cartas patrimoniais: a tutela jurídica do patrimônio cultural em Âmbito internacional

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Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Trata-se de uma iniciativa da Sublinha de Pesquisa em "Meio Ambiente, Constituição e Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural", coordenada pelo Prof. Me. Tauã Lima Verdan Rangel, consistente na compilação dos principais documentos internacionais que versam sobre tal objeto.

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Page 1: Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

PROJETO “CARTAS PATRIMONIAIS”

Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio

Cultural em Âmbito Internacional

Page 2: Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

Tauã Lima Verdan Rangel

(Coordenador)

Iniciativa da Sublinha de Pesquisa em “Meio Ambiente, Constituição e Tutela Jurídica do

Patrimônio Cultural” da Linha de Pesquisa em “Mineração e Meio Ambiente”, vinculada ao

GEP “Constitucionalização de Direitos” do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES.

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CARTAS PATRIMONIAIS:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em

Âmbito Internacional

Capa: Tauã Lima Verdan Rangel, Igreja Nossa Senhora do Carmo (Ouro Preto-MG), 2013.

Organização

Tauã Lima Verdan Rangel

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Wender Pontes Fagundes

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

As Cartas Patrimoniais foram compiladas, prioritariamente, do sítio

eletrônico oficial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN) e do sítio eletrônico oficial da UNESCO, com adaptações ao novo

acordo ortográfico.

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados.

Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

Page 4: Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

APRESENTAÇÃO

É certo que o meio ambiente cultural é constituído por bens

culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de

uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o

seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural.

Ejeta-se que os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão

de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma

determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente

cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão

do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no

grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução

fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

Nesta perspectiva, o Projeto “Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica

do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional” substancializa uma proposta

apresentada pelo Professor Tauã Lima Verdan Rangel, na coordenação da

sublinha de pesquisa “Meio Ambiente, Constituição e Tutela do Patrimônio

Cultural”. O escopo principal do projeto supramencionado é reunir documentos

internacionais que versem sobre a proteção do patrimônio cultural, em suas

plurais manifestações e disponibilizar a comunidade acadêmica, a fim de

fomentar futuras pesquisas.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

Coordenador da Sublinha de Pesquisa “Meio Ambiente, Constituição e Tutela

do Patrimônio Cultural”

Page 5: Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

S U M Á R I O

1. Carta de Atenas (1931) ............................................................................................ 7

2. Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em caso de Conflito

Armado (1954) .............................................................................................................. 12

3. Recomendações de Nova Delhi (1956) ..................................................................... 29

4. Recomendações de Paris – Paisagens e Sítios (1962) ............................................. 39

5. Carta de Veneza (1964) ........................................................................................... 48

6. Recomendações de Paris (1964) ............................................................................... 52

7. Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional (1966) ............. 58

8. Normas de Quito (1967) ........................................................................................... 62

9. Recomendações de Paris de Obras Públicas ou Privadas (1968) ........................... 78

10. Convenção sobre as medidas a serem adotadas para proibir e impedir a

importação, exportação e transferência de propriedade ilícita dos bens

culturais (1970) ............................................................................................................ 90

11. Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano

(1972) ............................................................................................................................ 101

12. Recomendações de Paris – Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural (1972) .............................................................................................................. 109

13. Resolução de São Domingos (1974) ....................................................................... 126

14. Declaração de Amsterdã (1975)............................................................................. 130

15. Manifesto de Amsterdã (1975) .............................................................................. 142

16. O Apelo de Granada (1976) ................................................................................... 147

17. Recomendação de Nairóbi (1976) .......................................................................... 152

18. Carta de Turismo Cultural (1976) ........................................................................ 168

19. Carta de Machu Pichu (1977) ................................................................................ 172

20. Carta de Burra (1980) ........................................................................................... 182

21. Carta de Florença (1981) ....................................................................................... 187

22. Declaração de Nairóbi (1982) ................................................................................ 192

23. Declaração de Tlaxcala (1982) ............................................................................... 196

24. Declaração do México (1985) ................................................................................. 200

Page 6: Cartas Patrimoniais: A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

25. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Arquitetônico da Europa

(1985) ............................................................................................................................ 2009

26. Carta de Washington (1986) ................................................................................. 220

27. Carta de São Paulo (1989) ..................................................................................... 224

28. Carta de Cabo Frio (1989) ..................................................................................... 226

29. Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular

(1989) ............................................................................................................................ 228

30. Carta de Lausanne (1990) ..................................................................................... 236

31. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) ................... 243

32. Carta de Nara (1994) ............................................................................................. 249

33. Carta de Brasília (1995) ........................................................................................ 252

34. Recomendação da Europa (1995) .......................................................................... 257

35. Declaração de Sofia (1996) .................................................................................... 273

36. Declaração de São Paulo II (1996) ........................................................................ 275

37. Carta de Mar del Plata sobre Patrimônio Intangível (1997) ............................... 277

38. Cartagenas de Índias (1999) ................................................................................. 281

39. Carta sobre o Patrimônio Construído Vernáculo (1999) ...................................... 285

40. Carta de Cracóvia (2000): Princípios para a Conservação e o Restauro do

Patrimônio Construído ................................................................................................ 289

41. Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático (2001) .......... 297

42. Declaração de Budapeste sobre o Patrimônio Mundial (2002) ............................ 325

43. Recomendação de Paris (2003) .............................................................................. 327

44. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões

Culturais (2005) ........................................................................................................... 345

45. Declaração de Viena (2009): Um Incentivo ao Patrimônio em Período de

Recessão Econômica ..................................................................................................... 368

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE ATENAS

Conclusões da Conferência Internacional de Atenas sobre o Restauro dos

Monumentos.

Serviço Internacional de Museus, Atenas, 21 a 30 de Outubro de 1931.

I – Doutrinas. Princípios Gerais

A Conferência ouviu a exposição dos princípios gerais e doutrinas

relativas à proteção de monumentos.

Qualquer que seja a diversidade dos casos específicos, em que cada um

possa comportar uma solução, constatou que, nos diversos Estados

representados, predomina uma tendência geral para abandonar as

reconstituições integrais e evitar os seus riscos, pela instituição de uma

manutenção regular e permanente, adequada a assegurar a conservação dos

edifícios.

Na situação em que um restauro surja como indispensável, como

consequência de degradação ou de destruição, recomenda o respeito pela obra

histórica e artística do passado sem banir o estilo de nenhuma época.

A Conferência recomenda que se mantenha a ocupação dos monumentos,

que se assegure a continuidade da sua vida consagrando-os, contudo a

utilizações que respeitem o seu caráter histórico ou artístico.

II - Administração e Legislação dos Monumentos Históricos

A Conferência ouviu a exposição sobre as legislações cujo objetivo é o de

proteger os monumentos de interesse histórico, artístico ou científico

pertencentes às diferentes nações.

Aprovou unanimemente a tendência geral que consagra nesta matéria

um certo direito da coletividade perante a propriedade privada.

Constatou que as diferenças entre estas legislações provinham das

dificuldades de conciliar o direito publico e o direito dos particulares.

Em consequência, ao aprovar-se a tendência geral destas legislações,

estima-se que elas devem ser apropriadas às circunstâncias locais e ao estado

da opinião publica, de forma a encontrar o mínimo de oposição possível, tendo

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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em conta, em relação aos proprietários, os sacrifícios que eles são chamados a

assumir no interesse geral.

Faz votos para que em cada Estado a autoridade pública esteja investida

do poder, em caso de urgência, de tomar as medidas de conservação.

Deseja vivamente que o Conselho Internacional de Museus publique

uma recolha e um quadro comparativo das legislações em vigor nos diferentes

Estados e a mantenha atualizada.

III - A valorização dos monumentos

A Conferência recomenda o respeito, na construção dos edifícios, pelo

caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança de monumentos

antigos cuja envolvente deve ser objeto de cuidados particulares. Também

alguns conjuntos e certas perspectivas particularmente pitorescas, devem ser

preservadas.

Há também necessidade de estudar as plantas e ornamentações vegetais

adequadas a certos monumentos ou conjuntos de monumentos para lhes

conservar o seu caráter antigo.

Recomenda, sobretudo, a supressão de toda a publicidade, de toda a

presença abusiva de postes ou fios telefônicos, de toda a indústria ruidosa,

incluindo as chaminés altas, na vizinhança dos monumentos artísticos ou

históricos.

IV - Os materiais do restauro

Os peritos ouviram diversas comunicações relativas ao emprego dos

materiais modernos para a consolidação dos edifícios antigos.

Aprovam o emprego sensato de todos os recursos da técnica moderna e

muito especialmente do betão armado.

Especificam que os elementos resistentes devem ser dissimulados, salvo

impossibilidade total, a fim de não alterar o aspecto e o caráter do edifício a

restaurar.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Recomendam-nos, muito especialmente, nos casos onde se considere

conveniente evitar os riscos de desmontagem e remontagem dos elementos a

conservar.

V - As degradações dos monumentos

A Conferência constata que, nas condições de vida moderna, os

monumentos do mundo inteiro se encontram cada vez mais ameaçados pelos

agentes atmosféricos.

Para além das precauções habituais e das soluções felizes obtidas na

conservação da estatuária monumental pelos métodos correntes, não se

saberia, tendo em consideração a complexidade dos casos e o estado atual dos

conhecimentos, formular regras gerais, para lá das precauções habituais e das

soluções bem sucedidas que se verificaram na estatuária monumental pelos

métodos correntes.

A Conferência recomenda:

1º- A colaboração, em cada país, dos conservadores de monumentos e dos

arquitetos com os representantes das ciências físicas, químicas e naturais,

para conseguir alcançar métodos aplicáveis aos diferentes casos.

2º- Ao Conselho Internacional de Museus que se mantenha ao corrente

dos trabalhos empreendidos em cada país sobre estas matérias e que lhes dê

lugar nas suas publicações.

A Conferência, no que respeita à conservação da escultura monumental,

considera que a deslocação das obras do enquadramento para o qual elas

tinham sido criadas é em principio indesejável. Recomenda, a título de

precaução, a preservação dos modelos originais, e, na sua falta, a execução de

moldes.

VI - A técnica de conservação

A Conferência constata com satisfação que os princípios e as técnicas

expostas nas diversas comunicações de pormenor se inspiram numa tendência

comum, a saber:

Quando se trata de ruínas impõe-se uma conservação escrupulosa,

recolocando no seu lugar os elementos originais encontrados (anastilose)

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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sempre que o caso o permita; os materiais novos necessários a este efeito

deverão ser sempre identificáveis.

Quando a conservação de ruínas, trazidas à luz do dia no decurso de

uma escavação for reconhecida como impossível, é aconselhado enterrá-las de

novo, depois de, bem entendido, terem sido feitos levantamentos rigorosos.

Deve dizer-se que a técnica e a conservação de uma escavação impõem a

colaboração estreita do arqueólogo e do arquiteto.

Quanto aos outros monumentos, os peritos estiveram unanimemente de

acordo em aconselhar, antes de qualquer consolidação ou restauro parcial, a

análise escrupulosa das patologias desses monumentos. Eles reconheceram,

com efeito, que cada caso constituía um caso especifico.

VII - A conservação dos monumentos e a colaboração

internacional

a) Cooperação técnica e moral

A Conferência, convencida de que a conservação do patrimônio artístico e

arqueológico da humanidade interessa à comunidade dos Estados, guardiões

da civilização;

Deseja que os Estados, agindo de acordo com o espírito do Pacto da

Sociedade das Nações, se prestem a uma colaboração sempre mais vasta e mais

concreta, com o objetivo de favorecer a conservação dos monumentos artísticos

e históricos;

Estima ser altamente desejável que as instituições e agrupamentos

qualificados possam, sem prejuízo do direito público internacional, manifestar

o seu interesse pela salvaguarda das obras primas nas quais a civilização se

exprimiu ao mais alto nível e que pareçam ameaçadas;

Faz votos para que os pedidos submetidos com este fim ao organismo da

cooperação intelectual da Sociedade das Nações, possam ser confiados à

benevolente atenção dos Estados.

Caberia à Comissão Internacional de Cooperação Intelectual, após

informação do Conselho Internacional de Museus e após ter recolhido toda a

informação útil, especialmente junto da Comissão Nacional de Cooperação

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Intelectual interessada, pronunciar-se sobre a oportunidade das diligências a

empreender e sobre o procedimento seguir em cada caso particular.

Os membros da Conferência após terem visitado, no decurso dos trabalhos

e do intercâmbio de estudos que fizeram nessa ocasião, diversos campos de

arqueológicos e monumentos antigos da Grécia, foram unânimes em render

homenagem ao Governo Grego que, durante longos anos, ao mesmo tempo em

que assegurava ele próprio trabalhos consideráveis, aceitou a colaboração de

arqueólogos e especialistas de todos os países. Os referidos membros viram aí

um exemplo que não pode senão contribuir para a realização dos objetivos de

cooperação intelectual e cuja necessidade lhes ocorreu no decurso dos

trabalhos.

b) O papel da educação no respeito pelos monumentos

A Conferência está profundamente convicta de que a melhor garantia de

conservação dos monumentos e obras artísticas vem do respeito e do

empenhamento dos próprios povos e, considerando que estes sentimentos

podem ser grandemente favorecidos por uma ação apropriada dos poderes

públicos, faz votos para que os educadores habituem a infância e a juventude a

abster-se de degradar os monumentos quaisquer que sejam, e lhes transmitam

o interesse, de uma maneira geral, pela proteção dos testemunhos de todas as

civilizações.

c) Criar uma documentação internacional

A Conferência faz votos para que:

1º- Cada Estado, ou as instituições criadas ou reconhecidas competentes

para esse fim, publiquem um inventário dos monumentos históricos nacionais

acompanhado de fotografias e descrições;

2º- Cada Estado constitua arquivos onde sejam reunidos todos os

documentos relativos aos seus monumentos históricos;

3º - Cada Estado deposite no Conselho Internacional de Museus as suas

publicações;

4º- O Conselho consagre, nas suas publicações, artigos relativos aos

processos e aos métodos gerais de conservação de monumentos históricos;

5º - O Conselho estude a melhor utilização das informações assim

centralizadas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO DOS BENS

CULTURAIS EM CASO DE CONFLITO ARMADO

De 21 de Abril a 14 de Maio de 1954

Adotada pela Conferência de Haia de 1954 sobre a Proteção dos Bens Culturais

em caso de Conflito Armado

As Altas Partes Contratantes:

Considerando que os bens culturais sofreram graves danos durante os

últimos conflitos e que eles se encontram cada vez mais ameaçados de

destruição devido ao desenvolvimento de tecnologia de guerra.

Convencidos de que os atentados perpetrados contra os bens culturais,

qualquer que seja o povo a quem eles pertençam, constituem atentados contra

o patrimônio cultural de toda a humanidade, sendo certo que cada povo dá a

sua contribuição para a cultura mundial.

Considerando que a convenção do patrimônio cultural apresenta uma

grande importância para todos os povos do mundo e que importa assegurar a

este patrimônio uma proteção internacional.

Guiados pelos princípios respeitantes à proteção dos bens culturais em

caso de conflito armado estabelecidos nas Convenções da Haia de 1899 e de

1907 e no Pacto de Washington de 15 de Abril de 1935.

Considerando que, para ser eficaz, a proteção destes bens deve ser

organizada em tempo de paz através de medidas quer nacionais quer

internacionais.Determinados a adotar todas as disposições possíveis para

proteger os bens culturais

Acordam o que se segue:

CAPÍTULO I

Disposições gerais respeitantes à proteção

Artigo 1º

Definição de bens culturais

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Para fins da presente Convenção são considerados como bens culturais,

qualquer que seja a sua origem ou o seu proprietário:

a) Os bens, móveis ou imóveis, que apresentem uma grande importância

para o patrimônio cultural dos povos, tais como os monumentos de arquitetura,

de arte ou de história, religiosos ou laicos, ou sítios arqueológicos, os conjuntos

de construções que apresentem um interesse histórico ou artístico, as obras de

arte, os manuscritos, livros e outros objetos de interesse artístico, histórico ou

arqueológico, assim como as coleções científicas e as importantes coleções de

livros, de arquivos ou de reprodução dos bens acima definidos;

b) Os edifícios cujo objetivo principal e efetivo seja, de conservar ou de

expor os bens culturais móveis definidos na alínea a), como são os museus, as

grandes bibliotecas, os depósitos de arquivos e ainda os refúgios destinados a

abrigar os bens culturais móveis definidos na alínea a) em caso de conflito

armado;

c) Os centros que compreendam um número considerável de bens

culturais que são definidos nas alíneas a) e b), os chamados "centros

monumentais".

Artigo 2º

Proteção dos bens culturais

Para fins da presente Convenção a proteção dos bens culturais comporta

a salvaguarda e o respeito por estes bens.

Artigo 3º

Salvaguarda dos bens culturais

As Altas Partes Contratantes comprometem-se a preparar, em tempo de

paz, a salvaguarda dos bens culturais situados no seu próprio território contra

os efeitos previsíveis de um conflito armado, tomando as medidas que

considerem apropriadas.

Artigo 4º

Respeito pelos bens culturais

§1 - As Altas Partes Contratantes comprometem-se a respeitar os bens

culturais situados quer no seu próprio território quer no território das outras

Altas Partes Contratantes, não se permitindo a utilização desses bens, dos

seus dispositivos de proteção e dos acessos imediatos para fins que poderiam

expor esses bens a uma possível destruição ou deterioração em caso de conflito

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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armado, devendo também abster-se de qualquer ato de hostilidade em relação

a esses bens.

§2 - As obrigações definidas no primeiro parágrafo do presente artigo

não poderão sofrer derrogações, exceto no caso em que uma necessidade militar

exija de uma maneira imperativa uma tal derrogação.

§3 - As Altas Partes Contratantes comprometem-se ainda a proibir, a

prevenir e, caso seja necessário, a fazer cessar todo o ato de roubo, de pilhagem

ou de desvio de bens culturais, qualquer que seja a sua forma, bem como todo o

ato de vandalismo em relação aos referidos bens. As Partes impedem a

requisição dos bens culturais móveis que se situem no território de uma outra

Alta Parte Contratante.

§4 - As Partes proíbem qualquer ação de represália que atinja os bens

culturais.

§5 - Uma Alta Parte Contratante não se pode desvincular das obrigações

estipuladas no presente artigo em relação a uma outra Alta Parte Contratante

com fundamento na não adoção das medidas de salvaguarda prescritas no

artigo 3.º por parte desta última.

Artigo 5º

Ocupação

§1 - As Altas Partes Contratantes que ocupem total ou parcialmente o

território de uma outra Alta Parte Contratante devem, na medida do possível,

apoiar os esforços das autoridades competentes do território ocupado de forma

a assegurar a salvaguarda e a conservação dos seus bens culturais.

§2 - Se uma intervenção urgente for necessária para a conservação dos

bens culturais situados em território ocupado e danificados por operações

militares e se as autoridades nacionais competentes não puderem encarregar-

se disso, deve a potência ocupante tomar, quando possível, as medidas de

conservação mais prementes em estreita colaboração com as autoridades.

§3 - Qualquer Alta Parte Contratante cujo governo seja considerado

pelos membros de um movimento de resistência como o seu governo legítimo,

chamará, se possível, a atenção desses membros para a obrigação de observar

aquelas disposições da Convenção referentes ao respeito pelos bens culturais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 6º

Sinalização dos bens culturais

Em conformidade com as disposições do artigo 16, os bens culturais

podem ser munidos de um sinal distintivo de modo a facilitar a sua

identificação.

Artigo 7º

Medidas de ordem militar

§1 - As Altas Partes Contratantes comprometem-se a introduzir em

tempo de paz nos regulamentos ou instituições destinados à utilização pelas

suas tropas disposições próprias para assegurar a observação da presente

Convenção.

Comprometem-se ainda a incutir ao pessoal das suas forças armadas em

tempo de paz um espírito de respeito pelas culturas e pelos bens culturais de

todos os povos.

§2 - As Partes comprometem-se a preparar ou a estabelecer, desde o

tempo de paz, no seio das suas forças armadas, serviços ou um pessoal

especializado cuja missão será velar pelo respeito dos bens culturais e

colaborar com as autoridades civis encarregadas da salvaguarda desses bens.

CAPÍTULO II

Da proteção especial

Artigo 8º

Atribuição de proteção especial

§1 - Pode ser posto sob proteção especial um número restrito de refúgios

destinados a abrigar os bens culturais móveis de grande importância desde

que:

a) Eles se encontrem a uma distância suficiente de um grande centro

industrial ou de qualquer objetivo militar importante que constitua um ponto

sensível, como por exemplo um aeroporto, uma estação de radiodifusão, um

estabelecimento ao serviço da defesa nacional, um porto ou uma gare de

caminhos de ferro com uma certa importância, ou uma grande via de

comunicação;

b) Eles não sejam utilizados para fins militares.

§2 - Um refúgio para bens culturais móveis pode também ser colocado

sob proteção especial, qualquer que seja a sua localização, se tiver sido

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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construído de modo que, segundo todas as probabilidades, não seja afetado por

bombardeamentos.

§3 - Um centro monumental é considerado como utilizado para fins

militares quando seja empregue para deslocações de pessoal ou material

militar, mesmo em trânsito. O mesmo se passará quando aí se desenvolvam

atividades que tenham uma relação direta com operações militares, com o

alojamento do pessoal militar ou com a produção de material bélico.

§4 - Não é considerada como utilidade para fins militares a vigilância de

um dos bens culturais enumerados no primeiro parágrafo por guardas armados

e especialmente equipados para esse efeito, ou a presença, próxima desse bem

cultural, de forças de polícia normalmente encarregues de assegurar a ordem

pública.

§5 - Se um dos bens culturais enumerados no primeiro parágrafo do

presente artigo estiver situado próximo de um objetivo militar importante, de

acordo com o sentido deste parágrafo, ele pode, todavia, ser colocado sob

proteção especial desde que a Alta Parte Contratante, que no presente pede

essa proteção, se comprometa a não fazer uso do objetivo em causa em caso de

conflito armado. Se o objetivo se tratar de um posto, de uma gare ou de um

aeroporto, todo o tráfego deve ser desviado. Neste caso o desvio de tráfego deve

ser organizado ainda em tempo de paz.

§6 - A proteção especial é concedida aos bens culturais através da sua

inscrição no Registro Internacional dos Bens Culturais sob proteção Especial.

Esta inscrição só poderá ser efetuada em conformidade com as disposições da

presente Convenção e nas condições previstas no Regulamento de Execução.

Artigo 9º

Imunidade dos bens culturais

As Altas Partes Contratantes comprometem-se a assegurar a imunidade

dos bens culturais sob proteção especial através de interdição, a partir da

inscrição no registro Internacional, de todo o ato de hostilidade em relação a

esses bens e de qualquer utilização dos mesmos ou dos seus acessos para fins

militares, excetuando-se os casos previstos no quinto parágrafo do artigo 8º.

Artigo 10º

Sinalização e controle

No decurso de um conflito armado os bens culturais sob proteção

especial devem ser munidos de um sinal distintivo definido pelo artigo 16 e ser

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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abertos a um controle de caráter internacional, como está previsto no

Regulamento de Execução.

Artigo 11

Levantamento de imunidade

§1 - Se uma das Altas Partes Contratantes cometer, relativamente a um

bem cultural sob proteção especial, uma violação dos compromissos assumidos

em virtude do artigo 9.º, no período de tempo em que a violação subsistir, a

outra Parte fica desobrigada de assegurar a imunidade do bem em causa.

Porém, cada vez que esta o possa, deve tomar previamente as diligências de

modo a pôr fim a esta violação dentro de um prazo razoável.

§2 - Em exclusão do caso previsto no primeiro parágrafo do presente

artigo, a imunidade de um bem cultural sob proteção especial não pode ser

levantada a não ser em casos excepcionais de necessidade militar inelutável e

apenas naquele tempo em que essa necessidade subsiste. Esta só poderá ser

constatada por um chefe de uma formação igual ou superior em importância a

uma divisão. Em todos os casos que as circunstâncias o permitam, a decisão de

levantar a imunidade é notificada com uma antecedência suficiente à Parte

contrária.

§3 - A Parte que levanta a imunidade deve informar no mais curto prazo

possível, por escrito, e com indicação dos seus motivos, o comissário-geral para

os bens culturais, tal como previsto no Regulamento de Execução.

CAPÍTULO III

Dos transportes de bens culturais

Artigo 12

Transporte sob proteção especial

§1 - Um transporte exclusivamente afetado à transferência de bens

culturais, seja para o interior de um território, seja com destino a outro

território, pode, a pedido da Alta Parte Contratante interessada, ser efetuado

sob proteção especial, nas condições previstas no Regulamento de Execução.

§2 - O transporte sob proteção especial é realizado sob uma vigilância de

caráter internacional prevista no Regulamento de Execução e deve estar

munido de um sinal distintivo definido no artigo 16.

§3 - As Altas Partes Contratantes proíbem qualquer ato de hostilidade

contra um transporte sob proteção especial.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

18

Artigo 13

Transporte em caso de urgência

§1 - Se uma Alta Parte Contratante julgar que a segurança de certos

bens culturais exige a sua transferência, e que há uma urgência tal que o

procedimento previsto no artigo 12. não pode ser seguido, nomeadamente no

início de um conflito armado, o transporte pode ser munido de um sinal

distintivo definido no artigo 16., a menos que ele não tenha sido objeto de um

pedido de imunidade no sentido do artigo 12. e que o dito pedido não tenha sido

recusado. Sempre que possível a notificação do transporte deve ser feita às

Partes contrárias. O transporte para o território de um outro país não pode em

caso algum ser munido de um sinal distintivo, se a imunidade não lhe tiver

sido concedida expressamente.

§2 - As Altas Partes Contratantes tomarão, na medida do possível, as

precauções necessárias para que os transportes previstos no primeiro

parágrafo do presente artigo e munidos de um sinal distintivo sejam protegidos

contra atos de hostilidade contra elas dirigidos.

Artigo 14

Imunidade de embargo, captura e apreensão

§1 - Gozam de imunidade de embargo, captura e apreensão:

a) Os bens culturais que beneficiem da proteção prevista no artigo 12 ou

da prevista no artigo 13;

b) Os meios de transporte afetados exclusivamente à transferência

destes bens.

§2 - Nada do presente artigo limita o direito de visita e de controle.

CAPÍTULO IV

Do pessoal

Artigo 15

Pessoal

O pessoal afeto à proteção aos bens culturais deve, na medida do

compatível com as exigências de segurança, ser respeitado no interesse destes

bens e, se ele cair nas mãos de uma Parte contrária, deve poder continuar a

exercer as suas funções desde que os bens a seu cargo caiam também nas mãos

de Parte contrária.

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CAPÍTULO V

Do sinal distintivo

Artigo 16

Sinal da Convenção

§1 - O sinal distintivo da Convenção consiste num escudo, pontiagudo

em baixo, esquartelado em aspa em azul-real e em branco (um escudete

formado por um quadrado azul-real tendo um dos ângulos inscritos na ponta

do escudete e de um triângulo azul-real por cima do quadrado, os dois

delimitando um triângulo branco de cada lado).

§2 - O sinal é utilizado isolado ou repetido três vezes em formação

triangular (um sinal em baixo), nas condições previstas no artigo 17.

Utilização do sinal 1 - O sinal distintivo repetido três vezes só pode ser

utilizado para:

a) Os bens imóveis sob proteção especial;

b) Os transportes de bens culturais, nas condições previstas nos artigos

12.º e 13.º;

c) Os refúgios improvisados, nas condições previstas no Regulamento de

Execução.

§3 - O sinal distintivo só pode ser utilizado isoladamente para:

a) Os bens culturais que não estejam sob proteção especial;

b) As pessoas encarregadas de funções de controle em conformidade com

o Regulamento de Execução;

c) O pessoal afeto à proteção dos bens culturais;

d) Os cartões de identidade previstos no Regulamento de Execução.

§4 - Durante um conflito armado é proibida a utilização de um sinal

semelhante ao sinal distintivo para qualquer efeito.

§5 - O sinal distintivo não pode ser colocado sobre um bem cultural

imóvel sem que ao mesmo tempo seja afixada uma autorização devidamente

datada e assinada pela autoridade competente da Alta Parte Contratante.

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Cartas Patrimoniais:

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CAPÍTULO VI

Do campo de aplicação da Convenção

Artigo 18

Aplicação da Convenção

§1 - Além das disposições que devem entrar em vigor desde o tempo de

paz, a presente Convenção será aplicada em caso de guerra declarada ou de

qualquer outro conflito armado que surja entre duas ou mais das Altas Partes

Contratantes, mesmo se o estado de guerra não for reconhecido por uma ou

mais Partes.

§2 - A Convenção será igualmente aplicada em todos os casos de

ocupação total ou parcial do território de uma Alta Parte Contratante, mesmo

se essa ocupação não encontrar nenhuma resistência militar.

§3 - Se uma das potências em conflito não for Parte na presente

Convenção, as potências que façam parte dela ficarão contudo ligadas por esta

nas suas relações recíprocas. Elas estarão ligadas ainda pela Convenção

relativamente à potência que não seja Parte, se esta tiver declarado aceitar as

disposições e desde que as aplique.

Artigo 19

Conflitos de caráter não internacional

§1 - Em caso de conflito armado que não apresente um caráter

internacional e surja no território de uma Alta Parte Contratante, cada uma

das Partes no conflito deverá aplicar pelo menos as disposições da presente

Convenção que obrigam ao respeito dos bens culturais.

§2 - As Partes no conflito procederão no sentido de pôr em vigor, por via

de acordos especiais, todas (ou parte) das outras disposições da presente

Convenção.

§3 - A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura pode oferecer os seus serviços às Partes em conflito.

§4 - A aplicação das disposições precedentes não produzirá efeitos sobre

o estatuto jurídico das Partes em conflito.

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CAPÍTULO VI

Da execução da Convenção

Artigo 20

Regulamento de Execução

As modalidades de aplicação da presente Convenção são determinadas

pelo Regulamento de Execução da qual é parte integrante.

Artigo 21

Potências protetoras

A presente Convenção e o seu Regulamento de Execução são aplicados

com a concordância das potências protetoras encarregadas da salvaguarda dos

interesses das Partes no conflito.

Artigo 22

Processo de conciliação

§1 - As potências protetoras prestam os seus bons serviços em todos os

casos nos quais julguem ser útil e no interesse dos bens culturais,

nomeadamente se houver algum desacordo entre as Partes em conflito sobre a

aplicação ou a interpretação das disposições da presente Convenção ou do seu

Regulamento de Execução.

§2 - Para este efeito, cada uma das potências protetoras pode, a convite

de uma Parte, do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura ou espontaneamente, propor às Partes no

conflito uma reunião dos seus representantes e, em particular, das autoridades

encarregues da proteção dos bens culturais, eventualmente em território

neutro escolhido convenientemente. As Partes em conflito devem dar

seguimento às propostas da reunião que lhe sejam feitas. As potências

protetoras propõem, de acordo com as Partes do conflito, uma personalidade

pertencente a uma potência neutra, ou apresentada pelo Diretor-Geral da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, que é

chamada a participar nesta reunião na qualidade de presidente.

Artigo 23

Cooperação da UNESCO

§1 - As Altas Partes Contratantes podem fazer apelo à cooperação

tecnológica da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura tendo em vista a organização da proteção dos seus bens culturais, ou a

propósito de qualquer outro problema derivado da aplicação da presente

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Convenção ou seu Regulamento de Execução. A Organização acorda esta

cooperação nos limites do seu programa e das suas possibilidades.

§2 - A Organização está habilitada a apresentar, por sua própria

iniciativa, propostas sobre esta questão às Altas Partes Contratantes.

Artigo 24

Acordos especiais

§1 - As Altas Partes Contratantes podem concluir acordos especiais

sobre qualquer questão que lhes pareça oportuno regular separadamente.

§2 - Não pode ser concluído nenhum acordo especial que diminua a

proteção assegurada pela presente Convenção aos bens culturais e ao pessoal

que lhes está afeto.

Artigo 25

Difusão da Convenção

As Altas Partes Contratantes obrigam-se a difundir o mais largamente

possível, em tempo de paz e em tempo de conflito armado, o texto da presente

Convenção e o seu Regulamento de Execução nos respectivos países. Elas

obrigam-se a incorporar o estudo nos programas de instruções militares e, se

possível, civis, de tal maneira que os princípios possam ser conhecidos do

conjunto de população, em particular das forças armadas e do pessoal afeto à

proteção dos bens culturais.

Artigo 26

Traduções e relatórios

§1 - As Altas Partes Contratantes comunicam entre elas, por intermédio

do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura, as traduções oficiais da presente Convenção e do seu

Regulamento de Execução.

§2 - Além do mais, uma vez cada quatro anos elas dirigem ao Diretor-

Geral um relatório dando as sugestões que elas julguem oportunas sobre as

medidas tomadas, preparadas e verificadas pela sua respectiva administração

em aplicação da presente Convenção e do seu Regulamento de Execução.

Artigo 27

Reuniões

§1 - O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura pode, com a aprovação do Conselho Executivo,

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convocar reuniões de representantes das Altas Partes Contratantes. Ele é

obrigado a fazê-lo se pelo menos um quinto das Altas Partes Contratantes o

requisitarem.

§2 - Sem prejuízo de todas as outras funções que lhe são conferidas pela

presente Convenção e seu Regulamento de Execução, a reunião tem como

propósito estudar os problemas relativos à aplicação da Convenção e do seu

Regulamento de Execução e de formular recomendações a este propósito.

§3 - A reunião pode, além do mais, proceder à revisão da Convenção e do

seu Regulamento de Execução se a maioria das Altas Partes Contratantes se

encontrar representada, em conformidade com as disposições do artigo 39.

Artigo 28

Sanções

As Altas Partes Contratantes obrigam-se a tomar, no quadro do seu

sistema de direito penal, todas as medidas necessárias para que sejam

encontradas e aplicadas as sanções penais e disciplinares às pessoas, qualquer

que seja a sua nacionalidade, que cometeram ou deram ordem para cometer

uma infração à presente Convenção.

Disposições finais

Artigo 29

Línguas

§1 - A presente Convenção é redigida em inglês, espanhol, francês e

russo, tendo os quatro textos o mesmo valor.

§2 - A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura providenciará traduções nas outras línguas oficiais da sua Conferência

Geral.

Artigo 30

Assinatura

A presente Convenção terá a data de 14 de Maio de 1954 e ficará aberta

até à data de 31 de Dezembro de 1954 para a assinatura de todos os Estados

convidados à Conferência que se reuniu na Haia entre 21 de Abril e 14 de Maio

de 1954.

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Artigo 31

Ratificação

§1 - A presente Convenção será submetida à ratificação dos Estados

signatários em conformidade com os seus procedimentos constitucionais

respectivos.

§2 - Os instrumentos de ratificação serão depositados junto do Diretor-

Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura.

Artigo 32

Adesão

A contar do dia da sua entrada em vigor a presente Convenção estará

aberta à adesão de todos os Estados visados no artigo 30 não signatários, assim

como de todos os Estados convidados a aderir pelo Conselho Executivo da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

A adesão far-se-á pelo depósito de um instrumento de adesão junto do

Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

a Cultura.

Artigo 33

Entrada em vigor

§1 - A presente Convenção entrará em vigor três meses após o depósito

de cinco instrumentos de ratificação.

§2 - Posteriormente, ela entrará em vigor, por cada Alta Parte

Contratante, três meses após o depósito do seu instrumento de ratificação ou

adesão.

§3 - As situações previstas nos artigos 18 e 19 darão efeitos imediatos às

ratificações e às adesões depositadas pelas Partes no conflito antes ou depois

do início das hostilidades ou da ocupação. Nestes casos o Diretor-Geral da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura fará,

pela via mais rápida, as comunicações previstas no artigo 38.

Artigo 34

Aplicação efetiva

§1 - Os Estados Partes na Convenção à data da sua entrada em vigor

tomarão, cada um no que lhe diga respeito, todas as medidas requeridas para a

sua aplicação efetiva num prazo de seis meses.

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Cartas Patrimoniais:

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§2 - Este prazo será de seis meses a contar do depósito do instrumento

de ratificação ou de adesão para todos os Estados que depositem o seu

instrumento de ratificação ou adesão após a data de entrada em vigor da

Convenção.

Artigo 35

Extensão territorial da Convenção

Qualquer Alta Parte Contratante poderá, no momento da ratificação ou

adesão, ou em qualquer momento posterior, declarar através de uma

notificação dirigida ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, que a presente Convenção poderá estender-se

a um conjunto ou a qualquer um dos territórios onde ela assegure as relações

internacionais. A referida notificação produzirá efeitos passados três meses da

data da sua recepção.

Artigo 36

Relação com as Convenções anteriores

§1 - Nas relações entre potências que estejam ligadas pelas Convenções

da Haia respeitantes às leis e costumes da guerra em terra (IV) e respeitantes

ao bombardeamento por forças navais em tempo de guerra (IX), quer se trate

das de 29 de Julho de 1899 ou das de 18 de Outubro de 1907, e que são Partes

na presente Convenção, esta última completará a acima referida Convenção

(IX) e o regulamento anexo à acima mencionada Convenção (IV) e substituirá o

sinal definido no artigo 5.º da acima referida Convenção (IX) pelo sinal definido

no artigo 16.º da presente Convenção para os casos em que esta e o seu

Regulamento de Execução prevejam a utilização deste sinal distintivo.

§2 - Nas relações entre potências ligadas pelo Pacto de Washington de

15 de Abril de 1935, para a proteção de instituições artísticas e científicas e de

monumentos históricos (Pacto Roerich), e que sejam Partes na presente

Convenção, esta última completará o Pacto Roerich e substituirá a bandeira

distintiva definida no artigo III do Pacto pelo sinal definido no artigo 16.º da

presente Convenção, para os casos em que esta e o seu Regulamento de

Execução prevejam o emprego deste sinal distintivo.

Artigo 37

Denúncia

§1 - A cada uma das Altas Partes Contratantes será concedida a

faculdade de denunciar a presente Convenção em seu próprio nome ou em

nome de qualquer território onde ela garanta as relações internacionais.

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§2 - A denúncia será notificada mediante um instrumento escrito

depositado junto do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

§3 - A denúncia produzirá efeitos um ano após a recepção do

instrumento de denúncia. Se, todavia, no final desse ano, a Parte denunciante

se encontrar envolvida num conflito armado, o efeito da denúncia ficará

suspenso até ao fim das hostilidades e em todos os casos durante o período de

tempo em que se processem as operações de repatriamento dos bens culturais.

Artigo 38

Notificação

O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura informará os Estados visados nos artigos 30 e 32, assim

como a Organização das Nações Unidas, do depósito de qualquer instrumento

de ratificação, de adesão ou de aceitação mencionado nos artigos 31, 32 e 39, e

ainda das notificações e denúncias respectivamente previstas nos artigos 35,

37 e 39.

Artigo 39

Revisão da Convenção e do seu Regulamento de Execução

§1 - Cada uma das Altas Partes Contratantes pode propor aditamentos à

presente Convenção e ao seu Regulamento de Execução. Qualquer proposta de

aditamento será comunicada ao Diretor-Geral da Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, que transmitirá o texto da

proposta a todas as Altas Partes Contratantes solicitando-lhes ao mesmo

tempo que deem a conhecer num prazo de quatro meses:

a) Se desejam que seja convocada uma conferência para estudar o

aditamento proposto;

b) Ou se elas são da opinião que se aceite o aditamento proposto sem a

convocação de uma conferência;

c) Ou se elas são da opinião que se registre o aditamento proposto sem a

convocação de uma conferência.

§2 - O Diretor-Geral transmitirá as respostas recebidas, em aplicação do

primeiro parágrafo do presente artigo, a todas as Altas Partes Contratantes.

§3 - Se todas as Altas Partes Contratantes que tenham, no prazo

previsto, dado a conhecer os seus pontos de vista ao Diretor-Geral da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em

conformidade com a alínea b) do primeiro parágrafo do presente artigo,

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Cartas Patrimoniais:

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informarem o Diretor-Geral que elas são da opinião que se deve adotar o

aditamento sem que uma conferência seja realizada, a notificação da sua

decisão será feita pelo Diretor-Geral em conformidade com o artigo 38.º O

aditamento produzirá efeitos em relação a todas as Altas Partes Contratantes

num prazo de 90 dias a partir desta notificação.

§4 - O Diretor-Geral convocará uma conferência das Altas Partes

Contratantes, tendo em vista o estudo do aditamento proposto se o pedido lhe

for feito por mais de um terço das Altas Partes Contratantes.

§5 - Os aditamentos à Convenção ou ao seu Regulamento de Execução

submetidos ao procedimento previsto no parágrafo precedente só entrarão em

vigor após terem sido adotados por unanimidade pelas Altas Partes

Contratantes representadas na conferência e após terem sido aceites por cada

uma das Altas Partes Contratantes.

§6 - A aceitação pelas Altas Partes Contratantes dos aditamentos à

Convenção ou ao seu Regulamento de Execução que tiverem sido adotados pela

conferência referida nos §4 e §5 realizar-se-á mediante o depósito de um

instrumento formal junto do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura.

§7 - Após a entrada em vigor dos aditamentos à presente Convenção ou

ao seu Regulamento de Execução, somente o texto da referida Convenção ou do

seu Regulamento de Execução desta forma modificado ficará aberto à

ratificação ou à adesão.

Artigo 40

Registro

Em conformidade com o artigo 102.º da Carta das Nações Unidas, a

presente Convenção será registrada no Secretariado das Nações Unidas a

requerimento do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

Em fé do que os abaixo assinados, devidamente autorizados pelos

respectivos governos, assinaram a presente Convenção.

A referida Convenção foi elaborada na Haia, aos 14 dias do mês de Maio

de 1954, num só exemplar, que será depositado nos arquivos da Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, e cujas cópias

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certificadas conforme o original serão remetidas a todos os Estados visados nos

artigos 30 e 32 e ainda à Organização das Nações Unidas.,

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RECOMENDAÇÕES DE NOVA DELHI

De Dezembro de 1956

Conferência Geral das Organizações das Nações Unidas para Educação, a

Ciência e a Cultura – 9ª Sessão de 5 de dezembro de 1956 UNESCO – Nova

Delhi.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Nova Delhi de 5 de novembro de

1956, em sua nona sessão,

Estimando a garantia mais eficaz da conservação dos monumentos e

obras do passado reside no respeito e dedicação que lhes consagram os próprios

povos e certa de que tais sentimentos podem ser enormemente favorecidos por

uma ação apropriada, inspirada na vontade dos Estados Membros de

desenvolver as ciências e as relações internacionais,

Convencida de que os sentimentos que dão origem à contemplação e ao

conhecimento das obras do passado podem facilitar grandemente a

compreensão mútua entre os povos e que, para isso, é preciso beneficiá-los com

uma cooperação internacional e favorecer por todos os meios a execução da

missão social que lhes cabe,

Considerando que, se cada Estado é mais diretamente interessado nas

descobertas arqueológicas feitas em seu território, toda a comunidade

internacional participa, entretanto, desse enriquecimento,

Considerando que a história do homem implica no conhecimento das

diferentes civilizações; que é preciso, portanto, em nome do interesse comum,

que todos os vestígios arqueológicos sejam estudados e, eventualmente,

preservados e coletados,

Convencida de que é preciso que as autoridades nacionais encarregadas

da proteção do patrimônio arqueológico se inspirem em determinados

princípios comuns aferidos na experiência e na prática dos serviços

arqueológicos nacionais,

Estimando que, se o regime das pesquisas diz respeito, antes de tudo, à

competência interna dos Estados, é preciso, entretanto, conciliar este princípio

com o de uma colaboração internacional amplamente concebida e livremente

aceita,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Sendo-lhes apresentadas propostas referentes aos princípios

internacionais a serem aplicados em matéria de pesquisas arqueológicas,

questão que constitui o ponto 9.4.3. da ordem do dia da sessão,

Após haver decidido, durante a sua oitava sessão, que essas propostas

seriam objeto de uma regulamentação internacional, através de uma

recomendação aos Estados Membros,

Adota, neste quinto dia de dezembro de 1956, a seguinte recomendação:

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as

disposições seguintes e que adotem, sob forma de lei nacional ou de qualquer

outro modo, medidas que visem a tornar eficazes nos territórios sob sua

jurisdição as normas e princípios formulados na presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem a

presente recomendação ao conhecimento das autoridades e órgãos que se

dedicam às pesquisas arqueológicas e aos museus.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe

apresentem, nas datas e na forma que ela determinar, relatórios sobre a

continuidade que derem à presente recomendação.

I – Definições

Pesquisas Arqueológicas

Para efeito da presente recomendação entende-se por pesquisas

arqueológicas todas as investigações destinadas à descoberta de objetos de

caráter arqueológico, quer tais investigações impliquem numa escavação do

solo ou numa exploração sistemática de sua superfície ou sejam realizadas

sobre o leito ou no subsolo das águas interiores ou territoriais de um Estado

Membro.

Bens protegidos

As disposições da presente recomendação se aplicam a qualquer vestígio

arqueológico cuja conservação apresente um interesse público do ponto de vista

da história ou da arte, podendo cada Estado Membro adotar o critério mais

apropriado para determinar o interesse público dos vestígios que encontre em

seu território. Deveriam estar, principalmente, submetidos ao regime previsto

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Cartas Patrimoniais:

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pela presente recomendação os monumentos, móveis ou imóveis, que

apresentem interesse do ponto de vista da arqueologia no sentido mais amplo.

O critério utilizado para determinar o interesse público dos vestígios

arqueológicos poderia varia segundo se trate ou de sua conservação, ou da

obrigação de declaração das descobertas impostas ao escavador ou ao

descobridor.

a) No primeiro caso, o critério que consiste em proteger todos os objetos

anteriores a uma determinada data deveria ser abandonado e a atribuição a

uma determinada época ou uma ancianidade de um número mínimo de anos

fixado por lei deveria ser adotada como critério de proteção.

b) No segundo caso, cada Estado Membro deveria adotar critérios bem

mais amplos que imponham ao escavador e ao descobrir a obrigação de

declarar todos os bens de caráter arqueológico, móveis ou imóveis, por ele

encontrados.

II – Princípios Gerais

Proteção do patrimônio arqueológico

Cada Estado Membro deveria garantir a proteção de seu patrimônio

arqueológico, levando em conta, especialmente, os problemas advindos das

pesquisas arqueológicas e em concordância com as disposições da presente

recomendação. Cada Estado Membro deveria, especialmente:

a) submeter as explorações e as pesquisas arqueológicas ao controle e à

prévia autorização da autoridade competente;

b) obrigar quem quer que tenha descoberto vestígios arqueológicos a

declará-los, o mais rapidamente possível, às autoridades competentes;

c) aplicar sanções aos infratores dessas regras;

d) determinar o confisco dos objetos não declarados;

e) precisar o regime jurídico do subsolo arqueológico e, quando esse

subsolo for propriedade do Estado, indicá-lo expressamente na legislação;

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f) dedicar-se ao estabelecimento de critérios de proteção legal dos

elementos essenciais de seu patrimônio arqueológico entre os monumentos

históricos.

Órgão de proteção às pesquisas arqueológicas:

Se a diversidade das tradições e as desigualdades de recursos se opõem à

adoção por todos os Estados Membros de um sistema de organização uniforme

de serviços administrativos relativos às pesquisas, alguns princípios,

entretanto, deveriam ser comuns a todos os serviços nacionais:

a) O serviço de pesquisas arqueológicas deveria ser, sempre que possível,

uma administração central do Estado, ou, pelo menos, uma organização que

disponha por força de lei, de meios que lhe permitam adotar, em caso de

necessidades, as medidas de urgência indispensáveis. Esse serviços,

encarregado de administração geral das atividades arqueológicas deveria

prover, em colaboração com os institutos de pesquisa e as universidades, o

ensino de técnicas de escavações arqueológicas. Esse serviço deveria também

criar uma documentação central, com mapas que se refiram a seus

monumentos móveis ou imóveis, assim como uma documentação junto a cada

museu importante, de acervos cerâmicos, iconográficos, etc.

b) A continuidade dos recursos financeiros deveria ser garantida

principalmente com:

1 - o bom funcionamento dos serviços;

2 - a execução de um plano de trabalho proporcional à riqueza

arqueológica do país, nele incluídas as publicações científicas;

3 - a fiscalização das descobertas fortuitas;

4 - a manutenção das escavações e monumentos.

Cada Estado Membro deveria exercer um controle rigoroso sobre as

restaurações dos vestígios e objetos arqueológicos descobertos.

Deveria ser solicitado às autoridades competentes uma autorização

prévia para o deslocamento dos monumentos cuja localização in situ é

essencial.

Cada Estado Membro deveria considerar a conveniência de manter

intactos, total ou parcialmente, determinado número de sítios arqueológicos de

diversas épocas, para que sua exploração possa beneficiar-se dos progressos da

técnica e do avanço dos conhecimentos arqueológicos. Em cada um dos sítios

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arqueológicos importantes em processo de pesquisa, na medida em que o

terreno permita, testemunhos, ou seja, porções de terreno poderiam também

ser reservados em vários locais para permitir um controle da estatigrafia, bem

como da composição do meio arqueológico.

Constituição de coleções centrais e regionais

Sendo a arqueologia uma ciência comparativa, dever-se-ia levar em

conta, na criação e organização dos museus e das coleções precedentes de

pesquisa, a necessidade de facilitar, o mais possível, o trabalho de comparação.

Para isso, coleções centrais e regionais, ou mesmo, excepcionalmente, locais,

representativas dos sítios arqueológicos particularmente importantes, um

pequeno estabelecimento de caráter educativo – eventualmente um museu –

que permita aos visitantes compreender melhor o interesse dos vestígios que

lhes são mostrados.

Educação do Público

A autoridade competente deveria empreender uma ação educativa para

despertar e desenvolver o respeito e a estima ao passado, especialmente

através do ensino de história, da participação dos estudantes em determinadas

pesquisas, da difusão pela imprensa de informações arqueológicas que

provenham de especialistas reconhecidos, da organização de circuitos

turísticos, exposições e conferências que tenham por objeto os métodos

aplicáveis em matéria de pesquisas arqueológicas assim como os resultados

obtidos, da apresentação clara dos sítios arqueológicos explorados e dos

monumentos descobertos, da edição a preços módicos de monografias e guias

em uma redação simples. Os Estados Membros deveriam adotar todas as

medidas necessárias para facilitar o acesso do público a esses sítios.

III – O regime das pesquisas e a colaboração internacional

Autorização de pesquisas concedidas a um estrangeiro

Cada Estado Membro em cujo território as pesquisas necessitam ser

executadas deveria regulamentar as condições gerais às quais está

subordinada a respectiva concessão, as obrigações impostas ao concessionário

principalmente quanto ao controle da administração nacional, a duração da

concessão, as causas que possam justificar a rescisão, a suspensão dos

trabalhos ou a substituição pela administração nacional do concessionário de

sua execução.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

34

As condições impostas ao pesquisador estrangeiro deveriam ser as

mesmas que se aplicam aos competentes nacionais e, portanto, o contrato de

concessão deveria evitar formular, sem necessidade, exigências específicas.

Colaboração internacional

Para responder aos interesses superiores da ciência arqueológica e aos

da colaboração internacional, os Estados Membros deveriam estimular as

pesquisas através de um regime liberal, assegurando às instituições científicas

e às pessoas devidamente qualificadas, sem distinção de nacionalidade, a

possibilidade de concorrerem em igualdade, à concessão das pesquisas. Os

Estados Membros deveriam estimular as pesquisas executadas, seja por

missões mistas compostas por equipes científicas de seu próprio país e por

arqueólogos que representem instituições estrangeiras, seja por missões

internacionais.

Quando uma pesquisa for concedida a uma missão estrangeira, o

representante do Estado concedente, se for designado, deveria ser também um

arqueólogo capaz de ajudar a missão e de colaborar com ela.

Os Estados membros que não dispõem de meios necessários para a

organização de escavações arqueológicas no estrangeiro deveriam receber todas

as facilidades para enviar arqueólogos para pesquisas abertas por outros

Estados Membros, com a concordância do diretor da pesquisa. Um Estado que

não disponha de meios, técnicos ou de qualquer outra natureza, suficientes

para administrar cientificamente uma pesquisa deveria chamar técnicos

estrangeiros para dela participar ou uma missão estrangeira para conduzi-la.

Garantias recíprocas

A autorização para pesquisas só deve ser concedida a instituições

representadas por arqueólogos qualificados ou a pessoas que ofereçam sérias

garantias científicas, morais e financeiras, sendo as últimas suficientes para

garantir que as pesquisas empreendidas serão levadas a seu termo de acordo

com cláusulas do contrato de concessão e no prazo previsto.

A autorização para pesquisas concedidas a arqueólogos estrangeiros

deveria assegurar reciprocamente garantias de duração e de estabilidade

necessárias a incentivar seu empreendimento e a preservá-las de revogações

injustificadas, especialmente nos casos em que razões reconhecidamente

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

35

fundadas viessem a impor a suspensão de seus trabalhos por um determinado

período.

Conservação dos vestígios

A autorização deveria definir as obrigações do pesquisador no período

em que durar a concessão e a seu término. Deveria ser por ela prevista,

especialmente, a guarda, a manutenção e o restabelecimento das feições do

sítio, assim como a conservação, durante os trabalhos e ao término das

escavações, dos objetos e monumentos descobertos. Por outro lado, a

autorização deveria precisar a possível ajuda com que o pesquisador poderia

contar da parte do Estado concedente para fazer face a suas obrigações, no caso

de elas se revelarem excessivamente pesadas.

Acesso à pesquisa

Aos especialistas qualificados de qualquer nacionalidade deveria ser

permitida a visita a um canteiro de pesquisa antes de haverem sido publicados

seus resultados e, até mesmo, obtida a concordância do diretor da pesquisa,

durante a execução dos trabalhos. Esse privilégio não deveria, em qualquer

caso, redundar em prejuízo ao direito de propriedade científica do pesquisador

sobre sua descoberta.

Destinação do produto das pesquisas

a) Cada Estado Membro deveria determinar claramente os princípios

que, em seu território, regulam a destinação do produto das pesquisas.

b) O produto das pesquisas deveria se destinar, antes de mais nada, à

constituição, nos museus do país em que são realizadas, de coleções completas,

plenamente representativas da civilização, da história e da arte desse país.

c) Com a preocupação básica de favorecer os estudos arqueológicos

através da divulgação de objetos originais, a autoridade concedente poderia ter

em vista, depois da publicação científica, a cessão ao pesquisador habilitado de

um determinado número de objetos provenientes de suas escavações, ou que

consistam de objetos repetidos ou, de um modo geral, em objetos ou grupos de

objetos aos quais essa autoridade possa renunciar, em razão de sua similitude

com outros objetos produzidos pela mesma pesquisa. A cessão ao pesquisador

de objetos provenientes de pesquisas deveria estar sempre a que eles sejam

destinados, em um prazo determinado, a centros científicos abertos ao público,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

36

ficando estabelecido que, se essa condição não for cumprida, ou vier a ser

desrespeitada, os objetos cedidos voltarão à autoridade concedente.

d) A exportação temporária dos objetos descobertos, excluídos os objetos

particularmente frágeis ou de importância nacional, deveria ser autorizada,

mediante solicitação justificada de instituição científica, pública ou privada,

desde que seu estudo seja impraticável no território do Estado concedente

devido à insuficiência de meios para a pesquisa bibliográfica e científica, ou por

tornar-se difícil pelas condições de acesso.

e) Cada Estado Membro deveria considerar a possibilidade de ceder,

trocar ou enviar para depósito em museus estrangeiros, objetos que não

apresentem interesse para as coleções nacionais.

Propriedade científica: direitos e obrigações do pesquisador

a) O Estado concedente deveria garantir ao pesquisador a propriedade

científica de suas descobertas durante um prazo razoável.

b) O Estado concedente deveria impor ao pesquisador a obrigação de

publicar, no prazo previsto pelo contrato de concessão, ou na falta dele, em um

prazo razoável, os resultados de seus trabalhos. Esse prazo não deveria ser

superior a dois anos, no que diz respeito aos relatórios preliminares. Durante

um período de cinco anos após a descoberta, as autoridades arqueológicas

competentes deveriam se empenhar em não liberar para estudo detalhado o

conjunto de objetos provenientes das pesquisas nem a documentação científica

a ela referente, a não ser com autorização por escrito do pesquisador. Essas

autoridades deveriam impedir nas mesmas condições a fotografia ou a

reprodução do material arqueológico ainda inédito. Para permitir, se for o caso,

uma dupla publicação simultânea de seu relatório preliminar, o pesquisador

deveria, a pedido de tais autoridades, colocar a sua disposição cópia do texto

desse relatório.

c) As publicações científicas sobre as pesquisas arqueológicas editadas

em um idioma de difusão restrita deveriam ser acompanhadas de um sumário

e, se possível, da tradução do quadro das matérias e das legendas das

ilustrações em uma língua mais difundida.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

37

Documentação sobre as pesquisas

Observadas as disposições do artigo 24, os serviços arqueológicos

nacionais deveriam facilitar, na medida do possível, a consulta a sua

documentação e o acesso a seus depósitos arqueológicos aos pesquisadores e

especialistas qualificados, sobretudo aos que obtiveram uma concessão para

um determinado sítio ou desejam obtê-la.

Reuniões regionais e sessões de discussões científicas

Com vistas a facilitar o estudo dos problemas de interesse comum, os

Estados Membros poderiam organizar, periodicamente, reuniões regionais com

grupos de representantes dos serviços arqueológicos dos Estados interessados.

Por outro lado, cada Estado Membro poderia suscitar reuniões de discussões

científicas entre os pesquisadores que operam em seu solo.

IV – Comércio das Antiguidades

No interesse superior do patrimônio arqueológico comum, todos os

Estados Membros deveriam considerar a possibilidade da regulamentação do

comércio das antiguidades, para evitar que esse comércio venha a favorecer a

evasão do material arqueológico ou prejudique a proteção das pesquisas e a

formação das coleções públicas. Os museus estrangeiros deveriam poder

adquirir objetos liberados de qualquer restrição legal prevista pela autoridade

competente do país de origem, para responderem a sua missão científica e

educativa.

V – A repressão às pesquisas clandestinas e à exportação

ilícita dos objetos provenientes das pesquisas arqueológicas

Proteção dos sítios arqueológicos contra as pesquisas clandestinas e as

degradações cada Estado Membro deveria adotar as medidas necessárias para

impedir as pesquisas clandestinas e a degradação dos monumentos definidos

nos artigos 2 e 3 acima e a dos sítios arqueológicos, assim como a exportação

dos objetos daí provenientes.

Colaboração internacional para a repressão

Todas as medidas necessárias deveriam ser adotadas para que, quando

ocorrer a oferta de cessão de objetos arqueológicos, os museus possam se

assegurar de que nada autoriza a considerar que tais objetos provenham de

pesquisas clandestinas, de roubos, ou de outras operações consideradas ilícitas

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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pela autoridade competente do país de origem. Qualquer oferta suspeita e toda

a informação a ela referente deveriam ser levadas ao conhecimento dos

serviços interessados. No caso dos objetos arqueológicos haverem sido

adquiridos por museus, deveriam ser publicadas, assim que possível, as

indicações que permitam identificá-los e que precisem seu modo de aquisição.

Repatriamento dos objetos ao país de origem

Os serviços de pesquisas arqueológicas e os museus deveriam prestar

entre si uma colaboração mútua para assegurar ou facilitar o repatriamento ao

país de origem dos objetos que provém de pesquisas clandestinas ou de roubos,

e de objetos cuja exportação tenha sido feita com transgressão à legislação do

país de origem. É desejável que cada Estado Membro adote todas as medidas

necessárias para garantir esse repatriamento. Esses princípios deveriam ser

aplicados à hipótese de exportação temporária estabelecida no artigo 23, c, d, e

e acima, no caso de não restituição dos objetos dentro do prazo fixado.

VI – Pesquisas em território ocupado

Em caso de conflito armado, qualquer Estado Membro que venha ocupar

o território de um outro Estado deveria se abster de realizar arqueológicas no

território ocupado. No caso de achados fortuitos, sobretudo os que se derem

durante as atividades militares, a potência ocupante deveria adotar todas as

medidas possíveis para protegê-los e deveria enviá-los, ao término das

hostilidades, acompanhados de toda a documentação relativa que detiver, às

autoridades competentes do território anteriormente ocupado.

VII – Acordos Bilaterais

Os Estados Membros deveriam, sempre que necessário ou desejável,

concluir acordos bilaterais para regulamentar as questões de interesse comum

que possam vir a ser colocadas pela aplicação das disposições da presente

recomendação.

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Cartas Patrimoniais:

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RECOMENDAÇÕES DE PARIS –

PAISAGENS E SÍTIOS

De 12 de Dezembro de 1962

Escritório Internacional dos Museus

Sociedade das Nações – Recomendação da Conferência Geral da Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Relativa à proteção da beleza e do caráter das paisagens e sítios

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris, de 9 de novembro a 12 de

dezembro de 1962, em sua décima segunda sessão,

Considerando que em todas as épocas o homem algumas vezes submeteu

a beleza e o caráter das paisagens e dos sítios que fazem parte do quadro

natural de sua vida a atentados que empobrecem o patrimônio cultural,

estético e até mesmo vital de regiões inteiras, em todas as partes do mundo,

Considerando que, ao cultivar novas terras, desenvolver por vezes

desordenadamente os centros urbanos, executar grandes obras e realizar

vastos planejamentos físicos territoriais e instalações de equipamento

industrial e comercial, as civilizações modernas aceleraram esse fenômeno que,

até o século passado, havia sido relativamente lento,

Considerando que esse fenômeno tem repercussão não apenas no valor

estético das paisagens e dos sítios naturais ou criados pelo homem, mas

também no interesse cultural e científico oferecido pela vida selvagem,

Considerando que, por sua beleza e caráter, a salvaguarda das

paisagens e dos sítios definidos pela presente recomendação é necessária à

vida do homem, para quem são um poderoso regenerador físico, moral e

espiritual e por contribuírem para a vida artística e cultural dos povos como o

demonstram inúmeros exemplos universalmente conhecidos,

Considerando, ainda mais, que as paisagens e sítios constituem um fator

importante da vida econômica e social de um grande número de países, assim

como um elemento importante das condições de higiene de seus habitantes,

Reconhecendo, entretanto, que é preciso levar em conta as necessidades

da vida coletiva, sua evolução e o rápido desenvolvimento do progresso técnico,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Considerando, em consequência, que é altamente desejável e urgente

estudar e adotar as medidas necessárias para salvaguardar a beleza e o

caráter das paisagens e dos sítios em toda parte e sempre que possível,

Havendo-se-lhe apresentadas propostas relativas à salvaguarda da

beleza e do caráter das paisagens e dos sítios, questão que constitui o ponto

17.4.2 da ordem do dia da sessão,

Depois de haver decidido, em sua décima primeira sessão, que propostas

relativas a esse ponto seriam objeto de uma regulamentação internacional

através de uma recomendação aos Estados Membros.

Adota, hoje, onze de dezembro de 1962, a presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as

disposições seguintes e adotem, sob a forma de lei nacional ou de alguma outra

maneira, medidas que ponham em efeito, nos territórios sob sua jurisdição, as

normas e princípios formulados na presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem a

presente recomendação ao conhecimento das autoridades e organismos

envolvidos com a proteção das paisagens e dos sítios e com o planejamento

territorial, aos organismos encarregados da proteção da natureza, do fomento

ao turismo e às organizações da juventude.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe

apresentem, nas datas e sob a forma que ela determinará, relatórios

concernentes à implementação desta recomendação.

I – Definição

Para os efeitos da presente recomendação, entende-se por salvaguarda

da beleza e do caráter das paisagens e sítios a preservação e, quando possível,

a restituição do aspecto das paisagens e sítios, naturais, rurais ou urbanos,

devidos à natureza ou obra do homem, que apresentam um interesse cultural

ou estético, ou que constituem meios naturais característicos.

As disposições da presente recomendação visam também a

complementar as medidas de salvaguarda da natureza.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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II – Princípios Gerais

Os estudos e as medidas a serem adotadas para a salvaguarda das

paisagens e dos sítios dever-se-iam se estender a todo do Estado e não se

limitar a algumas paisagens ou sítios determinados.

Convém levar em conta, na escolha das medidas aplicáveis, o interesse

relativo das paisagens e dos sítios em consideração. Essas medidas poderiam

variar, especialmente segundo o caráter e as dimensões das paisagens e sítios,

sua localização, e a natureza dos perigos de que estejam ameaçados.

A salvaguarda não deveria limitar-se às paisagens e aos sítios naturais,

mas estender-se também às paisagens e sítios cuja formação se deve, no todo

ou em parte, à obra do homem. Assim, disposições especiais deveriam ser

tomadas para assegurar a salvaguarda de algumas paisagens e de

determinados sítios, tais como as paisagens e sítios urbanos, que são,

geralmente, os mais ameaçados, especialmente pelas obras de construção e

pela especulação imobiliária. Uma proteção especial deveria ser assegurada às

proximidades dos monumentos.

As medidas a serem adotadas para a salvaguarda das paisagens e dos

sítios deveriam ter caráter preventivo e corretivo.

As medidas preventivas para a salvaguarda das paisagens e dos sítios

deveriam visar a protegê-los dos perigos que os ameaçam. Essas medidas

deveriam consistir essencialmente no controle dos trabalhos e atividades

susceptíveis de causar dano às paisagens e aos sítios e, especialmente, de:

a) Construção de edifícios públicos e privados de qualquer natureza.

Seus projetos deveriam ser concebidos de modo a respeitar determinadas

exigências estéticas relativas ao próprio edifício e, evitando cair na imitação

gratuita de certas formas tradicionais e pinturescas, deveriam estar em

harmonia com a ambiência que se deseja salvaguardar.

b) Construção de estradas.

c) Linhas de eletricidade de alta ou baixa tensão, instalações de

produção e de transporte de energia, aeródromos, estação de rádio, de

televisão, etc.

d) Construção de autosserviços para distribuição dos combustíveis.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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e) Cartazes publicitários e anúncios luminosos.

f) Desmatamento, inclusive destruição de árvores que contribuem para a

estética da paisagem, particularmente as que margeiam as vias de

comunicação ou as avenidas.

g) Poluição do ar e da água.

h) Exploração de minas e pedreiras e evacuação de seus resíduos.

i) Captação de nascentes, trabalhos de irrigação, barragens, canais,

aquedutos, regularização dos cursos de água, etc.

j) Campismo.

k) Depósitos de material e de matérias usadas, assim como detritos e

dejetos domésticos, comerciais ou industriais.

A salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e dos sítios

deveriam também levar em conta os perigos decorrentes de certas atividades

de trabalho, ou de determinadas formas de vida da sociedade contemporânea,

por causa do barulho que provocam.

As atividades que possam levar a uma deterioração das paisagens e dos

sítios em zonas protegidas por lei, ou de alguma forma protegidas, só poderiam

ser admitidas no caso de exigência imperiosa de um interesse público ou social.

Medidas corretivas deveriam ser destinadas a suprimir o “dano” causado

às paisagens e aos sítios e, na medida do possível, a reabilitá-los.

Para facilitar o trabalho dos diversos serviços públicos encarregados da

salvaguarda da paisagem e dos sítios em cada país, deveriam ser criados

institutos de pesquisa científica para colaborar com as autoridades

competentes a fim de assegurar a harmonização e a codificação das disposições

legislativas e regulamentares aplicáveis à matéria. Essas disposições e os

resultados dos trabalhos dos institutos de pesquisa deveriam ser reunidos em

uma só publicação administrativa periódica, atualizada.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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III – Medidas de Salvaguarda

A salvaguarda da paisagem e dos sítios deveria ser assegurada com o

auxílio dos seguintes métodos:

a) Controle geral por parte das autoridades competentes.

b) Inserção de restrições nos planos de urbanização e no planejamento

em todos os níveis: regionais, rurais ou urbanos.

c) Proteção legal por zonas, das paisagens extensas.

d) Proteção legal dos sítios isolados.

e) Criação e manutenção de reservas naturais e parques nacionais.

f) Aquisição de sítios pelas coletividades públicas.

Controle Geral

Um controle geral deveria ser exercido sobre os trabalhos e as atividades

susceptíveis de causar danos às paisagens e aos sítios, em toda a extensão do

território do país.

Planejamento urbano e planejamento territorial das áreas Rurais.

O planejamento urbano ou o planejamento territorial das áreas rurais

deveriam conter disposições relativas às restrições a serem impostas para a

salvaguarda das paisagens e dos sítios – inclusive os que não possuem proteção

legal – que se encontrem no território abrangido por esses planos.

O planejamento urbano ou o planejamento territorial das áreas rurais

deveriam ser estabelecidos em função de sua ordem de urgência, especialmente

para as cidades ou regiões em vias de desenvolvimento rápido, nas quais a

salvaguarda do caráter estético ou pinturesco dos lugares justifique o

estabelecimento de tais planos.

Proteção Legal “por zonas” das paisagens extensas

As paisagens extensas deveriam ser objeto de proteção legal “por zonas”.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Quando, numa zona protegida por lei, o caráter estético é de interesse

primordial, a proteção legal “por zonas” deveriam abranger o controle de

loteamentos e a observação de algumas prescrições gerais de caráter estético

referentes à utilização dos materiais e sua cor, às normas relativas à altura, às

precauções a serem tomadas para dissimular as escavações resultantes da

construção de barragens, ou de exploração de pedreiras, à regulamentação de

derrubadas das árvores.

A proteção legal “por zonas” deveria ser divulgada publicamente e as

regras gerais a serem observadas para a salvaguarda das paisagens

integrantes de tal proteção deveriam ser editadas e difundidas.

A proteção legal “por zonas” não deveria, em regra geral, possibilitar

direito à indenização.

Proteção Legal de sítios isolados

Os sítios isolados e de pequenas dimensões, naturais ou urbanos, assim

como porções de paisagem que ofereçam um interesse excepcional, deveriam

ser protegidos por lei. Deveriam ser igualmente protegidos por lei os terrenos

de onde se aprecie uma vista excepcional e os terrenos e imóveis que envolvam

um monumento notável. Cada sítio, terreno ou imóvel assim protegido deveria

ser objeto de uma decisão administrativa especial, devidamente notificada ao

proprietário.

Essa proteção legal deveria acarretar para o proprietário a proibição de

destruir o sítio ou alterar seu estado ou aspecto sem autorização das

autoridades encarregadas da salvaguarda.

A autorização eventualmente concedida deveria ser acompanhada de

todas as condições necessárias à salvaguarda do sítio. Não será necessário,

entretanto, requisitar qualquer autorização para os trabalhos de exploração

usual das terras rurais, nem para os trabalhos regulares de manutenção das

construções.

A expropriação pelos poderes públicos, assim como a execução de

quaisquer obras públicas em sítio protegido por lei deveriam estar

subordinadas ao prévio consentimento das autoridades encarregadas da

salvaguarda. Nenhuma servidão convencional deveria ser consentida pelo

proprietário sem a concordância das autoridades encarregadas da salvaguarda.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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A proteção legal deveria implicar na proibição de contaminar os

terrenos, o ar e as águas seja de que maneira for, ao passo que a extração de

minerais estaria sujeita a uma autorização especial.

Qualquer publicidade deveria ser proibida nos sítios protegidos por lei e

suas imediações, ou limitada à determinada localização fixada pelas

autoridades encarregadas de salvaguarda.

A permissão de acampar em um sítio protegido por lei deveria, em

princípio, ser proibida e concedida, apenas, em terrenos delimitados pelas

autoridades encarregadas da salvaguarda e submetidos à sua inspeção.

A proteção legal de um sítio deveria poder proporcionar ao proprietário o

direito à indenização, no caso de ocorrer prejuízo certo e direto, devido à

proteção por lei.

Reservas Naturais e Parques Nacionais

Quando for possível, os Estados Membros deveriam incorporar às zonas

e sítios cuja salvaguarda convém assegurar, parques nacionais destinados à

educação e ao lazer do público, ou reservas naturais, parciais ou integrais.

Esses parques nacionais e reservas naturais deveriam formar um conjunto de

zonas experimentais destinadas também às pesquisas sobre a formação e a

restauração da paisagem e à proteção da natureza.

Aquisição dos sítios pelas coletividades públicas

Os Estados Membros deveriam encorajar as coletividades públicas a

adquirirem terrenos que façam parte de uma paisagem ou de um sítio que

convenha salvaguardar. Quando necessário, essa aquisição deveria poder se

realizar através de expropriação.

IV – Aplicação das Medidas de Salvaguarda

As normas e princípios fundamentais que regulam, em cada Estado

Membro, a salvaguarda das paisagens e dos sítios deveriam ter força de lei e as

medidas necessárias a sua aplicação, deveriam ser confiadas às autoridades

responsáveis, dentro das atribuições que lhes são conferidas pela lei.

Os Estados Membros deveriam criar órgãos especializados, de caráter

executivo ou consultivo.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Os órgãos de caráter executivo deveriam ser serviços especializados,

centrais e regionais, encarregados de aplicar as medidas de salvaguarda. Para

isso, esses serviços deveriam ter a possibilidade de estudar os problemas

relativos à salvaguarda e à proteção legal, efetuar pesquisas de campo,

preparar as decisões a serem tomadas e controlar sua execução. Caber-lhes-ia,

também, propor as medidas destinadas a reduzir os perigos que possa

apresentar a execução de determinados trabalhos, ou a reparar os danos por

eles causados.

Os órgãos de caráter consultivo deveriam ser comissões de caráter

nacional, regional e local, encarregadas de estudar as questões relativas à

salvaguarda e de manifestar seu parecer sobre essas questões às autoridades

centrais ou regionais, ou às coletividades locais interessadas. O parecer dessas

comissões deveria ser solicitado em todos os casos e em tempo útil,

particularmente na fase de anteprojetos, nos casos de obras de interesse geral

e de grande envergadura, como a construção de rodovias, ordenação espacial de

instalações hidrotécnicas, criação de novas instalações industriais, etc.

Os Estados Membros deveriam facilitar a criação e o funcionamento de

órgãos não governamentais – nacionais ou locais – cujas tarefas consistiriam,

entre outras, em colaborar com os órgãos mencionados nos parágrafos 31, 32 e

33, especialmente informando a opinião pública e alertando os serviços

responsáveis pelos perigos que ameacem as paisagens e os sítios.

A violação das normas de salvaguarda das paisagens e dos sítios deveria

redundar em perdas e danos e/ou na obrigação de repor os sítios em seu estado

primitivo, na medida do possível.

Sanções administrativas ou penais deveriam ser previstas no caso de

danos causados voluntariamente às paisagens e aos sítios arqueológicos.

V – Educação do Público

Uma ação educativa deveria ser empreendida dentro e fora das escolas

para despertar e desenvolver o respeito público pelas paisagens e sítios e para

tornar mais conhecidas as normas editadas para garantir sua salvaguarda.

Os professores encarregados dessa tarefa educativa na escola deveriam

receber preparação especial, na forma de estágios especializados de estudos em

estabelecimentos de ensino secundário e superior.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Os Estados Membros deveriam também facilitar a tarefa dos museus

existentes, com o objetivo de intensificar a ação educativa já empreendida

nesse sentido e considerar a possibilidade de criar museus especiais, ou seções

especializadas nos museus existentes, para o estudo e a apresentação dos

aspectos naturais e culturais característicos de determinadas regiões.

A educação do público fora da escola deveria ser tarefa da imprensa, das

associações privadas de proteção das paisagens e dos sítios ou de proteção da

natureza, dos órgãos encarregados do turismo e das organizações de juventude

e de educação popular.

Os Estados Membros deveriam facilitar a educação do público e

estimular a ação das associações, e de órgãos dedicados a essa tarefa,

prestando-lhes uma ajuda material e colocando à sua disposição e à dos

educadores em geral os meios apropriados de publicidade, tais como filmes,

emissões radiofônicas ou de televisão, material para exposições permanentes,

temporárias ou itinerantes, folhetos e livros capazes de obter uma grande

difusão idealizados com um espírito didático. Uma ampla publicidade poderia

ser obtida através dos jornais, das revistas e das publicações periódicas

regionais.

Jornadas nacionais e internacionais, concursos e outras manifestações

similares deveriam ser consagrados e ressaltar o valor das paisagens e dos

sítios naturais ou criados pelo homem, para chamar a atenção do grande

público sobre a importância da salvaguarda da sua beleza e de seu caráter,

problema primordial da coletividade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE VENEZA

De Maio de 1964

II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos

Históricos

ICOMOS – Escritório do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

Carta Internacional sobre conservação e restauração de

monumentos e sítios.

Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais

de cada povo perduram no presente como testemunho vivo de suas tradições

seculares. A humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores

humanos, as considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras,

se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma

o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade.

É, portanto, essencial que os princípios que devem presidir à

conservação e à restauração dos monumentos sejam elaborados em comum e

formulados num plano internacional, ainda que caiba a cada nação aplicá-los

no contexto de sua própria cultura e de suas tradições.

Ao dar uma primeira forma a esses princípios fundamentais, a Carta de

Atenas de 1931 contribui para a propagação de um amplo movimento

internacional que se traduziu principalmente em documentos nacionais, na

atividade de ICOM e da UNESCO e na criação, por esta última, do Centro

Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração dos Bens

Culturais. A sensibilidade e o espírito crítico se dirigem para problemas cada

vez mais complexos e diversificados. Agora é chegado o momento de

reexaminar os princípios da Carta para aprofundá-los e dotá-los de um alcance

maior em um novo documento.

Consequentemente, o Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e

Técnicos de Monumentos Históricos, reunidos em Veneza de 25 a 31 de maio

de 1964, aprovou o texto seguinte:

Definições

Art.1 - O conceito de monumento histórico engloba, não só as criações

arquitetônicas isoladamente, mas também os sítios, urbanos ou rurais, nos

quais sejam patentes os testemunhos de uma civilização particular, de uma

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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fase significativa da evolução ou do progresso, ou algum acontecimento

histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às

realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o

passar do tempo.

