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O Impacto das Cartas Patrimoniais na Legislação Patrimonial Brasileira. 1. INTRODUÇÃO O reconhecimento e a valorização do patrimônio cultural permitem que muitos países desenvolvam um olhar mais cuidadoso sobre seus bens culturais e naturais, elaborando estratégias preservacionistas e socioeconômicas. A partir deste parâmetro entendemos que a presente pesquisa de iniciação científica tem por objetivo problematizar o impacto do conjunto de orientações da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura Unesco, do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios ICOMOS, dentre outras instituições, em suas Cartas Patrimoniais nas legislações nacionais para proteção do patrimônio cultural. Para atingirmos este objetivo serão feitas leituras acerca da temática das políticas de preservação do patrimônio. Será feito o estudo sobre legislação patrimonial nacional, além do estudo aprofundado das orientações sobre o tema através das chamadas “Cartas Patrimoniais”. Nelas é possível a identificação dos conjuntos de orientações relacionada ao patrimônio. Na prática, feita através das sugestões das medidas relativas à salvaguarda patrimonial. Assim é possível identificar a influência das medidas sugeridas pelosórgãos internacionais na criação das leis patrimoniais nacionais. Nesse plano de trabalho, utilizamos o recorte histórico das décadas de 1960 e 1980 a fim de observar as demandas internacionais sugeridas. No que se diz respeito à proteção do patrimônio histórico e cultural e como e de que forma tais diretrizes foram incorporadas na legislação patrimonial nacional. 1.1 Objetivo Geral: Perceber como as orientações gerais sobre a preservação patrimonial descritas nas Cartas Patrimoniais se manifesta na legislação federal sobre o patrimônio material e sua valoração simbólica no período entre 1962 e 1989.

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Page 1: O Impacto das Cartas Patrimoniais na Legislação Patrimonial ......O Impacto das Cartas Patrimoniais na Legislação Patrimonial Brasileira. 1. INTRODUÇÃO O reconhecimento e a valorização

O Impacto das Cartas Patrimoniais na Legislação Patrimonial Brasileira.

1. INTRODUÇÃO

O reconhecimento e a valorização do patrimônio cultural permitem que

muitos países desenvolvam um olhar mais cuidadoso sobre seus bens culturais

e naturais, elaborando estratégias preservacionistas e socioeconômicas.

A partir deste parâmetro entendemos que a presente pesquisa de

iniciação científica tem por objetivo problematizar o impacto do conjunto de

orientações da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e

Cultura – Unesco, do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios –

ICOMOS, dentre outras instituições, em suas Cartas Patrimoniais nas

legislações nacionais para proteção do patrimônio cultural.

Para atingirmos este objetivo serão feitas leituras acerca da temática das

políticas de preservação do patrimônio. Será feito o estudo sobre legislação

patrimonial nacional, além do estudo aprofundado das orientações sobre o

tema através das chamadas “Cartas Patrimoniais”.

Nelas é possível a identificação dos conjuntos de orientações

relacionada ao patrimônio. Na prática, feita através das sugestões das medidas

relativas à salvaguarda patrimonial.

Assim é possível identificar a influência das medidas sugeridas

pelosórgãos internacionais na criação das leis patrimoniais nacionais.

Nesse plano de trabalho, utilizamos o recorte histórico das décadas de

1960 e 1980 a fim de observar as demandas internacionais sugeridas. No que

se diz respeito à proteção do patrimônio histórico e cultural e como e de que

forma tais diretrizes foram incorporadas na legislação patrimonial nacional.

1.1 Objetivo Geral:

Perceber como as orientações gerais sobre a preservação patrimonial

descritas nas Cartas Patrimoniais se manifesta na legislação federal sobre o

patrimônio material e sua valoração simbólica no período entre 1962 e 1989.

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1.2 Objetivos Específicos:

Identificar nos documentos orientadores editados pela: Unesco,

ICOMOS, dentre outros, comumente chamadas de Cartas Patrimoniais, os

principais conceitos, procedimentos e diretrizes para a preservação do

patrimônio histórico material;

Buscar na legislação federal e estadual das décadas entre 1960 e 1980

sobre a preservação do patrimônio cultural a forma como os temas abordados

nas Cartas Patrimoniais estão manifestos e suas relações com o “bem cultural”

e suas relações com as questões urbanísticas;

Concluir sobre a importância das Cartas Patrimoniais pra a formulação

das políticas de preservação do patrimônio histórico-cultural através da

definição de cidade-monumento.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Coleta das Cartas Patrimoniais

No que se diz respeito à metodologia aplicada após a listagem das

leituras sobre o tema, foi realizada a coleta acerca das orientações

internacionais para a preservação do patrimônio, as chamadas “Cartas

Patrimoniais”. Juntamente com a legislação nacional através das leis nacionais

nas Constituições Federais para uma correlação e entendimento da evolução

das leis que amparam o patrimônio no país.

Elas são compostas de conceitos e medidas para ações administrativas

com diretrizes de documentação, promoção da preservação de bens, planos de

conservação, manutenção e restauro de um patrimônio, seja ele histórico,

artístico ou cultural.

Segundo o Iphan (2015) as Cartas Patrimoniais foram elaboradas por

especialistas e organismos que trabalham com patrimônios culturais.

As Cartas Patrimoniais são documentos que contém desde conceitos a medidas para ações administrativas com diretrizes de documentação, promoção da preservação de bens, planos de conservação, manutenção e restauro de um patrimônio, seja

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histórico, artístico e/ou cultural. Elaboradas por especialistas e organismos que trabalham com patrimônios culturais, as Cartas somam mais de 40 (IPHAN, 2015).

Assim, de acordo com a Universidade de São Paulo (2018) entende-se

por Cartas e Recomendações como formadoras de principio, tendo em vista

que consideram dentre outros temas àqueles ligados à preservação e

conservação dos chamados “bens culturais”.

Cartas e recomendações são formadoras de principio. Dizem respeito, entre outros temas, àqueles ligados à preservação e conservação dos chamados Bens Culturais. Estes documentos, muitos dos quais firmados internacionalmente representam tentativas que vão além do estabelecimento de normas e procedimentos, criando e circunscrevendo conceitos às vezes globais, outras vezes locais. Sua publicação oferece ao público interessado (geralmente especialistas – ainda não se popularizou ou democratizou a discussão sobre os bens culturais) um panorama das diferentes abordagens que a questão da preservação mereceu ao longo do tempo, registrando o processo segundo o qual muitos conceitos e posturas se formaram, consolidaram e continuam orientando estas ações, até os nossos dias (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2018).

