reinvio e harmonia jurídica internacional

27
Instituto Superior Bissaya Barreto Reenvio e Harmonia Jurídica Internacional Direito Internacional António Gonçalo de São José Carvalho, nº 2883 Coimbra, 25 De Maio De 2015

Upload: sonia-ribeiro

Post on 14-Sep-2015

213 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

diprivado

TRANSCRIPT

Reenvio e Harmonia Jurdica Internacional

Instituto Superior Bissaya Barreto

ndice

Introduo ____________________________________________________________________

Posies possveis perante o reenvio. O reenvio e a harmonia jurdica internacional.

1. Atitude absolutamente condenatria do reenvio________________________________1.1.Teoria da referncia material

2. Atitude favorvel ao reenvio._______________________________________________2.1. Teoria da referncia global2.1.1. Teoria da Devoluo Simples. 2.1.2. Foreign Court Theory ou Teoria da Dupla Devoluo

3. Atitude condenatria como princpio, mas favorvel ao reenvio com um alcance limitado._______________________________________________________________3.1. Doutrina que, partindo da teoria da referncia material, aceita a devoluo com um alcance limitado. O Reenvio e harmonia jurdica internacional.3.1.1. 1 Hiptese: Retorno Direto3.1.2. 2 Hiptese: Transmisso de Competncia 3.3.3. 3 Hiptese: Retorno Indireto

Concluso_____________________________________________________________________

Bibliografia____________________________________________________________________

Introduo

Imaginemos que uma norma de conflitos de determinado ordenamento jurdico remete para uma ordem jurdica estrangeira, pode suceder que esta ordem jurdica, por ter uma norma de conflitos idntica nossa, tambm considera aplicvel o seu direito material. Contudo, pode acontecer, igualmente, que esta ordem jurdica, por ter uma norma de conflitos diferente, no se considere com competncia e remeta para outra lei. Estamos, assim, perante um problema de reenvio.Foi com celebre caso Forgo, julgado definitivamente em 1882 pela Cassao Francesa, que surgiu pela primeira vez uma situao de reenvio. Este caso retratava a situao de um cidado da Baviera que viveu em Frana durante muito tempo e que aqui faleceu intestado. Apareceram a habilitar-se-lhe sucesso, constituda por valores imobilirios existentes em Frana, certos parentes colaterais afastados, que herdariam segundo a lei vigente na Baviera, mas no segundo a lei francesa que considerava que os bens deveriam ser para o Estado. A primeira fase do processo findou com a deciso de que a lei aplicvel seria a bvara lei do domiclio de origem do de cuis- em virtude deste no ter chegado a adquirir domiclio legal em Frana. Posto isto, discutia-se se o direito bvaro no deveria aplicar-se na sua totalidade, ou seja, se sobre a primeira norma desta legislao, que impunha o seu reconhecimento e acatamento, no era a que devolvia, em matria de sucesso mobiliria, para a lei do domicilio de fato, lei da residncia habitual do autor da herana, a qual vinha a ser, no caso, precisamente, a lei francesa. E assim o entendeu a Cour de Cassation.Em Portugal, a questo do reenvio at publicao do Cdigo Civil de 1966 era rejeitada pela doutrina predominante[footnoteRef:1]. No entanto, a jurisprudncia parece ter ido no sentido oposto ao da doutrina, uma vez que possvel observar a invocao expressa a teoria do reenvio (apesar de, e apenas a titulo de curiosidade, apenas em dois deles o problema aparece devidamente analisado). [1: Observe-se as citaes feitas no Boletim da Faculdade de Direito relativas a este tema O problema do reenvio em DIP vol. XXXVIII, pg.151. ]

Apesar do Cdigo de Seabra no conter nada a este respeito, ainda durante a sua vigncia, o reenvio havia sido abertamente acolhido na nossa ordem jurdica, atravs de textos de fonte convencional que o consagram, como o caso do artigo 1 da Conveno de Haia de 12 de junho de 1902, o artigo 2 da Conveno de Genebra[footnoteRef:2] (entre outros). Nestes textos atribuda, em certos casos, competncia lei nacional dos interessados, ressalvando-se, naturalmente, o caso desta lei considerar competente outro ordenamento. A doutrina nada dizia relativamente ao alcance destes textos, uns consideravam que a soluo oferecida por estes era passvel de generalizao, outros, como o caso de Taborda Ferreira[footnoteRef:3], partindo da natureza convencional destes textos defendiam a impossibilidade destes textos representarem a posio do legislador face ao reenvio. [2: In Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLV, pg.29.] [3: In Revista de Direito e Estudos Sociais, IX, n4, pg.45. ]

Atualmente, esta questo j est, claramente, resolvida, pois no Cdigo de 1966 formalizou-se uma posio positiva perante o reenvio. Posio esta, que resultou da articulao e da sntese dos princpios da harmonia jurdica internacional e do favor negotti. O presente trabalho, no mbito da unidade curricular de Direito Internacional Privado, tm como objetivo relacionar o reenvio com esta ideia/princpio de harmonia jurdica internacional. Para tal, irei apresentar as diferentes posies perante este problema, tentando articula-las com esta ideia de harmonia jurdica internacional.