Art.2 - A conservação e o restauro dos monumentos devem recorrer à

colaboração de todas as ciências e técnicas que possam contribuir para o estudo

e a proteção do patrimônio monumental.

Art.3 - A conservação e o restauro dos monumentos têm como objetivo

salvaguardar tanto a obra de arte como as respectivas evidências históricas.

Conservação

Art.4 - Para a conservação dos monumentos é essencial que estes sejam

sujeitos a operações regulares de manutenção.

Art.5 - A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua

utilização para fins sociais úteis. Esta utilização, embora desejável, não deve

alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É apenas dentro destes

limites que as modificações que seja necessário efetuar poderão ser admitidas.

Art.6 - A conservação de um monumento implica a manutenção de um

espaço envolvente devidamente proporcionado. Sempre que o espaço

envolvente tradicional subsista, deve ser conservado, não devendo ser

permitidas quaisquer novas construções, demolições ou modificações que

possam alterar as relações volumétricas e cromáticas.

Art.7 - Um monumento é inseparável da história de que é testemunho e

do meio em que está inserido. A remoção do todo ou de parte do monumento

não deve ser permitida, exceto quando tal seja exigido para a conservação

desse monumento ou por razões de grande interesse nacional ou internacional.

Art.8 - Os elementos de escultura, pintura ou decoração que façam parte

integrante de um monumento apenas poderão ser removidos se essa for a única

forma de garantir a sua preservação.

Restauro

Art.9 - O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu

objetivo é a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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devendo ser baseado no respeito pelos materiais originais e pela documentação

autêntica. Qualquer operação desse tipo deve terminar no ponto em que as

conjecturas comecem; qualquer trabalho adicional que seja necessário efetuar

deverá ser distinto da composição arquitetônica original e apresentar marcas

que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro deve ser sempre

precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do

monumento.

Art.10 - Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a

consolidação de um monumento pode ser efetuada através do recurso a outras

técnicas modernas de conservação ou de construção, cuja eficácia tenha sido

demonstrada cientificamente e garantida através da experiência de uso.

Art.11 - As contribuições válidas de todas as épocas para a construção

de um monumento devem ser respeitadas, dado que a unidade de estilo não é o

objetivo que se pretende alcançar nos trabalhos de restauro. Quando um

edifício apresente uma sobreposição de trabalhos realizados em épocas

diferentes, a eliminação de algum desses trabalhos posteriores apenas poderá

ser justificada em circunstâncias excepcionais, quando o que for removido seja

de pouco interesse e aquilo que se pretenda pôr a descoberto tenha grande

valor histórico, arqueológico ou estético e o seu estado de conservação seja

suficientemente bom para justificar uma ação desse tipo. A avaliação da

importância dos elementos envolvidos e a decisão sobre o que pode ser

destruído não podem depender apenas do coordenador dos trabalhos.

Art.12 - Os elementos destinados a substituírem as partes que faltem

devem integrar-se harmoniosamente no conjunto e, simultaneamente, serem

distinguíveis do original por forma a que o restauro não falsifique o documento

artístico ou histórico.

Art.13 - Não é permitida a realização de acrescentos que não respeitem

todas as partes importantes do edifício, o equilíbrio da sua composição e a sua

relação com o ambiente circundante.

Sítios Históricos

Art.14 - Os sítios dos monumentos devem ser objeto de um cuidado

especial, por forma a assegurar que sejam tratados e apresentados de uma

forma correta. Os trabalhos de conservação e restauro a efetuar nesses locais

devem inspirar-se nos princípios enunciados nos artigos precedentes.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

51

Escavações

Art.15 - Os trabalhos de escavação devem ser efetuados de acordo com

as normas científicas e com a "Recomendação definidora dos princípios

internacionais a aplicar em matéria de escavações arqueológicas", adotadas

pela UNESCO em 1956. Deve ser assegurada a manutenção das ruínas e

tomadas as medidas necessárias para garantir a conservação e proteção dos

elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos. Para além disso, devem

tomar-se todas as medidas que permitam facilitar a compreensão do

monumento, sem distorcer o seu significado. Todos os trabalhos de

reconstrução devem ser rejeitados a priori. Só a anastylosis, isto é, a

remontagem das peças soltas que existam num estado de desagregação, pode

ser permitida. Os materiais utilizados para reintegração deverão ser sempre

reconhecíveis e o seu uso restringido ao mínimo necessário para assegurar as

condições de conservação do monumento e restabelecer a continuidade das

suas formas.

Documentação e Publicações

Art.16 - Os trabalhos de conservação, restauro ou escavação devem ser

sempre acompanhados por um registro preciso, sob a forma de relatórios

analíticos ou críticos, ilustrados com desenhos e fotografias. Todas as fases dos

trabalhos de reparação, consolidação, recomposição e reintegração, assim como

os elementos técnicos e formais identificados ao longo dos trabalhos devem ser

incluídos. Este registro deverá ser guardado nos arquivos de um organismo

público e posto à disposição dos investigadores. Recomenda-se também, que

seja publicado.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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RECOMENDAÇÕES DE PARIS

De 19 de Novembro de 1964

Conferência Geral das Organizações das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – 13ª Sessão.

Recomendação sobre medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a

importação e a transferência de propriedades ilícitas de bens culturais.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris, de 20 de outubro a 20 de

novembro de 1964, em sua décima terceira sessão,

Estimando que os bens culturais se constituem em elementos

fundamentais da civilização e da cultura dos povos, e que a familiaridade com

esses bens favorece a compreensão e a apreciação mútuas entre as nações,

Considerando que cada Estado tem o dever de proteger o patrimônio

constituído pelos bens culturais existentes em seu território contra os perigos

decorrentes da exportação, da importação e da transferência de propriedades

ilícitas,

Considerando que, para evitar esses perigos, é indispensável que cada

Estado Membro adquira uma consciência mais clara das obrigações morais

relativas ao respeito a seu patrimônio cultural e ao de todas as nações,

Considerando que os objetivos visados não podem ser alcançados sem

uma estreita colaboração entre os Estados Membros,

Convicta de que se deve tomar providências no sentido de estimular a

adoção de medidas adequadas e de aperfeiçoar o ambiente de solidariedade

internacional, sem o que os objetivos propostos não seriam alcançados,

Tendo examinado propostas de uma regulamentação internacional

destinada a proibir a impedir a exportação, a importação e a transferência de

propriedade ilícitas de bens culturais, assunto que constitui o item 15.3.3 da

pauta da sessão,

Tendo decidido, em sua décima segunda reunião, que tais propostas

seriam objeto de regulamentação internacional mediante uma recomendação

aos Estados Membros, e expressando, contudo, esperança de que uma

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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convenção internacional possa ser adotada o mais cedo possível. Adota, neste

dia de dezenove de novembro de 1964, esta recomendação.

A Conferência Geral recomenda que os Estados Membros apliquem as

disposições seguintes, adotando, sob forma de lei nacional ou de outra forma,

medidas necessárias a fazer vigorar, no território sob sua jurisdição, as normas

e princípios formulados na presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda que os Estados Membros levem esta

recomendação ao conhecimento das autoridades e organizações relacionadas à

proteção de bens culturais. A Conferência Geral recomenda que os Estados

Membros lhe apresentem, nas datas e da forma por ela determinada, relatórios

a respeito das providências que hajam tomado no sentido de colocar em prática

esta recomendação.

I – Definição

Para efeito desta recomendação, são considerados bens culturais os bens

móveis e imóveis de grande importância para o patrimônio cultural de cada

país, tais como as obras de arte e de arquitetura, os manuscritos, os livros e

outros bens de interesse artístico, histórico ou arqueológico, os documentos

etnológicos, os espécimens-tipo da flora e da fauna, as coleções científicas e as

coleções importantes de livros e arquivos, incluídos os arquivos musicais.

Cada Estado Membro deveria adotar os critérios para julgar mais

adequados para definir, no âmbito de seu território, os bens culturais que

haverão de se beneficiar da proteção estabelecida nesta recomendação em

virtude da grande importância que apresentam.

II – Princípios Gerais

Para garantir a proteção de seu patrimônio cultural contra todos os

perigos de empobrecimento, cada Estado Membro deveria adotar as medidas

adequadas para exercer um controle eficaz sobre a exportação dos bens

culturais nos parágrafos 1 e 2. A importação de bens culturais só deveriam ser

autorizados após haverem sido declarados livres de qualquer restrição por

parte do Estado exportador.

Cada Estado Membro deveria tomar as providências apropriadas para

impedir a transferência ilícita de propriedade dos bens culturais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Cada Estado Membro deveria estabelecer normas que regulamentassem

a aplicação dos princípios supracitados.

Qualquer exportação, importação ou transferência da propriedade

efetuada em oposição às normas adotadas por cada Estado Membro em

conformidade com o parágrafo 6 deveria ser considerada ilícita.

Os museus, e em geral todos os serviços e instituições relacionados à

conservação de bens culturais, deveriam abster-se de adquirir qualquer bem

cultural procedente de exportação, importação ou transferência de

propriedades ilícitas.

Para estimular e facilitar os intercâmbios legítimos de bens culturais, os

Estados Membros deveriam empreender os esforços necessários para por à

disposição das coleções públicas dos demais Estados Membros, através de

cessão ou intercâmbio, objetos do mesmo tipo daqueles cuja exportação ou

transferência de propriedade não possam ser autorizadas, ou, por meio de

empréstimo ou depósito, alguns desses mesmos objetos.

III – Medidas Recomendadas

Identificação e Inventário Nacional dos Bens Culturais

Para garantir a aplicação mais eficaz dos princípios gerais enunciados

acima, cada Estado Membro deveria, na medida do possível, estabelecer e

aplicar procedimentos para a identificação dos bens culturais definidos nos

parágrafos 1 e 2 que existam em seu território e estabelecer um inventário

nacional desses bens. A inclusão de um objeto cultural nesse inventário não

deveria alterar de maneira alguma sua propriedade legal. Particularmente,

um objeto cultural de propriedade privada deveria permanecer como tal

mesmo após sua inclusão no inventário nacional. Este inventário não teria

caráter restritivo.

Instituições de Proteção dos Bens Culturais

Cada Estado Membro deveria providenciar para que a proteção dos bens

culturais estivesse sob a responsabilidade de órgãos oficiais adequados e, se

necessário, deveria instituir um serviço nacional para a proteção dos bens

culturais. Ainda que a diversidade de disposições constitucionais e de tradições

e a desigualdade de recursos impossibilitem a adoção por todos os Estados

Membros de uma organização uniforme, é conveniente levar em consideração

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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os seguintes princípios comuns, caso se julgue necessária a criação de um

serviço nacional dos bens culturais:

a) O serviço nacional de proteção dos bens culturais deveria ser, na

medida do possível, um serviço administrativo do Estado ou um órgão que,

atuando em conformidade com a legislação nacional, dispusesse dos meios

administrativos, técnicos e financeiros que permitissem o desempenho eficaz

de suas funções.

b) As funções do serviço nacional de proteção de bens culturais deveriam

incluir:

(i) A identificação dos bens culturais existentes no território do Estado

e, se necessário, o estabelecimento e a manutenção de um inventário

nacional desses bens, em conformidade com o estabelecido no parágrafo

10, acima;

(ii) Cooperação com outros organismos competentes no controle da

exportação, da importação e da transferência de propriedade de bens

culturais, em conformidade com as disposições da seção 11, acima; o

controle de exportações seria consideravelmente facilitado se os bens

culturais fossem acompanhados, por ocasião de sua exportação, de um

certificado apropriado, mediante o qual o Estado exportador certificaria

haveria autorizado a exportação do bem em que questão. Em caso de

dúvida a instituição incumbida de proteção dos bens culturais deveria

comunicar-se com a instituição competente para confirmar a legalidade

da exportação.

c) O serviço nacional de proteção dos bens culturais deveria estar

autorizado a apresentar às autoridades nacionais competentes propostas de

outras medidas legislativas e administrativas adequadas à proteção dos bens

culturais, inclusive sanções que impedissem a exportação, a importação e a

transferência de propriedades ilícitas.

d) O serviço nacional de proteção dos bens culturais deveria poder

recorrer a especialistas para assessorá-lo em relação a problemas técnicos e na

solução de casos litigiosos.

Cada Estado Membro deveria, se necessário, constituir um fundo ou

adotar outras medidas financeiras apropriadas para dispor dos recursos

necessários a adquirir bens culturais de importância excepcional.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Acordos Bilaterais e Multilaterais

Sempre que necessário ou conveniente, os Estados Membros deveriam

firmar acordos bilaterais ou multilaterais, por exemplo, dentro da estrutura de

organizações intergovernamentais regionais, para resolver problemas

decorrentes da exportação, da importação ou da transferência da propriedade

de bens culturais, e mais especificamente, de modo a garantir a restituição de

bens culturais ilicitamente exportados do território de uma das partes desses

acordos e localizada no território de outra. Tais acordos poderiam, se for o caso,

ser incluídos em acordo de maior abrangência, tais como os acordos culturais.

Colaboração Internacional para a Detecção de Operações Ilícitas

Sempre que necessário ou conveniente, os acordos bilaterais ou

multilaterais deveriam conter cláusulas que garantissem que, sempre que

fosse proposta a transferência de propriedade de um bem cultural, os serviços

competentes de cada Estado pudessem certificar-se da inexistência de motivos

para considerar o objeto como proveniente de um roubo, de uma exportação ou

de uma transferência de propriedades ilícitas ou de qualquer outra operação

considerada ilegal pela legislação do Estado exportador, como por exemplo, ao

exigir a apresentação do certificado a que se refere o parágrafo 11. Toda oferta

suspeita e todos os detalhes a ela relacionados, deveriam ser levados ao

conhecimento dos serviços interessados.

Os Estados Membros deveriam empenhar-se na assistência mútua

através do intercâmbio dos resultados de suas experiências no âmbito dos

assuntos a que se refere esta recomendação.

Restituição ou Repatriação de Bens Culturais Exportados

Ilicitamente

Os Estados Membros, os serviços de proteção dos bens culturais, os

museus e todas as instituições competentes em geral deveriam colaborar uns

com os outros no sentido de garantir ou facilitar a restituição ou a repatriação

de bens culturais ilicitamente exportados. Essa restituição ou repatriação

deveria ser efetuada em conformidade com a legislação vigente no Estado em

cujo território se encontram os bens.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Publicidade em caso de Desaparecimento de um Bem Cultural

O desaparecimento de qualquer bem cultural deveria, por solicitação de

Estado que o reclamasse, ser levado ao conhecimento do público, através de

uma publicidade adequada.

Direitos dos Adquirentes de Boa Fé

Cada Estado Membro deveria, se necessário, tomar as providências

adequadas para estabelecer que sua legislação interna ou as convenções quais

possa vir a participar garantissem ao adquirente de boa fé de um bem cultural

a ser restituído ou repatriado ao território do Estado do qual havia sido

ilegalmente exportado a possibilidade de obter a indenização por perdas e

danos ou outra compensação equivalente.

Ação Educativa

No sentido de uma colaboração internacional que levasse em

consideração tanto a natureza universal da cultura quanto à necessidade de

intercâmbios para possibilitar a todos beneficiar-se do patrimônio cultural da

humanidade, cada Estado Membro deveria agir de modo a estimular e

desenvolver entre seus cidadãos o interesse e o respeito pelo patrimônio

cultural de todas as nações. Tal ação deveria ser empreendida pelos serviços

competentes em cooperação com os serviços educativos, com a imprensa e com

outros meios de informação e difusão, com organizações de juventude e de

educação popular e com grupos e indivíduos ligados a atividades culturais.

O precedente é o texto autentico da Recomendação devidamente

aprovado pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e a Cultura, em sua décima terceira reunião, realizada em

Paris e declarada concluída no vigésimo dia de novembro de 1964.

Em fé do qual apensamos nossas assinaturas, neste vigésimo primeiro

dia de novembro de 1964,

O Presidente da Conferência Geral

O Diretor-Geral

René Mahen

Cópia certificada do Assessor Jurídico da Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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Cartas Patrimoniais:

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DECLARAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA COOPERAÇÃO

CULTURAL INTERNACIONAL

De 04 de Novembro de 1966

Conferência Geral das Organizações das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – 14ª Sessão.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura, reunida em Paris para a sua décima quarta

sessão, neste dia quatro de Novembro de 1966, em que se assinala o vigésimo

aniversário da fundação da Organização,

Recordando que a Constituição da Organização declara que “como as

guerras nascem no espírito dos homens, é no espírito dos homens que devem

ser erguidas as defesas da paz” e que, para que a paz subsista, deverá

assentar na solidariedade intelectual e moral da Humanidade,

Recordando que a Constituição diz também que a difusão da cultura e a

educação da Humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são

indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas

as nações devem cumprir com espírito de assistência e preocupação mútua;

Considerando que os Estados Membros da Organização, acreditando na

procura da verdade e na livre troca de ideias e de conhecimentos, se

declararam determinados e concordaram em desenvolver e multiplicar os

meios de comunicação entre os seus povos,

Considerando que, apesar dos progressos técnicos que facilitam o

desenvolvimento e a difusão de conhecimentos e ideias, a ignorância quanto ao

modo de vida e aos costumes dos povos ainda constitui um obstáculo à

amizade entre as nações, à cooperação pacífica e ao progresso da Humanidade,

Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a

Declaração dos Direitos da Criança, a Declaração sobre a Concessão de

Independência aos Países e Povos Coloniais, a Declaração das Nações Unidas

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Declaração

sobre a Promoção entre os Jovens dos Ideais da Paz, do Respeito Mútuo e da

Compreensão Entre os Povos, e a Declaração sobre a Inadmissibilidade da

Intervenção nos Assuntos Internos dos Estados e a Proteção da sua

Independência e Soberania, sucessivamente proclamadas pela Assembleia

Geral das Nações Unidas,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Convencida, em virtude da experiência adquirida nos primeiros vinte

anos da Organização, de que, para que a cooperação cultural internacional

seja reforçada, é necessário afirmar os seus princípios,

Proclama a presente Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural

Internacional, a fim de que os governos, as autoridades, as organizações, as

associações e as instituições se possam constantemente orientar por estes

princípios; e com o objetivo de, conforme consagrado na Constituição da

Organização, promover, através das relações dos povos do mundo nos

domínios da educação, da ciência e da cultura, os objetivos da paz e do bem-

estar definidos na Carta das Nações Unidas.

Artigo I

1. Cada cultura tem uma dignidade e um valor que deverão ser

respeitados e preservados.

2. Cada povo tem o direito e o dever de desenvolver a sua cultura.

3. Na sua rica variedade e diversidade, e nas influências recíprocas que

exercem entre si, todas as culturas fazem parte do património comum de toda

a Humanidade.

Artigo II

As nações esforçar-se-ão por desenvolver os vários sectores da cultura a

par uns dos outros e, tanto quanto possível, em simultâneo, de forma a

estabelecer um equilíbrio harmonioso entre o progresso técnico e o

desenvolvimento intelectual e moral da Humanidade.

Artigo III

A cooperação cultural internacional abrangerá todos os aspectos das

atividades intelectuais e criativas relativas à educação, ciência e cultura.

Artigo IV

A cooperação cultural internacional sob todas as suas formas – bilateral

ou multilateral, regional ou universal – terá como objetivos:

1. Difundir o conhecimento, estimular o talento e enriquecer as

culturas;

2. Desenvolver as relações pacíficas e a amizade entre os povos e

permitir uma melhor compreensão do modo de vida de cada um;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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3. Contribuir para a aplicação dos princípios consagrados nas

Declarações das Nações Unidas recordadas no Preâmbulo da presente

Declaração;

4. Possibilitar que todas pessoas tenham acesso ao conhecimento,

usufruam das artes e da literatura de todos os povos, partilhem os progressos

da ciência alcançados em todas as partes do mundo e os benefícios daí

resultantes, e contribuam para o enriquecimento da vida cultural;

5. Melhorar as condições de vida da pessoa humana, na sua dimensão

espiritual e material, em todas as partes do mundo.

Artigo V

A cooperação cultural é um direito e um dever de todos os povos e de

todas as nações, que devem partilhar entre si os seus conhecimentos e

competências.

Artigo VI

A cooperação internacional, cuja ação benéfica promove o

enriquecimento de todas as culturas, deverá respeitar o caráter diferenciado

de cada uma delas.

Artigo VII

1. Uma ampla difusão das ideias e do conhecimento, com base na mais

livre troca e discussão, é fundamental para a atividade criativa, a busca da

verdade e o desenvolvimento da personalidade humana.

2. Na cooperação cultural, privilegiar-se-ão as ideias e os valores

favoráveis à criação de uma atmosfera de amizade e paz. Deverá evitar-se

qualquer sinal de hostilidade nas atitudes e manifestações de opinião. Serão

feitos todos os esforços, na apresentação e divulgação de informação, para

garantir a sua autenticidade.

Artigo VIII

A cooperação cultural será levada a cabo em benefício mútuo de todas

as nações que a praticam. Os intercâmbios a que dá origem serão organizados

num espírito de ampla reciprocidade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo IX

A cooperação cultural contribuirá para o estabelecimento de relações

estáveis e de longo prazo entre os povos, devendo estar o menos possível

sujeita às tensões que podem ocorrer na vida internacional.

Artigo X

A cooperação cultural atribuirá uma especial importância à educação

moral e intelectual dos jovens num espírito de amizade, compreensão e paz

internacional, devendo fomentar a sensibilização dos Estados para a

necessidade de estimular o talento e promover a formação das gerações

vindouras nos mais variados sectores.

Artigo XI

1. Nas suas relações culturais, os Estados terão presentes os princípios

das Nações Unidas. Ao tentar realizar a cooperação internacional, respeitarão

a igualdade soberana dos Estados e abster-se-ão de intervir em matérias que

se prendam essencialmente com a jurisdição interna de qualquer Estado.

2. Os princípios da presente Declaração serão aplicados tendo

devidamente em conta os direitos humanos e liberdades fundamentais.

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NORMAS DE QUITO

Novembro/Dezembro de 1967

Reunião sobre conservação e utilização de monumentos e lugares de interesse

Histórico e Artístico – O.E.A. – Organização dos Estados Americanos.

INFORME INICIAL

I – Introdução

A inclusão do problema representado pela necessária conservação e

utilização do patrimônio monumental na relação de esforços multinacionais

que se comprometem a realizar os governos da América resulta alentador num

duplo sentido. Primeiramente, porque com isso com os chefes de Estado

deixam reconhecida, de maneira expressa, a existência de uma situação de

urgência que reclama a cooperação interamericana, e em um segundo, porque,

sendo a razão fundamental da Reunião de Punta Del Leste o propósito comum

de dar novo impulso ao desenvolvimento do continente, está se aceitando

implicitamente que esses bens do patrimônio cultural representam um valor

econômico e são suscetíveis de constituir-se em instrumentos de progresso.

O acelerado processo de empobrecimento que vem sofrendo a maioria

dos países americanos como consequência do estado de abandono e da falta de

defesa em que se encontra sua riqueza monumental e artística demanda a

adoção de medidas de urgência, tanto em nível nacional quanto internacional,

mas sua eficácia prática dependerá, em último caso, de sua adequada

formulação dentro de um plano sistemático de revalorização dos bens

patrimoniais em função de desenvolvimento econômico-social.

As recomendações do presente informe são dirigidas nesse sentido e se

limitam, especificamente, à adequada conservação e utilização dos

monumentos e sítios de interesse arqueológico, histórico e artístico, de

conformidade com o que dispõe o Capítulo V, Esforços Multinacionais, letra d,

da Declaração dos Presidentes da América.

É preciso reconhecer, entretanto, que, dada a íntima relação entre o

continente arquitetônico e o conteúdo artístico, torna-se imprescindível

estender a devida proteção a outros bens móveis e a objetos valiosos do

patrimônio cultural para evitar sua contínua deterioração e subtração impune

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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e para conseguir que contribuam à obtenção dos fins pretendidos mediante sua

adequada exibição, de acordo com a moderna técnica museográfica.

II – Considerações Gerais

A ideia do espaço é inseparável do conceito do monumento e, portanto, a

tutela do Estado pode e leve se estender ao contexto urbano, ao ambiente

natural que o emoldura e aos bens culturais que encerra. Mas pode existir uma

zona, recinto ou sítio de caráter monumental, sem que nenhum dos elementos

que o constitui, isoladamente considerados, mereça essa designação.

Os lugares pitorescos e outras belezas naturais, objeto de defesa e

proteção por parte do Estado, não são propriamente monumentos nacionais. A

marca histórica ou artística do homem é essencial para imprimir a uma

paisagem ou a um recinto determinado essa categoria específica.

Qualquer que seja o valor intrínseco de um bem ou as circunstâncias que

concorram para constituir a sua importância e significação histórica ou

artística, ele não se constituirá em um monumento a não ser que haja uma

expressa declaração do Estado nesse sentido. A declaração do monumento

nacional implica a sua identificação e registros oficiais. A partir desse

momento o bem em questão estará submetido ao regime de exceção assinalado

por lei.

Todo monumento nacional está implicitamente destinado a cumprir uma

função social. Cabe ao Estado fazer com que ela prevaleça e determinar, nos

diferentes casos, à medida que a referida função social é compatível com a

propriedade e com o interesse dos particulares.

III – O Patrimônio Monumental e o Momento Americano

É uma realidade evidente que a América, e em especial a América

Ibérica, constitui uma região extraordinária rica em recursos monumentais.

Aos grandiosos testemunhos das culturas pré-colombianas se agregam as

expressões monumentais, arquitetônicas, artísticas e histórico do extenso

período colonial, numa exuberante variedade de formas. Um acento próprio,

produto do fenômeno da aculturação, contribui para imprimir aos estilos

importados um sentido genuinamente americano de múltiplas manifestações

locais que os caracteriza e distingue. Ruínas arqueológicas de capital

importância, nem sempre acessíveis ou de todo exploradas, se alteram com

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A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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surpreendentes sobrevivências do passado; complexos urbanos e povoados

inteiros são suscetíveis de se tomar centros de maior interesse e atração.

É certo também que grande parte desse patrimônio se arruinou

irremediavelmente no curso das últimas décadas ou se acha hoje em perigo

iminente de perder-se. Múltiplos fatores têm contribuído e continuam

contribuindo para diminuir as reservas de bens culturais da maioria dos países

da América Ibérica, mas é necessário reconhecer que a razão fundamental da

destruição progressivamente acelerada desse potencial de riqueza reside na

falta de uma política oficial capaz de imprimir eficácia prática às medidas

protecionistas vigentes e de promover a revalorização do patrimônio

monumental em função do interesse público e para benefício econômico da

nação.

Nos momentos críticos em que a América se encontra comprometida em

um grande empenho progressista, que implica a exploração exaustiva de seus

recursos naturais e a transformação progressiva das suas estruturas

econômico-sociais, os problemas que se relacionam com a defesa, conservação e

utilização dos monumentos, sítios e conjuntos monumentais adquirem

excepcional importância e atualidade.

Todo processo de acelerado desenvolvimento traz consigo a multiplicação

de obras de infraestrutura e a ocupação de extensas áreas por instalações

industriais e construções imobiliárias que não apenas alteram, mas deformam

por completo a paisagem, apagando as marcas e expressões do passado,

testemunhos de uma tradição histórica de inestimável valor.

Grande número de cidades ibero-americanas que entesouravam, num

passado ainda próximo, um rico patrimônio monumental, evidência de sua

grande passada – templos, praças, fontes e vielas, que, em conjunto,

acentuavam sua personalidade e atração -, têm sofrido tais mutilação e

degradações no seu perfil arquitetônico que se tomam irreconhecíveis. Tudo

isso em nome de um mal entendido e pior administrado progresso urbano.

Não é exagerado afirmar que o potencial de riqueza destruída com esses

atos irresponsáveis de vandalismo urbanístico em numerosas cidades do

continente excede em muitos os benefícios advindos para a economia nacional

através das instalações e melhorias de infraestrutura com que se pretendem

justificar.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

65

IV – A Solução Conciliatória

A necessidade de conciliar as exigências do progresso urbano com a

salvaguarda dos valores ambientais já é hoje em dia uma norma inviolável na

formulação dos planos reguladores, em nível tanto local como nacional. Nesse

sentido, todo plano de ordenação deverá realizar-se de forma que permita

integrar ao conjunto urbanístico os centros ou complexos históricos de

interesse ambiental.

A defesa e valorização do patrimônio monumental e artístico não se

contradizem, teórica nem praticamente, com uma política de ordenação

urbanística cientificamente desenvolvida. Longe disso, deve constituir o seu

complemento. Em confirmação a este critério se transcreve o seguinte

parágrafo do Informe Weiss, apresentado à Comissão Cultural e Científica do

Conselho da Europa (1963): “É possível equipar um país sem desfigurá-lo;

preparar e servir ao futuro sem destruir o passado. A elevação do nível da vida

não deve se limitar à realização de um bem-estar material progressivo; deve

ser associado à criação de um quadro de vida digno do homem”.

A continuidade do horizonte histórico e cultural da América, gravemente

comprometido pela entronização de um processo anárquico de modernização,

exige a adoção de medidas de defesa, recuperação e revalorização do

patrimônio monumental da região e a formulação de planos nacionais e

multinacionais a curto e a longo prazo.

É preciso admitir que os organismos internacionais especializados têm

reconhecido a dimensão do problema e vêm trabalhando com afinco, nos

últimos anos, para conseguir soluções satisfatórias. Está à disposição da

América a experiência acumulada.

A partir da Carta de Atenas, de 1932, muitos foram os congressos

internacionais que se sucederam até consolidar-se o atual critério dominante.

Entre os que mais se aprofundam no problema, contribuindo com

recomendações concretas, figuram o da União Internacional de Arquitetos

(Moscou, 1958); o Congresso da Federação Internacional de Habitação e

Urbanismo (Santiago de Compostela, 1961), que teve como tema o problema

dos conjuntos históricos; o Congresso de Veneza (1964) e o mais recente, o do

ICOMOS, em Cáceres (1967), que trazem a esse tema de tanto interesse

americano um ponto de vista eminentemente prático.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

66

V – Valorização Econômica dos Monumentos

Partimos do pressuposto do que os monumentos de interesse

arqueológico, histórico e artístico constituem também recursos econômicos da

mesma forma que as riquezas naturais do país. Consequentemente, as

medidas que levam a sua preservação e adequada utilização não só guardam

relação com os planos de desenvolvimento, mas fazem ou devem fazer partes

deles.

Na mais ampla esfera das relações interamericanas, reiteradas

recomendações e resoluções de diferentes organismos do sistema levaram

progressivamente o problema ao mais alto nível de consideração: a Reunião dos

Chefes de Estado (Punta del Este, 1967).

É evidente que a inclusão do problema relativo à adequada preservação

e utilização do patrimônio monumental na citada reunião corresponde às

mesmas razões fundamentais que levaram os presidentes da América a

convocá-la; a necessidade de dar à Aliança para o Progresso um novo e mais

vigoroso impulso e de oferecer, através da cooperação continental, a ajuda

necessária ao desenvolvimento econômico dos países membros da OEA.

Isso explica o emprego do termo “utilização”, que figura no ponto 2, A.

capítulo V, da Declaração dos Presidentes:

“Esforços Multinacionais...”

2. Encomendar aos organismos competentes da OEA que: [...]

d) Estendam a cooperação interamericana à conservação e utilização dos

monumentos arqueológicos, históricos e artísticos.

Mais concretamente, na resolução 2 da Segunda Reunião Extraordinária

do Conselho Interamericano Cultural, convocada com a finalidade única de dar

cumprimento ao disposto na Declaração dos Presidentes, dentro da área de

competência do conselho, diz-se:

“...A extensão da assistência técnica e a ajuda financeira ao patrimônio

cultural dos Estados Membros será cumprida em função de seu

desenvolvimento econômico e turístico”.

Em suam, trata-se de mobilizar os esforços nacionais no sentido de

procurar o melhor aproveitamento dos recursos monumentais de que se

disponha, como meio indireto de favorecer o desenvolvimento econômico do

país.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

67

Isso implica uma tarefa prévia de planejamento em nível nacional, ou

seja, a avaliação dos recursos disponíveis e a formulação de projetos específicos

dentro de um plano de ordenação geral.

A extensão da cooperação interamericana para esse aspecto do

desenvolvimento implica o reconhecimento de que o esforço nacional não é por

si só suficiente para empreender uma ação multinacional que muitos Estados-

Membros em processo de desenvolvimento podem prover-se dos serviços

técnicos e dos recursos financeiros indispensáveis.

VI – A valorização do Patrimônio do Cultural

O termo “valorização”, que tende a tomar-se cada dia mais frequente

entre os especialistas, adquire no momento americano uma especial aplicação.

Se algo caracteriza este momento é, precisamente, a urgente necessidade de

utilizar ao máximo o cabedal de seus recursos e é evidente que entre eles

figura o patrimônio monumental das nações.

Valorizar um bem histórico ou artístico equivale a habilitá-lo com as

condições objetivas e ambientais que, sem desvirtuar sua natureza ressaltem

suas características e permitam seu ótimo aproveitamento. Deve-se entender

que a valorização se realiza em função de um fim transcendente, que, no caso

da América Ibérica, seria o de contribuir para o desenvolvimento econômico da

região.

Em outras palavras, trata-se de incorporar a um potencial econômico um

valor atual; de por em produtividade uma riqueza inexplorada, mediante um

processo de revalorização que, longe de diminuir sua significação puramente

histórica ou artística, a enriquece, passando-a do domínio exclusivo de

minorias eruditas ao conhecimento e fruição de maiorias populares.

Em síntese, a valorização do patrimônio monumental e artístico implica

uma ação sistemática, eminentemente técnica, dirigida a utilizar todos e cada

um desses bens conforme a sua natureza, destacando e exaltando suas

características e méritos até colocá-los em condições de cumprir plenamente a

nova função a que estão destinados.

É preciso destacar que, em alguma medida, a área de implantação de

uma construção de especial interesse torna-se comprometida por causa da

vizinhança imediata ao monumento, o que equivale a dizer que, de certa

maneira, passará a ser parte dele quando for valorizado. As normas

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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protecionistas e os planos de revalorização têm que se estender, portanto, a

todo o âmbito do monumento.

De outra parte, a valorização de um monumento exerce uma benéfica

ação reflexa sobre o perímetro urbano em que se encontra implantado e ainda

transborda dessa área imediata, estendendo seus efeitos a zonas mais

distantes.

É evidente que, na medida em que um monumento atrai a atenção do

visitante, aumentará a demanda de comerciantes interessados em instalar

estabelecimentos apropriados a sua sombra protetora. Essa é outra

consequência previsível da valorização e implica a prévia adoção de medidas

reguladoras que, ao mesmo tempo em que facilitem e estimulem a iniciativa

privada, impeçam a desnaturalização do lugar e a perda das finalidades

primordiais que se perseguem.

Do exposto se depreende que a diversidade de monumentos e edificações

de marcado interesse histórico e artístico situadas dentro do núcleo de valor

ambiental se relacionam entre si e exercem um efeito multiplicador sobre o

resto da área, que ficaria revalorizada em conjunto como consequência de um

plano de valorização e de saneamento de suas principais construções.

VII – Os monumentos em Função do Turismo

Os valores propriamente culturais não de desnaturalizam nem se

comprometem ao vincular-se com os interesses turísticos e, longe disso, a

maior atração exercida pelos monumentos e a fluência crescente de visitantes

contribuem para afirmar a consciência de sua importância e significação

nacionais. Um monumento restaurado adequadamente, um conjunto urbano

valorizado constitui não só uma lição viva de história como uma legítima razão

de dignidade nacional. No mais amplo marco das relações internacionais, esses

testemunhos do passado estimulam os sentimentos de compreensão, harmonia

e comunhão espiritual mesmo entre os povos que mantêm rivalidade política.

Tudo quanto contribuir para exaltar os valores do espírito, mesmo que a

intenção original nada tenha a ver com a cultura, há de derivar em seu

benefício. A Europa deve ao turismo, direta ou indiretamente, a salvaguarda

de uma grande parte de seu patrimônio cultural, condenado à completa e

irremediável destruição, e a sensibilidade contemporânea, mas visual que

literária, tem oportunidade de se enriquecer com a contemplação de novos

exemplos de civilização ocidental, resgatados tecnicamente graças ao poderoso

estímulo turístico.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

69

Se os bens do patrimônio cultural desempenham papel tão importante

na promoção do turismo, é lógico que os investimentos que se requerem para

sua devida restauração e habilitação específica devem se fazer

simultaneamente aos que reclama o equipamento turístico e, mais

propriamente, integrar-se num só plano econômico de desenvolvimento

regional.

A Conferência das Nações Unidas sobre Viagens Internacionais e

Turismo (Roma, 1963) não somente recomendou que se desse uma alta

prioridade aos investimentos em turismo dentro dos planos nacionais, como fez

ressaltar que, “do ponto de vista turístico, o patrimônio cultural, histórico e

natural das nações, constitui um valor substancialmente importante” e que,

em consequência, seria urgente “a adoção de medidas adequadas dirigidas a

assegurar a conservação e proteção desse patrimônio” (Informe Final, Doc. 4).

Por sua vez, a Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações

(1964) recomendou às agências e organismos de financiamento, tanto

governamentais como privados, “oferecer assistência, na forma mais

apropriada, para as obras de conservação, restauração e utilização vantajosa

de sítios arqueológicos, históricos e de beleza natural” (Resolução, Anexo A,

IV.24). Ultimamente o Conselho Econômico e Social do citado organismo

mundial, depois de recomendar à Assembleia Geral designar o ano de 1967

como “Ano do Turismo Nacional”, resolveu solicitar aos organismos das Nações

Unidas e às agências especializadas que dessem “parecer favorável às

solicitações de assistência técnica e financeira dos países em desenvolvimento,

a fim de acelerar a melhoria dos seus recursos turísticos” (Resolução 1109 XL).

Em relação a esse tema, que vem sendo objeto de especial atenção por

parte da Secretaria Geral da UNESCO, empreendeu-se um exaustivo estudo,

com a colaboração de um organismo não governamental de grande prestígio, a

União Internacional de Organizações Oficiais de Turismo. Esse estudo

confirma os critérios expostos e, depois de analisar as razões culturais,

educativas e sociais que justificam o uso da riqueza monumental em função do

turismo, insiste nos benefícios econômicos que derivam dessa política para as

áreas territoriais correspondentes. Dois pontos de particular interesse

merecem ser destacados: a) a afluência turística determinada pela

revalorização adequada de um monumento assegura a rápida recuperação do

capital investido nesse fim; b) a atividade turística que se origina da adequada

apresentação de um monumento e que, abandona, determinaria sua extinção,

traz consigo uma profunda transformação econômica da região em que esse

monumento se acha inserido.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Dentro do sistema interamericano, além das numerosas recomendações

e acordos que enfatizam a importância a ser concedida, tanto em nível nacional

como regional, ao problema do abandono em que se encontra boa parte do

patrimônio cultural dos países do continente, recentes reuniões especializadas

têm abordado o tema específico da função que os monumentos de interesse

artístico e histórico representam no desenvolvimento da indústria turística. A

Comissão Técnica de Fomento do Turismo, na sua quarta reunião (julho-agosto

de 1967), resolveu solidarizar-se com as conclusões adotadas pela

correspondente Comissão de Equipamento Turístico, entre as quais figuram as

seguintes:

“Que os monumentos e outros bens de natureza arqueológica, histórica e

artística podem e devem ser devidamente preservados e utilização em função

do desenvolvimento, como principais incentivos à afluência turística”.

“Que nos países de grande riqueza patrimonial de bens de interesse

arqueológico, histórico e artístico, esse patrimônio constitui um fator decisivo

em seu equipamento turístico e, em consequência, deve ser levado em conta na

formalização dos planos correspondentes”.

“Que os interesses propriamente culturais e os de índole turística se

conjugam no que diz respeito à devida preservação e utilização do patrimônio

monumental e artístico dos povos da América, pelo que se faz aconselhável que

os organismos e unidades técnicas de uma e outra área da atividade

interamericana trabalhem nesse sentido de forma coordenada”.

Do ponto de vista exclusivamente turístico, os monumentos são parte do

equipamento que se dispõe para operar essa indústria numa região

determinada, mas à medida que o monumento possa servir ao uso a que se lhe

destina já não dependerá apenas de seu valor intrínseco, quer dizer, da sua

significação ou interesse arqueológico, histórico ou artístico, mas também das

circunstâncias adjetivas que concorram para ele e facilitem sua adequada

utilização. Daí que as obras de restauração nem sempre sejam suficientes, por

si só, para que um monumento possa ser explorado e passe a fazer parte do

equipamento turístico da região. Podem ser necessárias outras obras de

infraestrutura, tais como um caminho que facilite o acesso ao monumento ou

um albergue que aloje os visitantes ao término de uma jornada de vagem. Tudo

isso, mantido o caráter ambiental da região.

As vantagens econômicas e sociais do turismo monumental figuram nas

mais modernas estatísticas, especialmente nas dos países europeus, que devem

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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sua presente prosperidade ao turismo internacional e que contam, entre suas

principais fontes de riqueza, com a reserva de bens culturais.

VIII – O interesse social e a ação cívica

É presumível que os primeiros esforços dirigidos a revalorizar o

patrimônio monumental encontrem uma ampla zona de resistência na órbita

dos interesses privados. Anos de incúria oficial e um impulsivo afã de

renovação que caracteriza as nações em processo de desenvolvimento

contribuem para difundir o menosprezo por todas as manifestações do passado

que não se ajustam ao molde ideal de um moderno estilo de vida. Carentes da

suficiente formação cívica para julgar o interesse social como uma expressão

decantada do próprio interesse individual, incapazes de apreciar o que mais

convém à comunidade a partir do remoto ponto de vista do bem público, os

habitantes de uma população contagiada pela febre do progresso não podem

medir as consequências dos atos de vandalismo urbanístico que realizam

alegremente, com a indiferença ou a cumplicidade das autoridades locais.

Do seio de cada comunidade pode e deve surgir a voz de alarme e a ação

vigilante e preventiva. O estímulo a agrupamento cívicos de defesa do

patrimônio, qualquer que seja sua denominação e composição, tem dado

excelentes resultados, especialmente em localidades que não dispõem ainda de

diretrizes urbanísticas e onde a ação protetora em nível nacional é débil ou

nem sempre eficaz.

Nada pode contribuir melhor para a tomada de consciência desejada do

que a contemplação do próprio exemplo. Uma vez que se apreciam os

resultados de certas obras de restauração e de revitalização de edifícios, praças

e lugares, costuma ocorrer uma reação favorável de cidadania que paralisa a

ação destrutiva e permite a consecução de objetivos mais ambiciosos.

Em qualquer caso, a colaboração espontânea e múltipla dos particulares

nos planos de valorização do patrimônio histórico e artístico é absolutamente

imprescindível, muito especialmente nas pequenas comunidades. Daí que, na

preparação desses planos, deve se levar em conta a conveniência de um

programa anexo de educação cívica, desenvolvido sistemática e

simultaneamente à execução do projeto.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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IX – Os instrumentos de valorização

A adequada utilização dos monumentos de principal interesse histórico e

artístico implica primeiramente a coordenação de iniciativas e esforços de

caráter cultural e econômico-turísticos. Na medida em que esses interesses

coincidentes se unam e identifiquem, os resultados perseguidos serão mais

satisfatórios.

Não pode haver essa necessária coordenação se não existem no país em

questão as condições legais e os instrumentos técnicos que a tornem possível.

Do ponto de vista cultural, são requisitos prévios a qualquer propósito

oficial dirigido a revalorizar seu patrimônio monumental: a legislação eficaz,

organização técnica e planejamento nacional.

A integração dos projetos culturais e econômicos devem produzir-se em

nível nacional como medida prévia a toda gestão de assistência ou cooperação

exterior. Essa integração, tanto em termos técnicos como financeiros, é o

complemento do esforço nacional. Aos governos dos diferentes Estados

Membros cabe a iniciativa; aos países corresponde a tarefa prévia de formular

seus projetos e integrá-los com os planos gerais para o desenvolvimento. As

medidas e procedimentos que se seguem destinam-se a essa finalidade.

Recomendações (em nível nacional)

Os projetos de valorização do patrimônio monumental fazem parte dos

planos de desenvolvimento nacional e, consequentemente, devem a eles se

integrar. Os investimentos que se requerem para a execução dos referidos

projetos devem ser feitos simultaneamente com os que são necessários para o

equipamento turístico da zona ou região objeto de revalorização.

Compete ao governo dotar o país das condições que tornem possível a

formulação e execução dos projetos específicos de valorização.

São requisitos indispensáveis aos efeitos citados, os seguintes:

a) Reconhecimento de uma excepcional prioridade dos projetos de

valorização da riqueza monumental, dentro do Plano Nacional para o

Desenvolvimento;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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b) Legislação adequada ou, em sua falta, outras disposições

governamentais que facilitem o projeto de valorização fazendo prevalecer, em

todas as circunstâncias, o interesse público;

c) Direção coordenada do projeto através de um instituto idôneo, capaz

de centralizar sua execução em todas as etapas;

d) Designação de uma equipe técnica que possa contar com assistência

exterior durante a elaboração dos projetos específicos ou durante sua execução;

e) A valorização da riqueza monumental só pode ser levada a efeito

dentro de um quadro de ação planificada, quer dizer, na conformidade com um

plano regulador de alcance nacional ou regional. Consequentemente, torna-se

imprescindível a integração dos projetos que se venham a promover com os

planos reguladores existentes na cidade ou na região de que se trate. À falta

desses planos, proceder-se-á no sentido de estabelecê-los de forma adequada.

A necessária coordenação dos interesses propriamente culturais

relativos aos monumentos ou conjuntos ambientais, e os de caráter turístico

deverá produzir-se no âmago da direção coordenada do projeto a que se refere a

letra c) do inciso 3, como medida prévia de toda a gestão relativa à assistência

técnica ou à ajuda financeira externa.

A cooperação dos interesses privados e o respaldo da opinião pública são

indispensáveis para a realização de qualquer projeto de valorização. Nesse

sentido, deve-se ter presente, durante a sua formulação, o desenvolvimento de

uma campanha cívica que possibilite a formação de uma consciência pública

favorável.

Recomendações (em nível interamericano)

Reiterar a conveniência de que os países da América adotem a Carta de

Veneza como norma mundial em matéria de preservação de sítios e

monumentos históricos e artísticos, sem prejuízo de adotarem outros

compromissos e acordos que se tornem recomendáveis dentro do sistema

interamericano.

Estender o conceito generalizado de monumento às manifestações

próprias da cultura dos séculos XIX e XX.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Vincular a necessária revalorização do patrimônio monumental e

artístico das nações da América a outros países extracontinentais e, de

maneira muito especial, à Espanha e a Portugal, dada a participação histórica

de ambos na formação desse patrimônio e a comunhão dos valores culturais

que os mantêm unidos aos povos deste continente.

Recomendar à Organização dos Estados Americanos que estenda

cooperação que se propôs prestar à revalorização dos monumentos de

interesses arqueológico, histórico e artístico a outros bens do patrimônio

cultural, constituídos do acervo de museus e arquivos, bem como do acerco

sociológico do folclore nacional.

A restauração termina onde começa a hipótese, tornando-se, por isso,

absolutamente necessário em todo trabalho dessa natureza um estudo prévio

de investigação histórica. Uma vez que a Espanha conserva seus arquivos farto

material de plantas sobre as cidades da América, fortalezas e grande número

de edifícios, juntamente com copiosíssima documentação oficial, e dado que a

catalogação desses documentos imprescindíveis foi interrompida em data

anterior à da maioria das construções coloniais, o que dificulta extremamente

sua utilização, torna-se altamente necessário que a OEA coopere com a

Espanha no trabalho de atualizar e facilitar as investigações nos arquivos

espanhóis e, especialmente, nos das índias, em Sevilha.

Recomendar que seja redigido um novo documento hemisférico que

substitua o Tratado Interamericano sobre a Proteção de Móveis de Valor

Histórico (1935), capaz de proteger de maneira mais ampla e efetiva essa parte

importantíssima do patrimônio cultural do continente dos múltiplos riscos que

a ameaçam.

Enquanto não se ultima o estabelecido no item anterior, recomenda-se

que o Conselho Interamericano providencie, na sua próxima reunião, obter dos

Estados Membros a adoção de medidas de emergência capazes de eliminar os

riscos do comércio ilícito de peças do patrimônio cultural e que se ative a sua

devolução ao país de origem, uma vez provada sua exportação clandestina ou

aquisição ilegal.

Tendo em vista que a escassez de recursos humanos constitui um grava

inconveniente para a realização de planos de valorização, torna-se

recomendável tomar as providências adequadas para a criação de um centro ou

instituto especializado em matéria de restauração, de caráter interamericano.

Da mesma forma, torna-se recomendável satisfazer as necessidades em

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Cartas Patrimoniais:

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matéria de restauração de bens públicos, mediante o fortalecimento dos órgãos

existentes e a criação de outros novos.

Sem prejuízo do estabelecido anteriormente e a fim de satisfazer

imediatamente tão imperiosas necessidades, recomenda-se à Secretaria Geral

da OEA utilizar as facilidades que oferecem seus atuais programas de Bolsas e

Habilitação Extracontinental e, bem assim, celebrar com o Instituto de Cultura

Hispânica, amparado pelo acordo de cooperação técnica da OEA-Espanha e

com o Centro Regional Latino Americano de Estudos para a Conservação e

Restauração de Bens Culturais do México, amplos acordos de colaboração.

Toda vez que se torne necessário o intercâmbio de experiências sobre os

problemas próprios da América e convém manter-se uma adequada unidade de

critérios relativos à matéria, recomenda-se reconhecer a Sociedade de

Arquitetos Especializados em Restauração e Monumentos, com sede provisória

no Instituto de Cultura Hispânica, Madrid, e proporcionar sua instalação

definitiva num dos Estados Membros.

Medidas Legais

É necessário atualizar a legislação de proteção vigente nos Estados

americanos, a fim de tornar eficaz sua aplicação aos efeitos pretendidos.

É necessário revisar as disposições regulamentares locais que se aplicam

à matéria de publicidade, com o objetivo de controlar toda forma publicitária

que tenda alterar as características ambientais e zonas urbanas de interesse

histórico.

Para os efeitos de legislação de proteção, o espaço urbano que ocupam os

núcleos ou conjuntos monumentais e de interesse ambiental deve limitar-se da

seguinte forma:

a) zona de proteção rigorosa, que corresponderá à de maior densidade

monumental ou de ambiente;

b) zona de proteção ou respeito, com maior tolerância;

c) zona de proteção da paisagem urbana, a fim de procurar integrá-la

com a natureza circundante.

Ao atualizar a legislação vigente, os países deverão ter em conta o maior

valor que adquirirem os bens imóveis incluídos na zona de valorização, assim

como, até certo ponto, as limítrofes.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Da mesma forma, deve-se tomar em consideração a possibilidade de

estimular a iniciativa privada, mediante a implantação de um regime de

isenção fiscal nos edifícios que se restaurem com capital particular e dentro dos

regulamentos estabelecidos pelos órgãos competentes. Outros desencargos

fiscais podem também ser estabelecidos como compensação às limitações

impostas à propriedade particular por motivo de utilidade pública.

Medidas Técnicas

A valorização de um monumento ou conjunto urbano de interesse

ambiental é o resultado de um processo eminentemente técnico e,

consequentemente, sua execução oficial deve ser confiada diretamente a um

órgão de caráter especializado, que centralize todas as atividades.

Cada projeto de valorização constitui um problema específico e requer

uma solução também específica.

A colaboração técnica dos peritos nas diversas disciplinas que deverão

intervir na execução de um projeto é absolutamente essencial. Da acertada

coordenação dos especialistas irá depender, em boa parte, o resultado final.

A prioridade dos projetos fica subordinada à estimativa dos benefícios

econômicos, que derivariam de sua execução para uma determinada região.

Entretanto, em tudo que for possível, deve-se ter em conta a importância

intrínseca dos bens objeto de restauração ou revalorização e a situação de

emergência em que eles se encontram.

Em geral, todo projeto de valorização envolve problemas de caráter

econômico, histórico, técnico e administrativo. Os problemas técnicos de

conservação, restauração e reconstrução variam segundo a natureza do bem

cultural. Os monumentos arqueológicos, por exemplo, exigem a colaboração de

especialistas na matéria.

A natureza e o alcance dos trabalhos que é preciso realizar em um

monumento exigem decisões prévias, produto do exaustivo exame das

condições e circunstâncias que nele concorrem. Decidida a forma de

intervenção a que deverá ser submetido o monumento, os trabalhos

subsequentes deverão prosseguir com absoluto respeito ao que evidencia sua

substância ou ao que apontam, indubitavelmente, os documentos autênticos

em que se baseia a restauração.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Nos trabalhos de revalorização de zonas ambientais, torna-se necessária

a prévia definição de seus limites e valores.

A valorização de uma zona histórica ambiental, já definida e avaliada,

implica:

a) estudo e determinação de seu uso eventual e das atividades que nela

deverão desenvolver-se;

b) estudo da magnitude dos investimentos e das etapas necessárias até o

término dos trabalhos de restauração e conservação, incluídas as obras

de infraestrutura e adaptações exigidas pelo equipamento turístico para

sua valorização;

c) estudo analítico do regime especial a que a zona ficará submetida, a

fim de que as construções existentes e as futuras possam ser

efetivamente controladas;

d) a regulamentação das zonas adjacentes ao núcleo histórico deve

estabelecer, além do uso da terra e densidade da respectiva ocupação, a

relação volumétrica como fator determinante da paisagem urbana e

natural;

e) estudo do montante das inversões necessárias para o adequado

saneamento da zona a ser valorizada;

f) estudo das medidas preventivas necessárias para a manutenção

permanente de zona a valorizar.

A limitação dos recursos disponíveis e o necessário adestramento das

equipes técnicas requeridas pelos planos de valorização tornam aconselhável a

prévia formulação de um projeto piloto no local em que melhor se conjuguem os

interesses econômicos e as facilidades técnicas.

A valorização de um núcleo de interesse histórico-ambiental de extensão

que exceda as possibilidades econômicas imediatas pode e deve ser projetado

em duas ou mais etapas, que seriam executadas progressivamente, de acordo

com as conveniências do equipamento turístico. Não obstante, o projeto deve

ser concebido em sua totalidade, sem que se interrompam ou diminuam os

trabalhos de classificação, investigação e inventário.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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RECOMENDAÇÕES DE PARIS DE OBRAS

PÚBLICAS OU PRIVADAS

19 de Novembro de 1968

15ª Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 15ª sessão, realizada em Paris, de 15

de outubro a 20 de novembro de 1968:

Considerando que a civilização contemporânea e sua evolução futura

repousam nas tradições culturais dos povos e nas forças criadoras da

humanidade, assim como em seu desenvolvimento social e econômico.

Considerando que os bens culturais são o produto e o testemunho das

diferentes tradições e realizações intelectuais do passado e constituem,

portanto, um elemento essencial da personalidade dos povos.

Considerando que é indispensável preservá-los, na medida do possível e,

de acordo com sua importância histórica e artística, valorizá-los de modo que

os povos se compenetrem de sua significação e de sua mensagem e, assim,

fortaleçam a consciência de sua própria dignidade. Considerando que essa

preservação e valorização dos bens culturais, de acordo com o espírito da

Declaração de Princípios da Cooperação Cultural Internacional, adotada em 4

de novembro de 1966, durante a 14 a sessão, favorecem uma melhor

compreensão entre os povos e, consequentemente, servem à causa da paz.

Considerando também que o bem-estar de todos os povos depende, entre

outras coisas de que sua vida se desenvolva em um meio favorável e

estimulante, e que a preservação dos bens culturais de todos os períodos de sua

história contribui diretamente para isso. Reconhecendo, por outro lado, o papel

desempenhado pela industrialização e urbanização a que tende a civilização

mundial no desenvolvimento dos povos e em sua completa realização espiritual

e nacional.

Considerando, entretanto, que os monumentos, testemunhos e vestígios

do passado pré-histórico, proto-histórico e histórico, assim como inúmeras

construções recentes que têm uma importância artística, histórica ou científica,

estão cada vez mais ameaçados pelos trabalhos públicos ou privados

resultantes do desenvolvimento da indústria e da urbanização.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Considerando que é dever dos governos assegurar a proteção e a

preservação da herança cultural da humanidade tanto quanto promover o

desenvolvimento social e econômico.

Considerando, portanto, que é necessário harmonizar a preservação do

patrimônio cultural com as transformações exigidas pelo desenvolvimento

social e econômico, e que urge desenvolver os maiores esforços para responder

a essas duas exigências em um espírito de ampla compreensão e com

referência a um planejamento apropriado.

Considerando, igualmente, que a adequada preservação e exposição dos

bens culturais contribuem poderosamente para o desenvolvimento social e

econômico dos países e das regiões que possuem esse gênero de tesouros da

humanidade, através do estímulo ao turismo nacional e internacional.

Considerando, enfim, que, em matéria de preservação de bens culturais,

a garantia mais segura é constituída pelo respeito e pela vinculação que a

própria população experimenta em relação a esses bens e que os Estados

Membros poderiam contribuir para fortalecer tais sentimentos através de

medidas adequadas.

Sendo-lhe apresentadas propostas relativas à preservação dos bens

culturais ameaçados por obras públicas ou privadas, questão que constitui o

item 16 da ordem do dia da sessão.

Após haver decidido, em sua décima terceira sessão, que as propostas

sobre esse assunto seriam objeto de uma regulamentação internacional através

de uma recomendação aos Estados Membros,

Adota, neste décimo nono dia de novembro de 1968, a presente

recomendação:

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as

disposições seguintes, adotando as medidas legislativas ou de outra natureza,

necessárias para levar a efeito nos respectivos territórios as normas e

princípios formulados na presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem a

presente recomendação ao conhecimento das autoridades e órgãos

encarregados das obras públicas ou privadas, assim como ao dos órgãos

responsáveis pela conservação e pela proteção dos monumentos históricos,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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artísticos, arqueológicos e científicos. Recomenda que as autoridades e órgãos

encarregados do planejamento dos programas de educação e de

desenvolvimento do turismo sejam igualmente informados.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe

apresentem, nas datas e na forma a ser por ela determinada, relatórios que

digam respeito às medidas adotadas para levar a efeito a presente

recomendação.

I – Definição

Para os efeitos da presente recomendação, a expressão bens culturais se

aplicará a:

a) Bens móveis, como os sítios arqueológicos, históricos ou científicos,

edificações ou outros elementos de valor histórico, científico, artístico ou

arquitetônico, religiosos ou seculares, incluídos os conjuntos tradicionais, os

bairros históricos das zonas urbanas e rurais e os vestígios de civilizações

anteriores que possuam valor etnológico. Aplicar-se-á tanto aos imóveis do

mesmo caráter que constituam ruínas ao nível do solo como aos vestígios

arqueológicos ou históricos descobertos sob a superfície da terra. A expressão

bens culturais se estende também ao entorno desses bens.

b) Bens móveis de importância cultural, incluídos os que existem ou

tenham sido encontrados dentro dos bens imóveis e os que estão enterrados e

possam vir a ser descobertos em sítios arqueológicos ou históricos ou em

quaisquer outros lugares.

A expressão bens culturais engloba não só os sítios e monumentos

arquitetônicos, arqueológicos e históricos reconhecidos e protegidos por lei, mas

também os vestígios do passado não reconhecidos nem protegidos, assim como

os sítios e monumentos recentes de importância artística ou histórica.

II – Princípios gerais

As medidas de preservação dos bens culturais deveriam se estender à

totalidade do território do Estado e não se limitar a determinados monumentos

e sítios.

Deveriam ser mantidos inventários atualizados de bens culturais

importantes, protegidos por lei ou não. No caso de não existirem esses

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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inventários, seria preciso criá-los, cabendo a prioridade a um levantamento

minucioso e completo dos bens culturais situados em locais em que obras

públicas ou privadas os ameacem.

Dever-se-ia ter na devida conta a importância relativa dos bens

culturais em causa ao se determinarem medidas necessárias para assegurar:

a) A preservação do conjunto de um sítio arqueológico, de um

monumento ou de outros tipos de bens culturais imóveis contra os efeitos das

obras públicas e privadas.

b) O salvamento ou o resgate dos bens culturais situados em local que

deva ser transformado pela execução de obras públicas ou privadas, e que

deverão ser preservados e traslados, no todo ou em parte.

As medidas a serem adotadas deveriam variar em função da natureza,

das dimensões e da situação dos bens culturais, assim como do caráter dos

perigos a que estão expostos.

As medidas destinadas a preservar ou a salvar os bens culturais

deveriam ter caráter preventivo e corretivo.

As medidas preventivas e corretivas deveriam ter por finalidade

assegurar a proteção ou o salvamento dos bens culturais ameaçados por obras

públicas ou privadas, tais como:

a) Os projetos de expansão ou de renovação urbana, ainda que respeitem

monumentos protegidos por lei, mas possam vir a modificar estruturas de

menor importância e, assim, destruir as vinculações e o quadro que envolve os

monumentos nos bairros históricos.

b) Obras similares em locais onde conjuntos tradicionais de valor

cultural possam correr perigo de destruição por não se constituírem em

monumentos protegidos por lei.

c) Modificações ou reparos inoportunos de edificações históricas isoladas.

d) A construção ou alteração de vias de grande circulação, o que constitui

um perigo especialmente grave para os sítios, monumentos ou conjuntos de

monumentos de importância histórica.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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e) A construção de barragens para irrigação, produção de energia

hidroelétrica, ou controle de inundações.

f) A construção de oleodutos e de linhas de transmissão de energia

elétrica.

g) Os trabalhos agrícolas, como a aradura profunda da terra, as

operações de ressecação e de irrigação, desmatamento e nivelamento de terras

e reflorestamento.

h) Os trabalhos exigidos pelo desenvolvimento da indústria e pelos

progressos técnicos das sociedades industrializadas, como a construção de

aeródromos, a exploração de minas e de pedreiras e a dragagem e recuperação

de canais e de portos, etc.

Os Estados Membros deveriam dar a devida prioridade às medidas

necessárias para garantir a conservação in situ dos bens culturais ameaçados

por obras públicas ou privadas e manter-lhes, assim, a continuidade e

significação histórica. Quando uma imperiosa necessidade econômica ou social

impuser o traslado, o abandono ou a destruição de bens culturais, os trabalhos

de salvamento deveriam sempre compreender um estudo minucioso desses

bens e o registro completo dos dados de interesse.

Deveriam ser publicados ou, de algum outro modo, postos à disposição

dos futuros pesquisadores os resultados dos estudos de interesse científico e

histórico empreendidos em relação aos trabalhos de salvamento de bens

culturais, especialmente quando os bens culturais imóveis, em grande parte ou

na totalidade, tenham sido abandonados ou destruídos.

As edificações e outros monumentos culturais importantes que tenham

sido trasladados para evitar sua destruição por obras públicas ou privadas

deveriam ser reinstalados em um sítio ou ambiente semelhante ao de sua

implantação primitiva e ao de suas vinculações naturais, históricas ou

artísticas.

Os bens culturais móveis de grande interesse, e especialmente os

espécimes representativos de objetos procedentes de escavações arqueológicas

ou encontrados durante trabalhos de salvamentos, deveriam ser preservados

para estudos ou expostos em museus, inclusive os museus dos sítios ou das

universidades.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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III – Medidas de preservação e salvamento

A preservação ou o salvamento dos bens culturais ameaçados por obras

públicas ou privadas deveria ser assegurada pelos meios abaixo relacionados,

cabendo à legislação e à organização de cada Estado precisar as medidas:

a) Legislação;

b) Financiamento;

c) Medidas administrativas;

d) Métodos de preservação e salvamento dos bens culturais;

e) Sanções;

f) Reparações;

g) Recompensas;

h) Assessoramento;

i) Programas educacionais;

Legislação

Os Estados membros deveriam promulgar ou manter em vigor, tanto em

escala nacional quanto regional, uma legislação que assegure a preservação ou

o salvamento dos bens culturais ameaçados pela realização de obras públicas

ou privadas, de acordo com as normas e princípios definidos nesta

recomendação.

Financiamento

Os Estados membros deveriam prever os estabelecimentos de créditos

necessários para as operações de preservação de salvamento dos bens culturais

ameaçados pela realização de obras públicas ou privadas. Ainda que a

diversidade dos sistemas jurídicos e das tradições, assim como a desigualdade

dos recursos, não permitam a adoção de medidas uniformes, deveriam ser

levadas em consideração as seguintes possibilidades:

a) As autoridades nacionais ou regionais encarregadas de salvaguarda

dos bens culturais deveriam dispor de um orçamento suficiente para poderem

assegurar a preservação ou o salvamento dos bens culturais ameaçados por

obras públicas ou privadas; ou

b) As despesas referentes à preservação ou ao salvamento dos bens

culturais ameaçados pela realização de obras públicas ou privadas, inclusive as

investigações arqueológicas preliminares, deveriam constar do orçamento

dessas obras; ou

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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c) Deveria ser possível combinar os dois métodos mencionados nas

alíneas “a” e “b” acima.

Se a magnitude ou a complexidade dos trabalhos necessários tornarem o

montante das despesas excepcionalmente elevado, deveria ser possível obter

crédito suplementares através de legislação competente, mediante a concessão

de subvenções especiais ou a criação de um fundo nacional para a salvaguarda

dos monumentos, ou por qualquer outro meio apropriado. Os serviços

responsáveis pela salvaguarda dos bens culturais deveriam estar habilitados a

administrar ou utilizar os créditos extra-orçamentários necessário para a

preservação ou para o salvamento dos bens culturais ameaçados pela

realização de obras públicas ou privadas. Os Estados Membros deveriam

encorajar os proprietários de edificações que tenham importância artística ou

histórica, inclusive as que façam parte de um conjunto tradicional, assim como

os habitantes de bairros históricos, de áreas urbanas ou rurais, a preservarem

o caráter e a beleza dos bens culturais de que dispõem e que possam vir a

sofrer danos em consequência de obras públicas ou privadas, através das

medidas que se seguem:

a) Diminuir de impostos; ou

b) Estabelecimento, através de uma legislação adequada, de um

orçamento destinado a ajudar, mediante subvenções, empréstimo ou outras

medidas, as autoridades locais, as instituições e os proprietários privados de

edificações que tenham um interesse artístico, arquitetônico, científico ou

histórico, inclusive os conjuntos tradicionais, a garantirem a manutenção ou a

adequada adaptação dessas edificações ou conjuntos a funções que respondam

às necessidades da sociedade contemporânea; ou

c) Deveria ser possível combinar dois métodos mencionados nas alíneas

“a” e “b” acima.

Se os bens culturais não são protegidos por lei ou de outro modo, o

proprietário deveria ter a oportunidade de requisitar a ajuda necessária das

autoridades competentes.

As autoridades nacionais ou locais, assim como os proprietários

privados, deveriam levar em conta, para fixar o montante dos fundos

destinados à conservação dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou

privadas, o valor intrínseco de tais bens e a contribuição que podem

proporcionar à economia como polos de atração turística.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Medidas Administrativas

A responsabilidade pela preservação e pelo salvamento dos bens

culturais ameaçados por obras públicas ou privadas deveriam competir a

organismos oficiais apropriados. Onde já funcionem órgãos ou serviços oficiais

de proteção dos bens culturais deveria competir-lhes a proteção dos bens

culturais ameaçados por obras públicas ou privadas. Se não houver tais

serviços, órgãos ou serviços especiais deveriam ser encarregados da

preservação dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas;

embora a diversidade dos dispositivos constitucionais e da tradição dos

Estados Membros impeça a adoção de um sistema uniforme, alguns princípios

comuns deveriam ser adotados:

a) Um órgão consultivo ou de coordenação composto de representantes

das autoridades encarregadas da salvaguarda dos bens culturais, das

empresas de obras públicas ou privadas, do planejamento urbano e das

instituições de pesquisa e educação deveria estar habilitado a prestar

assessoria em matéria de preservação dos bens culturais ameaçados por obras

públicas ou privadas, e, em especial, cada vez que entrarem em conflito as

necessidades da execução de obras públicas ou privadas e os trabalhos de

preservação e salvamento dos bens culturais.

b) As autoridades locais (estaduais, municipais ou outras) deveriam

também dispor de serviços encarregados de preservação e do salvamento dos

bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas. Esses serviços

deveriam dispor da possibilidade de obter ajuda dos serviços nacionais, ou de

outros órgãos apropriados, de acordo com suas atribuições e necessidades.

c) Os serviços de salvaguarda dos bens culturais deveriam contar com

pessoal qualificado, especialistas competentes em matéria de preservação dos

bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas: arquitetos,

urbanistas, arqueológicos, historiadores, inspetores e outros especialistas

técnicos.

d) Deveriam ser tomados medidas administrativas para coordenar as

atividades dos diversos serviços responsáveis pela salvaguarda dos bens

culturais e as de outros serviços encarregados de obras públicas ou privadas e

as dos demais serviços cujas funções tenham relação com o problema de

preservar ou salvar os bens culturais ameaçados por obras públicas ou

privadas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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e) Deveriam ser adotadas as medidas administrativas para designar

uma autoridade ou uma comissão encarregada dos programas de

desenvolvimento urbano em todas as comunidades que possuam bairros

históricos, sítios e monumentos de interesse, protegidos ou não pela lei, que

seja preciso proteger contra a ameaça de outras públicas ou privadas.

Por ocasião dos estudos preliminares sobre projetos de construção em

um local de reconhecimento cultural, ou no qual seja provável encontrar

objetos de valor arqueológico ou histórico, conviria, antes que uma decisão

fosse tomada, que se elaborassem diversas variantes deveria basear-se em

uma análise comparativa de todos os elementos com o objetivo de adotar a

solução mais vantajosa, tanto do ponto de vista econômico quanto no que diz

respeito à preservação e ao salvamento dos bens culturais.

Métodos de preservação e salvamento dos bens culturais

Com a devida antecedência à realização de obras públicas ou privadas

que ameacem os bens culturais, deveriam ser realizados aprofundados estudos

para determinar:

a) As medidas a serem tomadas para assegurar a proteção in situ dos

bens culturais importantes.

b) A extensão dos trabalhos de salvamento necessários, tais como a

escolha dos sítios arqueológicos a serem escavados, os edifícios a serem

trasladados e os bens culturais móveis cujo salvamento seja necessário

garantir.

As medidas destinadas a preservar ou a salvar os bens culturais

deveriam ser tomadas com suficiente antecipação ao início de obras públicas ou

privadas. Nas regiões importantes do ponto de vista arqueológico ou cultural,

tais como cidades, aldeias, sítios e bairros históricos, que deveriam estar

protegidos pela legislação de cada país, qualquer nova construção deveria ser

obrigatoriamente precedida de escavações arqueológicas de caráter preliminar.

Se necessário, os trabalhos de construção deveriam ser retardados para

permitir a adoção de medidas indispensáveis a assegurar a preservar ou o

salvamento dos bens culturais.

Deveria ser assegurada a salvaguarda dos sítios arqueológicos

importantes, sobretudo os sítios pré-históricos que estão particularmente

ameaçados por serem difíceis de reconhecer, dos bairros históricos dos centros

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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urbanos ou rurais, dos conjuntos tradicionais, dos vestígios etnológicos de

civilizações anteriores e de outros bens culturais imóveis que, sem isso, seriam

ameaçados por obras públicas ou privadas, através de medidas que

estabeleçam a proteção legal ou a criação de zonas protegidas:

a) As reservas arqueológicas deveriam ser objeto de medidas de

zoneamento ou de proteção legal e, eventualmente, de aquisição imobiliária,

para que seja possível efetuar escavações profundas ou preservar os vestígios

descobertos.

b) Os bairros históricos dos centros urbanos ou rurais e os conjuntos

tradicionais deveriam estar registrados como zonas protegidas e uma

regulamentação adequada para preservar o entorno e seu caráter deveria ser

adotada, que permitisse, por exemplo, determinar e decidir em que medidas

poderiam ser reformados os edifícios de importância histórica ou artística e a

natureza e o estilo das novas construções. A preservação dos monumentos

deveria ser uma condição essencial em qualquer plano de urbanização,

especialmente quando se tratar de cidades ou bairros históricos. Os arredores e

o entorno de um monumento ou de um sítio protegido por lei deveriam também

ser objeto de disposições análogas para que seja preservado o conjunto de que

fazem parte e seu caráter. Deveriam ser permitidas modificações na

regulamentação ordinária relativa às novas construções, que poderia ser

suspensa quando se tratar de edificações a serem erigidas em uma zona de

interesse histórico. Deveria ser proibida a publicidade comercial através de

cartazes ou anúncios luminosos, mas as empresas comerciais poderiam ser

autorizadas a indicar sua presença por meio de uma sinalização corretamente

apresentada.

Os Estados Membros deveriam impor a qualquer pessoa que encontre

vestígios arqueológicos durante a realização de obras públicas ou privadas a

obrigação de comunicar seu achado o mais rápido possível ao serviço

competente. Esse serviço submeteria a descoberta a um detido exame e, se o

sítio revelasse importante, deveriam ser suspensas as obras de construção

para permitir as escavações completas, previstas indenizações ou

compensações adequadas pelo atraso ocasionado.

Os Estados Membros deveriam adotar disposições que permitam às

autoridades nacionais ou locais ou aos órgãos competentes adquirir os bens

culturais importantes que corram perigo em consequência de obras públicas ou

privadas. Caso necessário, essas aquisições poderiam ser feitas através de

expropriação.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Sanções

Os Estados Membros deveriam adotar as medidas necessárias para que

as infrações cometidas intencionalmente ou por negligência em relação à

preservação ou ao salvamento de bens culturais ameaçados por obras públicas

ou privadas que sejam severamente punidas por seus códigos penais, que

deveriam prever penas de multa ou de prisão, ou ambas.

Poder-se-iam adotar, além disso, as seguintes medidas:

a) Quando for possível, restauração do sítio ou do monumento às

expensas dos responsáveis pelos danos causados.

b) Em caso de achado arqueológico futuro, pagamento de indenização

por perdas e danos ao Estado quando hajam sido deteriorados, destruídos, mal

conservados ou abandonados bens culturais imóveis; confisco sem indenização,

de bens móveis, que tenham sido ocultados.

Reparações

Os Estados Membros deveriam adotar, quando a natureza do bem o

permitir, as medidas necessárias para assegurar a reparação, a restauração ou

a reconstrução dos bens culturais deteriorados por obras públicas ou privadas.

Deveriam prever também a possibilidade de obrigar as autoridades locais e os

proprietários particulares de bens culturais importantes a procederem às

reparações ou às restaurações, sendo-lhes concedida assistência técnica ou

financeira, se necessário.

Recompensas

Os Estados Membros deveriam encorajar os particulares, as associações

e as municipalidades a partir dos programas de preservação ou de salvamento

dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas. Para isso, entre

outras, poder-se-iam adotar as seguintes medidas:

a) Efetuar pagamento, a título de gratificação, às pessoas que

notificarem achados arqueológicos ou entregarem os objetos descobertos;

b) Outorgar certificados, medalhas ou outras formas de reconhecimento

às pessoas – inclusive as que desempenhem funções nos órgãos de governo, em

associações, em instituições ou nas municipalidades – que tenham prestado

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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eminente colaboração aos programas de preservação e salvamento de bens

culturais ameaçados por obras públicas ou privadas;

Assessoramento

Os Estados Membros deveriam proporcionar aos particulares, a

associações ou a prefeituras que não dispõem de experiência ou de pessoal

necessário, assessoramento técnico ou supervisão que lhes permitam assegurar

a manutenção de normas adequadas em relação à preservação ou ao

salvamento de bens culturais ameaçados por obras públicas ou privadas.

Programas Educativos

Em espírito de colaboração internacional, os Estados Membros deveriam

empenhar-se em estimular e fomentar entre seus nacionais o interesse e o

respeito pelo seu próprio patrimônio cultural e pelo de outros povos, como

objetivo de assegurar a preservação ou o salvamento dos bens culturais

ameaçados por obras públicas ou privadas.

Publicações especializadas, artigos na imprensa e programas de rádio e

de televisão deveriam divulgar a natureza dos perigos que obras públicas ou

privadas mal concebidas podem ocasionar aos bens culturais, assim como

exemplos de casos em que bens culturais hajam sido eficazmente preservados

ou salvos.

Estabelecimentos de ensino, associações históricas e culturais, órgãos

públicos que se ocupam do desenvolvimento do turismo e associações de

educação popular deveriam desenvolver programas destinados a tornar

conhecidos os perigos que as obras públicas ou privadas realizadas sem a

devida preparação podem ocasionar aos bens culturais e a enfatizar que as

atividades destinadas a preservar os bens culturais contribuem para a

compreensão internacional.

Museus, instituições educativas ou outras organizações interessadas

deveriam preparar exposições especiais para ilustrar os perigos que as obras

públicas ou privadas não controladas representam para os bens culturais e as

medidas que tenham sido adotadas para garantir a preservação ou o

salvamento dos bens culturais ameaçados por essas obras.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CONVENÇÃO SOBRE AS MEDIDAS A SEREM

ADOTADAS PARA PROIBIR E IMPEDIR A

IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E TRANSFERÊNCIA

DE PROPRIEDADE ILÍCITA DOS BENS

CULTURAIS

De 12 de Outubro a 14 de Novembro de 1970

16ª Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação a Ciência e a Cultura, reunida em Paris, de 12 de outubro a 14 de

novembro de 1970, em sua décima sexta sessão,

Recordando a importância das disposições contidas na Declaração dos

Principais da Cooperação Cultural Internacional, adotada pela Conferencial

Geral em sua décima quarta sessão.

Considerando que o intercâmbio de bens culturais entre as nações para

fins científicos, culturais e educativos aumenta o conhecimento da civilização

humana, enriquece a vida cultural de todos os povos e inspira o respeito mútuo

e a estima entre as nações.

Considerando que os bens culturais constituem um dos elementos

básicos da civilização e da cultura dos povos, e que seu verdadeiro valor só

pode se apreciado quando se conhecem, com a maior precisão, sua origem, sua

história e seu meio-ambiente,

Considerando que todo Estado tem o dever de proteger o patrimônio

constituído pelos bens culturais existentes em seu território contra os perigos

de roubo, escavação clandestina e exportação ilícita.

