argumento surge na sequência da deliberação do Competition Appeals Tribunal (CAT) contra aspectos

do relatório da Competition Comission (CC) sobre os mercados retalhistas no Reino Unido que limitavam a capacidade de expansão ou abertura de novas lojas a estabelecimentos com quotas de mercado elevadas. O recurso interposto pela TESCO e aceite pelo CAT baseou-se no argumento de que a CC não considerou os potenciais efeitos nefastos sobre os consumidores, nem aferiu correctamente da proporcionalidade da medida.

113 Vide Bundeskartellamt, “Buyer Power in Competition Law- Status and Perspectives”, Meeting of the

Working Group on Competition Law, 18 Setembro 2008.

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consumidor final, especialmente quando este processo é fruto do mero exercício

de poder negocial.

479. Apesar da legislação nacional incluir disposições que contemplam as situações de

venda com prejuízo e práticas comerciais abusivas (Decreto-Lei n.º 370/93, de 29

de Outubro, coma redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio), são

sobretudo os efeitos dinâmicos e logo a médio e longo prazo do exercício do poder

de compra, ou seja, a visão prospectiva da politica de concorrência que estão em

causa, e a adequabilidade da “actual” interpretação das leis da concorrência.

A2.2. Definição e origens do conceito de poder de

compra

A2.2.1. Poder de compra como resultado da existência de rendas

económicas

480. Uma condição necessária para a existência do fenómeno de poder de compra é a

presença de rendas económicas do lado da oferta do mercado114. Por sua vez,

elas existem se, na sua globalidade, os fornecedores do produto em causa

auferem mais receitas do que o mínimo necessário para induzi-los a fornecer a

mesma quantidade do produto115. Segundo Noll (2005), existem três tipos de

renda económica do lado da oferta que podem ser apropriadas pela procura no

mercado se esta detiver poder de compra (nomeadamente sobre a forma de

monopsónio): rendas Ricardianas – associadas a diferenças de produtividade ou

nos custos unitários entre os factores produtivos; quase-rendas – definidas como

a diferença entre as receitas totais e os custos de curto-prazo; e os lucros de

monopólio (ou oligopólio), definidos como a diferença entre as receitas e os custos

totais de produção de longo prazo, decorrentes da existência e exercício do poder

de mercado pelos vendedores.

481. No primeiro caso, o poder de compra do lado da procura apropria a renda dos

fornecedores mais eficientes; no segundo, absorve a renda que seria destinada a

114 Vide Noll, R. (2005) “Buyer Power and Economic Policy”, SIEPR Discussion Paper No. 04-08, sobre rendas

económicas e poder de compra na forma de monopsónio. 115 A não existirem estas rendas do lado da oferta, a procura nada poderia extrair dos seus fornecedores, já

que qualquer tentativa de pagar um preço abaixo do custo marginal em que estes incorrem apenas resultaria na sua saída do mercado.

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cobrir os custos afundados (sunk costs) da sua actividade não sendo, portanto,

uma situação sustentável no longo-prazo; no terceiro caso, o poder de compra

pode contrabalançar o poder de mercado do fornecedor monopolista (ou

oligopolista), produzindo um resultado de mercado mais eficiente e com

melhoramentos no bem-estar líquido do consumidor caso haja pass-through.

A2.2.2. Visão tradicional: Poder de compra e monopsónio

482. A visão tradicional do conceito de poder de compra associa este fenómeno a uma

situação de monopsónio que é em tudo análoga à estratégia do monopolista, só

que no lado da procura. Da mesma forma que os vendedores monopolistas sobem

os preços ao restringir a oferta, o comprador monopsonista consegue baixar o

preço ao restringir a procura.

483. Esta visão de poder de compra é apropriada quando aplicada a mercados de

“commodities” competitivos, onde existe apenas um preço de transacção, e

compradores e vendedores interagem de acordo com regras comuns e pré-

determinadas. Neste contexto, o exercício deste tipo de poder de compra

prejudica o bem-estar global na medida em que a quantidade transaccionada é

menor do que no modelo competitivo, e gera à semelhança do monopólio uma

perda líquida de bem-estar (v.g., Noll, 2005).

A2.2.3. Visão da teoria da negociação (“Bargaining Theory”)

484. Esta interpretação do conceito de poder de compra não é a mais apropriada para

descrever as relações que se estabelecem entre fornecedores e distribuidores no

sector alimentar. Aqui, existem relativamente poucos distribuidores/retalhistas

que interagem bilateralmente com os fornecedores de produtos de marca e

produtores de marcas-próprias. Neste contexto, podem haver diferenças

substanciais nos preços médios pagos por diferentes compradores e o poder de

compra manifesta-se, sobretudo, pela magnitude dos descontos e outras

condições de transacção que cada comprador consegue obter116.

116 Note-se que vendas com diferentes preços nem sempre são sinónimo de exercício de poder de compra

(então são sinómnimo de quê?) Para um fornecedor monopolista a prática de discriminação de preços é (pode ser?) uma estratégia óptima.

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485. É no contexto das teorias de negociação bilateral que se deve analisar esta

situação117. Estas teorias assentam no princípio de que o poder de negocial de

cada uma das partes aumenta com o valor da sua opção-fora-do-contrato (OFC).

Por um lado, o comprador tem a opção de encontrar outro fornecedor e retirar os

produtos do actual, enquanto que o fornecedor pode procurar canais alternativos

para fazer escoar os seus produtos.

486. Qualquer evento que aumente o valor da OFC do comprador e não aumente a do

vendedor, permitirá ao comprador apropriar-se de uma fracção maior do lucro

conjunto gerado pelo contrato, via aumento do seu poder de compra. Por

exemplo, o comprador pode passar a ter conhecimento da estrutura de custos dos

seus fornecedores e, assim, estar em melhor posição para extrair rendas destes.

Note-se que o resultado das negociações entre qualquer um fornecedor e um

retalhista impõe uma externalidade aos demais retalhistas, tanto no mercado a

jusante (se houver pass-through) como a montante se houver por exemplo um

waterbed-effect118.

487. Por outro lado, há que salientar que o poder de negociação de cada uma das

partes é função não só do valor da OFC de cada uma delas, mas também da

“estrutura de conhecimento” das partes em relação ao valor e ao conhecimento

da OFC de ambas.

A2.2.4. Definição de poder de compra

488. Embora não exista apenas uma definição de poder de compra, regra geral todas

elas envolvem os conceitos de monopsónio, contrapoder (da oferta), poder de

negociação, reflectindo vários aspectos do problema. Em todas elas, poder de

compra diz respeito a uma situação em que de acordo com Noll (2005) “… o lado

da procura do mercado é suficientemente concentrado de forma a permitir aos

compradores exercer poder de mercado sobre os vendedores”.

117 Vide Inderst, R and N. Mazzarotto (2006) “Buyer Power in Distribution”, Issues in Competition Law and

Policy, Capitulo XX (W.D. Collins ed., em http://personal.lse.ac.uk/inderst/buyerpower_in _distribution_chapter.pdf) e Chen, Z. (2007) “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy” Research in Law and Economics, 22: 17-40, sobre como a teoria de negociação dá o enquadramento teórico adequado para descrever as relações bilaterais entre fornecedores e distribuidores.

118 Note-se que caso não ocorra um WBE, pode existir uma externalidade pecuniária decorrente de uma

redução nos preços pagos ao fornecedor por todos os compradores.

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489. Ainda de acordo com este autor, enquanto imagem do monopólio do lado da

procura, poder de compra pode ser definido “…como a capacidade dos

compradores exercerem o seu poder de mercado para fixarem (com lucro) os

preços abaixo do seu valor competitivo”. Como já referido, no caso de uma

situação de monopsónio, em que o lado da oferta é competitivo e assumindo que

a curva de oferta tem declive positivo, o poder de compra é exercido através da

contracção da procura. Esta definição é, contudo, redutora porque quase sempre

o exercício de poder de compra vai além da fixação de preços baixos, incluindo a

exigência de outro tipo de contrapartidas por parte dos compradores.

490. A definição proposta pela OCDE, por sua vez, afirma que “… um retalhista tem

poder de compra se, relativamente a pelo menos um fornecedor, pode ameaçar

de forma credível a imposição de um custo de oportunidade de longo prazo (i.e.

prejuízo ou reter um benefício) que, caso a ameaça fosse executada, seria

significativamente desproporcionada em relação a qualquer custo de oportunidade

de longo prazo em si mesmo”.

491. Esta definição, refere-se a poder de compra como “capacidade de negociação

bilateral”, e difere de poder de monopsónio porque o preço mais baixo resulta de

uma ameaça e não propriamente do acto de redução da quantidade procurada em

mercado. Isto implica que o poder de negociação só pode ser exercido se as

empresas fornecedoras, na ausência de exercício de poder de compra, operarem

com preços acima dos custos marginais, e por isso, se existir concorrência

imperfeita entre fornecedores, geradora de rendas. Quando o poder de compra é

exercido neste contexto, constitui uma forma de contrapoder relativamente ao

poder de mercado dos fornecedores.