Nesse momento utilizamos os documentos relacionados ao período de

investigação deste trabalho.

As Cartas acessadas foram:

Tabela 1 – Relação das Cartas Patrimoniais entre as décadas de 1960 e 1980.

ANO CARTA PATRIMONIAL CONTEÚDO

1962 Recomendação de Paris Sobre a salvaguarda das paisagens e sítios históricos.

1964 Carta de Veneza Carta Internacional sobre a conservação dos Sítios Históricos.

1964 Recomendação de Paris Definição de bem cultural e controle para exportação dos bens culturais.

1967 Normas de Quito Alerta sobre as situações dos bens e a responsabilidade dos governos da América.

1968 Recomendação de Paris Sobre a conservação dos bens culturais.

1970 Compromisso de Brasília Ênfase na responsabilidade dos governos com a conservação, preservação, catalogação e políticas educativas dos bens culturais.

1971 Compromisso de Salvador Organizado pelo Iphan, recomenda a criação do Ministério da Cultura, secretarias e fundações estaduais.

1972 Carta do Restauro – Itália Orientações técnicas sobre o restauro em diferentes suportes.

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1972 Declaração de Estocolmo Recomendações para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.

1972 Recomendação de Paris Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.

1974 Resolução de São Domingos Recomendações no plano social e econômico e propostas operativas no plano educacional e turístico.

1975 Declaração de Amsterdã Firma o patrimônio arquitetônico europeu como patrimônio mundial.

1975 Manifesto de Amsterdã Promoção de uma politica de conservação integrada, passando pelo planejamento urbano e regional.

1976 Carta do Turismo Cultural – Bruxelas

Promoção da salvaguarda e da garantia dos monumentos e sítios históricos como patrimônios da humanidade.

1976 Recomendação de Nairóbi Relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea.

1977 Carta de Machu Picchu Ampliação de conceitos e recomendações: cidade-região, crescimento urbano, conceito de setor, moradia, transportes nas cidades, disponibilidade do solo urbano, recursos naturais, preservação, tecnologia, projeto urbanístico e arquitetônico.

1980 Carta de Burra Recomendações quanto à conservação, preservação, restauração, reconstrução, adaptação e procedimentos.

1981 Carta de Florença Definição, objetivos e recomendações para manutenção, conservação, restauração, utilização, proteção legal e administrativa de jardins históricos e sítios.

1982 Declaração de Nairóbi Recomendações para proteção e melhoramento do meio ambiente.

1982 Declaração de Tlaxcala Sobre os perigos e ameaças do patrimônio arquitetônico na América.

1985 Declaração do México Conceito de cultura, identidade cultural e patrimônio cultural.

1986 Carta de Washington Abrangendo os princípios e objetivos da salvaguarda de bairros e cidades históricas.

1987 Carta de Petrópolis Definição de "sítio histórico" e recomendações a partir instrumentos: tombamento, inventário, normas urbanísticas, isenções e incentivos, declaração de interesse cultural e desapropriação.

1989 Carta de Cabo Frio Recomendações em defesa da "identidade cultural".

1989 Declaração de São Paulo Debate sobre a utilização de sistemas de tecnologia avançada para trabalhos de restauro.

1989 Recomendação de Paris Salvaguarda da Cultura Tradicional Popular. Recomendações para identificação, conservação, salvaguarda, difusão, proteção e cooperação internacional.

Fonte:Caderno de Documentos Nº 3: Cartas Patrimoniais. Brasília: Iphan, 1995.

2.2 Coleta da Legislação Nacional

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Finalizamos esta etapa de coleta de dados com a identificação das leis

nacionais sobre o tema através de leis e decretos relacionados nas

Constituições Brasileiras vigentes até os dias atuais.

Em se tratando o período estudado foram observadas as seguintes

Constituições Federais:

A Constituição de 1946, anterior ao recorte deste trabalho, que trás no

seu Capitulo II, disposições relacionadas à educação e cultura: As obras,

monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os

monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza

ficam sob a proteção do Poder Público (BRASIL, 1946, Art. 175).

A Constituição de 1967, que atribui ao Poder Público a responsabilidade

sobre o patrimônio histórico nacional:

O amparo à cultura é dever do Estado. Ficam sob a proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas (BRASIL, 1967, Art. 172).

Assim como a Constituição de 1988, com disposições acerca dos

direitos deveres individuais e coletivos; das competências dos Poderes

Públicos acerca do patrimônio histórico e cultural; e, sobretudodas diretrizes

relacionadas à cultura: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos

direitos culturaise acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará

a valorizaçãoe a difusão das manifestações culturais (BRASIL, 1988, Art. 215).

Além de leis nacionais tais como: a Lei N° 3.924 de 26 de julho de 1961

que abre o período estudado com disposições acerca dos monumentos

arqueológicos nacionais; o Decreto Legislativo N° 71 de 29 de novembro de

1972, relativo ao impedimento da importação, exportação e transferência de

propriedade ilícita de bens culturais; a Lei N° 6.292 promulgada em 15 de

novembro de 1975 que dispõe sobre o tombamento de bens no Instituto do

Patrimônio e Histórico Artístico Nacional; Decreto N° 80.978 de 1977 sobre o

mesmo tema; Decreto Legislativo N° 74 de 30 de junho de 1977 sobre o

patrimônio mundial, cultural e natural; e o Decreto N° 95.733 de 12 de fevereiro

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de 1988 de teor orçamentário para prevenção dos prejuízos naturais,

ambientais, culturais e sociais.

Foram levados em consideração outros eventos relacionados à

preservação do patrimônio histórico como: o Programa Integrado de

Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste na década de 1970 e o

Programa de Cidades Históricas (PCH), entre os anos de 1973 e 1979.

No que se diz respeito ao contexto estadual é necessário citar a

Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) no ano

de 1973.

Neste contexto foram acessadas: a Lei Nº 6. 873 de 1975 que vincula a

Fundarpe à Secretária de Educação e Cultura e depois à de Turismo, Cultura e

Esportes; e a Lei Estadual Nº 7.970, de 18 de setembro de 1979, com foco na

proteção do patrimônio cultural e responsável pela instalação do Sistema de

Tombamento, esta que teve como base o Decreto-Lei Nº 25 de 1937 e

regulamentada pelo Decreto Nº 6.239, em 11 de janeiro de 1980.