Considerando que para evitar, esses perigos é essencial que todo Estado

tome cada vez mais consciência de sue dever moral de respeitar seu próprio

patrimônio cultural e o de todas as outras nações.

Considerando que os museus, bibliotecas e arquivos, como instituições

culturais que são, devem velar para que suas coleções sejam constituídas em

conformidade com os princípios morais universalmente reconhecidos,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Considerando que a importação, exportação e transferência de

propriedade ilícitas dos bens culturais dificultam a compreensão entre as

nações a qual a UNESCO tem o dever de promover, como parte de sua missão,

recomendando aos Estados interessados que celebrem convenções

internacionais para esse fim,

Considerando que a proteção ao patrimônio cultural só pode ser eficaz se

organizada, tanto em bases nacionais quanto internacionais, entre Estados que

trabalhem em estreita cooperação,

Considerando que a Conferencia Geral da UNESCO já adotou em 1964

uma Recomendação em tal sentido.

Havendo examinado n ovas propostas relativas às medidas para proibir

e evitar a importação, exportação e transferência de propriedade ilícitas dos

bens culturais, questão que constitui o item 19 da agenda da sessão,

Havendo decidido, em sua décima quinta sessão, que tal questão seria

objeto de uma convenção internacional,

Adota, aos quatorze dias do mês de novembro de 1970, a presente

Convenção.

ARTIGO 1

Para os fins da presente Convenção, a expressão "bens culturais"

significa quaisquer bens que, por motivos religiosos ou profanos, tenham sido

expressamente designados por cada Estado como de importância para a

arqueologia, a pré-história, a história, a literatura, a arte ou a ciência, e que

pertençam às seguintes categorias:

a) as coleções e exemplares raros de zoologia, botânica, mineralogia e

anatomia, e objeto de interesse paleontológico;

b) os bens relacionados com a história, inclusive a história da ciência e

da tecnologia, com a história militar e social, com a vida dos grandes

estadistas, pensadores, cientistas e artistas nacionais e com os acontecimentos

de importância nacional;

c) o produto de escavação arqueológicas (tanto as autorizadas quanto as

clandestinas) ou de descobertas arqueológicas;

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Cartas Patrimoniais:

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d) elementos procedentes do desmembramento de monumentos

artísticos ou históricos e de lugares de interesse arqueológico;

e) antiguidade de mais de cem anos, tais como inscrições, moedas e selos

gravados;

f) objetos de interesse etnológico;

g) os bens de interesse artístico, tais como:

i) quadros, pinturas e desenhos feitos inteiramente a mão sobre

qualquer suporte e em qualquer material (com exclusão dos desenhos

industriais e dos artigos manufaturados decorados a mão);

ii) produções originais de arte estatuária e de escultura em qualquer

material;

iii) gravuras, estampas e litografias originais;

iv) conjuntos e montagens artísticas em qualquer material;

h) manuscritos raros e incunabulos, livros, documentos e publicações

antigos de interesse especial (histórico, artístico, científico, literário, etc),

isolados ou em coleções;

i) selos postais, fiscais ou análogos, isoladas ou em coleções;

j) arquivos, inclusive os fonográficos, fotográficos e cinematográficos;

k) peças de mobília de mais de cem anos e instrumentos musicais

antigos.

ARTIGO 2

1. Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem que a

importação, a exportação e a transferência de propriedade ilícitas dos bens

culturais constituem uma das principais causas do empobrecimento do

patrimônio cultural dos países de origem de tais bens, e que a cooperação

internacional constitui um dos meios mais eficientes para proteger os bens

culturais de cada país contra os perigos resultantes daqueles atos.

2. Para tal fim, os Estados Partes comprometem-se a combater essas

práticas com meios de que disponham, sobretudo suprimento suas causas,

fazendo cessar seu curso, e ajudando a efetuar as devidas reparações.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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ARTIGO 3

São ilícitas a importação, exportação ou transferência de propriedade de

bens culturas realizadas em infração das disposições adotadas pelos Estados

Partes nos termos da presente Convenção.

ARTIGO 4

Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem que, para os

efeitos desta, fazem parte do patrimônio cultural de cada Estado os bens

pertencentes a cada uma das seguintes categorias:

a) os bens culturais criados pelo gênio individual ou coletivo de nacionais

do Estado em questão, e bens culturais de importância para o referido Estado

criados, em seu território, por nacionais de outros Estados ou por apátridas

residentes em seu território;

b) bens culturais achados no território nacional;

c) bens culturais adquiridos por missões arqueológicas, etnológicas ou

ciências naturais com o consentimento das autoridades competentes do país de

origem dos referidos bens;

d) bens culturais que hajam sido objeto de um intercâmbio livremente

acordado;

e) bens culturais recebidos a titulo gratuito ou comprados legalmente

com o consentimento das autoridades competentes do país de origem dos

referidos bens.

ARTIGO 5

A fim de assegurar a proteção de seus bens culturais contra a

importação, a exportação e a transferência de propriedade ilícitas, os Estados

Partes na presente Convenção se comprometem, nas condições adequadas a

cada pais, a estabelecer em seu território, se ainda não existiram, um ou mais

serviços de proteção ao patrimônio cultural dotados de pessoal qualificado em

número suficiente para desempenhar as seguintes funções:

a) contribuir para a preparação de projetos de leis e regulamentos

destinados a assegurar a proteção ao patrimônio cultural e particularmente a

prevenção da importação, exporta e transferência de propriedade ilícitas de

bens culturais importantes;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

94

b) estabelecer e manter em dia, com base em um inventário nacional de

bens sob proteção, uma lista de bens culturais públicos e privados importantes,

cuja exportação constituiria um considerável empobrecimento do patrimônio

cultural nacional;

c) promover o desenvolvimento ou a criação das instituições científicas e

técnicas (museus, bibliotecas, arquivos, laboratórios, oficinas, etc.) necessárias

para assegurar a preservação e a boa apresentação dos bens culturais.

d) organizar a supervisão das escavações arqueológicas, assegurar a

preservação in situ de certos bens culturais, e proteger certas áreas reservadas

para futuras pesquisas arqueológicas;

e) estabelecer, com destino aos interessados (administradores de museus

colecionadores, antiquários etc.), normas em conformidade com os princípios

éticos enunciados na presente Convenção, e tomar medidas para assegurar o

respeito a essas normas;

f) tomar medidas de caráter educacional para estimular e desenvolver o

respeito ao patrimônio cultural de todos o conhecimento das disposições da

presente Convenção;

g) cuidar para que seja dada a publicidade apropriada aos casos de

desaparecimento de um bem cultural.

ARTIGO 6

Os Estados Partes na presente Convenção se comprometem a:

a) estabelecer um certificado apropriado no qual o Estado exportador

especifique que a exportação do bem ou bens culturais em questão foi

autorizada. Tal certificado devera acompanhar todos os bens culturais

exportados em conformidade com o regulamento;

b) proibir a exportação de bens culturais de seu território, salvo se

acompanhados de certificados de exportação acima mencionado;

c) dar publicidade a essa proibição pelos meios apropriados,

especialmente ente as pessoas que possam exportar e importar bens culturais.

ARTIGO 7

Os Estados Partes na presente Convenção se comprometem a:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

95

a) tomar as medidas necessárias, em conformidade com a legislação

nacional, para impedir que museus e outras instituições similares situadas em

seu território adquiram bens culturais, procedentes de outro Estado Parte, que

tenham sido ilegalmente exportados após a entrada em vigor da presente

Convenção para os Estados em questão; informar, sempre que possível , um

Estado Parte na presente Convenção, sobre alguma oferta de bens culturais

ilegalmente removidos daquele Estado após a entrada em vigor da presente

Convenção para ambos os Estados;

b) (i) proibir a importação de bens culturais roubados de um museu, de

um monumento público civil ou religioso, ou de uma instituição similar

situados no território de outro Estado Parte na presente Convenção, após a

entrada em vigor para os Estados em questão, desde que fique provado que

tais bens fazem parte do inventário daquela instituição;

ii) tomar as medidas apropriadas, mediante solicitação do Estado Parte

de origem, para recuperar e restituir quaisquer bens culturais roubados e

importados após a entrada em vigor da presente Convenção para ambos os

Estados interessados, desde que o Estado solicitante pague justa compensação

a qualquer comprador de boa fé ou a qualquer pessoal que detenha a

propriedade legal daqueles bens. As solicitações de recuperação e restituição

serão feitas por via diplomática. A Parte solicitante deverá fornecer, a suas

expensas, a documentação e outros meios de prova necessários para

fundamentar sua solicitação de recuperação e restituição. As Partes não

cobrarão direitos aduaneiros ou outros encargos sobre os bens culturais

restituídos em conformidade com este artigo. Todas as despesas relativas á

restituição e à entrega dos bens culturais serão pagas pela Parte Solicitante.

ARTIGO 8

Os Estados Partes na presente Convenção e comprometem a impor

sanções penais ou administrativas a qualquer pessoa responsável pela infração

das proibições contidas nos artigos 6 (b) e 7 (b) acima.

ARTIGO 9

Qualquer Estado Parte na presente Convenção, cujo patrimônio cultural

esteja ameaçado em consequência da pilhagem de materiais arqueológicos ou

etnológicos, poderá apelar para os outros Estados Partes que estejam

envolvidos. Os Estados partes na presente Convenção se comprometem, em

tais circunstâncias, a participar de uma ação internacional concertada para

determinar e aplicar as medidas concretas necessárias, inclusive o controle das

exportações e importações do comércio internacional dos bens culturais em

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

96

questão. Enquanto aguarda a celebração de um acordo. Cada Estado

interessado deverá tomar medidas provisórias, dentro do possível, para evitar

danos irremediáveis ao patrimônio cultural do Estado Solicitante.

ARTIGO 10

Os Estados Partes na presente Convenção se comprometem a:

a) restringir, através da educação informação e vigilância, a circulação

de qualquer bem cultural removido ilegalmente de qualquer Estado Parte na

presente Convenção, e, na forma apropriada para cada pais, obrigar os

antiquários, sob pena se sofrerem sanções penais ou administrativas, a manter

um registro que mencione a procedência de cada bem cultural, o nome e o

endereço do fornecedor, a descrição e o preço de cada bem vendido, assim como

a informarem ao comprador um bem cultural da proibição de exportação à qual

possa estar sujeito tal bem;

b) esforçar-se, por meios educacionais, para incutir e desenvolver na

mentalidade pública a consciência do valor dos bens culturais e da ameaça que

representam para o patrimônio cultural o roubo, as escavações clandestinas e a

exportação ilícita.

ARTIGO 11

A exportação e a transferência de propriedade compulsória de bens

culturais, que resultem direta ou indiretamente da ocupação de um país, por

uma potência estrangeira, serão consideradas ilícitas.

ARTIGO 12

Os Estados Partes na presente Convenção respeitarão o patrimônio

cultural dos territórios por cujas relações internacionais sejam responsáveis, e

deverão tomar todas as medidas apropriadas para proibir e impedir a

importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas de bens

culturais naqueles territórios.

ARTIGO 13

Os Estados Partes na presente Convenção comprometem-se, também -

obedecida a legislação interna de cada Estado, a:

a) impedir, por todos os meios apropriados, as transferências de

propriedade de bens culturais que tendam a favorecer a importação ou

exportação ilícitas de tais bens;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

97

b) assegurar que seus serviços competentes cooperem para facilitar a

restituição o mais breve possível, a restituição o mais breve possível, a seu

proprietário de direito, de bens culturais licitamente exportados;

c) admitir ações reivindicatórias de bens culturais roubados ou perdidos

movidas por seus proprietários de direito ou em seu nome;

d) reconhecer o direito imprescritível de cada Estado Parte na presente

Convenção de classificar e declarar inalienáveis certos bens culturais, os quais,

ipso facto, não poderão ser exportados, e facilitar a recuperação de tais bens

pelo Estado interessado, no caso de haverem sido exportados.

ARTIGO 14

A fim de impedir as exportações ilícitas, e cumprir as obrigações

decorrentes da implementação da presente Convenção, cada Estado Parte na

mesma deverá, na medida de suas possibilidades, dotar os serviços nacionais

responsáveis pela proteção a seu patrimônio cultural de uma verba adequada,

e, se necessária, criar um fundo para tal fim.

ARTIGO 15

Nada na presente Convenção impedirá os Estados Partes na mesma de

concluírem acordos especiais entre si, ou de continuarem a implementação de

acordos já concluídos, sobre a restituição de bens culturais removidos, por

qualquer razão, de seu território de origem, antes da entrada em vigor da

presente Convenção para os Estados em questão.

ARTIGO 16

Os Estados Partes na presente Convenção deverão, em seus relatórios

periódicos à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, nas datas e na forma por ela determinadas, prestar informações sobre

as disposições legislativas e administrativas e outras medidas que hajam

adotado para a aplicação da presente Convenção, juntamente com pormenores

da experiência adquirida no setor em questão.

ARTIGO 17

1. Os Estados Partes na presente Convenção poderão solicitar a

assistência técnica da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura, especialmente com relação a:

a) informação e educação;

b) consultas e pareceres de peritos;

c) coordenação e bons ofícios.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

98

2. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, poderá, por sua própria iniciativa, realizar pesquisas e publicar

estudos sobre assuntos pertinentes a circulação ilícita de bens culturais.

3. Para tal fim, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura poderá também solicitar a cooperação de qualquer

organização não governamental competente.

4. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura poderá, por sua própria iniciativa, fazer propostas aos Estados Partes

com vistas à implementação da presente Convenção.

5. Mediante solicitação de, pelo menos, dois Estados partes na presente

Convenção que se achem envolvidos em uma controvérsia a respeito de sua

implementação, a UNESCO poderá oferecer seus bons ofícios a fim de qua seja

alcançada uma composição entre eles.

ARTIGO 18

A presente Convenção é redigida em espanhol, francês, inglês, e russo os

quatro textos fazendo igualmente fé.

ARTIGO 19

1. A presente Convenção é sujeita a ratificação ou aceitação dos Estados

Membros da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, em conformidade com seus respectivos processos constitucionais.

2. Os instrumentos de ratificação ou de aceitação serão depositados

junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura.

ARTIGO 20

1. As presente Convenção ficará aberta adesão de qualquer Estado não-

membro da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura que sejam convidados a ela aderir pelo Conselho Executivo da

Organização.

2. A adesão será efetuada pelo depósito de um instrumento de adesão

junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação a

Ciência e a Cultura.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

99

ARTIGO 21

A presente Convenção entrará em vigor três meses após do depósito do

terceiro instrumento de ratificação, de aceitação ou de adesão, mas apenas em

relação aos Estados que tenham depositado seus respectivos instrumentos

nessa data ou anteriormente. Ela entrará em vigor para qualquer outro Estado

três meses após a data do depósito de seu instrumento de ratificação aceitação

ou adesão.

ARTIGO 22

Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem que a mesma é

aplicável não apenas a seus territórios metropolitanos, mas também, a todos os

territórios por cujas relações internacionais sejam responsáveis; eles se

comprometem a consultar, se necessário, os Governos ou outras autoridades

competentes desses territórios no momento da ratificação, aceitação ou adesão,

ou, anteriormente, com vista a assegurar a aplicação da Convenção àqueles

territórios, e a notificar o Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas

para a Educação a Ciência e a Cultura sobre os territórios aos quais ela se

aplica, devendo a referida notificação produzir efeito três meses após a data do

seu recebimento.

ARTIGO 23

1. Cada um dos Estados Partes na presente Convenção poderá denuncia-

la em seu próprio nome ou em nome de qualquer território por cujas relações

internacionais seja responsável.

2. A denúncia será notifica por meio de um instrumento escrito, que será

depositado junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

3. A denúncia produzirá efeitos doze meses após o recebimento do

instrumento de denúncia.

ARTIGO 24

O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura informará os Estados membros da Organização, os Estados

não-membros da Organização mencionados no artigo 20, bem como as Nações

Unidas, do depósito de todos os instrumentos de ratificação, aceitação e adesão

previstos nos artigos 19 e 20, e das notificações se denúncias previstas nos

artigos 22 e 23, respectivamente.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

100

ARTIGO 25

1. A presente Convenção poderá ser revista pela Conferência Geral da

Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura. A revisão,

entretanto, só vinculará os Estados que se tornarem partes na convenção

revisora.

2. Se a Conferência Geral adotar uma nova convenção que constitua

uma revisão da presente no todo ou em parte, e a menos que a nova convenção

disponha de outra forma, a presente Convenção deixará de estar aberta à

ratificação, aceitação ou adesão a partir da data da entrada em vigor da nova

convenção revisora.

ARTIGO 26

Em conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas, a

presente Convenção será registrada no Secretariado das Nações Unidas a

pedido do Diretor-Geral da Organização das nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura.

Feito em Paris, aos dezessete dias do mês de novembro de 1970, em dois

exemplares autênticos, que trazem as assinaturas do Presidente da décima

sexta sessão da Conferência Geral e do Diretor-Geral da Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, que serão depositados

nos arquivos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

a Cultura, e dos quais serão enviadas cópias autênticas a todos os Estados

mencionados nos artigos 19 e 20, bem como ás Nações Unidas.

O texto que precede é o texto autêntico da Convenção aprovada em boa e

devida forma pela Conferência Geral da Organização as Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura em sua décima sexta sessão, realizada em

Paris e encerrada aos quatorze dias do mês de novembro de 1970.

Em fé do que apõem suas assinaturas, neste décimo - sétimo dia do mês

de novembro de 1970.

Atílio Dell'Oro Maini, Presidente da Conferência Geral.

Rene Maheu, Diretor-Geral

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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DECLARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE

O MEIO AMBIENTE HUMANO

De 5 a 16 de Junho de 1972 - Estocolmo

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de

um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo

inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano,

I

Proclama que:

1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que

o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para

desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa

evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças

à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de

transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo

que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o

artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos

humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.

2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma

questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento

econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e

um dever de todos os governos.

3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e

continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a

capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com

discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e

oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e

imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos incalculáveis ao ser

humano e a seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas

do dano causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de

poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de

equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos

insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em

que vive e trabalha.

4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais

estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo

muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana

digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de

condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em

desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo

presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio

ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para

reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países

industrializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados com

a industrialização e o desenvolvimento tecnológico.

5. O crescimento natural da população coloca continuamente, problemas

relativos à preservação do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e

medidas apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do

mundo, os seres humanos são a mais valiosa. Eles são os que promovem o

progresso social, criam riqueza social, desenvolvem a ciência e a tecnologia e,

com seu árduo trabalho, transformam continuamente o meio ambiente

humano. Com o progresso social e os avanços da produção, da ciência e da

tecnologia, a capacidade do homem de melhorar o meio ambiente aumenta a

cada dia que passa.

6. Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos

atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter

para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar danos

imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa

vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com um conhecimento mais profundo e

uma ação mais prudente, podemos conseguir para nós mesmos e para nossa

posteridade, condições melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo

com as necessidades e aspirações do homem. As perspectivas de elevar a

qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatória são grandes. É

preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de ânimo, trabalho duro e

sistemático. Para chegar à plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e,

em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar um

meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano

para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da

humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantém as

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econômico e

social em todo o mundo, e em conformidade com elas.

7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e

comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as

responsabilidades que possuem e que todos eles participem equitativamente,

nesse esforço comum. Homens de toda condição e organizações de diferentes

tipos plasmarão o meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e

a soma de suas atividades. As administrações locais e nacionais, e suas

respectivas jurisdições são as responsáveis pela maior parte do

estabelecimento de normas e aplicações de medidas em grande escala sobre o

meio ambiente. Também se requer a cooperação internacional com o fim de

conseguir recursos que ajudem aos países em desenvolvimento a cumprir sua

parte nesta esfera. Há um número cada vez maior de problemas relativos ao

meio ambiente que, por ser de alcance regional ou mundial ou por repercutir

no âmbito internacional comum, exigem uma ampla colaboração entre as

nações e a adoção de medidas para as organizações internacionais, no interesse

de todos. A Conferência encarece aos governos e aos povos que unam esforços

para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e

de sua posteridade.

II

PRINCÍPIOS

Expressa a convicção comum de que:

Princípio 1

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao

desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade

tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene

obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e

futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid,

a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de

opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.

Princípio 2

Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a

fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais

devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras,

mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 3

Deve-se manter, e sempre que possível, restaurar ou melhorar a

capacidade da terra em produzir recursos vitais renováveis.

Princípios 4

O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar

judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se

encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores

adversos. Consequentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico deve-

se atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna

silvestres.

Princípio 5

Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se

evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade

compartilhe dos benefícios de sua utilização.

Princípio 6

Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais

que liberam calor, em quantidades ou concentrações tais que o meio ambiente

não possa neutralizá-los, para que não se causem danos graves e irreparáveis

aos ecossistemas. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os países

contra a poluição.

Princípio 7

Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a

poluição dos mares por substâncias que possam por em perigo a saúde do

homem, os recursos vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de

derramamento ou impedir outras utilizações legítimas do mar.

Princípio 8

O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao

homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as

condições necessárias de melhoria da qualidade de vida.

Princípio 9

As deficiências do meio ambiente originárias das condições de

subdesenvolvimento e os desastres naturais colocam graves problemas. A

melhor maneira de saná-los está no desenvolvimento acelerado, mediante a

transferência de quantidades consideráveis de assistência financeira e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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tecnológica que complementem os esforços internos dos países em

desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam requerer.

Princípio 10

Para os países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a

obtenção de ingressos adequados dos produtos básicos e de matérias primas

são elementos essenciais para o ordenamento do meio ambiente, já que há de

se Ter em conta os fatores econômicos e os processos ecológicos.

Princípio 11

As políticas ambientais de todos os Estados deveriam estar

encaminhadas para aumentar o potencial de crescimento atual ou futuro dos

países em desenvolvimento e não deveriam restringir esse potencial nem

colocar obstáculos à conquista de melhores condições de vida para todos. Os

Estados e as organizações internacionais deveriam tomar disposições

pertinentes, com vistas a chegar a um acordo, para se poder enfrentar as

consequências econômicas que poderiam resultar da aplicação de medidas

ambientais, nos planos nacional e internacional.

Princípio 12

Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento

do meio ambiente tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais

dos países em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de

medidas de conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento,

bem como a necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistência

técnica e financeira internacional com este fim.

Princípio 13

Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e

melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um

enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de

modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a

necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de

sua população.

Princípio 14

O planejamento racional constitui um instrumento indispensável para

conciliar às diferenças que possam surgir entre as exigências do

desenvolvimento e a necessidade de proteger y melhorar o meio ambiente.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 15

Deve-se aplicar o planejamento aos assentamentos humanos e à

urbanização com vistas a evitar repercussões prejudiciais sobre o meio

ambiente e a obter os máximos benefícios sociais, econômicos e ambientais

para todos. A este respeito devem-se abandonar os projetos destinados à

dominação colonialista e racista.

Princípio 16

Nas regiões onde exista o risco de que a taxa de crescimento demográfico

ou as concentrações excessivas de população prejudiquem o meio ambiente ou o

desenvolvimento, ou onde, a baixa densidade d4e população possa impedir o

melhoramento do meio ambiente humano e limitar o desenvolvimento,

deveriam se aplicadas políticas demográficas que respeitassem os direitos

humanos fundamentais e contassem com a aprovação dos governos

interessados.

Princípio 17

Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de

planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos

estado, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.

Princípio 18

Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social

deve-se utilizar a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os

riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais

e para o bem comum da humanidade.

Princípio 19

É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais,

dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida

atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases

de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das

empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade

sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão

humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas

evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao

contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de

protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos

os aspectos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 20

Devem-se fomentar em todos os países, especialmente nos países em

desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento científicos referentes aos

problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre

intercâmbio de informação científica atualizada e de experiência sobre a

transferência deve ser objeto de apoio e de assistência, a fim de facilitar a

solução dos problemas ambientais. As tecnologias ambientais devem ser postas

à disposição dos países em desenvolvimento de forma a favorecer sua ampla

difusão, sem que constituam uma carga econômica para esses países.

Princípio 21

Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de

direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus

próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação

de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua

jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros

Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional.

Princípio 22

Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito

internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da

poluição e de outros danos ambientais que as atividades realizadas dentro da

jurisdição ou sob o controle de tais Estados causem a zonas fora de sua

jurisdição.

Princípio 23

Sem prejuízo dos critérios de consenso da comunidade internacional e

das normas que deverão ser definidas a nível nacional, em todos os casos será

indispensável considerar os sistemas de valores prevalecentes em cada país, e,

a aplicabilidade de normas que, embora válidas para os países mais avançados,

possam ser inadequadas e de alto custo social para países em desenvolvimento.

Princípio 24

Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e

cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à

proteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para

controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as

atividades que se realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio

ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios

apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 25

Os Estados devem assegurar-se de que as organizações internacionais

realizem um trabalho coordenado, eficaz e dinâmico na conservação e no

melhoramento do meio ambiente.

Princípio 26

É’ preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas

nucleares e de todos os demais meios de destruição em massa. Os Estados

devem-se esforçar para chegar logo a um acordo – nos órgãos internacionais

pertinentes - sobre a eliminação e a destruição completa de tais armas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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RECOMENDAÇÕES DE PARIS – PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL

16 de Novembro de 1972

17ª Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas

Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural –

Aprovada pela Conferência Geral da UNESCO em sua décima sétima reunião

em Paris

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 17 de outubro a 21 de

novembro de 1972, em sua décima sétima sessão:

Verificando que o patrimônio cultural e o patrimônio natural estão cada

vez mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de

degradação, mas também pela evolução da vida social e econômica que as

agrava através e fenômenos de alteração ou de destruição ainda mais

importantes;

Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do

patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento nefasto do

patrimônio de todos os povos do mundo;

Considerando que a proteção desse patrimônio em escala nacional é a

maior parte das vezes insuficiente devido à vastidão dos meios que são

necessários para o efeito e da insuficiência de recursos econômicos, científicos e

técnicos do país no território do qual se encontra o bem a salvaguardar;

Relembrando que o Ato Constitutivo da Organização prevê a ajuda à

conservação, progresso e difusão do saber, promovendo a conservação e

proteção do patrimônio universal e recomendando aos povos interessados

convenções internacionais concluídas para tal efeito;

Considerando que as convenções, recomendações e resoluções

internacionais existentes no interesse dos bens culturais e naturais

demonstram a importância que constitui, para todos os povos do mundo, a

salvaguarda de tais bens, únicos e insubstituíveis, qualquer que seja o povo a

que pertençam;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Considerando que determinados bens do patrimônio cultural e natural

se revestem de excepcional interesse que necessita a sua preservação como

elementos do patrimônio mundial da humanidade no seu todo;

Considerando que, perante a extensão e a gravidade dos novos perigos

que os ameaçam, incumbe à coletividade internacional, no seu todo, participar

na proteção do patrimônio cultural e natural, de valor universal excepcional,

mediante a concessão de uma assistência coletiva que sem se substituir à ação

do Estado interessado a complete de forma eficaz;

Considerando que se torna indispensável a adoção, para tal efeito, de

novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de

proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal

excepcional, organizado de modo permanente e segundo métodos científicos e

modernos;

Após ter decidido quando da sua décima sexta sessão que tal questão

seria objeto de uma convenção internacional;

Adota, neste dia dezesseis de novembro de mil novecentos e setenta e

dois, a presente Convenção.

I - Definições do patrimônio cultural e natural

Artigo 1.º

Para fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio

cultural:

Os monumentos. – Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura

monumentais, elementos de estruturas de caráter arqueológico, inscrições,

grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista

da história, da arte ou da ciência;

Os conjuntos. – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em

virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor

universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

Os locais de interesse. – Obras do homem, ou obras conjugadas do

homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico,

com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético,

etnológico ou antropológico.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 2.º

Para fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio

natural:

Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas

ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de

vista estético ou científico;

As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente

delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas,

com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação;

Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente

delimitadas, com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência,

conservação ou beleza natural.

Artigo 3.º

Competirá a cada Estado parte na presente Convenção identificar e

delimitar os diferentes bens situados no seu território referidos nos artigos 1 e

2 acima.

II - Proteção nacional e proteção internacional do

patrimônio cultural e natural

Artigo 4.º

Cada um dos Estados parte na presente Convenção deverá reconhecer

que a obrigação de assegurar a identificação, proteção, conservação,

valorização e transmissão às gerações futuras do patrimônio cultural e natural

referido nos artigos 1.º e 2.º e situado no seu território constitui obrigação

primordial. Para tal, deverá esforçar-se, quer por esforço próprio, utilizando no

máximo os seus recursos disponíveis, quer, se necessário, mediante a

assistência e a cooperação internacionais de que possa beneficiar,

nomeadamente no plano financeiro, artístico, científico e técnico.

Artigo 5.º

Com o fim de assegurar uma proteção e conservação tão eficazes e uma

valorização tão ativa quanto possível do patrimônio cultural e natural situado

no seu território e nas condições apropriadas a cada país, os Estados parte na

presente Convenção esforçar-se-ão na medida do possível por:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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a) Adotar uma política geral que vise determinar uma função ao

patrimônio cultural e natural na vida coletiva e integrar a proteção do

referido patrimônio nos programas de planificação geral;

b) Instituir no seu território, caso não existam, um ou mais serviços de

proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural e natural,

com pessoal apropriado, e dispondo dos meios que lhe permitam cumprir

as tarefas que lhe sejam atribuídas;

c) Desenvolver os estudos e as pesquisas científicas e técnica e

aperfeiçoar os métodos de intervenção que permitem a um Estado

enfrentar os perigos que ameaçam o seu patrimônio cultural e natural;

d) Tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e

financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação,

valorização e restauro do referido patrimônio; e

e) Favorecer a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou

regionais de formação nos domínios da proteção, conservação e

valorização do patrimônio cultural e natural e encorajar a pesquisa

científica neste domínio.

Artigo 6.º

1 – Com pleno respeito pela soberania dos Estados no território dos

quais está situado o patrimônio cultural e natural referido nos artigos 1.º e 2.º,

e sem prejuízo dos direitos reais previstos na legislação nacional sobre o

referido patrimônio, os Estados parte na presente Convenção reconhecem que o

referido patrimônio constitui um patrimônio universal para a proteção do qual

a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar.

2 – Em consequência, os Estados parte comprometem-se, em

conformidade com as disposições da presente Convenção, a contribuir para a

identificação, proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural e

natural referido nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11.º se o Estado no território do

qual tal patrimônio se encontra o solicitar.

3 – Cada um dos Estados parte na presente Convenção compromete-se a

não tomar deliberadamente qualquer medida susceptível de danificar direta ou

indiretamente o patrimônio cultural e natural referido nos artigos 1.º e 2.º

situado no território de outros Estados parte na presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 7.º

Para fins da presente Convenção, deverá entender-se por proteção

internacional do patrimônio mundial, cultural e natural a criação de um

sistema de cooperação e de assistência internacionais que vise auxiliar os

Estados-parte na Convenção nos esforços que dispendem para preservar e

identificar o referido património.

III - Comitê intergovernamental para a proteção do

património mundial, cultural e natural

Artigo 8º

1 – É criado junto da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura, um comitê intergovernamental para a proteção do

património cultural e natural de valor universal excepcional denominado

Comitê do Património Mundial. Será composto por quinze Estados parte na

Convenção, eleitos pelos Estados parte na Convenção reunidos em assembleia

geral no decurso de sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização

das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. O número dos Estados

membros do Comitê será elevado até vinte e um, a contar da sessão ordinária

da conferência geral que se siga à entrada em vigor da presente Convenção

para, pelo menos, quarenta Estados.

2 – A eleição dos membros do Comitê deverá assegurar uma

representação equitativa das diferentes regiões e culturas do Mundo.

3 – Assistirão às sessões do Comitê com voto consultivo um

representante do Centro Internacional de Estudos para a Conservação e

Restauro de Bens Culturais (Centro de Roma), um representante do Conselho

Internacional de Monumentos e Locais de Interesse (ICOMOS) e um

representante da União Internacional para a Conservação da Natureza e Seus

Recursos (UICN), aos quais poderão ser acrescentados, a pedido dos Estados

parte, reunidos em assembleia geral no decurso das sessões ordinárias da

Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura, representantes de outras organizações intergovernamentais

com objetivo idênticos.

Artigo 9º

1 – Os Estados Membros do Comitê do Património Mundial exercerão o

seu mandato desde o termo da sessão ordinária da Conferência Geral no

decurso da qual tiverem sido eleitos e até ao final da terceira sessão ordinária

subsequente.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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2 – No entanto, o mandato de um terço dos membros designados na

primeira eleição terminará no final da primeira sessão ordinária da

Conferência Geral que se siga à sessão no decurso da qual tenham sido eleitos,

e o mandato de um segundo terço dos membros designados simultaneamente

terminará no final da segunda sessão ordinária da Conferência Geral que se

siga à sessão no decurso da qual tenham sido eleitos. Os nomes de tais

membros serão sorteados pelo presidente da Conferência Geral após a primeira

eleição.

3 – Os Estados membro do Comitê deverão escolher para os representar

pessoas qualificadas no domínio do património cultural ou do património

natural.

Artigo 10º

1 – O Comitê do Património Mundial adotará o seu regulamento interno.

2 – O Comitê poderá a qualquer momento convidar para as suas

reuniões organismos públicos o privados, assim como pessoas privadas, para

proceder a consultas sobre questões específicas.

3 – O Comitê poderá criar órgãos consultivos que julgue necessários à

execução das suas funções.

Artigo 11

1 – Cada um dos Estados parte na presente Convenção deverá submeter,

em toda a medida do possível, ao Comitê do Património Mundial um inventário

dos bens do património cultural e natural situados no seu território e

susceptíveis de serem inscritos na lista prevista no parágrafo 2 do presente

artigo. Tal inventário, que não será considerado exaustivo, deverá comportar

uma documentação sobre o local dos bens em questão e sobre o interesse que

apresentam.

2 – Com base nos inventários submetidos pelos Estados em aplicação do

parágrafo 1 acima, o Comitê deverá estabelecer, atualizar e difundir, sob o

nome de «lista do património mundial», uma lista dos bens do património

cultural e do património natural tal como definidos nos artigos 1.º e 2.º da

presente Convenção, que considere como tendo um valor universal excepcional

em aplicação dos critérios que tiver estabelecido. De dois em dois anos deverá

ser difundida uma atualização da lista.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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3 – A inscrição de um bem na lista do património mundial apenas

poderá ser feita com o consentimento do Estado interessado. A inscrição de um

bem situado num território que seja objeto de reivindicação de soberania ou de

jurisdição por vários Estados não prejudicará em nada os direitos das partes

no diferendo.

4 – O Comitê deverá estabelecer, atualizar e difundir, sempre que as

circunstâncias o exijam, sob o nome de «lista do património mundial em

perigo», uma lista dos bens que figurem na lista do património mundial para a

salvaguarda dos quais sejam necessários grandes trabalhos e para os quais

tenha sido pedida assistência, nos termos da presente Convenção. Tal lista

deverá conter uma estimativa do custo das operações. Apenas poderão figurar

nesta lista os bens do património cultural e natural ameaçados de

desaparecimento devido a uma degradação acelerada, projetos de grandes

trabalhos públicos ou privados, rápido desenvolvimentos urbano e turístico,

destruição devida a mudança de utilização ou de propriedade da terra,

alterações profundas devidas a uma causa desconhecida, abandono por um

qualquer motivo, conflito armado surgido ou ameaçando surgir, calamidades e

cataclismos, grandes incêndios, sismos, deslocações de terras, erupções

vulcânicas, modificações do nível das águas, inundações e maremotos. O

Comitê poderá, em qualquer momento e em caso de urgência, proceder a nova

inscrição na lista do património mundial em perigo e dar a tal inscrição difusão

imediata.

5 – O Comitê definirá os critérios com base nos quais um bem do

património cultural e natural poderá ser inscrito em qualquer das listas

referidas nos parágrafos 2 e 4 do presente artigo.

6 – Antes de recusar um pedido de inscrição numa das duas listas nos

parágrafos 2 e 4 do presente artigo, o Comitê deverá consultar o Estado parte

no território do qual esteja situado o bem do património cultural ou natural em

causa.

7 – O Comitê, com o consentimento dos Estados interessados,

coordenará e encorajará os estudos e as pesquisas necessárias à constituição

das listas referidas nos parágrafos 2 e 4 do presente artigo.

Artigo 12

O fato de um bem do património cultural e natural não ter sido inscrito

em qualquer das duas listas referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11.º não

poderá de qualquer modo significar que tal bem não tenha um valor

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Cartas Patrimoniais:

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excepcional para fins diferentes dos resultantes da inscrição nas referidas

listas.

Artigo 13

1 – O Comitê do Património Mundial deverá aceitar e estudar os pedidos

de assistência internacional formulados pelos Estados parte na presente

Convenção no que respeita aos bens do património cultural e natural situados

nos seus territórios, que figuram ou sejam susceptíveis de figurar nas listas

referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11.º. Tais pedidos poderão ter por

objeto a proteção, conservação, valorização ou restauro de tais bens.

2 – Os pedidos de assistência internacional em aplicação do parágrafo 1

do presente artigo poderão igualmente ter por objeto a identificação de bens do

património cultural e natural definido nos artigos 1.º e 2.º, sempre que

pesquisas preliminares tenham permitido estabelecer que as mesmas merecem

ser prosseguidas.

3 – O Comitê deverá decidir do andamento a dar a tais pedidos,

determinar, se necessário, a natureza e importância da sua ajuda e autorizar a

conclusão, em seu nome, de acordos necessários com o governo interessado.

4 – O Comitê deverá determinar uma ordem de prioridade para as suas

intervenções. Fá-lo-á tendo em conta a importância respectiva dos bens a

salvaguardar para o património mundial, cultural e natural, a necessidade em

assegurar assistência internacional aos bens mais representativos da natureza

ou do gênio e da história do mundo e da urgência dos trabalhos a empreender,

a importância dos recursos dos Estados no território dos quais se encontrem os

bens ameaçados e principalmente a medida que tais Estados poderiam

assegurar a salvaguarda de tais bens pelos seus próprios meios.

5 – O Comitê deverá estabelecer, atualizar e difundir uma lista dos bens

para os quais tenha sido dada assistência internacional.

6 – O Comitê deverá decidir da utilização dos recursos do fundo criado

nos termos do artigo 15.º da presente Convenção. Procurará os meios de

aumentar tais recursos e tomará todas as medidas úteis para o efeito.

7 – O Comitê deverá cooperar com as organizações internacionais e

nacionais, governamentais e não governamentais, com objetivo idênticos aos da

presente Convenção. Para a aplicação dos programas e execução dos seus

projetos, o Comitê poderá recorrer a tais organizações, especialmente do

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Cartas Patrimoniais:

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Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro dos Bens

Culturais (Centro de Roma), ao Conselho Internacional dos Monumentos e

Locais de Interesse (ICOMOS) e à União Internacional para a Conservação da

Natureza e Seus Recursos (UICN), assim como a outros organismos públicos ou

privados e a pessoas privadas.

8 – As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de dois terços dos

membros presentes e votantes. O quórum será constituído pela maioria dos

membros do Comitê.

Artigo 14

1 – O Comitê do Património Mundial será assistido por um secretariado

nomeado pelo Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura.

2 – O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura, utilizando o mais possível os serviços do Centro

Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro dos Bens Culturais

(Centro de Roma), do Conselho Internacional dos Monumentos e Locais de

Interesse (ICOMOS) e da União Internacional para a Conservação da

Natureza e Seus Recursos (UICN), nos domínios das suas competências e das

suas respectivas possibilidades, deverá preparar a documentação do Comitê, a

ordem do dia das suas reuniões e deverá assegurar a execução das suas

decisões.

IV - Fundo para a proteção do património mundial, cultural

e natural

Artigo 15

1 – É constituído um fundo para a proteção do património mundial,

cultural e natural de valor universal excepcional, denominado Fundo do

Património Mundial.

2 – O Fundo será constituído com fundos de depósito, em conformidade

com as disposições do regulamento financeiro da Organização das Nações

Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

3 – Os recursos do Fundo serão constituídos por:

a) Contribuições obrigatórias e contribuições voluntárias dos Estados

parte na presente Convenção;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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b) Pagamento, doações ou legados que poderão fazer:

i) Outros Estados;

ii) A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura, as demais organizações do sistema das Nações Unidas,

nomeadamente o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e

outras organizações intergovernamentais:

iii) Organismos públicos ou privados, ou as pessoas privadas;

c) Qualquer juro devido pelos recursos do Fundo;

d) Produto das coletas e receitas das manifestações organizadas em

proveito do Fundo; e

e) Quaisquer outros recursos autorizados pelo regulamento que o

Comitê do Património Mundial elaborará.

4 – O destino das contribuições feitas ao Fundo e das demais formas de

assistência prestadas ao Comitê será estabelecido por este. O Comitê poderá

aceitar contribuições destinadas apenas a um certo programa ou a um

determinado projeto desde que a aplicação de tal programa ou a execução de

tal projeto tenha sido decidida pelo Comitê. As contribuições feitas ao Fundo

não poderão estar sujeitas a qualquer condição política.

Artigo 16

1 – Sem prejuízo de qualquer contribuição voluntária complementar, os

Estados parte na presente Convenção comprometem-se a pagar regularmente,

de dois em dois anos, ao Fundo do Património Mundial, contribuições, cujo

montante, calculado segundo uma percentagem uniforme aplicável a todos os

Estados, será decidido pela Assembleia Geral dos Estados parte na Convenção,

reunidos no decurso de sessões da Conferência Geral da Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Tal decisão da assembleia

geral requer a maioria dos Estados parte, presentes e votantes, que não

tenham formulado a declaração referida no parágrafo 2 do presente artigo. A

contribuição obrigatória dos Estados parte na Convenção não poderá, em caso

algum, ultrapassar 1% da sua contribuição para o orçamento ordinário da

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

2 – Qualquer Estado no artigo 31.º ou no artigo 32.º da presente

Convenção poderá, no entanto, no momento do depósito do seu instrumento de

ratificação, aceitação ou adesão, declarar que não ficará vinculado pelas

disposições do parágrafo 1 do presente artigo.

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3 – Qualquer Estado parte na Convenção que tenha formulado a

declaração referida no parágrafo 2 do presente artigo poderá, em qualquer

momento, retirar a referida declaração mediante notificação do Diretor-Geral

da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. No

entanto, a retirada da declaração apenas terá efeito, no que refere à

contribuição obrigatória devida por tal Estado, a partir da data da assembleia

geral seguinte dos Estados parte.

4 – A fim de que o Comitê possa prever as suas operações de forma

eficaz, as contribuições dos Estados parte na presente Convenção que tenham

formulado a declaração referida no parágrafo 2 do presente artigo deverão ser

pagas de forma regular, pelo menos de dois em dois anos, e não deverão ser

inferiores às contribuições que tais Estados deveriam pagar caso se

encontrassem vinculados pelas disposições do parágrafo 1 do presente artigo.

5 – Qualquer Estado parte na Convenção que se encontre atrasado no

pagamento da sua contribuição obrigatória ou voluntária, relativamente ao

ano em curso e ao ano civil imediatamente anterior, não poderá ser eleito para

o Comitê do Património Mundial; tal disposição não se aplica quando da

primeira eleição. O mandato de um tal Estado, já membro do Comité,

terminará no momento de qualquer eleição referida no parágrafo 1 do artigo 8.º

da presente Convenção.

Artigo 17

Os Estados partes na presente Convenção deverão estabelecer ou

promover a criação de fundações ou de associações nacionais, públicas e

privadas, cujos objetivos seja o encorajamento da proteção do património

cultural e natural, conforme definido pelos artigos 1.º e 2.º da presente

Convenção.

Artigo 18

Os Estados partes na presente Convenção deverão contribuir nas

campanhas internacionais de coleta, organizadas em favor do Fundo do

Património Mundial, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para

a Educação, Ciência e Cultura. Deverão facilitar as coletas feitas com tais

objetivos pelos organismos mencionados no parágrafo 3 do artigo 15 –

Condições e modalidades de assistência internacional

Artigo 19

Qualquer Estado parte na presente Convenção poderá solicitar

assistência internacional em favor dos bens do património cultural ou natural

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de valor universal excepcional situados no seu território. Deverá anexar ao

pedido de assistência os elementos informativos e os documentos mencionados

no artigo 21.º, de que dispõe e de que o Comitê necessitará para tomar a sua

decisão.

Artigo 20

Sob reserva das disposições do parágrafo 2 do artigo 13, da alínea c) do

artigo 22 e do artigo 23, a assistência internacional prevista pela presente

Convenção apenas poderá ser concebida a bens do património cultural e

natural que o Comitê do Património Mundial tenha decidido ou decida fazer

figurar numa das listas referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo 11.

Artigo 21

1 – O Comitê do Património Mundial deverá estabelecer as normas para

o exame dos pedidos de assistência internacional que lhe sejam dirigidos e

deverá precisar, nomeadamente, os elementos a figurar no pedido, o qual

deverá descrever a operação a executar, os trabalhos necessários, uma

estimativa do custo dos mesmos, urgência e os motivos pelos quais os recursos

do Estado que tenha formulado o pedido não lhe permitem fazer face à

totalidade das despesas. Os pedidos deverão, sempre que possível, basear-se na

opinião de peritos.

2 – Em virtude dos trabalhos que poderão eventualmente vir a ser

necessários sem demora, os pedidos fundados em calamidades naturais ou em

catástrofes deverão ser urgente e prioritariamente examinados pelo Comitê, o

qual deverá dispor de um fundo de reserva destinado a tais eventualidades.

3 – Antes de tomar qualquer decisão, o Comitê deverá proceder aos

estudos e consultas que julgue necessários.

Artigo 22

A assistência concedida pelo Comitê do Património Mundial poderá

assumir as seguintes formas:

a) Estudos sobre os problemas artísticos, científicos e técnicos

resultantes da proteção, conservação, valorização e restauro do

património cultural e natural, conforme definido pelos parágrafos 2 e 4

do artigo 11.º da presente Convenção;

b) Fornecimento de peritos, técnicos e de mão-de-obra qualificada para

supervisar a boa execução do projeto aprovado;

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c) Formação e especialistas, a todos os níveis, nos domínios da

identificação, proteção, conservação, valorização e restauro do

património cultural e natural;

d) Fornecimento de equipamento de que o Estado interessado não

disponha ou não esteja em condições de adquirir;

e) Empréstimos a juro reduzido, isentos de juros ou que possam ser

reembolsados a longo prazo;

f) Concessão, em casos excepcionais e especialmente motivados, de

subvenções não reembolsáveis.

Artigo 23

O Comitê do Património Mundial poderá igualmente fornecer

assistência internacional a centros nacionais ou regionais de formação de

especialistas, a todos os níveis, nos domínios da identificação, proteção,

conservação, valorização e restauro do património cultural e natural.

Artigo 24

Uma assistência internacional de elevada importância apenas poderá

ser concedida após estudo científico, econômico e técnico detalhado. Tal estudo

deverá recorrer às mais avançadas técnicas de proteção, conservação,

valorização e restauro do património cultural e natural e corresponder aos

objetivos da presente Convenção. Deverá pesquisar os meios para a utilização

racional dos recursos disponíveis no Estado interessado.

Artigo 25

O financiamento dos trabalhos necessários apenas deverá, em princípio,

incumbir parcialmente à comunidade internacional. A participação do Estado

que beneficie da assistência internacional deverá constituir parte substancial

dos recursos atribuídos a cada programa ou projeto, exceto se os seus recursos

não lho permitam.

Artigo 26

O Comitê do Património Mundial e o Estado beneficiário deverão definir,

em acordo a conclui, as condições para a execução do programa ou projeto ao

qual é concedida assistência internacional, nos termos da presente Convenção.

Competirá ao Estado que receba tal assistência internacional continuar a

proteger, conservar e valorizar os bens assim salvaguardados, em

conformidade com as condições definidas no acordo.

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VI – Programas educativos

Artigo 27

1 – Os Estados partes na presente Convenção esforçar-se-ão, por todos

os meios apropriados, nomeadamente mediante programas de educação e de

informação, por reforçar o respeito e o apego dos seus povos ao património

cultural e natural definido nos artigos 1.º e 2.º da Convenção.

2 – Comprometem-se a informar largamente o público das ameaças a

que está sujeito tal património e das atividades levadas a cabo em aplicação da

presente Convenção.

Artigo 28

Os Estados partes na presente Convenção que recebam assistência

internacional, em aplicação da Convenção, deverão tomar as medidas

necessárias no sentido de dar a conhecer a importância dos bens que

constituem o objeto de tal assistência e o papel desempenhado por esta.

VII – Relatórios

Artigo 29

1 – Os Estados partes na presente Convenção deverão indicar nos

relatórios a apresentar à Conferência Geral da Organização das Nações Unidas

para a Educação, Ciência e Cultura, às datas e sob as formas que entender, as

disposições legais e regulamentares e as demais medidas que tenham sido

adotadas para aplicação da Convenção, bem como a experiência que tenham

adquirido na matéria.

2 – Tais relatórios deverão ser levados ao conhecimento do Comité do

Património Mundial.

3 – O Comitê deverá apresentar um relatório sobre as suas actividades a

cada uma das sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

VIII – Cláusulas finais

Artigo 30

A presente Convenção foi redigida em inglês, árabe, espanhol, francês e

russo, fazendo os cinco textos igualmente fé.

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A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 31

1 – A presente Convenção será submetida à ratificação ou aceitação dos

Estados membro da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura, em conformidade com as suas respectivas normas constitucionais.

2 – Os instrumentos de ratificação ou aceitação serão depositados junto

do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura.

Artigo 32

1 – A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer Estado não

membro da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura convidado a ela aderir pela Conferência Geral da Organização.

2 – A adesão terá lugar mediante o depósito de um instrumentos de

adesão junto do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura.

Artigo 33

A presente Convenção entrará em vigor três meses após a data do

depósito do vigésimo instrumento de ratificação, aceitação ou adesão, mas

unicamente para os Estados que tenham depositado os seus respectivos

instrumentos de ratificação, aceitação ou adesão em tal data, ou

anteriormente. Para qualquer outro Estado, entrará em vigor três meses após

o depósito do respectivo instrumento de ratificação, aceitação ou adesão.

Artigo 34

As disposições abaixo aplicar-se-ão aos Estados parte na presente

Convenção com sistema constitucional federativo ou não unitário:

a) No que se refere às disposições da presente Convenção cuja aplicação

seja da competência da ação legislativa do poder legislativo federal ou

central, as obrigações do Governo federal ou central serão idênticas às

dos Estados parte não federativos;

b) No que se refere às disposições da presente Convenção cuja aplicação

seja da competência da ação legislativa de cada um dos Estados, regiões,

províncias ou cantões que constituem o Estado federal, que não sejam

obrigados, em virtude do sistema constitucional da Federação, a tomar

medidas legislativas, o Governo federal levará as referidas disposições,

acompanhadas do seu parecer favorável, ao conhecimento das

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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autoridades competentes dos referidos Estados, regiões, províncias ou

cantões.

Artigo 35

1 – Cada um dos Estados parte na presente Convenção terá a faculdade

de denunciar a Convenção.

2 – A denúncia deverá ser notificada mediante instrumento escrito

depositado junto do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura.

3 – A denúncia tomará efeito doze meses após a data da recepção do

instrumento da denúncia. Em nada alterará as obrigações financeiras a

assumir pelo Estado que a tenha efetuado, até à data em que a retirada tome

efeito.

Artigo 36

O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura informará os Estados membros da Organização e os Estados

não membros referidos no artigo 32, bem como a Organização das Nações

Unidas, do depósito de todos os instrumentos de ratificação, aceitação ou

adesão mencionados nos artigos 31 e 32, e das denúncias previstas pelo artigo

35º.

Artigo 37

1 – A presente Convenção poderá ser revista pelo Conferência Geral da

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. A revisão

apenas vinculará, no entanto, os Estados que se tornem parte na Convenção

revista.

2 – Caso a Conferência Geral adote uma nova Convenção que constitua

revisão total ou parcial da presente Convenção, e salvo disposições em

contrário da nova convenção, a presente Convenção deixará de estar aberta a

ratificação, aceitação ou adesão a partir da data da entrada em vigor da nova

convenção.

Artigo 38

Em conformidade com o artigo 102º da Carta das Nações Unidas, a

presente Convenção será registrada no Secretariado das Nações Unidas, a

pedido do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura. Feito em Paris aos 23 dias do mês de Novembro de 1972, em

dois exemplares autenticados contendo a assinatura do presidente da

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Conferência Geral, reunida na sua décima sétima sessão, e do Diretor-Geral

das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, os quais serão

depositados nos arquivos da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura, sendo cópias certificadas conforme aos originais entregues a

todos os Estados referidos nos artigos 31 e 32 e à Organização das Nações

Unidas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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RESOLUÇÃO DE SÃO DOMINGOS

De Dezembro de 1974

I Seminário Interamericano sobre Experiências na Conservação e Restauração

do Patrimônio Monumental dos períodos Colonial e Republicano (República

Dominicana).

OEA – Organização dos Estados Americanos e Governo Dominicano

Consciente da importância que, para a defesa do patrimônio

monumental latino-americano, representam tanto a Carta de Veneza como as

Normas de Quito e ante a necessidade atual de roteiros que contemplem

prioritariamente os aspectos operativos que materializem e tomem possível a

defesa destes bens insubstituíveis da cultura, o Seminário Interamericano

sobre Experiências na Conservação e Restauração do Patrimônio Monumental

dos Períodos Colonial e Republicano considera que se faz altamente

conveniente para esse fim a elaboração de um documento onde fiquem

registrados estes serviços operativos; propõe, portanto, as seguintes

recomendações:

a) No plano social:

A salvação dos centros históricos é um compromisso social além de

cultural e deve fazer parte da política de habilitação, para que nela se levem

em conta os recursos potenciais que tais centros possam oferecer. Todos os

programas de intervenção e resgate dos centros históricos devem, portanto,

trazer soluções de saneamento integral que permitam a permanência e

melhoramento da estrutura social existente.

b) No plano econômico:

A iniciativa privada e o seu apoio financeiro constituem uma

contribuição fundamental para a conservação e valorização dos centros

históricos. Recomenda-se a todos os governos estimular essa contribuição

mediante disposições legais, incentivos e facilidades de caráter econômico.

c) No plano da preservação monumental:

Os problemas da preservação monumental obrigam a um trabalho

prévio de investigação documental e arqueológico, devendo levar-se a cabo

estudos integrais para resgatar a maior quantidade de dados relacionados com

a história do sítio.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Respaldados na noção do centro monumental, tais estudos deverão ser

estendidos à proteção dos valores e costumes tradicionais e naturais da área

em questão.

d) Propostas operativas:

Em apoio ao estabelecido nas Normas de Quito, o Centro Interamericano

do Inventário do Patrimônio Histórico e Artístico, recentemente criado em

Bogotá, deve resgatar, de acordo com os governos de Espanha e Portugal, a

documentação de interesse monumental existente em seus arquivos; cabe-lhe,

ainda, realizar, com atividade prioritária, um inventário dos monumentos que,

em território americano, tenham um significado transcendental para o

patrimônio da humanidade.

Criar uma Associação Interamericana de Arquitetos e Especialistas na

Proteção do Patrimônio Monumental, que divulgue o trabalho dos seus

membros mediante uma publicação a cargo de um centro ou instituto

especializado. Essa associação se formou em São Domingos e serão seus

membros fundadores os delegados ao Seminário Interamericano sobre

Experiências na Conservação do Patrimônio Monumental dos Períodos

Colonial e Republicano. Também serão membros os especialistas participantes

que formalizarem sua inscrição de acordo com os regulamentos estabelecidos.

Reconhecendo o trabalho positivo realizado pela Unidade Técnica de

Patrimônio Cultural do Departamento de Assuntos Culturais a cargo do

Projeto de Proteção do Patrimônio Cultural Histórico e Artístico instituído pela

OEA e constatando que, no campo da preservação do patrimônio monumental

da América, existem necessidades que não puderam ser satisfeitas pelo

mencionado projeto devido à falta de recursos adequados, solicitamos que na

próxima Assembleia Geral da OEA se destinem maiores fundos, que permitam

ao mencionado projeto cumprir cabalmente objetivos para os quais foi criado.

Que os Estados Membros da OEA criem um fundo de emergência que

permita a rápida disponibilidade de recursos para a salvação de bens

monumentais americanos nos países de menor desenvolvimento relativo, que

constituem monumentos inalienáveis para ao patrimônio da humanidade e

estão em iminente perigo de desaparecimento.

Os projetos de preservação monumental devem fazer parte de um

programa integral de valorização, que defina não apenas a sua função

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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monumental, como também o seu destino e manutenção, e leve

prioritariamente em conta a melhoria socioeconômica de seus habitantes.

Sendo o turismo um meio de preservação dos monumentos, os planos de

desenvolvimento turístico devem constituir uma via mediante a qual, com a

utilização de alto nível técnico, se logrem objetivos importantes na proteção e

preservação do patrimônio cultural americano.

Que o Centro Interamericano de Restauração de Bens Culturais, que

atualmente funciona no México, atue como o organismo que recopile e difunda

as atividades empreendidas pelos países que integram o sistema

interamericano no campo da preservação monumental.

Independentemente da fonte anterior de informação, torna-se

indispensável o intercâmbio pessoal de experiências, devendo realizar-se

seminários como este a cada dois anos, com o patrocínio da OEA, em um dos

seus Estados Membros, o segundo dos quais se realizará na Colômbia, no ano

de 1976.

Que se criem oficinas de ensino nível artesanal para formação de

operários que sejam eficazes auxiliares na tarefa da restauração monumental,

respaldando-se e ampliando-se em nível interamericano a atual escola-oficina

de obras de pedra que funciona no Museu das Casas Reais, na República

Dominicana.

Tendo-se iniciado em São Domingos, antiga Espanhola, o processo

cultural ibero-americano e contando a República Dominicana com um centro

como o Museu das Casas Reais, que se dedica ao estudo científico desse

processo histórico, recomenda-se a ampliação de suas atividades em nível

internacional, procurando que, tanto nos trabalhos de investigação como na

formação acadêmica, orientem-se os seus trabalhos em todo o continente para

a mais cabal compreensão da integração cultural americana.

e) Reconhecimento:

O primeiro Seminário Interamericano sobre Experiência na Conservação

e Restauração do Patrimônio Monumental dos Períodos Colonial e Republicano

quer fazer constar o seu reconhecimento pelo patrocínio assumido pelo Governo

da República Dominicana e pela Secretaria Geral da Organização dos Estados

Americanos (OEA), para realização deste Primeiro Seminário Interamericano,

cujo proveito se fará sentir no âmbito de todo o hemisfério. São Domingos é um

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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ponto de partida para o fortalecimento e a integração profissional dos

especialistas em conservação do patrimônio monumental da América.

O Primeiro Seminário Interamericano sobre Experiências na

Conservação do Patrimônio Monumental dos Períodos Colonial e Republicano

quer igualmente fazer constar o trabalho exemplar que o Governo Dominicano

empreende para a preservação e a valorização do patrimônio monumental da

República Dominicana.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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DECLARAÇÃO DE AMSTERDÃ

De Outubro de 1975

Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu

Conselho da Europa

Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico

O Congresso de Amsterdã, evento chave do ano Europeu do património

arquitetônico de 1975, composto por delegados de todas as partes da Europa,

acolhe de coração aberto a Carta promulgada pelo Comitê de Ministros do

Conselho da Europa que reconhece que a arquitetura única da Europa é

património comum de todos os seus povos e que declara a intenção dos Estados

Membros em trabalharem em conjunto e com os outros governos Europeus na

sua proteção.

De forma semelhante, o Congresso afirma que o património

arquitetônico da Europa é uma parte integral do património cultural do mundo

inteiro e registrou, com grande satisfação, as iniciativas mútuas de promoção

da cooperação e de intercâmbios no campo da cultura contidos na Ata Final do

Congresso sobre Segurança e Cooperação na Europa adotada em Helsinque em

Julho deste ano.

Assim sendo, o Congresso enfatizou as seguintes considerações básicas:

a. Para além do seu precioso valor cultural, o património cultural

Europeu proporciona aos seus povos a consciência da sua história

comum e do seu futuro comum. A sua preservação é, portanto, uma

matéria de importância vital.

b. O património cultural inclui não só os edifícios individuais de

excepcional qualidade e as suas envolventes, mas também todas as

áreas das cidades ou das vilas com interesse histórico ou cultural.

c. Como estes tesouros são propriedade comum de todos os povos da

Europa, estes têm a responsabilidade conjunta de os protegerem contra

os crescentes perigos de que estão ameaçados – negligência ou

degradação, demolição deliberada, construção nova incongruente ou

trânsito excessivo.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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d. No planejamento de uma cidade ou de um país a conservação

arquitetônica deve ser considerada, não como um assunto marginal, mas

como um objetivo principal.

e. As autoridades locais, a quem competem a maioria das decisões

importantes sobre o planejamento, têm uma especial responsabilidade

sobre a proteção do património cultural e devem-se apoiar mutuamente

através do intercâmbio de ideias e de informações.

f. A reabilitação das áreas antigas deve ser concebida e executada de

forma tal que garanta, onde possível, que não se necessite de uma

alteração grave na composição social dos residentes e que todos os

sectores da sociedade possam partilhar dos benefícios dos restauros

financiados pelos fundos públicos.

g. Devem ser fortalecidas e tornadas mais eficazes, em todos os países,

as necessárias medidas legislativas e administrativas.

h. Devem ser disponibilizados apoios financeiros adequados, pelas

autoridades locais, e, de igual forma, devem ser disponibilizados apoio

financeiro e alívio fiscal aos proprietários particulares como ajuda nos

custos do restauro, da adaptação e da manutenção dos edifícios e das

áreas com interesse arquitetônico e histórico.

i. O património cultural só conseguirá sobreviver se for apreciado pelo

público e, em particular, pelas gerações mais novas. Os programas

educacionais para todas as idades devem, portanto, prestar atenção

redobrada a este assunto.

j. Devem ser encorajadas as organizações independentes –

internacionais, nacionais e locais – o que ajudará a potenciar o interesse

público.

k. Como os edifícios de hoje vão ser o património de amanhã, devem ser

feitos todos os esforços para se garantir que a arquitectura actual seja de

elevada qualidade.

Tendo em vista o reconhecimento pelo Comitê de Ministros, na Carta

Europeia do património arquitetônico, de que é obrigação do Conselho da

Europa garantir que os Estados Membros apliquem políticas coerentes num

espírito de solidariedade, é essencial que sejam produzidos relatórios

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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periódicos sobre o progresso da conservação arquitetônica em todos os países

Europeus, de forma tal que promovam um intercâmbio de experiências.

O Congresso apela aos governos, aos parlamentos, às instituições

espirituais e culturais, aos institutos profissionais, ao comércio, à indústria, às

associações independentes e aos cidadãos individuais para que deem o seu

apoio total aos objetivos desta Declaração e que façam tudo o que estiver ao seu

alcance para garantirem a sua implementação.

Só desta forma poderá ser preservado o insubstituível património

arquitetônico da Europa, para o enriquecimento das vidas de todos os seus

povos, agora e no futuro.

A partir das suas deliberações, o Congresso submeteu as suas

conclusões e recomendações, conforme se descrevem a seguir.

A menos que seja urgentemente implementada uma nova política de

proteção e de conservação integrada, a nossa sociedade irá, brevemente, ver-se

obrigada a desistir do seu património de edifícios e sítios que formam o seu

ambiente tradicional. Atualmente é necessária proteção para as cidades

históricas, para os bairros antigos das cidades, vilas e aldeias que tenham um

caráter tradicional, assim como para os parques e jardins. A conservação

destes complexos arquitetônicos só pode ser concebida numa perspectiva

ampla, abrangendo todos os edifícios com valor cultural, desde o maior até ao

mais humilde – não esquecendo os construídos nos nossos próprios dias – em

conjunto com as suas envolventes. Esta proteção global deve complementar o

prato de resistência que é a proteção dos monumentos e sítios individuais e

isolados.

O significado do património arquitetônico e a justificação para a sua

proteção são mais claramente compreendidos hoje em dia. É sabido que deve

ser preservada a continuidade histórica no seu ambiente, se quisermos manter

ou criar envolventes que permitam às pessoas encontrarem a sua identidade e

sentirem-se seguras apesar das abruptas alterações sociais. Um novo tipo de

planejamento urbano procura recuperar os espaços fechados, as dimensões

humanas, a interpenetração das funções e a diversidade social e cultural que

caracteriza a fábrica urbana das velhas cidades. Mas também se tem vindo a

compreender que a conservação dos edifícios antigos ajuda a economizar

recursos e combate o desperdício, uma das principais preocupações da

sociedade atual. Tem sido demonstrado que os edifícios históricos podem

receber novas funções que correspondem às necessidades da vida

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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contemporânea. Além disso, a conservação necessita de artistas e de operários

altamente qualificados cujos talentos e saberes têm que ser mantidos vivos e

transmitidos para o futuro. Recentemente, a reabilitação das habitações

existentes ajuda a consolidarem-se as incrustações no meio do terreno agrícola

e a evitarem-se, ou a diminuírem-se apreciavelmente, os movimentos da

população – uma vantagem muito importante da política de conservação.

Assim, por todas estas razões, parecendo haver hoje uma justificação

mais forte do que nunca para a conservação do património arquitetônico, esta

deve ser assente sobre fundações firmes e duráveis. Da mesma forma, ela deve

ser o objeto de uma pesquisa de fundamentos e uma matéria para todos os

programas de cursos educativos e de desenvolvimentos culturais.

A conservação do património cultural: um dos maiores objetivos do

planejamento urbano e regional.

A conservação do património cultural deve tornar-se parte integrante do

planejamento urbano e regional, em vez de ser tratada como um assunto

secundário ou como uma ação exigida aqui e acolá, como tem sido tão

frequentemente o caso no passado recente. É, portanto, indispensável um

diálogo permanente entre os conservacionistas e os responsáveis pelo

planejamento.

Os autores do planejamento devem reconhecer que nem todas as áreas

são iguais e que, portanto, elas devem ser tratadas de acordo com as suas

características individuais. O reconhecimento das exigências dos valores

culturais do património arquitetônico deve levar à adoção de exigências

específicas e de regras de planejamento para os complexos arquitetônicos

antigos.

Não chega sobreporem-se, simplesmente, em vez de se coordenarem,

regulamentos de planejamento correntes e regras específicas para a protecção

dos edifícios históricos.

É, portanto, necessário um inventário dos edifícios, dos complexos

arquitetônicos e dos sítios demarcando as zonas protegidas em seu redor, para

se tornar possível a necessária integração. Este inventário deve ser largamente

divulgado, particularmente entre as autoridades regionais e locais e entre os

oficiais encarregues do planejamento urbano e nacional, com o objetivo de

chamar a sua atenção para os edifícios e para as áreas merecedores de

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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proteção. Tal inventário irá fornecer uma base realística para a conservação,

constituindo um fator qualitativo fundamental na gestão do espaço.

A política de planejamento regional deve ter em consideração a

conservação do património arquitetônico e para ele contribuir. Em particular,

pode induzir o estabelecimento de novas atividades em áreas economicamente

decadentes para se evitar o despovoamento e, portanto, evitar a deterioração

dos edifícios antigos. Além disso, as decisões sobre o desenvolvimento das

áreas urbanas periféricas pode ser de forma tal que reduzam a pressão sobre

os bairros antigos; aqui as políticas de transporte e de emprego, bem como uma

melhor distribuição dos pontos focais da atividade urbana, podem ter um

impacto importante sobre a conservação do património arquitetônico.

O desenvolvimento total de uma política de conservação contínua requer

uma larga porção de descentralização assim como o respeito pelas culturas

locais. Isto significa que devem existir a todos os níveis (central, regional e

local) pessoas responsáveis pela conservação, por quem sejam tomadas as

decisões de planejamento. Porém, a conservação do património arquitetônico

não deve ser um assunto que só diga respeito aos especialistas. É essencial o

apoio da opinião pública. A população, com base numa informação completa e

objetiva, deve colaborar em todas as fases do trabalho, desde o levantamento

dos inventários até à preparação das decisões.

Recentemente, a conservação do património arquitetônico deve tornar-se

num capítulo da uma nova abordagem a longo prazo que preste atenção a

critérios de qualidade e de justas proporções, que possam ser empregues para

rejeitar algumas opções e objetivos que são, demasiado frequentemente,

governados por considerações de curto prazo, por uma visão estreita de

tecnologia e, em resumo, por uma abordagem obsoleta.

A conservação integrada envolve a responsabilidade das autoridades

locais e apela à participação dos cidadãos.

As autoridades locais devem ter responsabilidades específicas e

alargadas na proteção do património cultural. Na aplicação dos princípios da

conservação integrada, elas devem ter em consideração a continuidade das

realidades sociais e físicas existentes nas comunidades urbanas e rurais. O

futuro não pode e não deve ser construído às custas do passado.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Para implementarem esta política, que respeita com inteligência,

sensibilidade e economia o ambiente criado pelo homem, as autoridades locais

devem:

• como base, usar o estudo da textura das áreas urbanas e rurais,

especialmente a sua estrutura, as suas complexas funções e as

características arquitetônicas e volumétricas dos seus espaços

construídos e abertos;

• atribuir funções aos edifícios que, enquanto correspondem às

necessidades da vida contemporânea, respeitem o seu caráter e

garantam a sua sobrevivência;

• estar conscientes de que os estudos a longo prazo sobre o

desenvolvimento dos serviços públicos (educação, administração, saúde)

indicaram que o tamanho excessivo põe em risco a sua qualidade e

eficácia;

• dedicar uma parte adequada do seu orçamento a esta política. Neste

contexto, elas devem pedir ao governo a criação de fundos

especificamente destinados a estes objetivos. Os subsídios e

empréstimos, concedidos aos indivíduos privados e às diversas

associações pelas autoridades locais, devem ser destinados a

estimularem o seu envolvimento e o seu compromisso financeiro;

• nomear representantes para tratarem de todos os assuntos

respeitantes ao património arquitetônico e aos sítios;

• organizar agências especiais para proporcionarem ligações diretas

entre os potenciais utilizadores dos edifícios e os respectivos

proprietários;

• facilitar a formação e o eficiente funcionamento de associações de

voluntários para o restauro e para a reabilitação.

As autoridades locais devem melhorar as técnicas de consulta para a

avaliação das opiniões das partes interessadas nos planos de conservação e

devem ter essas opiniões em consideração desde os estados iniciais do

planejamento. Como parte dos seus esforços para informarem o público sobre

as decisões das autoridades locais, estas devem ser publicadas usando-se uma

linguagem clara e universalmente compreensível, para que assim os

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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habitantes locais possam aprender, discutir e avaliar os seus fundamentos.

Devem ser disponibilizados locais de reunião para que os membros do público

possam debater entre si. A este respeito, devem tornar-se prática comum

métodos tais como encontros públicos, exposições, sondagens de opinião, o uso

dos meios de comunicação social e outros métodos adequados.

A educação dos jovens sobre as questões ambientais e o seu

envolvimento nas tarefas da conservação é uma das exigências comunitárias

mais importantes. Devem ser estudadas as propostas ou alternativas

avançadas por grupos ou indivíduos como sendo contribuições importantes

para o planejamento.

As autoridades locais podem beneficiar muito a partir das experiências

das outras. Por essa razão, elas devem estabelecer uma troca contínua de

informações e de ideias através de todos os canais disponíveis.

O sucesso de qualquer política de conservação integrada depende de

serem tomados em consideração os fatores sociais.

Uma política de conservação também significa a integração do

património cultural na vida social.

O esforço de conservação a ser feito deve ser medido não só em relação

ao valor cultural do edifício, mas também em relação ao seu valor de utilização.

Os problemas sociais da conservação integrada só podem ser corretamente

equacionados através de referências simultâneas a estas duas escalas de

valores.

A reabilitação de um complexo arquitetônico que faz parte do património

cultural não é necessariamente mais cara do que a construção de um edifício

novo numa infraestrutura existente, ou mesmo a construção de um complexo

novo num local previamente não desenvolvido. Assim, quando se comparam os

custos destas três soluções, cujas consequências sociais são bastantes

diferentes, é importante que não se esqueçam os custos sociais. Estes não

dizem apenas respeito aos proprietários e inquilinos, mas também aos

operários, comerciantes e empreiteiros da construção locais que têm como

objetivo manterem a região viva.

Para se evitar que as leis do mercado tenham liberdade total nas zonas

restauradas e reabilitadas, tendo como consequência que os habitantes

incapazes de pagarem o aumento das rendas sejam expulsos, as autoridades

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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públicas devem intervir para reduzirem o efeito dos fatores econômicos, tal

como eles sempre atuam, quando se trata do caso de habitação de baixo custo.

As intervenções financeiras devem ter como objetivo atingirem um equilíbrio

entre a recompensa do restauro para os proprietários, combinado com a fixação

de rendas máximas, e subsídios de arrendamento para os inquilinos que

cubram, em parte ou na totalidade, a diferença entre as rendas velhas e as

rendas novas.

Para se conseguir que a população participe na elaboração dos

programas, tem que se lhe fornecer os fatos necessários para que compreenda a

situação, por um lado através da explicação do valor histórico e arquitetônico

dos edifícios a serem conservados, e por outro entregando-lhe uma informação

completa sobre o realojamento temporário e permanente.

Esta participação é da maior importância porque se trata não só de se

restaurarem alguns edifícios privilegiados, mas de se reabilitarem áreas

inteiras.

Esta forma prática de interessar o público pela cultura pode ser de

grande benefício social.

A conservação integrada carece da adoção de medidas legislativas e

administrativas.

Como o conceito de património arquitetônico tem vindo a ser

gradualmente alargado, desde os edifícios históricos individuais, passando

pelos complexos arquitetônico urbanos e rurais, até aos testemunhos

construídos dos períodos recentes, conseguirem-se reformas legislativas em

conjunto com aumentos nos recursos administrativos é um pré-requisito para

uma ação eficaz.

Esta reforma deve ser guiada pela necessidade de se coordenar a

legislação regional sobre planejamento com a legislação sobre a proteção do

património arquitetônico.

Esta última deve proporcionar uma nova definição de património

arquitetônico e dos objetivos da conservação integrada. Além disso, ela deve

fazer provisões especiais sobre procedimentos especiais respeitantes:

• à designação e delineação dos complexos arquitetônicos;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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• ao mapeamento das zonas periféricas de proteção e das limitações ao

uso a serem impostas, tendo em vista o interesse público;

• à preparação de esquemas de conservação integrados e à inclusão das

respectivas provisões nas políticas de planejamento regional;

• à aprovação das obras e às suas licenças de execução. Além disso deve

ser promulgada a legislação necessária para:

• se garantir uma alocação de recursos orçamentais equilibrada entre a

reabilitação e o redesenvolvimento;

• se garantir aos cidadãos que decidam reabilitar edifícios antigos pelo

menos as mesmas vantagens financeiras de que gozam para a

construção nova;

• se rever o sistema de apoios financeiros estatais à luz da nova política

de conservação integrada.

Tanto quanto possível, ser relaxada a aplicação da regulamentação sobre

construção para se ir ao encontro das necessidades da conservação integrada.

Tendo em vista aumentar-se a capacidade operacional das autoridades,

é necessário rever-se a estrutura da administração para se garantir que os

departamentos responsáveis pelo património cultural estão organizados aos

níveis apropriados e que há suficiente pessoal qualificado e que são postos à

sua disposição os recursos científicos, técnicos e financeiros essenciais.

Estes departamentos devem apoiar as autoridades locais, cooperar com

as repartições de planejamento regional e manter um contacto permanente

com o público e com os organismos privados.

A conservação integrada necessita de meios financeiros apropriados.

É difícil definir-se uma política financeira aplicável a todos os países ou

avaliarem-se as consequências das diferentes medidas envolvidas no processo

de planejamento, por causa das suas múltiplas repercussões. Mais ainda, este

processo é, ele próprio, governado por fatores externos consequentes da atual

estrutura da sociedade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Compete a cada estado definir os seus próprios métodos e instrumentos

de financiamento.

No entanto, pode-se declarar, com alguma certeza, que praticamente em

nenhum país da Europa são suficientes os recursos alocados à conservação.

Além disso, é aparente que nenhum país da Europa conseguiu ainda

definir a maquinaria administrativa ideal para ir ao encontro dos requisitos

econômicos de uma política de conservação. Para se conseguir resolver os

problemas econômicos de uma política de conservação integrada é importante

– e este é um fator decisivo – preparar-se legislação que submeta os edifícios

novos a certas restrições correspondentes ao seu volume e dimensões (altura,

coeficiente de utilização, etc.) que os faça serem harmoniosos com as

respectivas envolventes.

Os regulamentos de planejamento devem desencorajar o aumento de

densidade e promover a reabilitação, em vez do redesenvolvimento.

Devem ser encontrados os métodos corretos para se avaliarem os custos

extraordinários provocados pelos constrangimentos dos programas de

conservação. Sempre que possível, devem ser disponibilizados fundos

suficientes para auxílio aos proprietários que sejam obrigados a executarem

este trabalho de restauro, adequados aos custos extraordinários – nem mais

nem menos.

Se o critério dos custos extraordinários for aceite, deve ser prestada

atenção a verificar-se se o resultado não fica diminuído pela tributação.

Deve ser aplicado o mesmo princípio à reabilitação dos complexos

dilapidados que tenham interesse histórico ou arquitetônico. Isto tenderá a

restaurar o equilíbrio social.

Os apoios financeiros e as isenções de taxas existentes para a construção

nova devem ser disponibilizados na mesma proporção para a manutenção e

para a conservação dos edifícios antigos menos, claro, qualquer compensação

por custos extraordinários que lhes tenha sido atribuída.

As autoridades devem preparar Fundos Reembolsáveis, ou encorajar o

seu estabelecimento, proporcionando os necessários capitais às autoridades

locais ou às associações sem fins lucrativos. Isto aplica-se especialmente às

áreas onde tais programas possam tornar-se auto financiáveis, a curto ou a

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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longo prazo, graças à subida do valor consequente da elevada procura de

propriedades tão atrativas.