492. Chen (2007, 2008)119 dá uma definição de poder de compra que incorpora as

duas problemáticas preço: “ poder de compra é a capacidade de um comprador

reduzir o preço de forma proveitosa abaixo do preço normal de venda do

fornecedor, ou mais genericamente, a capacidade de obter termos de

fornecimento mais favoráveis que os termos normais do fornecedor. O preço

119 Chen (2007). “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy”. Research in Law and Economics,

Vol.22, pp.17-40; Chen (2008). “Defining Buyer Power”, The Antitrust Bulletin, Vol.53(2), pp.241-249.

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normal de venda, por sua vez, é definido com o preço do fornecedor que

maximiza o lucro na ausência de poder de compra”120.

493. Apesar das diferentes estruturas competitivas do lado da oferta originarem

diferentes conceitos de poder de compra, as várias definições envolvem quase

sempre o conceito “termos de troca” em lugar de preços, enfatizando o facto de

que os contratos entre fornecedores e retalhistas, regra geral, envolverem outras

contrapartidas que não o preço (em alguns casos é possível traduzir essas

contrapartidas num efeito preço). Segundo Dobson, P. et al (2001)121 “… poder de

compra pode manifestar-se nas obrigações contratuais que os retalhistas

consigam impor aos seus fornecedores, tais como: pagamentos para espaço na

prateleira, custos de entrada, descontos de quantidade, contribuições para

despesas promocionais, cláusulas de cliente mais favorecido, e acordos de

exclusividade”.

A2.3. Formas de exercício do poder de compra

494. No contexto das relações entre distribuidores e fornecedores, o exercício de poder

de compra é o resultado da capacidade de alguns retalhistas obterem dos

fornecedores termos de troca mais favoráveis do que aqueles disponíveis a

outros, ou que seriam expectáveis em condições normais de mercado i.e., em

mercados concorrenciais. Isto inclui não só os descontos, mas toda uma série de

obrigações contratuais que podem ser encaradas como restrições verticais,

impostas pelos retalhistas aos fornecedores. Tais restrições podem traduzir-se nos

comportamentos que de seguida se descrevem.

495. Selecção de fornecedores: os compradores exigem pagamentos para que

determinados produtos façam parte da lista de potencial fornecedor;

496. Custos de entrada; custos de referenciação de novos produtos (entrada em linha)

são variáveis e negociáveis loja a loja da mesma cadeia sendo novamente

120 Esta definição levanta porém a questão de como determinar o preço normal de venda, já que o exercício

de poder de compra é uma característica “normal” do mercado. Por outro lado, o termo definido, “poder de compra” é incluído na sua própria definição, o que levanta um problema lógico.

121 Dobson, P., Roger, C., Davies, S. and M. Waterson (2001) “Buyer Power and its Impact on Competition in the Food Retail Distribution Sector of the European Union”, Journal of Industry Competition and Trade, 3(1): 247-280.

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exigidos em situações de mudança de insígnia da loja (situações de aquisições de

estabelecimentos por outra cadeia);

497. Espaço na prateleira: são cobrados montantes para que os produtos dos

fornecedores possam ser expostos nas prateleiras dos retalhistas;

498. Descontos retroactivos: são pedidos descontos sobre transacções já efectuadas;

499. Cláusula de cliente mais favorecido: obrigação contratual que impossibilita o

fornecedor de vender a qualquer outro retalhista a um preço mais baixo;

500. Contribuição para despesas de promoção não justificadas;

501. Insistência na exclusividade de fornecimento;

502. Imposição de rappel incondicional: sem qualquer contrapartida em termos de

volume de vendas anual;

503. Imposição ou dilatação de prazos de pagamento com a ameaça de retirada dos

produtos de todas as lojas da cadeia;

504. “look-alike”: utilização abusiva de “facings” dos produtos de marca dos

distribuidores semelhantes aos das marcas dos fornecedores induzindo em erro os

consumidores.

A2.4. Origens do poder de compra no retalho

A2.4.1. Dimensão

505. Regra geral, a origem de poder de compra no retalho está associada a uma série

de inovações tecnológicas que permitiu às grandes cadeias da distribuição

alimentar, usufruir de economias de escala e de gama. Estes avanços tecnológicos

estão associados a um movimento de consolidação e concentração do lado da

procura, que conferiu poder de compra aos compradores perante os fornecedores.

Por isso, um factor crítico para o exercício de poder de compra é a dimensão do

retalhista.

506. De acordo com Inderst e Mazzarotto (2006), a dimensão aumenta o valor da OFC

do retalhista de várias formas: ele pode ameaçar integrar a sua actividade a

montante - nomeadamente mediante a produção de marcas próprias - tornando o

fornecedor redundante; pode ameaçar de forma credível mudar de fornecedor; ou

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pode ajudar a criar condições para a entrada de novos fornecedores, através da

participação nos custos de arranque e garantindo a sua viabilidade económica

com o seu volume de compras.

507. Simultaneamente, a dimensão do retalhista, medida pelo seu peso no lado da

procura no mercado de aprovisionamento, pode diminuir o valor da OFC do

fornecedor. Mediante a capacidade que o fornecedor tenha de encontrar canais

alternativos, substituir um contrato de grandes dimensões pode requerer uma

redução significativa no preço e logo nos seus lucros. Na verdade, não é só um

problema de dimensão mas sim da estrutura da procura no mercado de

aprovisionamento. Por exemplo, um retalhista pequeno (em volume ou valor de

vendas122) mas monopolista pode ser mais difícil de substituir que um grande

retalhista que opere num mercado competitivo.

508. Por isso, o nível de concentração no lado da oferta do mercado de aquisição é um

factor fundamental: quanto menos concentrado for, mais fácil será para o

fornecedor encontrar canais alternativos. Logo, fornecedores com quotas de

mercado elevadas podem libertar-se do poder de compra dos retalhistas com

menores custos ou, alternativamente, os retalhistas têm menor poder de compra

junto destes fornecedores.

A2.4.2. Dependência económica

509. O conceito fundamental para a determinação de poder de compra é o grau de

dependência económica: “Um fornecedor será tanto mais dependente

economicamente de um comprador quanto menos puder correr o risco de o

perder como cliente e quanto mais este o puder dispensar enquanto fornecedor”.

Uma medida directa desse grau de dependência do fornecedor relativamente ao

retalhista, é a proporção das compras do retalhista nas vendas totais do

fornecedor. Além disso, como medida do efeito real do exercício de poder de

compra, é importante comparar a perda percentual nos lucros do fornecedor

relativamente à perda percentual do lucro do retalhista em caso de ruptura de

122 O que nos remete para a importância de considerar a “dimensão” de um determinado operador de

mercado no contexto do mercado relevante em que opera.

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contrato: o poder de negociação do retalhista será tanto maior quanto menor

(eventualmente nula) for a sua perda relativa.123

510. Na aplicação dos conceitos de poder de compra e dependência económica do

fornecedor relativamente a um retalhista devem se ter em conta como factores

agravantes: o grau de vulnerabilidade financeira do fornecedor; a sua capacidade

de reduzir a escala da sua produção na eventualidade de ruptura de contrato, ou

de encontrar alternativas equivalentes.

A2.4.3. Comercialização de marcas próprias

511. É comum assumir-se que quando um retalhista vende uma marca própria (ou

marca do distribuidor, MDD), o seu preço de aquisição iguala o custo marginal,

porque este ou encomenda a uma franja competitiva da indústria ou integra

verticalmente a sua actividade. Neste contexto, existem duas teorias que

explicam em que condições a venda de MDD confere aos retalhistas poder de

compra perante os fornecedores de marca124. A primeira, assume estruturas de

custos variáveis iguais (já que os produtos de marca têm custos fixos maiores

associados à promoção e publicidade), mas qualidades diferentes (Mills,

1995)125; a segunda assume que para a mesma qualidade os custos marginais

são superiores na produção da MDD (Bontems, Monier and Réquillart, 1999)126.

512. Na primeira teoria, as características físicas dos bens são idênticas mas a

percepção que os consumidores têm deles – qualidade subjectiva – é diferente.

Quando a qualidade da MDD é muito baixa, o retalhista não a introduz no

mercado porque ela é considerada como sendo um substituto fraco do produto de

marca. Neste caso, o retalhista não consegue através da sua MDD exercer poder

123 A determinação do benchmark a partir do qual se considera haver uma relação de dependência económica

constitui um problema para a aplicação desta definição como discutido em Pozdnakova, A. (2009) “Buyer Power in the Retail Sector: Evolving Latvian Regulation”, European Competition Law Review, 8: 387-392.

124 Bergés-Sennou, F., Bontems, P., and V. Réquillart (2004). “Economics of Private Labels: A Survey of the

Literature”, Journal of Agricultural and Food Industrial Organization, 2(1), article 3. 125 Mills, E. (1995) “Why Retailers Sell Private Labels”, Journal of Economics and Management Strategy, 4(3):

509-528. 126 Bontems, P., Sylvette, M., and V. Réquillart (1999) “Strategic Effects of Private Labels”, European Review

of Agricultural Economics, 26(2): 147-165.

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de compra sobre o fornecedor127. Se a qualidade está acima de um dado nível,

então o retalhista pode ameaçar, de uma forma credível, a introdução da MDD e,

assim, forçar o produtor a reduzir o seu preço. A redução será tanto maior quanto

maior for esse nível de qualidade. Acima de determinado nível de qualidade, o

fornecedor não consegue impedir a entrada da MDD e concorre directamente

fixando um preço cujo diferencial relativamente ao preço da MDD será tanto

menor quanto maior for a qualidade do produto de MDD, ainda que inferior à

qualidade do produto de marca. No limite, se os produtos são idênticos, o preço

do fornecedor igualará o custo marginal de produção da MDD e o lucro do

fornecedor será nulo128.