Este conjunto de informações foi ordenado cronologicamente:

Tabela 2 – Relação cronológica das informações consultadas na pesquisa. ANO CARTA PATRIMONIAL LEGISLAÇÃO NACIONAL LEGISLAÇÃO ESTADUAL

1961 Lei N° 3.924

1962 Recomendação de Paris

1964 Carta de Veneza

1964 Recomendação de Paris

1965 Lei N° 4.845

1967 Normas de Quito Constituição Federal

1968 Recomendação de Paris

1968 Lei N° 5.471

1970 Compromisso de Brasília

1971 Compromisso de Salvador

1972 Carta do Restauro/Itália

1972 Declaração de Estocolmo

1972 Recomendação de Paris

1972 Lei N° 5.805

1972 Decreto Legislativo N° 71

1973 Encontro de Salvador

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1973 Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste

1974 Resolução de São Domingos

1975 Declaração de Amsterdã

1975 Manifesto de Amsterdã

1975 Lei N° 6.292

1975 Lei N° 6.873

1976 Recomendação de Nairóbi

1977 Carta de Machu Picchu Constituição Federal

1977 Decreto N° 80.978

1977 Decreto Legislativo N° 74

1979 Lei N° 7.970

1980 Carta de Burra

1980 Decreto N° 6.239

1981 Carta de Florença

1982 Declaração de Nairóbi

1982 Declaração de Tlaxcala

1985 Declaração do México

1986 Carta de Washington

1987 Carta de Petrópolis

Constituição Federal

1988 Lei N° 7.688

1988 Decreto N° 95.733

1989 Carta de Cabo Frio

1989 Declaração de São Paulo

1989 Recomendação de Paris

Fonte:CÂMARA DOS DEPUTADOS (2013); IPHAN (2015); SANTOS (2015).

A partir disto foram feitos os cruzamentos cronológicos entre as datas

das referidas indicações internacionais através de suas Cartas Patrimoniais

com a legislação nacional através das leis federais. Para assim ter um

parâmetro da verdadeira influencia das indicações mundiais na lei nacional.

Tais informações foram cruzadas com a legislação nacional das mesmas

categorias com o propósito final de corroborar o fato que as Cartas

Patrimoniais influenciaram em tais medidas patrimonialistas nacionais. E

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apontando os textos originais nas diretrizes internacionais e as versões na

legislação de nosso país com a devida datação.

2.3 Revisão Conceitual

Diante do exposto, a partir da leitura do referencial teórico, e utilizando

as indicações do âmbito do patrimônio das Cartas Patrimoniais como fonte

primária faremos uma análise das dimensões: cultural, social e política, esta

ultima relacionada às políticas públicas de preservação do patrimônio histórico-

cultural.

Através da análise das orientações internacionais - tais como As Cartas

Patrimoniais, Recomendações, Normas, Declarações, Resoluções e

Manifestos – pretendemos traçar um paralelo com a criação das leis nacionais

existentes.

Como exemplodessa relação entre as Cartas Patrimoniais e a legislação

federal podemoscitar:

A Convenção de Paris foi publicada em 1972 com parâmetros sobre

Patrimônio Mundial.

As diretrizes deste eventoreverberaram na da Lei Brasileira N° 6.292

promulgada em 15 de novembro de 1975 que dispõe sobre o tombamento de

bens no Instituto do Patrimônio e Histórico Artístico Nacional e no Decreto

Nacional N° 80.978 sobre o mesmo tema (BRASIL, 1977).

Desta forma entendemos as “Cartas Patrimoniais” como o conjunto de

Recomendações, Normas, Declarações, Resoluções e Manifestos assinados

por instâncias internacionais que orientam os Estados nacionais a

desenvolverem políticas de preservação e valorização dos bens culturais de

suas sociedades e dos grupos sociais que os formam.

A partir deste marco surgem várias demandas às questões da

preservação do patrimônio. Neste período os equipamentos históricos foram

interpretados de forma integrada, criando o conceito de sítios históricos ou

conjuntos arquitetônicos que fossem relevantes para a sociedade.

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E, devido ao reflexo do alargamento do campo patrimonial, das

dimensões tipológica e cronológica das expressões patrimoniais e do próprio

público do patrimônio, produz-se no Brasil uma nova forma conceitual para se

pensar o patrimônio urbano: a “cidade-monumento”.

A partir das indicações da Convenção de Paris e a salvaguarda dos

sítios urbanos, nestes contendo os monumentos a serem preservados e seu

entorno.

Nesta formulação, os processos sócio históricos de formação e evolução

das cidades são tão ou mais importantes do que as expressões estéticas,

constituindo-se a preservação como uma notável função urbana. No mesmo

patamar da habitação, do trabalho, da recreação e da circulação, e a fruição do

patrimônio.

2.4 Sobre o conceito de Patrimônio Cultural

Podemos afirmar que o material bibliográfico contribuiu de forma

esclarecedora para a pesquisa em questão, sobre a questão do patrimônio.

Funari e Pelegrini (2009) acrescentam como a questão patrimonial, no que

tange às práticas de preservação, foi apropriada na legislação nacional. Os

autores destacam:

Em primeiro lugar, o patrimônio é entendido como um bem material concreto, um monumento, um edifício, assim como objetos de alto valor material e simbólico para a nação. Parte-se do pressuposto de que há valores comuns, compartilhados por todos, que se consubstanciam em coisas concretas. Em segundo lugar, aquilo que é determinado como patrimônio é excepcional, o belo, o exemplar, o que representa a nacionalidade. (FUNARI E PELEGRINI, 2009, p. 20).

Conforme o Iphan (2012), inicialmente houve um direcionamento no

estudo de textos relacionados à elaboração do conceito de patrimônio cultural

no Brasil e sua evolução.

Nos últimos anos, o conceito patrimônio cultural adquiriu um peso significativo no mundo ocidental. De um discurso patrimonial referido aos grandes monumentos artísticos do passado, interpretados como fatos destacados de uma civilização, se avançou para uma concepção do patrimônio entendido como o conjunto dos bens

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culturais, referente às identidades coletivas. Desta maneira, múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias, expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram a ser reconhecidos e valorizados pelas comunidades e organismos governamentais na esfera local, estadual, nacional ou internacional.(IPHAN, 2012).