No entanto, é vital encorajarem-se todas as fontes de financiamento

privado, especialmente as que sejam provenientes da indústria. Numerosas

iniciativas privadas têm demonstrado o papel viável que podem desempenhar

junto das autoridades quer a nível nacional, quer a nível local.

A conservação integrada requer a promoção de métodos, técnicas e

competências para o restauro e reabilitação.

Devem ser melhor explorados os métodos, as técnicas e as competências

do restauro e reabilitação dos complexos históricos, e deve ser desenvolvida a

sua abrangência. As técnicas especializadas que têm sido desenvolvidas para o

restauro dos complexos históricos importantes devem ser, a partir de agora,

aplicadas à mais vasta gama de edifícios e complexos com mérito artístico

menos evidente.

Devem ser tomadas medidas para se garantir que permanecem à venda

os materiais de construção tradicionais, e que continuam a ser empregues os

ofícios e técnicas tradicionais.

A manutenção permanente do património arquitetônico vai evitar, a

longo prazo, as dispendiosas operações de reabilitação, como é óbvio.

Todos os esquemas de reabilitação devem ser cuidadosamente estudados

antes de serem executados. Deve ser reunida documentação abrangente acerca

dos materiais e das técnicas, e deve ser feita uma análise de custos. Esta

documentação deve ser coligida e guardada em centros apropriados.

Só devem ser usados novos materiais e técnicas depois da sua aprovação

por instituições científicas independentes.

Deve ser empreendida uma pesquisa para a compilação de um catálogo

de métodos e técnicas usadas na conservação e, para este efeito, devem ser

criadas instituições científicas que devem cooperar apertadamente entre si.

Este catálogo deve ser rapidamente disponibilizado e distribuído a todas as

pessoas interessadas, estimulando-se assim a reforma das práticas do restauro

e da reabilitação.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Existe uma necessidade fundamental de melhores programas de

formação para a produção de pessoal qualificado. Estes programas devem ser

flexíveis, multidisciplinares e devem incluir cursos onde possa ser obtida

experiência de campo.

O intercâmbio internacional de conhecimentos, experiências e

formandos é um elemento essencial na formação de todo o pessoal envolvido.

Ele deve ajudar à criação das necessárias equipes de planejadores,

arquitetos, técnicos e operários que preparem programas de conservação e

ajudem a garantir que vão ser preservados determinados ofícios necessários às

obras de restauro, que estão em risco de desaparecerem.

As oportunidades de qualificação, as condições de trabalho, os salários, a

segurança no emprego e o estatuto social devem ser suficientemente atrativos

para induzirem os jovens a abraçarem e a seguirem as disciplinas relacionadas

com as obras de restauro e de reabilitação.

A partir de agora, as autoridades responsáveis pelos programas

educativos a todos os níveis devem empenhar-se na promoção do interesse dos

jovens pelas disciplinas da conservação.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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MANIFESTO DE AMSTERDÃ

De Outubro de 1975

Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico – Ano do Patrimônio Europeu

Mil delegados de 25 Países Europeus (ministros, arquitetos, urbanistas, eleitos

locais, funcionários, representantes de associações).

Adotada pelo Comitê dos Ministros do Conselho da Europa, em 26 de setembro

de 1975, a Carta Europeia do Patrimônio Arquitetônico foi solenemente

promulgada no Congresso sobre o Patrimônio Arquitetônico Europeu, realizado

em Amsterdã, de 21 a 25 de outubro de 1975.

O Comitê de Ministros,

Considerando que o objetivo do Conselho da Europa é efetivar uma

união mais estreita entre seus membros, principalmente para salvaguardar e

promover os ideais e os princípios que lhes são patrimônio comum;

Considerando que os Estados Membros do Conselho da Europa,

participantes da Convenção Cultural Europeia de 19 de dezembro de 1954,

acham-se empenhados, em virtude do artigo primeiro dessa convenção, a

adotar as medidas necessárias a salvaguardar sua contribuição ao patrimônio

cultural comum da Europa e a encorajar-lhe o desenvolvimento;

Reconhecendo que o patrimônio arquitetônico, expressão insubstituível

da riqueza e da diversidade da cultura europeia, é herança comum de todos os

povos e que sua conservação compromete, por consequência, a solidariedade

efetiva dos Estados europeus;

Considerando que a conservação do patrimônio arquitetônico depende,

em grande parte, de sua integração no quadro de vida dos cidadãos e de sua

valorização nos planejamentos físico-territorial e nos planos urbanos;

Tendo em vista a recomendação da Conferência de Ministros Europeus

Responsáveis pelo Patrimônio Arquitetônico, realizada em Bruxelas, em 1969,

e a recomendação número 589 (de 1970) da Assembleia Consultiva do Conselho

da Europa, relativa a uma carta do patrimônio arquitetônico;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Reafirma sua disposição de promover uma política europeia comum e

uma ação adequada de proteção do patrimônio arquitetônico apoiadas nos

princípios de sua conservação integrada;

Recomenda que os governos dos Estados Membros adotem as medidas

de ordem legislativa, administrativa, financeira e educativa necessárias à

implementação de uma política de conservação integrada do patrimônio

arquitetônico e a desenvolver o interesse do público por essa política, levando

em conta os resultados da campanha do Ano Europeu do Patrimônio

Arquitetônico, organizado em 1975, sob os auspícios do Conselho da Europa;

Adota e promulga os princípios da presente carta, preparada pelo

Comitê dos Monumentos e Sítios do Conselho da Europa, abaixo redigidos:

O patrimônio arquitetônico europeu é constituído não somente por

nossos monumentos mais importantes, mais também pelos conjuntos que

constituem nossas antigas cidades e povoações tradicionais em seu ambiente

natural ou constituído.

Durante muito tempo só se protegeram e restauraram os monumentos

mais importantes, sem levar em conta o ambiente em que se inserem. Ora, eles

podem perder uma grande parte de seu caráter se esse ambiente é alterado.

Por outro lado, os conjuntos, mesmo que não disponham de edificações

excepcionais, podem oferecer uma qualidade de atmosfera produzida por obras

de arte diversas e articuladas. É preciso conservar tanto esses conjuntos

quantos aqueles.

O patrimônio arquitetônico dá testemunho da presença da história e de

sua importância m nossa vida.

A encarnação do passado no patrimônio arquitetônico constitui um

ambiente indispensável ao equilíbrio e ao desenvolvimento do homem.

Os homens do nosso tempo, em presença de uma civilização que muda de

feição e cujos perigos são tão manifestos quanto os bons resultados, se

percebem instintivamente do valor desse patrimônio.

É uma parte essencial da memória dos homens de hoje em dia e se não

for possível transmiti-la às gerações futuras na sua riqueza autêntica e em sua

diversidade, a humanidade seria amputada de uma parte da consciência de

sua própria continuidade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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O patrimônio arquitetônico é um capital espiritual, cultural, econômico e

social cujos valores insubstituíveis.

Cada geração dá uma interpretação diferente ao passado e dele extrai

novas ideias. Qualquer diminuição desse capital é, portanto, mais um

empobrecimento cuja perda em valores acumulados não pode ser compensada,

mesmo por criações de alta qualidade.

Por outro lado, a necessidade de poupar recursos impõe-se a nossa

sociedade. Longe de ser um luxo para a coletividade, a utilização desse

patrimônio é uma fonte de economias.

A estrutura dos conjuntos históricos favorece o equilíbrio harmonioso

das sociedades.

Esses conjuntos se constituem efetivamente em meios próprios ao

desenvolvimento de um amplo leque de atividades. No passado, eles

geralmente evitaram a segregação das classes sociais. Podem facilitar, de novo,

uma boa repartição das funções e uma integração maior das populações.

O patrimônio arquitetônico tem um valor educativo determinante.

Ele oferece um conteúdo privilegiado de explicações e comparações sobre

o sentido das formas e um manancial de exemplos de suas utilizações. Ora, a

imagem e o contato direto adquirem novamente uma importância decisiva na

formação dos homens. Importa, portanto, conservar vivos os testemunhos de

todas as épocas e de todas as experimentações.

A sobrevivência desses testemunhos só estará assegurada se a

necessidade de sua proteção for compreendida pela maior parte e,

especialmente pelas gerações jovens, que por eles serão responsáveis no futuro.

Esse patrimônio está em perigo.

Ele está ameaçado pela ignorância, pela antiguidade, pela degradação

sob todas as formas, pelo abandono. Determinado tipo de urbanismo é

destruidor quanto às autoridades são exageradamente sensíveis às pressões

econômicas e às exigências da circulação. A tecnologia contemporânea, mal

aplicada, destrói as antigas estruturas. As restaurações abusivas são nefastas.

Afinal e principalmente, a especulação financeira e imobiliária tiram partido

de tudo e aniquilam os melhores projetos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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A conservação integrada afasta as ameaças.

A conservação integrada é o resultado da ação conjugada das técnicas da

restauração e da pesquisa de funções apropriadas. A evolução histórica levou

os centros degradados das cidades e, eventualmente, as pequenas cidades

abandonadas e se tornarem reservas de alojamento barato. Sua restauração

deve ser conduzida por um espírito de justiça social e não deve ser

acompanhada pelo êxodo de todos os habitantes de condição modesta. A

conservação integrada deve ser, por isso, um dos pressupostos do planejamento

urbano e regional.

Convém nota que essa conservação integrada não exclui completamente

a arquitetura contemporânea nos conjuntos antigos e que ela deverá ter na

maior conta o entorno existente, respeitar as proporções, a forma e a disposição

dos volumes, assim como os materiais tradicionais.

A conservação integrada requer a utilização de recursos jurídicos,

administrativos, financeiros e técnicos.

Recursos Jurídicos

A conservação integrada deve utilizar todas as leis e regulamentos

existentes que possam concorrer para a salvaguarda e para a proteção do

patrimônio, qualquer que seja a sua origem. Quando essas disposições não

permitirem a obtenção do objetivo buscando, é preciso complementá-las e criar

os instrumentos jurídicos indispensáveis a níveis apropriados: nacional,

regional e local.

Recursos Administrativos

A aplicação de um tal política exige a utilização de estruturas

administrativas adequadas e suficientemente valorizadas.

Recursos Financeiros

A manutenção e restauração dos elementos do patrimônio arquitetônico

devem poder se beneficiar, em se apresentando ocasião, de todas as ajudas e

incentivos financeiros necessários, aí compreendidos os recursos fiscais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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É essencial que os recursos financeiros consagrados pelos poderes

públicos à restauração de conjuntos antigos sejam, pelo menos, iguais aos que

se destinam a novas construções.

Recursos Técnicos

Os arquitetos, os técnicos de todas as categoriais, as empresas

especializadas, os artesãos qualificados, capazes de levar a bom termo as

restaurações, são insuficientes em número.

É preciso desenvolver a formação e o emprego dos quadros e da mão de

obra, convocar as indústrias da construção a se adaptarem a essas

necessidades e favorecer o desenvolvimento de um artesanato ameaçado de

desaparecimento.

É indispensável o concurso de todos para o êxito da conservação

integrada.

Ainda que o patrimônio arquitetônico seja propriedade de todos, cada

uma das suas partes está à mercê de cada um.

Cada geração, aliás, só dispõe do patrimônio a título passageiro. Cabe-

lhe a responsabilidade de o transmitir às gerações futuras.

A informação do público deve mais desenvolvida na medida em que os

cidadãos têm o direito de participar das decisões que dizem respeito a sua

condições de vida.

O patrimônio arquitetônico é o bem comum de nosso continente.

Todos os problemas de conservação são comuns a toda a Europa e devem

ser tratados de maneira coordenada. Cabe ao Conselho da Europa assegurar a

coerência da política de seus Estados Membros e promover sua solidariedade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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O APELO DE GRANADA

A ARQUITETURA RURAL NO ORDENAMENTO DO

TERRITORIO1

Conselho da Europa, 1976.

1. A Arquitetura rural e a sua paisagem estão ameaçadas de extinção.

Por um lado, encontram-se ameaçadas pelo desenvolvimento industrial da

agricultura que provoca reconstituições das parcelas de terreno

excessivamente severas, não se contentando com as antigas construções e, por

outro lado temos o abandono, total ou parcial, das regiões cuja exploração

agrícola já não é considerada rentável.

2. A natureza excessivamente explorada é objeto de desequilíbrios

ecológicos perigosos. A natureza abandonada é igualmente palco de perigosas

erosões. Devemos tomar consciência destes graves perigos e tudo deve ser feito

para alterar uma situação que apenas pode piorar, por falta duma modificação

radical de orientação.

3. A preservação do meio natural europeu de elevada qualidade impõe-

nos o seguinte:

a) obedecer estritamente às leis ecológicas na concepção dos progressos

técnicos;

b) procurar todos os meios de conservação e de utilização do património

arquitetônico rural, o qual está intimamente ligado às paisagens

humanizadas do nosso continente.

4. Os males apresentados resultam das condições socioeconômicas atuais

das comunidades rurais. A procura de soluções implica a divulgação das

origens exatas desta situação. Qualquer correção pressupõe o acordo e o esforço

das comunidades interessadas.

5. Esse esforço passa obrigatoriamente por:

a) uma repartição equilibrada das populações no conjunto do território;

1 Tradução Ana Tavares. CELAM- ULHT. In: Cadernos de Sociomuseologia, n. 15, 1999, p.

209-214. (com adaptações).

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Cartas Patrimoniais:

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b) a criação de empregos e a articulação de atividades diversificadas tais

como a agricultura tradicional, o artesanato, as mini-indústrias, as

atividades de lazer, etc.

O mesmo conduzirá ao pleno desenvolvimento das comunidades e

permitirá a integração dos valores culturais rurais na cultura global do nosso

tempo. A conservação do património arquitetônico e paisagístico é ao mesmo

tempo um elemento e uma consequência essencial para os mesmos.

6. Essa conservação integrada deve, por conseguinte, tornar-se um dos

objetivos do ordenamento do território. A mesma implica uma política a longo

prazo de desenvolvimento da sociedade, baseada no respeito das relações

harmoniosas entre o Homem e a Natureza.

CONCLUSÕES DA CONFRONTAÇÃO

1. Os participantes consideram que é preciso reconhecer no património

arquitetônico rural não apenas valores estéticos, mas também o testemunho

duma sabedoria secular. Os mesmos concordaram em considerar como fazendo

parte desse património todas as construções isoladas ou formando um conjunto

que:

Estejam ligadas a atividades agropastoris e florestais assim como a

pesca; apresentem interesse, quer pelo seu valor histórico, arqueológico,

artístico, lendário, cientifico ou social, quer pelo seu caráter típico ou pitoresco;

se integrem na paisagem de modo coerente.

Esse patrimônio encontra-se atualmente ameaçado. o seu

desaparecimento constituiria uma perda irreparável.

2. Os desenvolvimentos de forma industrializada da agricultura,

justificados pela racionalização da produção, provocam profundas alterações

estruturais dos traços característicos da paisagem (sebes, declives, pequenos

bosques, ribeiros, etc.) e a desfiguração do patrimônio construído, pela

introdução de elementos mal adaptados as antigas construções.

A esta evolução se junta o êxodo rural: este reforça os graves

desequilíbrios demográficos e econômicos a nível regional e nacional; o mesmo

e normalmente acompanhado pelos seguintes aspectos:

O envelhecimento das populações agrícolas, a degradação e por fim o

desaparecimento do patrimônio construído, a invasão das construções

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Cartas Patrimoniais:

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abandonadas por parte duma população citadina que as desnatura mediante

transformações estranhas ao seu caráter, a proliferação de novas construções

sendo usadas como residência secundaria e concebidas ignorando a tradição.

Esses fenômenos contribuem para o desaparecimento da cultura local

perante a cultura dominante na nossa sociedade industrial, e por consequência

dar-se o empobrecimento do patrimônio cultural geral. Desse modo alguns

camponeses alteram, ou chegam a destruir as suas casas para as substituírem

por modelos urbanos. Por outro lado, as implantações industriais mal

estudadas também podem alterar profundamente o caráter das paisagens.

Finalmente, uma promoção desmesurada do turismo provoca perturbações

profundas na vida rural e uma degradação do panorama geral.

3. Os participantes recordam que:

O ano europeu da natureza 1970, o ano europeu do patrimônio

arquitetônico 1975, mobilizaram a opinião publica europeia porque eram o

reflexo dum vasto fenômeno de recusa duma utilização irrefletida do espaço

natural e construído;

Adotando a carta europeia dos solos do conselho da Europa, os governos

subscreveram a sua proteção perante o desenvolvimento abusivo dum certo

tipo de mecanização incompatível com a preservação da fertilidade da terra;

A conservação do patrimônio arquitetônico inscreve-se numa política de

crescimento gradual baseado nomeadamente na recuperação dos recursos

naturais ou construções existentes.

4. Os participantes sublinham que o espaço rural corresponde a

necessidade dum quadro de vida de qualidade, cuja necessidade e cada vez

maior, quer seja para residência permanente ou para os tempos livres.

5. Por conseguinte, os participantes recomendam aos governos:

Que a política de conservação integrada do patrimônio arquitetônico seja

também aplicada às zonas rurais de modo o mais alargado possível, no quadro

da planificação econômica e de ordenamento do território;

Que se apoie numa política predial ativa;

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Cartas Patrimoniais:

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Que todas as medidas de equipamento sejam tomadas para se reduzir e

finalmente se anular a inferioridade do campo em relação à cidade e reforçar a

atração do meio rural.

Que nesse meio, o urbanismo trate com um cuidado especial todas as

novas implantações importantes (indústria, infraestruturas, etc.);

Que sejam procurados os seguintes objetivos: na situação duma

economia rural competitiva: adaptar as construções existentes a evolução das

suas funções preservando o seu caráter; procurar a integração o mais rigorosa

possível dos novos edifícios considerados indispensáveis; para esses fins dotar-

se dos meios de ajuda e de inspeção (assistência arquitetônica e técnica,

vigilância estética); numa economia rural não competitiva: reforçar as

atividades tradicionais afetando nomeadamente as ajudas públicas para a

modernização de explorações agrícolas dificilmente rentáveis; promover novas

atividades com uma política voluntaria de criação e de repartição territorial

dos empregos. esta deveria, não apenas tentar suster o êxodo dos jovens, mas

também facilitar a sua instalação em zonas onde um envelhecimento ou uma

redução sensível da população se tenham verificado; melhorar a vida

econômica e rural através: da formação e da instalação de artesãos,

especialmente de construção, trabalhando, em caso de necessidade, a tempo

parcial e capazes de repararem os edifícios antigos; a criação de atividades

secundárias e terciárias, de modo a descentralizar melhor a gestão dos

assuntos públicos e privados e utilizando as potencialidades do patrimônio

edificado; da abertura pela criação de estradas e meios de transporte; da

promoção controlada do turismo nomeadamente pela criação de hotéis rurais;

conceder ajudas para os equipamentos coletivos, a melhoria da habitação

existente e a conservação da paisagem.

6. Além disso, os participantes recomendam aos governos que tenham

em consideração o fato da política de conservação, no âmbito do ordenamento

do território, apenas ser possível se existir um levantamento dos bens a serem

conservados.

Esses levantamentos podem assumir diferentes formas: uma lista

sumaria dos sítios naturais e construções apresentando um interesse geral; um

inventário mais pormenorizado que incluiria uma subdivisão tripla:

levantamento dos dados demográficos e socioeconômicos a nível do concelho ou

da região, consoante o caso: população, (estrutura e composição), estruturas

econômicas, estrutura das atividades (emprego, receitas); levantamento dos

sítios, incluindo não apenas a descrição do aspecto espacial, mas igualmente a

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analise da estrutura histórica da paisagem; levantamento dos edifícios, feito a

partir de fichas individuais, incluindo a descrição pormenorizada do objeto,

uma apreciação da sua arquitetura, do seu valor histórico e estético, do estado

de conservação, e da sua localização em relação ao sitio.

7. Os participantes dirigem-se ao poder local:

Para lhes recordar as suas responsabilidades na aplicação inteligente e

flexível de qualquer política de conservação. com efeito, os mesmos constituem

os conselheiros mais ouvidos pela população e podem, pelo exemplo dado na

manutenção dos edifícios públicos, orientar os esforços de todos, para lhes

recomendar que criem os meios propícios de modo a suscitarem a participação

das populações facilitando todas as formas de diálogo e a consulta de

associações representativas; contribuindo para a realização de projetos dessas

associações por meio duma assistência técnica e financeira encorajando as

iniciativas tendentes a sensibilizar os cidadãos para os valores do seu

patrimônio, particularmente através de realizações exemplares que reúnam e

coordenem os fundos públicos e privados, que repartam equitativamente os

recursos em função das opções prioritárias, tendo em conta a importância dos

trabalhos de restauro e as possibilidades financeiras dos proprietários que se

dotem dum sistema de assistência arquitetônica própria para o

aconselhamento dos seus administrados antes da elaboração dos seus projetos

que se reúnam e coordenem a nível de meios o conjunto das possibilidades

jurídicas e financeiras oferecidas pelas legislações em vigor.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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RECOMENDAÇÃO DE NAIRÓBI

UNESCO, Novembro de 1976

19ª Sessão UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura

Recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na

vida contemporânea.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Nairóbi, de 26 de outubro a 30 de

novembro de 1976, em sua décima nona sessão,

Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais fazem parte do

ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a

presença viva do passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a

variedade necessária para responder à diversidade da sociedade e, por isso,

adquirem um valor e uma dimensão humana suplementares,

Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem

através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade

das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade e que sua

salvaguarda e integração da vida contemporânea são elementos fundamentais

na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial,

Considerando que, diante dos perigos da uniformização e da

despersonalização que se manifestam constantemente em nossa época, esses

testemunhos vivos de épocas anteriores adquirem uma importância vital para

cada ser humano e para as nações que neles encontram a expressão de sua

cultura e, ao mesmo tempo, um dos fundamentos de sua identidade,

Considerando que, no mundo inteiro, sob pretexto de expansão ou de

modernização, destruições que ignoram o que destroem e reconstruções

irracionais e inadequadas ocasionam grave prejuízo a esse patrimônio,

Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem um

patrimônio imobiliário cuja destruição provoca muitas vezes perturbações

sociais, mesmo quando não resulte em perdas econômicas,

Considerando que essa situação implica a responsabilidade de cada

cidadão e impõe aos poderes públicos obrigações que só eles podem assumir,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Considerando que, diante de tais perigos de deterioração e até de

desaparecimento total, todos os Estados devem agir para salvar esses valores

insubstituíveis, adotando urgentemente uma política global e ativa de proteção

e de revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência,

como parte do planejamento nacional, regional ou local,

Constatando que em muitos países falta uma legislação suficientemente

eficaz e flexível que diga respeito ao patrimônio arquitetônico e a suas relações

com o planejamento físico-territorial,

Observando que a Conferência Geral já adotou instrumentos

internacionais para a proteção do patrimônio cultural e natural, tais como a

Recomendação que Define os Princípios Internacionais a serem Aplicados em

Relação às Escavações Arqueológicas (1956), a Recomendação Relativa à

Salvaguarda da Beleza e do Caráter dos Sítios Paisagens (1962), a

Recomendação sobre a Preservação dos Bens Culturais Ameaçados pela

Realização de Obras Públicas ou Privadas (1968) e a Recomendação sobre a

Proteção, no Plano Nacional, do Patrimônio Cultural e Natural (1972).

Desejando complementar e ampliar o alcance das normas e dos

princípios formulados nesses instrumentos internacionais,

Tendo-lhe sido apresentadas propostas relativas à salvaguarda dos

conjuntos históricos ou tradicionais e sua função na vida contemporânea,

questão que constitui o ponto 27 da ordem do dia da sessão,

Tendo decidido, em sua décima oitava sessão, que esse assunto seria

objeto de uma recomendação aos Estados Membros,

Adota, em 26 de novembro de 1976, a presente recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as

disposições seguintes, adotando medidas sob a forma de lei nacional ou de

outra forma, destinadas a efetivas, nos territórios sob sua jurisdição, os

princípios e as normas formuladas nesta recomendação.

A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem esta

recomendação ao conhecimento das autoridades nacionais, regionais e locais,

assim como às instituições, serviços ou órgãos e associações interessados na

salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e seu entorno.

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Cartas Patrimoniais:

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A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe

apresentem, nas datas e na forma que ela determinar, relatórios sobre a

maneira como aplicaram a presente recomendação.

I – Definições

Para os efeitos da presente recomendação:

Considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de

construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e paleontológicos,

que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no

rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico,

arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sociocultural. Entre esses

“conjuntos”, que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os

sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as

aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogêneos,

ficando entendido que estes últimos deverão, em regra, ser conservados em sua

integridade.

Entende-se por “ambiência” dos conjuntos históricos ou tradicionais, o

quadro natural ou construído que influi na percepção estática ou dinâmica

desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por

laços sociais, econômicos ou culturais.

Entende-se por “salvaguarda” a identificação, a proteção, a conservação,

a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos

históricos ou tradicionais e de seu entorno.

II – Princípios Gerais:

Dever-se-ia considerar que os conjuntos históricos ou tradicionais e sua

ambiência constituem um patrimônio universal insubstituível. Sua

salvaguarda e integração na vida coletiva de nossa época deveriam ser uma

obrigação para os governos e para os cidadãos dos Estados em cujo território se

encontram. Deveriam ser responsáveis por isso, no interesse de todos os

cidadãos e da comunidade internacional, as autoridades nacionais, regionais

ou locais, segundo as condições próprias de cada Estado Membro em matéria

de distribuição de poderes.

Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser

considerado em sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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caráter específico dependem da síntese dos elementos que o compõem e que

compreendem tanto as atividades humanas como as construções, a estrutura

espacial e as zonas circundantes. Dessa maneira, todos os elementos válidos,

incluídas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao

conjunto, uma significação que é preciso respeitar.

Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser

protegidos ativamente contra quaisquer deteriorações, particularmente as que

resultam de uma utilização imprópria, de acréscimos supérfluos e de

transformações abusivas ou desprovidas de sensibilidade que atentam contra

sua autenticidade, assim como as provocadas por qualquer forma de poluição.

Todos os trabalhos de restauração a serem empreendidos deveriam basear-se

em princípios científicos. Do mesmo modo, uma grande atenção deveria ser

dispensada à harmonia e à emoção estética que resultam da conexão ou do

contraste dos diferentes elementos que compõem os conjuntos e que dão a cada

um deles seu caráter particular.

Nas condições da urbanização moderna, que produz um aumento

considerável na escala e na densidade das construções, ao perigo da destruição

direta dos conjuntos históricos ou tradicionais se agrega o perigo real de que os

novos conjuntos destruam indiretamente a ambiência e o caráter dos conjuntos

destruam indiretamente a ambiência e o caráter dos conjuntos históricos

adjacentes. Os arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão

dos monumentos e conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém,

não se deteriore e para que esses conjuntos se integrem harmoniosamente na

vida contemporânea.

Numa época em que a crescente universalidade das técnicas

construtivas e das formas arquitetônicas apresentam o risco de provocar uma

uniformização dos assentamentos humanos no mundo inteiro, a salvaguarda

dos conjuntos históricos ou tradicionais pode contribuir extraordinariamente

para a manutenção e o desenvolvimento dos valores culturais e sociais

peculiares de cada nação e para o enriquecimento arquitetônico do patrimônio

cultural mundial.

III – Política Nacional, Regional e Local

Em cada Estado Membro deveria se formular, nas condições peculiares a

cada um em matéria de distribuição de poderes, uma política nacional,

regional e local a fim de que sejam adotadas medidas jurídicas, técnicas,

econômicas e sociais pelas autoridades nacionais, regionais e locais para

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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salvaguardar os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência e adaptá-

los às exigências da vida contemporânea. Essa política deveria influenciar o

planejamento nacional, regional e local e orientar a ordenação urbana e rural e

o planejamento físico-territorial em todos os níveis. As ações resultantes desse

planejamento deveriam se integrar à formulação dos objetivos e programas, à

distribuição das funções e à execução das operações. Dever-se-ia buscar a

colaboração dos indivíduos e das associações privadas para a aplicação da

política de salvaguarda.

IV – Medidas de Salvaguarda

A salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua

ambiência deveria se ajustar aos princípios anteriormente enunciados e aos

métodos expostos a seguir, determinando-se as medidas concretas de acordo

com as competências legislativas e constitucionais e com a organização social e

econômica de cada Estado.

Medidas Jurídicas e Administrativas

A aplicação de uma política global de salvaguarda dos conjuntos

históricos e tradicionais e de sua ambiência deveria basear-se em princípios

válidos para cada país em sua totalidade. Os Estados Membros deveriam

adaptar as disposições existentes ou, se necessário, promulgar novos textos

legislativos e regulamentares para assegurar a salvaguarda dos conjuntos

históricos e tradicionais e de sua ambiência, levando em conta as disposições

contidas neste capítulo e nos seguintes. Conviria revisar as leis relativas ao

planejamento físico-territorial, ao urbanismo e à política habitacional de modo

a coordenar e harmonizar suas disposições com as das leis relativas à

salvaguarda do patrimônio arquitetônico. Essas legislações deveriam encorajar

a adaptação ou a adoção de disposições, nos planos urbanos, regional ou local,

para assegurar tal salvaguarda.

As disposições que estabeleçam um sistema de salvaguarda dos

conjuntos históricos ou tradicionais deveriam enunciar os princípios gerais

relativos ao estabelecimento e à adoção dos planos e documentos necessários e,

particularmente:

a) as condições e restrições gerais aplicáveis às zonas protegidas por lei e

a suas imediações;

b) a indicação dos programas e operações previstas em matéria de

conservação e de infraestrutura de serviços;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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c) as funções de manutenção e designação dos encarregados de empenhá-

las;

d) os campos a que se poderão aplicar as intervenções de urbanismo, de

reestruturação e de ordenação do espaço rural;

e) a designação do órgão encarregado de autorizar qualquer restauração,

modificação, nova construção ou demolição no perímetro protegido;

f) as modalidades de financiamento e de execução dos programas de

salvaguarda;

g) os planos e documentos de salvaguarda deveriam definir

especialmente:

h) as zonas e os elementos a serem protegidos;

i) as condições e restrições específicas que lhes dizem respeito;

j) as normas que regulamos trabalhos de manutenção, restauração e

transformação;

k) as condições gerais de instalação das redes de suprimento e dos

serviços necessários à vida urbana ou rural;

l) as condições que regerão a implantação de novas construções.

A legislação de salvaguarda deveria ser, em princípio, acompanhada de

disposições preventivas contra as infrações à regulamentação de salvaguarda e

contra qualquer alta especulativa dos valores imobiliários nas zonas

protegidas, que possa comprometer uma proteção e uma restauração

concebidas em função do interesse coletivo. Essas disposições poderiam

envolver medidas de planejamento urbano que influam no preço dos terrenos

por construir – tais como o estabelecimento de planos de ordenação distritais

ou de extensão mais reduzida, a concessão do direito de preempção e a um

órgão público, a expropriação no interesse da salvaguarda, ou a intervenção

compulsória em caso de incapacidade ou descumprimento por parte dos

proprietários – e instituir sanções efetivas como a suspensão das obras, a

obrigação de reconstituir e/ou multa apropriada.

O respeito às medidas de salvaguarda deveria ser imposto tanto às

coletividades públicas quanto às particulares. Dever-se-ia estabelecer, todavia,

um mecanismo de recurso contra as decisões legais, arbitrárias ou injustas.

As disposições referentes à construção de edifícios para órgãos públicos e

privados e a obras públicas e privadas deveriam adaptar-se à regulamentação

da salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência.

Em particular, as disposições relativas aos imóveis e quarteirões

insalubres, assim como à construção de habitações sociais deveriam ser

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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concebidas ou reformuladas de modo que não apenas se ajustem à política de

salvaguarda, mas que para ela contribuam. O regime de eventuais subvenções

deveria ser, consequentemente, estabelecido e modulado, sobretudo, para

facilitar o desenvolvimento de habitação subsidiadas e de edifícios públicos

através da reabilitação de construções antigas. Só deveriam ser permitidas as

demolições de edificações sem valor histórico ou arquitetônico e as subvenções

ocasionalmente resultantes deveriam ser estritamente controladas. Além

disso, uma parte suficiente dos créditos previstos para a construção de

habitações sociais deveria ser destinada à reabilitação de edificações antigas.

Os efeitos legais das medidas de proteção a edificações e terrenos

deveriam ser levadas ao conhecimento público e registradas em um órgão

oficial competente.

Respeitadas as condições próprias a cada país e a distribuição de

poderes das diversas administrações nacionais, regionais e locais, a execução

de obras de salvaguarda deveria se inspirar nos seguintes princípios:

a) uma autoridade responsável deveria encarregar-se da coordenação

permanente de todos os intervenientes: serviços públicos nacionais,

regionais e locais ou grupos de particulares;

b) os planos e documentos de salvaguarda deveriam ser elaborados

depois que todos os estudos científicos necessários houverem sido

efetuados por equipes multidisciplinares compostas, principalmente de:

especialistas em conservação e restauração, incluídos os

historiadores da arte;

arquitetos e urbanistas;

sociólogos e economistas;

ecólogos e arquitetos paisagistas;

especialistas em saúde pública e assistência social;

c) e, em geral, especialistas em todas as matérias relativas à proteção e

revitalização dos conjuntos históricos e tradicionais;

d) as autoridades deveriam tomar a iniciativa de organizar a consulta e

a participação da população interessada;

e) os planos de salvaguarda deveriam ser aprovados pelos órgãos

designados por lei;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

159

f) os serviços públicos encarregados de aplicar as disposições de

salvaguarda em qualquer nível – nacional, regional e local – deveriam

contar com pessoal necessário e com meios técnicos, administrativos e

financeiros adquiridos.

Medidas Técnicas, Econômicas e Sociais

Dever-se-ia estabelecer, nos níveis nacional, regional ou local, uma

relação dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência a serem

salvaguardados. Essa relação deveria indicar prioridades para facilitar uma

alocação racional dos limitados recursos disponíveis para fins de salvaguarda.

As medidas de proteção, de qualquer tipo, que tiverem caráter urgente,

deveriam ser tomadas sem esperar que se estabeleçam planos e documentos de

salvaguarda.

Deveria ser feita uma análise de todo o conjunto, inclusive de sua

evolução espacial, que contivesse os dados arqueológicos, históricos,

arquitetônicos, técnicos e econômicos. Deveria ser produzido um documento

analítico destinado a determinar os imóveis ou os grupos de imóveis a serem

rigorosamente protegidos, conservados sob certas condições, ou, em

circunstâncias absolutamente excepcionais e escrupulosamente documentadas,

destruídos, o que permita às autoridades suspender qualquer obra

incompatível com esta recomendação. Além disso, deveria ser realizado, com a

mesma finalidade, um inventário dos espaços abertos, públicos e privados,

assim como de sua vegetação.

Além dessa investigação arquitetônica, são necessários estudos

pormenorizados dos dados e das estruturas sociais, econômicas, culturais e

técnicas, assim como do contexto urbano ou regional mais amplo. Esses

estudos deveriam abranger, se possível, dados demográficos e uma análise das

atividades econômicas, sociais e culturais, os modos de vida e as relações

sociais, os problemas fundiários, infraestrutura urbana, o estado do sistema

viário, as redes de comunicação e as inter-relações recíprocas da zona

protegida com as zonas circundadas. As autoridades competentes deveriam

atribuir suma importância a esses estudos e compreender que, sem eles, não

seria possível estabelecer planos eficazes de salvaguarda.

Antes da formulação de planos e normas de salvaguarda e depois da

análise acima descrita, conviria, em princípio, estabelecer uma programação

que se leva igualmente em consideração o respeito aos dados urbanísticos,

arquitetônicos, econômicos e sociais, e a capacidade de o tecido urbano e rural

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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acolher funções compatíveis com seu caráter específico. A programação deveria

visar à adaptação das densidades de ocupação e a prever o escalonamento das

operações, assim como a necessária acomodação temporária durante as obras e

os locais para realojamento permanente dos habitantes que não puderem

regressar a sua morada anterior. Essa programação deveria ser elaborada com

a maior participação possível das coletividades e populações interessadas. Uma

vez que o contexto social, econômico e físico dos conjuntos históricos e de sua

ambiência está em constante evolução os estudos e investigações deveriam.

Seria essencial, portanto, que a elaboração dos planos de salvaguarda e sua

execução se baseassem nos estudos disponíveis, em vez de serem retardadas

indefinidamente enquanto se aprimora o processo de planejamento.

Uma vez estabelecidos e aprovados os planos e normas de salvaguarda

pela autoridade pública competente, seria conveniente que seus autores fossem

encarregados de sua execução ou direção.

Nos conjuntos históricos ou tradicionais que possuírem elementos de

vários períodos diferentes, a ação de salvaguarda deveria levar em

consideração as manifestações de todos esses períodos.

Quando existirem planos de salvaguarda, os programas de saneamento

urbano ou de beneficiamento que consistirem na demolição de imóveis

desprovidos de interesse arquitetônico ou histórico ou arruinados demais para

serem conservados, na supressão de acréscimos e construções superpostas sem

valor e, até mesmo, na demolição de edificações recentes que rompam a

unidade do conjunto só poderão ser autorizados nos termos do plano de

salvaguarda.

Os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento aplicáveis a

zonas que não estão incluídas nos planos de salvaguarda deveriam respeitar os

edifícios e outros elementos que possuam valor arquitetônico ou histórico e

seus acessórios. Se tais elementos estivessem arriscados a sofrer danos com

esses programas deveriam ser elaborados, necessária e previamente, os planos

de salvaguarda pertinentes.

É necessária uma vigilância permanente para evitar que essas

operações beneficiem apenas a especulação ou sejam utilizadas com finalidades

contrárias aos objetivos do plano.

Em qualquer operação ao saneamento urbano ou de beneficiamento que

afete um conjunto histórico deveriam ser observadas as normas gerais de

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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segurança relativa a incêndios e catástrofes naturais, desde que sejam

compatíveis com os créditos de salvaguarda do patrimônio cultural. Em caso

contrário, devem ser buscadas soluções particulares em colaboração com todos

os serviços interessados, a fim de garantir o máximo de segurança, sem

ameaça alguma ao patrimônio cultural.

Um cuidado especial deveria ser adotado na regulamentação e no

controle das novas construções para assegurar que sua arquitetura se

enquadre harmoniosamente nas estruturas espaciais e na ambiência dos

conjuntos históricos. Para isso, uma análise do contexto urbano deveria

preceder qualquer construção nova, não só para definir o caráter geral do

conjunto, como para analisar suas dominantes: harmonia das alturas, cores,

materiais e formas, elementos constitutivos do agenciamento das fachadas e

dos telhados, relações dos volumes construídos e dos espaços, assim como suas

proporções médias e a implantação dos edifícios. Uma atenção especial deveria

ser prestada à dimensão dos lotes, pois qualquer modificação poderia resultar

em um efeito de massa, prejudicial à harmonia do conjunto.

Não se deveria autorizar o isolamento de um monumento através da

supressão de seu entorno; do mesmo modo, seu deslocamento só deveria ser

decidido excepcionalmente e por razões de força maior.

Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser

protegidos contra a desfiguração resultante da instalação de suportes, cabos

elétricos ou telefônicos, antenas de televisão ou painéis publicitários de grande

escala. Se já existirem, deverão ser adotadas medidas adequadas para suprimi-

los. Os cartazes, a publicidade luminosa ou não, os letreiros comerciais, a

sinalização das ruas, o mobiliário urbano e o revestimento do solo deveriam ser

estudados e controlados com o maior cuidado, para que se integrem

harmoniosamente ao conjunto. Deveria ser feito um esforço especial para

evitar qualquer forma de vandalismo.

Os Estados Membros e as instituições interessadas deveriam proteger os

conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência contra os danos cada vez

mais graves causados por determinados avanços tecnológicos, tais como

quaisquer formas de poluição, através da proibição de se implantarem

indústrias nocivas em sua proximidade e da adoção de medidas preventivas

contra os efeitos destrutivos dos ruídos, dos choques e das vibrações produzidas

contra as deteriorações provenientes de uma excessiva exploração turística.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Dado o conflito existente na maior parte dos conjuntos históricos ou

tradicionais entre o trânsito automobilístico, por um lado e a densidade do

tecido urbano e as características arquitetônicas por outro, os Estados

Membros deveriam estimular e ajudar as autoridades locais a encontrar

soluções para esse problema. Para consegui-lo e para favorecer o trânsito de

pedestres, conviria estudar com extremo cuidado a localização e o acesso dos

parques de estacionamento não só dos periféricos como dos centrais, e

estabelecer redes de transporte que facilitem ao mesmo tempo a circulação de

pedestres, o acesso aos serviços e o transporte público. Numerosas operações de

reabilitação, tais como, entre outras, a instalação subterrânea de redes

elétricas e de outros cabos, que seriam demasiadamente onerosas se fossem

feitas separadamente, poderiam ser, então, coordenadas fácil e

economicamente com o desenvolvimento da rede viária.

A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de

revitalização. Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas

existentes e, em particular, o comércio e o artesanato e criar outras novas que,

para serem viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto

econômico e social, urbano, regional ou nacional em que se inserem. O custo

das operações de salvaguarda não deveria ser avaliado apenas em função do

valor cultural das construções, mas também do valor derivado da utilização

que delas se possa fazer. Os problemas sociais decorrentes da salvaguarda só

podem ser colocados corretamente se houver referência a essas duas escalas de

valor. Essas funções teriam que se adaptar às necessidades sociais, culturais e

econômicas dos habitantes, sem contrariar o caráter específico do conjunto em

questão. Uma política de revitalização cultural deveria converter os conjuntos

históricos em polos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial

no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.

Nas zonas rurais todos os trabalhos que impliquem uma degradação da

paisagem, assim como quaisquer mudanças nas estruturas econômicas e

sociais deveriam ser cuidadosamente controlados para preservar a

integridades das comunidades rurais históricas em seu ambiente natural.

A ação de salvaguarda deveria associar a contribuição da autoridade

pública à dos proprietários particulares ou coletivos e à dos habitantes e

usuários, isoladamente ou em grupo, cujas iniciativas e participação ativa

deveriam ser estimuladas. Uma cooperação constante em todos os níveis

deveria, portanto, ser estabelecida entre as coletividades e os particulares,

especialmente através dos seguintes meios: informações adaptadas aos tipos de

pessoas atinentes; pesquisas preparadas com a participação das pessoas

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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interrogadas; criação de grupos consultivos nos órgãos de planejamento;

representação dos proprietários, dos habitantes e dos usuários, a título

consultivo, nos órgãos de decisão, de gestão e de revitalização das operações

relacionadas com os planos de salvaguarda, ou criação de órgãos de economia

mista que participem da execução.

Deveriam ser estimuladas a fundação de grupos voluntários de

salvaguarda e de associações de caráter não lucrativo e a instituição de

recompensas honoríficas ou pecuniárias para que sejam reconhecidas as

realizações exemplares em todos os campos de salvaguarda.

Os investimentos públicos previstos pelos planos de salvaguarda dos

conjuntos históricos e de sua ambiência deveriam ser avalizados pela

consignação de créditos adequados nos orçamentos das autoridades centrais,

regionais e locais. O conjunto desses créditos deveria ser administrado de

forma centralizada pelos órgãos de direito público, privado ou mistos

encarregados de coordenar nos níveis nacional, regional ou local todas as

formas de ajuda financeira e de orientá-las a uma aplicação global.

A ajuda pública, em qualquer das formas descritas nos parágrafos

seguintes, deveria pressupor as intervenções da coletividade, onde for

necessário e conveniente, e levar em consideração o custo adicional da

restauração, ou seja, o custo suplementar imposto ao proprietário em relação

ao novo valor venal ou locativo do edifício.

Em geral, esses investimentos públicos deveriam servir, antes de mais

nada, para conservar os edifícios existentes, particularmente as habitações de

baixa renda e somente aplicar-se a novas construções na medida em que elas

não constituírem uma ameaça à utilização e às funções dos edifícios existentes.

Dever-se-iam conceder doações, incentivos fiscais, subsídios ou

empréstimos em condições favoráveis aos proprietários particulares e usuários

que houverem realizado as obras estabelecidas pelos planos de salvaguarda e

de acordo com as normas fixadas por esses planos. Esses incentivos fiscais,

doações, subsídios e empréstimos poderiam ser concedidos, em caráter

comerciais, pois as operações agrupadas se tornam economicamente mais

vantajosas que as ações individuais. As vantagens financeiras a serem

concedidas aos proprietários particulares e aos usuários deveriam estar,

eventualmente, subordinadas ao acatamento de determinadas condições

impostas no interesse do público, tais como garantia da integridade dos

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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moveis, possibilidade de visitação aos edifícios, acesso aos parques, jardins ou

sítios, realização de fotografias, etc.

Dotações especiais deveriam ser previstas nos orçamentos dos órgãos

públicos ou privados para a proteção dos conjuntos históricos ou tradicionais

ameaçados por grandes públicas ou privadas e pela poluição. As autoridades

públicas deveriam prever igualmente dotações especiais para a reparação dos

danos causados pelos desastres naturais.

Todos os serviços e administrações que atuam na construção pública

deveriam, ainda, agenciar seus programas e orçamentos de maneira a

contribuir para a reabilitação dos conjuntos históricos ou tradicionais, através

do financiamento a obras que correspondam simultaneamente a seus próprios

objetivos e aos dos planos de salvaguarda.

Para aumentar os recursos financeiros disponíveis os Estados Membros

deveriam incrementar a criação de estabelecimentos financeiros públicos ou

privados para a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua

ambiência, dotados de personalidade jurídica e que pudessem receber doações

de particulares, de fundações e de empresas industriais e comerciais. Os

doadores poderiam desfrutar de isenções fiscais.

As instituições públicas e os estabelecimentos de crédito privados

poderiam facilitar o financiamento a obras de qualquer gênero destinadas a

proteger os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, através da

criação de um órgão que se encarregasse da concessão de empréstimos aos

proprietários, com taxas reduzidas e longos prazos de reembolso.

Os Estados Membros e as autoridades interessadas em todos os níveis

poderiam facilitar a criação de associações sem fins lucrativos que se

encarregassem da aquisição e, se for o caso, depois de restaurá-los, da venda

dos imóveis mediante a utilização de fundos de operações especialmente

destinados a manter nos conjuntos históricos ou tradicionais os proprietários

que desejarem protegê-los a preservar suas características.

É essencial evitar que as medidas de salvaguarda acarretem uma

ruptura da trama social. Para evitar, nos imóveis ou nos conjuntos a serem

restaurados, o traslado dos habitantes, com prejuízo dos menos favorecidos,

poderiam ser concedidas indenizações que compensassem a alta do aluguel,

para que os ocupantes pudessem conservar suas habitações e seus pontos de

comércio e produção assim como seus modos de vida e sua ocupações

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Cartas Patrimoniais:

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tradicionais, especialmente o artesanato rural, a agricultura em pequena

escala, a pesca etc. Essas indenizações, determinadas em função dos

rendimentos, ajudariam os interessados fazer frente ao aumento dos encargos

provocados pelas obras realizadas.

V – Pesquisa, Ensino e Informação

Para aperfeiçoar a competência dos especialistas e dos artesãos

necessários e para fomentar o interesse e a participação de toda a população no

trabalho de salvaguarda, os Estados Membros deveriam doar as medidas que

se seguem, de acordo com sua competência legislativa e constitucional.

Os Estados Membros e as coletividades interessadas deveriam encorajar

as pesquisas e os estudos sistemáticos sobre:

aspectos urbanísticos dos conjuntos históricos ou tradicionais e de

sua ambiências;

as interconexões entre salvaguarda, urbanismo urbano e

planejamento físico-territorial;

os métodos de conservação aplicáveis aos conjuntos históricos;

a alteração dos materiais;

a aplicação das técnicas modernas aos trabalhos de conservação;

as técnicas artesanais indispensáveis à salvaguarda.

Deveriam ser instaurados e desenvolvidos ensinamentos específicos

sobre os temas acima e que compreendesse estágios de formação prática. Além

disso, é indispensável estimular a formação de técnicos e de artesãos

especializados na salvaguarda dos conjuntos e de quaisquer espaços abertos

que os circundam. O desenvolvimento das técnicas artesanais, ameaçados pelo

processo de industrialização, também deveria ser estimulado. Seria de desejar

que as instituições interessadas cooperassem nessa esfera com os organismos

internacionais especializados no assunto, tais como o Centro de Estudos para a

Conservação e a Restauração dos Bens Culturais, em Roma, o Conselho

Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Conselho Internacional

de Museus (ICOM).

A formação de pessoal administrativo encarregado das operações locais e

salvaguarda dos setores históricos deveria, onde for adequado e necessário, ser

financiada e dirigida pelas autoridades competentes, de acordo com um

programa a longo prazo.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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A tomada de consciência em relação à necessidade da salvaguarda

deveria ser estimuladas pela educação escolar, pós-escolar e universitária e

pelo recurso aos meios de informação tais como os livros, a imprensa, a

televisão, o rádio e o cinema e as exposições itinerantes. As vantagens, não

apenas estéticas e culturais, mas também sociais e econômicas que pode

oferecer uma política bem conduzida de salvaguarda dos conjuntos históricos

ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser objeto de uma informação clara e

completa. Essa informação deveria ser amplamente difundida entre os

organismos especializados, tanto privados como públicos, nacionais, regionais e

locais entre a população, para que saiba porque e como seu padrão de vida

pode ser melhorado.

O estudo dos conjuntos históricos deveria ser incluído no ensino em

todos os níveis e, particularmente, no de história, para inculcar no espírito dos

jovens a compreensão e o respeito às obras do passado e para mostrar o papel

desse patrimônio na vida contemporânea. Esse ensino deveria utilizar

amplamente os meios audiovisuais e as visitas aos conjuntos históricos ou

tradicionais.

Conviria facilitar o acesso a cursos de aperfeiçoamento e reciclagem para

pessoal docente e para guias, bem como a formação de instrutores para ajudar

os grupos de jovens e de adultos desejosos de se iniciar no conhecimento dos

conjuntos históricos ou tradicionais.

VI – Cooperação Internacional

Os Estados Membros deveriam colaborar, no que se refere à salvaguarda

dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, recorrendo, se for

necessário, à ajuda de organizações internacionais, intergovernamentais e não

governamentais, principalmente ao Centro de Documentação UNESCO –

ICOM – ICOMOS. Essa cooperação multilateral ou bilateral deveria ser

judiciosamente coordenada e concretizar-se através de medidas com as

seguintes:

a) intercâmbio de informações de todos os gêneros e de publicações

científicas e técnicas;

b) organização de seminários e de grupos de trabalho sobre temas

específicos;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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c) concessão de bolsas de estudos e de viagem, envio de pessoal

científico, técnico e administrativo e fornecimento de material;

d) luta contra todas as formas de poluição;

e) execução de grandes projetos de salvaguarda de conjuntos históricos

ou tradicionais e de sua ambiência e difusão da experiência adquirida.

Nas regiões situadas de um lado e de outro de uma fronteira onde

ocorrerem problemas comuns de planejamento e salvaguarda dos

conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, os Estados

Membros deveriam coordenar suas políticas e ações para conseguir a

melhor utilização e proteção desse patrimônio;

f) assistência mútua entre países vizinhos para a salvaguarda de

conjuntos de interesse comum, característicos do desenvolvimento

histórico e cultural de região.

De acordo com o espírito e com os princípios da presente recomendação,

nenhum Estado Membro deveria tomar qualquer medida para demolir ou

alterar as características dos bairros, cidades e sítios históricos situados nos

territórios ocupados por esse Estado.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE TURISMO CULTURAL

De 1976 - ICOMOS

Introdução:

1) ICOMOS tem como objetivo promover os meios para salvaguardar e

garantir a conservação, realce e apreciação dos monumentos e sítios que

constituem uma parte privilegiada do patrimônio da humanidade.

2) Em virtude dele, sente-se diretamente concernido pelos efeitos – tanto

positivos como negativos – sobre o mencionado patrimônio derivado do

desenvolvimento extraordinariamente forte das atividades turísticas do

mundo. ICOMOS é consciente de que hoje, menos que nunca, o esforço vindo de

qualquer organismo, por muito poderoso que seja em seu âmbito, não pode

influir decisivamente no curso dos acontecimentos. Por essa razão tem que se

levar em conta uma reflexão conjunta com as grandes organizações mundiais

ou regionais que, de uma forma ou de outra, dividem estas preocupações e que

desejam contribuir a aumentar um esforço universal, coerente e eficaz.

3) Os representantes dessas entidades, reunidos em Bruxelas (Bélgica),

em 8 e 9 de novembro de 1976, no Seminário Internacional de Turismo

Contemporâneo e Humanismo, entraram em acordo no seguinte:

Postura Básica

1) O turismo é um feito social, humano, econômico e cultural

irreversível. Sua influência no campo dos monumentos e sítios é

particularmente importante e só pode aumentar, dados os conhecidos fatores

de desenvolvimento de tal atividade.

2) Contemplado com a perspectiva dos próximos vinte e cinco anos,

dentro do contexto dos fenômenos expansivos que afronta o gênero humano e

que podem produzir graves consequências, o turismo aparece como um dos

fenômenos propícios para exercer uma influência altamente significativa no

entorno do homem em geral e dos monumentos e sítios em particular. Para que

resulte tolerável, a dita influência deve ser estudada cuidadosamente, e ser

objeto de uma política concertada e efetiva a todos os níveis. Sem pretende

fazer frente a esta necessidade em todos os seus aspectos, se considera que a

presente aproximação, limitada ao turismo cultural, constitui um elemento

positivo para a solução global que se requer.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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3) O turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objetivo,

entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos.

Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui – para

satisfazer seus próprios fins – a sua manutenção e proteção. Esta reforma de

turismo justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção exigem da

comunidade humana, devido aos benefícios socioculturais e econômicos que

comporta para toda a população.

4) Sem dúvida, qualquer que seja sua motivação e os benefícios que

possui, o turismo cultural não pode estar desligado dos efeitos negativos,

nocivos e destrutivos que acarreta o uso massivo e descontrolado dos

monumentos e dos sítios. O respeito a estes, ainda que se trate do desejo

elementar de mantê-los num estado de aparência que lhes permita

desempenhar seu papel como elementos de atração turística e de educação

cultural, leva consigo a definição; o desenvolvimento de regras que mantenham

níveis aceitáveis. Em todo caso, com uma perspectiva de futuro, o respeito ao

patrimônio mundial, cultural e natural, é o que deve prevalecer sobre qualquer

outra consideração, por muito justificada que esta se paute desde o ponto de

vista social, político ou econômico. Tal respeito só pode assegurar-se mediante

uma política dirigida à doação do equipamento necessário e à orientação do

movimento turístico, que tenha em conta as limitações de uso e de densidade

que não podem ser ignoradas impunemente. Além do mais, é preciso condenar

toda doação de equipamentos turísticos ou de serviços que entre em

contradição com a primordial preocupação que há de ser o respeito devido ao

patrimônio cultural existente.

Bases de atuação:

1) Fundamentando-se no que foi dito anteriormente:

2) Por uma parte as entidades representativas do setor turístico e, por

outra, as de proteção do patrimônio natural e cultural, profundamente

convencidas de que a preservação e promoção do patrimônio natural e cultural

para o benefício da maioria somente se pode cumprir dentro de uma ordem

pelo qual se integram os valores culturais e os objetivos sociais e econômicos

que formam parte da planificação dos recursos dos Estados, regionais e

municípios;

3) Tomam nota, com o maior interesse, das medidas formuladas nos

apêndices desta declaração, que cada um deles está disposto a adotar em sua

esfera de influência;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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4) Fazem um chamamento aos Estados para que estes assegurem uma

rápida e enérgica aplicação da Convenção Internacional para a Proteção do

Patrimônio Mundial, Cultural e Natural adotada em 16 de novembro de 1972,

assim como a Recomendação de Nairóbi;

5) Confiam em que a Organização Mundial de Turismo, em

cumprimento de seus fins, e a UNESCO, no marco da mencionada Convenção,

realizem o maior esforço possível, em colaboração com os organismos

signatários, e com todos aqueles que no futuro se adirão, para assegurar a

aplicação da política que as ditas entidades têm definido como a única capaz de

proteger o gênero humano dos efeitos do incremento de um turismo anárquico

cujo resultado é a negação de seus próprios objetivos;

6) Expressam seu desejo de que os Estados, por meio de suas estruturas

administrativas, as organizações de operadores de turismo e as associações de

consumidores e usuários adotem todas as medidas apropriadas para facilitar a

informação e formação das pessoas que planejam viajar com fins turísticos

dentro e fora de seu país;

7) Conscientes da extrema necessidade de modificar a atual atitude do

público em geral sobre os grandes fenômenos desencadeados pelo

desenvolvimento massivo do turismo, desejam que, desde a idade escolar, as

crianças e os adolescentes sejam educados em conhecimento e em respeito

pelos monumentos e sítios e o patrimônio cultural, e que todos os meios de

comunicação escrita, falada ou visual exponham ao público os componentes

deste problema, com o qual contribuam de uma forma efetiva à formação de

uma consciência universal;

8) Unanimemente prestos à proteção do patrimônio cultural que é a

verdadeira base do turismo internacional, se comprometem a ajudar na luta

iniciada em todos as frentes contra a destruição deste patrimônio por todo tipo

de contaminação; e, ao efeito, se apela aos arquitetos e experts científicos de

todo o mundo para que os mais avançados recursos da moderna tecnologia

sejam postos a serviços da proteção dos monumentos.

9) Recomendam que os especialistas chamados a planejar e levar a cabo

o uso turístico do patrimônio cultural e natural recebam uma formação

adaptada à natureza multidisciplinar do problema e participem, desde seu

começo, na programação e realização dos planos de desenvolvimento e

equipamento turístico;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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10) Declaram solenemente que sua ação tem como fim o respeito e a

proteção da autenticidade e diversidade dos valores culturais, tanto nos países

e regiões em vias de desenvolvimento como nos industrializados, e há que a

sorte do patrimônio cultural da humanidade é realmente idêntica ante a

perspectiva do provável desenvolvimento e expansão do turismo.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE MACHU PICHU

De Dezembro de 1977

Encontro Internacional de Arquitetos

Passaram-se quase 45 anos desde que o CIAM elaborou um documento

sobre teoria e metodologia de planejamento, que recebeu o nome de Carta de

Atenas.

Muitos fenômenos novos emergiram durante esse tempo e exigem uma

revisão da carta que a complemente com um documento de enfoque e

amplitude mundiais, a ser analisado interdisciplinarmente em uma discussão

internacional que inclua intelectuais e profissionais, institutos de pesquisas e

universidades de todos os países.

Houve alguns esforços para atualizar a Carta de Atenas e o presente

documento só pretende ser ponto de partida para tal empresa, devendo

salientar, em primeiro lugar, que a Carta de Atenas, de 1933, é ainda um

documento fundamental para a nossa época. Que pode ser atualizado, mas não

negado. Muitos de seus noventa e cinco pontos são válidos, ainda, como

testemunho da vitalidade e da continuidade do movimento moderno, tanto em

planejamento como em arquitetura.

Atenas, 1933; Machu Pichu, 1977. Os lugares são significativos. Atenas

se ergueu como o berço da civilização ocidental; Machu Pichu simboliza a

contribuição cultural independente de outro mundo. Atenas representou a

racionalidade personificada por Aristóteles e Platão. Machu Pichu representa

tudo o que não envolve a mentalidade global iluminística e tudo o que não é

classificável por sua lógica.

Cidade e Região

A Carta de Atenas reconheceu a unidade essencial das cidades e suas

regiões circundantes. A fraqueza da sociedade ao enfrentar as necessidades do

crescimento urbano e as mudanças socioeconômicas requer a afirmação desse

princípio em termos mais específicos e urgentes.

Hoje, características do processo de urbanização, através do mundo,

tornaram crítica à necessidade de uso mais efetivo dos recursos naturais e

humanos. Planejar, como um meio sistemático de analisar as necessidades,

incluindo problemas e oportunidades e guiando o crescimento e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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desenvolvimento urbanos dentro dos limites dos recursos disponíveis, é uma

obrigação fundamental dos governos, no que concerte aos núcleos humanos.

O planejamento, no contexto contemporâneo de urbanização, deve

refletir a unidade dinâmica das cidades e suas regiões circundantes, tanto

como as relações funcionais essenciais entre bairros, distritos e outras áreas

urbanas.

As técnicas e disciplinas do planejamento devem ser aplicadas a toda a

escala de grupos humanos – bairros, cidades, áreas metropolitanas, estados,

regiões e nações – para orientar sua localização, sequência e características de

desenvolvimento.

O objetivo do planejamento geral, incluindo o planejamento econômico, o

projeto e o planejamento urbano e a arquitetura, é, afinal, a interpretação das

necessidades humanas e a realização em um contexto de oportunidades de

formas e de serviços urbanos apropriados para a população. E isso requer um

processo contínuo e sistemático de interação entre os profissionais do projeto,

os moradores das cidades e seus líderes comunitários e políticos.

A desarticulação entre o planejamento econômico em nível nacional e

regional e o planejamento para o desenvolvimento urbano onerou e reduziu a

eficiência de ambos. As áreas urbanas muito frequentemente refletem os

efeitos adversos e específicos de decisões econômicas baseadas em

considerações amplas e relativamente abstratas, assim como em estratégias de

planejamento econômico a longo prazo. E tais decisões, em nível nacional, não

têm considerado diretamente as prioridades nem as soluções dos problemas

das áreas urbanas, nem as conexões operacionais entre a estratégia econômica

geral e o planejamento do desenvolvimento urbano. Por isso, os benefícios

potenciais do planejamento e da arquitetura não chegam à grande maioria.

O Crescimento Urbano

Desde a Carta de Atenas até nossos dias a população do mundo

duplicou, dando lugar à chamada crise tripla: ecológica, energética e

alimentícia. A elas temos que somar as crises de moradia e de serviços

urbanos, agravadas pelo fato de o ritmo de crescimento populacional das

cidades ser muito superior ao demográfico geral. As soluções urbanísticas

propugnadas pela Carta de Atenas não levaram em conta esse crescimento

acelerado, que constitui a raiz do problema de nossas cidades.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Dentro do crescimento caótico das cidades, podemos diferenciar duas

categorias de movimentos: a primeira corresponde à dos países

industrializados, onde se dá a migração das populações mais abastadas em

direção aos subúrbios, consequência do uso de automóveis, abandonando as

áreas centrais das cidades que, assim, tendem a se deteriorar por deficiência

de recursos. A segunda categoria corresponde à das cidades dos países em

desenvolvimento, caracterizando-se pela maciça migração rural, que se instala

em bairros marginais carentes de serviços e de infraestrutura urbana.

Essas transferências quantitativas produzem transformações

qualitativas fundamentais, determinando que o processo urbano se nos

apresente totalmente diferente. Esse fenômeno não pode ser resolvido nem

sequer controlado pelos dispositivos e medidas que estão ao alcance do

planejamento urbano. Tais técnicas podem apenas tentar a incorporação das

áreas marginais ao organismo urbano e, muitas vezes, as medidas que se

adotam para regularizar a marginalização (dotação de serviços públicos, saúde

ambiental, programas de moradia, etc.) contribuem paradoxalmente para

agravar o problema, convertendo-se em incentivo que incrementa os

movimentos migratórios para as cidades.

Conceito de Setor

A Carta de Atenas assinalar que as chaves do urbanismo se encontram

nestas quatro funções básicas: de habitar, trabalhar, divertir-se e circular e

que os planos devem fixar sua estrutura e implantação.

Ela determinou cidades setorizadas em funções, onde um processo

analítico de clarificação tem sido usado como um processo sintético de

ordenação do espaço urbano. O resultado é a existência de cidades com uma

vida urbana amena, no nível de relacionamento humano, onde, afinal, cada

sítio arquitetônico resulta num objeto isolado e onde não se considera que a

mobilidade humana determine um espaço influente.

Atualmente, adquiriu-se consciência de que o processo urbanístico não

consiste em setorizar, mas em criar definitivamente uma integração

polifuncional e contextual.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Moradia

Diferentemente da Carta de Atenas, consideramos que a comunicação

humana é um fator predominante na razão de ser da cidade. O planejamento

da cidade e da moradia, portanto, devem reconhecer este fato.

Consideramos, igualmente, que a qualidade de vida e a integração com o

meio ambiente natural devem ser objetivo básico na concepção dos espaços

habitáveis.

A casa popular não será considerada um objeto de consumo subsidiário,

mas um poderoso instrumento de desenvolvimento social.

O projeto da casa deve ter a flexibilidade necessária para adaptar-se à

dinâmica social, facilitando, portanto, a participação criadora do usuário.

Devem ser projetos elementos construtivos que possam ser fabricados

massificadamente para serem utilizados pelos usuários e que,

economicamente, estejam a seu alcance.

O mesmo espírito de integração que faz da comunicação entre os

moradores da cidade um elemento básico da vida urbana deve regular a

localização e a estruturação de áreas residenciais para diversas comunidades e

grupos, sem impor distinções inaceitáveis para o decoro humano.

Transportes nas cidades

As cidades deverão planejar e manter o transporte público de massa,

considerando-o como um elemento básico no processo de planejamento urbano.

O custo social do sistema de transporte deverá ser apropriadamente avaliado e

devidamente considerado no planejamento do crescimento de nossas cidades.

Na Carta de Atenas está explícito que a circulação é uma das funções

urbanas básicas e implícito que ela depende principalmente do uso do

automóvel como meio de transporte individual. Depois de quarenta e quatro

anos, comprovou-se que não há solução ótima para diferenciar, multiplicar e

solucionar cruzamentos de ruas. É necessário, portanto, enfatizar que a

solução para a função de circulação deve ser pesquisada mediante a

subordinação do transporte individual ao transporte coletivo de massa.

Os urbanistas devem conscientizar-se de que a cidade é uma estrutura

em desenvolvimento, cuja forma final não pode ser definida, razão pela qual

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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devem considerar as noções de flexibilidade e expansão urbanas. O transporte

e a comunicação formam uma série de redes interconectadas que servem como

sistema articulador entre espaços interiores e exteriores e deverão ser

projetados de forma que permitam experimentar indefinidamente mudanças

de extensão e forma.

Disponibilidade do solo urbano

A Carta de Atenas mostrou a necessidade de uma legislação que

permitisse dispor, sem impedimentos, do solo urbano para satisfazer as

necessidades coletivas. Para tanto, estabeleceu que o interesse privado devia

subordinar-se ao interesse coletivo.

Apesar de diversos esforços realizados desde 1933, as dificuldades de

disponibilidade de solo urbano que se mantêm como um obstáculo básico para

o planejamento urbano. Por isso, é desejável que se criem e se adotem soluções

legais eficientes capazes de produzir uma melhora substantiva a curto prazo.

Recursos naturais e a contaminação ambiental

Uma das formas mais atentatórias contra a natureza é, hoje, a

contaminação ambiental, que tem se agravado em proporções sem precedentes

e potencialmente catastróficas, como consequência direta da urbanização não

planejada e da excessiva exploração de recursos.

Nas áreas urbanizadas do mundo a população está cada vez mais sujeita

a condições ambientais que são incompatíveis com normas e conceitos

razoáveis de saúde e bem-estar humanos. Entre as características não

aceitáveis se incluem a prevalência de quantidades excessivas de perigosas

substâncias toxicas no ar, na água e nos alimentos da população urbana, além

dos níveis danosos de ruídos. As políticas oficiais que regem o desenvolvimento

urbano deverão incluir medidas imediatas para evitar que se acentue a

degradação do meio ambiente urbano e conseguir a restauração da integridade

básica do meio ambiente, de acordo com as normas de saúde e de bem-estar

social.

Estas medidas devem ser consideradas no planejamento urbano e

econômico, no projeto arquitetônico, nos critérios e normas de engenharia e nas

políticas de desenvolvimento.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Preservação e defesa dos valores culturais e patrimônio histórico-

monumental

A identidade e o caráter de uma cidade são dados não só por sua

estrutura física, mas também, por suas características sociológicas. Por isso, é

necessário que não só se preserve e conserve o patrimônio histórico-

monumental, como também que se assuma a defesa do patrimônio cultural,

conservando os valores que são de fundamental importância para afirmar a

personalidade comunal ou nacional e/ou aqueles que têm um autêntico

significado para a cultura em geral.

Por isso mesmo, é imprescindível que na tarefa de conservação,

restauração e reciclagem das zonas monumentais e dos monumentos históricos

e arquitetônicos, considere-se a sua integração ao processo vivo do

desenvolvimento urbano como único meio que possibilite o financiamento da

operação.

No processo de reciclagem dessas zonas, deve ser considerada a

possibilidade de se construírem edifícios de arquitetura contemporânea de

melhor qualidade.

Tecnologia

A Carta de Atenas referiu-se tangencialmente ao processo tecnológico,

ao discutir o impacto da atividade industrial da cidade.

Nos últimos quarenta e cinco anos o mundo experimentou um

desenvolvimento tecnológico sem precedentes, que tem afetado nossas cidades

e também a prática da arquitetura e do urbanismo.

A tecnologia se desenvolveu explosivamente em algumas regiões do

mundo e sua difusão e aplicação eficaz é um dos problemas básicos de nossa

época.

Hoje, o desenvolvimento científico e tecnológico e a intercomunicação

entre os povos permitem superar as condicionantes locais e oferecer os mais

amplos recursos para resolver os problemas urbanísticos e arquitetônicos. O

mau uso dessa possibilidade determina que, frequentemente, se adotem

materiais, técnicas e características formais como resultado de pruridos de

novidade e complexos de dependência cultural.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Neste sentido, usualmente, o impacto do desenvolvimento tecnológico-

mecânico tem determinado que a arquitetura seja um processo de criar

ambientes artificialmente condicionados a um clima e a uma iluminação não

naturais. Isso pode ser uma solução para determinados problemas, mas a

arquitetura deve ser um processo de criar ambientes condicionados em função

de elementos naturais. Deve-se entender que a tecnologia é meio e não fim e

que ela deve ser aplicada em função de uma realidade e de suas possibilidades

como resultado de um sério trabalho de investigação e experimentação,

trabalho que os governos devem ter em conta.

A dificuldade de utilizar processos altamente mecanizados ou materiais

construtivos eminentemente industrializados não deve significar uma

diminuição de rigor técnico ou de cabal resposta arquitetônica às exigências do

problema a resolver, mas, pelo contrário, um maior rigor no planejamento das

soluções possíveis para o meio.

A tecnologia construtiva deve considerar a possibilidade de reciclar os

materiais fim de conseguir transformar elementos construtivos em recursos

renováveis.

Implementação

O planejamento, os profissionais e as autoridades pertinentes devem ter

presente que o processo não termina na formulação de um plano e em sua

subsequente execução, mas que, sendo a cidade um organismo vivo, é

necessário considerar e prover os processos de sua manutenção.

Deve-se entender também que cada região e cada cidade, no processo de

sua implementação, deve criar e importar suas normas legais, de acordo com

seu meio ambiente, recursos e características formais próprias.

Projeto Urbanístico e Arquitetônico

A Carta de Atena não cuidou do projeto arquitetônico. Aqueles que a

formularam não consideraram necessário, porque concordavam que a

arquitetura era um jogo sábio de volumes puros sob a luz, la Ville Radieuse,

composta de tais volumes, aplicou uma linguagem arquitetônica de origem

cubista, perfeitamente coerente com o conceito que separou as cidades em

partes funcionais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Durante as últimas décadas, para a arquitetura contemporânea o

problema principal não é mais o jogo visual de volumes puros, mas a criação de

espaços sociais para neles se viver. A ênfase não está no continente, mas no

conteúdo, não na embalagem isolada, por mais bela e sofisticada que seja, mas

na continuidade da textura urbana. Em 1933, o esforço foi para desintegrar o

objeto arquitetônico e a cidade em seus componentes. Em 1977, o objeto deve

ser reintegrar esses componentes, que, fora de suas relações formais, perderam

a vitalidade e significado. Para precisar melhor, a reintegração, tanto na

arquitetura como no planejamento, não significa a integração a priori do

classicismo.

Deve ficar claramente estabelecido que as recentes tendências para o

ressurgimento da tradição das Beaux-Arts são anti-históricas em um grau

grotesco e não têm a importância que justifique sua discussão. Mas são

sintomas de uma obsolescência da linguagem arquitetônica para a qual

devemos ficar alertas, para não voltarmos a um espécie de cínico ecletismo do

século XIX, e sim avançar em direção a uma etapa mais madura do movimento

moderno.

As conquistas dos anos trinta, quando a Carta de Atenas foi

promulgada, são ainda válidas. Elas dizem respeito a:

a) a análise dos edifícios e de suas funções;

b) o princípio da dissonância;

c) a visão espaço-tempo antiperspectiva;

d) a desarticulação do tradicional edifício-caixa;

e) a reunificação da engenharia estrutural e da arquitetura;

A estas “constantes” ou “invariáveis” da linguagem arquitetônica têm se

somado:

f) a temporalidade do espaço;

g) a reintegração edifício-cidade-paisagem.

A temporalidade do espaço é a maior contribuição de Frank Lloyd

Wright e corresponde à visão dinâmica do espaço-tempo-cubista, enfoque

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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aplicado não só aos volumes, como também aos espaços humanos, não apenas

ao visual, mas também aos valores sociais. A reintegração edifício-cidade-

paisagem é uma consequência da unidade entre cidade e campo. É tempo de

recomendar aos arquitetos que tomem consciência do desenvolvimento

histórico do movimento moderno e cessem de multiplicar paisagens urbanas

obsoletas, feitas de volumes monumentais, sejam horizontais ou verticais,

opacos, reflexivo ou transparentes. O novo conceito de urbanização pede a

continuidade de edificação, o que implica que cada edifício não seja um objeto

finito, mas um elemento do continuum, que requer um diálogo com outros

elementos para completar sua própria imagem.

O princípio do não-finito não é novo. Foi explorado pelos maneiristas e,

de uma forma explosiva, por Michelangelo. Não obstante, em nossa época não é

apenas um princípio visual, mas fundamentalmente social. A experiência

artística nas últimas décadas, na música e nas artes visuais, tem demonstrado

que os artistas já não produzem um objeto finito, que eles se detêm no meio ou

nas três quartas partes do processo, de maneira que o espectador não seja um

contemplador passivo da obra artística, mas um fator ativo de mensagem

polivalente. No campo construtivo, a participação do usuário é ainda mais

importante e concreta. Significa que o povo deve participar ativa e

criativamente em casa fase do projeto, podendo, assim, os usuários integrar-se

no trabalho do arquiteto.

O enfoque do finito não diminui o prestigio do planejador ou do

arquiteto. As teorias da relatividade e da determinação não diminuíram o

prestígio dos cientistas. Ao contrário, incrementa-o, porque um cientista não

dogmático é muito mais respeitado que o velho deux ex machina. Se o povo for

incluído no processo do projeto, a relevância do arquiteto será enfatizada e a

inventiva arquitetônica será maior e mais rica. No momento em que os

arquitetos se libertarem dos conceitos acadêmicos do finito, sua imaginação

será estimulada pelo imenso patrimônio da arquitetura popular, dessa

arquitetura sem arquitetos, que tanto se tem estudado nas últimas décadas.

Quanto a isso, não obstante, deve-se ser cuidadoso. O fato de reconhecer

os edifícios vernaculares muito contribui para a imaginação arquitetônica não

significa que devam ser imitados. Tal atitude, hoje, é tão absurda como foi a

cópia do Partenon. O problema é totalmente diferente da imitação.

Está provado que o enfoque cultural do projeto arquitetônico, as ordens

vitruvianas e as Beaux Arts, tanto como os Cinco Princípios de Le Corbusier,

de 1921, se encontram e se fundem naturalmente com os idiomas populares. A

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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participação dos usuários faz mais orgânico e verdadeiro o encontro entre a

linguagem altamente cultural e a popular.

Algumas vezes se comparam, por sua monumentalidade, as construções

do antigo Peru com as pirâmides do Egito. Fisicamente, pelo grandioso em

ambas as concepções, procede o paralelo. Mas estas foram construídas como

um monumento à morte, exaltando a glória do monarca e, aquelas se

levantaram por obra e para o sustento das comunidades, como um monumento

à vida. Elas expressas volumétrica e espiritualmente o rumo diferente de duas

grandes civilizações que edificaram para a eternidade.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE BURRA

De 1980

Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios - ICOMOS

1. Definições

Artigo 1º. Para os fins das presentes orientações:

- O termo “bem” designará um local, uma zona, um edifício ou outra obra

construída, ou um conjunto de edificações ou outras obras que possuam

uma significação cultural, compreendidos, em cada caso, o conteúdo e o

entorno a que pertence.

- O termo “significação cultural” designará o valor estético, histórico,

científico ou social de um bem para as gerações passadas, presentes e

futuras.

- A substância será o conjunto de materiais que fisicamente constituem o

bem.

- O termo “conservação” designará os cuidados a serem dispensados a

um bem para preservar-lhe as características que apresentem uma

significação cultural. De acordo com as circunstâncias, a conservação

implicará ou não a preservação ou a restauração, além da manutenção;

ela poderá, igualmente, compreender obras mínimas de reconstrução ou

adaptação que atendam às necessidades e exigências práticas.

- O termo “manutenção” designará a proteção contínua da substância, do

conteúdo e do entorno de um bem e não deve ser confundido com o termo

reparação. A reparação implica a restauração e a reconstrução, e assim

será considerada.

- A preservação será a manutenção no estado da substância de um bem e

a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada.

- A restauração será o restabelecimento da substância de um bem em

um estado anterior conhecido.

- A reconstrução será o restabelecimento, com o máximo de exatidão, de

um estado anterior conhecido; ela se distingue pela introdução na

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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substância existente de materiais diferentes, sejam novos ou antigos. A

reconstrução não deve ser confundida, nem com a recriação, nem com a

reconstrução hipotética, ambas excluídas do domínio regulamentado

pelas presentes orientações.