Posies possveis perante o reenvio. O reenvio e a harmonia jurdica internacional.

Perante, o problema do reenvio possvel adotar trs atitudes possveis:

1. Atitude absolutamente condenatria do reenvioEsta a atitude dos que interpretam toda a referncia da norma de conflitos lei estrangeira com pura vocao do direito material dessa lei como pura referncia material

1.1. Teoria da referncia materialSe considerarmos que toda a legislao constituda por duas zonas ou camadas, em que a mais superficial formada pelas normas de conflitos, e a mais profunda pela rede das normas de regulamentao, as regras propriamente ordenadoras da vida social diremos que a referncia do Direito Internacional Privado do foro a determinada lei no se detm nessa primeira regio perifrica, mas antes penetra at s camadas mais profundas, at substncia do sistema: as suas instituies civis.Assim, A referncia feita pela norma de conflitos sempre entendida como uma referncia material, ou seja, considera-se uma remisso direta e imediata para o Direito material da lei designada. O Direito de Conflitos da lei designada no interessa, portanto, e esta tese contrape-se a qualquer sistema de reenvio (negao do reenvio). Esta tese, encontra-se consagrada no artigo 15 da Conveno de Roma e no artigo 24 do Regimento Roma II.

1.1.1. Argumentos positivos em favor desta teoriaa) O Direito Internacional Privado constitui-se para assinar a cada uma das relaes plurilocalizadas a sua lei reguladora e, naturalmente, a mesma lei em toda a parte. Ora se o Direito Internacional nasceu com este sentido ou esta aspirao de universalidade, seria uma contradio nos termos admitir que as suas normas tivessem surgido marcadas do selo de uma referncia a outras normas com idntica funo mas de sentido divergente.b) As chamadas regras de conflitos legislam sobre matria prpria do direito internacional, sendo apenas por insuficincia da organizao jurdica internacional que o Estado formula as mesmas regras, as quais representam, para ele e para os seus tribunais, o verdadeiro direito internacional.c) A doutrina da referncia lei de direito interno a que melhor se harmoniza com o pensamento modelador de toda a norma de conflitos. Seja, por exemplo, a regra que nos diz o estado e a capacidade da pessoa so regidos pelas leis da sua nao. Este preceito corresponde a uma certa ideia acerca de qual seja a maneira mais acertada de resolver os conflitos de leis em matria de estado e de capacidade. Dentre as solues possveis, considera-se como mais razovel a de definir o estatuto pessoal pelas leis do Estado nacional dos indivduos. Isto por se entender que so tais leis as que presumivelmente melhor correspondem sua natureza, hbitos, condies e concees de vida. Mas tambm por se considerar que, sendo o estatuto pessoal alguma coisa de necessariamente estvel, decerto a lei nacional a mais adequada a promover e a assegurar esse objetivo de estabilidade e permanncia. A concluso deste raciocnio o chamamento das prprias leis por que, no Estado nacional dos interessados, se regulam as vrias matrias pertencentes ao estatuto pessoal

No entanto, esta tese alvo de crticas, j que ao ignorar o Direito de Conflitos estrangeiro fomenta a desarmonia internacional de solues.

2. Atitude favorvel ao reenvio.Esta a atitude dos partidrios da doutrina da devoluo ou do reenvio, doutrina que, nas suas diferentes ramificaes, arranca da ideia de que a referncia da norma de conflitos do foro lei estrangeira tem carcter global.

2.1. Teoria da referncia globalA remisso da norma de conflitos para uma ordem jurdica estrangeira abrange sempre o Direito de Conflitos da lei designada (referncia global). Por outras palavras, a referncia operada pelas normas de conflito de um sistema a outro deve tomar em considerao no apenas as normas aplicveis mas tambm o sistema conflitual ai vigente. Assim, este segundo ordenamento considerado num todo e por isso a referencia que lhe dirigida para todo o ordenamento considerado.Esta teoria apresenta duas modalidades:

2.1.1. Teoria da Devoluo Simples. A remisso da norma de conflitos do foro abrange as normas de conflitos da ordem estrangeira (referncia global), mas a remisso operada pela norma de conflitos estrangeira entende-se como referncia material (s poder para o direito material). No respeita, portanto, o tipo de remisso feito pelo Direito de Conflitos estrangeiro. Por outras palavras, a referncia global, para o Direito de Conflitos, mas s quanto s normas de conflitos, e no quanto s normas de reenvio.