Segundo Torelly (2012, p. 3):

“O conceito de patrimônio cultural na atualidade é proveniente da Revolução Francesa que instituiu um conceito nas ordens política, jurídica, social e econômica que assim consolidou os conceitos de nação e nacionalidade reconhecendo estes como direitos fundamentais a humanidade”.

Partindo disto é lançado o preceito da proteção estatal, a fim de

resguardar aos cidadãos marginalizados o direito de demonstrar sua cultura e

pensamento. Muitas vezes ocultado em detrimento da conceituação cultural

dominante.

A atual definição oficial de patrimônio cultural consta da Constituição

Brasileira de 1988:

Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (BRASIL, 1988, Art. 216).

Tendo por base o tema patrimônio, há de se convir que o indivíduo

apenas considera, admira e respeita aquilo no qual tem conhecimento. A partir

disto surge o pressuposto de que se deve haver um sistema educacional que

leve o tema a amplo conhecimento público.

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Segundo Guimarães e Paim (2014, p. 91-109): “O patrimônio, pode ser

abordado como um dos elementos fundantes da constituição de identidades,

do sentido de pertencimento dos sujeitos”.

Os mesmos autores concluem que para educar sobre a questão do

patrimônio não basta apenas falar sobre o mesmo, mas dar-lhe significado ao

ouvinte mediante experiências vividas. Ou seja, o resgate de histórias locais

estimula a sensação de pertencimento e apropria o morador e visitante da

valorização do local, monumento, fato histórico ou até mesmo os saberes e

práticas locais.

Considerando o patrimônio como um resumo simbólico dos valores

identitários de uma sociedade, Meneses conclui que:

Tomando o patrimônio reconhecido como documento histórico, da memória que construímos e que reflete nossa capacidade de edificar uma cultura através do tempo, podemos a partir daí, criar parâmetros de interpretação (MENESES, 2006, p.73).

Desta forma podemos entender o patrimônio cultural como o conjunto de

todos os bens, manifestações populares, cultos, tradições tanto materiais

quanto imateriais. Do mesmo modo observar o “bem cultural” como sendo

qualquer objeto envolvido com essas manifestações seja de forma material ou

simbólica, como saberes e os fazeres.

O conceito de patrimônio vem sofrendo reformulações desde as suas concepções de origem, assim como a formulação dos princípios de preservação e conservação. Segundo Barbosa (2001, p. 67) a origem etimológica da palavra "vem do latim patrimoniu, encontrando-se associado à ideia de uma herança paterna ou bens de família". A partir do século XVIII, o patrimônio foi compreendido como sendo os bens protegidos por lei e pela ação de órgãos, nomeando o conjunto de bens culturais de uma nação (GOMES, 2007, p.1).

Tendo o patrimônio cultural como ponto de partida podemos considerar

que através dos tempos o mesmo deixou de ser definido apenas no sentido

material. Associado pelas edificações que na maioria das vezes abrigaram

apenas a elite econômica e seus respectivos utensílios.

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Afirmação corroborada por Funari e Pelegrini (2009, p. 11): “O conceito

de patrimônio, surgido no âmbito privado do direito de propriedade, estava

intimamente ligado aos pontos de vista e interesses aristocráticos [...] o

patrimônio era um valor aristocrático e privado, referente à transmissão de

bens no seio da elite patriarcal”.

Atualmente o patrimônio também pode ser associado a hábitos,

costumes, usos, crenças e fazeres que de algum modo contribuíram para a

formação cultural da sociedade onde tal patrimônio esteja incluído. Como

observamos em Barreto (2000, p. 9): “O patrimônio cultural passou a englobar

os utensílios, hábitos, usos, costumes, crenças e a vida cotidiana de todos os

segmentos que compuseram e compõem a sociedade”.

Assim sendo, é possível afirmar que o patrimônio cultural compreende

todos os aspectos da cultura material e imaterial, construídos ao longo da

vivência sócio histórica das diferentes sociedades e suas respectivas culturas.

2.5 Conceito de Bem Cultural

Para o entendimento do processo de como se deu a configuração da

legislação da salvaguarda do patrimônio material no recorte temporal abordado

por este projeto, se faz necessária a conceitualização de bem cultural, sendo

este fundamental ao período estudado e suas relações com o patrimônio.

Guedes e Maio (2016) afirmam que as reuniões internacionais

buscavam encontrar os meios para regular a guerra e proteger objetos e

instituições, delimitando pouco a pouco as primeiras expressões do que viria a

ser chamado, mais tarde, de bem cultural.

As autoras relatam que o inicio de tal discussão tem origem no Século

XIX com relação às guerras e a proteção dos bens existentes, embora o bem

cultural não fosse definido com clareza:

Expressões tais como a propriedade particular ou do Estado, que englobava, em geral, determinados edifícios e objetos relacionados às artes, à ciência, à educação, à história, incluindo, também, outros ramos de conhecimento, quando envolvia arquivos, bibliotecas e coleções. Nessa perspectiva, algumas convenções são marcantes no

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período do século XIX, embora o bem cultural não fosse tão claramente definido (GUEDES E MAIO, 2016).

O debate acerca do bem cultural nas recomendações da Unesco se

inicia na Recomendação de Paris de 1964. Esta que traz em seu corpo

medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a

transferência de propriedade ilícitas de bens culturais.

Desta forma a mesma define:

Para efeito desta recomendação, são considerados bens culturais os bens móveis e imóveis de grande importância para o patrimônio cultural de cada país, tais como as obras de arte de arquitetura, os manuscritos, os livros e outros bens de interesse artístico, histórico ou arquitetônico, os documentos etnológicos, os espécimes-tipo da flora e da fauna, as coleções cientificas e as coleções importantes de livros e arquivos, incluídos os arquivos musicais (RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1964, p. 2).

A Recomendação de Paris de 1968, que discute os bens culturais diante

da problemática do crescimento das cidades, e dispõe medidas de preservação

e salvamento em áreas relacionadas: à legislação; financiamento; medidas

administrativas; métodos de preservação e salvamento dos bens culturais;

sanções; reparações; recompensas; assessoramento; programas educativos.

Discute a temática da seguinte forma:

Considerando que os bens culturais são os produtos e o testemunho das diferentes tradições e realizações intelectuais do passado e constituem, portanto, um elemento essencial de personalidade dos povos (RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1968, p. 1).