513. Na segunda teoria, assume-se que para a mesma qualidade os custos marginais

são superiores na produção da MDD. Se a qualidade do bem é fraca, o fornecedor

não consegue impedir a entrada da MDD a baixo custo. Se a qualidade da MDD

for bastante fraca e consequentemente o preço também for baixo, e se os

consumidores não tiverem dispostos a pagar o diferencial de preço para comprar

o produto de marca, estes podem, no limite, sair do mercado.

514. Regra geral, a entrada da MDD motiva uma redução no preço do produto de

marca que será tanto maior quanto maior a qualidade do MDD. Contudo, dada a

hipótese sobre a relação com os custos marginais, um aumento da qualidade da

MDD conduz a um aumento dos custos, que pode levar a um aumento do preço

do produto de marca. Para valores intermédios de qualidade da MDD, o

fornecedor fixa um preço que impede a entrada do produto, e que é crescente

com a qualidade. Acima de um certo patamar de qualidade, a MDD não é

suficientemente competitiva. Neste caso o preço do produto de marca não é

limitado pelo poder de compra do comprador.

515. Em qualquer dos casos, se a estratégia da MDD confere poder de compra ao

fornecedor, produzindo uma ruptura (temporária) no fornecimento do produto de

marca, parte das vendas deste serão capturadas pela MDD, aumentando por isso

o valor da OFC do retalhista.

127 Note-se que a estratégia dos “look-alike” pode, pelo menos durante algum tempo, favorecer a MDD,

mesmo sendo esta de qualidade inferior ao produto de marca. 128 Nesta teoria embora a qualidade subjectiva do produto seja um conceito definido pelo consumidor final, é

o retalhista que toma a decisão do nível de qualidade do produto que irá oferecer.

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516. A comercialização de marcas próprias pode aumentar substancialmente o poder

de compra do retalhista e, simultaneamente, gerar distorções significativas na

concorrência de três formas129: (i) através da capacidade que os grandes

distribuidores têm de explorar a sua dupla condição de compradores e

concorrentes dos produtos de marca; (ii) através de concorrência “desleal”

mediante o uso (abuso) de estratégias de “look-alike”; (iii) e através do potencial

de crescimento de marcas próprias para reduzir a concorrência entre retalhistas.

517. Relativamente à primeira forma, a grande distribuição tem a capacidade de

controlar as condições de acesso ao mercado dos produtos de marca

relativamente a variáveis tão importantes como: espaço de prateleira, preço no

consumidor, promoções etc., além de ter a capacidade de exigir informação sobre

as estratégias de marketing e planos de novos produtos de marca. O acesso a

esta informação pode ser usado para posicionar estrategicamente as MDD de

forma a se anteciparem a essas inovações.

518. Na segunda forma, a MDD pode induzir o consumidor em erro, ao pretender fazer

passar a ideia de que o produto é idêntico, é produzido pela mesma empresa ou é

de qualidade igual ao produto de marca. Isto distorce a concorrência entre

retalhistas e fornecedores, mas também pode afectar a concorrência entre

retalhistas (ver Dobson, 1998)130.

519. A terceira forma de distorção na concorrência deriva do facto da MDD poder,

eventualmente, reduzir a capacidade dos consumidores compararem as ofertas de

diferentes retalhistas, contribuindo assim para uma limitação da concorrência via

preços entre diferentes retalhistas. Esta análise assenta no pressuposto que só os

produtos de marca podem ser directamente comparáveis, já que a MDD produz

algum grau de diferenciação no produto. Contudo, apesar da existência dessas

diferenças, regra geral os consumidores têm a capacidade de comparar MDD de

diferentes retalhistas com base nos preços e, após aquisição, com base na

qualidade.

129 “Working paper on the competitive effects of own-label goods” da CC do RU (http://www.competition-

commission.org.uk/Inquiries/ref2006/grocery/pdf/working_paper_own_label.pdf). 130 Dobson, P. (1998) “The Competition Effects of Look-alike Products”, University of Nottingham.

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A2.5. Consequências do poder de compra: Análise do

bem-estar

A2.5.1. Consequências do monopsónio

520. A análise do impacto sobre o bem-estar do poder de compra deve ter em conta

que, embora exercido nos mercados a montante, afecta também o equilíbrio dos

mercados a jusante no que respeita a preços e quantidades.

521. Considere-se, primeiro, os efeitos do monopsónio, em que o comprador enfrenta

um mercado competitivo. Neste caso simples, o poder de compra é exercido

mediante restrição da quantidade procurada produzindo uma redução no preço.

Como consequência, existe uma transferência de bem-estar do vendedor para o

comprador, mas uma perda líquida de bem-estar (equivalente ao do monopólio)

associado à redução da quantidade transaccionada. Esta perda de eficiência,

verifica-se independentemente da estrutura competitiva do mercado a jusante

enfrentada pelo monopsonista.

522. Existem, por isso, três razões porque o monopsónio é ineficiente: (i) se a oferta

não for perfeitamente elástica o nível de produção é muito baixo em relação ao

regime competitivo; (ii) pode assistir-se a uma utilização ineficiente de substitutos

imperfeitos; (iii) se o bem em monopsónio, enquanto input, não tiver substitutos,

os produtos que o utilizam serão também produzidos em quantidades inferiores

relativamente à situação de não monopsónio e, por isso, vendidos a um preço

mais elevado.

523. A perda de eficiência associada à perda líquida de bem-estar pode ser mitigada,

ou até anulada, se as partes acordarem na adopção de um esquema de fixação de

preço não linear, de modo a capturar o bem-estar social perdido.

524. Desde que a curva de oferta seja crescente e as transacções sejam baseadas num

preço único (fixação de preço linear), os resultados anteriores podem ser

extensíveis a um mercado oligopsonista, onde um número reduzido de grandes

compradores exerce poder de compra sobre um grupo de vendedores

competitivos. Nesta estrutura de mercado, o exercício de poder de compra requer

que se verifiquem três condições: (i) os compradores contribuírem, de forma

substancial, para as compras no sector; (ii) a existência de barreiras à entrada de

novos compradores; (iii) e as curvas de oferta serem crescentes. Esta última

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hipótese é necessária para a existência de perda líquida de bem-estar tal como no

caso de um monopsónio.

525. Nesta situação, os consumidores finais beneficiam de um aumento de bem-estar

desde que a redução obtida no preço (assumindo que existe pass-through) mais

do que compense a redução na quantidade vendida. Além disso, o efeito líquido

global deve ter em conta não só a transferência de renda dos fornecedores para

os compradores, mas também uma perda de eficiência devido à redução da

procura dos fornecedores noutros mercados.

526. Por fim, nada garante que o exercício de poder de compra do monopsonista se

repercuta, favoravelmente, sobre o bem-estar do consumidor.

A2.5.2. Consequências do contrapoder da procura

527. As análises de Ungern-Sternberg131 e de Dobson & Waterson132 sobre os efeitos

do contrapoder da procura (countervailing power), são motivadas pela tendência

verificada para a concentração dos mercados de venda a retalho e o surgimento

de poderosos retalhistas. Ambos concluem que o aumento da concentração no

retalho não conduz, necessariamente, a uma diminuição dos preços mas pode,

sob certas condições, levar a uma subida dos mesmos.

528. O primeiro mostra que quando no mercado se encontram um produtor

monopolista e um grupo de retalhistas oligopolistas que oferecem os mesmos

serviços e concorrem à Cournot, uma diminuição do número de retalhistas conduz

a um aumento nos preços de equilíbrio. Estes só descerão se aquela diminuição se

der num contexto em que o lado da procura do mercado de aprovisionamento é

competitivo. Os segundos consideram um mercado com a mesma estrutura, mas

em que os serviços prestados pelos retalhistas são substitutos imperfeitos. Neste

contexto, os preços no consumidor descem com a redução do número de

retalhistas, apenas se os seus serviços forem substitutos.

529. Em ambos os argumentos, é evidente o conflito entre as duas forças geradas pelo

processo de consolidação no retalho. Com a redução do número de retalhistas

131 Von Ungern-Sternberg, T. (1996). “Countervailing Power Revisited”, International Journal of Industrial

Organization, 14: 507-520. 132 Dobson, P. and M. Waterson (1997) “Countervailling Power and Consumer Prices”, Economic Journal, 107:

418-430.

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imposta pela consolidação, os sobreviventes ganham poder de compra sobre os

fornecedores, o que tende a reduzir os preços grossistas, mas ganham poder de

mercado sobre os seus clientes, e por isso capacidade para aumentar as suas

margens. O efeito total dependerá do nível de concorrência na oferta do mercado

a retalho. Em qualquer dos casos e nesta perspectiva, o contrapoder da procura,

tem sempre o efeito positivo de melhorar a eficiência económica ao exercer uma

pressão para a redução dos preços grossistas. Resta saber em que condições é

que existe pass-through para o consumidor e até que nível ele ocorre.