2.1.1.1. Argumentos favorveis a esta teoriaA) O primeiro argumento, consiste na prpria ideia da unidade e incindibilidade do todo formado pelo direito material e de conflitos. O ordenamento jurdico um todo de regras materiais e de preceitos sobre a aplicao das leis. Se o direito de conflitos do foro remete determinado caso para uma legislao A e esta o sujeita por seu turno legislao B, a resoluo desse caso pelo direito material de A no constituiria uma aplicao desta ordem jurdica, antes a sua violao. O argumento, porm, falacioso. Ele s teria valor se se conseguisse provar a unidade substancial das duas espcies de normas jurdicas, as de regulamentao e as de conflitos unidade substancial no sentido de s poderem as primeiras exercer adequadamente a sua funo scio-jurdica ou atuar os seus fins no enquadramento definido pelas segundas.A interconexo entre direito material e direito de conflitos no existe. Nos no podemos dizer que determinado direito material como em funo do sistema conflitual que lhe vai conexo; no podemos afirmar que sem este aquele seria necessria e automaticamente outra coisa: tal conexo antes uma simples contingncia. As valoraes e os contedos jurdicos materiais no esto condicionados a um determinado esquema de valoraes e de contedos de direito conflitual. B) O segundo argumento, prende-se com a ideia de no ser possvel aceitar a teoria da referncia global na sua essncia, pois a mesma pode conduzir quilo que se designa por um ciclo vicioso. Por exemplo, L1 faz uma referncia global a L2, e se igualmente reconhecer como global a referencia por esta operada a um outro ordenamento e assim sucessivamente, isto levar a um ciclo vicioso. Por isso, esta teoria argumenta que no se pode aceitar ilimitadamente o reenvio j que, em determinadas situaes, ele no nos poder oferecer uma soluo para o problema.C) O terceiro, e ltimo, argumento apresentado prende-se exatamente com a ideia da harmonia jurdica internacional e uniformidade de julgados. Por exemplo, aceita-se que L1 faa referencia a L2 e que por sua vez este faa referencia a L3. Ora isto significa que, a soluo alcanada aceite no pas do foro, em L2 e em L3, ou seja, todos os ordenamentos em questo chegariam mesma resoluo. No entanto, isto apenas vlido para o esquema L1L2L3. Alm do mais, necessrio que este ltimo ordenamento se considere competente, ou que a referncia feita por L2 para este tenha carcter material. Mas se L2 remeter para L3 atravs de referncia global e se for designado um quarto ordenamento, L4, ento a aceitao de L3 por L1 no estar em sintonia com o ordenamento L2, aplicando este L4 por virtude da teoria defendida. Assim, chegamos concluso que j no existe harmonia jurdica internacional nem uniformidade de julgados, sendo foroso concluir que a teoria da devoluo simples s em determinadas situaes que alcana a dita harmonia jurdica internacional.

2.1.2. Foreign Court Theory ou Teoria da Dupla DevoluoOra, como vimos, a tese da devoluo simples, no admissvel - j que s possvel aplica-la em certas situaes - o mesmo j no se pode, aparentemente, dizer de uma outra sua formulao, que tem gozado de grande favor junto dos tribunais ingleses. a teoria da dupla devoluo ou foreign court theory. A sua ideia bsica que a referncia da norma de conflitos do foro a determinada lei estrangeira impe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada pelo Estado onde essa lei vigora.Esta teoria caracteriza-se em face da anterior, pela considerao dada, no s regra de conflitos estrangeira, mas tambm norma preceptiva do reenvio, eventualmente contida, ao lado da primeira, na lei mandada aplicar. Os tribunais locais devero observar um s ou um duplo reenvio: um reenvio duplo, sempre que a lei estrangeira ordene ela prpria a devoluo, seja ela prpria encorpada pelo princpio da referncia global; um reenvio nico, quando a lei estrangeira designada pela lex fori, ao referir-se a outro sistema jurdico, entenda referir-se apenas s disposies do direito interno desse sistema.

2.1.2.1. Crtica

Tambm esta teoria falaciosa/inadmissvel, como teoria ou princpio geral do Direito Internacional Privado. No a podemos generalizar a todos os Estados. Se todos os Estados resolvessem aceit-la, o problema do conflito negativo de competncia seria em muitos casos insolvel. Outra situao a apontar, seria para os casos em que o ordenamento referido pela norma de conflitos defender tambm a teoria da dupla devoluo, aqui poderamos estar perante aquilo que se designa por bola de espelhos.