- A adaptação será o agenciamento de um bem a uma nova destinação

sem a destruição de sua significação cultural.

- O uso compatível designará uma utilização que não implique em

mudança na significação cultural da substância, modificações que sejam

substancialmente reversíveis ou que requeiram um impacto mínimo.

2. Conservação

Artigo 2º. O objetivo da conservação é preservar a significação cultural

de um bem; ela deve implicar medidas de segurança e manutenção, assim como

disposições que prevejam sua futura destinação.

Artigo 3º. A conservação se baseia no respeito à substância existente e

não deve deturpar o testemunho nela presente.

Artigo 4º. A conservação deve se valer do conjunto de disciplinas

capazes de contribuir para o estudo e a salvaguarda de um bem. As técnicas

empregadas devem, em princípio, ser de caráter tradicional, mas se pode, em

determinadas circunstâncias, utilizar técnicas modernas, desde que se

assentem em base científicas e que sua eficácia seja garantida por uma certa

experiência acumulada.

Artigo 5º. Na conservação de qualquer bem deve ser levado em

consideração o conjunto de indicadores de sua significação cultural; nenhum

deles deve ser revestido de uma importância injustificada em detrimento dos

demais.

Artigo 6º. As opções a serem feitas na conservação total ou parcial de

um bem deverão ser previamente definidas com base na compreensão de sua

significação cultural e de sua condição material.

Artigo 7º. As opções assim efetuadas determinarão as futuras

destinações consideradas compatíveis para o bem. As destinações compatíveis

são as que implicam a ausência de qualquer modificação, modificações

reversíveis em seu conjunto ou, ainda, modificações cujo impacto sobre as

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Cartas Patrimoniais:

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partes da substância que apresentam uma significação cultural seja o menor

possível.

Artigo 8º. A conservação de um bem exige a manutenção de um entorno

visual apropriado, no plano das formas, da escala, das cores, da textura, dos

materiais, etc. Não deverão ser permitidas qualquer nova construção, nem

qualquer demolição ou modificação susceptíveis de causar prejuízo ao entorno.

A introdução de elementos estranhos ao meio circundante, que prejudiquem a

apreciação ou fruição do bem, deve ser proibida.

Artigo 9º. Todo edifício ou qualquer outra obra devem ser mantidos em

sua localização histórica. O deslocamento de uma edificação ou de qualquer

outra obra, integralmente ou em parte, não pode ser admitido, a não ser que

essa solução constitua o único meio de assegurar sua sobrevivência.

Artigo 10º. A retirada de um conteúdo ao qual o bem deve uma parte de

sua significação cultural não pode ser admitida, a menos que represente o

único meio de assegurar a salvaguarda e a segurança desse conteúdo. Nesse

caso, ele deverá ser restituído na medida em que novas circunstâncias o

permitirem.

3. Preservação

Artigo 11º. A preservação se impõe nos casos em que a própria

substância do bem, no estado em que se encontra, oferece testemunho de uma

significação cultural específica, assim como nos casos em que há insuficiência

de dados que permitam realizar a conservação sob outra forma.

Artigo 12º. A preservação se limita à proteção, à manutenção e à

eventual estabilização da substância existente. Não poderão ser admitidas

técnicas de estabilização que destruam a significação cultural do bem.

4. Restauração

Artigo 13º. A restauração só pode ser efetivada se existirem dados

suficientes que testemunhem um estado anterior da substância do bem e se o

restabelecimento desse estado conduzir a uma valorização da significação

cultural do referido bem. Nenhuma empreitada de restauração deve ser

empreendida sem a certeza de existirem recursos necessários para isso.

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Artigo 14º. A restauração deve servir para mostrar novos aspectos em

relação à significação cultural do bem. Ela se baseia no princípio do respeito ao

conjunto de testemunhos disponíveis, sejam materiais, documentais ou outros,

e deve para onde começa a hipótese.

Artigo 15º. A restauração pode implicar a reposição de elementos

desmembrados ou a retirada de acréscimos, nas condições previstas no artigo

16.

Artigo 16º. As contribuições de todas as épocas deverão ser respeitadas.

Quando a substância do bem pertencer a várias épocas diferentes, o resgate de

elementos datados de determinada época ou detrimento dos de outra só se

justifica se a significação cultural do que é retirado for de pouquíssima

importância em relação ao elemento a ser valorizado.

5. Reconstrução

Artigo 17º. A reconstrução deve ser efetivada quando constituir

condição sine qua non de sobrevivência de um bem cuja integridade tenha sido

comprometida por desgastes ou modificações, ou quando possibilite

restabelecer ao conjunto de um bem uma significação cultural perdida.

Artigo 18º. A reconstrução deve se limitar à colocação de elementos

destinados a completar uma entidade desfalcada e não deve significar a

construção da maior parte da substância de um bem.

Artigo 19º. A reconstrução deve se limitar à reprodução de substâncias

cujas características são conhecidas graças aos testemunhos materiais e/ou

documentais. As partes reconstruídas devem poder ser distinguidas quando

examinadas de perto.

Artigo 20º. A adaptação só pode ser tolerada na medida em que

represente o único meio de conservar o bem e não acarrete prejuízo sério a sua

significação cultural.

Artigo 21º. As obras de adaptação devem se limitar ao mínimo

indispensável à destinação do bem a uma utilização definida de acordo com os

termos dos artigos 6 e 7.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 22º. Os elementos dotados de uma significação cultural que não

se possa evitar desmontar durante os trabalhos de adaptação deverão ser

conservados em lugar seguro, na previsão de posterior restauração do bem.

6. Procedimentos

Artigo 23º. Qualquer intervenção prevista em um bem deve ser

precedida de um estudo dos dados disponíveis, sejam eles materiais,

documentais ou outros. Qualquer transformação do aspecto de um bem deve

ser precedida da elaboração, por profissionais, de documentos que perpetuem

esse aspecto com exatidão.

Artigo 24º. Os estudos que implicam qualquer remoção de elementos

existentes ou escavações arqueológicas só devem ser efetivados quando forem

necessários para a obtenção de dados indispensáveis à tomada de decisões

relativas à conservação, do bem e/ou à obtenção de testemunhos materiais

fadados a desparecimento próximo ou a se tornarem inacessíveis por causa dos

trabalhos obrigatórios de conservação ou de qualquer outra intervenção

inevitável.

Artigo 25º. Qualquer ação de conservação a ser considerada deve ser

objeto de uma proposta escrita acompanhada de uma exposição de motivos que

justifique as decisões tomadas, com provas documentais de apoio (fotos,

desenhos, amostras, etc.).

Artigo 26º. As decisões de orientação geral devem proceder de

organismos cujos nomes serão devidamente comunicados, bem como o de seus

dirigentes responsáveis, devendo a cada decisão corresponder uma

responsabilidade específica.

Artigo 27º. Os trabalhos contratados devem ter acompanhamento

apropriado, exercido por profissionais, e deve ser mantido um diário no qual

serão consignadas as novidades surgidas, bem como as decisões tomadas,

conforme disposto no artigo 25 acima.

Artigo 28º. Os documentos consignados nos artigos 23, 25, 28 e 27

acima serão guardados nos arquivos de um órgão público e mantidos à

disposição do público.

Artigo 29º. Os objetos a que se refere o artigo 10 acima serão

catalogados e protegidos de acordo com normas profissionais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE FLORENÇA

De Maio de 1981

Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios – ICOMOS

Comitê Internacional de Jardins e Sítios Históricos – ICOMOS/IFLA

1. Preâmbulo

Reunidos em Florença, em 21 de maio de 1981, o Comitê Internacional

de Jardins Históricos e ICOMOS/IFLA decidiram elaborar uma carta relativa

à proteção dos jardins históricos, que levará o nome desta cidade. Essa carta

foi redigida pelo comitê e registrada em 15 de dezembro de 1982 pelo ICOMOS,

visando complementar a Carta de Veneza neste domínio particular.

2. Definição e objetivos

Artigo 1º. Um jardim histórico é uma composição arquitetônica e

vegetal que, do ponto de vista da história ou da parte, apresenta um interesse

público. Como tal é considerado monumento.

Artigo 2º. O jardim histórico é uma composição de arquitetura cujo

material é principalmente vegetal, portanto, vivo e, como tal, perceptível e

renovável.

Seu aspecto resulta, assim, de um perpétuo equilíbrio entre o movimento

cíclico das estações, do desenvolvimento e do definhamento da natureza, e da

vontade de arte e de artifício que tende a perenizar o seu estado.

Artigo 3º. Por ser monumento, o jardim histórico deve ser

salvaguardado, conforme espírito de Carta de Veneza. Todavia, como

Monumento Vivo, sua salvaguarda requer regras específicas que são objeto da

presente carta.

Artigo 4º. Destacam-se na composição arquitetônica do jardim histórico:

- seu plano e os diferentes perfis do seu terreno;

- suas massas vegetais: suas essências, seus volumes, seu jogo de cor,

seus espaçamentos, suas alturas respectivas;

- seus elementos constituídos ou decorativos;

- as águas moventes ou dormentes, reflexo do céu.

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Cartas Patrimoniais:

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Artigo 5º. Expressão de relações estreitas entre a civilização e a

natureza, lugar de deleite, apropriado à meditação e ao devaneio, o jardim

toma assim o sentido cósmico de uma imagem idealizada do mundo, um

paraíso no sentido etimológico do termo, mas que dá testemunho de uma

cultura, de um estilo, de uma época, eventualmente da originalidade de um

criador.

Artigo 6º. A denominação jardim histórico aplica-se tanto aos jardins

modestos quanto aos parques ordenados ou paisagísticos.

Artigo 7º. Ligado a um edifício, do qual será parte inseparável ou não, o

jardim histórico não pode ser separado de seu próprio meio ou ambiente

urbano ou rural, artificial ou natural.

Artigo 8º. Um sítio histórico é uma paisagem definida, evocadora de um

fato memorável: lugar de um acontecimento histórico maior, origem de um

mito ilustre ou de um combate épico, assunto de um quadro célebre etc.

Artigo 9º. A proteção dos jardins históricos exige que eles sejam

identificados e inventariados. Impõe intervenções diferenciadas, que são a

manutenção, a conservação, a restauração. Pode-se, eventualmente,

recomendar a reconstituição. A “autenticidade” diz respeito tanto ao desenho e

ao volume de partes quanto ao seu décor ou à escolha de vegetais ou de

minerais que os constituem.

3. Manutenção, conservação, restauração e reconstituição

Artigo 10. Qualquer operação de manutenção, de conservação,

restauração ou reconstituição de um jardim histórico ou de uma de suas partes

deve considerar simultaneamente todos os seus elementos. Separar-lhes os

tratamentos alteraria os laços que os unem.

Artigo 11. A manutenção do jardim histórico é uma operação primordial

e necessariamente contínua, sendo vegetal o material principal, é por

substituições pontuais e, a longo termo, por renovações cíclicas (corte raso e

replantação de elementos já formados) que a obra será mantida no estado.

Artigo 12. A escolha de espécies de árvores, arbustos, de plantas ou de

flores a serem substituídas periodicamente deve-se efetuar com observância

dos usos estabelecidos e reconhecidos para as diferentes zonas botânicas e

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Cartas Patrimoniais:

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culturais, em uma vontade de permanente conservação e pesquisa de espécies

de origem.

Artigo 13. Os elementos de arquitetura, de escultura ou de decoração,

fixos ou moveis, que fazem parte integrante do jardim histórico, não devem ser

retirados ou deslocados, senão na medida em que sua conservação ou sua

restauração o exijam. A substituição ou restauração o exijam. A substituição

ou restauração de elementos em perigo devem ser feitas conforme os princípios

da Carta de Veneza e a data de qualquer substituição será indicada.

Artigo 14. O jardim histórico deve ser conservado em um meio

ambiente apropriado. Qualquer modificação do meio físico, que coloque em

perigo o desequilíbrio ecológico, deve ser proibida. Essas medidas referem-se ao

conjunto de infraestruturas, sejam elas internas ou externas: canalizações,

sistemas de irrigação, caminhos, estacionamentos, cercas, dispositivos de

vigilância, de exploração etc.

4. Restauração e constituição

Artigo 15. Qualquer restauração e, com mais forte razão, qualquer

reconstituição de um jardim histórico só serão empreendidas após um estudo

aprofundado, que vá desde as escavações até a coleta de todos os documentos

referentes ao respectivo jardim e aos jardins análogos, suscetível de assegurar

o caráter científico da intervenção. Antes de qualquer execução, esse estudo

deverá resultar em um projeto que será submetido a um exame e a uma

aprovação dos colegiados.

Artigo 16. A intervenção de restauração deve respeitar a evolução do

respectivo jardim. Em princípio, ela não deveria privilegiar uma época à custa

de outra, salvo se a degradação ou o definhamento de certas partes puderem,

excepcionalmente, dar ensejo a uma reconstituição fundada sobre vestígios ou

sobre uma documentação irrecusável. Poderão ser, mais particularmente,

objeto de uma reconstituição eventual as partes do jardim mais próximos do

edifício, a fim de fazer ressaltar sua coerência.

Artigo 17. Quando um jardim houver desaparecido totalmente ou

quando só se possuírem elementos conjeturais de seus estados sucessivos, não

se poderia empreender uma reconstituição relevante da noção de jardim

histórico. Os trabalhos que, nesse caso, se inspirariam em formas tradicionais

sobre o terreno de um jardim antigo, ou em lugar onde nenhum jardim tenha

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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previamente existido, constituiriam então noções de evocação ou de criação,

excluída qualquer qualificação de jardim histórico.

5. Utilização

Artigo 18. Se todo jardim histórico é destinado a ser visto e percorrido,

conclui-se que o acesso a ele deve ser moderado, em função de sua extensão e

de sua fragilidade, de maneira a preservar sua substância e sua mensagem

cultural.

Artigo 19. Por sua natureza e por vocação, o jardim histórico é um lugar

tranquilo, que favorece o contato, o silêncio e a escuta da natureza. Essa

aproximação cotidiana deve contrastar com o uso excepcional de um jardim

histórico como local de acontecimentos festivos. Convém definir, então, as

condições de visita aos jardins históricos, de tal sorte que tais acontecimentos,

acolhidos excepcionalmente, possam por si mesmos exaltar o espetáculo do

jardim e não desnaturá-lo ou degradá-lo.

Artigo 20. Se, na vida cotidiana, os jardins podem acomodar-se à

prática de jogos tranquilos, convém criar, paralelamente aos jardins históricos,

terrenos apropriados aos jogos vivos e violentos aos esportes, de tal maneira

que se atenda a essa demanda social sem que ela prejudique a conservação de

jardins e dos sítios históricos.

Artigo 21. A prática da manutenção ou da conservação dos jardins

históricos, cuja duração é imposta pela estação, ou as curtas operações que

concorrem para lhes restituir a autenticidade, devem sempre ter prioridade

sobre as servidões de utilização. A organização de qualquer visita a um jardim

histórico deve ser submetida a regras de conveniência adequadas a preservar-

lhe o espírito.

Artigo 22. A retirada dos muros de um jardim cerca não poderia ser

empreendida sem levar em conta todas as consequências prejudiciais à

modificação de sua ambiência e de sua proteção.

6. Proteção legal e administrativa

Artigo 23. Cabe às autoridades responsáveis adotar, sob a orientação de

peritos competentes, as disposições legais e administrativas apropriadas a

identificar, inventariar e proteger os jardins históricos. Essa proteção deve ser

integrada aos planos de ocupação dos espaços urbanos e aos documentos do

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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planejamento físico-territorial. Cabe igualmente às autoridades responsáveis

assumir, conforme orientação de peritos competentes, as disposições

financeiras adequadas a favorecer a manutenção, a conservação, a restauração

e, eventualmente, a reconstituição dos jardins históricos.

Artigo 24. Os jardins históricos constituem um dos elementos do

patrimônio cuja sobrevivência, em razão de sua natureza, exige o máximo de

cuidados contínuos por parte de pessoas qualificadas. Convém, pois, que uma

pedagogia adequada assegure a formação dessas pessoas, quer se trate de

historiadores, de arquitetos, de paisagistas, de jardineiros ou de botânicos.

Deve-se também assegurar a produção regular de vegetais que entram na

composição dos jardins históricos.

Artigo 25. O interesse pelos jardins históricos deverá ser estimulado

por todas as ações apropriadas a valorizar esse patrimônio e a torná-lo melhor

conhecido e apreciado: promoção de pesquisa científica, intercâmbio

internacional e difusão de informação, publicação e divulgação, estímulo à

abertura controlada dos jardins ao público, sensibilização para o respeito à

natureza e ao patrimônio histórico pela mídia. Os mais eminentes jardins

históricos serão propostos para figurar na lista do patrimônio mundial.

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Cartas Patrimoniais:

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DECLARAÇÃO DE NAIRÓBI

De 10 a 18 de Maio de 1982 - Quênia

Assembleia Mundial dos Estados

UNEP – Organização das Nações para o Meio Ambiente

A Assembleia Mundial dos Estados, reunida em Nairóbi do dia 10 ao dia

18 de maio de 1982, a fim de comemorar o décimo aniversário da Conferência

das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, que ocorreu em Estocolmo,

tendo recapitulado as medidas tomadas para implementar a declaração e o

plano de ação adotados naquela conferência, roga solenemente a governos e

povos para agirem construtivamente a partir do processo alcançado até hoje,

embora expressando sua grave preocupação acerca do atual estado do

ambiente, em nível mundial, e reconhece a necessidade urgente de intensificar

esforços em nível global, regional e nacional de modo a protegê-lo e melhorá-lo.

A Conferência de Estocolmo constitui uma força poderosa que

incrementou a consciência e a compreensão públicas quanto à fragilidade do

meio ambiente. Os anos decorridos desde então registraram um progresso

significativo das ciências ambientais: expandiram-se consideravelmente a

educação, os meios de informação e a capacitação profissional: em muitos

países, passou-se a adotar a legislação ambiental e um número relevante de

países incorporou ao contexto de suas constituições, dispositivos relativos à

proteção ambiental. Além do programa ambiental das Nações Unidas, outras

organizações governamentais e não-governamentais foram implantadas em

todos os níveis e vários importantes convênios internacionais relativos à

cooperação ambiental foram concluídos. Os princípios da Declaração de

Estocolmo são tão válidos hoje como em 1972 e proporcionam um código básico

de comportamento para os anos vindouros.

No entanto, o plano de ação inicial foi apenas parcialmente

instrumental, e os resultados respectivos não podem ser considerados

satisfatórios. Com efeito, foram insuficientes a compreensão e a previsão

necessárias para entender o benefício a longo prazo de programas e ações

coordenadas de proteção ambiental. Do mesmo modo, nem os objetivos nem as

ações asseguram a disponibilidade e a distribuição equitativa de recursos

naturais. Eis porque o plano de ação inicial não teve a repercussão requerida

na totalidade da comunidade internacional. Algumas atividades humanas

descontroladas e não programadas determinaram a degradação crescente do

ambiente. O desmatamento, a degradação do solo e a desertificação atingiram

proporções alarmantes e puseram seriamente em risco as próprias condições de

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Cartas Patrimoniais:

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sobrevivência em vastas regiões do planeta. As doenças associadas às

condições ambientais adversas continuaram a contribuir para o sofrimento

humano. Mudanças havidas na atmosfera, como as ocorridas na camada de

ozônio, a concentração crescente de dióxido de carbono e de chuvas ácidas; a

poluição das águas marinhas e interiores; o descuido a que tem sido votado o

destino final e a reutilização de substâncias perigosas, assim como a extinção

de espécies animais e vegetais constituem ameaças adicionais para o ambiente

humano.

No decurso da última década surgiram novas diretrizes: a necessidade

do levantamento e manejo das complexas e íntimas conexões entre o ambiente,

o desenvolvimento, a população e os recursos naturais por um lado e, por outro,

o impacto ocasionado, particularmente em áreas urbanas, pelo aumento da

população. Esses fatores foram amplamente discutidos. Uma consciência

específica e lúcida em nível regional, que destaque essas relações, pode vir a

contribuir para um desenvolvimento socioeconômico fundamentado e

permanente.

As ameaças ao meio ambiente são agravadas por estruturas coniventes

com a miséria, assim como com um consumismo e um desperdício abusivo:

ambos podem levar à exploração predatória do meio. A estratégia internacional

de desenvolvimento para a terceira década de ação das Nações Unidas e o

advento de uma nova ordem econômica internacional fazem parte, por

conseguinte, dos instrumentos primordiais no sentido do esforço global para

reverte o curso da agressão ambiental. Mecanismos conjugados de mercado e

de planejamento podem também contribuir para a racionalização do

desenvolvimento e do manejo do ambiente e dos recursos naturais.

Seria extremamente benéfico, para o ambiente humano, o

estabelecimento de uma atmosfera internacional de paz e de segurança que

permita ao homem viver livre da ameaça da guerra (especialmente de uma

guerra nuclear), e do desperdício de recursos intelectuais e naturais absorvidos

pelos programas armamentistas. Livre, também do apartheid, da segregação

racial e de todas as formas de discriminação, de colonialismo, de opressão e dos

recursos naturais.

Muitos problemas ambientais transcendem as fronteiras e deveriam,

quando necessário, ser resolvidos, para o bem de todos, por meio de consultas

intergovernamentais e de ações internacionais pertinentes. Para isso, os

Estados passariam a promover a promulgação progressiva da legislação

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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ambiental, incluindo convênios e convenções, aumentando ao mesmo tempo a

cooperação no campo da pesquisa científica e do manejo do ambiente.

As deficiências ambientais provenientes do subdesenvolvimento

(incluindo fatores externos que ultrapassam a capacidade de controle dos

países envolvidos) geram graves problemas que se podem combater graças a

uma distribuição mais equitativa de recursos econômicos e técnicos, dentro dos

próprios países e entre Estados. As nações desenvolvidas (ou quaisquer outros

países que se encontrem em condições de fazê-lo) deveriam prestar auxílio aos

países em vias de desenvolvimento afetados pelo desequilíbrio ambiental,

apesar dos seus esforços internos em confrontar seus problemas ambientais

mais sérios. A utilização de tecnologia apropriada, particularmente da

tecnologia elaborada por outros países em vias de desenvolvimento, poderia

compatibilizar o progresso econômico e social com a conservação de recursos

naturais.

Requer-se uma soma maior de esforços para desenvolver a metodologia e

o manejo adequados para a exploração e a utilização de recursos naturais e

para modernizar os sistemas tradicionais de pastoreio. Deve-se prestar uma

atenção particular o papel das inovações técnicas, no sentido de promover a

substituição, a reciclagem e a conservação de recursos naturais. O rápido

esgotamento das fontes tradicionais e convencionais de energia apresenta um

novo e premente desafio quanto ao seu manejo e conservação e à preservação

do meio ambiente. A programação racional e conjunta dos recursos energéticos,

entre as nações ou entre grupos de nações, apresenta possibilidades

promissoras. Medidas possibilitando, por exemplo, a elaboração de novas

fontes renováveis de energia terá um efeito benéfico no ambiente.

A prevenção de agressões ambientais é preferível à recuperação pesada e

onerosa dos danos que já tenham sido causados. Essa ação preventiva deveria

incluir a programação de todas as atividades que possam causar impacto

ambiental. Importa, além disso, incrementar a conscientização pública e

política sobre a importância do meio ambiente, visando aos meios de

informação, à educação e à capacitação profissional. O comportamento e a

participação responsáveis são essenciais para promover a causa do meio

ambiente. As organizações não governamentais têm um papel particularmente

relevante e inspirador nesse campo. Todas as empresas, inclusive as

corporações multinacionais, deveriam ser conscientizadas de sua

responsabilidade ambiental, antes de adotarem novos métodos e novas

tecnologias de produção industrial, ou de procederem à exportação de outros

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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países. Uma ação legislativa adequada e oportuna é importante nesse

particular.

A comunidade mundial de Estados reafirma, assim, solenemente, a sua

adesão à declaração e ao plano de ação adotados em Estocolmo, assim como ao

fortalecimento e ampliação de esforços nacionais e de atos de cooperação

internacional, no âmbito da proteção ambiental. Reafirma, igualmente, o seu

apoio no sentido de fortalecer o programa das Nações Unidas para o meio

ambiente, como instrumento catalisador primordial para a cooperação

ambiental global, fazendo apelo para que seja aumentada a disponibilidade de

recursos naturais, em particular, graças a Fundo Ambiental. Conclama todos

os governos e povos do mundo a assumirem, individual e coletivamente, a sua

responsabilidade histórica, de forma a assegurar que o nosso pequeno planeta

seja transmitido às futuras gerações em condições que garantam a vida e a

dignidade humana para todos.

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DECLARAÇÃO DE TLAXCALA

De Outubro de 1982

3º Colóquio Interamericano sobre a Conservação do Patrimônio Monumental

“Revitalização das Pequenas Aglomerações” - México

ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos Sítios

Os participantes do Terceiro Colóquio Interamericano sobre a

Conservação do Patrimônio Monumental, sobre o tema A Revitalização de

Pequenas Aglomerações, organizado pelo Comitê Nacional do ICOMOS

mexicano e que se realizou em Trindade, Tlaxcala, de 25 a 28 de outubro de

1982, mostraram-se sensibilizados pelas atenções de que foram cercados e

exprimem sua gratidão aos representantes mexicanos pela acolhida calorosa,

pela qualidade dos trabalhos e pelos resultados obtidos nessa reunião.

Agradecem, de modo especial ao Governo do Estado de Tlaxcala por sua

hostilidade e reconhecem os esforços empreendidos para a conservação do

patrimônio arquitetônico e urbano que a historia lhe confiou e que tem grande

interesse para todos os povos da América.

Os delegados, após examinarem a situação atual na América em relação

aos perigos que ameaçam o patrimônio arquitetônico e a ambiência das

pequenas localidades, decidem adotar as seguintes conclusões:

Reafirmam que as pequenas aglomerações se constituem em reservas de

modos de vida que dão testemunho de nossas culturas, conservam uma escala

própria e personalizam as relações comunitárias, conferindo, assim, uma

identidade a seus habitantes.

Lembram que a conservação e realização das pequenas aglomerações

são, por um lado, uma obrigação moral e uma responsabilidade dos governos

de cada Estado e das autoridades locais, por outro, um direito das comunidades

participarem das decisões que dizem respeito à conservação de seu habitat,

intervindo diretamente no processo de realização.

De acordo com o estabelecido na Carta de Chapultepec e levando em

consideração as inquietações manifestadas pelo Colóquio de Morélia e por

outras reuniões de especialistas americanos, a ambiência e o patrimônio

arquitetural das pequenas zonas de habitat são bens não renováveis cuja

conservação deve exigir procedimentos cuidadosamente estabelecidos para

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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evitar os riscos de alteração ou de falsificação causados por razões de

oportunidade política.

Reconhecem que as ações que tendem à obtenção do bem-estar das

comunidades dos pequenos lugares de habitat devem fundamentar-se em um

respeito estrito às tradições e ao modo de vida locais. Reconhecem, também,

que a situação de crise econômica que se abate sobre o continente não deve

sobrestar os esforços para salvaguardar a identidade das pequenas localidades,

mas, ao contrário, para superar as circunstâncias difíceis já que se basear no

passado cultural e nas expressões concretas de nossa memória.

Constatam que a introdução de esquemas consumistas e de modo de

vida estranhos a nossas tradições, que advêm graças aos múltiplos meios de

comunicação, favorecem a destruição do patrimônio cultural por facilitarem o

desprezo a nossos próprios valores, particularmente nas pequenas

aglomerações. Por isso, exortam os governos, as escolas de ensino superior e os

órgãos públicos ou privados que se interessam pela salvaguarda do patrimônio

a utilizarem os meios de comunicação a sua disposição para fazer frente aos

efeitos dessa penetração.

Reafirma a importância dos planos de ordenação físico-territorial e de

desenvolvimento para diminuir o processo de abandono dos pequenos lugares

de habitat e a superpopulação das médias e pequenas cidades, fenômeno que

ameaça a própria existência dessas localidades. Recomendam que qualquer

ação que tenda a preservar o ambiente urbano e os valores arquitetônicos de

um lugar deve participar, necessariamente, da melhoria das condições

socioeconômicas dos habitantes e da qualidade da vida dos centros urbanos.

Solicitam também aos governos e organismos competentes uma infraestrutura

e um equipamento integrados, de modo a conter o êxodo das pequenas

aglomerações.

Pensam que, para preservar a atmosfera tradicional nas localidades

rurais e nas pequenas aglomerações e para permitir a continuidade de

manifestações arquitetônicas vernaculares contemporâneas, é necessário

dispor não apenas dos materiais, como da técnica tradicional e, quando isso

não for possível, propõem a utilização de elementos de substituição que não

ocasionem alterações notáveis na forma resultante e que correspondam às

condições psicológicas locais e aos modos de vida dos habitantes da região.

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Cartas Patrimoniais:

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Recomendações

Os participantes do colóquio reiteram os princípios que animam o

Conselho Internacional dos Monumentos e dos Sítios, concretizados em

diversos documentos internacionais, assim como as recomendações feitas

durante as precedentes reuniões americanas de Quito, Chapultepec e Morélia

concernentes à conservação dos pequenos lugares de habitat e emitem, por sua

vez, as recomendações seguintes, que devem ser difundidas pelos comitês do

ICOMOS na América e por todos os demais especialistas e apresentadas, em

cada país, às autoridades, às escolas profissionais, aos institutos competentes

na matéria, às universidades, às faculdades de arquitetura e a outros

organismos.

Recomenda-se:

Que qualquer ação que vise à conservação e à revitalização das

pequenas localidades seja inserida em um programa que leve em conta os

aspectos históricos, antropológicos, sociais e econômicos da região e as

possibilidades de revitalizá-la, sem o que a referida ação será condenada à

superfície e à ineficácia.

Que seja encorajada a participação interdisciplinar, condição

indispensável a qualquer empenho em favor da conservação, restauração e

revitalização das pequenas localidades.

Que os órgãos do serviço público, tais como os de comunicação, saúde,

educação, eletrificação e outros, levem em consideração que suas ações e boas

intenções podem causar danos às pequenas comunidades se forem ignorados ou

minimizados os valores do patrimônio cultural e os benefícios que resultam da

conservação desse patrimônio para toda a comunidade.

Que a comunicação de experiências nos diversos domínios relativos à

preservação das pequenas localidades é indispensável para a obtenção de

melhores resultados no que diz respeito não só às políticas nacionais, mas à

legislação específica e ao progresso técnico. A informação é importante tanto no

nível internacional quanto no que é específico do meio americano. Reafirma-se

a necessidade de publicações nesse sentido e propõe-se a criação de grupos de

trabalho americanos para os diversos temas específicos.

Que a utilização de materiais regionais e a conservação de técnicas de

construção tradicionais de cada região sejam indispensáveis para a

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conservação adequada das pequenas aglomerações e não estejam em

contradição com a teoria geral que estabelece que se deixe em evidência nas

intervenções a marca de nosso tempo. O esforço para identificar, encorajar,

manter em vigor e reforçar no espírito das comunidades o prestígio e o valor do

uso de tais materiais e técnicas, juntamente onde eles existem, é urgente.

Recomenda-se encorajar a competência artesanal da construção através de

premiações.

Que os governantes dos países latino-americanos considerem a alocação

de créditos sociais para dar conta da aquisição, manutenção, conservação e

restauração de moradias nas pequenas aglomerações e pequenas cidades, como

meio prático de conservar o patrimônio monumental e os recursos para a

habitação. Com esse objetivo devem ser revistas as normas de crédito para que

considerem como objeto de crédito hipotecário as construções realizadas com

técnicas e materiais vernaculares.

Que as escolas de arquitetura criem e favoreçam mestrados e doutorados

em restauração e levem substancialmente em conta nos programas de base dos

estudos os valores do patrimônio arquitetônico e urbano, os problemas de

conservação e de restauração e o conhecimento da arquitetura vernacular, bem

como as técnicas tradicionais de construção, de maneira que seus diplomados

sejam capazes de se transformar em profissionais úteis às comunidades

necessitadas.

Que é útil que os estabelecimentos de ensino e sociedades de arquitetos

organizem comissões de preservação do patrimônio arquitetônico capazes de

promover maior consciência da responsabilidade que lhes cabe no que diz

respeito à conservação das pequenas aglomerações, de compilar e difundir as

informações relativas a esse problema e de prestar acompanhamento aos

programas e estudos desse gênero.

Que os representantes dos países da região empreendam os maiores

esforços, já que seus governos não os têm feito, e aprovem o protocolo da

Convenção para o Patrimônio Mundial da UNESCO (16 de novembro de 1972)

como um meio de receberem a assistência técnica e o apoio dos organismos

internacionais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

200

DECLARAÇÃO DO MÉXICO

De 1985

Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais

ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos Sítios

O mundo tem sofrido profundas transformações nos últimos anos. Os

avanços da ciência e da técnica têm modificado o lugar do homem no mundo e a

natureza de suas relações sociais. A educação e a cultura, cujo significado e

alcance têm se ampliado consideravelmente, são essenciais para um verdadeiro

desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

Em nossos dias, não obstante o acréscimo das possibilidades de diálogo,

a comunidade das nações enfrenta também sérias dificuldades econômicas, a

desigualdade entre as nações é crescente, múltiplos conflitos e graves tensões

ameaçam a paz e a segurança.

Por tal razão, hoje é mais urgente que nunca estreitar a colaboração

entre as nações, garantir o respeito ao direito dos demais e assegurar o

exercício das liberdades fundamentais do homem e dos povos, e do seu direito à

autodeterminação. Mais do que nunca é urgente erigir na mente de cada

indivíduo estes baluartes da paz que, como afirma a constituição da UNESCO,

podem constituir-se principalmente através da educação, da ciência e da

cultura.

Ao reunir-se no México, a Conferência Mundial sobre as Políticas

Culturais, a comunidade internacional decidiu contribuir efetivamente para a

aproximação entre os povos e a melhor compreensão entre os homens.

Assim, ao expressar a sua esperança na convergência final dos objetivos

culturais e espirituais da humanidade, a conferência concorda em que, no seu

sentido mais amplo, a cultura pode ser considerada atualmente como um

conjunto dos traços distintivos espirituais, materiais, intelectuais e afetivos

que caracterizam uma sociedade e um grupo social. Ela engloba, além das

artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano,

os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Concorda também que a

cultura dá ao homem a capacidade de refletir sobre si mesmo. É ela que faz de

nós seres especificamente humanos, racionais, críticos e eticamente

comprometidos. Através dela discernimos os valores e efetuamos opções.

Através dela o homem se expressa, toma consciência de si mesmo, se reconhece

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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como um projeto inacabado, põe em questão as suas próprias realizações,

procura incansavelmente novas significações e cria obras que o transcendem.

Por conseguinte, a conferência afirma solenemente os seguintes

princípios que devem reger as políticas culturais:

Identidade Cultural

Cada cultura representa um conjunto de valores único e insubstituível já

que as tradições e as formas de expressão de cada povo constituem sua

maneira mais acabada de estar presente no mundo.

A afirmação da identidade cultural contribui, portanto, para liberação

dos povos; ao contrário, qualquer forma de dominação nega ou deteriora essa

identidade.

A identidade cultural é uma riqueza que dinamiza as possibilidades de

realização da espécie humana ao mobilizar cada povo e cada grupo a nutrir-se

de seu passado e a colher as contribuições externas compatíveis com a sua

especificidade e continuar, assim, o processo de sua própria criação.

Todas as culturas fazem parte do patrimônio comum da humanidade. A

identidade cultural de um povo se renova e enriquece em contato com as

tradições e valores dos demais. A cultura é um diálogo, intercâmbio de ideias e

experiências, apreciação de outros valores e tradições; no isolamento, esgota-se

e morre.

O universal não pode ser postulado em abstrato por nenhuma cultura

em particular, surge da experiência de todos os povos do mundo; cada um dos

quais afirma a sua identidade. Identidade cultural e diversidade cultural são

indissociáveis.

As peculiaridades culturais não dificultam, mas favorecem a comunhão

dos valores universais que unem os povos. Por isso, constitui a essência mesma

do pluralismo cultural o reconhecimento de múltiplas identidades culturais

onde coexistirem diversas tradições.

A comunidade internacional considera que é um dever velar pela

preservação e defesa da identidade cultural de cada povo.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

202

Tudo isso reclama políticas culturais que protejam, estimulem e

enriqueçam a identidade e o patrimônio cultural de cada povo, além de

estabelecerem o mais absoluto respeito e apreço pelas minorias culturais e

pelas outras culturas do mundo. A humanidade empobrece quando se ignora

ou se destrói a cultura de um grupo determinado.

Há que se reconhecer a igualdade e dignidade de todas as culturas,

assim como o direito de cada povo e de cada comunidade cultural a afirmar e

preservar sua identidade cultural, e a exigir respeito a ela.

Dimensão Cultural do Desenvolvimento

A cultura constitui uma dimensão fundamental do processo de

desenvolvimento e contribui para fortalecer a independência, a soberania e a

identidade das nações. O crescimento tem sido concebido frequentemente em

termos quantitativos, sem levar em conta a sua necessária dimensão

qualitativa, ou seja, a satisfação das aspirações espirituais e culturais do

homem. O desenvolvimento autêntico persegue o bem-estar e a satisfação

constantes de cada um e de todos.

É indispensável humanizar o desenvolvimento; o seu fim último é a

pessoa, sua dignidade individual e na sua responsabilidade social. O

desenvolvimento supõe a capacidade de cada indivíduo e de cada povo de

informar-se a aprender a comunicar suas experiências.

Proporcionar a todos os homens a oportunidade de realizar um melhor

destino supõe ajustar permanentemente o ritmo do desenvolvimento.

Um número cada vez maior de mulheres e homens deseja um mundo

melhor. Não só persegue a satisfação de suas necessidades fundamentais, mas

o desenvolvimento do ser humano, seu bem-estar e sua possibilidade de

convivência solidária com todos os povos. Seu objetivo não é a produção, o lucro

ou o consumo per se, mas a sua plena realização individual e coletiva e a

preservação da natureza.

O homem é o princípio e o fim do desenvolvimento.

Qualquer política cultural deve resgatar o sentido profundo e humano do

desenvolvimento. Requerem-se novos modelos e é no âmbito da cultura e da

educação que serão encontrados.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Só se pode atingir um desenvolvimento equilibrado mediante a

integração dos fatores culturais nas estratégias para alcançá-lo; em

consequência, tais estratégias deverão levar sempre em conta a dimensão

histórica, social e cultural de cada sociedade.

Cultura e Democracia

A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece, no seu artigo

27, que toda pessoa tem direito a tomar parte livremente na vida cultural da

comunidade, a gozar das artes e a participar do progresso científico e dos

benefícios que dele resultem. Os Estados devem tomar as medidas necessárias

para alcançar este objetivo.

A cultura procede da comunidade inteira e a ela deve retornar. Não pode

ser privilégio da elite nem quanto a sua produção nem quanto a seus

benefícios, democracia cultural supõe a mais ampla participação do indivíduo e

da sociedade no processo de criação de bens culturais, na tomada de decisões

que concernem à vida cultural e na sua difusão e fruição.

Trata-se, sobretudo, de abrir novos pontos de entrosamento com a

democracia pela via da igualdade de oportunidades nos campos da educação e

da cultura.

É preciso descentralizar a vida cultural, no plano geográfico e no

administrativo para assegurar que as instituições responsáveis conheçam

melhor as preferenciais opções e necessidades da sociedade em matéria de

cultura. É essencial, por consequência, multiplicar as oportunidades de diálogo

entre a população e os organismos culturais.

Um programa de democratização da cultura obriga, em primeiro lugar,

descentralização dos lugares de recreio e fruição das belas-artes. Uma política

cultural democrática tornará possível o desfrute da excelência artística em

todas as comunidades e entre toda a população.

A fim de garantir a participação de todos os indivíduos na vida cultural,

é preciso eliminar as desigualdades provenientes, entre outras, da origem e da

posição social, da educação, da nacionalidade, da idade, da língua, do sexo, das

convicções religiosas, da saúde ou da pertinência a grupos étnicos minoritários

ou marginais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Patrimônio Cultural

O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas,

arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas

surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à vida. Ou

seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse

povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a

cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas.

Qualquer povo tem o direito e o dever de defender e preservar o

patrimônio cultural, já que as sociedades se reconhecem a si mesma através

dos valores em que encontram fontes de inspiração criadora.

O patrimônio cultural tem sido frequentemente danificado ou destruído

por negligência e pelos processos de urbanização, industrialização e penetração

tecnológica. Mais inaceitáveis ainda são, porém, os atentados ao patrimônio

cultural perpetrado pelo colonialismo, pelos conflitos armados, pelas ocupações

estrangeiras e pela imposição de valores exógenos. Todas essas ações

contribuem para romper o vínculo e a memória dos povos em relação a seu

passado. A preservação e o apreço do patrimônio cultural permitem, portanto,

aos povos defender a sua soberania e independência e, por conseguinte,

afirmar e promover sua identidade cultural.

Princípio fundamental das relações culturais entre os povos é a

restituição a seus países de origem das obras que lhes foram subtraídas

ilicitamente. Os instrumentos, acordos e relações internacionais existentes

poderiam ser reforçados para aumentar sua eficácia a esse respeito.

Criação Artística e Intelectual e Educação Artística

O desenvolvimento da cultura é indispensável tanto para a

independência dos povos quanto para a liberdade da pessoa. A liberdade de

pensamento e de expressão é indispensável à atividade criadora do artista e do

intelectual.

É imprescindível estabelecer as condições sociais e culturais que

facilitem, estimulem e garantam a criação artística e intelectual, sem

discriminação de caráter político, ideológico e social.

O desenvolvimento e promoção da educação artística compreendem não

só a elaboração de programas específicos que despertem a sensibilidade

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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artística e apoiem grupos e instituições de criação e difusão, mas também o

fomento de atividades que estimulem a consciência pública sobre a

importância da arte e da criação intelectual.

Relações entre Cultura, Educação, Ciência e Comunicação

O desenvolvimento global da sociedade exige políticas complementares

nos campos da cultura, da educação, da ciência e da comunicação, a fim de

estabelecer um equilíbrio harmonioso entre o progresso técnico e a elevação

intelectual e moral da humanidade.

A educação é o meio por excelência para transmitir os valores culturais

nacionais e universais, e deve procurar a assimilação dos conhecimentos

científicos e técnicos sem detrimento das capacidades e valores dos povos.

Requer-se atualmente uma educação integral e inovadora que não só

informe e transmita, mas que forme e renove, que permita aos educandos

tomar consciência da realidade do seu tempo e do seu meio, que favoreça o

florescimento da personalidade, que forme na autodisciplina, no respeito aos

demais e na solidariedade social e internacional; uma educação que capacite

para a organização e para a produtividade, para a produção de bens e serviços

realmente necessários que inspire a renovação e estimule a criatividade.

É necessário revalorizar as línguas nacionais como veículos do saber.

A alfabetização é condição indispensável para o desenvolvimento

cultural dos povos.

O ensino da ciência e da tecnologia deve ser concebido principalmente

como um processo cultural de desenvolvimento do espírito crítico e integrado

aos sistemas educativos, em função das necessidades de desenvolvimento dos

povos.

Uma circulação livre e uma difusão mais ampla e melhor equilibrada da

informação, das ideias e dos conhecimentos, que constituem alguns dos

princípios de uma nova ordem mundial da informação e da comunicação, supõe

o direito de todas as nações não só de receber, mas também de transmitir

conteúdos culturais, educativos, científicos e tecnológicos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

206

Os meios modernos de comunicação devem facilitar a informação

objetiva sobre as tendências culturais nos diversos países, sem lesar a

liberdade criadora e a identidade cultural das nações.

Os avanços tecnológicos dos últimos anos têm dado lugar à expansão das

indústrias culturais. Tais indústrias, qualquer que seja a sua organização,

desempenham um papel importante na difusão de bens culturais. Nas suas

atividades internacionais, no entanto, ignoram muitas vezes os valores

tradicionais da sociedade e suscitam expectativas e aspirações que não

respondem às necessidades efetivas do seu desenvolvimento. Por outra parte, a

ausência de indústrias nacionais, sobretudo nos países em via de

desenvolvimento, pode ser fonte de dependência cultural e origem de alienação.

É indispensável, em consequência, apoiar o estabelecimento de

indústrias culturais, mediante programas de ajuda bilateral ou multilateral,

nos países que delas carecem, cuidando sempre para que a produção e difusão

de bens culturais respondam às necessidades de desenvolvimento integral de

cada sociedade.

Os meios modernos de comunicação têm uma importância fundamental

na educação e na difusão da cultura. Em consequência, a sociedade há de se

esforçar em utilizar as novas técnicas de produção e da comunicação para

colocá-las a serviço de um autêntico desenvolvimento individual e coletivo e

favorecer a independência das nações, preservando sua soberania e

fortalecendo a paz no mundo.

Planejamento, administração e financiamento das atividades culturais

A cultura é o fundamento necessário para o desenvolvimento autêntico.

A sociedade deve realizar um esforço importante dirigido a planejar,

administrar e financiar as atividades culturais.

Cooperação Cultural Internacional

É essencial para a atividade criadora do homem e para o completo

desenvolvimento da pessoa e da sociedade a mais ampla difusão das ideias e

dos conhecimentos, baseada em intercâmbio e em reuniões culturais.

Uma cooperação mais ampla e uma compreensão cultural sub-regional,

regional, inter-regional e internacional são pressupostos importantes para

obter um clima de respeito, confiança, diálogo e paz entre as nações. Tal clima

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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não poderá ser alcançado plenamente sem que sejam reduzidos e eliminados os

conflitos e tensão atuais, detida a corrida armamentista e conseguido o

desarmamento.

A conferência reitera solenemente o valor e a vigência da Declaração dos

Princípios da Cooperação Cultural, aprovada na sua décima quarta reunião,

pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura.

A cooperação cultural internacional deve fundamentar-se no respeito à

identidade cultural, à dignidade e ao valor de cada cultura, à independência,

às soberanias nacionais e à não intervenção. Consequentemente, nas relações

de cooperação entre as nações deve evitar-se qualquer forma de subordinação

ou substituição de uma cultura por outra. É indispensável, além disso,

reequilibrar o intercâmbio e a cooperação cultural a fim de que as culturas

menos conhecidas, em particular as de alguns países em vias de

desenvolvimento, sejam mais amplamente difundidas em todos os países.

Os intercâmbios culturais, científicos e educativos devem fortalecer a

paz, respeitar os direitos do homem e contribuir para a eliminação do

colonialismo, do neocolonialismo, do racismo, do apartheid e de todo gênero de

agressão, dominação e intervenção. Da mesma forma, a cooperação cultural

deve estimular um clima internacional favorável ao desarmamento, de

maneira que os recursos humanos e as enormes somas destinadas ao

armamento possam se consagrar a fins produtivos, tais como programas de

desenvolvimento cultural, científico e técnico.

É necessário diversificar e fomentar a cooperação cultural internacional

em um contexto interdisciplinar e com atenção especial à formação de pessoal

qualificado em matéria de serviços culturais.

Há que se estimular, em particular, a cooperação entre os países em vias

de desenvolvimento, de sorte que o conhecimento de outras culturas e de

experiências de desenvolvimento enriqueça-lhes a vida.

A conferência reafirma que o valor educativo e cultural é essencial nos

esforços para instaurar uma nova ordem econômica internacional.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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UNESCO

Num mundo convulsionado por diferenças que põem em perigo os

valores culturais das civilizações, os Estados Membros e a Secretaria da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura devem

multiplicar os esforços destinados a preservar tais valores e a aprofundar sua

ação em benefício do desenvolvimento da humanidade. Uma paz duradoura

deve ser estabelecida para assegurar a própria existência da cultura humana.

Frente a essa situação, os objetivos da UNESCO, tal como são definidos

na sua constituição, adquirem uma importância capital.

A Conferência Mundial sobre Políticas Culturais faz um apelo à

UNESCO para que prossiga e reforce sua ação de aproximação cultural entre

os povos e as nações e continue desempenhando a nobre tarefa de contribuir

para que os homens, ultrapassando as suas diferenças, realizem o antigo sonho

da fraternidade universal.

A comunidade internacional reunida nesta conferência considera seu

lema de Benito Juarez: “Entre os indivíduos, como entre as nações, o respeito

ao direito alheio é a paz”.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CONVENÇÃO PARA A SALVAGUARDA DO

PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA EUROPA

De 03 de Outubro de 1985

Os Estados membros do Conselho da Europa, signatários da presente

Convenção:

Considerando que o objetivo do Conselho da Europa é realizar uma

união mais estreita entre os seus membros, nomeadamente a fim de

salvaguardar e promover os ideais e princípios que constituem o seu

património comum;

Reconhecendo que o património arquitetônico constitui uma expressão

insubstituível da riqueza e da diversidade do património cultural da Europa,

um testemunho inestimável do nosso passado e um bem comum a todos os

europeus;

Tendo em conta a Convenção Cultural Europeia, assinada em Paris em

19 de Dezembro de 1954, e nomeadamente o seu artigo 1.º; Tendo em conta a

Carta Europeia do Património Arquitetônico, adotada pelo Comitê de

Ministros do Conselho da Europa em 26 de Setembro de 1975, e a Resolução

(76) 28, adotada em 14 de Abril de 1976, relativa à adaptação dos sistemas

legislativos e regulamentares nacionais às exigências da conservação integrada

do património arquitetônico;

Tendo em conta a Recomendação n.º 880 (1979) da Assembleia

Parlamentar do Conselho da Europa, relativa à conservação do património

arquitetônico;

Tendo em conta a Recomendação n.º R (80) 16 do Comitê de Ministros

aos Estados membros sobre a formação especializada de arquitetos,

urbanistas, engenheiros civis e paisagistas, assim como a Recomendação n.º R

(81) 13 do Comitê de Ministros, adotada no dia 1 de Julho de 1981, sobre as

ações a empreender em benefício de certas profissões, ameaçadas de

desaparecimento, no âmbito da atividade artesanal;

Recordando que é necessário transmitir um sistema de referências

culturais às gerações futuras, melhorar a qualidade de vida urbana e rural e

incentivar, ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico, social e cultural

dos Estados e das regiões;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Afirmando que é necessário concluir acordos sobre as orientações

essenciais de uma política comum, que garanta a salvaguarda e o

engrandecimento do património arquitetônico; acordam no seguinte:

Definição do património arquitetônico

Artigo 1.º

Para os fins da presente Convenção, a expressão “património

arquitetônico” é considerada como integrando os seguintes bens imóveis:

1) Os monumentos: todas as construções particularmente notáveis pelo

seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico,

incluindo as instalações ou os elementos decorativos que fazem parte

integrante de tais construções;

2) Os conjuntos arquitetônicos: agrupamentos homogêneos de

construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico,

arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes

para serem objeto de uma delimitação topográfica;

3) Os sítios: obras combinadas do homem e da natureza, parcialmente

construídas e constituindo espaços suficientemente característicos e

homogêneos para serem objeto de uma delimitação topográfica, notáveis pelo

seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico.

Identificação dos bens a proteger

Artigo 2.º

A fim de identificar com precisão os monumentos, conjuntos

arquitetônicos e sítios susceptíveis de serem protegidos, as Partes

comprometem-se a manter o respectivo inventário e, em caso de ameaça dos

referidos bens, a preparar, com a possível brevidade, documentação adequada.

Processos legais de proteção

Artigo 3.º

As Partes comprometem-se:

1) A implementar um regime legal de proteção do património

arquitetônico;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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2) A assegurar, no âmbito desse regime e de acordo com modalidades

próprias de cada Estado ou região, a proteção dos monumentos, conjuntos

arquitetônicos e sítios.

Artigo 4.º

As Partes comprometem-se:

1) A aplicar, tendo em vista a proteção jurídica dos bens em causa, os

processos de controlo e autorização adequados;

2) A impedir que bens protegidos sejam desfigurados, degradados ou

demolidos. Nesta perspectiva, as Partes comprometem-se, caso não o tenham

já feito, a introduzir nas respectivas legislações disposições que prevejam:

a) A submissão a uma autoridade competente de projetos de demolição

ou de alteração de monumentos já protegidos ou em relação aos quais esteja

pendente uma ação de proteção, assim como de qualquer projeto que afete o

respectivo meio ambiente;

b) A submissão a uma autoridade competente de projetos que afetem,

total ou parcialmente, um conjunto arquitetônico ou um sítio, relativos a obras:

De demolição de edifícios; De construção de novos edifícios; De alterações

consideráveis que prejudiquem as características do conjunto arquitetônico ou

do sítio;

c) A possibilidade de os poderes públicos intimarem o proprietário de um

bem protegido a realizar obras ou de se lhe substituírem, caso este as não faça;

d) A possibilidade de expropriar um bem protegido. Artigo 5.º As Partes

comprometem-se a não permitir a remoção, total ou parcial, de um monumento

protegido, salvo na hipótese de a proteção física desse monumento o exigir de

forma imperativa. Em tal caso, a autoridade competente toma as precauções

necessárias à respectiva desmontagem, transferência e remontagem em local

adequado.

Medidas complementares

Artigo 6.º

As Partes comprometem-se a:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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1) Prever, em função das competências nacionais, regionais e locais, e

dentro dos limites dos orçamentos disponíveis, um apoio financeiro dos poderes

públicos às obras de manutenção e restauro do património cultural situado no

respectivo território;

2) Recorrer, se necessário, a medidas fiscais susceptíveis de facilitar a

conservação desse património;

3) Apoiar as iniciativas privadas no domínio da manutenção e restauro

desse património.

Artigo 7.º

Nas áreas circundantes dos monumentos, no interior dos conjuntos

arquitetônicos e dos sítios, as Partes comprometem-se a adotar medidas que

visem melhorar a qualidade do ambiente.

Artigo 8.º

As Partes comprometem-se, a fim de limitar os riscos de degradação

física do património arquitetônico:

1) A apoiar a investigação científica, com vista a identificar e a analisar

os efeitos nocivos da poluição e a definir os meios de deduzir ou eliminar tais

efeitos;

2) A tomar em consideração os problemas específicos da conservação do

património arquitetônico, na formulação de políticas de luta contra a poluição.

Sanções

Artigo 9.º

As Partes comprometem-se, no âmbito dos respectivos poderes, a

garantir que as infrações à legislação de proteção do património arquitetônico

sejam objeto das medidas adequadas e suficientes por parte da autoridade

competente. Tais medidas podem implicar, se necessário, a obrigação de os

autores demolirem um edifício novo, construído de modo irregular, ou de

reporem o bem protegido no seu estado anterior.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Políticas de conservação

Artigo 10.º

As Partes comprometem-se a adotar políticas da conservação integrada

que:

1) Incluam a proteção do património arquitetônico nos objetivos

essenciais do ordenamento do território e do urbanismo, e que garantam que

tal imperativo seja tomado em consideração nas diversas fases da elaboração

de planos de ordenamento e dos processos de autorização de obras;

2) Adotem programas de restauro e de manutenção do património

arquitetônico;

3) Façam da conservação, promoção e realização do património

arquitetônico um elemento fundamental das políticas em matéria de cultura,

ambiente e ordenamento do território;

4) Promovam, sempre que possível, no âmbito dos processos de

ordenamento do território e de urbanismo, a conservação e a utilização de

edifícios, cuja importância intrínseca não justifique uma proteção no sentido do

artigo 3.º, n.º 1, da presente Convenção, mas que revistam interesse do ponto

de vista do ambiente urbano ou rural, ou da qualidade de vida;

5) Promovam a aplicação e o desenvolvimento, indispensáveis ao futuro

do património, de técnicas e materiais tradicionais.

Artigo 11.º

As Partes comprometem-se a promover, respeitando as características

arquitetônica e histórica do património:

a) A utilização de bens protegidos, atendendo às necessidades da vida

contemporânea;

b) A adaptação, quando tal se mostre adequado, de edifícios antigos a

novas utilizações.

Artigo 12 º

Sem prejuízo de reconhecerem o interesse em permitir a visita, por parte

do público, dos bens protegidos, as Partes comprometem-se a garantir que as

consequências de tal abertura ao público, nomeadamente as adaptações de

estrutura para isso necessárias, não prejudiquem as características

arquitetônicas e históricas desses bens e do respectivo meio ambiente.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 13.º

Com vista a facilitar a execução de tais políticas, as Partes

comprometem-se a desenvolver, no contexto próprio da sua organização

política e administrativa, a cooperação efetiva, aos diversos níveis, dos serviços

responsáveis pela conservação, ação cultural, meio ambiente e ordenamento do

território.

Participação e associações

Artigo 14.º

Em ordem a secundar a ação dos poderes públicos em benefício do

conhecimento, proteção, restauro, manutenção, gestão e promoção do

património arquitetônico, as Partes comprometem-se:

1) A criar, nas diversas fases do processo de decisão, estruturas de

informação, consulta e colaboração entre o Estado, as autoridades locais, as

instituições e associações culturais e o público;

2) A incentivar o desenvolvimento do mecenato e das associações com

fins não lucrativos, que atuam nesta área.

Informação e Formação

Artigo 15.º

As Partes comprometem-se:

1) A valorizar a conservação do património arquitectónico junto da

opinião pública, quer como elemento de identidade cultural, quer como fonte de

inspiração e de criatividade das gerações presentes e futuras;

2) A promover, nesse sentido, políticas de informação e de sensibilização,

nomeadamente com auxílio de técnicas modernas de difusão e de promoção,

tendo, especificamente, como objetivo:

a) Despertar ou desenvolver a sensibilidade do público, a partir da idade

escolar, para a proteção do património, qualidade do ambiente edificado

e expressão arquitetônica;

b) Realçar a unidade do património cultural e dos laços existentes entre

a arquitetura, as artes, as tradições populares e modos de vida, à escala

europeia, nacional ou regional.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 16.º

As Partes comprometem-se a promover a formação das diversas

profissões e ofícios com intervenção na conservação do património

arquitetônico.

Coordenação europeia das políticas de conservação

Artigo 17.º

As Partes comprometem-se a trocar informações sobre as respectivas

políticas de conservação no que respeita:

1) Aos métodos a adotar em matéria de inventário, proteção e

conservação de bens, atendendo à evolução histórica e ao aumento progressivo

do património arquitetônico;

2) Aos meios de conciliar da melhor forma o imperativo de proteção do

património arquitetônico e as necessidades atuais da vida econômica, social e

cultural;

3) Às possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, no domínio da

identificação e registro, da luta contra a degradação de materiais, da

investigação científica, das obras de restauro e das formas de gestão e

promoção do património arquitetônico;

4) Aos meios de promover a criação arquitetônica, como forma de

assegurarem a contribuição da nossa época para o património da Europa.

Artigo 18.º

As Partes comprometem-se a conceder-se, sempre que necessário, uma

assistência técnica recíproca, sob a forma de troca de experiências e de peritos,

no domínio da conservação do património arquitetônico.

Artigo 19.º

As Partes comprometem-se a promover, no âmbito das legislações

nacionais pertinentes ou dos acordos internacionais pelos quais se encontrem

vinculadas, as trocas europeias de especialistas em matéria de conservação do

património arquitetônico, incluindo na área da formação contínua.

Artigo 20.º

Para os fins da presente Convenção, um Comitê de peritos, criado pelo

Comitê de Ministros do Conselho da Europa, ao abrigo do artigo 17.º do

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

216

Estatuto do Conselho da Europa, é encarregado de acompanhar a aplicação da

Convenção e especificamente:

1) De submeter periodicamente ao Comitê de Ministros do Conselho da

Europa um relatório sobre a situação das políticas de conservação do

património arquitetônico nos Estados partes na Convenção, sobre a aplicação

dos princípios nela enunciados e sobre as suas próprias atividades;

2) De propor ao Comitê de Ministros do Conselho da Europa qualquer

medida conducente à implementação das disposições da Convenção, inclusive

no âmbito das atividades multilaterais e no domínio da revisão ou modificação

da Convenção, bem como de informação do público sobre os objetivos da

Convenção;

3) De formular recomendações ao Comitê de Ministros do Conselho da

Europa, relativamente ao convite a Estados não membros do Conselho da

Europa para aderirem à Convenção.

Artigo 21.º

As disposições da presente Convenção não prejudicam a aplicação de

disposições específicas mais favoráveis à proteção dos bens previstos no artigo

1.º, constantes de: Convenção relativa à Proteção do Património Mundial,

Cultural e Natural, de 16 de Novembro de 1972; Convenção Europeia para a

Proteção do Património Arqueológico, de 6 de Maio de 1969.

Cláusulas finais

Artigo 22.º

1 - A presente Convenção está aberta à assinatura dos Estados membros

do Conselho da Europa. É submetida a ratificação, aceitação ou aprovação. Os

instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação, são depositados junto do

Secretário-Geral do Conselho da Europa.

2 - A presente Convenção entra em vigor no primeiro dia do mês

seguinte ao decurso de um período de três meses após a data em que três

Estados membros do Conselho da Europa tenham manifestado o seu

consentimento a vincular-se pela Convenção, nos termos do disposto no

número anterior.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

217

3 - Para os Estados membros que venham ulteriormente a manifestar o

seu consentimento a vincular-se pela Convenção, a Convenção entra em vigor

no primeiro dia do mês seguinte ao decurso de um período de três meses após a

data do depósito do instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação.

Artigo 23.º

1 - Após a entrada em vigor da presente Convenção, o Comitê de

Ministros do Conselho da Europa pode convidar qualquer Estado não membro

do Conselho, assim como a Comunidade Econômica Europeia, a aderir à

presente Convenção, por decisão tomada pela maioria prevista no artigo 20.º,

alínea d) do Estatuto do Conselho da Europa e por unanimidade dos

representantes dos Estados contratantes com direito de assento no Comitê.

2 - Para os Estados aderentes ou para a Comunidade Econômica

Europeia, em caso de adesão, a Convenção entra em vigor no primeiro dia do

mês seguinte ao decurso de um período de três meses após a data do depósito

do instrumento de adesão junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa.

Artigo 24.º

1 - Qualquer Estado pode, no momento da assinatura ou do depósito do

respectivo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, designar

o território ou territórios a que se aplica a presente Convenção.

2 - Qualquer Estado pode, em qualquer momento ulterior, mediante

declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, tornar

extensiva a aplicação da presente Convenção a qualquer outro território

designado na declaração. A Convenção entra em vigor, para esse território, no

primeiro dia do mês seguinte ao decurso de um período de três meses após a

data da recepção da declaração pelo Secretário-Geral.

3 - Qualquer declaração formulada nos termos dos dois números

anteriores pode ser retirada, no que respeita a qualquer território designado

naquela declaração, mediante notificação dirigida ao Secretário-Geral. Tal

retirada produz efeito no primeiro dia do mês seguinte do decurso de um

período de seis meses após a data da recepção da notificação pelo Secretário-

Geral.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

218

Artigo 25.º

1 - Qualquer Estado pode, no momento da assinatura ou do depósito do

respectivo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, declarar

que se reserva o direito de não se conformar, total ou parcialmente, com as

disposições do artigo 4.º, alíneas c) e d). Não é admitida qualquer outra

reserva.

2 - Qualquer Estado contratante que tenha formulado uma reserva nos

termos do número anterior pode retirá-la, total ou parcialmente, mediante

notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. A retirada

produz efeito na data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

3 - A Parte que tenha formulado a reserva ao abrigo do disposto no n.º 1

supracitado não pode exigir a aplicação de tal disposição por uma outra Parte;

pode, todavia, se a reserva for parcial ou condicional, exigir a aplicação de tal

disposição na medida em que a tenha aceite.

Artigo 26.º

1 - Qualquer Parte pode, em qualquer momento, denunciar a presente

Convenção mediante notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da

Europa.

2 - A denúncia produz efeito no primeiro dia do mês seguinte ao decurso

de um período de seis meses após a data da recepção da notificação pelo

Secretário-Geral.

Artigo 27.º

O Secretário-Geral do Conselho da Europa notifica os Estados membros

do Conselho da Europa e qualquer Estado que tenha aderido à presente

Convenção e a Comunidade Europeia, em caso de adesão, de:

a) Qualquer assinatura;

b) Depósito de qualquer instrumento de ratificação, aceitação, aprovação

ou adesão;

c) Qualquer data de entrada em vigor da presente Convenção, nos

termos do disposto nos artigos 22.º, 23.º e 24.º;

d) Qualquer outro ato, notificação ou comunicação, relativos à presente

Convenção.

Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente autorizados para o

efeito, assinaram a presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

219

Feito em Granada, aos 3 de Outubro de 1985, em francês e em inglês,

fazendo ambos os textos igualmente fé, num único exemplar, que será

depositado nos arquivos do Conselho da Europa. O Secretário-Geral do

Conselho da Europa transmitirá cópia autenticada a cada um dos Estados

membros do Conselho da Europa e a qualquer Estado ou à Comunidade

Econômica Europeia, convidados a aderir à presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE WASHINGTON

De 1986

Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas

ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos Sítios

1. Preâmbulo e definições:

Resultantes de um desenvolvimento mais ou menos espontâneo ou de

um projeto deliberado, todas as cidades do mundo são expressões materiais da

diversidade das sociedades através da história e são todas, por essa razão,

históricas.

A presente carta diz respeito mais precisamente às cidades grandes ou

pequenas e aos centros ou bairros históricos com seu entorno natural ou

construído, que, além de sua condição de documento histórico, exprimem

valores próprios das civilizações urbanas tradicionais. Atualmente, muitas

delas são ameaçadas de degradação, de deterioração e até mesmo de destruição

sob o efeito de um tipo de urbanização nascido na era industrial e que hoje

atinge universalmente todas as cidades.

Face a essa situação muitas vezes dramática, que provoca perdas

irreversíveis de caráter cultural, social e mesmo econômico, o Conselho

Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) julgou necessário redigir

uma Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas.

Ao complementar a Carta Internacional sobre a Conservação e a

Restauração de Monumentos e Sítios (Veneza, 1964), este novo texto define os

princípios e os objetivos, os métodos e os instrumentos de ação apropriados a

salvaguardar a qualidade das cidades históricas, a favorecer a harmonia da

vida individual e social e a perpetuar o conjunto de bens que, mesmo modestos,

constituem a memória da humanidade.

Como no texto da Recomendação da UNESCO relativa à Salvaguarda

dos Conjuntos Históricos ou Tradicionais e a sua Função na Vida

Contemporânea (Varsóvia – Nairóbi, 1976) e, também, como em outros

instrumentos internacionais, entende-se aqui por salvaguarda das cidades

históricas as medidas necessárias a sua proteção, a sua conservação e

restauração, bem como a seu desenvolvimento coerente e a sua adaptação

harmoniosa à vida contemporânea.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

221

Princípios e objetivos:

Para ser eficaz, a salvaguarda das cidades e bairros históricos deve ser

parte essencial de uma política coerente de desenvolvimento econômico e

social, e ser considerada no planejamento físico territorial e nos planos urbanos

em todos os seus níveis.

Os valores a preservar são o caráter histórico da cidade e o conjunto de

elementos materiais e espirituais que expressam sua imagem, em particular:

- a forma urbana definida pelo traçado e pelo parcelamento;

- as relações entre os diversos espaços urbanos, espaços construídos,

espaços abertos e espaços verdes;

- a forma e o aspecto das edificações (interior e exterior) tais como são

definidos por sua estrutura, volume, estilo, escala, materiais, cor e

decoração;

- as relações da cidade com seu entorno natural ou criado pelo homem;

- as diversas vocações das cidades adquiridas ao longo de sua história;

Qualquer ameaça a esses valores comprometeria a autenticidade da

cidade histórica.

A participação e o comprometimento dos habitantes da cidade são

indispensáveis ao êxito da salvaguarda e devem ser estimulados. Não se deve

jamais esquecer que a salvaguarda das cidades e bairros históricos diz respeito

primeiramente a seus habitantes.

As intervenções em um bairro ou em uma cidade histórica devem

realizar-se com prudência, sensibilidade, método e rigor. Dever-se-ia evitar o

dogmatismo, mas levar em consideração os problemas específicos de cada caso

particular.

2. Métodos e instrumentos:

O planejamento da salvaguarda das cidades e bairros históricos deve ser

precedido de estudos multidisciplinares. O plano de salvaguarda deve

compreender uma análise dos dados, particularmente arqueológicos, históricos,

arquitetônicos, técnicos, sociológicos e econômicos e deve definir as principais

orientações e modalidades de ações a serem empreendidas no plano jurídico,

administrativo e financeiro. O plano de salvaguarda deverá empenhar-se para

definir uma articulação harmoniosa entre os bairros históricos e o conjunto da

cidade. O plano de salvaguarda deve determinar as edificações ou grupos de

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

222

edificações que devam ser particularmente protegidos, os que devam ser

conservados em certas condições e os que, em circunstâncias excepcionais,

possam ser demolidos. Antes de qualquer intervenção, as condições existentes

na área deverão ser rigorosamente documentadas. O plano deveria contar com

a adesão dos habitantes existentes na área deverão ser rigorosamente

documentadas. O plano deveria contar com a adesão dos habitantes.

Antes da adoção de um plano de salvaguarda ou enquanto ele estiver

sendo finalizado, as ações necessárias à conservação deverão ser adotadas em

observância aos princípios e métodos da presente carta e da Carta de Veneza.

A conservação das cidades e bairros históricos implica a manutenção

permanente das áreas edificadas.

As novas funções devem ser compatíveis com o caráter, a vocação e a

estrutura das cidades históricas. A adaptação da cidade histórica à vida

contemporânea requer cuidadosas instalações das redes de infraestrutura e

equipamento dos serviços públicos.

A melhoria do habitat deve ser um dos objetivos fundamentais da

salvaguarda.

No caso de ser necessário efetuar transformações dos imóveis ou

construir novos, todo o acréscimo deverá respeitar a organização espacial

existente, especialmente seu parcelamento, volume e escala, nos termos em

que o impõem a qualidade e o valor do conjunto de construções existentes. A

introdução de elementos de caráter contemporâneo, desde que não perturbe a

harmonia do conjunto, pode contribuir para o seu enriquecimento.

É importante contribuir para um melhor conhecimento do passado das

cidades históricas, através do favorecimento às pesquisas arqueológicas

urbanas e da apresentação adequada das descobertas, sem prejuízo da

organização geral do tecido urbano.

A circulação de veículos deve ser estritamente regulamentada no

interior das cidades e dos bairros históricos; as áreas de estacionamento

deverão ser planejadas de maneira que não degradem seu aspecto nem o do

seu entorno.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

223

Os grandes traçados rodoviários previstos no planejamento físico-

territorial não devem penetrar nas cidades históricas, mas somente facilitar o

tráfego das cercanias para permitir-lhes um fácil acesso.

Devem ser adotadas nas cidades históricas medidas preventivas contra

as catástrofes naturais e contra todos os danos (notadamente, as poluições e as

vibrações), não só para assegurar a salvaguarda do seu patrimônio, como

também para a segurança e o bem-estar de seus habitantes. Os meios

empregados para prevenir ou reparar os efeitos das calamidades devem

adaptar-se ao caráter específico dos bens a salvaguardar.

Para assegurar a participação e o envolvimento dos habitantes deverá

ser efetuado um programa de informações gerais que comece desde a idade

escolar. Deverá ser favorecida a ação das associações de salvaguarda e deverão

ser tomadas medidas de caráter financeiro para assegurar a conservação e a

restauração das edificações existentes.

A salvaguarda exige uma formação especializada de todos os

profissionais envolvidos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE SÃO PAULO

De 1989

Por ocasião da Jornada Comemorativa do 25º aniversário da Carta de Veneza,

em São Paulo, associados do CB/ICOMOS

Analisando o texto normativo, colocaram para discussão e debate, com

vista à IX Assembleia Geral do ICOMOS em Lausanne, as seguintes reflexões:

Que o texto da Carta, embora conciso e claro, apresenta insuficiências

decorrentes do avanço das ciências, que ampliaram o campo de trabalho em

preservação e restauro, tornando necessária uma revisão de conceitos e

obrigando participação efetiva, e não apenas formal, de profissionais de áreas

contemporaneamente desenvolvidas.

Que, em decorrência do progresso tecnológico, é possível estabelecer por

sensoriamento remoto, aerofotogrametria, reprodução a laser, microscopia

eletrônica e outros meios, os levantamentos de grandes e pequenas áreas

naturais críticas, cuja defesa é indispensável, indissociável da conservação dos

sítios históricos urbanos e rurais é fundamental no estudo territorial e

fundiário dos espaços urbanos.

Que a preservação do patrimônio natural deve ser incorporada ao texto,

como entendimento cultural da harmonia entre a proteção dos sítios urbanos e

rurais e preservação da biodiversidade como incentivo em todos os projetos com

a natureza (design with nature).

Que os sistemas de tecnologia avançada prestam aos trabalhos de

restauro em todos os níveis, inclusive materiais, um grau de precisão essencial

à manutenção da substância original dos acervos artísticos e documentais, dos

monumentos e do patrimônio urbano edificado.

Que a análise formulada pela metodologia crítica das ciências sociais e

exatas vem permitir a revisão e atualização de conceitos tradicionais, cuja

limitação profissional e ideológica é preocupante.

Que o desenvolvimento dos meios de comunicação tem atraído, para a

área de conservação, contingentes cada vez maiores de interessados fora dos

campos profissional e acadêmico, demonstrando que essa parcela organizada

da sociedade civil quer participar, e somente buscando seu efeito apoio

garantir-se-á o êxito da política preservacionista.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

225

Que populações marginalizadas, ocupantes dos centros históricos

urbanos de todas as nações, devem poder alcançar melhoria real na qualidade

de vida de seu cotidiano, através de projetos de restauração e reciclagem que

considerem, também, sistemas habitacionais de padrão condizente com a

dignidade e cidadania das populações.

Que é necessário estabelecer a equivalência entre as nações, invalidando

conceitos hierárquicos ultrapassados de valores civilizatórios responsáveis pelo

desprestígio de culturas regionais, cujos testemunhos merecem, por sua

riqueza e variedade, reconhecimento e divulgação.

Que os Comitês Nacionais do ICOMOS devem assessorar ao máximo as

associações civis de defesa cultural, utilizando, para esse fim, seu quadro de

associados e seus recursos informativos, bem como incentivar juntos às

entidades cursos especializados para agentes de preservação.

Que a Carta de Veneza deve permanecer como modelo e fonte de

consulta testemunho documental, no gênero mais relevante de sua época

histórica.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

226

CARTA DE CABO FRIO

De Outubro de 1989

Vespuciana – Encontro de Civilizações nas Américas

Conclusões e Recomendações do Seminário

No dia 6 de outubro do ano de 1989, o Comitê Brasileiro do ICOMOS

reuniu em Cabo Frio, mui formosa e mui prodigioso sítio da costa sul do Brasil,

conhecedores de arqueologia, arquitetura, botânica, navegação, história,

engenharia e outros saberes, originários de todas as partes do Brasil e de

outras terras da América, como Argentina, Bolívia, Costa Rica, México,

Paraguai e Peru, para, juntando-se às comemorações dos 500 anos da vinda de

Colombo América e homenageando o navegador Américo Vespúcio, que em

1503 aqui esteve, escrever esta carta, que terá o nome de Carta de Cabo Frio.

A história do planeta Terra pode ser lida através das múltiplas

manifestações da natureza. Ao identificá-las e interpretar-lhes o valor, o

homem atribui a esses testemunhos significação cultural.

A defesa da identidade cultural far-se-á através do resgate das formas

de convívio harmônico com seu ambiente.

É preciso rever a história americana, reconhecendo o papel das

populações do continente. Para garantia da autonomia das sociedades e

culturas indígenas, é fundamental assegurar-lhes a posse e o usufruto

exclusivo de suas terras e a preservação de suas línguas – fatores centrais de

sua identidade. O trabalho dos cientistas sociais e dos órgãos responsáveis

deve assegurar a liberdade do desenvolvimento cultural dos povos indígenas.

O sentido de conquista que caracterizou o encontro de culturas na

América resultou em um processo desigual de interação, com o sacrifício de

muitos valores. Os novos encontros de culturas deverão ser direcionados no

sentido do respeito aos contextos locais.

O quinto centenário da chegada de Colombo é a oportunidade para se

rever a história americana, levando-se em conta que a ocupação do continente

precede em muito a fixação do europeu. Nesse sentido, é fundamental a

preservação de todo tipo de testemunhos, como os sítios geológicos,

arqueológicos, fossilíferos e naturais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

227

O processo de preservação, por sua complexidade, demanda um concurso

interdisciplinar e uma ação interinstitucional. Para o conhecimento e a

preservação do patrimônio cultural e natural, faz-se necessária a apropriação

de métodos específicos e de novas técnicas disponíveis.

O êxito de uma política preservacionista tem como fator fundamental o

engajamento da comunidade, que deve ter por origem um processo educativo

em todos os níveis, com a utilização dos meios de comunicação. O respeito aos

valores naturais, étnicos e culturais, enfatizados através da educação pública,

contribuirá para a valorização das identidades culturais.

A criação de unidades de conservação ambiental e a preservação de

sítios deverão ser acompanhadas de soluções alternativas, de modo a garantir

a melhoria da qualidade de vida das populações envolvidas.

A ação de empresas privadas ou estatais em projetos industriais,

extrativos e infraestruturais não pode resultar em danos à vida humana, à

natureza. Cabe ao Poder Público intervir com medidas efetivas de preservação,

controle, fiscalização e atuação.

Sendo a identidade cultural a razão maior e a base da existência das

nações, é imprescindível a ação do Estado nas suas várias instâncias e a

participação da comunidade na valorização e defesa de seus bens naturais e

culturais.