530. Em outros contextos Chen (2003)133 mostra que contrapoder não melhora

necessariamente a eficiência. Numa situação em que o fornecedor monopolista

enfrenta uma procura composta por um retalhista dominante e uma “franja

competitiva”, um aumento do poder de compra do retalhista dominante tende a

reduzir o preço pago pelos consumidores. Esta redução pode porém, ocorrer às

custas de uma perda de eficiência no aprovisionamento dos serviços de retalho, já

que os demais retalhistas competitivos terão de baixar as quantidades adquiridas

para fazer face ao preço mais baixo. Como consequência, a quantidade total

aprovisionada no retalho poderá baixar conduzindo a um resultado ineficiente.

Além disso, se o exercício de poder de compra não está relacionado com uma

maior eficiência a jusante, a redistribuição da quota de mercado no retalho é

artificial e, por isso, introduz uma distorção nesses mercados.

531. Se na situação anterior o retalhista dominante tem dimensão nacional e os

restantes têm uma dimensão local, perante o aumento do poder de compra o

fornecedor pode aumentar os preços aos retalhistas locais e, neste caso, o

countervailling power melhora o bem-estar de uns consumidores mas piora o de

outros (Erutku, 2005)134.

532. Uma outra situação em que existe poder de mercado dos dois lados sucede

quando um monopsonista enfrenta fornecedores com uma estratégia de

diferenciação de produto. Na ausência de exercício de poder de compra, cada

fornecedor vende ao preço que iguala o custo médio de longo prazo. Quando o

monopsonista impõe o seu poder de compra, oferecendo ao fornecedor um preço

inferior ao por ele fixado mas ainda superior ao custo marginal, estes aceitarão o

133 Chen, Z. (2003). “Dominant Retailers and Countervailing Power Hypothesis”. RAND Journal of Economics,

34: 612-625. 134 Erutku, C. (2005). “Buying Power and Strategic interactions”. Canadian Journal of Economics. 38: 1160-

1172.

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proposto e, a concorrência entre eles encarregar-se-á de igualar o preço ao custo

marginal. Como resultado, o monopsonista consegue extrair as quase-rendas dos

fornecedores. No longo prazo, este resultado pode forçar alguns fornecedores a

sair do mercado, conduzindo a uma bilateralização do mesmo e,

subsequentemente, a uma inversão nos termos de troca já que os sobreviventes

têm agora mais poder de mercado e paralelamente a OFC do retalhista baixa.

Além disso, neste caso a eventual descida do preço no retalho tem, como

consequência uma redução na variedade de produtos e, por isso, o resultado

sobre o bem-estar líquido do consumidor é, assim, ambíguo.

A2.5.3. Agrupamentos de compras e/ou de negociação

533. Quais os incentivos para formar um grupo ou central de compras e/ou de

negociação (GC)135 Um primeiro argumento, afirma que os GC se formam como

resposta às ineficiências geradas pelos mercados de aprovisionamento

monopolistas, que produzem um número significativo de produtos que são

vendidos a preços excessivamente elevados. Este resultado de mercado é

suficiente para incentivar os compradores a colectivamente oferecerem contractos

de exclusividade a um subconjunto de fornecedores, em troca de preços mais

baixos. Enquanto que os compradores no GC e os consumidores finais que deles e

abastecem sairão beneficiados, os compradores fora do GC podem enfrentar

preços mais elevados e menos fornecedores em virtude dos contractos de

exclusividade, tendo como consequência a perda de bem-estar dos seus

consumidores.

534. De acordo com Dana (2003)136, os GC podem criar poder de compra ao

anunciarem comprar apenas ao fornecedor que oferecer o preço mais baixo,

induzindo um nível de concorrência mais elevado entre os fornecedores. Se

houver algum grau de diferenciação nos produtos dos diversos fornecedores,

embora alguns membros do grupo possam acabar por adquirir o produto que

valorizam menos, o benefício esperado da redução de preço supera a perda

associada à aquisição do produto errado.

135 Se o único objectivo do Grupo de Compras (GC) é obter poder de compra então toda a análise anterior é

aplicável neste contexto. 136 Dana, (2003). “Buyer Group as Strategic Commitments”. Mimeo. Northwest University, EUA.

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535. Finalmente, os GC podem surgir como o resultado de economias de escala na

tecnologia de distribuição do fornecedor, que torna mais vantajoso agregar as

compras de vários clientes. Neste contexto ele pode oferecer descontos de

quantidade, de forma a encorajar encomendas de maior dimensão, criando,

assim, um incentivo para os pequenos compradores juntarem as suas

encomendas.

536. Do ponto de vista da concorrência, os GC levantam outro tipo de questões para

além do exercício de poder de compra. A sua constituição pode criar um ambiente

propício para que as negociações sobre os preços de aquisição se estendam,

também, numa prática colusiva, às quantidades adquiridas por cada um dos

membros, com o intuito de condicionar a oferta total nos mercados a jusante.

Mesmo se essa prática não decorre de forma explícita, com os GC estão criadas as

condições para que se observe uma colusão tácita dado que, neste caso, os

concorrentes têm custos idênticos. Isto é tanto mais grave, quanto maior a quota

detida pelos GCs no mercado a jusante.

A2.5.4. Poder de compra e “Waterbed Effect”

537. Quando o poder de compra é exercido como countervailing power pode, em

muitas circunstâncias, ter como consequência um aumento do bem-estar do

consumidor, desde que o retalhista faça o pass-through pelo menos parcial dos

ganhos. Interessa, contudo, questionar se o aumento de poder de compra de

certos retalhistas pode prejudicar a concorrência de tal forma que no final os

consumidores sejam prejudicados. O que está em causa é a necessidade de se ter

em conta ambas as dimensões vertical e horizontal do exercício de poder de

compra sobre os fornecedores.

538. Interessa por isso definir o conceito de poder de compra diferencial (“Differential

Buyer Power” ou DBP), em que à melhoria nos termos de troca de uns retalhistas

com poder de compra está associada a perda nos termos de troca de retalhistas

com menor capacidade de negociação, produzindo uma redução na concorrência

dos mercados a jusante que pode, no limite, prejudicar o conjunto dos

consumidores em termos líquidos. A este potencial efeito colateral do exercício de

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poder de compra de um retalhista sobre os seus concorrentes, denomina-se

waterbed effect (WBE)137.

539. O potencial WBE induzido pelo exercício de poder de compra por parte de um

retalhista é, cada vez mais, um motivo de preocupação, por induzir um efeito em

espiral em que os retalhistas mais fracos, ao verem os seus preços de aquisição

aumentarem e as suas quotas e margens diminuírem, são no limite forçados a

sair do mercado contribuindo, simultaneamente, para um reforço do poder de

compra dos grandes retalhistas. Além disso, nesse processo, se o WBE for

suficientemente forte, pode mesmo no curto prazo prejudicar alguns

consumidores via aumento dos preços de alguns retalhistas.

A2.6. Teorias de “Waterbed Effect”

A2.6.1. “Waterbed Effect” induzido pela reacção do fornecedor

540. Quando um retalhista exerce poder de mercado sobre um fornecedor, extraindo

termos de compra mais vantajosos e reduzindo, por isso, o lucro do fornecedor,

este pode reagir oferecendo termos de venda menos favoráveis aos restantes, de

forma a compensar as perdas e recuperar os lucros perdidos. Existem várias

reservas relativamente a esta teoria: por um lado, este mecanismo pressupõe que

o fornecedor tem capacidade de em qualquer momento discriminar entre

compradores, o que não é inteiramente óbvio; e por outro lado, não é racional

supor que um fornecedor que maximiza o lucro só a posteriori, e sem nenhuma

alteração nas quantidades transaccionadas, exerce a sua capacidade de impor um

preço mais elevado aos clientes sem poder de compra. É questionável que o facto

de ter de conceder termos de compra mais vantajosos a um fornecedor, lhe

confira capacidade para extrair vantagem sobre os outros retalhistas.

541. Contudo embora de difícil racionalização, este tipo de efeito pode ocorrer se o

fornecedor tiver uma visão “limitada” e concentrada apenas no curto prazo,

preocupando-se apenas em obter uma determinada margem ou em cobrir os

custos fixos. Esta interpretação é suportada por evidência empírica.

137 A presença de um WBE deveria conduzir à existência de uma correlação negativa entre os termos de troca

dos retalhistas com poder de compra e os termos de troca dos restantes, o que sugere uma forma quantitativa de detectar a sua presença após a determinação de uma medida para o “termo de troca”.

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542. Nas duas teorias que em seguida se apresentam, o WBE resulta da interacção dos

efeitos do exercício de poder de compra nos mercados a montante e a jusante,

tendo por isso em conta o impacto das relações verticais entre fornecedores e

distribuidores na estrutura dos mercados. Em ambas as teorias o mecanismo é tal

que os distribuidores com poder de compra crescem em detrimento dos menos

poderosos.

A2.6.2. “Waterbed Effect” induzido pelo ajustamento da oferta nos

mercados a montante

543. A primeira teoria resulta de um processo de ajustamento na estrutura dos

mercados a montante. O WBE está associado ao surgimento de um retalhista mais

poderoso que, ao exercer o seu poder de compra, impõe descontos sobre os

fornecedores, causando uma consolidação do mercado a montante que tenderá,

com o passar do tempo, a assumir uma estrutura oligopolista.