3. Atitude condenatria como princpio, mas favorvel ao reenvio com um alcance limitado.Esta a posio moderna, firmada sobretudo pela doutrina alem, de acordo com esta atitude, toma-se como ponto de partida o princpio da referncia material, no entanto reconhece-se que o reenvio pode levar em muitos casos a resultados justos, adotando-se esta ideia de reenvio, somente na medida do necessrio para se atingirem tais resultados. 3.1. Doutrina que, partindo da teoria da referncia material, aceita a devoluo com um alcance limitado. O Reenvio e harmonia jurdica internacional.Demonstrmos que o reenvio como princpio geral inaceitvel, seja qual for a modalidade em que se apresente.Esta constatao gerou dois movimentos distintos. Criou em muitos uma disposio absolutamente hostil ao reenvioMas no este o juzo que tende hoje a prevalecer. Reconhece-se a utilidade do reenvio como processo para se atingirem certos fins, incontestavelmente valiosos. No se trata de admitir a devoluo como princpio geral de Direito Internacional Privado, no entanto, uma vez que se apura a plena aptido do reenvio para possibilitar, nos quadros do Direito Internacional vigente, solues prticas altamente desejveis, certo no se justificaria que votssemos ideia a um degredo completo. Foi neste contexto que surgiu, ento, uma nova doutrina que pretendeu de alguma forma ultrapassar as crticas apontadas s teorias explanadas anteriormente. Defendendo a aplicao da teoria da referncia material desde que a aceitao do reenvio constitua um meio para se atingir a harmonia internacional.Assim, o reenvio, no podendo ser erigido com um princpio geral de Direito Internacional Privado, perfeitamente utilizvel como tcnica. Ele pode converter-se num instrumento de notvel utilidade. Assim, desde logo, como um meio de realizar a harmonia jurdica.Veremos qual a medida em que o reenvio pode efetivamente contribuir para a harmonia jurdica internacional. 3.1.1. 1 Hiptese: Retorno DiretoNesta hiptese, o reenvio s instrumento apto a realizar a harmonia jurdica se a lei estrangeira (L2), ao remeter para a lex fori, o fizer para o direito interno. Isto s pode acontecer se L2 for uma das legislaes anti-devolucionistas existentes, como caso da brasileira, da grega, da dinamarquesa em que o reenvio expressamente repudiado.Tomemos como exemplo, uma questo referente sucesso por morte de um brasileiro ou um dinamarqus domiciliado em Portugal. Como a lex patriae, ao remeter para a lex domicilii, entende referir-se to-somente ao direito interno deste sistema jurdico, bvio que a aceitao do reenvio permitir aos tribunais portugueses julgar como julgariam os do Estado nacional do interessado, se fossem eles a decidir.Se a referncia de L2 a L1 for uma referncia material, o retorno ou devoluo ser meio idneo para realizar a harmonia jurdica.No ser assim, porm, no caso da lei estrangeira adotar uma doutrina da devoluo simples (a referncia de L2 a L1 uma referncia global); ou no caso da lei estrangeira adotar o princpio do reenvio integral (a referncia de L2 a L1 tambm uma referncia global, mas no sentido correspondente foreign Court theory). Na primeira hiptese, o reenvio no conduziria harmonia jurdica mas antes pelo contrrio impedindo-a. Vejamos o famoso caso da sucesso Allard, o STJ tinha um s caminho a seguir, se verdadeiramente quisesse respeitar o Direito Internacional Privado da lei nacional do de cujus: aplicar o direito sucessrio francs. Ao aceitar a devoluo, o STJ no deu ao caso a soluo que provavelmente lhe seria dada em Frana, se o processo corresse nesse pas. Assim, o reenvio no conduzir harmonia internacional, uma vez que, a lei estrangeira designada pela lex fori se guiar pelo princpio da devoluo simples.Relativamente segunda hiptese, se a orientao admitida pelos tribunais da Lei designada pela lei foro a doutrina do reenvio total, o que s pode acontecer hoje em dia em Inglaterra e nos EUA. Observemos, agora, um caso de investigao de paternidade ilegtima proposta por um portugus contra o filho legtimo e universal herdeiro de um cidado ingls, originrio de Gibraltar, que falecera domiciliado no nosso pas (tanto segundo a conceo portuguesa, como segundo a conceo britnica de domiclio). Considerando que o direito interno ingls ignora a filiao ilegtima como relao jurdico-familiar, as instncias haviam decidido que a ao era invivel (baseadas na doutrina segundo a qual a constituio de um estado relativo s possvel quando nela consintam as leis das duas partes). Todavia, o Supremo, argumentando com o reenvio da lei nacional para a lei do ltimo domiclio do investigando, julgou no sentido da admissibilidade da ao.Neste caso, o reenvio no , instrumento necessrio para se alcanar a harmonia jurdica internacional. Repare-se que na primeira situao, ilustrada com o caso da sucesso Allard, o reenvio no torna vivel a harmonia de julgados mas antes a impede, e por isso dissemos que ele no se apresenta a como meio adequado realizao do ideal da harmonia jurdica. Neste caso, o que se verifica o reenvio no meio necessrio para esse fim, j que a uniformidade de julgados se logra perfeitamente sem ele.A lei designada pelo foro ao adotar o princpio da foreign Court theory, pretende julgar quaisquer questes relativas ao estatuto pessoal de sujeitos domiciliados no estrangeiro do mesmo modo como elas seriam julgadas por um tribunal do pas do domiclio. Neste ponto de vista, evidente que nenhuma importncia tem, sob o ponto de vista da harmonia jurdica, a direo em que os tribunais deste ltimo pas venham realmente a encaminhar-se, j que esta harmonia estar sempre necessariamente assegurada, quer eles se orientem para a teoria da referncia lei do direito interno (aplicando, portanto, a lei material inglesa), quer resolvam optar pela teoria do reenvio. Tanto numa como noutra hiptese, os tribunais britnicos pautaro sempre a sua atitude pela dos tribunais portugueses. Por conseguinte, o reenvio no poder legitimar-se nesta hiptese atravs do princpio da harmonia jurdica internacional.