Para salvaguarda do patrimônio natural e cultural da América Latina

em suas diversas manifestações, é fundamental um esforço conjunto, a fim de

evitar o isolamento cultural e garantir a integração latino-americana.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

228

RECOMENDAÇÃO SOBRE A SALVAGUARDA DA

CULTURA TRADICIONAL E POPULAR

15 de Novembro de 1989

Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular

Conferência Geral da UNESCO – 25ª Reunião

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 17 de Outubro a 16 de

Novembro de 1989, por ocasião da sua 25ª reunião,

Considerando que a cultura tradicional e popular integra o património

universal da humanidade e que é um poderoso meio de aproximação entre os

diferentes povos e grupos sociais e de afirmação da sua identidade cultural,

Constatando a sua importância social, econômica, cultural e política, o

seu papel na história de um povo e o seu lugar na cultura contemporânea,

Sublinhando a natureza específica e a importância da cultura

tradicional e popular enquanto parte integrante do património cultural e da

cultura viva,

Reconhecendo a extrema fragilidade de certas formas de cultura

tradicional e popular, particularmente a dos aspectos que relevam das

tradições orais e o risco de que estes possam perder-se,

Sublinhando a necessidade de reconhecer em todos os países o papel da

cultura tradicional e popular e o perigo que corre em resultado de múltiplos

fatores,

Considerando que os governos deveriam desempenhar um papel decisivo

na salvaguarda da cultura tradicional e popular e atuar com a maior

celeridade possível,

Tendo decidido, na sua 24.ª sessão, que a “salvaguarda do folclore”

deveria ser objeto de uma recomendação aos Estados membros, nos termos do

disposto no artigo IV, parágrafo 4, do Ato constitutivo,

Adota a seguinte recomendação a 15 de Novembro de 1989.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

229

A Conferência Geral recomenda aos Estados membros a aplicação das

seguintes disposições relativas à salvaguarda da cultura tradicional e popular,

através da adoção de medidas legislativas ou de outra índole que sejam

consideradas necessárias, em conformidade com as práticas constitucionais de

cada Estado, com vista a que os princípios e medidas definidos na presente

recomendação produzam efeitos nos seus territórios.

A Conferência Geral recomenda aos Estados membros a divulgação da

presente Recomendação às autoridades, serviços ou organismos com

competências na resolução de problemas colocados pela salvaguarda da cultura

tradicional e popular, assim como a sua divulgação junto das diversas

organizações ou instituições com atuação em matéria da cultura tradicional e

popular, e o incentivo de contactos com as organizações internacionais

adequadas que se ocupam da sua salvaguarda.

A Conferência Geral recomenda que, nas datas e nos modos por si

determinados, os Estados Membros submetam à Organização (UNESCO)

informações sobre o curso que tenham dado a esta Recomendação.

A. Definição de cultura tradicional e popular

Atendendo à presente Recomendação: A cultura tradicional e popular é o

conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas sobre

a tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos, e reconhecidas como

respondendo às expectativas da comunidade enquanto expressão da sua

identidade cultural e social, das suas normas e valores transmitidos oralmente,

por imitação ou por outros meios. As suas formas compreendem, entre outras,

a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os

costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.

B. Identificação da cultura tradicional e popular

A cultura tradicional e popular, enquanto expressão cultural, deve ser

salvaguardada para e pelo grupo (familiar, profissional, nacional, regional,

religioso, étnico, etc.) cuja identidade exprime.

Para o efeito, os Estados membros deveriam fomentar, a nível nacional,

regional e internacional, pesquisas adequadas com vista a:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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a) Estabelecer um inventário nacional das instituições que se ocupam da

cultura tradicional e popular, para fins da sua inclusão nos registros regionais

e mundiais de instituições desta ordem;

b) Criar sistemas de identificação e registro (recolha, indexação,

transcrição) de informação, ou desenvolver sistemas já existentes através de

manuais, guias de procedimentos de recolha, catálogos-tipo, etc., tendo em

consideração a necessidade de uniformizar os sistemas de classificação

utilizados por diferentes instituições;

c) Estimular a criação de uma tipologia normalizada da cultura

tradicional e popular mediante a elaboração de:

(i) um esquema geral de classificação da cultura tradicional e popular,

com o objetivo de fornecer orientações a nível mundial;

(ii) um registro pormenorizado da cultura tradicional e popular;

(iii) classificações regionais da cultura tradicional e popular,

especialmente através de projetos-piloto desenvolvidos no terreno.

C. Conservação da cultura tradicional e popular

A conservação respeita à documentação relativa às tradições que

relevam da cultura tradicional e popular, e tem por objetivo que, em caso de

interrupção ou evolução dessas tradições, os investigadores e os detentores da

tradição possam dispor de dados que lhes permitam compreender o processo de

transformação da tradição. Ainda que a cultura tradicional e popular viva,

dado o seu caráter evolutivo, nem sempre possa ser diretamente protegida,

aquela que tenha sido objeto de documentação através de suportes materiais

deverá ser protegida eficazmente. Para este fim deveriam os Estados membros:

a) Estabelecer arquivos nacionais, com vista à adequada conservação e

disponibilização dos suportes documentais relativos à cultura tradicional e

popular;

b) Estabelecer uma unidade arquivística central nacional para fins de

prestação de determinados serviços (indexação central, divulgação de

informação relativa aos suportes documentais materiais da cultura tradicional

e popular e às normas a ela aplicáveis, incluindo sobre a sua conservação);

c) Criar museus ou secções dedicadas à cultura tradicional e popular nos

museus existentes onde esta possa ser objeto de exposição;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

231

d) Privilegiar as formas de apresentação das culturas tradicionais e

populares que valorizem os testemunhos vivos ou passados dessa cultura

(contextos territoriais, modos de vida e as competências, técnicas e artefatos

que tenham produzido);

e) Harmonizar os métodos de recolha e arquivamento de dados; f)

Promover uma formação abrangente a coletores, arquivistas, documentalistas

e outros especialistas em conservação da cultura tradicional, da conservação

física à análise de dados;

g) Fornecer meios com vista à realização de cópias de segurança e de

trabalho dos suportes documentais da cultura tradicional e popular, bem como

a realização de cópias destinadas às instituições regionais, assim garantindo à

comunidade cultural implicada o acesso aos materiais recolhidos.

D. Preservação da cultura tradicional e popular

A preservação respeita a proteção das tradições que relevam da cultura

tradicional e popular e dos seus detentores, na consideração que cada povo

detém direitos sobre a sua própria cultura e de que sua adesão a essa cultura

pode enfraquecer-se por influência da cultura industrializada difundida

através dos meios de comunicação. De igual modo devem ser adotadas medidas

para garantir o estatuto e apoio econômico das tradições que relevam da

cultura tradicional e popular, tanto no interior como no exterior das

comunidades a que respeitam.

Para este fim, deveriam os Estados-Membros:

a) Elaborar e introduzir nos programas de estudo, quer escolar quer não

escolar, o ensino da cultura tradicional e popular de forma adequada, em

particular destacando o respeito por esta no sentido mais lato possível e tendo

em conta não apenas as culturas campesinas ou das comunidades rurais, mas

também as que, sendo criadas em meios urbanos por diversos grupos sociais,

profissionais, institucionais, etc., favorecem uma melhor compreensão da

diversidade de culturas e de visões do mundo, em particular as que não

participam da cultura dominante;

b) Garantir às diversas comunidades culturais o direito de acesso à sua

própria cultura tradicional e popular, apoiando as suas aditividades em

matéria de documentação, arquivo, investigação, etc., bem como a prática das

tradições;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

232

c) Constituir um Conselho nacional sobre a cultura tradicional e

popular, de base interdisciplinar, ou um organismo coordenador de caráter

análogo no qual se encontrem representados os diversos grupos de

interessados;

d) Apoiar moral e financeiramente os particulares e as instituições que

promovam o estudo, a divulgação e fomentem ou sejam detentores de

elementos da cultura tradicional e popular;

e) Promover a investigação científica com vista à salvaguarda da cultura

tradicional e popular.

E. Divulgação da cultura tradicional e popular

As populações deveriam ser sensibilizadas relativamente à importância

da cultura tradicional e popular enquanto elemento de identidade cultural.

Com vista a promover a tomada de consciência sobre o valor da cultura

tradicional e popular e da necessidade da sua preservação, é essencial proceder

a divulgação alargada dos elementos que constituem esse património cultural.

Contudo, por ocasião de tal divulgação, deve evitar-se qualquer deformação

com vista a salvaguardar a integridade das tradições.

Para promover uma divulgação adequada, deveriam os Estados

membros:

a) Incentivar a organização, à escala nacional, regional ou internacional,

de eventos como feiras, festivais, filmes, exposições, seminários, colóquios,

oficinas, estágios, congressos e outros, apoiando a divulgação e publicação dos

respectivos materiais, documentos e outros resultados desses eventos;

b) Incentivar uma maior divulgação da informação relativa à cultura

tradicional e popular por parte da imprensa, dos editores, da televisão, da

rádio e de outros meios de comunicação nacionais e regionais, por exemplo,

através de subvenções com vista à criação de postos de trabalho para

especialistas em cultura tradicional e popular nestas unidades, ao

arquivamento e à divulgação adequados das informações recolhidas sobre a

cultura tradicional e popular pelos meios de comunicação, e da criação de

departamentos de programas sobre a cultura tradicional e popular no âmbito

destes organismos;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

233

c) Incentivar as regiões, os municípios, as associações e outros grupos

com atuação no âmbito da cultura tradicional popular para a criação de postos

de trabalho a tempo inteiro destinados para especialistas sobre a cultura

tradicional e popular, responsáveis pela criação e coordenação de atividades

sobre esta na respectiva região;

d) Apoiar os serviços existentes de produção de materiais educativos (por

exemplo registros vídeo realizados a partir das últimas recolhas efetuadas no

terreno), bem como a criação de novos serviços, e incentivar a utilização desses

materiais em escolas, museus sobre cultura tradicional e popular, exposições e

festivais, nacionais e internacionais, sobre cultura tradicional e popular;

e) Fornecer informações adequadas sobre a cultura tradicional e popular

através de centros de documentação, bibliotecas, museus e arquivos, bem como

através de boletins e publicações periódicas especializadas sobre a cultura

tradicional e popular;

f) Promover a realização de reuniões e intercâmbios entre pessoas,

grupos e instituições com atuação no âmbito da cultura tradicional e popular,

quer a nível nacional quer internacional, tendo em conta os acordos culturais

bilaterais;

g) Incentivar a comunidade científica internacional a adotar um código

de ética adequado à aproximação e ao respeito pelas culturas tradicionais.

F. Proteção da cultura tradicional e popular

A cultura tradicional e popular, na medida em que é constitutiva de

manifestações de criatividade intelectual, individual ou coletiva, merece

proteção análoga à que se confere às produções intelectuais. Tal proteção da

cultura tradicional e popular revelasse como meio indispensável para o melhor

desenvolvimento, perpetuação e difusão deste patrimônio, quer no país como

no estrangeiro, sem prejuízo dos legítimos interesses nele implicados.

Para além dos aspectos de “propriedade intelectual” relativos à “proteção

das expressões de folclore”, existem várias categorias de direitos que

constituem já objeto de proteção e devem continuar a sê-lo futuramente nos

centros de documentação e serviços de arquivo consagrados à cultura

tradicional e popular. Para esse efeito, deveriam os Estados Membros:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

234

a) No que respeita aos aspectos de “propriedade intelectual” - apelar à

atenção das autoridades competentes sobre os importantes trabalhos

realizados pela UNESCO e pela OMPI no domínio da propriedade intelectual,

reconhecendo simultaneamente que estes trabalhos se referem exclusivamente

a um dos aspectos da proteção da cultura tradicional e popular e que se impõe

a adoção urgente de medidas específicas para a salvaguarda da cultura

tradicional e popular;

b) No que respeita aos demais direitos envolvidos:

i) Proteger o informante enquanto detentor da tradição (proteção da vida

privada e do caráter confidencial da informação);

ii) Proteger os interesses dos coletores, assegurando para que os

materiais recolhidos sejam conservados em arquivos, em bom estado e

de forma racional;

iii) Adotar as medidas necessárias com vista à proteção dos materiais

recolhidos contra o uso indevido, quer seja ou não intencional;

iv) Reconhecer aos serviços de arquivo a responsabilidade por assegurar

a utilização dos materiais recolhidos;

G. Cooperação internacional

Tendo em conta a necessidade de intensificar a cooperação e os

intercâmbios culturais, designadamente mediante a partilha de recursos

humanos e materiais, com vista à realização de programas de desenvolvimento

da cultura tradicional e popular com o fim da sua revitalização, bem como de

trabalhos de investigação realizados por especialistas de um Estado membros

noutro Estado membros, deveriam os Estados membros:

a) Cooperar com as associações, instituições e organizações

internacionais e regionais com atuação no âmbito da cultura tradicional e

popular;

b) Cooperar nos domínios do conhecimento, da divulgação e da proteção

da cultura tradicional e popular, designadamente através:

(i) Do intercâmbio de todo o gênero de informações e de publicações

científicas e técnicas,

(ii) Da formação de especialistas, da concessão de subsídios de viagem e

de envio de pessoal e de equipamento científico e técnico,

(iii) Da promoção de projetos bilaterais ou multilaterais no domínio da

documentação relativa à cultura tradicional e popular contemporânea,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

235

(iv) Da organização de encontros de especialistas, de estágios de

investigação e de grupos de trabalho sobre temas específicos, em

particular sobre a classificação e catalogação de dados e expressões da

cultura tradicional e popular, bem como sobre os atuais métodos e

técnicas de investigação;

c) Cooperar estreitamente com vista a assegurar, no plano internacional,

o gozo dos direitos pecuniários, morais conexos, decorrentes da investigação, da

criação, da composição, da interpretação, da gravação e/ou da difusão da

cultura tradicional e popular, por parte dos seus diversos titulares

(comunidades ou pessoas físicas e jurídicas);

d) Garantir o direito de cada Estado a obter cópia de todos documentos,

registros, vídeo, filmes e outros materiais produzidos por outros Estados

membros que aí tenham realizado trabalhos de investigação;

e) Se abster de todos os atos susceptíveis de degradação dos suportes

materiais da cultura tradicional e popular, de diminuição do seu valor ou de

impedir a sua divulgação e utilização, independentemente de tais suportes

materiais se encontrem no seu território de origem ou no território de outros

Estados;

f) Adotar as medidas necessárias para a salvaguarda da cultura

tradicional e popular contra todos os riscos humanos ou naturais aos quais se

encontra exposta, incluindo os decorrentes de conflitos armados, de ocupação

de territórios ou de qualquer outra perturbação da ordem pública.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE LAUSANNE

1990

Carta para a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico

ICOMOS/ICAHM

É amplamente aceito que o reconhecimento das origens e do

desenvolvimento das sociedades humanas é de fundamental importância para

a humanidade inteira, permitindo-lhe identificar suas raízes culturais e

sociais.

O patrimônio arqueológico constitui testemunho essencial sobre as

atividades humanas do passado. Sua proteção e gerenciamento são, portanto,

indispensáveis para permitir aos arqueólogos e outros cientistas estudá-lo e

interpretá-lo, em nome das gerações presentes e a vir, e para seu futuro.

A proteção desse patrimônio não pode fundar-se unicamente na

aplicação das técnicas da arqueologia. Exige um sólido embasamento de

conhecimentos científicos e competência profissional. Determinados elementos

do patrimônio arqueológico pertencem a estruturas arquitetônicas, devendo,

nesse caso, ser protegidos, respeitando os critérios relativos ao patrimônio

arquitetônico enunciados em 1956 na Carta de Veneza sobre a restauração e a

conservação dos monumentos e dos sítios; outros inserem-se nas tradições

vivas das poluições autóctones, cuja participação é essencial para sua proteção

e conservação.

Por essas razões e outras mais, a proteção do patrimônio arqueológico

deve ser fundada numa colaboração efetiva entre os especialistas de diferentes

disciplinas. Exige, ainda, a cooperação dos órgãos públicos, dos pesquisadores,

das empresas privadas e do grande público. Em consequência, esta carta

enuncia princípios aplicáveis ao inventário, prospecção, escavação,

documentação, pesquisa, preservação, conservação, reconstituição, informação,

exposição e apresentação ao público e uso do patrimônio arqueológico, tanto

quanto a definição das qualificações necessárias ao pessoal encarregado de sua

proteção.

Essa carta foi motivada pelo sucesso da Carta de Veneza enquanto

documento normativo e propõe-se a enunciar princípios fundamentais e

recomendações de alcance global, já que não pode considerar as dificuldades e

especificidades regionais e nacionais. Para responder a essas necessidades a

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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carta deveria ser completada nos planos regional e nacional com princípios e

regras suplementares.

Definição e introdução

Art. 1º O “patrimônio arqueológico” compreende a porção do patrimônio

material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos

primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e interessa todos

os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais

sejam elas; estruturas e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no

subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados.

Políticas de conservação integrada

Art. 2º O patrimônio arqueológico é um recurso cultural frágil e não

renovável. Os planos de ocupação de solo decorrentes de projetos

desenvolvimentistas devem, em consequência, ser regulamentados, a fim de

minimizar, o mais possível, a destruição desse patrimônio.

As políticas de proteção ao patrimônio arqueológico devem ser

sistematicamente integradas àquelas relacionadas ao uso e ocupação do solo,

bem como às relacionadas à cultura, ao meio ambiente e à educação. As

políticas de proteção ao patrimônio arqueológico devem ser regularmente

atualizadas. Essas políticas devem prever a criação de reservas arqueológicas.

As políticas de proteção ao patrimônio arqueológico devem ser

consideradas pelos planificadores nos níveis nacional, regional e local.

A participação do público em geral deve estar integrada às políticas de

conservação do patrimônio arqueológico, sendo imprescindível todas as vezes

em que o patrimônio de uma população autóctone estiver ameaçado. Essa

participação deve estar fundada no acesso ao conhecimento, condição

necessária e qualquer decisão. A informação do público é, portanto, um

elemento importante de “conservação integrada”.

Legislação e economia

Art. 3º A proteção ao patrimônio arqueológico constitui obrigação moral

de todo ser humano. Constitui também responsabilidade pública coletiva. Essa

responsabilidade deve traduzir-se na adoção de uma legislação adequada e na

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

238

garantia de recursos suficientes para financiar, de forma eficaz, os programas

de conservação do patrimônio arqueológico.

O patrimônio arqueológico pertence a toda a sociedade humana, sendo,

portanto, dever de todos os países assegurar que recursos financeiros

suficientes estejam disponíveis para a sua proteção.

A legislação deve garantir a conservação do patrimônio arqueológico em

função das necessidades da história e das tradições de cada país e de cada

região, garantindo amplo lugar à conservação in situ e aos imperativos de

pesquisa.

A legislação deve fundar-se no conceito de que o patrimônio arqueológico

constitui herança de toda a humanidade e de grupos humanos, e não de

indivíduos ou de nações.

A legislação deve proibir a destruição, degradação ou alteração por

modificação de qualquer monumento, sítio arqueológico ou seu entorno, sem a

anuência das instâncias competentes.

A legislação deve, por princípio, exigir uma pesquisa prévia e o

estabelecimento de documentação arqueológica completa cada vez que a

destruição do patrimônio arqueológico for autorizada.

A legislação deve exigir a conservação adequada do patrimônio

arqueológico, garantindo os recursos para tal.

A legislação deve prever sanções adequadas, proporcionais às infrações

mencionadas nos textos referentes ao patrimônio arqueológico.

Caso a legislação ampare somente o patrimônio tombado ou inscrito em

inventário oficial, dever-se-á criar dispositivos legais que garantam a proteção

temporária dos monumentos e dos sítios não protegidos ou descobertos

recentemente, até que uma avaliação arqueológica tenha sido feita.

Os projetos de desenvolvimento constituem uma das maiores ameaças

físicas ao patrimônio arqueológico. A exigência feita aos empreendedores para

que realizem estudos de impacto arqueológico antes da definição do programa

empreendimento deveria estar enunciada em uma legislação própria, prevendo

no orçamento do projeto o custo dos estudos. Esse princípio deveria também

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

239

estar estabelecido na legislação referente aos projetos de desenvolvimento, de

forma a minimizar seus impactos sobre o patrimônio arqueológico.

Inventário

Art. 4º A proteção ao patrimônio arqueológico deve fundar-se no

conhecimento, o mais completo possível, de sua existência, extensão e

natureza. Os inventários gerais de potencial arqueológico constituem, assim,

instrumentos de trabalho essenciais para elaborar estratégias de proteção ao

patrimônio arqueológico. Por conseguinte, o inventário deve ser uma obrigação

fundamental na proteção e gestão do patrimônio arqueológico.

Ao mesmo tempo, os inventários constituem fontes primárias de dados

para a pesquisa e o estudo científicos. A compilação de inventários deve ser

considerada como um processo dinâmico permanente. Resulta disso também

que os inventários devem integrar a informação em diferentes níveis de

precisão e de fiabilidade, uma vez que o conhecimento, mesmo superficial, pode

fornecer um ponto de partida de proteção.

Intervenções no sítio

Art. 5º Em arqueologia, o conhecimento é amplamente tributário da

intervenção cientificado sítio. A intervenção no sítio abarca uma série de

métodos de pesquisa, como a exploração não destrutiva até a escavação

integral, passando pelas sondagens limitadas e levantamentos por

amostragem.

A coleta de informações sobre o patrimônio arqueológico deve ter como

princípio norteador a não destruição das evidências arqueológicas, além do

necessário, para garantia da proteção ou dos objetivos da investigação

científica. Deve ser encorajada, sempre que possível, a utilização de métodos de

intervenção não destrutivos, tais como: observações aéreas, por superfície,

subaquáticas, coletas sistemáticas, levantamentos, sondagens,

preferencialmente à escavação integral.

A escavação implica sempre uma escolha de dados do que serão

registrados e conservados às custas da perda de outra informação e,

eventualmente, da destruição total do monumento ou sítio. A decisão de

escavar deve ser tomada somente após madura reflexão.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

240

As escavações devem ser executadas de preferência em sítios e

monumentos condenados à destruição, devido a projetos de desenvolvimento

que alterem a ocupação e o uso do solo, em razão de pilhagem, ou da

degradação causada por agentes naturais.

Em casos excepcionais, sítios não ameaçados poderão ser escavados, seja

em função das propriedades da pesquisa, seja visando a sua apresentação ao

público. Nesses casos, a escavação deve ser precedida por uma detalhada

avaliação científica do sítio. A escavação deve ser parcial e preservar um setor

virgem, em vista de pesquisas anteriores.

Ocorrendo escavação, um relatório respondendo a normas bem definidas

deverá ser colocada à disposição da comunidade científica e anexado ao

inventário, num prazo razoável após o término dos trabalhos.

As escavações devem ser executadas em conformidade com as

recomendações da UNESCO (Recomendações definindo os princípios a serem

aplicados em matéria de pesquisas arqueológicas, 1956), de acordo com as

normas profissionais, internacionais e nacionais.

Preservação e conservação

Art. 6º Conservar in situ monumentos e sítios deveria ser o objetivo

fundamental da conservação do patrimônio arqueológico, incluindo também

sua conservação a longo prazo, além dos cuidados dedicados à documentação e

às coleções etc., a ele relacionados.

Qualquer translação viola o princípio segundo o qual o patrimônio deve

ser conservado no seu contexto original. Esse princípio enfatiza a necessidade

da manutenção, conservação e gestão apropriadas. Decorre disso que o

patrimônio arqueológico não deve ser exposto aos riscos e às consequências da

escavação ou abandonado após a escavação, caso não tenham sido previstos os

recursos necessários a sua manutenção e conservação.

O engajamento e a participação da população local devem ser

estimulados como meio de ação para a prevenção do patrimônio arqueológico.

Em certos casos, pode ser aconselhável confiar à responsabilidade da proteção

e da gestão dos monumentos e dos sítios às populações autóctones.

A preservação de sítios e monumentos se dará necessariamente de forma

seletiva, uma vez que os recursos financeiros são inevitavelmente limitados. A

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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seleção de sítios e monumentos deverá fundamentar-se em critérios científicos

de significância e representatividade, e não limitar-se apenas ao monumentos

de maior préstimo ou visualmente sedutores.

A recomendação da UNESCO de 1956 deve aplicar-se igualmente à

preservação e à conservação do patrimônio arqueológico.

Apresentação, informação, reconstituição

Art. 7º A apresentação do patrimônio arqueológico ao grande público é

um meio de fazê-lo ascender ao conhecimento das origens e do desenvolvimento

das sociedades modernas. Ao mesmo tempo, constitui o meio mais importante

para fazê-lo compreender a necessidade de proteger esse patrimônio.

A apresentação ao grande público deve consistir na popularização do

estado corrente do conhecimento científico, devendo ser atualizada

frequentemente. Para permitir o entendimento do passado, deve considerar

múltiplas abordagens.

As reconstituições respondem a duas funções importantes, tendo sido

concebidas para fins de pesquisa experimental e pedagógica. Devem,

entretanto, cercar-se de cuidados, de forma a não perturbar nenhum dos

vestígios arqueológicos remanescentes; devem também levar em conta

testemunhos de toda espécie, buscando a autenticidade. As reconstituições não

devem ser feitas sobre os vestígios arqueológicos originais, devendo ser

identificáveis como tais.

Qualificações profissionais

Art. 8º A gestão do patrimônio arqueológico exige o domínio de

numerosas disciplinas em elevado nível científico. A formação de um número

suficiente de profissionais nos setores de competência interessados deve, por

conseguinte, ser um objetivo importante da política educacional de cada país. A

necessidade de se formar peritos em setores altamente especializados exige

cooperação internacional.

A formação universitária em arqueologia deve prever em seus

programas as mudanças ocorridas nas políticas de conservação, menos

preocupadas com escavações do que com a conservação in situ. Deveria

igualmente considerar o fato de que o estudo da história das populações

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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indígenas é tão importante quanto o dos monumentos e sítios prestigiosos,

para conservar e compreender o patrimônio arqueológico.

A proteção do patrimônio arqueológico constitui processo dinâmico

permanente. Por conseguinte, todas as facilidades devem ser concedidas aos

profissionais trabalhando nessa área, a fim de permitir sua permanente

reciclagem. Programas especializados de formação de alto nível,

proporcionando amplo lugar à proteção e à gestão do patrimônio arqueológico

deveriam ser implantadas.

Cooperação internacional

Art. 9º Por ser o patrimônio arqueológico uma herança comum de toda a

humanidade, a cooperação internacional é essencial para enunciar e fazer

respeitar os critérios de gestão desse patrimônio.

Existe uma necessidade premente de serem estabelecidos circuitos

internacionais que permitam a troca de informações e a partilha de

experiências entre os profissionais encarregados da gestão do patrimônio

arqueológico, o que implica organização de conferências, seminários,

workshops em escala mundial e regional, assim como a criação de centros

regionais de formação de alto nível. O ICOMOS deveria, por intermédio de

seus grupos especializados, levar em conta essa situação em seus projetos, a

longo e médio prazo.

Programas internacionais de intercâmbio de profissionais deveriam ser

implantados, como forma de elevar o nível de competência no gerenciamento

do patrimônio arqueológico.

Programas de assistência técnica deveriam ser desenvolvidos sob os

auspícios do ICOMOS.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

243

DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de

1992,

Reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e

buscando avançar a partir dela,

Com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante

a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da

sociedade e os indivíduos,

Trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que

respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de

meio ambiente e desenvolvimento,

Reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar,

Proclama que:

Princípio 1

Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas

com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e

produtiva, em harmonia com a natureza.

Princípio 2

De acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito

internacional, os Estados têm o direito soberano de aproveitar seus próprios

recursos segundo suas peculiaridades políticas, ambientais e de

desenvolvimento, e a responsabilidade de zelar por que as atividades

realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não causem danos ao

meio ambiente de outros Estados ou de zonas que estejam fora dos limites da

jurisdição nacional.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 3

O direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda

equitativamente às necessidades de desenvolvimento e de proteção à

integridade do sistema ambiental das gerações presentes e futuras.

Princípio 4

Com o objetivo de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do

meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de

desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente.

Princípio 5

Todos os Estados e todas as pessoas deverão cooperar na tarefa essencial

de erradicar a pobreza como requisito indispensável do desenvolvimento

sustentável, a fim de reduzir as disparidades nos níveis de vida e responder

melhor às necessidades dos povos do mundo.

Princípio 6

Dever-se-á atribuir especial prioridade à situação e às necessidades

específicas dos países em desenvolvimento, em particular dos países menos

adiantados, e dos mais vulneráveis do ponto de vista ambiental. Nas medidas

internacionais a serem adotadas com relação ao meio ambiente e ao

desenvolvimento dever-se-iam também levar em consideração os interesses e

as necessidades de todos os países.

Princípio 7

Os Estados deverão cooperar, em espírito de solidariedade mundial,

para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema

da Terra. Na medida em que tenham contribuído em graus variados para a

degradação do meio ambiente cultural, os Estados têm responsabilidades

comuns, mas diferenciadas.

Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na

busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões que

suas sociedades exercem no meio ambiente mundial, das tecnologias e dos

recursos financeiros de que dispõem.

Princípio 8

Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma melhor qualidade

de vida para todas as pessoas, os Estados deveriam reduzir e eliminar as

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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modalidades de produção e consumo insustentável e fomentar apropriadas

políticas demográficas.

Princípio 9

Os Estados deveriam cooperar para o fortalecimento de sua própria

capacidade de chegar ao desenvolvimento sustentável, aumentando o saber

científico mediante o intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e

intensificando o desenvolvimento, a adaptação, a difusão e a transferência de

tecnologias, entre as quais tecnologias novas e inovadoras.

Princípio 10

O melhor modo de tratar as questões ambientais da participação de

todos os cidadãos interessados no nível correspondente. No plano nacional,

qualquer pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o meio

ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive a informação

sobre os materiais e as atividades que ocasionem perigo a suas comunidades,

assim como a oportunidade de participar nos processos de adoção de decisões.

Os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e a participação da

população, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser

proporcionado acesso efetivo a procedimentos judiciais e administrativos, entre

os quais o ressarcimento de danos e os recursos pertinentes.

Princípio 11

Os Estados deverão promulgar leis eficazes sobre o meio ambiente. As

normas ambientais, os objetivos de planejamento e as prioridades ambientais

deveriam refletir o contexto ambiental e de desenvolvimento a que se aplicam.

As normas utilizadas por alguns países podem resultar inadequadas e

representar um custo social e econômico injustificado para outros,

particularmente para os países em desenvolvimento.

Princípio 12

Os Estados deveriam cooperar na promoção de um sistema econômico

internacional favorável e aberto que conduzisse ao crescimento econômico e ao

desenvolvimento sustentável de todos os países, a fim de abordar da melhor

forma os problemas da degradação ambiental. As medidas de política comercial

com fins ambientais não deveriam constituir um meio de discriminação

arbitrária ou injustificável, nem uma restrição velada ao comércio

internacional. Dever-se-ia evitar adoção de medidas unilaterais para

solucionar os problemas ambientais que se produzem fora da jurisdição do país

importador. As medidas destinadas a tratar os problemas ambientais

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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transfronteiriços ou mundiais deveriam, na medida do possível, basear-se em

um consenso internacional.

Princípio 13

Os Estados deverão desenvolver a legislação nacional relativa à

responsabilidade e à respectiva indenização das vítimas da contaminação e de

outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, além disso, de maneira

pronta e mais decidida na elaboração de novas leis internacionais sobre a

responsabilidade e a indenização por efeitos adversos dos danos ambientais

causados pelas atividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu

controle, ou em zonas situadas fora de sua jurisdição.

Princípio 14

Os Estados devem cooperar de forma efetiva para desestimular ou

prevenir a realocação e transferência, para outros Estados, de atividades e

substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais

à saúde humana.

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá

ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.

Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza

científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Princípio 16

As autoridades nacionais devem procurar promover a

internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos,

tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio,

arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem

provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

Princípio 17

A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será

efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto

adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de

uma autoridade nacional competente.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 18

Os Estados notificarão imediatamente outros Estados acerca de

desastres naturais ou outras situações de emergência que possam vir a

provocar súbitos efeitos prejudiciais sobre o meio ambiente destes últimos.

Todos os esforços serão envidados pela comunidade internacional para ajudar

os Estados afetados.

Princípio 19

Os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente

afetados, notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades que

possam vir a ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio

ambiente, e se consultarão com estes tão logo seja possível e de boa fé.

Princípio 20

As mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e

no desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial para se

alcançar o desenvolvimento sustentável.

Princípio 21

A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser

mobilizados para criar uma parceria global com vistas a alcançar o

desenvolvimento sustentável e assegurar um futuro melhor para todos.

Princípio 22

Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades

locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento,

em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados

devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e

interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no atingimento do

desenvolvimento sustentável.

Princípio 23

O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a

opressão, dominação e ocupação serão protegidos.

Princípio 24

A guerra é, por definição, prejudicial ao desenvolvimento sustentável. Os

Estados irão, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à

proteção do meio ambiente em tempos de conflitos armados e irão cooperar

para seu desenvolvimento progressivo, quando necessário.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Princípio 25

A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e

indivisíveis.

Princípio 26

Os Estados solucionarão todas as suas controvérsias ambientais de

forma pacífica, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a

Carta das Nações Unidas.

Princípio 27

Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito

de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta

Declaração, e para o desenvolvimento progressivo do direito internacional no

campo do desenvolvimento sustentável.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CONFERÊNCIA DE NARA

De 6 de Novembro de 1994

Conferência sobre autenticidade em relação à Convenção do Patrimônio

Mundial

UNESCO, ICCROM e ICOMOS

Preâmbulo

1. Nós, especialistas reunidos em Nara (Japão), desejamos reconhecer o

espírito generoso e a coragem intelectual das autoridades japonesas em

promover oportunamente este fórum no qual podemos desafiar o pensamento

tradicional a respeito da conservação, bem como debater caminhos e meio para

ampliarmos nossos horizontes, no sentido de promover um maior respeito a

diversidades do patrimônio cultural na prática da conservação.

2. Queremos também reconhecer o valor da estratégia de organizar

discussões, promovidas pelos Comitês do Patrimônio Mundial, no sentido de

colocar em prática o teste de autenticidade, através de caminhos que

demonstrem a concordância com o pleno respeito aos valores sociais e culturais

de todas as sociedades, examinando o valor extrínseco universal atribuído aos

bens culturais listados pelo Patrimônio Mundial.

3. O documento de Nara sobre autenticidade foi concebido no espírito as

Carta de Veneza 1964, desenvolvendo e ampliando esse documento em

resposta ao alargamento dos conceitos referentes ao escopo de que é

patrimônio cultural e seus interesses em nosso mundo contemporâneo.

4. Num mundo que se encontra cada dia mais submetido às forças da

globalização e da homogeneização, e onda a busca de uma identidade cultural

é, algumas vezes, perseguida através da afirmação de um nacionalismo

agressivo e da supressão da cultura das minorias, a principal contribuição

fornecida pela consideração do valor de autenticidade na prática da

conservação é clarificar e iluminar a memória coletiva da humanidade.

5. Diversidade cultural e de patrimônios.

6. A diversidade de culturas e patrimônios no nosso mundo é uma

insubstituível fonte de informações a respeito da riqueza espiritual e

intelectual da humanidade. A proteção e valorização da diversidade cultural e

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Cartas Patrimoniais:

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patrimonial no nosso mundo deveria ser ativamente promovida como um

aspecto essencial do desenvolvimento humano.

7. A diversidade das tradições culturais é uma realidade no tempo e no

espaço, e exige o respeito, por parte de outras culturas e de todos os aspectos

inerentes a seus sistemas de pensamento. Nos casos em que os valores

culturais pareçam estar em conflito, o respeito à diversidade cultural impõem o

reconhecimento de legitimidade dos valores culturais de cada uma das partes.

8. Todas as culturas e sociedades estão arraigadas em formas e

significados particulares de expressões tangíveis e intangíveis, as quais

constituem seu patrimônio e que devem ser respeitadas.

9. É importante sublinhar um princípio fundamental da UNESCO, que

considera que o patrimônio cultural de cada um é o patrimônio cultural de

todos. A responsabilidade por este patrimônio e seu gerenciamento pertence,

em primeiro lugar, à comunidade cultural que o gerou, e secundariamente

àquela que cuida dele. Entretanto, além destas responsabilidades, a adesão às

cartas internacionais e convenções desenvolvidas para a conservação do

patrimônio cultural, obriga a considerar os princípios e responsabilidades por

estes preconizados. Equilibrar suas próprias necessidades com aquelas de

outras culturas é, para cada sociedade, algo extremamente desejável, desde

que, ao alcançar este equilíbrio, não abra mão de seus próprios valores

culturais.

10. Valores e autenticidade.

11. A conservação do patrimônio mundial em suas diversas formas e

períodos históricos é fundamentada nos valores atribuídos a esse patrimônio.

Nossa capacidade de aceitar estes valores depende, em parte, do grau de

confiabilidade conferido ao trabalho de levantamento de fontes e informações a

respeito destes bens. O conhecimento e a compreensão dos levantamentos de

dados a respeito da originalidade dos bens, assim como de suas transformações

ao longo do tempo, tanto em termos de patrimônio cultural quanto de seu

significado, constituem requisitos básicos para que se tenha acesso a todos os

aspectos de autenticidade.

12. Autenticidade, considerada desta forma e afirmada na Carta de

Veneza, aparece como principal fator de atribuição de valores. O entendimento

da autenticidade é papel fundamental dos estudos científicos do patrimônio

cultural, nos planos de conservação e restauração, tanto quanto nos

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Cartas Patrimoniais:

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procedimentos de inscrição utilizados pela Convenção do Patrimônio Mundial e

outros inventários de patrimônio cultural.

13. Todos os julgamentos sobre a atribuição de valores conferidos às

características culturais de um bem, assim como a credibilidade das pesquisas

realizadas, podem diferir de cultura para a cultura, e mesmo dentro de uma

mesma cultura, não sendo, portanto, possível basear os julgamentos de valor e

autenticidade em critérios fixos. Ao contrário, o respeito devido a todas as

culturas exige que as características de um determinado patrimônio sejam

consideradas e julgadas nos contextos culturais aos quais pertençam.

14. É da mais alta importância e urgência, portanto, que no interior de

cada cultura, o reconhecimento esteja em acordo com a natureza específica de

seus valores patrimoniais e a credibilidade e veracidade das pesquisas

relacionadas.

15. Dependendo da natureza do patrimônio cultural, seu contexto

cultural e sua evolução através do tempo, os julgamentos quanto à

autenticidade devem estar relacionados à valorização de uma grande

variedade de pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas e

levantamentos devem estar relacionados à valorização de uma grande

variedade de pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas e

levantamentos devem incluir aspectos de forma e desenho, espírito e

sentimento, e outros fatores internos e externos. O emprego destas fontes de

pesquisa permite delinear as dimensões específicas do bem cultural que está

sendo examinado, como as artísticas, históricas, sociais e científicas.

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Cartas Patrimoniais:

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CARTA DE BRASÍLIA

De 1995

Carta de Brasília

Documento regional do Cone Sul sobre autenticidade

Nós, representantes dos países do Cone Sul, sentimos a necessidade de

colocar a questão da autenticidade a partir da nossa peculiar realidade

regional, que difere daquela dos países europeus ou asiáticos, de longa tradição

como nações, pois nossa identidade foi submetida a mudanças, imposições,

transformações que geram dois processos complementares: a configuração de

uma cultura sincretista e a de uma cultura de resistência.

Se partirmos da premissa de que a atividade do homem se configurar o

meio ambiente que nos rodeia tem sido algumas vezes caracterizada como a

imagem da realidade de uma sociedade, expressa através de bens tangíveis e

intangíveis, deveríamos começar por analisar nossas formas de organizar essas

imagens.

Percebemos de imediato que neste processo sempre funcionamos em

duas dimensões básicas: a identidade e a diferença.

Assim, ordenamos e interpretamos nossas intervenções sobre a natureza

e a sociedade. Semeamos nossas colheitas, construímos nossas casas, nossas

cidades, nossas paisagens, escrevemos nossos livros, pintamos nossos quadros.

Atribuímos um significado e um valor a cada uma delas e assim vamos

moldando nossa cultura, compreendida como o conjunto das ações criativas de

uma sociedade. Dessa forma, vamos guardando nosso patrimônio cultural.

1. Autenticidade e identidade

Em meados do século passado, Juan Bautista Alberdi dizia: “Prosseguir

no desenvolvimento significa adquirir uma civilização própria, mesmo que seja

imperfeita, e não copiar as civilizações estrangeiras, mesmo que sejam

avançadas. Cada povo deve ter sua idade e seu solo, cada povo deve ser ele

mesmo...”.

No caso de nossos povos latino-americanos e mais especificamente

daqueles que formam o Cone Sul, é possível diferenciar várias heranças. A

primeira é o resultado das culturas pré-colombianas, a contribuição indígena; a

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Cartas Patrimoniais:

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segunda é o legado europeu inicial; a terceira herança foi a crioula e a mestiça,

a qual se soma a contribuição africana; e finalmente, o legado das diferentes

imigrações a partir do fim do século passado.

Ditas heranças assim como nossos genes, estão sempre presentes em

forma de visões mais gerais ou de valores, apesar de que tendemos a enaltecer

uma ou algumas delas em detrimento das demais. Devemos nos conscientizar

de todas elas, conquistá-las e de aceitá-las.

A autenticidade desses valores se manifesta, se alicerça e se mantém na

veracidade dos patrimônios que recebemos e que transmitimos à posteridade.

Com isso, estamos afirmando que este grau de autenticidade, implícito em

cada legado, deve ser dimensionado em função de ditas heranças.

Portanto, nenhuma delas terá o direito de considerar-se única e

legítima. Nenhum terá o direito de excluir as outras. Todos, em conjunto, farão

com que sejamos o que devemos ser. Enriquecerão nossa gama de valores,

enquanto nos servirão como exemplo de respeito pela diversidade cultural.

Compreendemos a identidade como uma forma de pertencer e participar.

É por isso que somos capazes de encontrar nosso lugar, nosso nome ou nossa

personalidade, não por oposição, mas porque descobrimos vínculos verdadeiros

que nos ligam ao destino das pessoas com as quais compartilhamos da mesma

cultura.

O que ficou dito nos leva a formular algumas perguntas a que é preciso

responder: A que lugar pertencemos e do que participamos? Isto posto, a

pergunta sobre a que lugar pertencemos nos leva à busca da identidade

histórica, à valorização da tradição cultural de nossos povos, que enfrentam, de

modo indissolúvel, um duplo domínio que sem dúvida torna ainda mais

complexa a busca da própria identidade.

O tema da autenticidade passa então pelo da identidade, que é mutável

e dinâmica e que pode adaptar, valorizar, desvalorizar e revalorizar os

aspectos formais e os conteúdos simbólicos de nossos patrimônios.

Em um mesmo país não há uma única identidade e podem existir

identidades conflitantes. As identidades nacionais continuam em processo de

formação, o que dificulta ainda mais o estabelecimento de critérios únicos e

invariáveis para o “autêntico”.

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Cartas Patrimoniais:

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Há de caracterizar a composição diversificada da identidade de nossos

países, que não é hierarquicamente inferior à homogeneidade de outras

culturas e, portanto, devemos reconhecer os valores das maiorias e das

minorias, não apenas das culturas dominantes, como também das formas de

resistir a estas forças. As diferentes vertentes que integram uma sociedade

apresentam leituras de tempo e espaço diferentes, mas igualmente válidas,

que devem ser levadas em conta no momento em que se fizer a avaliação da

autenticidade.

2. Autenticidade e mensagem

O significado da palavra autenticidade está intimamente ligado à ideia

de verdade: autêntico é o que é verdadeiro, o que é dado com certo, sobre o qual

não há dúvidas. Os edifícios e lugares são objetos materiais, portadores de uma

mensagem ou de um argumento cuja validade, no quadro de um contexto social

e cultural determinado, e de sua compreensão e aceitação pela comunidade

convertem-os em um patrimônio. Poderíamos dizer, com base neste princípio,

que nos encontramos diante de um bem autentico quando há correspondência

entre o objeto material e seu significado.

É interessante insistir no tema do significado e da mensagem cultural

desse bem. O objetivo para a preservação da memória e de suas referências

culturais deve ser estabelecido a partir da função de ele se prestar ao

enriquecimento do homem, muito além daquele material. O suporte tangível

não deve ser o único objeto da conservação.

A mensagem original do bem deve ser conservada – quando não foi

transformado e, portanto, permaneceu no tempo -, assim como a interação

entre o bem e suas novas diferentes circunstâncias culturais que deram lugar a

outras mensagens diferentes, porém tão ricas como a primeira. Isso significa

assumir um processo dinâmico e coletivo. Assim é que a autenticidade também

faz alusão a todas as vicissitudes às quais o bem foi sujeito ao longo de sua

história e que, contudo, não alteraram seu caráter.

É preciso sensibilizar as comunidades para o tema da autenticidade do

patrimônio cultural, fornecendo modelos para seu conhecimento adequado e

sua valorização, para sua conservação e proteção, fomentando seu desfrute

artístico, espiritual e seu uso educacional, cuja raiz comum seja a memória

histórica, os testemunhos e a continuidade cultural.

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Cartas Patrimoniais:

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3. Autenticidade e contexto

Conservação da autenticidade dos conjuntos urbanos com um valor

patrimonial pressupõe a manutenção de seu conteúdo sociocultural,

melhorando a qualidade de vida de seus habitantes, é imprescindível o

equilíbrio entre o edifício e seu entorno, tanto na paisagem urbana quanto na

rural. Sua ruptura seria um atentado contra a autenticidade. Para isso, é

necessário criar normas especiais que assegurem a manutenção do entorno

primitivo, quando for possível ou que gerem relações harmônicas de massa,

textura e cor.

4. Autenticidade e materialidade

Uma parte importante de nosso patrimônio, especialmente a que diz

respeito à arquitetura vernácula e tradicional, é constituída por materiais

efêmeros por natureza, como a terra, os elementos vegetais, a madeira etc.,

nestes casos, a renovação de práticas evolutivas, em continuidade cultural

como a substituição de alguns dos elementos através de técnicas tradicionais,

resulta em uma resposta autêntica. Também consideramos válida esta ação

para aquelas zonas e áreas de risco climático e telúrgico.

5. Graduação da autenticidade

Outro aspecto que deve ser levado em conta é a graduação da

autenticidade de um bem e a qualificação da autenticidade no aspecto espacial,

edílico, funcional, decorativo etc., em função das ideias que deram origem ao

bem. Ela será diferente para a arquitetura colonial, para a industrial, para a

acadêmica, para a eclética, para a moderna e assim por diante, tudo isto

retroalimentos por meio de uma interpretação correta ao bem, alicerçado na

investigação, na consulta e na discussão.

6. Conservação da autenticidade

Como modelos para uma estratégia da conservação da autenticidade,

devemos levar em conta a identificação das tradições culturais locais: o

reconhecimento e valorização – tanto geral quanto pormenorizada de seus

componentes – e o estudo das técnicas mais apropriadas para a preservação

desta ou destas autenticidades.

A intervenção contemporânea deve resgatar o caráter do edifício ou do

conjunto – destarte rubricando sua autenticidade – sem transformar sua

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Cartas Patrimoniais:

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essência e equilíbrio, sem se deixar envolver em arbitrariedades, mas

enaltecendo seus valores.

A adoção de novos usos para aqueles edifícios de valor cultural é factível

sempre que exista reconhecimento apriorístico do edifício e diagnostico preciso

de quais as intervenções que ele aceita e suporta. Em todos os casos, é

fundamental a qualidade da intervenção e que os novos elementos a serem

introduzidos sejam de caráter reversível e se harmonizem com o conjunto.

Em edifícios e conjuntos de valor cultural, as fachadas, a mera

cenografia, os fragmentos, as colagens, as moldagens são desaconselhados

porque levam à perda da autenticidade intrínseca do bem.

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RECOMENDAÇÃO DA EUROPA

De 11 de Setembro de 1995

Sobre a conservação integrada das áreas de paisagens culturais como

integrantes das políticas paisagísticas, adotada pelo Comitê de Ministros em

11 de setembro de 1995, por ocasião do 543º encontro de vice-ministros.

Conselho da Europa – Comitê de Ministros

O comitê de Ministros, nos termos do artigo 15b do Estatuto do Conselho

da Europa

Considerando que o objetivo da organização é estreitar a unidade entre

seus membros para facilitar especialmente seu progresso econômico e social;

Tendo em vista a Convenção referente à Proteção da Herança Cultural e

Natural Mundial, adotada em Paris, em 16 de novembro de 1972;

Tendo em vista o sumário da Convenção Europeia sobre Cooperação

além-fronteiras entre Comunidades ou Autoridades Territoriais, aberto a

assinaturas em Madri, em 21 de maio de 1980;

Tendo em vista a Recomendação nº R (80) 16 sobre o treinamento

especializado de arquitetos, urbanistas, engenheiros civis e paisagistas;

Tendo em vista a Carta Regional Europeia sobre Planejamento Espacial,

adotada em Torrimolinos, em 20 de maio de 1983, pela Conferência Europeia

de Ministros Responsáveis pelo Planejamento Regional;

Tendo em vista a Convenção para a Proteção Arquitetural na Europa,

aberta a assinaturas em Granada, a 3 de outubro de 1985;

Evocando a campanha pelas zonas rurais empreendidas pelo Conselho

da Europa, em 1987 e 1988;

Tendo em mente a Diretiva nº 337 das Comunidades Europeias a

respeito da avaliação dos efeitos de alguns projetos públicos e privados sobre o

meio ambiente, adotada em 27 de junho de 1985;

Tendo em vista Convenção Europeia para a Proteção de Herança

Arqueológica, aberta a assinaturas em Malta, em 16 de janeiro de 1992;

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Tendo em mente a Diretiva nº 43 das Comunidades Europeias sobre a

conservação de habitats naturais e seminaturais, adotada em 21 de maio de

1992;

Tendo em vista as conclusões da Conferência para as Nações Unidas

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a

14 de junho de 1992;

Tendo em mente a Regulamentação nº 2.078 das Comunidades

Europeias, que trata de métodos de produção agrícola compatíveis com as

exigências de proteção do meio ambiente e de manutenção das zonas rurais,

adotada em 30 de junho de 1992;

Evocando a necessidade de se atingir um equilíbrio harmonioso de

relações entre a sociedade e seu meio ambiente, com vistas à proteção do

desenvolvimento econômico sustentável;

Constatando que técnicas e práticas de produção agrícola, silvícola e

industrial referentes à construção de moradias, revalorização, turismo e lazer,

assim como mudanças socioeconômicas têm o efeito de modificar a paisagem e

ameaçam a existência de áreas da paisagem cultural europeia;

Observando que a proteção e o realce das áreas de paisagem cultural e a

assistência às paisagens para preservar a memória do povo e a identidade

cultural das comunidades humanas são fatores de aperfeiçoamento de seu

meio ambiente;

Reconhecendo que o meio ambiente é um sistema dinâmico que engloba

elementos naturais e culturais interagindo num determinado tempo e espaço e

passível de ter efeitos diretos ou indiretos, imediatos ou a longo prazo, sobre os

seres vivos, as comunidades humanas e sua descendência, em geral;

Considerando a necessidade de serem desenvolvidas estratégias para

integrar a evolução orientada da paisagem e a preservação das áreas de

paisagem cultural como parte de uma política que abranja a totalidade da

paisagem e que estabeleça a proteção unificada dos interesses culturais,

estéticos, ecológicos e sociais do respectivo território;

Considerando a necessidade de se aproximar pesquisa e cooperação

entre as diversas instituições europeias atinentes a de coordenar a política

local, nacional e interfronteiriça sobre paisagens de maneira mais ligada ao

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planejamento regional, à política agrícola e silvícola e à conservação da

herança cultural e natural no contexto mais amplo de uma política de meio

ambiente;

Recomenda que os governos dos Estados-membros adaptem suas

políticas para conservação e evolução orientada de áreas de paisagem cultural

ao contexto de uma política geral relativa a paisagens, de acordo com os

princípios expostos no anexo a esta recomendação.

Anexo à Recomendação nº R (95) 9

Definições

Artigo 1º

Para os fins desta recomendação, os termos abaixo são empregados nas

seguintes acepções:

Paisagem – expressão formal dos numerosos relacionados existentes em

determinado período entre o indivíduo ou uma sociedade e um território

topograficamente definido, cuja aparência é resultado de ação ou cuidados

especiais, de fatores naturais e humanos e de uma combinação de ambos.

Paisagem é considerada em um triplo significado cultural, porquanto, é

definida e caracterizada da maneira pela qual determinado território é

percebido por um indivíduo ou por uma comunidade; dá testemunho ao

passado e ao presente do relacionamento existente entre os indivíduos e seu

meio ambiente; ajuda a especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas,

crenças e tradições.

Áreas de paisagem cultural – partes específicas, topograficamente

delimitadas da paisagem, formadas por várias combinações de agenciamentos

naturais e humanos, que ilustram a evolução da sociedade humana, seu

estabelecimento e seu caráter através do tempo e do espaço e quanto de valores

reconhecidos têm adquirido social e culturalmente em diferentes níveis

territoriais, graças à presença de remanescentes físicos que refletem o uso e as

atividades desenvolvidas na terra do passado, experiências ou tradições

particulares, ou representação em obras literárias ou artísticas, ou pelo fato de

ali haverem ocorrido fatos históricos.

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Conservação – a aplicação dinâmica das medidas apropriadas, dos

pontos de vista legal, econômico e operacional, para preservar determinados

espólios ou deterioração e salvaguardar seu futuro.

Política paisagística – todas as estruturas concorrentes definidas pelas

autoridades competentes e relativas a diferentes atividades do poder público,

de proprietários de terras e de outros interessados na evolução orientada de

uma paisagem e em sua valorização, de acordo com os desejos da sociedade

como um todo.

Poluição visual – degradação ofensiva à visualidade resultante de

acúmulo de instalações ou equipamento técnico (torres, cartazes de

propaganda, anuncia ou qualquer outro material publicitário) ou de presença

de plantação de árvores, zona florestas ou projetos construtivos inadequados

ou mal localizados.

Campo de aplicação da Recomendação

Artigo 2º

Os princípios expostos nesta recomendação referem-se particularmente

a áreas de avaria, destruição e transformação prejudiciais ao equilíbrio do meio

ambiente, e dizem respeito especialmente à conservação das áreas de paisagem

cultural.

Muitos fenômenos, que têm um impacto nos complexos vínculos

existentes entre os indivíduos e seu meio ambiente, promovem degradação

física e poluição visual, muitas vezes irreversíveis. As causas podem estar em:

- uso insustentável de recursos naturais do solo, subsolo, água e

atmosfera;

- desenvolvimento descontrolado dos setores da indústria, energia,

turismo e lazer;

- intensificação exagerada e altamente especializada da agricultura e as

silviculturas, acompanhada de objetivos que não levam em conta a terra

e o despovoamento rural;

- desenvolvimento urbano insuficientemente planejado e executado,

sobretudo nas zonas suburbanas;

- instalação de grandes construções ou de infraestrutura de transportes

sem a necessária avaliação a respeito do caráter e da qualidade das

áreas em que estão situadas;

- negligencia ou inadvertência sobre o valor das paisagens culturais,

devidas à falta de informação e educação;

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Graças à natureza multidisciplinar dos pontos em comum ao estudo de

paisagens, a aplicação de medidas para a conservação e evolução controlada de

paisagem cultural sugeridas nesta recomendação deveria ser planejada em

conexão com políticas mais abrangentes para as áreas de paisagem,

contemplando todos os interesses do respectivo território: culturais, históricos,

arqueológicos, etnológicos, ecológicos, estéticos, econômicos e sociais.

Medidas para reparar danos cometidos contra paisagens revelam-se

frequentemente como inadequada por causa da gravidade dos efeitos

prejudiciais e da impropriedade do diagnóstico, da informação, do treinamento

e das estratégias de intervenção. Por isso, os procedimentos relativos à

identificação e à avaliação, e os meios de intervenção devem permitir uma ação

flexível e de larga extensão.

Tendo isso em mente, dada a inseparável natureza dos componentes

cultural e natural da paisagem europeia, é necessário providenciar meios de

identificação, avaliação e intervenção capazes de abarcar todos os aspectos das

áreas de paisagem cultural e da paisagem como um todo.

Objetivos da Recomendação

Artigo 3º

1. Esta recomendação propõe meios teóricos e operacionais para a

conservação e evolução controladas das áreas de paisagem cultural em cuja

estrutura se incluam as políticas de uso da terra e da paisagem como um todo.

Essas políticas expressam determinado número de princípios derivados

da tradição dos Estados-membros do conselho da Europa na esfera da proteção

ambiental.

- a finalidade do desenvolvimento econômico sustentável implicando

uma relação harmoniosa entre as necessidades da população, o uso dos

recursos naturais e a organização das atividades humanas em

determinada área;

- a busca de um meio ambiente que contemple tanto a herança cultural

quanto a natural e que leve a natureza evolucionária da paisagem como

um todo;

- a necessária adaptação do desenvolvimento econômico às necessidades

de uma sociedade que dê a devida consideração à qualidade das relações

humanas e à solidariedade entre os setores da população.

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2. A política de paisagens considera e harmoniza os interesses culturais,

estéticos, ecológicos, econômicos e sociais. Uma nação concertada das partes

envolvidas deveria ser garantida no estágio de identificação do legado

transmitido pela paisagem e no planejamento e implementação de políticas de

paisagem. Em virtude da natureza multidisciplinar das políticas de paisagem,

a responsabilidade por elas não pode ser imputada apenas aos funcionários

encarregados do planejamento urbano ou regional e da política de silvicultura,

que são responsáveis pelo controle do território em muitos países. Outros

interesses devem também ser incluídos.

3. Esta Recomendação tem dois objetivos:

- estabelecer as linhas de orientação das políticas de paisagem,

respeitando e valorizando as identidades europeias;

- propor medidas para a conservação e a evolução controlada das áreas

de paisagem cultural.

As políticas de sua conservação e valorização devem ser partes

integrantes do planejamento regional e espacial e das políticas de agricultura e

silvicultura e adaptar-se à política geral de paisagens em um sentido geral, das

quais é aspecto determinado.

4. As áreas de paisagem cultural nem sempre se constituem apenas de

bens culturais, mas de valores paisagísticos que podem necessitar de uma

particular proteção legal. Outras categorias de bens paisagísticos merecem

proteção específica devido a seu excepcional valor ecológico ou natural.

O Processo de Identificação e a Avaliação das Áreas de

Paisagem Natural

Artigo 4º

1. Uma abordagem multidisciplinar deveria ser adotada, tanto no

estágio de identificação das paisagens e de seus componentes quanto no da sua

avaliação, o que requer a montagem de documentação capaz de objetivar as

medidas a serem tomadas.

Com relação aos procedimentos de identificação de uma paisagem:

- cabe a cada Estado determinar o nível (local, regional, nacional ou

transnacional) em que o processo de identificação deve ser executado;

- as operações deveriam ser conduzidas por autoridades competentes e

designadas com a assistência de adequados especialistas em diferentes

matérias, de acordo com os programas de ação de cada país.

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Cartas Patrimoniais:

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Esses procedimentos de identificação deveriam ser conduzidos:

- sob a responsabilidade das autoridades competentes, no nível

territorial apropriado;

- por especialistas independentes designados em vista dos aspectos de

que se vai tratar (nos setores de arquitetura, paisagismo, arqueologia,

geografia, planejamento urbano, história, etnologia, antropologia,

geologia, agronomia, economia, sociologia, ecologia, ciências naturais e

direito, por exemplo);

- com a participação da comunidade local;

- membros eleitos e representantes das autoridades envolvidas;

- representantes das principais categoriais profissionais ligadas às

atividades socioeconômicas na área pertinente: fazendeiros, guardas

florestais, artífices, industriais e agentes de turismo;

- representantes dos moradores, de associações capacitadas à proteção

da herança cultural e natural e outras associações.

2. O emprego de métodos coordenados de identificação entre as

diferentes regiões de cada país é desejável para o intercâmbio de informações e

para facilitar a implementação de consistentes políticas nacionais de paisagem.

Coordenação e provisão de aconselhamento e assistência são incumbências de

uma autoridade nacional adequada.

3. Procedimentos de identificação de categorias de paisagens

empregados por diferentes países europeus poderiam ser frequentemente

aplicados no contexto de uma cooperação além-fronteiras.

Os procedimentos de avaliação de uma paisagem deveriam:

- ser baseados em uma abordagem ampla e analítica, que leve em conta

o papel das diferentes disciplinas envolvidas. Essa avaliação pode ser

levada a efeito em nível local, regional, nacional ou internacional;

- visar à divulgação dos valores culturais, históricos, arqueológicos,

estéticos, simbólicos, etnológicos, ecológicos, econômicos e sociais que as

sociedades atribuem às paisagens em vários níveis territoriais;

- considerar as condições históricas em que a paisagem foi configurada e

incluir um estado detalhado dos atributos culturais e naturais de cada

unidade da paisagem, examinada nos termos de um método

interdisciplinar de trabalho, que utilize equipamento técnico e científico

apropriado;

- ser capazes de delimitar zonas autorizada para a implementação de

conservação legal e/ou procedimentos de controle do solo, por serem

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A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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“áreas de paisagem cultural”, ou no interesse de valores naturais ou

ecológicos protegidos por leis específicas;

- ser facilmente compreensíveis e aplicáveis por um grande número de

usuários;

- constituir-se em um instrumento fácil de ser utilizado em diferentes

situações culturais ou geográficas;

- representar um referencial comum para todas as modalidades de

intervenção que possam vir a ser empregadas;

- assegurar a participação efetiva da população nos processos de

avaliação e de manejo da paisagem.

Níveis de Competência e Estratégia de Ação

Artigo 5º

O contexto das políticas de paisagem

As estratégias de ação deveriam refletir a mesma abordagem

multidisciplinar da identificação de paisagens, áreas de paisagem cultural e

seus componentes.

Essas estratégias deveriam ser adaptadas dentro da mesma estrutura

escolhida para os procedimentos de identificação e da avaliação de paisagens,

áreas de paisagem cultural e seus componentes.

Essas estratégias deveriam ser adaptadas dentro da mesma estrutura

escolhida para os procedimentos de identificação e da avaliação de paisagens,

sujeitas ao direito de intervenção do Estado, sob regras de ação definidas por

regulamentos ou decisões administrativas.

Estrutura legal ou reguladora

I. Cabe aos governos nacionais, ou às autoridades responsáveis em

Estados com estrutura federal, realizar a necessária provisão institucional

(exercendo, por exemplo, a coordenação de um conselho ou câmara

multidisciplinar) para a introdução de procedimentos relativos à paisagem e

medidas específicas referentes às áreas de paisagem cultural.

II. Convém impedir a proliferação de uma legislação setorial

descoordenada e algumas vezes contraditória, que realmente não leva ao

estabelecimento de políticas abrangentes de conservação e controle de

paisagens. Dependendo da situação em cada Estado:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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III. Estados com legislação insuficientemente coordenada deveriam

empenhar-se em simplificá-la ou em torná-la coerente;

IV. Um sistema legislativo unificado, que incorpóreos variados aspectos

das políticas de paisagem, deveria ser objetivado onde houver lacunas ou

quando as circunstâncias justificarem a revisão das leis pertinentes.

Implementação de Políticas de Paisagem

Artigo 6º

Princípios Gerais

É importante que as políticas de paisagem se inspirem nos princípios do

desenvolvimento sustentável enquanto meta, com a adoção de medidas

apropriadas para compatibilizar a evolução controlada da paisagem e as

mudanças socioeconômicas que tendem a alterar o meio ambiente.

Tais políticas deveriam corporificar os dados obtidos através da

identificação e da avaliação de paisagens em instrumentos legais ou em

estratégias oficiais. A propósito, quaisquer políticas formuladas em nível

regional, nacional ou internacional que se relacionem a matérias como

agricultura, indústria, diversões públicas, turismo e lazer deveriam ser

consonantes com as políticas de paisagem formuladas nos mesmos níveis.

Estratégias para controlar a evolução da paisagem

I. Tais estratégias deveriam ser delineadas em nível administrativo, ser

consequentes aos procedimentos de identificação e avaliação de paisagens e

redigidas com a colaboração dos mesmos organismos, sob a supervisão das

autoridades responsáveis pelo governo local ou regional da área em questão.

Deverão autorizar qualquer desenvolvimento proposto ou previsível e

esquemas de exploração e intervenção a serem harmonizados com os interesses

da paisagem.

II. Para isso, o alvo das estratégias de evolução controlada das paisagens

consiste em identificar, conservar e valorizar as estruturas paisagísticas.

III. As modalidades de procedimentos de intervenção podem varias

bastante, dependendo das diferentes características da paisagem em questão.

IV. As estratégias de intervenção podem ser implementadas através de

planos paisagísticos formulados para a decisão das associações de operadores

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Cartas Patrimoniais:

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econômicos e de residentes, para que se levem em conta tanto os interesses das

paisagens locais quanto as medidas de natureza econômica e fiscal.

V. A realimentação advinda das revisões das estratégias de evolução

controladas da paisagem e as medidas que elas necessariamente acarretam

deveriam ser incorporadas ao planejamento urbano e às regulamentações

estabelecidas para o desenvolvimento regional, de acordo com as posturas da

lei municipal e do sistema administrativo de cada país. A experiência obtida

pode ser também aplicada à formulação das estratégias subsequentes ou à

revisão das que já existem.

VI. As indicações derivadas da avaliação da paisagem deveriam ser

levadas em consideração, de forma apropriada, na implementação de medidas

legais relativas ao uso da terra e ao planejamento territorial (permissão para

construir ou demolir, autorização de trabalho que mude a natureza do

território ou altere o meio ambiente) e nos estudos de impacto exigidos pela

legislação ou por atos administrativos regionais ou nacionais.

VII. Penalidades civis, administrativas ou criminais podem ser

introduzidas em cada sistema legal nacional.

VIII. Quando grandes construções ou projetos de desenvolvimento

estiverem sendo planejados, é aconselhável proceder a um estudo do impacto

para avaliar para seus efeitos nas paisagens afetadas.

Proteção Legal e Conservação das Áreas da Paisagem

Cultural como Parte de Políticas de Paisagem

Artigo 7º

1. Procedimentos Específicos de Proteção

Assim como se justifica atribuir proteção legal a locais de particular

valor ecológico ou natural, as paisagens culturais, tal como definidas no artigo

1 desta recomendação, deveriam ser objeto de medidas específicas de

preservação.

As áreas de paisagem cultural que tenham sido catalogadas e

selecionadas durante a identificação e avaliação de uma determinada

paisagem deveriam ser objeto de medidas específicas de proteção e

conservação, baseadas tanto nos procedimentos gerais de uso da terra e de

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Cartas Patrimoniais:

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planejamento territorial quanto nas normas setoriais relacionadas à herança

cultural. Essas normas serviriam para identificar os sítios a serem protegidos,

seja pela definição de zonas adequadas, seja pelo registro desses sítios em

listagens especiais. Todas as áreas especificamente protegidas que existam

devem ser mencionadas nos documentos de planejamento urbano.

2. Aplicação de Medidas Específicas de Proteção

I. Dependendo do valor das áreas de paisagem cultural protegidas, o

projeto de proteção deveria estabelecer a supervisão de uma autoridade

responsável no território no que diz respeito à concessão de autorização para

construções, demolições ou realização de obras (incluídos projetos de

silvicultura, agrícola ou de infraestrutura) que resultem na transformação das

paisagens. Em algumas áreas ou em partes de áreas a proteção pode acarretar

a proibição de construir.

II. A gerência exercida em regiões delimitadas pode ser um elemento de

política de paisagem implementada em bases multidisciplinares em nível

regional ou local. A autoridade central responsável pelas áreas de paisagem

cultural em nível nacional pode, no entanto, reserva-se o direito de alterar

decisões das autoridades locais nas áreas de paisagens culturais de valor

nacional ou internacional, para assegurar que o desenvolvimento seja

compatível com a preservação da integridade da área de paisagem cultural e

de seu caráter distinto.

3. Medidas Específicas para Conservação e Evolução Controlada

I. As áreas de paisagem cultural consistem em recursos socioeconômicos

que podem ser empregados no desenvolvimento local. Trata-se, contudo, de

recursos não renováveis e seu uso deve ser planejado no sentido de reservar

sua integridade e seu caráter peculiar.

II. O emprego das áreas de paisagem cultural para estimular o

desenvolvimento local é mais eficientemente planejado no interior de uma

estratégia regional, para evitar a repetição de tipos de desenvolvimento dentro

de uma única área. As autoridades locais deveriam trabalhar conjuntamente,

nos termos de programas estabelecidos em acordo.

III. Incentivos podem encorajar os usos apropriados de áreas de

paisagem cultural, incluído, quando for conveniente, um aumento de

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Cartas Patrimoniais:

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investimento público para apoiar a economia local e a criação de empregos,

através, por exemplo, de:

a) subsídios ou empréstimos a juros baixos para a manutenção,

conservação e valorização da área de paisagem cultural em questão;

b) subsídios para várias iniciativas que encorajem a manutenção das

atividades existentes, incluídas as que ajudem a conservar as áreas de

paisagem cultural;

c) delineação e criação de comodidades e infraestrutura, principalmente

nos setores de novas tecnologias, telecomunicações e transportes,

compatíveis com a manutenção da integridade da feição da área de

paisagem cultural;

d) introdução de medidas a serem tomadas pelos Estados-membros para

encorajar as iniciativas das associações privadas nos sentido de proteger

as áreas de paisagem cultural;

e) esquemas de incentivo no interiro de áreas de paisagem cultural que

promovam boa conservação e adequadas práticas de manejo em

agricultura e silvicultura.

IV. É importante incentivar o acesso público a áreas de paisagem

cultural, embora o fluxo de visitantes e turistas deva ser mantido sob controle.

As autoridades deveriam promover uma apresentação clara e apropriada da

história e da importância de cada local, através de:

a) promoção de projetos de pesquisa e de programas de estudos

centrados nos diferentes aspectos do local;

b) cooperação dos departamentos adequados das universidades locais ou

dos institutos de pesquisas e das autoridades ligadas à conservação e

administração;

c) administração controlada da visitação, que encoraje o acesso a locais

situados fora das maiores rotas turísticas e que restrinja o número de

visitantes a locais que os estejam recebendo número muito elevado;

d) viabilidade do fornecimento de informação adequada e de publicações

destinadas aos visitantes.

Informação e Incremento da Conscientização

Artigo 8º

É recomendável que os Estados-membros empreendam campanhas de

informação e incremento da conscientização às autoridades pertinentes e aos

diferentes setores do público envolvidos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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1. Nessa perspectiva, as campanhas podem variar de acordo com as

categorias sociais e profissionais a serem atingidas:

I. público em geral;

II. usuários diretos dos recursos naturais do território (fazendeiros,

proprietários de terras, industriais, turistas, esportistas, por exemplo);

III. representante eleitos e autoridades públicas que exerçam a

responsabilidade local e nacional quanto ao uso da terra, ao

planejamento espacial ou ao desenvolvimento econômico e social;

IV. profissionais e técnicos envolvidos em diferentes campos de

atividades que digam respeito à aparência física do meio ambiente.

Os Estados-membros deveriam desenvolver ou ampliar ações que

introduzam temas relacionados à dimensão cultural é um aspecto importante

do meio ambiente e deveria, sempre que possível, ser integrada ao campo mais

amplo da educação ambiental.

2. Os métodos escolhidos para a informação e o incremento da

conscientização das partes envolvidas de acordo com as características sociais

ou profissionais de cada grupo alvo. Nessa perspectiva, os Estados-membros

podem escolher o mais apropriado entre os seguintes meios:

I. material de ampla circulação (cartões postais e folhetos ilustrados que

forneçam informação geral sobre os conceitos básicos, as instituições

responsáveis e os fenômenos que mais frequentemente afetem ou

ameacem a paisagem);

II. vídeo e material de propaganda;

III. trabalhos diversos destinados aos leigos;

IV. projeções, seminários e conferências;

V. novas técnicas de informação e comunicação;

VI. manuais técnicos em geral (pesquisa e estudos aprofundados sobre

todos os aspectos da paisagem);

VII. manuais técnicos especializados (monografias sobre itens específicos

da paisagem).

Treinamento e Pesquisa

Artigo 9º

1. A introdução de programas de treinamento e pesquisa deve ser um

objetivo fundamental dos Estados-membros. É necessário a graduados pelas

universidades ou por outras instituições especializadas, pessoal e profissionais

envolvidos no planejamento especial e do uso da terra, planejamento físico-

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Cartas Patrimoniais:

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territorial e uso controlado da terra, para que adquiram o conhecimento e a

prática necessários para elaborar projetos de uso da terra e de planejamento

territorial ou para executar projetos que atendam às necessidades de

mudanças econômicas, sociais e culturais de modo compatível com as políticas

de paisagem.

Programas específicos deveriam ser proporcionados a estudantes que

desejem trabalhar, e a profissionais já engajados, na conservação de áreas de

paisagem cultural e em políticas gerais de paisagem.

Esses programas de treinamento deveriam:

I. referir-se especificamente às disciplinas relacionadas ao planejamento

espacial do uso da terra;

II. abranger as disciplinas para a conservação do patrimônio cultural e

natural e o controle do desenvolvimento que o afete;

III. reunir estudantes e professores de diferentes áreas geográfica e

disciplinas, respeitando, assim, o princípio interdisciplinar vital para a

estruturação de políticas de conservação e controle de paisagem;

IV. culminar na criação, na Europa, de uma cadeia inter-regional de

centros especializados para capacitar estudantes e estagiários ao

trabalho, e professores e especialistas que atuem como instrutores para

a realização de visitas de intercâmbio;

V. cada curso de treinamento deverá compreender uma parte teórica,

que consista de aulas ou palestras, e de uma parte prática, na forma de

oficinas de trabalho ou de estudos de casos.

2. Os programas poderiam adotar o seguinte padrão:

I. Teoria

a) conhecimento e compreensão de conceitos básicos e de reconhecimento

da diversidade de abordagens nas diferentes disciplinas;

b) história da formação da paisagem e dos fatores que lhe provocam

mudanças;

c) compreensão de como a paisagem tem sido apreendida historicamente

e de seu reflexo na sociedade;

d) história das políticas e da legislação relativa à paisagem nos países da

Europa;

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Cartas Patrimoniais:

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e) informação sobre as fontes e as referências;

f) coleção de referências e sistemas de processamento, sistemas

informativos, cartográficos, fotográficos ou iconográficos.

II. Prática

a) técnicas para a análise de paisagens e para a identificação de

elementos casuais;

b) sistemas para avaliação da importância da paisagem de um território:

técnicas operatórias;

c) identificação de instrumentos para a proteção, conservação e evolução

controlada das áreas de paisagem cultural e para a implementação de políticas

de paisagem, tais como planejamento ou controle e da paisagem;

d) concepção e aplicação de projetos para valorização, manutenção,

conservação e restauração de áreas de paisagem cultural e de paisagem em

geral;

e) programas e seminários de treinamento específico para fornecer aos

estudantes alguma experiência de trabalho efetiva nas esferas do uso da terra

e do planejamento territorial.

3. Programas de pesquisas deveriam ser organizados e encorajados nas

universidades e nas instituições e privadas, para fornecer o conhecimento

necessário ao treinamento básico e adicional no campo do patrimônio cultural e

natural.

Cooperação Internacional

Artigo 10

Os Estados-membros do Conselho da Europa deveriam incumbir-se de

desenvolver a cooperação internacional com o objetivo de progredir em suas

políticas de paisagem, através de um maior intercâmbio de informações e de

experiências.

Essa colaboração tanto pode ser:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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I. bilateral, através de projetos pilotos transfronteiriços para identificar

e controlar a evolução da paisagem, assim como para promover a conservação e

a evolução controlada das áreas de paisagem cultural e de seus componentes;

ou

II. multilateral, no interior das estruturas dos programas de trabalho

intergovernamentais mantidos pelas organizações internacionais de que façam

parte.

III. cooperação multilateral da Europa, pode adotar como propósitos

específicos:

a) a discussão dos objetivos e métodos das políticas de paisagem e das

estratégias para a conservação e valorização das áreas de paisagem cultural e

de seus componentes;

b) a harmonização de regras relativas à conservação dos componentes da

paisagem, como parte da incumbência de construir uma política abrangente de

paisagem baseada no princípio do desenvolvimento econômico sustentável;

c) pode manifestar-se através de:

d) organização de grupos de trabalho multilaterais para fornecer

cooperação e assistência técnica;

e) organização de treinamento comum, de campanhas de informação e de

conscientização a respeito de conservação e da evolução controlada das áreas

de paisagem cultural, como parte de política geral de paisagens.

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Cartas Patrimoniais:

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DECLARAÇÃO DE SOFIA

De 9 de Outubro de 1996

XI Assembleia Geral do ICOMOS

A História ensina e as transformações sociais decorrentes de seu

dinamismo permitem constatar que o conceito de patrimônio cultural se

encontra em constante processo de evolução. Em consequência, a conservação

dos testemunhos tangíveis e intangíveis do passado não constitui apenas uma

questão de juízo atiço e estético, mas também um tema de atuação prática. Isto

implica que não mais se aceite a ideia de que a doutrina da conservação seja

estática e, doravante, sejamos convocados a considerar o patrimônio cultural

em função do contexto geral, levando-se em conta a diversidade e a

especificidade das culturas.

A defesa do pluralismo cultural, do respeito ao patrimônio alheio e do

repúdio à intolerância constituirá, assim, um imperativo ético universal. Esta

defesa, essencial para a manutenção da paz, deve manifestar-se entre os

diversos países e em cada país, respeitando a origem heterogênea das

populações, incluindo as minorias étnicas, religiosas e linguísticas.

Respeitadas estas condições, a prova de autenticidade expressa na Carta

de Veneza, dentro do espírito do conceito de preservação, deverá ser definida

com exatidão. Para resguardar o caráter universal da Carta, cada área cultural

deverá ser objetivo de esclarecimento e aprofundamento. Esta perspectiva

tornará indispensável a exigência de que todo monumento histórico considere o

seu entorno físico e a sua dimensão social.

Isto significa sua inserção nas diversas áreas do contexto histórico

contemporâneo, nas diferentes atividades quotidianas, considerados sempre o

conhecimento empírico e as habilidades da população.

Assim contextualizado, o patrimônio cultural com certeza enfrentará o

desafio econômico. E sem dúvida, antes de as atividades turísticas serem

supervalorizadas, arriscando-se a transforma-las em ameaça à integridade da

substância do patrimônio cultural, levar-se-á em conta, e cada vez mais, a

relação entre o patrimônio e a comunidade que o herdou.