544. O que despoleta o WBE é o surgimento de retalhistas poderosos, associados a um

movimento de consolidação e concentração do sector do retalho, cujo maior poder

de compra exerce pressão sobre as margens dos fornecedores. Quantos mais

fornecedores existirem num mercado competitivo (ou com pouca diferenciação) e

com capacidade para aumentarem a sua produção em reacção a uma maior

procura, maior a OFC dos retalhistas com poder de compra.

545. O exercício constante deste poder de compra, conduz a um processo de

consolidação no mercado a montante, via saída da indústria, fusões e restrições à

entrada, que tem como consequência a sobrevivência de apenas alguns

fornecedores138. Os sobreviventes, que agora coabitam num mercado

predominantemente oligopolista, com um grau crescente de diferenciação do

produto, e por isso menos competitivo, vêem restaurados os seus níveis de

rentabilidade com quotas de mercado mais elevadas.

546. Como consequência da nova estrutura de mercado, os retalhistas têm agora uma

menor capacidade de exercer poder de compra. Por outro lado, mais diferenciação

e eventualmente menos capacidade produtiva permite aos fornecedores

138 O processo de consolidação será tanto mais rápido quanto maior o nível de concorrência a montante, em

resultado das reduzidas rendas que existem nesse lado do mercado.

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aumentarem os preços. Como resultado, a consolidação do mercado a montante

tende a reduzir o valor da OFC do comprador.

547. O resultado final sobre os termos de compra dos retalhistas depende da sua

dimensão. Os mais pequenos, que em momento algum tiveram poder de compra

sobre os fornecedores, verão os seus termos de compra deteriorados. De facto,

todos os compradores no mercado a montante mais consolidado serão

negativamente afectados – este é um resultado específico desta teoria. Contudo,

a menos que o efeito de consolidação a montante seja desproporcionado, o

aumento de poder de compra dos retalhistas de maior dimensão, que

desencadeou a consolidação do mercado a montante, deveria garantir no final

uma melhoria nas suas condições de compra.

548. O impacto imediato do exercício de poder de compra recai sobre os produtores.

De acordo com Dobson et al. (2001, cit.) a concorrência ao nível da produção

pode ser distorcida. Os pequenos produtores, ao não conseguirem resistir à

redução nos preços impostas pelo poder de compra dos distribuidores, terão de

sair do mercado e apenas os mais eficientes sobreviverão. Contudo, no longo-

prazo até a viabilidade dos produtores eficientes será posta em causa, já que o

poder de compra tenderá a fixar os preços ao nível dos custos marginais,

impossibilitando-os de recuperar os seus custos fixos. Neste contexto, mesmo os

grandes produtores, podem deixar de investir e inovar os seus produtos.

A2.6.3. “Waterbed Effect” como resultado da interacção entre poder

de compra e poder de venda

549. A segunda teoria assenta no argumento de como alterações nas vendas a retalho

criam e ampliam DBP, e como nesse processo os retalhistas mais pequenos são

colocados em desvantagem competitiva em relação aos retalhistas maiores. Nesta

teoria o processo que origina o WBE é mais rápido.

550. O WBE neste caso é desencadeado, por exemplo, por uma fusão, ou qualquer

outro evento que conduz ao aumento na quota de mercado de um retalhista mas,

pelo menos, parcialmente, em detrimento das quotas de mercado dos restantes

retalhistas.

551. O mecanismo de WBE resulta de a conquista de maior quota de mercado conferir

ao retalhista maior ainda mais poder de compra permitindo-lhe, por isso, negociar

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melhores termos de troca que serão, pelo menos parcialmente, passados aos seus

clientes. Simultaneamente, a perda de quota dos retalhistas mais pequenos,

agora com um menor volume de compras, diminui o seu poder de negociação

perante os fornecedores, resultando em novos termos de compra ainda menos

vantajosos. Enquanto um retalhista consegue obter condições de venda cada vez

mais vantajosas, outros verão os seus preços cada vez menos competitivos. É

neste ciclo vicioso que consiste o WBE.

552. Nesse contexto o WBE reside na interacção do poder de compra com SP desde

que haja pass-through para o consumidor. Os dois tipos principais de WBE

considerado não são mutuamente exclusivos e podem reforçar-se e ampliar-se um

ao outro. Se existe um WBE motivado pelo ajustamento no mercado a montante

que deteriora o valor da OFC dos compradores na negociação com os

fornecedores, então, este efeito de natureza dinâmica tende a reforçar e ampliar o

efeito mais imediato estático que, opera mediante a deslocação do volume de

vendas e logo de encomendas dos retalhistas mais fracos para os mais poderosos.

A2.6.4. Factores que determinam a dimensão do “Waterbed Effect”

553. Como, de acordo com a segunda teoria, o WBE resulta de ambos os tipos de

retalhistas obterem preços (e descontos) relacionados com o volume das suas

compras, o efeito será tanto maior quanto maior for a relação entre essas duas

variáveis, já que quanto maior for a relação, pior serão as condições de aquisição

dos retalhistas que perdem quota de mercado.

554. Quanto maior a diferença entre os preços grossistas nos diferentes retalhistas

maior o WBE. Esta observação está relacionada com a capacidade do fornecedor

discriminar os preços, ou seja, com o seu poder de mercado. Quanto maior for

esse poder, mais capacidade terá para infligir uma deterioração nos termos de

compra de um retalhista, associada a uma redução no volume de compras.

555. A dimensão do efeito depende também da sobreposição das áreas de influência

dos retalhistas em causa. O WBE é tanto maior quanto mais um retalhista crescer

à custa dos outros. Por isso uma condição para que esse efeito se faça sentir, e

tenha uma magnitude considerável, é que a áreas de influência dos retalhistas

sejam sobrepostas. Se existir bastante sobreposição então a transferência de

quota de mercado será maior potenciando por isso o WBE.

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A2.6.5. Anti-“Waterbed Effect”

556. A obtenção de melhor condições de compra por parte de um retalhista, pode

originar um “me-too-effect” em que os restantes fornecedores exigiriam que

também lhes fosse concedido o mesmo desconto. Neste caso teríamos um anti-

WBE. Este só ocorre se a concessão do desconto for tornada pública, e apenas

para os retalhistas que têm uma capacidade negocial idêntica. Para os restantes,

o WBE prevalece. Isto significa que o WBE é um fenómeno associado a estruturas

de mercado assimétricas, e que num mercado a retalho oligopolista, WBE são

menos prováveis de ocorrer do que quando existe um retalhista dominante que

enfrenta uma franja competitiva.

557. Outro tipo de anti-WBE pode ocorrer se os fornecedores decidirem conceder

descontos aos retalhistas mais fracos de modo a “keep-them-in-business”. Os

fornecedores podem achar vantajoso garantir a competitividade dos pequenos,

como forma de evitar a perda de canais alternativos, e consequentemente

garantir algum poder negocial através da preservação da sua OFC.

A2.6.6. Implicações para a política de concorrência

558. Em qualquer dos casos, como consequência do WBE, os retalhistas mais fracos

verão a sua posição competitiva mais afectada. Interessa, por isso, analisar as

consequências sobre o bem-estar do consumidor e o bem-estar social da

ocorrência de tais efeitos.

559. Em resultado da asfixia competitiva imposta pelos retalhistas que exercem poder

de compra sobre o fornecedor, os pequenos retalhistas podem optar por sair do

mercado, reduzir ainda mais a sua dimensão, ou adaptar a sua oferta de forma a

evitar competir directamente com os rivais mais poderosos.

560. Como consequência, embora no curto prazo os preços possam baixar em virtude

da pressão competitiva dos retalhistas maiores, no longo prazo pode haver uma

subida nos preços, em virtude da nova estrutura de mercado oligopolista ou até

(localmente) monopolista. Por isso, nada impede que a redução de preços que

levou ao processo de consolidação possa ser, de tal forma invertida que no final

os preços são mais elevados.

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561. Adicionalmente, se a capacidade competitiva estiver condicionada pela

possibilidade de usufruir descontos significativos junto dos fornecedores, os

efeitos de um WBE podem funcionar como uma barreira à entrada de novos

retalhistas no mercado, a menos que estes o façam a uma escala suficientemente

grande, que lhes permita usufruir das mesmas condições de compra por parte dos

fornecedores. Como consequência o WBE pode contribuir para a monopolização

(pelo menos a nível local) da actividade do retalho.

562. Se o WBE é suficientemente forte, mesmo no curto prazo os consumidores (em

média) podem ser prejudicados. Em resposta à descida nos preços dos grandes

retalhistas, os restantes retalhistas, têm duas alternativas como resposta ao WBE:

ou fazem “pass-through” para os seus clientes reflectindo o aumento dos custos

sobre os seus preços, ou cedem à pressão competitiva e acompanham a sua

diminuição. Quanto maior a magnitude do WBE maior a probabilidade dos preços

dos retalhistas pequenos subirem, não sendo de excluir a hipótese desse aumento

superar a descida nos preços do retalho dos compradores maiores, produzindo

uma perda para o consumidor médio no curto prazo139.