3.1.2. 2 Hiptese: Transmisso de Competncia Para percebermos esta hiptese, vejamos alguns tipos de situaes em que o reenvio para um terceiro sistema pode tornar vivel a harmonia jurdica.

a) L1 faz referncia para L2, que por sua vez, transmite a competncia a L3, que a aceita. evidente que, graas ao reenvio, a harmonia jurdica entre os nicos Estados interessados ser uma realidade. Por exemplo, o caso de um brasileiro domiciliado na Alemanha que faleceu em Lisboa e aqui deixou bens mobilirios. A lei nacional do hereditando remete (sem reenvio) para a lei do domicilio, que lhe devolve a competncia (na Alemanha, a sucesso causa mortis regida pela lex patriae). Como o Direito Internacional Privado Alemo admite o reenvio simples estamos perante um verdadeiro caso de aceitao da lei alem (L3) da competncia designada pela lei brasileira (L2), j que tanto na Alemanha como no Brasil a sucesso seria regida pela lei alem, soluo que tambm e valida em face do direito de conflitos portugus. b) L2 transmite a competncia a L3 (sem reenvio); L3 transfere para L4, mas aceita a vocao que L4 lhe dirige (com ou sem reenvio, pouco importa).Suponhamos que um brasileiro domiciliado em Moscovo comprou determinado objeto na Dinamarca. Litigia-se em Portugal acerca da capacidade desse indivduo para celebrar o referido contrato. A lei brasileira (L2) competente segundo L1 (lex fori) transmite a competncia ao direito civil russo (L3) que a transfere ao direito dinamarqus (L4). Esta referncia de L3 a L4 uma referncia global. Como a lei dinamarquesa devolve para a lei do domiclio (L3), o direito russo acaba, desse modo, por se considerar aplicvel. E sendo a referncia da lei brasileira lei do domiclio, uma referncia simplesmente material, nenhuma dvida se coloca que esta a soluo tambm seguida no Brasil.Do mesmo modo a adotaria um tribunal dinamarqus, visto a Dinamarca no reconhecer o reenvio. Mas ainda que assim no fosse, continuaria a ser verdade que a lei designada por L2 se considera competente. A circunstncia de L4 se julgar tambm aplicvel, em virtude do jogo do seu reenvio, poderia reputar-se irrelevante. Uma vez que essa lei s aparece em cena por ser designada por L3, e esta, ao fim e ao cabo, no a manda aplicar, tudo dever passar-se como se tal designao no existisse: L4ser apenas maia uma legislao que se julga aplicvel ao caso, mas a que no chega, nem direta nem indiretamente, o chamamento da lei do foro.Em concluso, tambm nos casos de transmisso de competncia, o reenvio meio prprio para alcanar a harmonia jurdica internacional. Este resultado ser obtido sempre que, remetendo a lei estrangeira (L2) para outra lei, se coloque o caso de todos os sistemas jurdicos em contacto com a situao a regular designarem um deles como aplicvel. Esse sistema tanto pode ser o indicado pela norma de conflitos do foro, como o designado pelo DIP de L2 ou outro qualquer; o que importa que se averigue que todas as leis interessadas esto de acordo quanto a ser aquele o sistema competente. Se o tribunal decidir a causa em harmonia com as disposies dessa lei, a harmonia jurdica internacional ter sido alcanada.