Convém acrescer que esta relação integra o conjunto dos elementos

históricos, espirituais e afetivos existentes na raiz das transformações sociais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

274

As atividades turísticas, por outro lado, não podem pretender utilizar o

patrimônio assegurando apenas o respeito ao seu significado e à sua

mensagem. Para que esta fruição seja viável e válida, serão necessários sempre

estudos analíticos e inventários completos, com o objetivo de explicitar os

diversos significados do patrimônio no mundo contemporâneo e justificar as

novas modalidades de uso a que se propõem.

Tal procedimento é o único que poderá contribuir para a melhoria da

qualidade de vida dos habitantes (preservação da ecologia social), dentro do

respeito absoluto às suas referências culturais, cistos como valores que

propiciam condições para um desenvolvimento sustentável. Este processo

deverá, sobretudo, assegurar a participação da sociedade civil – comunidade,

associações de minorias e organizações de profissionais – em conjunto com a

ação das autoridades políticas e administrativas (Estado, entidades públicas e

órgão de governo) na preservação e no desenvolvimento equilibrado dos

recursos culturais e naturais.

Com o objetivo de promover esta ação de importância universal, o

ICOMOS deve prosseguir no exercício sem trégua de sua tríplice missão:

assessoria científica, centro de reflexão e órgão difusor de metodologia e

tecnologia contemporâneas. Atuando neste sentido, interagirá sempre como

organização operacional que é, na maioria dos países do mundo, em sua

condição privilegiada de membro da UNESCO.

Para que isto se realize plenamente, o ICOMOS, organização não

governamental, sem fins lucrativos, que reúne profissionais de diversas áreas,

necessita, além de abnegação, de apoio material adequado para a convocação

permanente do serviço de seus membros a fim de levar adiante, com sucesso,

as suas missões.

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Cartas Patrimoniais:

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275

DECLARAÇÃO DE SÃO PAULO II

De 1996

Recomendações brasileiras à XI Assembleia Geral do ICOMOS

Reunidos em São Paulo de 3 a 6 de julho de 1996, para discutir o tema

central do Simpósio Internacional “Mudanças Sociais e Patrimônio Cultural”,

realizado durante a XI Assembleia Geral do ICOMOS, em Sófia – Bulgária – os

membros do ICOMOS/Brasil e todos os 210 participantes do Seminário

“Caminhos da Preservação”, considerando a situação crescente do conflito

entre a acelerada expansão urbana e a preservação do Patrimônio Cultural, em

países como o Brasil, e a necessidade de estabelecer e exercitar o

enfrentamento de tal situação, recomendam:

1) A adoção de atitude combativa do ICOMOS, através de permanente

vigilância e contínua atividade participativa dentro das instituições públicas e

dos movimentos sociais reunidos em organizações não governamentais;

2) A utilização pelo ICOMOS dos meios de comunicação impressa e

audiovisuais para denúncias dos atos lesivos ao Patrimônio Cultural, em todo o

mundo;

3) A organização pelo ICOMOS, na discussão específica sobre as

questões da preservação nos grandes centros urbanos dos países em

desenvolvimento, objetivando estabelecer referenciais para a ação de seus

Comitês;

4) A difusão de todos os segmentos sociais, através de linguagem

didática, com vistas à formação de agentes de preservação, dos conceitos acerca

das relações adequadas entre Desenvolvimento Urbano e Proteção do

Patrimônio Cultural;

5) A incorporação nos currículos de todos os níveis de ensino, de cursos

de identificação e de reconhecimento e registro do Patrimônio Cultural,

fundamento da preservação da identidade nacional, seja pela História escrita

do país, seja pela memória das populações de diversas origens, sobretudo, as

mais carentes;

6) A organização das mais diversas ações culturais pela defesa dos bens

naturais e paisagens notáveis, exigindo a institucionalização das reservas da

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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biodiversidade e da biosfera, de cuja salvaguarda depende a garantia de

sobrevivência das gerações vindouras;

7) A divulgação dos mecanismos jurídicos existentes no país, a partir dos

preceitos constitucionais, que possibilitam embargar e impedir a destruição

dos testemunhos do Patrimônio natural e cultural, com ações judiciais

específicas e eficientes;

8) Fazer do ICOMOS uma instância de defesa dos Bens Culturais,

entendidos como símbolos das coletividades, em face das ameaças de suas

destruição por ação privada ou mesmo pública.

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Cartas Patrimoniais:

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CARTA DE MAR DEL PLATA SOBRE PATRIMÔNIO

INTANGÍVEL

De Junho de 1997

Documento do MERCOSUL

Os participantes das Primeiras Jornadas do MERCOSUL sobre

Patrimônio Intangível, organizada pelo CICOP Argentina, e o órgão de cultura

da municipalidade de General Pueyrredon, realizadas na cidade de Mar del

Plata, de 10 a 13 de junho de 1997;

Convencidos de que o processo de integração concretizado através do

MERCOSUL, que expressa as legitimas aspirações de nossos povos a uma vida

melhor, deve sustentar-se sobre a diversidade dos sistemas e subsistemas

culturais;

Compartilhando a preocupação sobre as consequências que

eventualmente podem sofrer ditas identidades em um processo de globalização

avassalador, que limita seus horizontes a metas econômicas e financeiras;

Fazendo nossa a preocupação da UNESCO quanto ao tratamento e

salvaguarda do patrimônio intangível que se materializa nas diversas

manifestações culturais de nossos povos e recordando as “Recomendações para

a salvaguarda da cultura tradicional e popular”, assim como as “Disposições

para a proteção de expressões do folclore contra sua exploração ilícita”;

Conhecendo as múltiplas atividades que se vêm realizando há décadas

sobre as expressões culturais que conformam o patrimônio intangível, em

universidades, organismos de pesquisa, fundações e organizações não

governamentais; e reconhecendo uma contribuição fecunda e sustentável em

prol de seu estudo, pesquisa e difusão, deixamos estabelecidos, na entrada do

próximo milênio – que acreditamos será o da unidade na diversidade – os

seguintes

1. Princípios

1) A integração cultural deve ser definida como genuína prioridade do

MERCOSUL e não meta marginal, para a qual irá requerer meios adequados a

seus objetivos, assim como o indispensável respaldo político dos governos;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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2) Dita integração deve aceitar a pluralidade de culturas da região como

fato positivo e enriquecedor da nossa visão de mundo e do próprio

desenvolvimento da personalidade humana;

3) O conceito de integração supõe o intercambio e a complementaridade

de partes distintas entre si, e que, portanto, excluem toda a tentação de

uniformizar nossos povos em um modelo cultural único, expresso em uma

deformação ideológica que em alguns casos recebe o nome de globalização;

4) O fato de que o patrimônio cultural da região seja constituído por

grande quantidade de contribuições – as que provêm das diversas e também

muito distintas culturas pré-colombianas, das sucessivas e igualmente

diversas contribuições europeias, seguidas daquelas provenientes da África e

agora da Ásia – que, por sua vez, têm produzido surpreendentes formas de

mestiçagem, define uma fisionomia peculiar que devemos assumir

positivamente como fator de fortalecimento de nosso patrimônio comum;

5) Convencidos igualmente da necessidade de fixar algumas metas

concretas para avançar no caminho assinalado pelos princípios anteriormente

enunciados, aos organismos internacionais e aos organismos da região e às

instituições privadas interessadas em assegurar e gerar ações participativas

que promovam o desenvolvimento material e espiritual de nossos povos,

formulamos as seguintes:

2. Recomendações

1) promover, em caráter urgente, o registro documental e a catalogação

das expressões do patrimônio cultural intangível;

2) criar um banco de dados com todas as publicações da região que se

refiram ao patrimônio intangível e com informações sobre as manifestações

culturais próprias de nossos respectivos países, com a consequente publicação

de Cadernos sobre as distintas expressões culturais;

3) incrementar pesquisas sobre as afinidades, particularidades e fontes

das tradições comuns da região;

4) apoiar pesquisas sobre o patrimônio intangível das culturas indígenas

da região, especialmente as que suportam a pressão da sociedade ocidental e

que, portanto, se encontram ameaçados de extinção;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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5) elaborar um modelo de cartilha sobre patrimônio cultural intangível

como meio para informar a população, para ser utilizada pelos Ministérios da

Cultura e da Educação e outras instituições públicas ou privadas envolvidas na

atividade docente, com o objetivo de empregá-la no sistema de educação formal

e informal;

6) organizar uma rede de informações entre especialistas e instituições

dedicadas ao patrimônio cultural intangível, que possibilite o intercâmbio de

conhecimentos e de experiências em programas de ação nos diferentes países;

7) solicitar aos governos e aos organismos financeiros internacionais

que, aos estudos de impacto ambiental, acrescentem outros que ajudem a

identificar o impacto cultural, para o qual devem ser convocados profissionais

de reconhecida experiência na matéria;

8) recomendar aos meios de comunicação de massa ligados ao Estado

que ofereçam espaços para a difusão das expressões culturais dos subsistemas

regionais e étnicos dos respectivos países;

9) estimular os governos a incorporarem os conteúdos de Patrimônio

Cultural Intangível nos currículos escolar a propiciar a realização de oficinas

nas disciplinas afins;

10) fomentar a realização de cursos de formatação de gestores culturais

que possam ser convocados para trabalhar nas diversas áreas da cultura, como

agentes de animação;

11) chamar a atenção para a necessidade de que os projetos de

desenvolvimento cultural sejam elaborados segundo um critério de busca de

qualidade e que, portanto, contenham propostas razoavelmente competitivas;

12) difundir entre os interessados modelos de gestão de financiamento

de planos e projetos pertinentes, dentro do campo do patrimônio cultural

intangível;

13) estimular os governos para que, nas atividades do MERCOSUL

Cultural, incorporem em suas agendas o tema do patrimônio intangível e

consultem organizações que estejam trabalhando sobre ele;

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Cartas Patrimoniais:

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14) solicitar a colaboração da UNESCO para a realização das Segundas

Jornadas do MERCOSUL sobre o Patrimônio Intangível, evento a ser realizado

na metade do segundo semestre de 1999;

15) fomentar a articulação entre as políticas de preservação patrimonial

e turismo para possibilitar o desenvolvimento social produtivo.

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A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTAGENAS DE ÍNDIAS - COLÔMBIA

De 25 de Maio de 1999

Sobre proteção e recuperação de bens culturais do patrimônio arqueológico,

histórico, etnológico, paleontológico e artístico da comunidade Andina.

O Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores da

Comunidade Andina,

Convencido de que a concepção e o estabelecimento de políticas

culturais por parte dos Estados é um fator indispensável para o

desenvolvimento harmônico e de que o patrimônio cultural das nações

constitui um pilar fundamental de tais políticas;

Consciente de que a defesa e a preservação do patrimônio cultural só

podem ser obtidas através de apreço e respeito pelas raízes históricas dos

povos, base de suas identidades;

Preocupado com os efeitos nocivos para esses objetivos acarretam a

importação, exportação ou transferência ilícita de bens culturais, que

incidem negativamente sobre o legado histórico de nossas nações;

Em atenção ao disposto do artigo segundo, terceiro, quinto e trigésimo

nono do Convênio Andés Bello de Integração Educativa, Científica e

Cultural dos países da região Andina;

Levando em conta as disposições da Convenção da UNESCO de 1970

sobre as medidas que se devem adotar para proibir e impedir a importação,

exportação e transferência ilícita de propriedade de bens culturais; o

Convênio da UNDROIT sobre os bens roubados ou exportados ilicitamente,

de 1995; a Convenção de São Salvador sobre a defesa do patrimônio

arqueológico, histórico e artístico das nações americanas, de 1976;

Decide

Artigo 1. A presente decisão tem por objetivo promover políticas e

normas comuns para a identificação, registro, proteção, conservação,

vigilância e restituição dos bens que integram o patrimônio cultural dos

países da Comunidade Andina e também para conceber e pôr em prática

ações que impeçam sua importação, exportação e transferência ilícita entre

os países-membros e a terceiros.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

282

Artigo 2. De acordo com a convenção da UNESCO, aprovada pela

Assembleia Geral em sua décima sexta reunião, em 14 de fevereiro de 1970,

em Paris, para efeitos da presente decisão, entende-se por bens culturais os

que, por motivos religiosos ou profanos, revistam-se de importância para a

arqueologia, a pré-história, a história, a literatura, a arte ou a ciência e que

pertençam a algumas das categorias e numeradas a seguir:

a) coleção e exemplares raros de zoologia, botânica, mineralogia ou

anatomia e objetos de interesse paleológico;

b) bens relacionados à história, inclusive a história das ciências e das

técnicas, à história militar e a história social, assim como à vida dos

dirigentes, pensadores, sábios e artistas nacionais e a acontecimentos

de importância nacional;

c) o produto das escavações e explorações arqueológicas terrestres e

subaquáticas (tanto autorizadas quanto clandestinas) e as

descobertas arqueológicas;

d) os elementos procedentes do desmembramento de monumentos

artísticos ou históricos e de sítios de interesse arqueológico;

e) objetos culturais, tal como inscrições, moedas, selos, gravuras,

artefatos, ferramentas, instrumentos musicas antigos;

f) material arqueológico constituído de objetos rituais, artefatos

utilitários simbólicos e instrumentos musicas autóctones;

g) os bens de interesse artísticos, tais como:

h) quadros, pinturas e desenhos realizados sobre qualquer suporte e

de qualquer material; produções originais de arte estatuária;

gravuras, estampas e litografias originais, conjuntos e montagens

artísticas originais em qualquer material;

i) manuscritos raros e inconábulos, livros, documentos e publicações

antigas de especial interesse (histórico, artístico, científico, literário),

solos ou em coleções; selos de correios, selos fiscais, ou análogos, soltos

ou em coleção;

j) arquivos históricos, incluídas as fonografias e cinematografias;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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k) objetos e ornamentos de uso litúrgico, tais como: cálices, patenas,

custódias, cibórios, candelabros, estandartes, incensários, vestuários e

outros.

Artigo 3. Os bens culturais a que se refere o artigo anterior são

reconhecidos a partir da sua propriedade, já que os que pertencem a pessoas

naturais ou jurídicas de caráter privado também estão incluídos, sempre que

os Estados-membros assim os considerem, registrem e cataloguem.

Artigo 4. Os bens descritos nos artigos precedentes serão objeto da

mais ampla proteção em nível comunitário e serão consideradas ilícitas sua

importação e exportação, salvo se o Estado a que pertencem autorizar sua

exportação com o objetivo de promover o conhecimento das culturas de cada

país, no entendimento de que promover a cooperação entre os países

andinos, para o mútuo conhecimento e apreço de seus bens culturais, deve

constituir-se em uma ferramenta imprescindível para o desenvolvimento das

relações bilaterais e comunitárias.

Artigo 5. Os países-membros se obrigam a estabelecer em seu

território os serviços adequados de proteção de patrimônio cultural, dotados

de pessoal competente para garantir eficazmente as seguintes funções:

a) elaboração de leis e regulamentos que permitam a proteção do

patrimônio cultural e especialmente reprimir a tráfico ilícitos de bens

culturais;

b) organizar e manter atualizada uma listagem de principais bens

culturais públicos e privados, cuja exportação constituiria um

empobrecimento considerável do patrimônio cultural dos países;

c) exercer programas educativos para estimular e desenvolver o

respeito ao patrimônio cultural de todos os países;

d) difundir eficazmente entre os países-membros da comunidade de

todos os casos do desaparecimento ou roubo de um bem cultural.

Artigo 6. Os países membros se comprometem a:

a) trocar informações destinadas a identificar quem, no território de

um deles, haja participado de roubo, importação, exportação ou

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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transferência ilícita de bens culturais e documentais, nos termos da

relação do artigo 2, assim como em condutas delituosas conexas;

b) trocar informações técnicas e legais relativas aos bens culturais

objetos de roubo e tráfico ilícito, assim como capacitar e difundir tais

informações a suas respectivas autoridades aduaneiras e policiais, de

portos, aeroportos e fronteiras, para facilitar sua identificação e a

aplicação de medidas cautelares e coercitivas a que corresponde cada

caso.

Artigo 7. A pedido de um dos países-membros, o outro ou os demais

empregarão os meios legais a seu alcance para recuperar e desenvolver de

seus territórios, os bens culturais e documentais que tiveram sido roubados

ou exportados ilicitamente do país-membro requerente.

Os pedidos de recuperação e devolução de bens culturais e

documentais de um dos países-membros, com prévia autenticidade e de

denúncia das autoridades competentes, deverão ser formalizados por via

diplomática e transmitidos para fins de registros à Secretaria da

Comunidade Andina.

Artigo 8. Os gastos inerentes aos serviços necessários para a

recuperação e devolução mencionadas serão pagos pelo país-membro

requerente.

Artigo 9. Será concedida isenção total de impostos aduaneiros e de

outros encargos aduaneiros equivalentes, sejam de caráter fiscal, monetário,

cambial ou de qualquer outra natureza, durante o processo de recuperação e

devolução dos bens culturais e documentais até o país de origem, em

aplicação ao disposto presente decisão.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA SOBRE O PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO

VERNÁCULO

De Outubro de 1999

XII Assembleia Geral da ICOMOS

INTRODUÇÃO

O património construído vernáculo ocupa um lugar central no afeto e

no orgulho dos povos. Foi aceite como uma característica e como um produto

atrativo da sociedade; ele surge informal, mas ainda assim ordeiramente. É

utilitário e ao mesmo tempo possui interesse e beleza. É um foco da vida

contemporânea e ao mesmo tempo um registro da história da sociedade.

Apesar de ser o trabalho do homem, também é uma criação do tempo. Seria

indigno do património do homem se não fosse prestada atenção à

conservação destas harmonias tradicionais que constituem o núcleo da

própria existência do homem.

O património construído vernáculo é importante; ele é a expressão

fundamental da cultura de uma comunidade, do seu relacionamento com o

seu território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade da cultura

mundial.

A construção vernácula é a forma tradicional e natural pela qual as

comunidades habitavam. É um processo contínuo que inclui as necessárias

modificações e adaptações contínuas como resposta às restrições sociais e

ambientais. A sobrevivência desta tradição está mundialmente ameaçada

pelas forças da homogeneização econômica, cultural e arquitetônica. Como

se podem deter essas forças é um problema fundamental que deve ser

abordado pelas comunidades e, também, pelos governos, pelos planejadores,

pelos arquitetos, pelos conservacionistas e por grupos multidisciplinares de

especialistas.

Em consequência da homogeneização da cultura e da transformação

socioeconômica, as estruturas vernáculas são extremamente vulneráveis em

todo o mundo, enfrentando sérios problemas de obsolescência, de equilíbrio

interno e de integração. É, portanto, necessário estabelecerem-se princípios

para o tratamento e para a proteção do nosso património construído

vernáculo, para além da Carta de Veneza.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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QUESTÕES GERAIS

1. Os exemplos do vernáculo podem ser reconhecidos por:

a) uma maneira de construir partilhada pela comunidade;

b) um caráter local ou regional reconhecível;

c) coerência no estilo, na forma ou na aparência, ou o uso de tipos de

construção tradicionalmente estabelecidos;

d) sabedoria tradicional no projeto e na construção, que é transmitida

informalmente;

e) uma resposta efetiva às restrições funcionais, sociais e ambientais;

f) a aplicação efetiva de sistemas e de ofícios de construção

tradicionais.

2. A apreciação e a proteção com sucesso do património vernáculo

depende do envolvimento e do apoio da comunidade, da continuidade do seu

uso e da sua manutenção.

3. Os governos e as autoridades responsáveis devem reconhecer o

direito que todas as comunidades têm de manterem as suas tradições de

vida, de as proteger através de todos os meios legislativos, administrativos e

financeiros disponíveis, e de as passar para as futuras gerações.

PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO

1. A conservação do património vernáculo deve ser executada por

competências multidisciplinares, embora reconhecendo a inevitabilidade da

mudança e do desenvolvimento, bem como a necessidade de ser respeitada a

identidade cultural estabelecida.

2. O trabalho atual em edifícios, grupos e povoados vernáculos deve

respeitar os respectivos valores culturais e o seu caráter tradicional.

3. Frequentemente, o vernáculo é representado apenas por estruturas

únicas, e é melhor conservado pela manutenção e pela preservação de

grupos de edificações e de povoados com um caráter representativo, região

por região.

4. O património vernáculo edificado é uma parte integral da paisagem

cultural, e este relacionamento deve ser tomado em consideração no

desenvolvimento das abordagens de conservação.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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5. O vernáculo abrange não só a forma e a fábrica física dos edifícios,

das estruturas e dos espaços, mas também as formas pelas quais eles são

usados e compreendidos, e as tradições e associações intangíveis que lhes

estão associadas.

LINHAS DE ORIENTAÇÃO PRÁTICA

1. Investigação e documentação

Qualquer trabalho físico sobre um edifício, ou sobre uma estrutura

vernácula, deve ser cuidadoso e deve ser precedido por uma análise

completa da sua forma e da sua estrutura. Este documento deve ser

conservado num arquivo acessível ao público.

2. Localização, paisagem e grupos de edifícios

As intervenções sobre estruturas vernáculas devem ser executadas de

uma forma que respeite e mantenha a integridade da localização, do

relacionamento com a paisagem física e cultural, e das diversas estruturas

entre si.

3. Sistemas tradicionais de construção

A continuidade dos sistemas tradicionais de construção e das

competências artesanais associadas com o vernáculo é fundamental para a

expressão vernácula, e é essencial para a reparação e para o restauro destas

estruturas. Tais competências devem ser retidas, registradas e passadas

para as novas gerações de artesãos e de construtores, através da educação e

da formação.

4. Substituição de materiais e de partes

As alterações que respondem legitimamente às solicitações do uso

atual devem ser efetuadas pela introdução de materiais que mantenham a

consistência da expressão, da aparência, da textura e da forma de toda a

estrutura, bem como a consistência dos materiais de construção.

5. Adaptação

A adaptação, e o novo uso, das estruturas vernáculas deve ser

executada de forma que respeite a integridade da estrutura, o seu caráter e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

288

a sua forma sendo, ao mesmo tempo, compatível com padrões de vida

aceitáveis. Onde não houver quebra na continuidade de utilização das

formas vernáculas, um código de ética próprio da comunidade pode servir

como ferramenta de intervenção.

6. Alterações e restauro de época

Devem ser apreciadas e compreendidas as alterações ao longo do

tempo como sendo aspectos importantes da arquitetura vernácula.

Normalmente, não deve ser objetivo dos trabalhos sobre estruturas

vernáculas procurar-se a conformidade de todas as partes com um único

período.

7. Formação

Para se conservarem os valores culturais de expressão vernácula, os

governos, as autoridades responsáveis, os grupos e as organizações devem

dar relevo ao seguinte:

a) Programas de educação para conservadores sobre os princípios do

vernáculo.

b) Programas de formação para apoiar as comunidades na

manutenção dos sistemas, materiais e competências artesanais

tradicionais de construção.

c) Programas de informação que aumentem a consciência pública

sobre o vernáculo, especialmente entre a geração mais nova.

d) Redes regionais sobre arquitetura vernácula, para troca de

competências e de experiências.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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CARTA DE CRACÓVIA (2000)

PRINCÍPIOS PARA A CONSERVAÇÃO E O

RESTAURO DO PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

De 26 de Outubro de 2000

Cracóvia (Polônia)

Reconhecendo o contributo dos indivíduos e das instituições que, ao

longo de três anos, participaram na preparação da Conferência

Internacional sobre Conservação “Cracóvia 2000” e na sua Sessão Plenária

com o título “o património cultural como fundamento do desenvolvimento da

civilização”, os signatários, participantes na Conferência Internacional sobre

Conservação “Cracóvia 2000”, conscientes dos profundos significados

associados ao património cultural, submetem aos responsáveis pelo

património os seguintes princípios como orientação dos seus esforços na

salvaguarda desses bens culturais.

PREÂMBULO

Atuando no espírito da Carta de Veneza (1964), tendo em conta as

recomendações internacionais e motivados pelo processo da unificação

europeia, na entrada do novo milênio, os signatários da presente Carta estão

conscientes de viver um tempo no qual as identidades, num contexto cada

vez mais amplo, se tomam mais distintas e singulares. A Europa atual

caracteriza-se pela diversidade cultural e, assim, pela pluralidade de valores

fundamentais associados ao património móvel, imóvel e intelectual, o que

implica diferentes significados que originam conflitos de interesse.

Esta situação requer de todos os responsáveis pela salvaguarda do

património cultural uma maior atenção aos problemas e às decisões a serem

tomadas na prossecução dos seus objetivos.

Cada comunidade, tendo em conta a sua memória coletiva e

consciente do seu passado, é responsável, quer pela identificação, quer pela

gestão do seu património. Os monumentos, considerados como elementos

individuais desse património, possuem valores que se alteram com o tempo.

Esta alteração de valores, que podemos identificar em cada monumento é,

afinal, uma das características do património, ao longo da História. Através

deste processo de mudança de valores, cada comunidade desenvolve uma

consciência e um conhecimento da necessidade de preservar os bens

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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culturais construídos, pois eles são portadores dos seus próprios valores

patrimoniais comuns. Este processo não pode ser objeto de uma definição

redutora. Apenas se pode indicar o modo segundo o qual pode ser

identificado.

Os instrumentos e os métodos utilizados para uma correta

preservação do património devem adaptar-se às situações concretas, que são

evolutivas, sujeitas a um processo de contínua mudança.

O contexto particular de escolha destes valores requer a elaboração de

um projeto de conservação e a tomada de uma série de decisões que

constituem o projeto de restauro, de acordo com critérios técnicos e

organizativos apropriados.

Conscientes dos profundos valores da Carta de Veneza, e trabalhando

para os mesmos objetivos, propõem os seguintes princípios para a

conservação e restauro do património construído.

OBJETIVOS E MÉTODOS

1. O património arquitetônico, urbano ou paisagístico, assim como os

elementos que o compõem resultam de uma dialética entre os diferentes

momentos históricos e os respectivos contextos socioculturais. A conservação

deste património é o objetivo desta Carta. A conservação pode ser realizada

mediante diferentes tipos de intervenções, tais como o controlo do meio

ambiental, a manutenção, a reparação, o restauro, a renovação e a

reabilitação. Qualquer intervenção implica decisões, escolhas e

responsabilidades relacionadas com o património, entendido no seu

conjunto, incluindo os elementos que embora hoje possam não ter um

significado específico, poderão, contudo, tê-lo no futuro.

2. A manutenção e a reparação constituem uma parte fundamental do

processo de conservação do património. Estas ações exigem diversos

procedimentos, nomeadamente investigações prévias, testes, inspeções,

controles, acompanhamento dos trabalhos e do seu comportamento pós-

realização. Os riscos de degradação do património devem ser previstos em

relatórios apropriados para permitir a adoção de medidas preventivas.

3. A conservação do património construído é executada de acordo com

o projeto de restauro, que se inscreve numa estratégia para a sua

conservação a longo prazo. O “projeto de restauro” deverá basear-se num

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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conjunto de opções técnicas apropriadas e ser elaborado segundo um

processo cognitivo que integra a recolha de informações e a compreensão do

edifício ou do sítio. Este processo pode incluir o estudo dos materiais

tradicionais, ou novos, o estudo estrutural, análises gráficas e dimensionais

e a identificação dos significados histórico, artístico e sociocultural. No

projeto de restauro devem participar todas as disciplinas pertinentes e a

coordenação deve ser levada a cabo por uma pessoa qualificada na área da

conservação e restauro.

4. Devem ser evitadas reconstruções de partes significativas de um

edifício, baseadas no que os responsáveis julgam ser o seu “verdadeiro estilo”

A reconstrução de partes muito limitadas, com um significado

arquitetônico pode ser excepcionalmente aceite, na condição de se

fundamentar, em documentação precisa e irrefutável. Se for necessário para

o uso adequado do edifício, podem-se incorporar elementos espaciais e

funcionais, mas estes devem exprimir a linguagem da arquitetura atual. A

reconstrução total de um edifício, que tenha sido destruído por um conflito

armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se existirem motivos

sociais ou culturais excepcionais, que estejam relacionados com a própria

identidade da comunidade local.

DIFERENTES TIPOS DE PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

5. Qualquer intervenção que afete o património arqueológico, devido à

sua vulnerabilidade, deve estar estritamente relacionada com a sua

envolvente: o território e a paisagem. Os aspectos destrutivos das escavações

devem reduzir-se tanto quanto seja possível. Cada escavação deve ser

acompanhada de documentação completa sobre os trabalhos arqueológicos.

Tal como em qualquer intervenção patrimonial, os trabalhos de

conservação de achados arqueológicos devem basear-se no princípio da

intervenção mínima. Os trabalhos arqueológicos só podem ser realizados por

profissionais e a metodologia e técnicas usadas devem ser estritamente

controladas. Para a proteção e apresentação pública de sítios arqueológicos

deve encorajar-se: o recurso a técnicas modernas; a criação de bancos de

dados; a utilização de sistemas de informação e a utilização de técnicas de

apresentação virtual dos sítios.

6. O objetivo da conservação dos monumentos e dos edifícios com valor

histórico, que se localizem em meio urbano ou rural, é o de manter a sua

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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autenticidade e integridade, incluindo os espaços interiores, o mobiliário e a

decoração, de acordo com o seu aspecto original. Tal conservação requer um

“projeto de restauro” apropriado, que defina os métodos e os objectivos. Em

muitos casos, requer-se ainda um uso apropriado para os monumentos e

edifícios com valor histórico, compatível com os seus espaços e o seu

significado patrimonial. As obras em edifícios com valor histórico devem

analisar e respeitar todas as fases construtivas pertencentes a períodos

históricos distintos.

7. A decoração arquitetônica, as esculturas e os elementos artísticos,

que fazem parte integrante do património construído, devem ser

preservados mediante um projeto específico vinculado ao projeto geral de

restauro.

Esta metodologia pressupõe que o especialista em restauro do

património construído possua os conhecimentos e a formação adequadas,

para além da capacidade cultural, técnica e prática, para interpretar os

diferentes ensaios e análises nas áreas artísticas específicas. O “projeto de

restauro” deve garantir uma relação correta com o conjunto envolvente,

incluindo o ambiente, a decoração e a escultura e respeitando as técnicas

tradicionais da construção e a sua necessária integração como uma parte

substancial do património construído.

8. As cidades e as aldeias históricas, no seu contexto territorial,

representam uma parte essencial do nosso património universal. Cada um

destes conjuntos patrimoniais deve ser considerado como um todo, com as

suas estruturas, os seus espaços e as características socioeconômicas, em

processo de contínua evolução e mudança. Qualquer intervenção deve

envolver todos os sectores da população e requer um processo de

planejamento integrado, cobrindo uma ampla gama de atividades. Em meio

urbano, a conservação tem por objeto, quer os conjuntos edificados, quer os

espaços livres. A sua área de intervenção tanto pode restringir-se a uma

parcela de um grande aglomerado urbano, como englobar a totalidade de

uma pequena cidade ou mesmo uma aldeia, integrando sempre os

respectivos valores imateriais, ou intangíveis. Neste contexto, a intervenção

na cidade histórica deve ter presente a morfologia, as funções e as

estruturas urbanas, na sua interligação com o território e a paisagem

envolventes. Os edifícios que constituem as zonas históricas podendo não se

destacar pelo seu valor arquitetônico especial, devem ser salvaguardados

como elementos de continuidade urbana, devido às suas características

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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dimensionais, técnicas, espaciais, decorativas e cromáticas, elementos de

união insubstituíveis para a unidade orgânica da cidade.

O “projeto de restauro” das cidades ou aldeias históricas deve, não só

verificar a sustentabilidade das opções estratégicas que assume, como

prever o processo de gestão de futuras alterações, ligando as questões da

conservação do património aos aspectos econômicos e sociais. Para além do

conhecimento das estruturas físicas, devem ser estudadas as influências que

futuras alterações poderão provocar, bem como os necessários instrumentos

para gerir essas alterações.

O “projeto de restauro” de cidades e aldeias históricas deve considerar

que os imóveis do tecido urbano desempenham uma dupla função:

a) são elementos definidores da forma urbana, mas também;

b) possuem uma espacialidade interna, que constitui um dos seus

valores essenciais.

9. As paisagens reconhecidas como património cultural são o

resultado e o reflexo da interação prolongada nas diferentes sociedades

entre o homem, a natureza e o meio ambiente físico. São testemunhos da

relação evolutiva das comunidades e dos indivíduos com o seu meio

ambiente.

Neste contexto, a sua conservação, preservação e desenvolvimento

centram-se nos aspectos humanos e naturais, integrando valores materiais e

intangíveis. É importante compreender e respeitar o caráter das paisagens e

aplicar leis e normas adequadas que harmonizem os usos mais importantes

do território com valores paisagísticos essenciais.

Em muitas sociedades, as paisagens possuem uma relação histórica

com o território e com as cidades. A integração da conservação da paisagem

cultural com o desenvolvimento sustentado de regiões e localidades com

atividades ecológicas, assim como com o meio ambiente natural requerem

uma conscientização e uma compreensão das suas relações ao longo do

tempo, o que implica o estabelecimento de relações com o meio ambiente

construído, de regiões metropolitanas, cidades e núcleos históricos.

A conservação integrada de paisagens arqueológicas ou com interesse

paleontológico, bem como o desenvolvimento de paisagens que apresentam

alterações muito significativas, envolvem a consideração de valores sociais,

culturais e estéticos.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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10. As técnicas de conservação devem estar intimamente ligadas à

investigação pluridisciplinar sobre materiais e tecnologias usadas na

construção, reparação e no restauro do património edificado. A intervenção

escolhida deve respeitar a função original e assegurar a compatibilidade com

os materiais, as estruturas e os valores arquitetônicos existentes.

Quaisquer novos materiais ou tecnologias devem ser rigorosamente

testados, comparados e experimentados antes da respectiva aplicação.

Embora a aplicação in situ de novas tecnologias possa justificar-se

para uma boa conservação dos materiais originais, estas devem ser

constantemente controladas tendo em conta os resultados obtidos, o seu

comportamento ao longo do tempo e a possibilidade da sua eventual

reversibilidade.

Deve estimular-se o conhecimento dos materiais e técnicas

tradicionais de construção, bem como a sua apropriada manutenção no

contexto da sociedade contemporânea, considerando-as como componentes

importantes do património cultural.

GESTÃO

11. A gestão das cidades históricas e do património cultural em geral,

tendo em conta os contínuos processos de mudança, transformação e

desenvolvimento, consiste na adoção de regulamentos apropriados, na

tomada de decisões, que implicam necessariamente escolhas, e no controlo

dos resultados. Um aspecto essencial deste processo, é a necessidade de

identificar os riscos, de antecipar os sistemas de prevenção apropriados e de

criar planos de atuação de emergência. O turismo cultural, apesar dos seus

aspectos positivos para a economia local, deve ser considerado como um

risco.

Deve prestar-se uma particular atenção à otimização dos custos

envolvidos. A conservação do património cultural deve constituir uma parte

integrante dos processos de planejamento econômico e gestão das

comunidades, pois pode contribuir para o desenvolvimento sustentável,

qualitativo, econômico e social dessas comunidades.

12. A pluralidade de valores do património e a diversidade de

interesses requerem uma estrutura de comunicação que permita uma

participação efetiva dos cidadãos no processo, para além dos especialistas e

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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gestores culturais. Caberá às comunidades adotar os métodos e as formas

apropriadas para assegurar uma verdadeira participação dos cidadãos e das

instituições nos processos de decisão.

FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO

13. A formação e a educação em património cultural exigem a

participação da sociedade e a integração da temática nos sistemas nacionais

de educação a todos os níveis. A complexidade dos projetos de restauro, ou

de quaisquer outras intervenções de conservação, por envolverem aspectos

históricos, técnicos, culturais e econômicos, requer a nomeação de

responsáveis bem formados e competentes.

A formação dos especialistas em conservação deve ser interdisciplinar

e incluir o estudo da história da arquitetura, da teoria e das técnicas da

conservação. Esta formação deve assegurar uma qualificação adequada,

necessária à resolução de problemas de investigação, bem como para

resolver corretamente as intervenções de conservação e restauro de uma

forma profissional e responsável.

A formação de profissionais e técnicos nas disciplinas da conservação

deve considerar a evolução das metodologias e do conhecimento técnico e

participar no debate atual sobre as teorias e as políticas de conservação.

A qualidade da mão-de-obra e o trabalho técnico durante os projetos

de restauro devem também ser valorizados com uma melhor formação

profissional.

MEDIDAS LEGAIS

14. A proteção e conservação do património construído podem ser

melhoradas através da adoção de medidas legais e administrativas. Estas

medidas devem assegurar que os trabalhos de conservação sejam realizados

por especialistas em conservação ou sob sua supervisão.

As disposições legais também podem prever um período de estágios

práticos, no contexto de programas estruturados. Deve conceder-se uma

atenção especial aos recém-formados especialistas em conservação do

património cultural, nomeadamente no momento da graduação como

profissionais independentes. Este grau deveria ser adquirido sob supervisão

de especialistas em conservação.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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ANEXO. DEFINIÇÕES

O Comitê de Redação da Carta de Cracóvia 2000 usou os seguintes

conceitos e terminologia:

a) Património: é o conjunto das obras do homem nas quais uma

comunidade reconhece os seus valores específicos e particulares e com os

quais se identifica. A identificação e a valorização destas obras como

património é, assim, um processo que implica a seleção de valores.

b) Monumento: é uma entidade identificada como portadora de valor e

que constitui um suporte da memória. Nele, a memória reconhece aspectos

relevantes relacionados com atos e pensamentos humanos, associados ao

curso da história e, todavia, acessíveis a todos.

c) Autenticidade: é o somatório das características substanciais,

historicamente provadas, desde o estado original até à situação atual, como

resultado das várias transformações que ocorreram no tempo.

d) Identidade: entende-se como a referência coletiva englobando, quer

os valores atuais que emanam de uma comunidade, quer os valores

autênticos do passado.

e) Conservação: é o conjunto das atitudes de uma comunidade que

contribuem para perpetuar o património e os seus monumentos. A

conservação do património construído é realizada, quer no respeito pelo

significado da sua identidade, quer no reconhecimento dos valores que lhe

estão associados.

f) Restauro: é uma intervenção dirigida sobre um bem patrimonial,

cujo objetivo é a conservação, da sua autenticidade e a sua posterior

apropriação pela comunidade.

g) Projeto de restauro: o projeto, resultante das opções de conservação,

é o processo específico através do qual a conservação do património

construído e da paisagem são realizados com sucesso.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

297

CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL SUBAQUÁTICO

De 02 de Novembro de 2001

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 15 de Outubro a 3 de

Novembro de 2001, na sua 31.ª sessão:

Reconhecendo a importância do património cultural subaquático

enquanto parte integrante do património cultural da humanidade e

elemento particularmente importante na história dos povos, das nações e

das suas relações mútuas no que concerne ao seu património comum;

Ciente da importância de proteger e preservar o património cultural

subaquático e que tal responsabilidade recai sobre todos os Estados;

Constatando o crescente interesse e apreço do público pelo património

cultural subaquático;

Convicta da importância de que a pesquisa, a informação e a educação

se revestem para a proteção e a preservação do património cultural

subaquático;

Convicta do direito do público de beneficiar das vantagens educativas

e recreativas decorrentes de um acesso responsável e não intrusivo ao

património cultural subaquático in situ e da importância da educação do

público para uma maior conscientização, valorização e proteção desse

património;

Consciente de que as intervenções não autorizadas representam uma

ameaça para o património cultural subaquático e que é necessário tomar

medidas mais rigorosas para prevenir tais intervenções;

Consciente da necessidade de responder adequadamente ao eventual

impacte negativo que certas atividades legítimas podem causar,

fortuitamente, sobre o património cultural subaquático;

Profundamente preocupada com a crescente exploração comercial do

património cultural subaquático e, em particular, com certas atividades que

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

298

visam a venda, aquisição e troca de elementos do património cultural

subaquático;

Ciente de que os avanços tecnológicos facilitam a descoberta do

património cultural subaquático e o respectivo acesso;

Convencida de que a cooperação entre Estados, organizações

internacionais, instituições científicas, organizações profissionais,

arqueólogos, mergulhadores, outras partes interessadas e o público em geral

é essencial para a proteção do património cultural subaquático;

Considerando que a prospecção, a escavação e a proteção do

património cultural subaquático requerem a disponibilização e o recurso a

métodos científicos específicos, bem como o uso de técnicas e equipamentos

apropriados e um alto grau de especialização profissional, tornando-se

necessário aplicar critérios uniformes;

Consciente da necessidade de codificar e desenvolver

progressivamente regras relativas à proteção e preservação do património

cultural subaquático, em conformidade com o direito e a prática

internacionais, nomeadamente a Convenção da UNESCO Relativa às

Medidas a Adotar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a

Transferência Ilícita da Propriedade de Bens Culturais, assinada em 14 de

Novembro de 1970, a Convenção da UNESCO Relativa à Proteção do

Património Mundial, Cultural e Natural, assinada em 16 de Novembro de

1972, e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em

10 de Dezembro de 1982;

Empenhada em melhorar a eficácia de medidas de âmbito

internacional, regional e nacional com vista à preservação in situ de

elementos do património cultural subaquático ou à sua recuperação cuidada,

se tal se mostrar necessário, para fins científicos ou de proteção;

Tendo decidido, na sua 29.ª sessão, que tal questão deveria ser objeto

de uma convenção internacional:

adota a presente Convenção neste 2.º dia de Novembro de 2001:

Artigo 1.º

Definições

Para os fins da presente Convenção:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

299

1 - a) “Património cultural subaquático” significa todos os vestígios da

existência do homem de caráter cultural, histórico ou arqueológico que se

encontrem parcial ou totalmente, periódica ou continuamente, submersos

há, pelo menos, 100 anos, nomeadamente:

i) Sítios, estruturas, edifícios, artefatos e restos humanos, bem como o

respectivo contexto arqueológico natural;

ii) Navios, aeronaves e outros veículos, ou parte deles, a respectiva

carga ou outro conteúdo, bem como o respectivo contexto arqueológico

e natural; e

iii) Artefatos de caráter pré-histórico.

b) Os oleodutos e cabos colocados no leito do mar não serão considerados

parte integrante do património cultural subaquático.

c) As instalações diferentes de oleodutos ou cabos colocados no leito do

mar e ainda em uso não serão considerados parte integrante do património

cultural subaquático.

2 - a) “Estados Partes” significa os Estados que tenham consentido em

ficar obrigados pela presente Convenção e relativamente aos quais a

presente Convenção esteja em vigor.

b) A presente Convenção aplica-se mutatis mutandis aos territórios

mencionados na alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º que se tornem Partes na

presente Convenção em conformidade com os requisitos previstos nesse

número que lhes sejam aplicáveis; nessa medida, a expressão “Estados

Partes” é extensível a tais territórios.

3 – “UNESCO” significa a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura.

4 – “Diretor-Geral” significa o Diretor-Geral da UNESCO.

5 – “Área” significa o leito do mar, os fundos marinhos e o seu subsolo

além dos limites da jurisdição nacional.

6 – “Intervenção sobre o património cultural subaquático” significa

uma atividade principalmente direcionada para o património cultural

subaquático e que possa, direta ou indiretamente, prejudicar materialmente

ou danificar de outro modo o património cultural subaquático.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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7 “Intervenção com incidência potencial sobre o património cultural

subaquático” significa qualquer atividade que, não tendo o património

cultural subaquático como seu objetivo principal ou parcial, possa prejudicar

materialmente ou danificar de outro modo o património cultural

subaquático.

8 – “Navios e aeronaves de Estado” significa os navios de guerra e

outros navios ou aeronaves pertencentes a um Estado ou por ele operados e

utilizados, quando do seu afundamento, exclusivamente para fins públicos

não comerciais, que se encontrem devidamente identificados como tal e

estejam incluídos na definição de património cultural subaquático.

9 - “Regras” significa as regras relativas a intervenções sobre o

património cultural subaquático, conforme estabelecido no artigo 33.º da

presente Convenção.

Artigo 2.º

Objetivos e princípios gerais

1- A presente Convenção visa garantir e reforçar a proteção do

património cultural subaquático.

2 - Os Estados Partes cooperarão entre si no tocante à proteção do

património cultural subaquático.

3 - Os Estados Partes preservarão o património cultural subaquático

em benefício da humanidade, em conformidade com as disposições da

presente Convenção.

4 - Os Estados Partes adotarão, individualmente ou, se for caso disso,

conjuntamente, todas as medidas apropriadas, em conformidade com a

presente Convenção e com o direito internacional, necessárias para proteger

o património cultural subaquático usando, para esse efeito, os meios mais

adequados de que disponham e que estejam de acordo com as suas

capacidades.

5 - A preservação in situ do património cultural será considerada

opção prioritária antes de ser autorizada ou iniciada qualquer intervenção

sobre o património.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

301

6 - Os elementos do património cultural subaquático recuperado serão

depositados, conservados e geridos por forma a assegurar a sua preservação

a longo prazo.

7 - O património cultural subaquático não será objeto de exploração

comercial.

8 - De acordo com a prática dos Estados e o direito internacional,

incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, nada na

presente Convenção será interpretado como modificando as regras do direito

internacional e a prática dos Estados relativa às imunidades ou quaisquer

direitos de um Estado sobre os seus navios e aeronaves.

9 - Os Estados Partes garantem que todos os restos humanos

submersos em águas marítimas serão tratados com o devido respeito.

10 - O acesso responsável e não intrusivo do público ao património

cultural subaquático in situ para fins de observação e documentação deverá

ser encorajado, de modo a promover quer a sensibilização do público para

esse património, quer a valorização e a proteção deste, exceto se tal acesso se

mostrar incompatível com a proteção e a gestão do referido património.

11 - Nenhuma atividade ou ato realizado com base na presente

Convenção constituirá fundamento para fazer valer, sustentar ou contestar

qualquer pretensão de soberania ou jurisdição nacional.

Artigo 3.º

Relação entre a presente Convenção e a Convenção das Nações

Unidas sobre o Direito do Mar

Nada na presente Convenção afetará os direitos, a jurisdição e os

deveres dos Estados decorrentes do direito internacional, incluindo a

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A presente Convenção

será interpretada e aplicada no contexto e em conformidade com o direito

internacional, incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do

Mar.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

302

Artigo 4.º

Relação com as leis dos salvados e dos achados

Nenhuma atividade referente ao património cultural subaquático a

que seja aplicável a presente Convenção será submetida às leis em matéria

de salvados ou achados, a menos que:

a) Seja autorizada pelas competentes autoridades,

b) Esteja em plena conformidade com a presente Convenção; e

c) Garanta a proteção máxima do património cultural subaquático

durante qualquer operação de recuperação.

Artigo 5.º

Atividades com incidência potencial sobre o património cultural

Subaquático

Cada Estado Parte usará os meios mais adequados de que disponha

para prevenir ou mitigar qualquer efeito adverso que possa resultar de

atividades levadas a efeito sob a sua jurisdição suscetíveis de afetar, de

modo fortuito, o património cultural subaquático.

Artigo 6.º

Acordos bilaterais e regionais ou outros acordos multilaterais

1- Os Estados Partes são encorajados a celebrar acordos bilaterais e

regionais, ou outros acordos multilaterais, ou a aprofundar os acordos já

existentes para fins de preservação do património cultural subaquático.

Todos estes acordos deverão estar em plena conformidade com a presente

Convenção, não lhe retirando o caráter universal. Os Estados poderão, no

âmbito de tais acordos, adotar regras e regulamentos que garantam melhor

proteção do património cultural subaquático do que os previstos na presente

Convenção.

2 - As Partes nos referidos acordos bilaterais, regionais ou noutros

acordos multilaterais podem convidar os Estados com interesse legítimo,

especialmente de natureza cultural, histórica ou arqueológica, no património

cultural subaquático em questão a aderir a tais acordos.

3 - A presente Convenção não altera os direitos e obrigações dos

Estados Partes relativamente à proteção de navios afundados, decorrentes

de acordos bilaterais, regionais ou outros acordos multilaterais celebrados

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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antes da adoção da presente Convenção, caso se mostrem conformes aos

objetivos da presente Convenção.

Artigo 7.º

Patrimônio cultural subaquático em águas interiores e

arquipelágicas e no mar territorial

1 - No exercício da sua soberania, os Estados Partes gozam do direito

exclusivo de regulamentar e autorizar as intervenções sobre o património

cultural subaquático nas suas águas interiores e arquipelágicas e no seu

mar territorial.

2 - Sem prejuízo de outros acordos internacionais e regras do direito

internacional aplicáveis ao património cultural subaquático, os Estados

Partes farão respeitar a aplicação das regras nas intervenções sobre o

património cultural subaquático que se encontre nas suas águas interiores e

arquipelágicas e no seu mar territorial.

3 - No exercício da sua soberania e de acordo com a prática geral

observada entre Estados, os Estados Partes, tendo em vista cooperar no

sentido da adoção dos melhores métodos de proteção dos navios e das

aeronaves do Estado, deverão informar o Estado de pavilhão Parte na

presente Convenção e, sendo caso disso, os outros Estados com interesse

legítimo, especialmente de natureza cultural, histórica ou arqueológica, se

ocorrer a descoberta de tais navios ou aeronaves nas suas águas

arquipelágicos ou no seu mar territorial.

Artigo 8.º

Património cultural subaquático na zona contígua

Sem prejuízo e em complemento dos artigos 9.º e 10.º, e em

conformidade com o n.º 2 do artigo 303.º da Convenção das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar, os Estados Partes poderão regulamentar e autorizar

intervenções sobre o património cultural subaquático na sua zona contígua,

desde que façam respeitar a aplicação das regras.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 9.º

Declaração e notificação na zona econômica exclusiva e na

plataforma continental

1 - Compete aos Estados Partes proteger o património cultural

subaquático na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, em

conformidade com a presente Convenção. Consequentemente:

a) Sempre que um seu nacional ou um navio arvorando a sua

bandeira descobrir ou tencionar intervir sobre o património cultural

subaquático situado na sua zona econômica exclusiva ou na sua

plataforma continental, o Estado Parte deverá exigir que o referido

nacional ou o comandante do navio lhe declare tal descoberta ou

intervenção;

b) Na zona econômica exclusiva ou na plataforma continental de outro

Estado Parte:

i) Os Estados Partes exigirão que o nacional ou o comandante do

navio lhes declare tal descoberta ou intervenção, bem como a esse

outro Estado Parte;

ii) Em alternativa, o Estado Parte exigirá ao nacional ou ao

comandante do navio que tal descoberta ou intervenção lhe seja

declarada e assegurará a rápida e efetiva transmissão dessa

declaração a todos os outros Estados Partes.

2 - Ao depositar os respectivos instrumentos de ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão, os Estados Partes especificarão a forma pela qual

serão transmitidas as informações previstas na alínea b) do n.º 1 do presente

artigo.

3 - Os Estados Partes notificarão o Diretor-Geral de qualquer

descoberta ou intervenção que lhes seja comunicada ao abrigo do disposto no

n.º 1 do presente artigo.

4 - O Diretor-Geral facultará prontamente a todos os Estados Partes

qualquer informação que lhe seja notificada ao abrigo do disposto no n.º 3 do

presente artigo.

5 - Qualquer Estado Parte poderá declarar ao Estado Parte em cuja

zona econômica exclusiva ou plataforma continental o património

subaquático estiver situado o seu interesse em ser consultado sobre a forma

de garantir a efetiva proteção desse património cultural subaquático. Tal

declaração deverá ter por base um interesse legítimo, especialmente de

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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natureza cultural, histórica ou arqueológica, no património cultural

subaquático em questão.

Artigo 10.º

Proteção do património cultural subaquático na zona econômica

exclusiva e na plataforma continental

1 - Qualquer autorização para uma intervenção sobre o património

cultural subaquático situado na zona econômica exclusiva ou na plataforma

continental só poderá ser emitida em conformidade com o presente artigo.

2 - Qualquer Estado Parte em cuja zona econômica exclusiva ou

plataforma continental esteja situado o património cultural subaquático tem

o direito de interditar ou autorizar qualquer intervenção sobre o património

em causa, a fim de prevenir qualquer interferência nos seus direitos

soberanos ou na sua jurisdição em conformidade com o direito internacional,

incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

3 - Sempre que ocorrer uma descoberta de património cultural

subaquático ou houver intenção de realizar uma intervenção sobre o

património cultural subaquático na zona econômica exclusiva ou na

plataforma continental de um Estado Parte, esse Estado deverá:

a) Consultar todos os outros Estados Partes que tenham declarado o

seu interesse nos termos do n.º 5 do artigo 9.º sobre a melhor forma de

proteger o património cultural subaquático;

b) Coordenar tais consultas na qualidade de Estado coordenador, a

menos que declare expressamente que não deseja assumir essa

função, caso em que os Estados Partes que se tenham declarado

interessados nos termos do n.º 5 do artigo 9.º designarão um Estado

coordenador.

4 - Sem prejuízo do dever de todos os Estados Partes protegerem o

património cultural subaquático mediante a adoção de todas as medidas

consideradas oportunas em conformidade com o direito internacional que

visem obstar a qualquer perigo imediato para o património cultural

subaquático, nomeadamente a pilhagem, o Estado coordenador poderá

tomar todas as medidas adequadas e ou emitir todas as autorizações

necessárias em conformidade com a presente Convenção, antes mesmo de

qualquer consulta, se for caso disso, a fim de obstar a qualquer perigo

imediato para o património cultural subaquático resultante de atividades

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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humanas ou outra causa, nomeadamente a pilhagem. Quando da adoção de

tais medidas, poderá ser solicitado o apoio de outros Estados Partes.

5 - O Estado coordenador:

a) Implementará as medidas de proteção que tenham sido acordadas

entre os Estados consultados, incluindo o Estado coordenador, a

menos que os Estados consultados, incluindo o Estado coordenador,

acordem em que estas medidas sejam implementadas por um outro

Estado Parte;

b) Emitirá todas as autorizações que se mostrem necessárias

relativamente às medidas acordadas em conformidade com as regras,

salvo se os Estados consultados, incluindo o Estado coordenador,

acordarem em que tais autorizações sejam emitidas por um outro

Estado Parte;

c) Poderá conduzir qualquer pesquisa preliminar sobre o património

cultural subaquático e emitir todas as autorizações que, em

consequência, se mostrem necessárias, transmitindo prontamente os

resultados de tal pesquisa ao Diretor-Geral, o qual, por sua vez,

facultará prontamente tais informações aos outros Estados Partes.

6 - Ao coordenar consultas, tomar medidas, realizar pesquisas

preliminares e ou emitir autorizações de acordo com o presente artigo, o

Estado coordenador estará a agir em nome dos Estados Partes no seu

conjunto e não no seu próprio interesse. Nenhuma destas acções poderá, por

si só, constituir fundamento para a reivindicação de quaisquer direitos

preferenciais ou jurisdicionais não previstos no direito internacional,

incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

7 - Sob reserva do disposto nos n.ºs 2 e 4 do presente artigo, nenhuma

intervenção sobre navios ou aeronaves do Estado será realizada sem o

acordo do Estado de pavilhão ou a colaboração do Estado coordenador.

Artigo 11.º

Declaração e notificação na área

1 - Os Estados Partes têm a responsabilidade de proteger o

património cultural subaquático na área, em conformidade com a presente

Convenção e o artigo 149.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito

do Mar. Consequentemente, sempre que um nacional ou um navio

arvorando o pavilhão de um Estado Parte descobrir ou tencionar realizar

uma intervenção sobre o património cultural subaquático situado na área,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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esse Estado Parte exigirá que o seu nacional ou o comandante do navio lhe

declare a descoberta ou a intervenção pretendida.

2 - Os Estados Partes notificarão o Diretor-Geral e o Secretário-Geral

da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos das descobertas ou

intervenções sobre o património cultural subaquático que lhe foram

declaradas.

3 - O Diretor-Geral facultará, prontamente, a todos os Estados Partes

quaisquer informações que lhe sejam notificadas.

4 - Qualquer Estado Parte poderá comunicar ao Diretor-Geral o seu

interesse em ser consultado sobre a forma de garantir a efetiva proteção do

património cultural subaquático. Tal declaração deverá ter por fundamento

um interesse legítimo no património cultural subaquático em questão,

merecendo particular consideração os direitos preferenciais dos Estados de

origem cultural, histórica ou arqueológica.

Artigo 12.º

Proteção do patrimônio cultural subaquático

1 - Qualquer autorização para uma intervenção sobre o património

cultural subaquático situado na área só poderá ser emitida em conformidade

com o presente artigo.

2 - O Diretor-Geral convidará todos os Estados Partes que tenham

manifestado o seu interesse nos termos do n.º 4 do artigo 11.º a procederem a

consultas mútuas sobre a melhor forma de proteger o património cultural

subaquático e a designarem um Estado Parte para coordenar tais consultas

na qualidade de Estado coordenador. O Diretor-Geral convidará,

igualmente, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos a participar

nessas consultas.

3 - Todos os Estados Partes poderão tomar as medidas que se

mostrem adequadas em conformidade com a presente Convenção, se

necessário antes de qualquer consulta, para prevenir qualquer perigo

imediato para o património cultural subaquático decorrente de atividades

humanas ou de qualquer outra causa, incluindo pilhagens.

4 - O Estado coordenador deverá:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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a) Implementar medidas de proteção que tenham sido acordadas pelos

Estados consultados, incluindo o Estado coordenador, exceto se os

Estados consultados, incluindo o Estado coordenador, acordarem em

que deverá ser outro Estado Parte a implementar tais medidas;

b) Emitir todas as autorizações necessárias relativamente às medidas

assim acordadas em conformidade com a presente Convenção, salvo se

os Estados consultados, incluindo o Estado coordenador, acordarem

em que deverá ser outro Estado Parte a emitir tais autorizações.

5 - O Estado coordenador poderá realizar qualquer pesquisa

preliminar que entenda necessária sobre o património cultural subaquático

e emitir as autorizações competentes, transmitindo prontamente os

resultados ao Diretor-Geral, o qual, por sua vez, facultará essas informações

aos restantes Estados.

6 - Ao coordenar consultas, tomar medidas, proceder a pesquisas

preliminares e ou emitir autorizações em conformidade com o presente

artigo, o Estado coordenador estará a agir em benefício da humanidade, em

nome de todos os Estados Partes. Será concedida especial atenção aos

direitos preferenciais dos Estados de origem cultural, histórica ou

arqueológica no que respeita ao património cultural subaquático em

questão.

7 - Nenhum Estado Parte empreenderá ou autorizará intervenções

sobre navios ou aeronaves do Estado na área sem o consentimento do Estado

de pavilhão.

Artigo 13.º

Imunidades

Os navios de guerra e outros navios do Estado ou aeronaves militares

com imunidade de jurisdição que operem com fins não comerciais, no

decurso normal das suas operações e não estando envolvidos em

intervenções sobre o património cultural subaquático, não serão obrigados a

declarar descobertas de património cultural subaquático nos termos dos

artigos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da presente Convenção. Contudo, os Estados

Partes providenciarão no sentido de que os seus navios de guerra ou outros

navios do Estado ou as suas aeronaves militares com imunidade de

jurisdição que operem com fins não comerciais observem, tanto quanto

possível e razoável, o disposto nos artigos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da presente

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Convenção, através da adoção de medidas apropriadas que não prejudiquem

as operações ou a capacidade operacional de tais navios ou aeronaves.

Artigo 14.º

Controle de entrada no território, comércio e posse

Os Estados Partes tomarão medidas que visem impedir a entrada nos

respectivos territórios, o comércio e a posse de património cultural

subaquático exportado ilicitamente e ou recuperado, sempre que tal

recuperação viole as disposições da presente Convenção.

Artigo 15.º

Não utilização das zonas sob jurisdição dos Estados Partes

Os Estados Partes tomarão medidas com vista a proibir a utilização

do seu território, incluindo os portos marítimos e ilhas artificiais, instalações

ou estruturas sob o seu exclusivo controlo ou jurisdição, para apoio de

intervenções sobre o património cultural subaquático não conformes com a

presente Convenção.

Artigo 16.º

Medidas relativas a nacionais e a navios

Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para

garantir que os seus nacionais e os navios que arvorem o seu pavilhão não

procederão a quaisquer intervenções sobre o património cultural

subaquático que violem a presente Convenção.

Artigo 17.º

Sanções

1 - Cada Estado Parte imporá sanções pela violação das medidas por

si tomadas com vista à implementação da presente Convenção.

2 - As sanções aplicadas por qualquer violação deverão ser

suficientemente severas por forma a garantir a observância da presente

Convenção e a desencorajar a prática de infrações, onde quer que elas

ocorram, e deverão privar os infratores do produto das suas atividades

ilegais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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3 - Os Estados Partes cooperarão entre si por forma a garantir a

aplicação das sanções previstas no presente artigo.

Artigo 18.º

Apreensão e tratamento de elementos do património cultural

subaquático

1 - Cada Estado Parte tomará medidas que visem a apreensão, no seu

território, de elementos do património cultural subaquático que tenham sido

recuperados com violação da presente Convenção.

2 - O Estado Parte que tenha procedido à apreensão de elementos do

património cultural subaquático em aplicação da presente Convenção

procederá ao respectivo registro e proteção e tomará todas as medidas

apropriadas para garantir a estabilização desse património.

3 - Cada Estado Parte notificará o Diretor-Geral e qualquer outro

Estado com um interesse legítimo, especialmente de natureza cultural,

histórica ou arqueológica, no património cultural subaquático em questão de

qualquer apreensão de elementos do património cultural subaquático a que

tenha procedido ao abrigo da presente Convenção.

4 - O Estado Parte que tiver procedido à apreensão de elementos do

património cultural arqueológico zelará pela sua disponibilização em

benefício do público, tendo em consideração as necessidades de preservação

e de pesquisa, a necessidade de reconstituir uma coleção dispersa, a

necessidade de acesso do público, de exposição e de educação, bem como os

interesses de qualquer Estado com interesse legítimo, especialmente de

natureza cultural, histórica ou arqueológica, no património cultural

subaquático em questão.

Artigo 19.º

Cooperação e troca de informação

1 - Os Estados Partes cooperarão entre si e procederão a consultas

mútuas com vista à proteção e à gestão do património cultural subaquático

nos termos da presente Convenção, incluindo, se possível, a colaboração na

pesquisa, na escavação, na documentação, na preservação, no estudo e na

valorização desse património.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

311

2 - Na medida em que os objetivos da presente Convenção o

permitam, cada Estado Parte procederá à troca, com outros Estados Partes,

da informação de que disponha sobre o património cultural subaquático,

nomeadamente a que se prende com a descoberta e a localização de

património, com a escavação ou a recuperação de património em violação da

presente Convenção ou de outras disposições do direito internacional, com a

metodologia e a tecnologia científica apropriada e com a evolução do direito

aplicável a tal património.

3 - A informação trocada entre os Estados Partes, ou entre a

UNESCO e os Estados Partes, relativa à descoberta ou localização de

elementos do património cultural subaquático deverá ser mantida

confidencial e reservada às entidades competentes dos Estados Partes, em

conformidade com os respectivos direitos internos, enquanto a divulgação de

tal informação fizer perigar ou colocar em risco a preservação dos elementos

do património cultural subaquático em questão.

4 - Cada Estado Parte tomará todas as medidas que considere

oportunas, incluindo, se possível, a utilização de bases de dados

internacionais apropriadas, para divulgar informações sobre os elementos do

património cultural subaquático escavados ou recuperados em violação da

presente Convenção ou do direito internacional.

Artigo 20.º

Sensibilização do público

Cada Estado Parte tomará todas as medidas que considere oportunas

com vista a sensibilizar o público para o valor e o significado do património

cultural subaquático e para a importância da sua proteção nos termos da

presente Convenção.

Artigo 21.º

Formação em arqueologia subaquática

Os Estados Partes cooperarão entre si a fim de providenciarem

formação em arqueologia subaquática e em técnicas de preservação do

património cultural subaquático, e de procederem, nos termos acordados, à

transferência de tecnologia relacionada com o património cultural

subaquático.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

312

Artigo 22.º

Serviços competentes

1 - Com vista a garantir a adequada implementação da presente

Convenção, os Estados Partes criarão serviços competentes ou reforçarão os

já existentes, se for caso disso, com o objetivo de criar, manter e atualizar

um inventário do património cultural subaquático, garantir de forma eficaz

a proteção, a preservação, a valorização e a gestão de tal património, assim

como a investigação científica e o ensino pertinentes.

2 - Os Estados Partes comunicarão ao Diretor-Geral o nome e o

endereço dos serviços competentes em matéria de património cultural

subaquático.

Artigo 23.º

Conferência dos Estados Partes

1- O Diretor-Geral convocará uma conferência dos Estados Partes no

prazo de um ano após a entrada em vigor da presente Convenção e,

posteriormente, pelo menos uma vez de dois em dois anos. A pedido da

maioria dos Estados Partes, o Diretor-Geral convocará uma conferência

extraordinária de Estados Partes.

2 - A conferência dos Estados Partes definirá as suas funções e

responsabilidades.

3- A conferência dos Estados Partes adotará o seu próprio

regulamento interno.

4 - A Conferência dos Estados Partes poderá criar um conselho

consultivo científico e técnico composto por peritos nomeados pelos Estados

Partes que respeite os princípios de uma equitativa distribuição geográfica e

de um desejável equilíbrio entre sexos.

5 - O conselho consultivo científico e técnico dará o apoio necessário à

conferência dos Estados Partes em questões de natureza científica ou

técnica relativas à implementação das regras.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

313

Artigo 24.º

Secretariado da presente Convenção

1 - O Secretariado da presente Convenção será assegurado pelo

Diretor-Geral.

2 - O Secretariado terá as seguintes funções:

a) Organizar as conferências dos Estados Partes conforme previsto no

n.º 1 do artigo 23.º;

b) Apoiar os Estados Partes na execução das decisões tomadas pelas

conferências dos Estados Partes.

Artigo 25.º

Resolução pacífica de diferendos

1 - Qualquer diferendo entre dois ou mais Estados relativo à

interpretação ou aplicação da presente Convenção será objeto de negociações

efetuadas de boa fé ou mediante qualquer outro meio pacífico de resolução

da escolha dos Estados intervenientes.

2 - Se o diferendo não for resolvido através de negociações num

período razoável de tempo, poderá ser submetido à UNESCO para efeitos de

mediação, por acordo entre os Estados intervenientes.

3 - Se não houver lugar a mediação ou não for possível obter a

resolução por mediação, as disposições relativas à resolução de diferendos

enunciadas na parte XV da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do

Mar serão aplicáveis mutatis mutandis a qualquer diferendo entre Estados

Partes na presente Convenção relativo à interpretação ou aplicação desta,

independentemente de serem ou não Partes na Convenção das Nações

Unidas sobre o Direito do Mar.

4 - Qualquer procedimento escolhido por um Estado Parte na presente

Convenção e na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar em

conformidade com o artigo 287.º desta, será aplicado à resolução de

diferendos nos termos do presente artigo, salvo se tal Estado Parte, quando

da sua ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção, ou

em qualquer momento posterior, escolher qualquer outro procedimento em

conformidade com o n.º 1 do artigo 287.º da Convenção das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar para fins de resolução de diferendos resultantes da

aplicação da presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

314

5 - Quando da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente

Convenção, ou em qualquer momento posterior, qualquer Estado Parte na

presente Convenção que não seja parte na Convenção das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar poderá escolher, através de declaração escrita, um ou

vários dos meios enunciados no n.º 1 do artigo 287.º da Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar com o propósito de resolver diferendos

nos termos do presente artigo. O artigo 287.º será aplicável a tal declaração,

assim como a qualquer diferendo em que esse Estado seja parte e que não

esteja abrangido por uma declaração em vigor. Para efeitos de conciliação e

arbitragem, de acordo com os anexos V e VII à Convenção das Nações

Unidas sobre o Direito do Mar, tal Estado poderá nomear conciliadores e

árbitros a serem incluídos nas listas referidas no artigo 2.º do anexo V e no

artigo 2.º do anexo VII para efeitos de resolução de diferendos resultantes da

aplicação da presente Convenção.

Artigo 26.º

Ratificação, aceitação, aprovação e adesão

1 - A presente Convenção ficará sujeita à ratificação, aceitação e

aprovação dos Estados membros da UNESCO.

2 - A presente Convenção ficará sujeita à adesão:

a) Dos Estados que não sejam membros da UNESCO mas sejam

membros da Organização das Nações Unidas ou de uma instituição

especializada do sistema da Organização das Nações Unidas ou da

Agência Internacional de Energia Atômica, assim como dos Estados

Partes no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, e de qualquer

outro Estado convidado a aderir à presente Convenção pela

Conferência Geral da UNESCO;

b) Dos territórios que gozem de total autonomia interna, reconhecida

como tal pela Organização das Nações Unidas, mas que não acederam

à plena independência em conformidade com a Resolução 1514 (XV)

da Assembleia Geral e que tenham competência relativamente às

matérias tratadas pela presente Convenção, incluindo a competência

para celebrar tratados sobre tais matérias.

3 - Os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão

serão depositados junto do Diretor-Geral.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

315

Artigo 27.º

Entrada em vigor

A presente Convenção entrará em vigor três meses após a data de

depósito do 20.º instrumento conforme previsto no artigo 26.º, mas somente

no que concerne aos 20 Estados ou territórios que, desse modo, tenham

depositado os seus instrumentos. Relativamente a qualquer outro Estado ou

território, a Convenção entrará em vigor três meses após a data em que esse

Estado depositou o respectivo instrumento.

Artigo 28.º

Declaração relativa a águas interiores

Ao ratificar, aceitar, aprovar ou aderir à presente Convenção, ou em

qualquer momento posterior, qualquer Estado ou território poderá declarar

que as regras se aplicarão às suas águas interiores de natureza não

marítima.

Artigo 29.º

Limitação de âmbito geográfico

Quando da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente

Convenção, um Estado ou território poderá declarar ao depositário que a

presente Convenção não será aplicável a determinadas partes do seu

território, às suas águas interiores, às suas águas arquipelágicas ou ao seu

mar territorial, explicitando as razões de tal declaração. Tal Estado deverá,

se e logo que possível, reunir as condições necessárias à aplicação da

presente Convenção às zonas especificadas na sua declaração, devendo

retirar a sua declaração, no todo ou em parte, logo que as referidas condições

estiverem reunidas.

Artigo 30.º

Reservas

Excetuando-se o disposto no artigo 29.º, nenhuma reserva poderá ser

feita relativamente à presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

316

Artigo 31.º

Emendas

1 - Qualquer Estado Parte poderá, através de comunicação escrita

dirigida ao Diretor-Geral, propor emendas à presente Convenção. O Diretor-

Geral transmitirá essa comunicação a todos os outros Estados Partes. Se, no

prazo de seis meses a contar da data da transmissão da comunicação, pelo

menos metade dos Estados responder favoravelmente, o Diretor-Geral

submeterá tal proposta à próxima Conferência dos Estados Partes para

discussão e possível adoção.

2- As emendas serão adotadas por uma maioria de dois terços dos

Estados Partes presentes e votantes.

3 - Uma vez adotadas, as emendas à presente Convenção serão objeto

de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão pelos Estados Partes.

4 - Somente em relação aos Estados Partes que as tenham ratificado,

aceite, aprovado, ou a elas tenham aderido, as emendas entrarão em vigor

três meses após o depósito dos instrumentos referidos no n.º 3 do presente

artigo por dois terços dos Estados Partes. Subsequentemente, em relação a

cada Estado ou território que ratifique, aceite ou aprove qualquer emenda,

ou a ela adira, tal emenda entrará em vigor três meses após o depósito, por

essa Parte, do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou

adesão.

5 - Qualquer Estado ou território que se torne Parte na presente

Convenção após a entrada em vigor de emendas feitas em conformidade com

o n.º 4 do presente artigo, e que não manifeste uma intenção diferente, será

considerado:

a) Parte na presente Convenção, conforme emendada;

b) Parte na presente Convenção não emendada relativamente aos

Estados Partes que não estiverem vinculados por tal emenda.

Artigo 32.º

Denúncia

1 - Qualquer Estado Parte poderá, mediante notificação escrita

dirigida ao Diretor-Geral, denunciar a presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

317

2 - A denúncia produzirá efeitos 12 meses após a data de recepção da

notificação, a menos que nela se especifique uma data posterior.

3 - A denúncia não afetará, por qualquer forma, o dever de qualquer

Estado Parte cumprir todas as obrigações previstas na presente Convenção

às quais estaria sujeito pelo direito internacional independentemente da

presente Convenção.

Artigo 33.º

As Regras

As regras anexas fazem parte integrante da presente Convenção e,

salvo disposição expressa em contrário, a referência à presente Convenção

abrange as regras.

Artigo 34.º

Registro junto da Organização das Nações Unidas

Em conformidade com o artigo 102.º da Carta das Nações Unidas, a

presente Convenção ficará registrada no Secretariado da Organização das

Nações Unidas.

Artigo 35.º

Textos fazendo fé

A presente Convenção foi redigida em árabe, chinês, inglês, francês,

russo e espanhol, fazendo os seis textos igualmente fé.

ANEXO

Regras relativas a intervenções sobre o património cultural

subaquático

I - Princípios gerais

Regra 1

A preservação in situ, como forma de preservação do património

cultural subaquático, deverá ser considerada uma opção prioritária.

Consequentemente, as intervenções sobre o património cultural subaquático

só deverão ser autorizadas se o procedimento for compatível com a proteção

desse património e só poderão ser autorizadas se, sujeitas a tal requisito,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

318

contribuírem igualmente, de forma significativa, para a proteção, o

conhecimento ou a valorização desse património.

Regra 2

A exploração comercial do património cultural subaquático para fins

de transação ou especulação, ou a sua irreversível dispersão, é incompatível

com a sua proteção e adequada gestão. Os elementos do património cultural

subaquático não deverão ser negociados, comprados ou trocados como se se

tratassem de bens de natureza comercial. A presente regra não pode ser

interpretada como proibindo:

a) A prestação de serviços de arqueologia profissionais ou de serviços

conexos necessários, cuja natureza e fim estejam em plena

conformidade com a presente Convenção, sob reserva da autorização

dos serviços competentes;

b) O depósito de elementos do património cultural subaquático

recuperados no âmbito de um projeto de investigação em

conformidade com a presente Convenção, desde que tal depósito não

seja contrário ao interesse científico ou cultural ou à integridade do

material recuperado nem resulte na sua irreversível dispersão, esteja

conforme com as regras 33 e 34 e fique sujeito a autorização pelos

serviços competentes.

Regra 3

As intervenções sobre o património cultural subaquático não deverão

afetá-lo negativamente mais do que o necessário para a consecução dos

objetivos do projeto.

Regra 4

As intervenções sobre o património cultural subaquático devem

recorrer a métodos e técnicas de prospecção não destrutivas, devendo dar-se

preferência à recuperação de objetos. Se a escavação ou a recuperação se

revelarem necessárias para o estudo científico ou para a proteção definitiva

do património cultural subaquático, as técnicas e os métodos a usar devem

ser o menos destrutivo possível e contribuir para a preservação dos

vestígios.

Regra 5

As intervenções sobre o património cultural subaquático não devem

perturbar desnecessariamente os restos humanos ou sítios venerados.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

319

Regra 6

As intervenções sobre o património cultural subaquático devem ser

estritamente regulamentadas por forma que o registro da informação

cultural, histórica e arqueológica seja devidamente efetuado.

Regra 7

Deve ser promovido o acesso do público ao património cultural

subaquático in situ, exceto se tal se mostrar incompatível com a proteção e a

gestão do sítio.

Regra 8

A cooperação internacional em matéria de intervenção sobre o

património cultural subaquático deve ser encorajada, de modo a favorecer

intercâmbios profícuos entre arqueólogos e especialistas de outras profissões

conexas, bem como um melhor aproveitamento das suas competências.

II - Plano do projeto

Regra 9

Antes de qualquer intervenção sobre o património cultural

subaquático deve ser elaborado um plano do projeto, a submeter às

autoridades competentes, com vista à necessária apreciação e autorização.

Regra 10

O plano do projeto deve incluir:

a) Um resumo dos estudos prévios ou preliminares;

b) O enunciado do projeto e seus objetivo;

c) A metodologia a seguir e as técnicas a empregar;

d) O plano de financiamento;

e) A calendarização da execução do projeto;

f) A composição da equipa e as qualificações, funções e experiência de

cada membro da equipa;

g) O programa de análises e outras atividades a efetuar após o

trabalho de campo;

h) Um programa de preservação do material arqueológico e do sítio, a

executar em estreita cooperação com as autoridades competentes;

i) A política de gestão e de manutenção do sítio durante a execução do

projeto;

j) Um programa de documentação;

k) Um plano de segurança;

l) Um plano de incidência ambiental;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

320

m) As modalidades de colaboração com museus e outras instituições,

em particular instituições científicas;

n) Um plano de preparação de relatórios;

o) As modalidades de depósito dos arquivos, incluindo os elementos do

património cultural subaquático recuperados; e

p) O programa de divulgação.

Regra 11

As intervenções sobre o património cultural subaquático devem ser

conduzidas de acordo com o plano do projeto aprovado pelas autoridades

competentes.

Regra 12

Em caso de descobertas imprevistas ou de alteração de circunstâncias,

o plano do projeto deve ser revisto e retificado, com a aprovação das

autoridades competentes.

Regra 13

Em caso de urgência ou de descobertas imprevistas, as intervenções

sobre o património cultural subaquático, incluindo as medidas ou atividades

de preservação de curta duração, em particular a estabilização do sítio,

podem ser autorizadas na ausência de um plano de projeto, para efeitos de

proteção do património cultural subaquático.

III - Trabalhos preliminares

Regra 14

Os trabalhos preliminares referidos na alínea a) da regra 10 devem

incluir uma avaliação do significado do património cultural subaquático e do

meio natural envolvente, bem como dos danos que possam resultar do

projeto proposto, e ainda quanto à possibilidade de serem recolhidos dados

tendentes à consecução dos objetivos do projeto.