3. CARTAS PATRIMONIAIS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.1 Cartas Patrimoniais e Legislação das Décadas de 1960 a 1980

O período do recorte deste trabalho, entre as décadas de 1960 e 1980,

pode ser entendido em três partes a partir do desenvolvimento do pensamento

do patrimônio histórico através da analise da documentação internacional,

sendo eles: a definição e o debate acerca do “bem cultural”; a retomada do

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debate da questão urbanística; e, a definição do patrimônio histórico visto de

forma integrada através das discussões sobre: conjunto histórico, cidade-

região, e cidade histórica.

Ao que se diz respeito ao primeiro momento deste período, onde se

concentra o debate sobre a temática de “bem cultural”, destaca-se a

Recomendação de Paris, ocorrida no ano de 1964.

Esta trazia a definição de “bens culturais”,e recomendava medidas

destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a transferência de

propriedades ilícitas de bens culturais.

Para efeito desta recomendação, são considerados bens culturais os bens moveis e imóveis de grande importância para o patrimônio cultual de cada país, tais como as obras de arte de arquitetura, os manuscritos, os livros e outros bens de interesse artístico, histórico ou arqueológico, os documentos etnológicos, os espécimes-tipo da flora e da fauna, as coleções cientificas e as coleções importantes de livros e arquivos, incluídos os arquivos musicais. (RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1964, p. 2).

Tal diretriz influenciou diretamente na criação da Lei Nº 4.845, de 19 de

novembro de 1965, que proíbe a saída, para o exterior, de obras de arte e

ofícios produzidos no país, até o fim do período monárquico:

Fica proibida a saída do país de quaisquer obras de artes e ofíciostradicionais, produzidas no Brasil até o fim do período monárquico, abrangendonão só pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e elementos de arquitetura,como também obras de talha, imaginária, ourivesaria, mobiliário e outras modalidades (BRASIL, 1965, Art. 1°).

Tal normativa tanto cria a proibição da saída das obras de arte nacionais

quanto regulamenta as exposições das mesmas e o intercâmbio cultural de

obras para este fim.

O mesmo tema da circulação internacional dos bens culturais reaparece

na Constituição de 1988, que traz no texto: “É competência comum da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: impedir a evasão, a

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destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor

histórico, artístico ou cultural” (BRASIL, 1988, Art. 23, § 4).

Tal legislação também garante a proteção de documentos, monumentos,

obras e outros bens de valor históricos e artístico.

No ano de 1968 ocorreu outra reunião para o debate patrimonial,

gerando uma nova Recomendação de Paris, desta vez tratando o “bem

cultural”: “Considerando que os bens culturais são o produto e o testemunho

das diferentes tradições e realizações intelectuais do passado e constituem,

portanto, um elemento essencial da personalidade dos povos”

(RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1968, p.1).

A Recomendação a partir da temática do “bem cultural” discutiu o

crescimento das cidades, desta forma delimitou o foco às obras públicas e

privadas que porventura possam provocar danos a equipamentos históricos e

delega aos órgãos públicos a responsabilidade sobre a preservação dos bens

culturais da seguinte forma: “A responsabilidade pela preservação e pelo

salvamento dos bens culturais ameaçados por obras publicas ou privadas

deveria competir a organismos oficiais apropriados” (RECOMENDAÇÃO DE

PARIS, 1968, p. 7).

Tal responsabilidade do poder público sobre os bens culturais pode ser

observada na Constituição de 1988:

É de competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios: zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio publico, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (BRASIL, 1988, Art. 23).

O debate sobre o “bem cultural” continua em 1970 através do

Compromisso de Brasília de 1970, que pondera criar órgãos de defesa onde

ainda não existam, em conformidade com os Conselhos Estaduais de Cultura,

que acrescenta:

Os Governadores de Estado presentes ao encontro promovido pelo Ministério da Educação e Cultura, para o estudo da complementação

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das medidas necessárias à defesa do patrimônio histórico e artístico nacional [...] reconhecem a inadiável necessidade de ação supletiva dos Estados e dos Municípios à atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional (COMPROMISSO DE BRASÍLIA, 1970, p. 1).

Tal normativa enfatiza a responsabilidade de governos e secretarias na

conservação, preservação, catalogação e políticas educativas dos “bens

culturais”, algo que reverbera na Lei N° 5.579 de 15 de maio de 1970,

instituindo o Dia da Cultura e da Ciência: “Fica instituído o "Dia da Cultura e da

Ciência", que será comemorado a cinco de novembro de cada ano, como

homenagem a data natalícia de figuras exponenciais das letras e das ciências,

no Brasil e no mundo” (BRASIL, 1970, Art. 1º).

O segundo grande debate ocorrido no período do recorte deste trabalho

está ligado ao crescimento urbano.

No que sediz respeito às Cartas Patrimoniais, tais discursões se

iniciaram desde a Carta de Atenas de 1933, esta foi consequência do

Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM, e tratou a cidade e

sua região como objeto de estudo nos contextos: econômico, social e político,

e tinha como objetivos: “Os objetivos dos CIAM são: formular o problema

arquitetônico contemporâneo; apresentar a ideia arquitetônica moderna; fazer

essa ideia penetrar nos círculos técnicos, econômicos e sociais; zelar pela

solução do problema na arquitetura” (CARTA DE ATENAS, 1933, p. 38).

Tal temática volta à tona através do Compromisso de Salvador no ano

de 1971, este que trouxe recomendações sobre o plano urbanístico com

valorização dos sítios históricos.

Sobre a questão urbana o Compromisso afirma:

Recomenda-se que os planos diretores e urbanos, bem como os

projetos de obras públicas e particulares que afetam áreas de

interesse referentes aos bens naturais e aos de valor cultural

especialmente protegidos por lei, contem com a orientação do

IPHAN, do IBDF e dos órgãos estaduais e municipais da mesma

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área, a partir de estudos iniciais de qualquer natureza

(COMPROMISSO DE SALVADOR, 1971, p.2).

O assunto do patrimônio urbano volta a ser citado na Declaração de

Amsterdã em 1975, através de recomendações sobre o plano urbanístico

europeu com valorização dos sítios históricos: “A conservação do patrimônio

arquitetônico deve ser considerada não apenas como um problema marginal,

mas como objetivo maior do planejamento das áreas urbanas e do

planejamento físico territorial” (DECLARAÇÃO DE AMSTERDÃ, 1975, p. 2).

