manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DEPARTAMENTO DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS E COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL 2014 MANUAL DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL E RECUPERAÇÃO DE ATIVOS COOPERAÇÃO EM MATÉRIA PENAL

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  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 1COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 1

    MINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL

    2014

    MANUAL DE COOPERAOJURDICA INTERNACIONAL E

    RECUPERAO DE ATIVOS

    COOPERAO EM MATRIA PENAL

  • 2 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 2 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    Ministro da Justia Jos Eduardo Cardozo

    Secretria Executiva do Ministrio da Justia Mrcia Pelegrini

    Secretrio Nacional de Justia Paulo Abro Pires Junior

    Diretoria do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional - DRCIRicardo Andrade Saadi - Diretor

    Equipe da Coordenao-Geral de Recuperao de Ativos Isalino Antonio Giacomet Junior - Coordenador Geral Carlos Henrique Nascimento Barbosa - Coordenador Daniele Cesar da Silva Macedo - Chefe de Diviso Eliane de Souza Silva Marina Santos Rodrigues Priscilla Goncalves Marques

    Estagirios e apoioAsaph Correa e Teles Guilherme Siqueira Coelho de PaulaJessica Gomes da SilvaJuliana Sette Trres de AlmeidaJuliana Thas da Silva Faria ColaboradoresAlmerindo Motta Andersen TrindadeAna Paula da Cunha Andr Lartigau WainerCamila Colares Bezerra Cristina Borges Mariani Fabiana Vieira de Queiroz Reviso: Coordenao-Geral de Recuperao de Ativos - CGRACapa, projeto grfico e diagramao: Leonardo Terra - DRCI/SNJatualizao e diagramao 3 edio: Renan Rezende de Castro

    Tiragem: 5.000Distribuio Gratuita.Internet: Http://Portal.Mj.Gov.Br, seo Cooperao Internacional, subseo CJI em Matria Penal. permitida a reproduo total ou parcial desta publicao desde que citada a fonte.

    342.3B823m

    Brasil. Secretaria Nacional de Justia. Departamento de Recuperao de Ativos eCooperao Jurdica Internacional.Manual de cooperao jurdica internacional e recuperao de ativos :cooperao em matria penal / Secretaria Nacional de Justia, Departamento deRecuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI). 3. ed.Braslia: Ministrio da Justia, 2014.

    713 p. : il.ISBN : 978-85-85820-42-8

    1. Direito internacional privado. 2. Cooperao internacional. 3. Processopenal I. Brasil. Ministrio da Justia. II. Ttulo.

    CDD

    Ficha elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Justia.

    Juliana Salh Batista Lvia de Paula Miranda Pereira Luciana Fernandes Coelho Paulo Thomaz de Aquino Silvia Helena Moreira Rodrigues

    Livia Marcelle Nascimento PimentelLuza Rocha Jacobsen Roberta Stuckert de Camargo Tales Sperandio Pauletti Yndiara Masa Silva Gouveia

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 3COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 3

    MANUAL DE COOPERAOJURDICA INTERNACIONAL E

    RECUPERAO DE ATIVOS

    COOPERAO EM MATRIA PENAL

    Bras l ia

    2014

    MINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL

    3 edio

  • 4 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 4 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 5COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 5

    APRESENTAO

    O Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justia (SNJ), do Ministrio da Justia, lana a 3 edio do Manual de Cooperao Jurdica Internacional e Recuperao de Ativos, atualizada e revisada, com o propsito de facilitar a cooperao jurdica internacional e de garantir uma prestao jurisdicional efetiva.

    O objetivo principal do manual difundir os temas referentes cooperao jurdica internacional em matria penal e civil, inclusive no que respeita recuperao de ativos e ao combate lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional.

    O DRCI, como Autoridade Central brasileira, por meio das Coordenaes-Gerais de Cooperao Jurdica Internacional e de Recuperao de Ativos, responsvel pela boa conduo dos pedidos de cooperao jurdica internacional entre o Estado brasileiro e os demais pases, cabendo-lhe receber, analisar, adequar, transmitir e acompanhar o cumprimento dessas solicitaes.

    O manual fruto dos esforos do Ministrio da Justia em disponibilizar informaes sobre os mecanismos de cooperao jurdica internacional e outroas informaes dados relevantes sobre o tema. Esta publicao pretende ser um guia prtico, destinado s autoridades brasileiras e aos demais operadores do Direito que atuem nos pedidos ativos e passivos de cooperao jurdica internacional.