A2.7. Poder de compra e afectação eficiente

563. Chen (2003) refere que o exercício de countervalling power pode, em algumas

circunstâncias, produzir um equilíbrio de mercado ineficiente. O argumento é

simples: se o exercício de poder de compra cria assimetrias entre compradores

que não são justificadas por diferenças nos custos, a deslocação de quota de

mercado de retalhistas sem poder de compra para retalhistas com poder de

compra conduz a uma afectação ineficiente. Contudo, este argumento também se

aplica no sentido inverso. Se a capacidade de obter poder de compra por parte

dos grandes retalhistas advêm de maiores níveis de eficiência, então o exercício

de poder de compra, ao permitir a apropriação de quota de mercado aos

retalhistas mais pequenos, contribui para aumentar o nível de eficiência do

mercado a jusante.

564. O WBE pode ainda ter consequências negativas sobre o funcionamento eficiente

do mercado de venda a retalho: primeiro, descontos concedidos a alguns

139 Este efeito tem subjacente a existência de um grupo de consumidores sem acesso (fácil) aos grandes

retalhistas, estando dependentes dos que enfrentam o WBE.

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compradores que não estão relacionados com os custos podem conduzir a

distorções na afectação de recursos; segundo, na medida em que a consolidação

do retalho é induzida pelo exercício de poder de compra associado ao aumento do

volume de compras num dado fornecedor, este processo pode gerar uma redução

na variedade oferecida; terceiro, as decisões de investimento dos retalhistas

podem, por um lado, ser adiadas devido à redução na concorrência ou ser

objectivamente direccionadas para diminuir a quota de mercado e o crescimento

dos rivais, provocando um WBE140.

565. Por outro lado o acréscimo na disciplina concorrencial é sempre um incentivo para

os retalhistas aumentarem os seus níveis de eficiência ou, alternativamente,

venderem as suas actividades a retalhistas mais eficientes.

566. Do ponto de vista do consumidor, a saída de mercado de pequenos retalhistas

provocada pelo WBE, pode obrigar os consumidores a deslocações maiores141. Por

outro lado, se retalhistas com poder de compra entram em novos mercados

forçando os incumbentes a reduzir o espectro de produtos oferecidos, ou mesmo a

sua retirada do mercado, fica por determinar qual o impacto final sobre o bem-

estar do consumidor.

567. Quando o retalhista com poder de compra também tem poder de mercado a

jusante, este contrapoder de compra (“countervailling buyer power”) é susceptível

de criar problemas de concorrência porque: (i) o exercício de poder de compra

pode, em certas condições, causar dano para o consumidor já que, na ausência de

concorrência no mercado a jusante não existem incentivos para que os ganhos

sejam passados para os consumidores, e em caso de monopsónio gera uma perda

líquida de bem-estar para a economia; e (ii) o retalhista pode abusar da sua

posição dominante conferida pelo poder de compra, impondo ao fornecedor a

prática de termos de troca menos vantajosos aos seus concorrentes (cf. Chen,

2007, p. 36).

568. Por outro lado, se o retalhista enfrenta um nível de concorrência elevado no

mercado a jusante, o poder de compra por parte de uma grande retalhista

140 Os retalhistas poderosos, podem exercer o seu poder de compra de formas não legais, nomeadamente,

condicionando os termos de venda que os fornecedores impõem aos demais retalhistas. 141 Na verdade, os pequenos retalhistas fecham porque os consumidores já se estão a deslocar.

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permite obter preços mais baixos, mas a concorrência a jusante força o retalhista

a passar uma parte dessa poupança para os consumidores (Chen, 2007)142.

A2.8. Poder de compra e efeitos dinâmicos

569. Até agora, o efeito do exercício de poder de compra em geral e de countervailling

power em particular tem incidido, prioritariamente, sobre os preços. Interessa

analisar qual o impacto do poder de compra sobre variáveis de longo prazo, como

diversidade de produtos, investimento e inovação. Por exemplo, Chen (2004)143

chega ao resultado de que, embora o exercício de countervailling power possa,

como esperado reduzir, os preços a jusante pode, por outro lado, causar uma

redução na variedade dos produtos nos mercados a jusante tal que, a perda de

bem-estar dos consumidores daí decorrente pode ser suficientemente grande de

modo a gerar um bem-estar agregado (que tem em conta o efeito da redução de

preços e da redução da variedade nos produtos) mais baixo.

570. Por outro lado, Inderst and Wey (2005)144 afirmam que o exercício de poder de

compra pode aumentar a eficiência do fornecedor (produtor). De facto, de acordo

com a teoria de negociação bilateral que serve de suporte à análise das relações

entre fornecedores e distribuidores, o que confere poder negocial a cada uma das

partes é a OFC. Por isso, o fornecedor tem incentivos em realizar investimentos

que conduzam a inovações e/ou reduções nos custos dos seus produtos, que

causam uma perda de poder de negociação do comprador com poder de compra

em relação aos seus concorrentes, reduzindo por isso a sua OFC.

571. Regra geral, na ausência de um acordo contratual entre fornecedores e

compradores que vise partilhar as despesas em investimento e inovação do

produto, são os primeiros que suportam estas despesas, na expectativa de que

serão rentabilizadas aquando das negociações com os segundos. Isto sugere que

se os compradores têm poder de compra e, por isso, capacidade para se

142 Chen (2007). “Buyer Power: Economic Theory and Antitrust Policy”, Research in Law and Economics, 22:

17-40. 143 Chen (2004). “Monopoly and Product Diversity: The Role of Retailer Countervailing Power”. Carleton

Economic Papers 04-19. Carleton University. 144 Inderst, R., and C. Wey (2005). “How Strong Buyers Spur Upstream Innovation”. Mimeo. London School

of Economics.

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apropriarem de uma parcela importante dos lucros futuros, então o fornecedor

pode não ter incentivos suficientes para inovar e/ou investir.

572. A existência destas dificuldades contratuais, não significa que os incentivos para

inovar ou investir sejam reduzidos. Eles dependem não do nível absoluto dos

lucros, mas dos lucros incrementais que são gerados com o investimento e estes

não são, necessariamente, mais baixos se existirem compradores com poder de

compra (Inderst and Mazzarotto, 2006)145.

573. O investimento e inovação podem ser uma “arma” importante que possibilita abrir

canais alternativos e assim reduzir o nível de dependência económica. Além disso,

ao tornar o seu produto mais atractivo ou o seu processo produtivo mais eficiente,

o fornecedor diminui o valor da OFC do retalhista, ao poder ameaçar fornecer

apenas os seus concorrentes.

574. Para aferir do impacto do poder de compra sobre a capacidade de investimento e

inovação, interessa distinguir entre investimentos incrementais e inovação em

produtos já existentes, de investimentos não incrementais tais como decisões de

entrar em novos mercados ou fornecer um produto novo. No primeiro caso, que o

poder de compra funciona como um incentivo, enquanto que no segundo caso,

considerações sobre o valor absoluto dos lucros futuros são os factores

relevantes.

575. Outra questão prende-se com a origem do poder de compra. Se o poder de

compra tem origem na exploração de marcas próprias por parte dos retalhistas,

então os fornecedores de marca têm um incentivo muito forte a investir e inovar

de modo a diferenciar suficientemente os seus produtos e assim garantir algum

poder de negociação junto dos retalhistas. De facto, relativamente a uma situação

em que só existem produtos de marca, a introdução de marcas próprias produz

uma concorrência vertical forte entre as empresas a jusante e a montante, sobre

a capacidade de inovação, de marketing, de produção etc., na cadeia da oferta e

nas margens associadas.

145 Inders, R. and N. Mazzarotto (2006) “Buyer Power in Distribution”. Issues in Competition Law and Policy.

Capitulo XX.

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A2.9. Poder de compra e política de concorrência

576. Só recentemente é que o fenómeno do exercício de poder de compra tem

despertado o interesse da teoria económica. O problema de poder de compra no

contexto da política de concorrência tem sido considerado de menor importância

relativamente às preocupações com o abuso de “seller power” e seus efeitos sobre

o bem-estar social. Contudo recentemente, a questão do exercício de poder de

compra e os seus potenciais efeitos nocivos para o bem-estar social, tem

levantado várias outras questões relativas à interpretação da aplicação da política

de concorrência.

577. A política de concorrência tem como principal enfoque a maximização do bem-

estar do consumidor. Restrições à concorrência do lado da procura a montante

não têm merecido tanta atenção como do lado da oferta a jusante, porque nem

sempre têm um efeito negativo no consumidor final.

578. Contudo recentemente, tem-se assistido ao surgimento de um novo paradigma da

política de concorrência que tende a dar mais enfoque às relações entre

fornecedores e retalhistas em geral e à forma como estes exercem o seu poder de

compra sobre aqueles. A tal não é alheio o facto de que, muitas vezes, o poder de

compra estar associado e reforçar o poder de venda (SP), permitindo aprofundar

posições dominantes que poderão ser prejudiciais para o consumidor.

579. O próprio conceito de bem-estar do consumidor pode ser entendido numa

perspectiva mais ampla do que a associada ao consumidor final no mercado a

jusante, para representar o bem-estar agregado de longo prazo146.