No mesmo ano ocorreu o Manifesto de Amsterdã em referência ao "Ano

Europeu do Patrimônio Arquitetônico", trazendo o debate sobre a promoção de

uma política de conservação integrada, passando pelo planejamento urbano e

regional: “Considerando que a conservação do patrimônio arquitetônico

depende, em grande parte, de sua integração no quadro da vida dos cidadãos

e de sua valorização não planejamentos físico-territorial e nos planos urbanos”

(MANIFESTO DE AMSTERDÃ, 1975, p. 1).

É necessário salientar que entre o debate acerca das questões

urbanísticas, surge um tema relevante às diretrizes patrimoniais e que

repercute fortemente na legislação de salvaguarda nacional, sendo este a

fundação do Patrimônio Mundial.

Tal diretriz ocorre na Recomendação de Paris em 1972, que traz a

instauração do Fundo do Patrimônio Mundial e novas definições salvaguarda

do patrimônio cultural e natural: “Considerando que os bens do patrimônio

cultural e natural apresentam um interesse excepcional e, portanto, devem ser

preservados como elementos do patrimônio mundial da humanidade inteira”

(RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1972, p. 2).

O patrimônio mundial segundo a Iphan (2014): tem como objetivo

incentivar a preservação de bens culturais e naturais considerados

significativos para a humanidade. Trata-se de um esforço internacional de

valorização de bens que, por sua importância como referência e identidade das

nações, possam ser considerados patrimônio de todos os povos.

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Tal iniciativa reverbera na legislação nacional, desde que o Brasil em

1977 ratifica a Convenção de 1972 através do Decreto N° 80.978 de 12 de

dezembro, que dispõe:

Havendo a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural sido adotada em Paris a 23 de novembro de 1972, durante a XVII Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura [...] e havendo a referida Convenção entrado em vigor, para o Brasil, em 2 de dezembro de 1977 (BRASIL, 1977).

Segundo a Unesco (2020) a partir desta medida se inicia na década de

1980 a instituição dos Sítios Brasileiros como patrimônios mundiais, tendo

como precursora a Cidade Histórica de Ouro Preto - Minas Gerais no ano de

1980, seguido do Centro Histórico de Olinda – Pernambuco em 1982.

A terceira e última temática abordada de forma recorrente no período

estudado neste trabalho está relacionada com a observação das diretrizes

internacionais com a cidade vista de forma integrada.

Sobre esta questão a Recomendação de Nairóbi de 1976 traz em seu

texto determinações acerca da salvaguarda dos conjuntos históricos e sua

função na vida contemporânea, além da definição de Conjunto Histórico, sendo

esta, outro passo importante para a configuração da Cidade-Monumento.

A mesma ainda recomenda ações relacionadas à pesquisa, ensino,

informação e cooperação internacional:

Considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade e que sua salvaguarda e integração na vida contemporânea são elementos fundamentais na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial (RECOMENDAÇÃO DE NAIROBI, 1976, p.1).

A década de 1970 é encerrada com as indicações da Carta de Machu

Picchu através do Encontro internacional de Arquitetos em 1977, que revisa a

Carta de Atenas e recomenda sobre Cidade-região, crescimento urbano,

conceito de setor, moradia, transportes nas cidades, disponibilidade do solo

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urbano, recursos naturais, preservação, tecnologia, projeto urbanístico e

arquitetônico.

A diretriz trabalha a questão do patrimônio de forma integrada da

seguinte forma:

A Carta de Atenas reconheceu a unidade essencial das cidades e suas regiões circundantes. A fraqueza da sociedade ao enfrentar as necessidades do crescimento urbano e as mudanças sócio-econômicas requer a reafirmação desse princípio em termos mais específicos e urgentes. Hoje, características do processo de urbanização, através do mundo, tornaram crítica à necessidade de

uso mais efetivo dos recursos naturais e humanos (CARTA DE MACHU PICCHU, 1977, p. 10).

Outra normativa que debate a integração dos monumentos é a Carta de

Washington de 1986 que define cidade histórica, e aborda princípios e

objetivos da salvaguarda de bairros e cidades históricas:

A presente carta diz respeito mais precisamente às cidades grandes ou pequenas e aos centros ou bairros históricos com seu entorno natural ou construído, que, além de sua condição de documento histórico, exprimem valores próprios das civilizações urbanas tradicionais (CARTA DE WASHIMGTON, 1986, p.1).

A Carta de Petrópolis de 1987 debate a proteção legal a partir de

instrumentos como: tombamento, inventário, normas urbanísticas, isenções e

incentivos, declaração de interesse cultural e desapropriação. "Valor social"

considerado maior que o valor de mercadoria. E discute a forma integrada do

patrimônio na medida em que aborda o "sítio histórico":

Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Este sítio histórico urbano deve ser entendido em seu sentido operacional de área crítica, e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico (CARTA DE PETRÓPOLIS, 1987, p. 1).

Desta forma as diretrizes internacionais abordaram a questão do

patrimônio visto de forma integrada.

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Devemos considerar que apesar da temática patrimonial observada de

forma conjunta ser importante no desenvolvimento do entendimento da

salvaguarda do patrimônio histórico, no que se diz respeito à legislação

nacional consideramos que as leis nacionais trabalharam tal perspectiva de

forma paralela.

Tendo em vista que desde a publicação do Decreto-Lei N° 25, de 30 de

novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico

nacional, a legislação nacional trata a salvaguarda de forma conjunta:

Constitui o patrimônio histórico artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937, Art. 1°).

Esta lei através do dispositivo do tombamento passa a salvaguardar

conjuntos urbanos desde a década de 1930. Segundo o Iphan (2018) as

cidades com seus conjuntos, núcleos, centros e sítios históricos começam a

ser tombados, sendo estes monumentos e espaços públicos a partir de 1938.

Podemos observar tal afirmação e a atuação da legislação nacional de

salvaguarda tendo como base a Listagem de Bens Tombados do Iphan (2018).

Como exemplos através das décadas da atuação da proteção

patrimonial nacional podemos citar as seguintes salvaguardas em forma

conjunta: Conjunto Arquitetônico Capela Dourada, Claustro e Igreja da Ordem

Terceira de São Francisco de Recife-PE (1938); Conjunto Urbano,

Arquitetônico e Paisagístico de Igarassu-PE (1945); Conjunto Urbano Praça

Severino Vieira e Igreja Nossa Senhora da Saúde do Distrito de Nazaré em

Salvador-BA (1952); Conjunto Urbano Acervo Arquitetônico e Urbanístico da

Cidade de Olinda-PE (1962); Conjunto Urbano Arquitetônico e Paisagístico de

Cachoeira - BA (1971); e Conjunto Urbano Arquitetônico e Paisagístico de

Serro - GO (1984).