    Promover o acesso justia um dever do Estado e um direito fundamental da pessoa humana. Os limites territoriais no podem ser obstculos atuao estatal ou ao exerccio de direitos. Com as transformaes sociais decorrentes do fenmeno da globalizao, garantir o acesso internacional justia fundamental para assegurar que toda pessoa, fsica ou jurdica, ou empresa tenha o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei e tertenha seus direitos protegidos, independentemente do lugar onde se encontra. Da mesma forma, o Estado deve se organizar para combater o crime transnacional, valendo-se de todos os instrumentos disponveis, inclusive da cooperao jurdica internacional.

    Nesta nova edio, o Manual apresenta artigos selecionados sobre os fundamentos e os mecanismos de cooperao jurdica internacional. Apresenta um roteiro de

  • 6 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 6 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    tramitao dos pedidos de cooperao, ativa e passiva. A publicao traz, ainda, orientaes para solicitao de cooperao jurdica internacional, classificadas por diligncias pretendidas e por pases de destino, e orienta na elaborao desses pedidos, bem como apresenta um quadro demonstrativo dos tratados internacionais de cooperao jurdica internacional em vigor no Brasil e os respectivos atos normativos internos.

    DRCI/SNJ/MJ

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 7COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 7

    1. Cooperao Jurdica Internacional

    1.1. O papel da Cooperao Jurdica Internacional.........................................16 1.2. A Autoridade Central no exerccio da Cooperao Jurdica Internacional....................................................................................................19 1.3. A Cooperao Jurdica Internacional e o Superior Tribunal de Justia: Comentrios Resoluo n 9/05.............................................26 1.4. A importncia da Cooperao Jurdica Internacional para a atuao do Estado Brasileiro no plano interno e internacional...............29 1.5. Cooperao Jurdica Internacional: Equilbrio entre Eficincia e Garantismo.....................................................................................................41 1.6. Como elaborar um pedido de Cooperao Jurdica Internacional em matria penal..................................................................................................54 1.7. Conveno das Naes Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional.................................................................................................67 1.8. Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas .................................................................................................72 1.9. Conveno das Naes Unidas contra Corrupo...................................76 1.10. Relao de Redes das quais o Brasil faz parte .........................................80

    2. Roteiro da Tramitao Interna da Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal

    2.1. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal .............................92 2.2. Pedidos de Cooperao Ativos ...................................................................93 2.3. Fluxograma - Pedidos de Cooperao Ativos...........................................94 2.4. Pedidos de Cooperao Passivos ................................................................95 2.5. Fluxograma - Pedidos de Cooperao Passivos........................................97

    3. Confeco de pedidos de Cooperao Jurdica Internacional

    3.1. Modelo de Formulrio de Auxlio Jurdico em Matria Penal...............................................................................................................100 3.2. Exemplo de preenchimento do Formulrio Mdulo de Solicitao de citao...................................................................................105

    SUMRIO

  • 8 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 8 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    3.3. Exemplo de preenchimento do Formulrio Mdulo de Solicitao de documentos bancrios.......................................................107

    4. Orientaes por Pas para Solicitao de Cooperao Jurdica Internacional 4.1. frica do Sul ...............................................................................................110 4.2. Alemanha.....................................................................................................112 4.3. Angola ..........................................................................................................114 4.4. Antgua e Barbuda .....................................................................................116 4.5. Argentina .....................................................................................................118 4.6. Austrlia.......................................................................................................121 4.7. ustria...........................................................................................................123 4.8. Bahamas........................................................................................................126 4.9. Barbados ......................................................................................................132 4.10. Blgica.........................................................................................................135 4.11. Bolvia.........................................................................................................137 4.12. Bulgria ......................................................................................................140 4.13. Cabo Verde ................................................................................................142 4.14. Canad........................................................................................................144 4.15. Chile............................................................................................................146 4.16. China...........................................................................................................148 4.17. Colmbia....................................................................................................153 4.18. Coria do Sul..............................................................................................158 4.19. Costa Rica..................................................................................................160 4.20. Cuba............................................................................................................163 4.21. Dinamarca..................................................................................................167 4.22. Emirados rabes Unidos.........................................................................170 4.23. Equador......................................................................................................171 4.24. Espanha......................................................................................................173 4.25. Estados Unidos da Amrica.....................................................................178 4.26. Filipinas .....................................................................................................186 4.27. Finlndia.....................................................................................................188 4.28. Frana.........................................................................................................190 4.29. Grcia .........................................................................................................195 4.30. Guatemala .................................................................................................197 4.31. Guiana ........................................................................................................199 4.32. Holanda .....................................................................................................201 4.33. Honduras ...................................................................................................204

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 9COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 9