3.1.3. 3 Hiptese: Retorno Indireto H duas solues a encarar:1) Remetendo L3 para L1, aplicar-se- sempre o direito material de L1. a opinio por exemplo de Wolff. O reenvio sempre vantajoso desde que conduza aplicao da lei do foro.2) Noutra ordem de ideias preconizar-se- aqui o reenvio apenas na medida em que ele puder efetivamente contribuir para se alcanar a harmonia jurdica. A determinao de tal medida fcil: posta a questo a esta luz, averigua-se que a aplicao de L1 s dever ter-se por justificada no caso de verificao cumulativa das duas seguintes condies: a referncia de L2 a L3 ser uma referncia global e, ao invs, a de L3 a L1 ser uma referncia material.Dois estrangeiros, domiciliados em Portugal, consorciaram-se na Dinamarca. Pe-se no nosso pas o problema da validade do matrimnio. Segundo o DIP da lex fori, a lei aplicvel a lei nacional que, por seu turno, remete para a dinamarquesa (lex loci actus) atravs de uma referncia global. Finalmente, o Direito Internacional Privado portugus declara aplicvel a lei portuguesa como lex domicilii e esta referncia uma referncia material. Tanto os tribunais nacionais como os tribunais dinamarqueses aplicariam no caso o direito interno portugus. Se os nossos tribunais julgarem a causa segundo os princpios da lex fori, a harmonia de solues ser completamente atingida.J no seria assim se a referncia da lei nacional dos nubentes (L2) lex fori tivesse o carcter de uma remisso para o direito material.

4. O reenvio em Portugal4.1. Regime geralEm Portugal, seguimos a regra geral da referncia material (remisso direta e imediata para o Direito material da lei designada, L2) que se encontra consagrada no art.16 do Cdigo Civil: a referncia das normas de conflito a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrrio, a aplicao do direito interno [entendendo-se aqui direito interno como direito material] dessa lei. Daqui no resulta, contudo, qualquer adoo da tese da referncia material, uma vez que se prev que preceito em contrrio a afaste, situao prevista nos artigos, 17 e 18 (36, n 2 e 65, n 1) do Cdigo Civil. De acordo com BAPTISTA MACHADO, justifica-se, assim, a consagrao, no art.16, de uma regra pragmtica que admite desvios, e no de um princpio geral. Os artigos 17 e 18 contm regras especiais que admitem o reenvio, configurando um sistema de devoluo sui generis, mais prximo da devoluo integral do que da devoluo simples (a devoluo depende sempre do acordo com L2).

4.1.1. Transmisso de competncia artigo 17O artigo 17, n 1 admite a transmisso de competncia: se, porm, o DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislao e esta se considerar competente para regular o caso, o direito interno desta legislao que deve ser aplicado. , portanto, necessrio, que L2 aplique outra ordem jurdica estrangeira (e no a lei do foro) e que esta aceite a competncia. No h transmisso de competncia quando L2, apesar de remeter primariamente para L3, no a aplique, restabelecendo antes a regra da referncia material do artigo 16. A transmisso pode ainda ser indireta se L2 aplicar L3 mas esta, embora remetendo para L2 outra vez, praticar devoluo simples e aceitar o retorno, considerando-se indiretamente competente. BAPTISTA MACHADO e FERRER CORREIA defendem que, em certos casos, se aceite a transmisso de competncia mesmo que a outra ordem jurdica aplicada por L2 (seja ela L3 ou L4, chamemos-lhe Ln) no se considere competente: vg quando a lei da nacionalidade e a lei da residncia habitual ou domiclio estiverem de acordo na aplicao de Ln. LIMA PINHEIRO rejeita este entendimento, de iure constituto, uma vez que colidiria com o disposto no art. 16: na falta de preceito em contrrio, as normas de conflito portuguesas remetem apenas para o Direito material da lei designada. De iure condendo, contudo, no afasta esta proposta em termos absolutos.O art. 17, n 1 abrange ainda, no seu esprito, as hipteses em que a transmisso de competncia se verifica num caso de transmisso em cadeia (L2 aplica L4 e esta considera-se competente).