580. De acordo com Warwick and Murray (2009) a excessiva concentração da

actividade do retalho a que o fenómeno de poder de compra está associado, tem

suscitado um novo debate sobre a aplicação da política de concorrência. Por

exemplo, o caso Tesco, em que a CC impôs um remédio que limitava a

capacidade de expansão das lojas daquela insígnia, subsequentemente anulado

pelo Competition Appeal Tribunal (CAT) em virtude de poder ter efeitos nefastos

sobre os consumidores, vem sublinhar a importância de ponderar os efeitos de

longo prazo sobre o bem-estar e os eventuais problemas estruturais causados

146 Esta discussão foi levantada pelo Supremo Tribunal de Justiça na sua decisão no caso Weyerhaeuser Co.

V. Ross-Simmons hrdwood Lumber Co. Inc. 127 S. Ct. 1069 (2007); cf. Werden, monpsony and the Sherman Act: Consumer Welfare in a New light (http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm ?abstract_id=975992) sobre a análise do poder de compra nos termos da lei Antitrust norte americana.

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pela excessiva concentração do sector do retalho, que não têm origem nos

comportamentos anti-competitivos previstos no artigo 101 do TFUE nem podem

ser atribuídos a condutas de abuso de posição dominante descritas no artigo 102

do TFUE.

581. A questão das restrições verticais e outras obrigações contratuais impostas aos

fornecedores pelo poder de compra dos grandes distribuidores têm sido objecto

de (re)análise por parte das autoridades nacionais da concorrência e pela CE.

582. Por exemplo, Competition Commission do Reino Unido elaborou um código de

conduta – “Groceries Supply Code of Practice” (GSCOP), com o objectivo de

promover a eliminação de certas práticas relacionadas com: negociação justa;

alterações retrospectivas de condições; preços e pagamentos; promoções; etc.

Como exemplo de uma prática abrangida por este código, um retalhista não pode,

directa ou indirectamente, exigir que um fornecedor financie os custos de uma

promoção; um retalhista não pode, excepto em certas condições pré-definidas,

directa ou indirectamente exigir a um fornecedor que faça qualquer tipo de

pagamento como condição para que os seus produtos sejam expostos, etc.

583. Alguns países, nos quais se inclui Portugal (Decreto-Lei nº370/93, de 29 de

Outubro), têm legislação que visa proteger os fornecedores de certas práticas

negociais abusivas. São os casos de por exemplo a França e a Alemanha. Contudo

a aplicabilidade destas disposições, “esbarra” com a dificuldade de se provarem as

práticas em causa e com a ausência de denúncias por parte dos fornecedores que

têm receio de represálias que possam sofrer.

A2.9.1. Definição do mercado relevante

584. A análise de um caso de antitrust é constituída por pelo menos três partes:

definição do(s) mercado(s) relevante(s), determinação de poder de mercado em

cada um deles, e verificação dos efeitos anti-competitivos.

585. Um caso de poder de compra requer uma análise em dois níveis da cadeia

vertical: Por um lado, a definição do(s) mercado(s) a jusante, que pode ser

efectuada da forma convencional usando o teste do monopolista hipotético, já que

um retalhista é um vendedor no mercado a jusante. Por outro, a definição do(s)

mercado(s) a montante onde se exerce o poder de compra tem de ser efectuada

do lado do comprador e não do lado do vendedor, mas é definida simetricamente:

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O mercado relevante é definido como o grupo mais reduzido de produtos e a área

geográfica mais pequena na qual um único hipotético comprador (monopsonista)

imporia e sustentaria uma redução significativa e não transitória do preço abaixo

do seu nível normal (interpretado como o nível de preço competitivo). No fundo é

o mercado com menor dimensão, em área e em termos de produtos incluídos,

onde o retalhista consegue exercer o seu poder de compra.

586. Do lado do comprador aquela definição suporta-se no conceito de substituibilidade

do lado do vendedor, ou seja, na capacidade que o vendedor tem de encontrar

compradores alternativos. Interessa por isso considerar os factores que

determinam os custos de “switching” para o fornecimento de outros clientes.

A2.9.2. Conceito de posição dominante: Visão tradicional

587. O critério fundamental que permite a um comprador exercer poder de compra não

é apenas a sua dimensão relativamente aos seus fornecedores, mas também se

ele enfrenta concorrência efectiva, actual ou potencial, na aquisição dos produtos

do fornecedor. Por isso, para quantificar o poder de um fornecedor deve recorrer-

se ao cálculo da quota do retalhista no(s) mercado(s) a montante tendo em conta

as vendas para todos os compradores nesse mercado relevante, e não apenas

aqueles compradores que concorrem com o retalhista no mercado a jusante.

588. Uma quota elevada não é condição suficiente nem necessária para a existência de

poder de compra. Há que ter em conta a existência de barreiras à entrada no lado

da compra no mercado a montante. Se estas existirem o retalhista incumbente,

mesmo não tendo uma quota muito elevada, terá de se preocupar menos com a

OFC dos seus fornecedores.

589. Contudo em dois casos envolvendo o retalho alimentar, Carrefour/Promodes (cit.)

e REWE/ADEGK147, a Comissão usou o critério de dimensão relativa para aferir da

posição dominante do comprador. Em ambos os casos a Comissão considerou que

se o comprador detém uma quota nas vendas de um fornecedor que ultrapasse os

22% então ele era tido como indispensável para o fornecedor.

147 Decisão de 23 de Junho 2008, COMP/M.5047-“REWE/ADEGK”.

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A2.9.3. Conceito de posição dominante e de dependência económica

590. O conceito de dominância é fundamental na determinação da existência de poder

de compra por parte de um comprador. De uma forma simplista, pode afirmar-se

que um fornecedor é economicamente dependente de um comprador se não é

viável para o fornecedor perder o comprador como cliente, podendo este permitir-

se a perder esse fornecedor. Para que exista, ela terá de ser sempre unilateral, no

sentido em que não afecta o comprador.

591. É por isso necessário estabelecer se um fornecedor tem acesso a canais de

distribuição alternativos. Isto requer que se tenha em conta a dimensão do

comprador a substituir e a dos compradores alternativos potenciais148. O

fornecedor terá tanto mais dificuldade em substituir um comprador quanto menos

compradores ou canais alternativos existirem. Neste contexto, é importante aferir

qual a quota de mercado (relevante para ao fornecedor) do retalhista em causa.

592. Outro factor a ter em conta na determinação do grau de dependência económica é

o eventual exercício da função de “gatekeeper” dos produtos do fornecedor por

parte do comprador. Neste caso o fornecedor depende do retalhista para fazer

chegar os seus produtos ao consumidor final. Nestas circunstâncias, poder ser

mais difícil para o fornecedor substituir um retalhista pequeno mas monopolista

no seu mercado do que um grande retalhista inserido num contexto competitivo.

Por outro lado, a dependência será menor se, por exemplo, os fornecedores

venderem, pelo menos parcialmente, a sua produção, directamente aos

consumidores nos seus outlets.

593. Dobson, Waterson and Chu (1998)149, comparam o exercício da função de

“gatekeeper” e o nível de dependência que daí advém com o problema de acesso

a uma infra-estrutura essencial. A questão é que para determinados fornecedores

as grandes superfícies são fundamentais para que os seus produtos cheguem aos

consumidores. Estes não têm outra forma economicamente viável de colocar os

seus produtos que lhe ofereça o mesmo benefício económico. Esta linha de

raciocínio, mais do que teoricamente justificada, constitui claramente um alerta

para o grau de vulnerabilidade dos fornecedores em relação à grande distribuição

148 Note-se que a obtenção de novos contratos com compradores alternativos, requer que o fornecedor

apresente uma proposta mais vantajosa do que aquela de que actualmente usufruem. 149 Dobson, P., Waterson, M., and A. Chu (1998). “The Welfare Consequences of The Exercise of Buyer

Power”. Office of Fair Trading, Research Paper No. 16.

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nos mercados europeus, e sugere que o grau de dependência económica é maior

do que o sugerido pelas medidas usualmente utilizadas.

594. Na determinação dos canais alternativos há que ter em conta a rapidez com que o

fornecedor consegue encontrar outro comprador caso haja ruptura de

fornecimento. Esta questão está associada à existência de barreiras à entrada no

sector. Se estas não existirem ou forem suficientemente baixas, pode ser

relativamente fácil para o fornecedor encontrar novos clientes. Contudo, em

sectores onde existem grandes retalhistas as barreiras à entrada são tipicamente

elevadas, ora por razões legais, ou porque a entrada no mercado requer níveis de

investimentos muito elevados, nomeadamente na criação de uma rede de

distribuição e logística ou em publicidade e marketing.

595. A existência de canais de distribuição alternativos não é suficiente para reduzir o

grau de dependência, se ao fornecimento do bem ou serviço estão associados

custos afundados que dificultam a capacidade do fornecedor reduzir o volume de

vendas, em resposta a uma proposta menos vantajosa da parte do retalhista.

Nesse caso, pode ser preferível para os fornecedores incorporar essas condições

de venda ou, caso tenha poder de mercado, passá-las aos seus próprios

fornecedores150.

596. De acordo com Pozdnakova (2008)151, o critério principal para aferir se um

fornecedor é economicamente dependente de um retalhista é a proporção das

compras do retalhista nas vendas totais do fornecedor152. Quanto maior esta

quota, maior o grau de dependência do fornecedor. Contudo, é também

necessário comparar a perda nos lucros de ambos associada à ruptura do

contrato, i.e., o valor das OFC de fornecedor e retalhista. O poder de negociação

do comprador será tanto maior quanto menor a perda nos lucros decorrente da

OFC.