De forma a finalizar o recorte abordado por este trabalho consideramos

ressaltar a promulgação da Constituição Federal do ano de 1988, esta que traz

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diversas diretrizes acerca da temática patrimonial, legitimando avanços sobre

tal questão a nível nacional.

Neste documento podemos então encontrar influências das três

temáticas focadas no recorte histórico estudado entre as décadas de 1960 e

1980.

No que se diz respeito às questões sobre o tema do “bem cultural” a

legislação nacional aborda da seguinte forma:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional (BRASIL, 1988, Art. 215).

Quanto ao debate da questão do urbanismo e a definição do patrimônio

histórico de forma integrada, a Constituição dispõe:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, Art. 216).

Desta forma nota-se a direta influência das diretrizes internacionais

através das Cartas Patrimoniais na legislação nacional.

No ano de 1989 se encerram as investidas internacionais no campo

patrimonial com a Recomendação de Paris, que tratou a respeito da

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salvaguarda da cultura tradicional popular, sendo esta um passo para o debate

para a perspectiva seguinte na legislação de preservação: o patrimônio

imaterial.

3.2 Influências na legislação do Estado de Pernambuco

A política de preservação do patrimônio histórico do Estado de

Pernambuco está diretamente ligada à Fundação do Patrimônio Histórico e

Artístico de Pernambuco – Fundarpe. E, para entender sua criação devemos

observar os eventos que antecederam sua formação.

O Brasil na década de 1970 vivia um momento de valorização do

crescimento econômico e desenvolvimento urbano, assim foi elaborado o

Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, este

que segundo o Corrêa (2015): “buscava a descentralização da política de

preservação cultural por meio de sua execução pelos estados, aplicando

recursos significativos nessa área”.

Tal programa reverbera na criação do Programa de Cidades Históricas

no ano de 1973, que de acordo com Corrêa (2012) parte do viés

desenvolmentista do governo brasileiro, sendo uma políticapública de

preservação do patrimônio cultural com a finalidade do desenvolvimento

regional.

Segundo Menezes (2008) com esta prerrogativa foi criada a Fundarpe

em 17 de julho de 1973, com o intermédio do Banco de Desenvolvimento de

Pernambuco – Bandepe.

Acerca das funções da instituição Pacheco e Santos (2015, p. 183-184)

descrevem: “é a de uma instituição técnica de nível estadual que exerce os

poderes que o Decreto-Lei Federal Nº 25, de 30 de novembro de 1937, dispõe

sobre as políticas de salvaguarda dopatrimônio cultural brasileiro”.

Ainda sobre as atribuições da Fundarpe Menezes (2008, p. 37) coloca:

a finalidade maior espelhava não somente o interesse imediato, ou seja, ser a instituição executora dos projetos apresentados e

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aprovados ao Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas, mas essencialmente incentivar as demais produções culturais [...] assim, a finalidade central dos Estatutos era esse incentivo àcultura e à preservação dos monumentos históricos e artísticosde Pernambuco. Não teria fins lucrativos, sendo a organizaçãomais flexível para captar recursos e realizar outras ações em termos de gestão cultural.

Menezes (2008) continua afirmando que as ações da instituição teve

como alvo a cidade de Olinda, e por este fato tiveram como projetos iniciais de

intervenções asrestaurações da Igreja da Sé, do Palácio dos Bispos, da Igreja

de Nossa Senhora da Graça e no interesse de instalar um Museu de Arte

Sacra.

De acordo com Santos (2015, p. 122) em 1973, que iria integrar anos

depois o Sistema Estadual de Tombamento. Afirmativa confirmada através do

texto da Lei Estadual N° 7.970 de 18 de setembro de 1979 que institui o

tombamento de bens pelo Estado:

As propostas de Tombamento, que podem ser feitas por qualquer pessoa, devem ser encaminhadas, por escrito ao Secretário de Educação, para que este, deferindo-as, inicie o processo de Tombamento, encaminhando-as, para exame técnico, à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE (PERNAMBUCO, 1970, Art. 1°, § 2º).

Acerca da atuação da Fundação, Santos (2015) continua:

A Fundarpe durante pouco tempo teve sua independênciarelativa do governo. Logo em 1975 o Estado de Pernambucoa vinculou pela Lei nº 6.873/75 à Secretaria de Educação e Cultura e depois à de Turismo, Cultura e Esportes, em 1979 (SANTOS, 2015, p 142).

A respeito das leis estaduais vigentes devemos citar: A lei estadual Nº

7.970, de 18 de setembro de 1979, com plataforma para a proteção do

patrimônio cultural e que institui o tombamento de bens do Estado, teve como

base o Decreto-Lei Nº 25 de 1937. Essa lei de fato passou a ser

regulamentada pelo Decreto Nº 6.239, em 11 de janeiro de 1980.

Como citado anteriormente através do dispositivo do tombamento o

Iphan (2018) passa a salvaguardar conjuntos urbanos desde a década de

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1930, desta forma diversos municípios do Estado foram contemplados com a

proteção patrimonial de seus equipamentos históricos.

Da mesma forma o Estado de beneficiou da instauração do Fundo do

Patrimônio Mundial regimentado pela Recomendação de Paris de 1972, esta

que influenciou no N° 80.978 de 1977, que dispõe a sítios históricos nacionais

o titulo de Patrimônio Mundial da Humanidade, e segundo a Unesco (2020) há

destaque para o Centro Histórico de Olinda por ser uma das localidades

nacionais contempladas com tal titulação desde a implementação de tal

dispositivo.

COMENTÁRIO FINAL

O objetivo dessa pesquisa é fazer a análise comparativa das orientações

internacionais e da legislação nacional sobre o patrimônio cultural.

Para esta finalidade foram consultadas as orientações internacionais

para a preservação do patrimônio, as Cartas Patrimoniais, juntamente com a

legislação nacional através das leis nacionais nas Constituições Brasileirasna

busca de relações entre estas e do entendimento da evolução das leis que

amparam o patrimônio no país.