Regra 15

A avaliação deve também incluir estudos de base sobre a informação

histórica e arqueológica disponível, as características arqueológicas e

ambientais do sítio e as consequências de qualquer potencial intrusão para a

estabilidade, a longo prazo, do património cultural subaquático objeto das

intervenções.

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321

IV - Objetivo, metodologia e técnicas do projeto

Regra 16

A metodologia deve adequar-se aos objetivos do projeto e as técnicas

empregues devem ser o menos intrusiva possível.

V - Financiamento

Regra 17

Antes do início de qualquer intervenção, exceto em casos de urgência

para proteger o património cultural subaquático, deve ser garantida uma

base de financiamento adequada, suficiente para completar todas as fases do

plano do projeto, incluindo a preservação, a documentação e a preservação

do material arqueológico, assim como a preparação e a divulgação dos

relatórios.

Regra 18

O plano do projeto deve garantir a capacidade de financiamento deste

até à sua conclusão, através, por exemplo, da prestação de uma garantia.

Regra 19

O plano do projeto deve incluir um plano de contingência que garanta

a preservação do património cultural subaquático e da documentação

correlativa em caso de interrupção do financiamento.

VI - Duração do projeto - Calendarização

Regra 20

Antes do início de qualquer intervenção, deve ser estabelecida uma

adequada calendarização de modo a garantir o cumprimento de todas as

fases do plano do projeto, incluindo a preservação, a documentação e a

preservação dos elementos do património cultural subaquático recuperados,

assim como a preparação e a difusão dos relatórios.

Regra 21

O plano do projeto deve incluir um plano de contingência que garanta

a preservação do património cultural subaquático e da documentação

correlativa em caso de qualquer interrupção ou conclusão antecipada do

projeto.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

322

VII - Competência e qualificações

Regra 22

As intervenções sobre o património cultural subaquático só podem ser

realizadas sob a direção e o controlo, e com a presença regular, de um

arqueólogo subaquático qualificado, com competência científica adequada ao

projeto.

Regra 23

Todos os elementos da equipe do projeto devem possuir qualificações e

competência adequadas às suas funções no projeto.

VIII - Preservação e gestão do sítio

Regra 24

O programa de preservação prevê o tratamento dos vestígios

arqueológicos durante as intervenções sobre o património cultural

subaquático, durante o seu transporte e a longo prazo. A preservação deve

ser efetuada em conformidade com as normas profissionais vigentes.

Regra 25

O programa de gestão do sítio prevê a proteção e a gestão in situ do

património cultural subaquático, no decurso e após a conclusão do trabalho

de campo. O programa inclui a informação ao público, a implementação de

meios razoáveis para a estabilização, a monitorização e a proteção do sítio

contra interferências.

IX - Documentação

Regra 26

Do programa de documentação deve constar a documentação

pormenorizada das intervenções sobre o património cultural subaquático,

incluindo relatórios de progresso, em conformidade com as normas

profissionais vigentes relativas à documentação arqueológica.

Regra 27

A documentação deve incluir, pelo menos, um inventário

pormenorizado do sítio, incluindo a indicação da proveniência dos elementos

do património cultural subaquático deslocados ou removidos no decurso das

intervenções, notas de campo, planos, desenhos, secções e fotografias ou

registros noutros suportes.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

323

X - Segurança

Regra 28

Deve ser elaborado um plano de segurança adequado que garanta a

segurança e a saúde dos membros da equipa encarregue da execução do

projeto e de outros participantes, em conformidade com os requisitos legais e

profissionais vigentes.

XI - Meio ambiente

Regra 29

Deve ser preparado um plano de incidência ambiental adequado que

obste a qualquer perturbação indevida dos fundos marinhos e da vida

marinha.

XII - Relatórios

Regra 30

Os relatórios de progresso e o relatório final devem ficar disponíveis

na data prevista no plano do projeto e são depositados em arquivos públicos

apropriados.

Regra 31

Os relatórios devem incluir:

a) Um enunciado dos objetivo;

b) Um enunciado dos métodos e das técnicas empregues;

c) Um enunciado dos resultados obtidos;

d) A documentação gráfica e fotográfica essencial de todas as fases da

intervenção;

e) As recomendações relativas à preservação e preservação do sítio e

dos elementos do património cultural subaquático removidos;

f) Recomendações para futuras intervenções.

XIII - Conservação dos arquivos do projeto

Regra 32

As modalidades de conservação dos arquivos do projeto devem ser

acordadas antes do início de qualquer intervenção e devem constar do plano

do projeto.

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Cartas Patrimoniais:

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324

Regra 33

Os arquivos do projeto, incluindo qualquer elemento do património

cultural subaquático removido e uma cópia de toda a documentação conexa

devem, se possível, manter-se intactos e em conjunto, sob a forma de coleção,

de modo a ficarem acessíveis aos profissionais e ao público, garantindo-se,

igualmente, a respectiva conservação. Este procedimento deve ser

concretizado tão rapidamente quanto possível, o mais tardar, no prazo de 10

anos após a conclusão do projeto, desde que tal se mostre compatível com a

preservação do património cultural subaquático.

Regra 34

Os arquivos do projeto devem ser geridos em conformidade com as

normas profissionais internacionais e sujeitos à autorização das autoridades

competentes.

XIV - Divulgação

Regra 35

O projeto deve prever, sempre que possível, a realização de ações

educativas e a apresentação dos seus resultados ao grande público.

Regra 36

O relatório final de qualquer projeto deve ser:

a) Tornado público logo que possível, tendo em conta a complexidade

do projeto e a natureza confidencial ou sensível da informação nele

contida; e

b) Depositado em arquivos públicos apropriados.

Feito em Paris, neste 2.º dia de Novembro de 2001, em duas cópias

autenticadas, tendo aposta a assinatura do Presidente da 31.ª sessão da

Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura e do Diretor-Geral, que deverão ser depositadas nos

arquivos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, cujas cópias conformes e autenticadas serão remetidas a todos os

Estados referidos no artigo 26.º, assim como às Nações Unidas.

Em fé do que os abaixo assinados apuseram as suas assinaturas em 6

de Novembro de 2001.

O Presidente da Conferência Geral: (Assinatura.)

O Diretor-Geral: (Assinatura.)

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE SOBRE O

PATRIMÔNIO MUNDIAL

De 28 de Junho de 2002

O Comitê do Património Mundial:

Notando que em 2002, Ano das Nações Unidas para o Património

Cultural, o Comitê do Património Mundial celebra o trigésimo aniversário

da Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural

que foi adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 1972;

Considerando que em trinta anos a Convenção demonstrou ser um

instrumento ímpar de cooperação internacional para a proteção do

património cultural e natural de valor universal excepcional;

Adota a Declaração de Budapeste sobre o Patrimônio Mundial

1. Nós, membros do Comitê do Património Mundial, reconhecemos o

caráter universal da Convenção para a Proteção do Património Mundial,

Cultural e Natural (1972) e, consequentemente, a necessidade de assegurar

a sua aplicação ao património em toda a sua diversidade, enquanto

instrumento de desenvolvimento sustentável de todas as sociedades, pelo

diálogo e pela compreensão mútua;

2. Os bens inscritos na Lista do Património Mundial representam

riquezas que nos são confiadas para serem transmitidas às gerações futuras,

que delas são as legítimas herdeiras;

3. Tendo em conta a vastidão dos desafios a vencer a favor do nosso

património comum, nós:

a) encorajamos os países que ainda o não tenham feito a aderirem,

logo que possível, à Convenção e bem assim aos outros instrumentos

internacionais relativos às proteção do património;

b) convidamos os Estados parte na Convenção a fazerem o inventário

e proporem a inscrição, na Lista do Património Mundial, dos bens do

património cultural e natural em toda a sua diversidade;

c) zelaremos pela preservação de um justo equilíbrio entre a

conservação, a sustentabilidade e o desenvolvimento, de modo a

proteger os bens do património mundial através de atividades

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

326

adequadas que contribuam para o desenvolvimento social e econômico

e para a qualidade de vida das nossas comunidades;

d) uniremos esforços para cooperar na proteção do património,

reconhecendo que qualquer atentado a esse património constitui um

atentado ao espírito humano e à herança comum da humanidade;

e) defenderemos a causa do património mundial pela via da

comunicação, da educação, da investigação, da formação e da

sensibilização;

f) zelaremos por assegurar, a todos os níveis, a participação ativa das

nossas comunidades locais na identificação, proteção e gestão dos

bens do património mundial.

4. Nós, Comitê do Património Mundial, cooperaremos e procuraremos

o apoio de todos os parceiros a favor do património mundial. Para esse

efeito, convidamos todas as partes interessadas a que cooperem e promovam

os seguintes objetivos:

a) reforçar a Credibilidade da Lista do Património Mundial enquanto

testemunho representativo, geograficamente equilibrado, dos bens

culturais e naturais de valor universal excepcional;

b) assegurar a Conservação eficaz dos bens do património mundial;

c) promover a adoção de medidas eficazes com vista a garantir o

desenvolvimento das Capacidades, com vista a promover a

compreensão e aplicação da Convenção do Património Mundial e

instrumentos associados, nomeadamente pelo apoio na preparação de

propostas de inscrição de bens na Lista do Património Mundial;

d) desenvolver a Comunicação para sensibilizar o público e incentivar

a sua participação e o seu apoio ao património mundial.

5. Faremos na nossa 31ª sessão, em 2007, o balanço das ações

desenvolvidas para atingir estes objetivos e respeitar este compromisso.

Budapeste, 28 de Junho de 2002.

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Cartas Patrimoniais:

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327

RECOMENDAÇÃO DE PARIS

17 de outubro de 2003

Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial

Conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura doravante denominada "UNESCO", em sua 32ª sessão.

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura, daqui em diante denominada “a UNESCO”,

reunida em Paris de 29 de Setembro a 7 de Outubro de 2003 na sua 32ª

sessão,

Referindo-se aos instrumentos internacionais existentes em matéria

de direitos humanos, em particular à Declaração Universal dos Direitos do

Homem, de 1948, ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais, de 1966 e ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e

Políticos, de 1966,

Considerando a importância do património cultural imaterial, crisol

da diversidade cultural e garante do desenvolvimento sustentável, como se

destaca na Recomendação da UNESCO para a Salvaguarda da Cultura

Tradicional e do Folclore, de 1989, na Declaração Universal da UNESCO

sobre a Diversidade Cultural, de 2001 e na Declaração de Istambul de 2002

adotada pela Terceira Mesa Redonda dos Ministros da Cultura,

Considerando a profunda interdependência entre o património

cultural imaterial e o património material cultural e natural,

Reconhecendo que os processos de globalização e de transformação

social, a par das condições que criam para um diálogo renovado entre as

comunidades, trazem igualmente consigo, à semelhança dos fenômenos de

intolerância, graves ameaças de degradação, desaparecimento e destruição

do património cultural imaterial, devido em particular à falta de meios de

salvaguarda deste,

Consciente da vontade universal e da preocupação comum de

salvaguardar o património cultural imaterial da humanidade,

Reconhecendo que as comunidades, em particular as comunidades

autóctones, os grupos e, em certos casos, os indivíduos, desempenham um

papel importante na produção, salvaguarda, manutenção e recriação do

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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patrimônio cultural imaterial, assim contribuindo para o enriquecimento da

diversidade cultural e da criatividade humana,

Tendo em conta o grande alcance da atividade desenvolvida pela

UNESCO na elaboração de instrumentos normativos para a proteção do

património cultural, em particular a Convenção para a Proteção do

Património Mundial, Cultural e Natural de 1972,

Tendo em conta também que ainda não existe nenhum instrumento

multilateral de caráter vinculativo visando a salvaguarda do património

cultural imaterial,

Considerando que os acordos, recomendações e resoluções

internacionais existentes em matéria de património cultural e natural

necessitam de ser eficazmente enriquecidos e complementados por novas

disposições relativas ao património cultural imaterial,

Considerando a necessidade de reforçar a conscientização, em

particular das gerações jovens, para a importância do património cultural

imaterial e da sua salvaguarda,

Considerando que a comunidade internacional deve contribuir,

juntamente com os Estados Partes na presente Convenção, para a

salvaguarda deste património num espírito de cooperação e ajuda mútua,

Recordando os programas da UNESCO relativos ao património

cultural imaterial, nomeadamente a Proclamação das Obras-Primas do

Património Oral e Imaterial da Humanidade,

Considerando o papel inestimável do património cultural imaterial

como fator de aproximação, intercâmbio e entendimento entre os seres

humanos,

Aprova, neste dia dezessete de Outubro de 2003, a presente

Convenção.

I. Disposições gerais

Artigo 1º: Finalidades da Convenção

As finalidades da presente Convenção são:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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(a) a salvaguarda do património cultural imaterial;

(b) o respeito do património cultural imaterial das comunidades,

grupos e indivíduos envolvidos;

(c) a sensibilização a nível local, nacional e internacional para a

importância do património cultural imaterial e da sua apreciação

recíproca;

(d) a cooperação e assistência internacionais.

Artigo 2º: Definições

Para efeitos da presente Convenção,

1. Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas,

representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os

instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes estão

associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos

reconhecem como fazendo parte do seu património cultural. Este património

cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio envolvente, da

sua interação com a natureza e da sua história, e confere-lhes um sentido de

identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito

da diversidade cultural e a criatividade humana. Para efeitos da presente

Convenção, só será tomado em consideração o património cultural imaterial

que seja compatível com os instrumentos internacionais relativos aos

direitos humanos existentes, bem como com a exigência do respeito mútuo

entre comunidades, grupos e indivíduos, e de um desenvolvimento

sustentável.

2. O “patrimônio cultural imaterial” tal como é definido no parágrafo I

supra, manifesta-se nomeadamente nos seguintes domínios:

(a) tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do

património cultural imaterial;

(b) artes do espetáculo;

(c) práticas sociais, rituais e atos festivos;

(d) conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo;

(e) técnicas artesanais tradicionais.

3. Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visam assegurar a

viabilidade do património cultural imaterial, incluindo a identificação,

documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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transmissão - essencialmente pela educação formal e não formal – e

revitalização dos diversos aspectos deste património.

4. Entende-se por “Estados Partes” os Estados que estão vinculados

pela presente Convenção e entre os quais ela está em vigor.

5. A presente Convenção aplica-se mutatis mutandis aos territórios

visados no Artigo 33º que dela se tornem Partes, em conformidade com as

condições que o referido artigo especifica. Nesta medida, a expressão

“Estados Partes” refere-se também a esses territórios.

Artigo 3º: Relação com outros instrumentos internacionais

Nada na presente Convenção pode ser interpretado como:

(a) alterando o estatuto ou diminuindo o nível de proteção dos bens

declarados do património mundial no quadro da Convenção para a

Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972, aos

quais está diretamente associado um elemento do património cultural

imaterial; ou

(b) afetando os direitos e obrigações dos Estados Partes decorrentes de

qualquer instrumento internacional relativo aos direitos da

propriedade intelectual ou à utilização dos recursos biológicos e

ecológicos de que sejam partes.

II. Órgãos da Convenção

Artigo 4º: Assembleia Geral dos Estados Partes

1. É instituída uma Assembleia Geral dos Estados Partes, daqui em

diante denominada “a Assembleia Geral”. A Assembleia Geral é o órgão

soberano da presente Convenção.

2. A Assembleia Geral reúne-se em sessão ordinária de dois em dois

anos. Pode reunir-se em sessão extraordinária se assim decidir, ou se tal lhe

for solicitado pelo Comitê Intergovernamental de Salvaguarda do

Património Cultural Imaterial ou por um mínimo de dois terços dos Estados

Partes.

3. A Assembleia Geral adota o seu regulamento interno.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

331

Artigo 5º: Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do

Património Cultural Imaterial

1. É instituído junto da UNESCO um Comitê Intergovernamental

para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, daqui em diante

denominado “o Comitê”. É constituído por representantes de 18 Estados

Partes, eleitos pelos Estados Partes reunidos em Assembleia Geral depois da

entrada em vigor da presente Convenção, em conformidade com o Artigo 34º.

2. O número de Estados membros do Comitê será aumentado para 24

quando o número de Estados Partes na Convenção atingir os 50.

Artigo 6º: Eleição e mandato dos Estados membros do Comitê

1. A eleição dos Estados membros deve obedecer aos princípios de

uma repartição geográfica e uma rotação equitativas.

2. Os Estados membros do Comitê são eleitos para um mandato de

quatro anos pelos Estados Partes na Convenção reunidos em Assembleia

Geral.

3. No entanto, o mandato de metade dos Estados membros do Comitê

eleitos na primeira eleição fica limitado a dois anos. Estes Estados são

designados por sorteio na altura da primeira eleição.

4. De dois em dois anos, a Assembleia Geral procede à renovação de

metade dos Estados membros do Comitê.

5. Elege igualmente tantos Estados membros do Comitê quantos os

necessários para preencher os lugares vagos.

6. Um Estado membro do Comitê não pode ser eleito para dois

mandatos consecutivos.

7. Os Estados membros do Comitê escolhem para os representar

pessoas qualificadas nos diversos domínios do património cultural imaterial.

Artigo 7º: Funções do Comitê

Sem prejuízo das demais atribuições que lhe são cometidas pela

presente Convenção, as funções do Comitê são as seguintes:

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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(a) promover os objetivos da Convenção, fomentar e supervisionar a sua

aplicação;

(b) dar conselhos sobre as melhores práticas e formular recomendações

sobre as medidas tendentes a salvaguardar o património cultural

imaterial;

(c) preparar e submeter à aprovação da Assembleia Geral um projeto

de utilização dos recursos do Fundo, em conformidade com o Artigo 25º;

(d) esforçar-se por encontrar formas de aumentar os seus recursos e

tomar as medidas necessárias para tal fim, em conformidade com o

Artigo 25º;

(e) preparar e submeter à aprovação da Assembleia Geral diretivas

operacionais para a aplicação da Convenção;

(f) examinar, em conformidade com o Artigo 29º, os relatórios dos

Estados Partes e fazer deles um resumo destinado à Assembleia Geral;

(g) examinar as solicitações apresentadas pelos Estados Partes e

decidir, em conformidade com os critérios objetivos de seleção

estabelecidos pelo próprio Comitê e aprovados pela Assembleia Geral:

(i.) sobre as inscrições nas listas e sobre as propostas mencionadas nos

Artigos 16º, 17º e 18º;

(ii.) sobre a prestação da assistência internacional em conformidade

com o Artigo 22º.

Artigo 8º: Métodos de trabalho do Comitê

1. O Comitê é responsável perante a Assembleia Geral. Presta-lhe

contas de todas as suas atividades e decisões.

2. O Comitê adota o seu regulamento interno por maioria de dois

terços dos seus membros.

3. O Comitê pode criar temporariamente os órgãos consultivos ad hoc

que considere necessários para a execução das suas funções.

4. O Comitê pode convidar para as suas reuniões qualquer organismo

público ou privado, bem como qualquer pessoa física de comprovada

competência nos diferentes domínios do património cultural imaterial, para

os consultar sobre questões específicas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 9º: Certificação das organizações consultivas

1. O Comitê propõe à Assembleia Geral a certificação de organizações

não governamentais de comprovada competência no domínio do património

cultural imaterial. Estas organizações terão funções consultivas junto do

Comitê.

2. O Comitê propõe igualmente à Assembleia Geral os critérios e

modalidades desta certificação.

Artigo 10º: O Secretariado

1. O Comitê é assistido pelo Secretariado da UNESCO.

2. O Secretariado prepara a documentação da Assembleia Geral e do

Comitê, bem como o projeto de ordem do dia das respectivas reuniões e

assegura a execução das decisões dos dois órgãos.

III. Salvaguarda do património cultural imaterial à escala

nacional

Artigo 11º: Funções dos Estados Partes

Compete a cada Estado Parte:

(a) tomar as medidas necessárias para garantir a salvaguarda do

património cultural imaterial presente no seu território;

(b) entre as medidas de salvaguarda mencionadas no parágrafo 3 do

Artigo 2º, identificar e definir os diferentes elementos do património

cultural imaterial presentes no seu território, com a participação das

comunidades, grupos e organizações não governamentais pertinentes.

Artigo 12º: Inventários

1. Para assegurar a identificação com vista à salvaguarda, cada

Estado Parte elabora, em moldes que se adaptem à sua situação, um ou

vários inventários do património cultural imaterial presente no seu

território. Estes inventários são objeto de atualização periódica.

2. Cada Estado Parte, quando da apresentação periódica do seu

relatório ao Comitê, em conformidade com o Artigo 29º, presta informações

pertinentes sobre os referidos inventários.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 13º: Outras medidas de salvaguarda

Com vista a assegurar a salvaguarda, o desenvolvimento e a

valorização do património cultural imaterial presente no seu território, cada

Estado Parte desenvolve esforços no sentido de:

(a) adotar uma política geral orientada para a valorização da função

do património cultural imaterial na sociedade e para a integração da

salvaguarda desse património em programas de planejamento;

(b) designar ou criar um ou mais organismos competentes para a

salvaguarda do património cultural imaterial presente no seu

território;

(c) fomentar estudos científicos, técnicos e artísticos, assim como

metodologias de investigação para uma eficaz salvaguarda do

património cultural imaterial, em particular do património cultural

imaterial em perigo;

(d) adotar medidas jurídicas, técnicas, administrativas e financeiras

adequadas para:

(i) estimular a criação ou o reforço de instituições de formação em

gestão do património cultural imaterial e a transmissão desse

património através de fóruns e espaços destinados à sua

representação e expressão;

(ii) garantir o acesso ao património cultural imaterial respeitando as

práticas consuetudinárias pelas quais se rege o acesso a aspectos

específicos desse património;

(iii) criar instituições de documentação sobre o património cultural

imaterial e facilitar o acesso a elas.

Artigo 14º: Educação, sensibilização e reforço das capacidades

Cada Estado Parte desenvolve esforços, por todos os meios

apropriados, no sentido de:

(a) assegurar o reconhecimento, respeito e valorização do património

cultural imaterial na sociedade, em particular através de:

(i) programas educativos, de sensibilização e difusão de informações

junto do público, nomeadamente dos jovens;

(ii) programas educativos e de formação específicos no âmbito das

comunidades e grupos envolvidos;

(iii) atividades de reforço das capacidades em matéria de salvaguarda

do património cultural imaterial e em particular de gestão e de

investigação científica; e

(iv) meios não formais de transmissão do saber;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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(b) manter o público informado das ameaças que impendem sobre esse

património bem como das atividades desenvolvidas na aplicação da

presente Convenção;

(c) promover a educação para a proteção dos espaços naturais e

lugares de memória cuja existência é necessária à expressão do

património cultural imaterial.

Artigo 15º: Participação das comunidades, grupos e indivíduos

No âmbito das suas atividades de salvaguarda do património cultural

imaterial, cada Estado Parte desenvolve esforços no sentido de assegurar a

mais ampla participação possível das comunidades, grupos e, se for caso

disso, indivíduos que criam, mantêm e transmitem esse património, e de os

envolver ativamente na sua gestão.

IV. Salvaguarda do património cultural imaterial à escala

internacional

Artigo 16º: Lista representativa do património cultural imaterial da

humanidade

1. Para melhor dar a conhecer o património cultural imaterial,

conscientizar as pessoas para a sua importância e promover o diálogo no

respeito da diversidade cultural, o Comitê, por proposta dos Estados Partes

interessados, cria, mantém atualizada e publica uma lista representativa do

património cultural imaterial da humanidade.

2. O Comitê elabora e submete à aprovação da Assembleia Geral os

critérios que irão presidir à criação, atualização e publicação desta lista

representativa.

Artigo 17º: Lista do património cultural imaterial que requer

medidas urgentes de salvaguarda

1. A fim de tomar as medidas de salvaguarda apropriadas, o Comitê

cria, mantém atualizada e publica uma lista do património cultural

imaterial que requer medidas urgentes de salvaguarda, e inscreve esse

património na Lista a pedido do Estado Parte interessado.

2. O Comitê elabora e submete à aprovação da Assembleia Geral os

critérios que presidem à criação, atualização e publicação desta lista.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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3. Em casos de extrema urgência – cujos critérios objetivos são

aprovados pela Assembleia Geral sob proposta do Comitê – este pode, em

consulta com o Estado Parte interessado, inscrever um elemento do

património em questão na lista mencionada no parágrafo 1.

Artigo 18º: Programas, projetos e atividades de salvaguarda do

património cultural imaterial

1.Com base nas propostas apresentadas pelos Estados Partes, e em

conformidade com os critérios definidos pelo Comitê e aprovados pela

Assembleia Geral, o Comitê seleciona periodicamente e promove os

programas, projetos e atividades de caráter nacional, sub-regional ou

regional de salvaguarda do património que em seu entender melhor refletem

os princípios e objetivos da presente Convenção, tendo em conta as

necessidades específicas dos países em desenvolvimento.

2. Para tal, recebe, examina e aprova as solicitações de assistência

internacional formuladas pelos Estados Partes para a elaboração das suas

propostas.

3. O Comitê acompanha a execução dos referidos programas, projetos

e atividades com a difusão das melhores práticas de acordo com as

modalidades que tiver definido.

V. Cooperação e assistência internacionais

Artigo 19º: Cooperação

1. Para os fins previstos na presente Convenção, a cooperação

internacional compreende em particular o intercâmbio de informações e

experiências, iniciativas comuns e a criação de um mecanismo de assistência

aos Estados Partes nos seus esforços de salvaguarda do património cultural

imaterial.

2. Sem prejuízo das disposições da respectiva legislação nacional e dos

respectivos direitos e usos consuetudinários, os Estados Partes reconhecem

que a salvaguarda do património cultural imaterial é do interesse geral da

humanidade e comprometem-se, para esse fim, a cooperar aos níveis

bilateral, sub-regional, regional e internacional.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 20º: Objetivos da assistência internacional

A assistência internacional pode ser prestada com os seguintes

objetivos:

(a) salvaguarda do património inscrito na lista do património cultural

imaterial que requer medidas urgentes de salvaguarda;

(b) preparação de inventários no sentido dos Artigos 11º e 12º;

(c) apoio a programas, projetos e atividades conduzidos a nível

nacional, sub-regional e regional, com vista à salvaguarda do

património cultural imaterial;

(d) qualquer outro objetivo que o Comitê considere necessário.

Artigo21º: Formas de assistência internacional

A assistência prestada pelo Comitê a um Estado Parte é

regulamentada pelas diretivas operacionais previstas no artigo 7º e pelo

acordo previsto no Artigo 24º, e pode assumir as seguintes formas:

(a) estudos sobre os diferentes aspectos da salvaguarda;

(b) disponibilização de especialistas e de pessoas com experiência

prática;

(c) formação de todo o pessoal necessário;

(d) elaboração de medidas normativas ou outras;

(e) criação e exploração de infraestruturas;

(f) fornecimento de equipamento e competência técnica;

(g) outras formas de assistência financeira e técnica incluindo, se

necessário, a concessão de empréstimos a juro baixo e de doações.

Artigo 22º: Condições de prestação da assistência internacional

1. O Comitê define o processo de análise das solicitações de

assistência internacional e especifica os elementos da solicitação tais como

as medidas previstas, as intervenções necessárias e a avaliação do

respectivo custo.

2. Em caso de urgência, a solicitação de assistência deve ser analisada

pelo Comitê com caráter prioritário.

3. Para tomar uma decisão, o Comitê procede aos estudos e consultas

que entender necessários.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 23º: Solicitações de assistência internacional

1. Cada Estado Parte pode apresentar ao Comitê uma solicitação de

assistência internacional para a salvaguarda do património cultural

imaterial presente no seu território.

2. Tal solicitação pode também ser apresentada conjuntamente por

dois ou mais Estados Partes.

3. A solicitação deve comportar os elementos de informação previstos

no Artigo 22º, parágrafo 1, e os documentos necessários.

Artigo 24º: Papel dos Estados Partes beneficiários

1. Em conformidade com as disposições da presente Convenção, a

assistência internacional prestada rege-se por um acordo entre o Estado

Parte beneficiário e o Comitê.

2. Regra geral, o Estado Parte beneficiário deve participar, na medida

das suas possibilidades, no custo das medidas de salvaguarda para as quais

é fornecida a assistência internacional.

3. O Estado Parte beneficiário apresenta ao Comitê um relatório sobre

a utilização da assistência que lhe foi prestada para fins de salvaguarda do

património cultural imaterial.

VI. Fundo do património cultural imaterial

Artigo 25º: Natureza e recursos do Fundo

1. É criado um “Fundo para a salvaguarda do património cultural

imaterial”, daqui em diante denominado “o Fundo”.

2. O Fundo é constituído como fundo fiduciário em conformidade com

as disposições do Regulamento Financeiro da UNESCO.

3. Os recursos do Fundo são constituídos por:

(a) contribuições dos Estados Partes;

(b) verbas destinadas a tal fim pela Conferência Geral da UNESCO;

(c) contribuições, doações e legados que possam ser feitos por:

(i) outros Estados;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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(ii) organismos e programas do sistema das Nações Unidas,

nomeadamente o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, bem como outras organizações internacionais;

(iii) organismos públicos ou privados ou pessoas individuais;

(d) juros devidos sobre os recursos do Fundo;

(e) produto das coletas e receitas das manifestações organizadas em

benefício do Fundo;

(f) quaisquer outros recursos autorizados pelo regulamento do Fundo

elaborado pelo Comitê.

4. A utilização dos recursos pelo Comitê é decidida com base nas

orientações da Assembleia Geral.

5. O Comitê pode aceitar contribuições e outras formas de assistência

para fins gerais ou específicos relativos a projetos concretos, desde que se

trate de projetos aprovados pelo Comitê.

6. As contribuições para o Fundo não podem estar dependentes de

qualquer condição política, econômica ou outra que seja incompatível com os

objetivos prosseguidos pela presente Convenção.

Artigo 26º: Contribuições dos Estados Partes para o Fundo

1. Sem prejuízo de qualquer outra contribuição suplementar

voluntária, os Estados Partes na presente Convenção comprometem-se a

entregar ao Fundo, pelo menos de dois em dois anos, uma contribuição cujo

montante, calculado segundo uma percentagem uniforme aplicável a todos

os Estados, será decidido pela Assembleia Geral. Esta decisão da Assembleia

Geral será tomada por maioria dos Estados Partes presentes e votantes que

não tenham feito a declaração prevista no parágrafo 2 do presente artigo.

Em nenhum caso esta contribuição poderá ultrapassar 1% da contribuição

do Estado Parte para o orçamento ordinário da UNESCO.

2. Porém, qualquer dos Estados a que se refere o Artigo 32º ou o

Artigo 33º da presente Convenção pode, no momento em que deposita os

seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, declarar

que não ficará vinculado pelas disposições do parágrafo 1 do presente artigo.

3. Um Estado Parte na presente Convenção que tenha feito a

declaração prevista no parágrafo 2 do presente artigo esforçar-se-á por

retirar a referida declaração mediante notificação ao Diretor Geral da

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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UNESCO. No entanto, a retirada da declaração só produzirá efeitos sobre a

contribuição devida por esse Estado a partir da data de abertura da sessão

seguinte da Assembleia Geral.

4. Para que o Comitê esteja em condições de planear eficazmente as

suas atividades, as contribuições dos Estados Partes na presente Convenção

que fizeram a declaração prevista no parágrafo 2 do presente artigo devem

ser pagas numa base regular, pelo menos de dois em dois anos, e deverão

aproximar-se o mais possível das contribuições que deviam ter pago se

estivessem vinculados às disposições do parágrafo 1 do presente artigo.

5. Um Estado Parte na presente Convenção que esteja atrasado no

pagamento da sua contribuição obrigatória ou voluntária relativa ao ano em

curso e ao ano civil que imediatamente o precedeu não é elegível para o

Comitê, não se aplicando esta disposição à primeira eleição. O mandato de

um Estado nestas condições que já é membro do Comitê cessará no momento

em que tiver lugar qualquer das eleições previstas no Artigo 6º da presente

Convenção.

Artigo 27º: Contribuições voluntárias suplementares para o Fundo

Os Estados Partes que desejem efetuar contribuições voluntárias para

além das previstas no Artigo 26º informam disso o Comitê logo que possível

para lhe permitir planear as suas atividades em conformidade.

Artigo 28º: Campanhas internacionais de recolha de fundos

Os Estados Partes prestam, na medida do possível, o seu concurso às

campanhas internacionais de recolha organizados em favor do Fundo sob os

auspícios da UNESCO.

VII. Relatórios

Artigo 29º: Relatórios dos Estados Partes

Os Estados Partes apresentam ao Comitê, nos moldes e periodicidade

por este estipulados, relatórios sobre as disposições legislativas,

regulamentares ou outras adotadas para aplicar a presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 30º: Relatórios do Comitê

1.Com base nas suas atividades e nos relatórios dos Estados Partes

mencionados no Artigo 29º, o Comitê submete um relatório a cada sessão da

Assembleia Geral.

2. Este relatório é levado ao conhecimento da Conferência Geral da

UNESCO.

VIII. Cláusula transitória

Artigo 31º: Relação com a Proclamação das Obras-Primas do

Património Oral e Imaterial da Humanidade

1. O Comitê integra na Lista representativa do património cultural

imaterial da humanidade os elementos proclamados “Obras Primas do

Património Oral e Imaterial da Humanidade” antes da entrada em vigor da

presente Convenção.

2. A integração destes elementos na Lista representativa do

património cultural imaterial da humanidade em nada condiciona os

critérios definidos em conformidade com o Artigo 16º, parágrafo 2, para as

inscrições futuras.

3. Não será feita qualquer outra Proclamação depois da entrada em

vigor da presente Convenção.

IX. Disposições finais

Artigo 32º: Ratificação, aceitação ou aprovação

1. A presente Convenção está sujeita à ratificação, aceitação ou

aprovação dos Estados Membros da UNESCO, em conformidade com os

respectivos procedimentos constitucionais.

2. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação são

depositados junto do Diretor Geral da UNESCO.

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Cartas Patrimoniais:

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Artigo 33º: Adesão

1. A presente Convenção está aberta à adesão de todos os Estados não

membros da UNESCO que a Conferência Geral da Organização convide a

aderir a ela.

2. A presente Convenção está também aberta à adesão dos territórios

que gozem de total autonomia interna, reconhecida como tal pela

Organização das Nações Unidas, mas que não tenham acedido à

independência plena em conformidade com a resolução 1514 (XV) da

Assembleia Geral e que tenham competência para as matérias de que trata

a presente Convenção, incluindo a competência para subscrever contratos

sobre essas matérias.

3. O instrumento de adesão será depositado junto do Diretor Geral da

UNESCO.

Artigo 34º: Entrada em vigor

A presente Convenção entrará em vigor três meses depois da data do

depósito do trigésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou

adesão, mas unicamente no que respeita aos Estados que tenham depositado

os respectivos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão

nessa data ou anteriormente. Para os demais Estados Partes entrará em

vigor três meses depois do depósito do respectivo instrumento de ratificação,

aceitação, aprovação ou adesão.

Artigo 35º: Regimes constitucionais federativos ou não unitários

Aos Estados Partes que tenham um regime constitucional federativo

ou não unitário aplicam-se as disposições que se seguem:

(a) No que diz respeito às disposições da presente Convenção cuja

aplicação seja da competência do poder legislativo federal ou central,

as obrigações do governo federal ou central serão as mesmas que as

dos Estados Partes que não são Estados federativos;

(b) No que diz respeito às disposições da presente Convenção cuja

aplicação seja da competência de cada um dos Estados, países,

províncias ou cantões constituintes, que em virtude do regime

constitucional da federação não estejam obrigados a tomar medidas

legislativas, o governo federal levará, com o seu parecer favorável, as

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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referidas disposições ao conhecimento das autoridades competentes

dos Estados, países, províncias ou cantões para adoção.

Artigo 36º: Denúncia

1. Todos os Estados Partes têm a faculdade de denunciar a presente

Convenção.

2. A denúncia é notificada por instrumento escrito depositado junto do

Diretor Geral da UNESCO.

3. A denúncia produz efeito doze meses depois da recepção do

instrumento de denúncia. A denúncia em nada modifica as obrigações

financeiras que o Estado Parte denunciante é obrigado a cumprir até à data

em que a retirada produz efeito.

Artigo 37º: Funções do depositário

O Diretor Geral da UNESCO, na sua qualidade de depositário da

presente Convenção, informa os Estados Membros da Organização, os

Estados não membros a que se refere o Artigo 33ª e a Organização das

Nações Unidas do depósito de todos os instrumentos de ratificação,

aceitação, aprovação ou adesão mencionados nos artigos 32º e 33º, bem como

das denúncias previstas no Artigo 36º.

Artigo 38º: Emendas

1. Qualquer Estado Parte pode, por comunicação escrita endereçada

ao Diretor Geral, propor emendas à presente Convenção. O Diretor Geral

transmite a comunicação recebida a todos os Estados Partes. Se, nos seis

meses que se seguem à data de transmissão da comunicação, pelo menos

metade dos Estados Partes der resposta favorável à emenda solicitada, o

Diretor Geral apresenta a proposta à próxima sessão da Assembleia Geral

para discussão e eventual adoção.

2. As emendas são adotadas por maioria de dois terços dos Estados

Partes presentes e votantes.

3. As emendas à presente Convenção, uma vez adotadas, são

submetidas aos Estados Partes para ratificação, aceitação, aprovação ou

adesão.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

344

4. Para os Estados Partes que as tenham ratificado, aceite, aprovado

ou a elas tenham aderido, as emendas à presente Convenção entram em

vigor três meses depois do depósito dos instrumentos mencionados no

parágrafo 3 do presente artigo por dois terços dos Estados Partes. A partir

daí, para cada Estado Parte que ratifique, aceite, aprove uma emenda ou a

ela adira, essa emenda entra em vigor três meses depois da data de depósito

pelo Estado Parte do respectivo instrumento de ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão.

5. O procedimento previsto nos parágrafos 3 e 4 não se aplica às

emendas introduzidas no Artigo 5º relativo ao número de Estados membros

do Comitê. Tais emendas entram em vigor à data da sua adoção.

6. Um Estado que passe a ser Parte na presente Convenção depois da

entrada em vigor de emendas em conformidade com o parágrafo 4 do

presente artigo e não tenha manifestado intenção diferente é considerado

como sendo:

(a) parte na presente Convenção assim emendada; e

(b) parte na presente Convenção não emendada perante aqueles

Estados Partes que não estejam vinculados pelas referidas emendas.

Artigo 39º: Textos autênticos

A presente Convenção é redigida em árabe, chinês, espanhol, francês,

inglês e russo, sendo os seis textos considerados igualmente autênticos.

Artigo 40º: Registro

Em conformidade com o Artigo 102º da Carta das Nações Unidas, a

presente Convenção será registrada no Secretariado da Organização das

Nações Unidas por solicitação do Diretor Geral da UNESCO.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

345

CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO E

PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS

EXPRESSÕES CULTURAIS

De 03 a 21 de Outubro de 2005

Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a

Ciência e a Cultura

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para

Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris, de

03 a 21 de outubro de 2005,

Afirmando que a diversidade cultural é uma característica essencial

da humanidade, Ciente de que a diversidade cultural constitui patrimônio

comum da humanidade, a ser valorizado e cultivado em benefício de todos,

Sabendo que a diversidade cultural cria um mundo rico e variado que

aumenta a gama de possibilidades e nutre as capacidades e valores

humanos, constituindo, assim, um dos principais motores do

desenvolvimento sustentável das comunidades, povos e nações,

Recordando que a diversidade cultural, ao florescer em um ambiente

de democracia, tolerância, justiça social e mútuo respeito entre povos e

culturas, é indispensável para a paz e a segurança no plano local, nacional e

internacional,

Celebrando a importância da diversidade cultural para a plena

realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados

na Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros instrumentos

universalmente reconhecidos,

Destacando a necessidade de incorporar a cultura como elemento

estratégico das políticas de desenvolvimento nacionais e internacionais, bem

como da cooperação internacional para o desenvolvimento, e tendo

igualmente em conta a Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000),

com sua ênfase na erradicação da pobreza,

Considerando que a cultura assume formas diversas através do tempo

e do espaço, e que esta diversidade se manifesta na originalidade e na

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

346

pluralidade das identidades, assim como nas expressões culturais dos povos

e das sociedades que formam a humanidade,

Reconhecendo a importância dos conhecimentos tradicionais como

fonte de riqueza material e imaterial, e, em particular, dos sistemas de

conhecimento das populações indígenas, e sua contribuição positiva para o

desenvolvimento sustentável, assim como a necessidade de assegurar sua

adequada proteção e promoção,

Reconhecendo a necessidade de adotar medidas para proteger a

diversidade das expressões culturais incluindo seus conteúdos,

especialmente nas situações em que expressões culturais possam estar

ameaçadas de extinção ou de grave deterioração,

Enfatizando a importância da cultura para a coesão social em geral, e,

em particular, o seu potencial para a melhoria da condição da mulher e de

seu papel na sociedade, Ciente de que a diversidade cultural se fortalece

mediante a livre circulação de ideias e se nutre das trocas constantes e da

interação entre culturas,

Reafirmando que a liberdade de pensamento, expressão e informação,

bem como a diversidade da mídia, possibilitam o florescimento das

expressões culturais nas sociedades,

Reconhecendo que a diversidade das expressões culturais, incluindo

as expressões culturais tradicionais, é um fator importante, que possibilita

aos indivíduos e aos povos expressarem e compartilharem com outros as

suas ideias e valores,

Recordando que a diversidade linguística constitui elemento

fundamental da diversidade cultural, e reafirmando o papel fundamental

que a educação desempenha na proteção e promoção das expressões

culturais,

Tendo em conta a importância da vitalidade das culturas para todos,

incluindo as pessoas que pertencem a minorias e povos indígenas, tal como

se manifesta em sua liberdade de criar, difundir e distribuir as suas

expressões culturais tradicionais, bem como de ter acesso a elas, de modo a

favorecer o seu próprio desenvolvimento,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

347

Sublinhando o papel essencial da interação e da criatividade

culturais, que nutrem e renovam as expressões culturais, e fortalecem o

papel desempenhado por aqueles que participam no desenvolvimento da

cultura para o progresso da sociedade como um todo, Reconhecendo a

importância dos direitos da propriedade intelectual para a manutenção das

pessoas que participam da criatividade cultural,

Convencida de que as atividades, bens e serviços culturais possuem

dupla natureza, tanto econômica quanto cultural, uma vez que são

portadores de identidades, valores e significados, não devendo, portanto, ser

tratados como se tivessem valor meramente comercial,

Constatando que os processos de globalização, facilitado pela rápida

evolução das tecnologias de comunicação e informação, apesar de

proporcionarem condições inéditas para que se intensifique a interação

entre culturas, constituem também um desafio para a diversidade cultural,

especialmente no que diz respeito aos riscos de desequilíbrios entre países

ricos e pobres,

Ciente do mandato específico confiado à UNESCO para assegurar o

respeito à diversidade das culturas e recomendar os acordos internacionais

que julgue necessários para promover a livre circulação de ideias por meio

da palavra e da imagem,

Referindo-se às disposições dos instrumentos internacionais adotados

pela UNESCO relativos à diversidade cultural e ao exercício dos direitos

culturais, em particular a Declaração Universal sobre a Diversidade

Cultural, de 2001,

Adota, em 20 de outubro de 2005 , a presente Convenção.

I. Objetivos e princípios diretores

Artigo 1 – Objetivos

Os objetivos da presente Convenção são:

a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais;

b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam

livremente em benefício mútuo;

c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios

culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do respeito

intercultural e de uma cultura da paz;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

348

d) fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação

cultural, no espírito de construir pontes entre os povos;

e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a

conscientização de seu valor nos planos local, nacional e

internacional;

f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento

para todos os países, especialmente para países em desenvolvimento,

e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e internacional

para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo;

g) reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços

culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados;

h) reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e

implementar as políticas e medidas que considerem apropriadas para

a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu

território;

i) fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um

espírito de parceria visando, especialmente, o aprimoramento das

capacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de

promoverem a diversidade das expressões culturais.

Artigo 2 - Princípios Diretores

1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais

A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se

estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais

como a liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a

possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais. Ninguém

poderá invocar as disposições da presente Convenção para atentar contra os

direitos do homem e as liberdades fundamentais consagrados na Declaração

Universal dos Direitos Humanos e garantidos pelo direito internacional, ou

para limitar o âmbito de sua aplicação.

2. Princípio da soberania

De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do

direito internacional, os Estados têm o direito soberano de adotar medidas e

políticas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais

em seus respectivos territórios.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

349

3. Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as culturas

A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais

pressupõem o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as

culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e as dos povos

indígenas.

4. Princípio da solidariedade e cooperação internacionais

A cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a todos

os países, em particular os países em desenvolvimento, criarem e

fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural – incluindo as

indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas – nos planos

local, nacional e internacional.

5. Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e

culturais do desenvolvimento

Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimento, os

aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus aspectos

econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental de dele

participarem e se beneficiarem.

6. Princípio do desenvolvimento sustentável

A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e

as sociedades. A proteção, promoção e manutenção da diversidade cultural é

condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das

gerações atuais e futuras.

7. Princípio do acesso equitativo

O acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões

culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios de

expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização

da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo.

8. Princípio da abertura e do equilíbrio

Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões

culturais, os Estados buscarão promover, de modo apropriado, a abertura a

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em

conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.

II. Campo de aplicação

Artigo 3 - Campo de aplicação

A presente Convenção aplica-se a políticas e medidas adotadas pelas

Partes relativas à proteção e promoção da diversidade das expressões

culturais.

III. Definições

Artigo 4 – Definições

Para os fins da presente Convenção, fica entendido que:

1. Diversidade Cultural

"Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas

quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais

expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades.

A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas

pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da

humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também

através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e

fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias

empregados.

2. Conteúdo Cultural

"Conteúdo cultural" refere-se ao caráter simbólico, dimensão artística

e valores culturais que têm por origem ou expressam identidades culturais.

3. Expressões culturais

"Expressões culturais" são aquelas expressões que resultam da

criatividade de indivíduos, grupos e sociedades e que possuem conteúdo

cultural.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

351

4. Atividades, bens e serviços culturais

"Atividades, bens e serviços culturais" refere-se às atividades, bens e

serviços que, considerados sob o ponto de vista da sua qualidade, uso ou

finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões culturais,

independentemente do valor comercial que possam ter. As atividades

culturais podem ser um fim em si mesmas, ou contribuir para a produção de

bens e serviços culturais.

5. Indústrias culturais

"Indústrias culturais" refere-se às indústrias que produzem e

distribuem bens e serviços culturais, tais como definidos no parágrafo 4

acima.

6. Políticas e medidas culturais

"Políticas e medidas culturais" refere-se às políticas e medidas

relacionadas à cultura, seja no plano local, regional, nacional ou

internacional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade

seja exercer efeito direto sobre as expressões culturais de indivíduos, grupos

ou sociedades, incluindo a criação, produção, difusão e distribuição de

atividades, bens e serviços culturais, e o acesso aos mesmos.

7. Proteção

"Proteção" significa a adoção de medidas que visem à preservação,

salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais.

"Proteger" significa adotar tais medidas.

8. Interculturalidade

"Interculturalidade" refere-se à existência e interação equitativa de

diversas culturas, assim como à possibilidade de geração de expressões

culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo. IV. Direitos

e obrigações das partes

Artigo 5 - Regra geral em matéria de direitos e obrigações

1. As Partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, os

princípios do direito internacional e os instrumentos universalmente

reconhecidos em matéria de direitos humanos, reafirmam seu direito

soberano de formular e implementar as suas políticas culturais e de adotar

medidas para a proteção e a promoção da diversidade das expressões

culturais, bem como para o fortalecimento da cooperação internacional, a

fim de alcançar os objetivos da presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

352

2. Quando uma Parte implementar políticas e adotar medidas para

proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu

território, tais políticas e medidas deverão ser compatíveis com as

disposições da presente Convenção.

Artigo 6 - Direitos das Partes no âmbito nacional

1. No marco de suas políticas e medidas culturais, tais como definidas

no artigo 4.6, e levando em consideração as circunstâncias e necessidades

que lhe são particulares, cada Parte poderá adotar medidas destinadas a

proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu

território.

2. Tais medidas poderão incluir:

(a) medidas regulatórias que visem à proteção e promoção da

diversidade das expressões cultuais;

(b) medidas que, de maneira apropriada, criem oportunidades às

atividades, bens e serviços culturais nacionais – entre o conjunto das

atividades, bens e serviços culturais disponíveis no seu território –,

para a sua criação, produção, difusão, distribuição e fruição, incluindo

disposições relacionadas à língua utilizada nessas atividades, bens e

serviços;

(c) medidas destinadas a fornecer às indústrias culturais nacionais

independentes e às atividades no setor informal acesso efetivo aos

meios de produção, difusão e distribuição das atividades, bens e

serviços culturais;

(d) medidas voltadas para a concessão de apoio financeiro público;

(e) medidas com o propósito de encorajar organizações de fins não-

lucrativos, e também instituições públicas e privadas, artistas e

outros profissionais de cultura, a desenvolver e promover o livre

intercâmbio e circulação de ideias e expressões culturais, bem como de

atividades, bens e serviços culturais, e a estimular tanto a

criatividade quanto o espírito empreendedor em suas atividades;

(f) medidas com vistas a estabelecer e apoiar, de forma adequada, as

instituições pertinentes de serviço público;

(g) medidas para encorajar e apoiar os artistas e todos aqueles

envolvidos na criação de expressões culturais;

(h) medidas objetivando promover a diversidade da mídia, inclusive

mediante serviços públicos de radiodifusão.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

353

Artigo 7 - Medidas para a promoção das expressões culturais

1. As partes procurarão criar em seu território um ambiente que

encoraje indivíduos e grupos sociais a:

(a) criar, produzir, difundir, distribuir suas próprias expressões

culturais, e a elas ter acesso, conferindo a devida atenção às

circunstâncias e necessidades especiais da mulher, assim como dos

diversos grupos sociais, incluindo as pessoas pertencentes às minorias

e povos indígenas;

(b) ter acesso às diversas expressões culturais provenientes do seu

território e dos demais países do mundo;

2. As Partes buscarão também reconhecer a importante contribuição

dos artistas, de todos aqueles envolvidos no processo criativo, das

comunidades culturais e das organizações que os apoiam em seu trabalho,

bem como o papel central que desempenham ao nutrir a diversidade das

expressões culturais.

Artigo 8 - Medidas para a proteção das expressões culturais

1. Sem prejuízo das disposições dos artigos 5 e 6, uma Parte poderá

diagnosticar a existência de situações especiais em que expressões culturais

em seu território estejam em risco de extinção, sob séria ameaça ou

necessitando de urgente salvaguarda.

2. As Partes poderão adotar todas as medidas apropriadas para

proteger e preservar as expressões culturais nas situações referidas no

parágrafo 1, em conformidade com as disposições da presente Convenção.

3. As partes informarão ao Comitê Intergovernamental mencionado

no Artigo 23 todas as medidas tomadas para fazer face às exigências da

situação, podendo o Comitê formular recomendações apropriadas.

Artigo 9 – Intercâmbio de informações e transparência

As Partes:

(a) fornecerão, a cada quatro anos, em seus relatórios à UNESCO,

informação apropriada sobre as medidas adotadas para proteger e

promover a diversidade das expressões culturais em seu território e

no plano internacional;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

354

(b) designarão um ponto focal, responsável pelo compartilhamento de

informações relativas à presente Convenção;

(c) compartilharão e trocarão informações relativas à proteção e

promoção da diversidade das expressões culturais.

Artigo 10 - Educação e conscientização pública

As Partes deverão:

(a) propiciar e desenvolver a compreensão da importância da proteção

e promoção da diversidade das expressões culturais, por intermédio,

entre outros, de programas de educação e maior sensibilização do

público;

(b) cooperar com outras Partes e organizações regionais e

internacionais para alcançar o objetivo do presente artigo;

(c) esforçar-se por incentivar a criatividade e fortalecer as capacidades

de produção, mediante o estabelecimento de programas de educação,

treinamento e intercâmbio na área das indústrias culturais. Tais

medidas deverão ser aplicadas de modo a não terem impacto negativo

sobre as formas tradicionais de produção.

Artigo 11 - Participação da sociedade civil

As Partes reconhecem o papel fundamental da sociedade civil na

proteção e promoção da diversidade das expressões culturais. As Partes

deverão encorajar a participação ativa da sociedade civil em seus esforços

para alcançar os objetivos da presente Convenção.

Artigo 12 - Promoção da cooperação internacional

As Partes procurarão fortalecer sua cooperação bilateral, regional e

internacional, a fim de criar condições propícias à promoção da diversidade

das expressões culturais, levando especialmente em conta as situações

mencionadas nos Artigos 8 e 17, em particular com vistas a:

(a) facilitar o diálogo entre as Partes sobre política cultural;

(b) reforçar as capacidades estratégicas e de gestão do setor público

nas instituições públicas culturais, mediante intercâmbios culturais

profissionais e internacionais, bem como compartilhamento das

melhores práticas;

(c) reforçar as parcerias com a sociedade civil, organizações não-

governamentais e setor privado, e entre essas entidades, para

favorecer e promover a diversidade das expressões culturais;

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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(d) promover a utilização das novas tecnologias e encorajar parcerias

para incrementar o compartilhamento de informações, aumentar a

compreensão cultural e fomentar a diversidade das expressões

culturais;

(e) encorajar a celebração de acordos de coprodução e de

codistribuição.

Artigo 13 - Integração da cultura no desenvolvimento sustentável

As Partes envidarão esforços para integrar a cultura nas suas

políticas de desenvolvimento, em todos os níveis, a fim de criar condições

propícias ao desenvolvimento sustentável e, nesse marco, fomentar os

aspectos ligados à proteção e promoção da diversidade das expressões

culturais.

Artigo 14 - Cooperação para o desenvolvimento

As Partes procurarão apoiar a cooperação para o desenvolvimento

sustentável e a redução da pobreza, especialmente em relação às

necessidades específicas dos países em desenvolvimento, com vistas a

favorecer a emergência de um setor cultural dinâmico pelos seguintes meios,

entre outros:

(a) o fortalecimento das indústrias culturais em países em

desenvolvimento:

(i) criando e fortalecendo as capacidades de produção e distribuição

culturais nos países em desenvolvimento;

(ii) facilitando um maior acesso de suas atividades, bens e serviços

culturais ao mercado global e aos circuitos internacionais de

distribuição;

(iii) permitindo a emergência de mercados regionais e locais viáveis;

(iv) adotando, sempre que possível, medidas apropriadas nos países

desenvolvidos com vistas a facilitar o acesso ao seu território das

atividades, bens e serviços culturais dos países em desenvolvimento;

(v) apoiando o trabalho criativo e facilitando, na medida do possível, a

mobilidade dos artistas dos países em desenvolvimento;

(vi) encorajando uma apropriada colaboração entre países

desenvolvidos e em desenvolvimento, em particular nas áreas da

música e do cinema.

(b) o fortalecimento das capacidades por meio do intercâmbio de

informações, experiências e conhecimentos especializados, assim como

pela formação de recursos humanos nos países em desenvolvimento,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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nos setores púbico e privado, no que concerne notadamente as

capacidades estratégicas e gerenciais, a formulação e implementação

de políticas, a promoção e distribuição das expressões culturais, o

desenvolvimento das médias, pequenas e micro empresas, e a

utilização das tecnologias e desenvolvimento e transferência de

competências;

(c) a transferência de tecnologias e conhecimentos mediante a

introdução de medidas apropriadas de incentivo, especialmente no

campo das indústrias e empresas culturais;

(d) o apoio financeiro mediante:

(i) o estabelecimento de um Fundo Internacional para a Diversidade

Cultural conforme disposto no artigo 18;

(ii) a concessão de assistência oficial ao desenvolvimento, segundo

proceda, incluindo a assistência técnica, a fim de estimular e

incentivar a criatividade;

(iii) outras formas de assistência financeira, tais como empréstimos

com baixas taxas de juros, subvenções e outros mecanismos de

financiamento.

Artigo 15 – Modalidades de colaboração

As Partes incentivarão o desenvolvimento de parcerias entre o setor

público, o setor privado e organizações de fins não-lucrativos, e também no

interior dos mesmos, a fim de cooperar com os países em desenvolvimento no

fortalecimento de suas capacidades de proteger e promover a diversidade

das expressões culturais. Essas parcerias inovadoras enfatizarão, de acordo

com as necessidades concretas dos países em desenvolvimento, a melhoria

da infraestrutura, dos recursos humanos e políticos, assim como o

intercâmbio de atividades, bens e serviços culturais.

Artigo 16 - Tratamento preferencial para países em

desenvolvimento

Os países desenvolvidos facilitarão intercâmbios culturais com os

países em desenvolvimento garantindo, por meio dos instrumentos

institucionais e jurídicos apropriados, um tratamento preferencial aos seus

artistas e outros profissionais e praticantes da cultura, assim como aos seus

bens e serviços culturais.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

357

Artigo 17 - Cooperação internacional em situações de grave ameaça

às expressões culturais

As Partes cooperarão para mutuamente se prestarem assistência,

conferindo especial atenção aos países em desenvolvimento, nas situações

referidas no Artigo 8.

Artigo 18 - Fundo Internacional para a Diversidade Cultural

1. Fica instituído um Fundo Internacional para a Diversidade

Cultural, doravante denominado o "Fundo".

2. O Fundo estará constituído por fundos fiduciários, em

conformidade com o Regulamento Financeiro da UNESCO.

3. Os recursos do Fundo serão constituídos por:

a) contribuições voluntárias das Partes;

b) recursos financeiros que a Conferência-Geral da UNESCO assine

para tal fim;

c) contribuições, doações ou legados feitos por outros Estados,

organismos e programas do sistema das Nações Unidas, organizações

regionais ou internacionais; entidades públicas ou privadas e pessoas

físicas;

d) juros sobre os recursos do Fundo;

e) o produto das coletas e receitas de eventos organizados em benefício

do Fundo;

f) quaisquer outros recursos autorizados pelo regulamento do Fundo.

4. A utilização dos recursos do Fundo será decidida pelo Comitê

Intergovernamental, com base nas orientações da Conferência das Partes

mencionada no Artigo 22.

5. O Comitê Intergovernamental poderá aceitar contribuições, ou

outras formas de assistência com finalidade geral ou específica que estejam

vinculadas a projetos concretos, desde que os mesmos contem com a sua

aprovação.

6. As contribuições ao Fundo não poderão estar vinculadas a qualquer

condição política, econômica ou de outro tipo que seja incompatível com os

objetivos da presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

358

7. As Partes farão esforços para prestar contribuições voluntárias, em

bases regulares, para a implementação da presente Convenção.

Artigo 19 - Intercâmbio, análise e difusão de informações

1. As Partes comprometem-se a trocar informações e compartilhar

conhecimentos especializados relativos à coleta de dados e estatísticas sobre

a diversidade das expressões culturais, bem como sobre as melhores práticas

para a sua proteção e promoção.

2. A UNESCO facilitará, graças aos mecanismos existentes no seu

Secretariado, a coleta, análise e difusão de todas as informações, estatísticas

e melhores práticas sobre a matéria.

3. Adicionalmente, a UNESCO estabelecerá e atualizará um banco de

dados sobre os diversos setores e organismos governamentais, privadas e de

fins não-lucrativos, que estejam envolvidos no domínio das expressões

culturais.

4. A fim de facilitar a coleta de dados, a UNESCO dará atenção

especial à capacitação e ao fortalecimento das competências das Partes que

requisitarem assistência na matéria. 5. A coleta de informações definida no

presente artigo complementará as informações a que fazem referência as

disposições do artigo 9.

V. Relações com outros instrumentos

Artigo 20 - Relações com outros instrumentos: apoio mútuo,

complementaridade e não-subordinação

1. As Partes reconhecem que deverão cumprir de boa-fé suas

obrigações perante a presente Convenção e todos os demais tratados dos

quais sejam parte. Da mesma forma, sem subordinar esta Convenção a

qualquer outro tratado:

(a) fomentarão o apoio mútuo entre esta Convenção e os outros

tratados dos quais são parte; e

(b) ao interpretarem e aplicarem os outros tratados dos quais são

parte ou ao assumirem novas obrigações internacionais, as Partes

levarão em conta as disposições relevantes da presente Convenção.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

359

2. Nada na presente Convenção será interpretado como modificando

os direitos e obrigações das Partes decorrentes de outros tratados dos quais

sejam parte.

Artigo 21 – Consulta e coordenação internacional

As Partes comprometem-se a promover os objetivos e princípios da

presente Convenção em outros foros internacionais. Para esse fim, as Partes

deverão consultar-se, quando conveniente, tendo em mente os mencionados

objetivos e princípios.

VI. Órgãos da Convenção

Artigo 22 – Conferência das Partes

1. Fica estabelecida uma Conferência das Partes. A Conferência das

Partes é o órgão plenário e supremo da presente Convenção.

2. A Conferência das Partes se reúne em sessão ordinária a cada dois

anos, sempre que possível no âmbito da Conferência-Geral da UNESCO. A

Conferência das Partes poderá reunir-se em sessão extraordinária, se assim

o decidir, ou se solicitação for dirigida ao Comitê Intergovernamental por ao

menos um terço das Partes.

3. A Conferência das Partes adotará o seu próprio Regimento interno.

4. As funções da Conferência das Partes são, entre outras:

(a) eleger os Membros do Comitê Intergovernamental;

(b) receber e examinar relatórios das Partes da presente Convenção

transmitidos pelo Comitê Intergovernamental;

(c) aprovar as diretrizes operacionais preparadas, a seu pedido, pelo

Comitê Intergovernamental;

(d) adotar quaisquer outras medidas que considere necessárias para

promover os objetivos da presente Convenção.

Artigo 23 – Comitê Intergovernamental

1. Fica instituído junto à UNESCO um Comitê Intergovernamental

para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais,

doravante referido como “Comitê Intergovernamental”. Ele é composto por

representantes de 18 Estados-Partes da Convenção, eleitos pela Conferência

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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das Partes para um mandato de quatro anos, a partir da entrada em vigor

da presente Convenção, conforme o artigo 29.

2. O Comitê Intergovernamental se reúne em sessões anuais.

3. O Comitê Intergovernamental funciona sob a autoridade e em

conformidade com as diretrizes da Conferência das Partes, à qual presta

contas.

4. Os números de membros do Comitê Intergovernamental será

elevado para 24 quando o número de membros da presente Convenção

chegar a 50.

5. A eleição dos membros do Comitê Intergovernamental é baseada

nos princípios da representação geográfica equitativa e da rotatividade.

6. Sem prejuízo de outras responsabilidades a ele conferidas pela

presente Convenção, o Comitê Intergovernamental tem as seguintes

funções:

(a) promover os objetivos da presente Convenção, incentivar e

monitorar a sua implementação;

(b) preparar e submeter à aprovação da Conferência das Partes,

mediante solicitação, as diretrizes operacionais relativas à

implementação e aplicação das disposições da presente Convenção;

(c) transmitir à Conferência das Partes os relatórios das Partes da

Convenção acompanhados de observações e um resumo de seus

conteúdos;

(d) fazer recomendações apropriadas para situações trazidas à sua

atenção pelas Partes da Convenção, de acordo com as disposições

pertinentes da Convenção, em particular o Artigo 8;

(e) estabelecer os procedimentos e outros mecanismos de consulta que

visem à promoção dos objetivos e princípios da presente Convenção

em outros foros internacionais;

(f) realizar qualquer outra tarefa que lhe possa solicitar a Conferência

das Partes.

7. O Comitê Intergovernamental, em conformidade com o seu

Regimento interno, poderá, a qualquer momento, convidar organismos

públicos ou privados ou pessoas físicas a participarem das suas reuniões

para consultá-los sobre questões específicas.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

361

8. O Comitê Intergovernamental elaborará o seu próprio Regimento

interno e o submeterá à aprovação da Conferências das Partes.

Artigo 24 – Secretariado da UNESCO

1. Os órgãos da presente Convenção serão assistidos pelo Secretariado

da UNESCO.

2. O Secretariado preparará a documentação da Conferência das

Partes e do Comitê Intergovernamental, assim como o projeto de agenda de

suas reuniões, prestando auxílio na implementação de suas decisões e

informando sobre a aplicação das mesmas.

VII. Disposições finais

Artigo 25 - Solução de controvérsias

1. Em caso de controvérsia acerca da interpretação ou aplicação da

presente Convenção, as Partes buscarão resolvê-la mediante negociação.

2. Se as Partes envolvidas não chegarem a acordo por negociação,

poderão recorrer conjuntamente aos bons ofícios ou à mediação de uma

terceira parte.

3. Se os bons ofícios ou a mediação não forem adotados, ou se não for

possível superar a controvérsia pela negociação, bons ofícios ou mediação,

uma Parte poderá recorrer à conciliação, em conformidade com o

procedimento constante do Anexo à presente Convenção. As Partes

considerarão de boa-fé a proposta de solução da controvérsia apresentada

pela Comissão de Conciliação.

4. Cada Parte poderá, no momento da ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão, declarar que não reconhece o procedimento de

conciliação acima disposto. Toda Parte que tenha feito tal declaração poderá,

a qualquer momento, retirá-la mediante notificação ao Diretor-Geral da

UNESCO.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 26 - Ratificação, aceitação, aprovação ou adesão por Estados-

Membros

1. A presente Convenção estará sujeita à ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão dos Estados membros da UNESCO, em conformidade

com os seus respectivos procedimentos constitucionais.

2. Os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão

serão depositados junto ao Diretor-Geral da UNESCO.

Artigo 27 - Adesão

1. A presente Convenção estará aberta à adesão de qualquer Estado

não-membro da UNESCO, desde que pertença à Organização das Nações

Unidas ou a algum dos seus organismos especializados e que tenha sido

convidado pela Conferência-Geral da Organização a aderir à Convenção.

2. A presente Convenção estará também aberta à adesão de territórios

que gozem de plena autonomia interna reconhecida como tal pelas Nações

Unidas, mas que não tenham alcançado a total independência em

conformidade com a Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral, e que

tenham competência nas matérias de que trata a presente Convenção,

incluindo a competência para concluir tratados relativos a essas matérias. 3.

As seguintes disposições aplicam-se a organizações regionais de integração

econômica:

a) a presente Convenção ficará também aberta à adesão de toda

organização regional de integração econômica, que estará, exceto

conforme estipulado abaixo, plenamente vinculada às disposições da

Convenção, da mesma maneira que os Estados Partes.

b) se um ou mais Estados membros dessas organizações forem

igualmente Partes da presente Convenção, a organização e o Estado

ou Estados membros decidirão sobre suas respectivas

responsabilidades no que tange ao cumprimento das obrigações

decorrentes da presente Convenção. Tal divisão de responsabilidades

terá efeito após o término do procedimento de notificação descrito no

inciso (c) abaixo. A organização e seus Estados membros não poderão

exercer, concomitantemente, os direitos que emanam da presente

Convenção. Além disso, nas matérias de sua competência, as

organizações regionais de integração econômica poderão exercer o

direito de voto com um número de votos igual ao número de seus

Estados membros que sejam Partes da Convenção. Tais organizações

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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não poderão exercer o direito a voto se qualquer dos seus membros o

fizer, e vice-versa.

c) a organização regional de integração econômica e seu Estado ou

Estados membros que tenham acordado a divisão de

responsabilidades prevista no inciso (b) acima, o informarão às Partes

do seguinte modo:

(i) em seu instrumento de adesão, tal organização declarará, de forma

precisa, a divisão de suas responsabilidades com respeito às matérias

regidas pela Convenção;

(ii) em caso de posterior modificação das respectivas

responsabilidades, a organização regional de integração econômica

informará ao depositário de toda proposta de modificação dessas

responsabilidades; o depositário deverá, por sua vez, informar as

Partes de tal modificação.

d) os Estados membros de uma organização regional de integração

econômica que se tenham tornado Partes da presente Convenção são

supostos manter a competência sobre todas as matérias que não

tenham sido, mediante expressa declaração ou informação ao

depositário, objeto de transferência competência à organização.

e) entende-se por “organização regional de integração econômica” toda

organização constituída por Estados soberanos, membros das Nações

Unidas ou de um de seus organismos especializados, à qual tais

Estados tenham transferido suas competências em matérias regidas

pela presente Convenção, e que haja sido devidamente autorizada, de

acordo com seus procedimentos internos, a tornar-se Parte da

Convenção.

4. O instrumento de adesão será depositado junto ao Diretor-Geral da

UNESCO.

Artigo 28 - Ponto focal

Ao aderir à presente Convenção, cada Parte designará o “ponto focal”

referido no artigo 9.

Artigo 29 - Entrada em vigor

1. A presente Convenção entrará em vigor três meses após a data de

depósito do trigésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou

adesão, mas unicamente em relação aos Estados ou organizações regionais

de integração econômica que tenham depositado os seus respectivos

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão naquela data ou

anteriormente. Para as demais Partes, a Convenção entrará em vigor três

meses após a data do depósito de seu instrumento de ratificação, aceitação,

aprovação ou adesão.

2. Para os fins do presente artigo, nenhum instrumento depositado

por organização regional de integração econômica será contado como

adicional àqueles depositados pelos Estados membros da referida

organização.

Artigo 30 - Sistemas constitucionais não-unitários ou federativos

Reconhecendo que os acordos internacionais vinculam de mesmo

modo as Partes, independentemente de seus sistemas constitucionais, as

disposições a seguir aplicam-se às Partes com regime constitucional

federativo ou não-unitário:

(a) no que se refere às disposições da presente Convenção cuja

aplicação seja da competência do poder legislativo federal ou central,

as obrigações do governo federal ou central serão as mesmas das

Partes que não são Estados federativos;

(b) no que se refere às disposições desta Convenção cuja aplicação seja

da competência de cada uma das unidades constituintes, sejam elas

Estados, condados, províncias ou cantões que, em virtude do sistema

constitucional da federação, não tenham a obrigação de adotar

medidas legislativas, o governo federal comunicará, quando

necessário, essas disposições às autoridades competentes das

unidades constituintes, sejam elas Estados, condados, províncias ou

cantões, com a recomendação de que sejam aplicadas.

Artigo 31 - Denúncia

1. Cada uma das Partes poderá denunciar a presente Convenção.

2. A denúncia será notificada em instrumento escrito depositado junto

ao Diretor-Geral da UNESCO.

3. A denúncia terá efeito doze meses após a recepção do respectivo

instrumento. A denúncia não modificará em nada as obrigações financeiras

que a Parte denunciante assumiu até a data de efetivação da retirada.

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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Artigo 32 - Funções de Depositário

O Diretor-Geral da UNESCO, na condição de depositário da presente

Convenção, informará aos Estados membros da Organização, aos Estados

não-membros e às organizações regionais de integração econômica a que se

refere o Artigo 27, assim como às Nações Unidas, sobre o depósito de todos

os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão mencionados

nos artigos 26 e 27, bem como sobre as denúncias previstas no Artigo 31.

Artigo 33 – Emendas

1. Toda Parte poderá, por comunicação escrita dirigida ao Diretor-

Geral, propor emendas à presente Convenção. O Diretor-Geral transmitirá

essa comunicação às demais Partes. Se, no prazo de seis meses a partir da

data da transmissão da comunicação, pelo menos metade dos Estados

responder favoravelmente a essa demanda, o Diretor-Geral apresentará a

proposta à próxima sessão da Conferência das Partes para discussão e

eventual adoção.

2. As emendas serão adotadas por uma maioria de dois terços das

Partes presentes e votantes.

3. Uma vez adotadas, as emendas à presente Convenção serão

submetidas às Partes para ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.

4. Para as Partes que as tenham ratificado, aceitado, aprovado ou a

elas aderido, as emendas à presente Convenção entrarão em vigor três

meses após o depósito dos instrumentos referidos no parágrafo 3 deste

Artigo por dois terços das Partes. Subsequentemente, para cada Parte que a

ratifique, aceite, aprove ou a ela adira, a emenda entrará em vigor três

meses após a data do depósito por essa Parte do respectivo instrumento de

ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.

5. O procedimento estabelecido nos parágrafos 3 e 4 não se aplicarão

às emendas ao artigo 23 relativas ao número de membros do Comitê

Intergovernamental. Tais emendas entrarão em vigor no momento em que

forem adotadas.

6. Um Estado, ou uma organização regional de integração econômica

definida no artigo 27, que se torne Parte da presente Convenção após a

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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entrada em vigor de emendas conforme o parágrafo 4 do presente Artigo, e

que não manifeste uma intenção diferente, será considerado:

(a) parte da presente Convenção assim emendada; e

(b) parte da presente Convenção não-emendada relativamente a toda

Parte que não esteja vinculada a essa emenda.

Artigo 34 - Textos autênticos

A presente Convenção está redigida em árabe, chinês, espanhol,

francês, inglês e russo, sendo os seis textos igualmente autênticos.

Artigo 35 – Registro

Em conformidade com o disposto no artigo 102 da Carta das Nações

Unidas, a presente Convenção será registrada no Secretariado das Nações

Unidas por petição do Diretor-Geral da UNESCO.

ANEXO - Procedimento de conciliação

Artigo 1 – Comissão de Conciliação

Por solicitação de uma das Partes da controvérsia, uma Comissão de

Conciliação será criada. Salvo se as Partes decidirem de outra maneira, a

Comissão será composta de 5 membros, sendo que cada uma das Partes

envolvidas indicará dois membros e o Presidente será escolhido de comum

acordo pelos 4 membros assim designados.

Artigo 2 – Membros da Comissão

Em caso de controvérsia entre mais de duas Partes, as Partes que

tenham o mesmo interesse designarão seus membros da Comissão em

comum acordo. Se ao menos duas Partes tiverem interesses independentes

ou houver desacordo sobre a questão de saber se têm os mesmos interesses,

elas indicarão seus membros separadamente.

Artigo 3 – Nomeações

Se nenhuma indicação tiver sido feita pelas Partes dentro do prazo de

dois meses a partir da data de pedido de criação da Comissão de Conciliação,

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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o Diretor-Geral da UNESCO fará as indicações dentro de um novo prazo de

dois meses, caso solicitado pela Parte que apresentou o pedido.

Artigo 4 – Presidente da Comissão

Se o Presidente da Comissão não tiver sido escolhido no prazo de dois

meses após a designação do último membro da Comissão, o Diretor-Geral da

UNESCO designará o Presidente dentro de um novo prazo de dois meses,

caso solicitado por uma das Partes.

Artigo 5 – Decisões

A Comissão de Conciliação tomará as suas decisões pela maioria de

seus membros. A menos que as Partes na controvérsia decidam de outra

maneira, a Comissão estabelecerá o seu próprio procedimento. Ela proporá

uma solução para a controvérsia, que as Partes examinarão de boa-fé.

Artigo 6 – Discordância

Em caso de desacordo sobre a competência da Comissão de

Conciliação, a mesma decidirá se é ou não competente.

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A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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DECLARAÇÃO DE VIENA (2009)

UM INCENTIVO AO PATRIMÔNIO EM PERÍODO

DE RECESSÃO ECONÔMICA

De Maio de 2009

O 4.º Encontro do Fórum Europeu de Responsáveis pelo Património

(FERP), que reuniu 28 países em Viena, em Maio de 2009, apela a todos os

Governos nacionais no sentido de reconhecerem o papel fundamental do

património no desenvolvimento e implementação de políticas de recuperação

econômica sustentável, à semelhança dos exemplos de França, Luxemburgo,

Holanda, Noruega e Eslováquia.

O património cultural tem um contributo essencial a dar à Europa,

não apenas pela sua importância no passado, mas pelo papel primordial que

terá no futuro.

Tudo leva a crer que, a longo prazo, o investimento em património

constitui uma solução sustentável de sucesso garantido para fazer face à

recessão econômica. Sabe-se que o investimento no restauro, ou na

recuperação de edifícios e sítios históricos, gera postos de trabalho,

relançando a economia, ao contrário da construção de novos edifícios; que o

património se encontra no seio das comunidades, estimulando a coesão

social, bem como o sentido de identidade e de pertença a um lugar. O

património faz-nos sentir em casa. O incentivo ao Património encontra-se

ativo em três áreas fundamentais:

• Econômica: a reabilitação/restauro/conservação histórica requerem

uma grande quantidade de mão-de-obra e conduzem à criação de postos de

trabalho, particularmente nas pequenas e médias empresas. Os subsídios ao

sector público e incentivos fiscais na área do património atraem o

investimento do sector privado a um rácio que poderá atingir 1:7. O

investimento em património produz um impacto direto no crescimento do

turismo cultural que, por sua vez, conduz a benefícios econômicos e sociais a

longo prazo.

• Ambiental: é ponto assente que os materiais, bem como as técnicas

de construção tradicionais são amigos do ambiente. A recuperação de

edifícios históricos não só preserva a energia incorporada e os recursos

materiais utilizados no passado, como minimiza a produção de materiais

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Cartas Patrimoniais:

A Tutela Jurídica do Patrimônio Cultural em Âmbito Internacional

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novos, mais caros e potencialmente mais prejudiciais do ponto de vista

ecológico.

• Sociocultural: a tomada de consciência e interesse pelo património

continuam a aumentar, indiferentes à incerteza econômica: as pessoas

preocupam-se com o património. A história e o património estão

instintivamente associados ao sentido de identidade local, nacional e

mundial. A partilha do património é uma componente chave da coesão social

e do sentido de comunidade e de integração. Os lugares históricos

constituem um fator importante em termos de qualidade de vida, sendo o

património uma das principais razões que levam à escolha do local de

residência e de trabalho.

O FERP recorda aos governos os compromissos que assumiram em

convenções internacionais de proteção do património cultural e o seu dever

de assegurarem que as políticas nacionais, incluindo as políticas de

recuperação econômica, exerçam um efeito positivo no património.

Considerando os benefícios do investimento em património a curto e

longo prazo, o FERP apela à inclusão de um orçamento específico para a

conservação/reabilitação de edifícios e sítios históricos nas políticas

nacionais de recuperação econômica, na medida em que o património é um

instrumento eficaz no relançamento da atividade econômica e na criação de

emprego.