597. Como sempre, a adopção deste tipo de critérios suscita a questão de determinar

qual o “benchmark” para a determinação do grau de dependência. No caso

150 Isto sucede com os bens perecíveis, cujas características impedem que hajam atrasos na venda motivados

pela tentativa de obtenção de melhores condições de venda. 151 Pozdnakova, A. (2009) “Buyer Power in the Retail Trading Sector: Evolving Latvian Regulation” European

Competition Law Review, 8: 387-392. 152 Esta interpretação não tem presente a existência de canais alternativos.

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Rewe/Meinl153 a CE tendo em conta os relatórios dos produtores (fornecedores)

estabeleceu que, em média, um comprador que contribua para 22% ou mais do

volume de negócios do fornecedor só pode ser substituído a um custo financeiro

muito elevado.

598. Contudo, tem de se ter em conta a importância do bem para o próprio retalhista.

Tratando-se de um produto “âncora”, relativamente ao qual os consumidores têm

um certo grau de lealdade, é necessário ter em conta o custo que o retalhista

incorre ao não fornecer esses produtos. Os fornecedores de um produto com estas

características estão obviamente menos dependentes. Mesmo assim, os

retalhistas, ao oferecerem uma série de comodidades aos seus consumidores

como one-stop-shopping, uma grande variedade de produtos etc., podem muitas

vezes reduzir a importância da disponibilização desses produtos nas decisões dos

consumidores sobre onde efectuar as suas compras.

153 Decisão de 3 de Fevereiro 1999, COMP IV/M.1221 – “REWE/Meinl”.

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A2.10. Poder de compra: Síntese conclusiva

599. Os últimos anos têm assistido a uma verdadeira revolução na indústria da grande

distribuição alimentar, que tem no aprofundar da internacionalização o seu

próximo episódio. A grande escala a que operam os grandes retalhistas, possível

mediante a introdução de tecnologias de ponta na gestão logística e de

distribuição permitiu a obtenção de ganhos de eficiência. Regra geral estas

alterações alteraram de forma positiva a forma como os consumidores se

relacionam com o comércio a retalho. A possibilidade de efectuar “one-stop-

shopping”, com disponibilidade de uma oferta de produtos bastante alargada, a

possivelmente preços mais reduzidos, são benefícios assinaláveis.

600. O peso crescente das grandes cadeias de distribuição é acompanhado por um

aumento bastante significativo do seu poder de mercado perante os fornecedores.

De facto, as relações comerciais nos mercados de aprovisionamento, agora

caracterizadas por níveis de dependência económica bastante elevada por parte

de alguns fornecedores, é uma característica preocupante desta nova realidade.

601. A questão do poder de compra no contexto da politica de concorrência, do ponto

de vista do bem-estar social tem merecido menos atenção do que as

preocupações de abuso de poder de venda. Até à data, as autoridades de

concorrência da EU não têm aberto casos de abuso de poder de compra. Contudo

o facto do poder de compra estar no actual contexto do mercado da grande

distribuição, cada vez mais associado a poder de compra nos mercados a jusante,

através da vantagem comparativa que os grandes retalhistas conseguem obter

pela negociação de condições de compra cada vez mais vantajosas junto dos

fornecedores, e as possíveis consequências no nível de eficiência e equidade da

afectação do mercado, tem suscitado um debate em torno do papel da politica de

concorrência neste contexto.

602. O poder de compra, que pode estar associado à capacidade de exploração de

poder de mercado a jusante, pode ser prejudicial para o bem-estar geral se

colocar em causa a viabilidade dos fornecedores e/ou a sua disponibilidade para

investirem em novos processos e produtos. De facto, o acréscimo de poder de

compra tem como situação limite, a sobrevivência apenas das marcas fortes,

sendo que todos os demais produtos cuja identidade para o consumidor é fraca,

tenderão a ser ver as suas margens reduzidas e eventualmente a serem

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substituídos por produtos de marca própria. No final a diversidade na oferta será

comprometida o que constitui uma perda para o consumidor.

603. Apesar do exercício do poder de compra poder afectar negativamente tanto os

mercados a jusante como a montante, do ponto de vista das regras de

concorrência é difícil ignorar que podem existir ganhos económicos importantes.

Sob certas condições já discutidas, a obtenção de melhores termos de troca nos

mercados de aprovisionamento podem ser passados aos consumidores,

traduzindo-se em preços mais baixos.

604. Os potenciais problemas concorrenciais causados pelo poder de compra, têm sido

tomados em consideração, como atestam as decisões sobre fusões nos casos

Rewe/Meinl (cit.) e Kesko/Tuko (cit.), em que foi considerado que o aprofundar da

consolidação no sector do retalho iria causar, no espaço europeu, uma redução

ainda maior no nível de concorrência local.

605. Este aspecto particular da consolidação do sector do retalho deve ser objecto de

vigilância por parte das autoridades, não sendo de excluir a sua intervenção no

sentido de impor desinvestimentos em certas lojas, de modo a garantir a

existência de concorrência efectiva (ver Dobson (2003)). De facto os modelos de

contrapoder mostram, que a eventual redução nos preços decorrente do exercício

de poder de compra, pode facilmente ser compensada pelo aumento nos preços

decorrente do reforço de “selling power” (ver Dobson and Waterson (1997)). Esta

tem sido a evidência no sector de retalho alimentar no UK.

606. O processo de internacionalização dos Grupos de compras, agora efectuadas num

contexto global com parceiros transnacionais, que com o seus volumes de compra

aprofundam o grau de dependência económica dos fornecedores, e exercem um

grau de poder de compra sem precedentes é passível de a médio prazo

redesenhar de novo o relacionamento entre os dois agentes nesses mercados.

607. Uma concentração da oferta nos mercados a montante, que tenderá a laborar de

acordo com as exigências da grande distribuição, quer a nível das características

dos produtos, quer a nível de determinação de preços e condições de venda,

nomeadamente no que diz respeito a restrições verticais que conduzam entre

outros contratos de exclusividade. Este tipo de relação é já frequente no sector

dos produtos agrícola e frescos e constitui uma forma de “integração vertical”.

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608. Outra tendência associada a esse processo, será o aumento da oferta de marcas

próprias, que tenderá a “substituir” os produtos com uma fraca identidade perante

os consumidores.

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Glossário

AdC – Autoridade da Concorrência

APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição

CC – Comissão da Concorrência (Competition Commission) do Reino Unido

CE – Comissão Europeia

Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca (cf. http://

www.centromarca.pt/)

CIP – Confederação da Indústria Portuguesa

CPAA – Comissão Permanente de Avaliação e Acompanhamento do Código de Boas

Práticas Comerciais

DBP – Differential Buyer Power (Diferencial de poder de compra ou diferença entre poder

de compra)

DGCC – anterior Direcção Geral do Comércio e Concorrência

DG COMP – Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia

DGCP – anterior Direcção Geral da Concorrência e Preços

GDA – Grande distribuição alimentar, que reagrupa empresas retalhistas e grossistas no

âmbito da distribuição de produtos de grande consumo, do ramo alimentar

(mercearia, frescos, bebidas, lácteos e congelados) e não alimentar (produtos de

higiene pessoal e de drogaria e bazar)

GGR – Grandes Grupos Retalhistas, detentores de cadeias de supermercados e de

hipermercados da insígnia da cadeia de âmbito nacional. Actualmente, operam 9

GGR em Portugal, a saber os Grupos Aldi, Auchan (Jumbo e Pão de Açúcar),

Carrefour (incluindo a rede Dia%/Minipreço), E. Leclerc, El Corte Inglés, ITMI

(Intermarché e Ecomarché), Jerónimo Martins (Feira Nova e Pingo Doce no retalho

e a cadeia Recheio no comércio por grosso), Modelo-Continente e Lidl. Estes grupos

são a distinguir de grupos retalhistas de dimensão regional (v.g., os casos do Grupo

A. C. Santos nos distritos de Lisboa e de Leiria e Alisuper no distrito de Faro).

ha – Hectares (medida de área de exploração cerealífera)

HORECA – Canal dos Hotéis, Restaurantes e Cafés.

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IHH – Índice de concentração de Herfindahl-Hirschman, o qual corresponde à soma dos

quadrados das quotas de cada operador de mercado. Valores deste índice entre

1000 e 1800 indicam um grau moderado de concentração e valores acima de

1800 definem um mercado concentrado, onde a existência de práticas

anticoncorrenciais é mais verosímil.

JM – Grupo Jerónimo Martins, detentor das cadeias retalhistas Feira Nova e Pingo Doce,

bem como da cadeia grossista Recheio

MC – Grupo Modelo-Continente (Sonae Distribuição), detentor das cadeias retalhistas

Modelo (supermercados) e Continente (hipermercados)

MDD – Produtos de marca do distribuidor (também designados por produtos de “marca

branca”), que são a contrastar com os produtos de marca dos produtores /

fornecedores.

OFC – Opção-fora-do-contrato

OFT – Office of Fair Trading do Reino Unido

RAA – Região Autónoma dos Açores

RU – Reino Unido

SAU – Superfície Agrícola Útil (expressa em hectares)

SP – Seller power (poder de venda)

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (substitui o Tratado CE)

Tratado CE – Tratado que instituiu as Comunidades Europeias

UNIARME – União de Armazenistas de Mercearia, CRL

VN – Volume de negócios

WBE – Waterbed Effect (vide Anexo 2).