Estas permitem entender sobre a influência das resoluções mundiais na

formação das leis nacionais do patrimônio, seus critérios e seu impacto,

identificando as questões relevantes ao patrimônio histórico-cultural.

Foram feitas leituras acerca do patrimônio cultural, este que segundo

Meneses (2006) é o resumo simbólico dos valores identitários de uma

determinada sociedade, com a finalidade de compreender a conceitualizaçao

do termo assim como se deu a interpretação do mesmo através da legislação.

Assim como foi feita a revisão conceitual de “bem cultural”, tendo em

vista que o termo recorrente durante o período do recorte estudado neste

trabalho.

O bem cultural entra no debate da salvaguarda patrimonial a partir da

Recomendação de Paris (1964), esta que o define como sendo equipamentos

de relevância ao patrimônio cultural.

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A partir da pesquisa realizada, observamos que o recorte histórico, entre

as Recomendações de Paris de 1962 e de 1989, período que foi marcado por

novas diretrizes relacionadas à proteção de monumentos e sítios históricos.

Com a finalidade de um melhor entendimento do período a ser estudado

dividimos o mesmo em três partes, utilizando como critério de hierarquização o

uso recorrente de em diferentes documentos internacionais, o que configura a

potencialização da discussão acerca do patrimônio cultural.

Diante desta perspectiva num primeiro momento a discussão sobre o

“bem cultural” observamos que desde a Recomendação de Paris de 1962, que

sugeria medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a

transferência de propriedades ilícitas de bens culturais, se inicia a influência

das diretrizes mundiais na legislação brasileira tendo em vista a criação da

nacional Lei N° 4.845 do ano de 1965 com o mesmo teor.

O termo “bem cultural” volta a ser citado na Recomendação de Paris de

1968 e no Compromisso de Brasília de 1970, este último que abordou sobre a

criaçãode organismos ligados a cultura, tendo como consequência a lei

nacional N° 5.579 de 15 de maio de 1970, instituindo o Dia da Cultura e da

Ciência.

O segundo aspecto observado nesta pesquisa diz respeito ao

crescimento urbano, temática abordada desde a segunda Carta de Atenas de

1933, e que volta a tona na discussão patrimonial no Compromisso de

Salvador em 1971 que tratou sobre o plano urbanístico com valorização dos

sítios históricos, e volta a ser citado na Declaração e no Manifesto de

Amsterdã, ambos no ano de 1975.

O terceiro prisma observado diz respeito às iniciativas internacionais

relacionadas à cidade de forma integrada, tendo em vista do uso frequente de

termos como: conjunto histórico, cidade histórica ou cidade-monumento.

Sobre esta questão a Recomendação de Nairóbi de 1976 traz em seu

texto determinações acercada salvaguarda dos conjuntos históricos e sua

função na vida contemporânea, além da definição de Conjunto Histórico, sendo

esta, outro passo importante para a configuração da Cidade-Monumento.

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Esta discussão aparece em diferentes diretrizes internacionais, tais

como: a Recomendação de Nairóbi de 1976, que considera os conjuntos

históricos como testemunhos da riqueza de uma sociedade; a Carta de Machu

Picchu de 1977, que revisa a Carta do Urbanismo de Atenas em 1933 citando

“cidade-região” e questões relativas ao crescimento urbano; a Carta de

Washington de 1986, que conceitua a “cidade histórica”; assim como a Carta

de Petrópolis de 1987, que relata sobre o “sítio histórico”.

Observamos que apesar da relevância da discussão patrimonial de

forma integrada entendemos que no que se diz respeito à legislação nacional

não ocorreu influencia das diretrizes mundiais, tendo em vista que as

normativas brasileiras nesta ótica trabalharam em forma paralela, e como

citado anteriormente desde a publicação do Decreto-Lei N° 25, de 30 de

novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico

nacional, a legislação nacional trata a salvaguarda de forma conjunta.

Durante a investigação observamos outro aspecto relevante nesta

pesquisa, que vem a ser a fundação do Patrimônio Mundial da Humanidade,

tema abordado na Recomendação de Paris em 1972, que com o proposito de

incentivar a preservação de bens culturais e naturais, reverbera na legislação

nacional através do Decreto N° 80.978 de 12 de dezembro.

No cruzamento dos dados das Cartas Patrimoniais com a legislação

nacional, comprovamos, através dos exemplos citados, como as

recomendações internacionais interferiram diretamente na criação das leis

relacionadas ao patrimônio histórico no Brasil.

Assim consideramos que há uma comprovada relação entre as Cartas

Patrimoniais e a evolução da legislação brasileira, e por consequência, do

Estado de Pernambuco relacionada ao patrimônio, em aspectos como a

abordagem do “bem cultural” e políticas relacionadas preservação sobre a

temática do crescimento urbanístico. Em se tratando do entendimento de

salvaguarda do patrimônio de forma conjunta, a legislação nacional trabalhou

de forma paralela às diretrizes de preservação internacional.

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Diante disto, podemos afirmar que tal projeto serve de alicerce para

futuras pesquisas acerca da temática “patrimônio histórico” e sobre as políticas

públicas de preservação do mesmo, envolvendo questões da valorização do

direito ao conhecimento, educação patrimonial e apropriação do passado.

REFERÊNCIAS

BARRETTO, Margarita. Turismo e legado cultural. São Paulo: Papirus, 2000.

BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do

Brasil. Brasília, DF: Senado, 1967.

BRASIL. Constituição (1969). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1946. BRASIL. Constituição (1977). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1977. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Decreto N° 80.978, de 12 de dezembro de 1977. Promulga a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972. Diário Oficial da União - Seção 1 - 14/12/1977, Página 17107 (Publicação Original). BRASIL. Decreto-Lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União - Seção 1 - 6/12/1937, Página 24056 (Publicação Original).

BRASIL. Lei N° 4.845, de 19 de novembro de 1965. Proíbe a saída, para o exterior, de obras de arte e ofícios produzidos no País, até o fim do período monárquico. Diário Oficial da União - Seção 1 - 22/11/1965, Página 11859 (Publicação Original).

BRASIL. Lei N° 5.579, de 15 de maio de 1970. Institui o "Dia da Cultura e da Ciência", e dá outras providências. Diário Oficial da União - Seção 1 - 19/5/1970, Página 3705 (Publicação Original).

CÂMARA dos Deputados. Legislação sobre patrimônio cultural. – 2. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados,Edições Câmara, 2013.349 p. – (Série legislação; n. 92).

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