4.1.1.1. Exceo transmisso de competnciaCessa o disposto no n 1, se (art. 17, n 2): a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em territrio portugus ou em pas cujas normas de conflito considerem competente o Direito interno [leia-se, Direito material] do Estado da sua nacionalidade. Esta excepo aplica-se em matria de estatuto pessoal, e nos casos em que j se tenha aplicado o n 1. L2 deve ser a lei da nacionalidade. E se a lei pessoal no for a da nacionalidade? A ratio do preceito (n 2, in fine) parece afastar a hiptese em que a lei pessoal fosse a da residncia habitual. Cumpre determinar quem o interessado para efeitos de verificao desta excepo. O interessado aquele que desencadeou o funcionamento do elemento de conexo que designou L2 (na sucesso, vg, o interessado ser o de cujus).Se, face ao art. 53 (efeitos das convenes antenupciais e regimes de bens), entretanto tiver mudado a residncia habitual para a aplicao do art. 17, n 2, entende-se que relevante a residncia habitual ao tempo do casamento, e no a residncia habitual actual, sob pena de alteraes no regime de bens. A razo de ser desta norma, dificultando a transmisso de competncia em matria de estatuto pessoal, radica na primazia da conexo nacionalidade: Quando o interessado tenha residncia habitual em Portugal (n 2, 1 parte): h uma conexo estreita com o Estado do foro e este no deve, por isso, abdicar da soluo que elegeu por mais justa (a lei nacional). Quando o interessado tenha residncia habitual noutro Estado que aplica a lei da sua nacionalidade (n 2, 2 parte, in fine): a lei da sua nacionalidade remete para um Estado que no o da residncia habitual (vg por no consagrar os elementos de conexo considerados relevantes nesta matria, como a nacionalidade, o domiclio ou a residncia habitual). Pode acontecer que a lei da nacionalidade remeta a questo da capacidade para a prtica de um acto para a lei do lugar da celebrao, vg. Podemos correr o risco de aplicar uma lei que no tem um ligao ntima nem estvel com o interessado, ou, no reverso da medalha, aplicar uma lei da nacionalidade que fica em desarmonia com o DIP da residncia habitual. Assim, justifica-se o recurso conexo julgada mais adequada para reger o estatuto pessoal (a lei da nacionalidade), mesmo que em detrimento da harmonia internacional. Cessa, pois, a devoluo, aplicando-se a lei da nacionalidade. O art. 17, n 3 vem repor a transmisso de competncia em casos em que, por fora da norma supra, se justifique um princpio de maior proximidade: ficam, todavia, unicamente sujeitos regra do n 1 os casos de: Tutela Curatela Relaes patrimoniais entre os cnjuges Poder paternal Relaes entre adoptante e adoptado Sucesso por mortese a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei da situao dos bens imveis e esta se considerar competente. Sistematizando, eis os pressupostos de aplicao deste preceito: Matrias supra indicadas A lei da nacionalidade aplica-se a lex rei sitae A lex rei sitae considera-se competente Verifica-se um dos casos de cessao da transmisso de competncia previstos no n 2: O interessado reside habitualmente em territrio portugus O interessado reside habitualmente em pas cujas normas de conflitos considerem competente o Direito material do Estado da sua nacionalidade

4.1.2. RETORNOO retorno de competncia admitido, sob certas condies, pelo art. 18, n 1: se o DIP da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno portugus, este o direito aplicvel. O retorno de competncia pressupe, pois, que L2 remeta para o Direito portugus e aplique (!) o Direito material portugus (seja por retorno directo ou indirecto): a verificao deste pressuposto essencial para que o retorno se considere condio necessria e suficiente para assegurar a harmonia com L2. Exemplo (retorno directo): sucesso mobiliria de um francs com ltimo domiclio em Portugal. Lei portuguesa Lei da ltima nacionalidade do de cujus Lei francesa Lei do ltimo domiclio Lei portuguesa. Lei francesa pratica devoluo simples, pelo que aceita o retorno operado pela lei portuguesa e considera-se competente. L2 apenas remete para L1, sem a aplicar, pelo que no aceitamos o retorno e aplicamos L2, nos termos gerais do art. 16. Em concluso, nunca aceitamos o retorno directo operado por um sistema que pratica devoluo simples. Exemplo (retorno indirecto): L2 remete para L3, com devoluo simples, e L3 remete para o Direito portugus. L2 aplica o Direito material portugus. Maiores dificuldades suscita a hiptese de L2 condicionar a aplicao ou no aplicao do Direito material portugus ao nosso Direito de Conflitos, vg tratando-se de um PALOP (sistema de devoluo igual ao nosso, antes da reforma de 1977 do Cdigo Civil). No caso de L2 fazer devoluo integral, BAPTISTA MACHADO defende a aceitao do retorno, aplicando-se o Direito material portugus e facilitando-se a administrao da justia. LIMA PINHEIRO defende que esta soluo implica um raciocnio circular, uma vez que s poderemos concluir que L2 aplica o Direito material portugus se afirmarmos que L1 aceita o retorno. Para mais, se aplicarmos L2, L2 considera-se competente, pelo que o retorno no seria necessrio (recorde-se o princpio de paridade entre a lei do foro e a lei estrangeira). FERRER CORREIA o nico que afasta a aplicao do art.18, n 1, no caso de nem todas as leis estarem de harmonia quanto ao Direito material aplicvel. Para a restante doutrina, basta que apenas L2 remeta para LPT.

4.1.2.1. LIMITAO DO RETORNO DE COMPETNCIAO retorno de competncia tambm limitado em matria de estatuto pessoal (art. 18, n 2): quando, porm, se trate de matria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa s aplicvel se o interessado tiver em territrio portugus a sua residncia habitual ou se a lei do pas desta residncia considerar igualmente competente o direito interno portugus. Este preceito s se aplica quando h retorno nos termos no n 1 do mesmo artigo. Por outras palavras, em matria de estatuto pessoal, o retorno deve obedecer a requisitos adicionais, s sendo aceite em duas hipteses: Quando o interessado tenha residncia habitual em Portugal Quando o interessado tenha residncia habitual num Estado que aplica o Direito material portugus: LPT (RM) L2 (RM) LPT. Uma vez mais, este preceito radica na primazia da conexo lei da nacionalidade. Apesar de a LPT no ser a mais relevante, a Lei da nacionalidade e a Lei da residncia habitual esto de harmonia quanto aplicao da LPT. No entanto, dificulta-se mais o retorno de competncia (art. 18, n 2) do que a transmisso de competncia (art. 17, n 2), uma vez que, aqui, o retorno s se mantm em dois casos, enquanto que a transmisso de competncia s cessa em duas hipteses. Em caso de retorno, se o elemento de conexo lei da nacionalidade designar a lei portuguesa, entende-se existir uma conexo forte com a ordem jurdica do foro. 4.2. LIMITES DEVOLUOSegundo o art. 19, n 1, cessa o disposto nos dois artigos anteriores, quando da aplicao deles resulte a invalidade ou ineficcia de um negcio jurdico que seria vlido ou eficaz segundo a regra fixada no art. 16, ou a ilegitimidade de um estado que de outro modo seria legtimo. Se L2 for mais favorvel validade ou eficcia do negcio ou legitimidade de um estado, prevalece, pois, o favor negotii sobre a devoluo e sobre a harmonia internacional, na medida em que se pretende facilitar e desenvolver o comrcio internacional. LIMA PINHEIRO considera exagerada esta primazia, sacrificando-se a harmonia internacional de solues. FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO defendem a interpretao restrita deste preceito, aplicvel apenas s situaes j constitudas e em contacto com a ordem jurdica portuguesa ao tempo da sua constituio, de forma a tutelar a confiana depositada pelas partes. LIMA PINHEIRO discorda deste entendimento, uma vez que a interpretao tem que respeitar o sentido possvel do texto legal. A interpretao restritiva proposta aproxima-se de uma verdadeira reduo teleolgica, pelo que de afastar.No h reenvio quando as partes hajam escolhido uma lei material estrangeira (art. 19, n 2): vg art. 34 (pessoas colectivas internacionais) e art. 41 (obrigaes voluntrias). No se trata de fazer cessar ou paralisar a devoluo, mas sim da pura no aplicao dos arts. 17 e 18, por fora da ideia de que a conexo escolha das partes adversa ao reenvio (FERRER CORREIA). A referncia considera-se material (arts. 36, 50 e 65, para MARQUES DOS SANTOS).DRIO MOURA VICENTE acrescenta ainda que so tambm adversas ao reenvio conexes que protejam uma parte (vg art. 45, n 2) lei do lugar do efeito lesivo, fazendo tambm referncia material. LIMA PINHEIRO restringe a averso ao reenvio apenas ao mbito do art.19, n 2. Certas matrias tambm no admitem devoluo ou reenvio: art. 15 ConvROMA (referncia material) art. 24 RegROMA II (referncia material)Ressalve-se que nenhum destes preceitos exclui a hiptese de as partes designarem como aplicvel um sistema globalmente considerado, incluindo o respectivo Direito de Conflitos, vg se remeterem para o Direito aplicvel nos tribunais do Estado X. Aqui, respeita-se a vontade das partes.A devoluo tambm no admitida nas seguintes matrias, por Convenes internacionais: Obrigaes alimentares (Conveno da Haia) Representao voluntria (1978) Contratos de mediao (1978)Nestes casos, remete-se para a lei interna, no sentido de Direito material. A referncia , pois, material.LIMA PINHEIRO considera que seja no caso das Convenes internacionais supra, seja no caso do RegROMA II, a excluso do reenvio injustificada.18