    4.34. Hong Kong.................................................................................................205 4.35. Ilhas Cayman ............................................................................................212 4.36. Irlanda ........................................................................................................215 4.37. Israel............................................................................................................217 4.38. Itlia............................................................................................................220 4.39. Japo............................................................................................................222 4.40. Lbano.........................................................................................................226 4.41. Liechtenstein .............................................................................................228 4.42. Luxemburgo ..............................................................................................231 4.43. Mxico........................................................................................................235 4.44. Mnaco.......................................................................................................237 4.45. Moambique..............................................................................................239 4.46. Nicargua...................................................................................................241 4.47. Nigria .......................................................................................................242 4.48. Noruega......................................................................................................244 4.49. Nova Zelndia ...........................................................................................246 4.50. Panam.......................................................................................................248 4.51. Paraguai......................................................................................................250 4.52. Peru.............................................................................................................253 4.53. Polnia .......................................................................................................256 4.54. Portugal......................................................................................................258 4.55. Reino Unido (Gr Bretanha) ..................................................................261 4.56. Repblica Dominicana ............................................................................264 4.57. Repblica Tcheca ......................................................................................266 4.58. Romnia ....................................................................................................268 4.59. Rssia .........................................................................................................270 4.60. Singapura...................................................................................................272 4.61. Sucia..........................................................................................................274 4.62. Sua............................................................................................................276 4.63. Suriname ...................................................................................................281 4.64. Turquia ......................................................................................................283 4.65. Ucrnia ......................................................................................................285 4.66. Uruguai ......................................................................................................287 4.67. Venezuela...................................................................................................291

    5. FAQ - Perguntas Frequentes ...........................................................................295

  • 10 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 10 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    6. Quadro demonstrativo dos Tratados de Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal Aplicados no Brasil..................................2997. Atos Normativos 7.1. Portaria Interministerial n 501, de 21 de maro de 2012, do Ministrio da Justia e do Ministrio das Relaes Internacionais.................................305 7.2. Resoluo n 9/05.......................................................................................318 7. 3. Acordos multilaterais

    7.3.1. Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional: Decreto n 5.015, de 12 de maro de 2004...................................321 Texto da Conveno .......................................................................322 7.3.1.1. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo ao Combate ao Trfico de Migrantes por Via Terrestre: Decreto n 5.016, de 12 de maro de 2004..................................351 Texto do Protocolo .........................................................................352 7.3.1.2. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo Preveno, Represso e Punio do Trfico de Pessoas: Decreto n 5.017, de 12 de maro de 2004..................................365 Texto do Protocolo .........................................................................366 7.3.1.3. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional contra a Fabricao e o Trfico Ilcito de Armas de Fogo, suas Peas, Componentes e Munies: Decreto n 5.941, de 26 de outubro de 2006...............................375 Texto do Protocolo .........................................................................376 7.3.2. Conveno Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas: Decreto n 154, de 26 de junho de 1991......................................386 Texto da Conveno ......................................................................387 7.3.3. Conveno das Naes Unidas Contra a Corrupo: Decreto n 5.687, de 31 de janeiro de 2006.................................414 Texto da Conveno ......................................................................415 7.3.4. Conveno Interamericana sobre Assistncia Mtua em Matria Penal: Decreto n 6.340, de 3 de janeiro de 2008...................................458 Texto da Conveno ......................................................................459 7.3.5. Conveno Sobre o Combate da Corrupo de Funcionrios Pblicos Estrangeiros em Transaes Comerciais Internacionais

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 11COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 11

    Decreto n 3.678, de 30 de novembro de 2000............................469 Texto da Conveno.........................................................................470 7.3.6. Protocolo de Assistncia Jurdica Mtua em Assuntos Penais MERCOSUL: Decreto n 3.468, de 17 de maio de 2000....................................478 Texto do Protocolo .........................................................................479 7.4 Acordos bilaterais

    7.4.1. CANAD: Acordo de Assistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo do Canad, celebrado em Braslia, em 27 de janeiro de 1995: Decreto n 6.747, de 22 de janeiro de 2009................................489 Texto do Acordo .............................................................................490 7.4.2. CHINA: Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica Popular da China sobre Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal: Decreto n 6.282, de 03 de dezembro de 2007............................499 Texto do Acordo .............................................................................500 7.4.3. COLMBIA: Acordo de Cooperao Judiciria e Assistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica da Colmbia em Matria Penal: Decreto n 3.895, de 23 de agosto de 2001..................................509 Texto do Acordo..............................................................................510 7.4.4. CORIA DO SUL: Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica da Coria sobre Assistncia Judiciria Mtua em Matria Penal; Decreto n 5.721, de 13 de maro de 2006..................................519 Texto do Acordo............................................................................. 520 7.4.5. CUBA: Acordo de Cooperao Judicial em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica de Cuba: Decreto n 6.462, de 21 de maio de 2008....................................528 Texto do Acordo............................................................................. 529 7.4.6. ESPANHA: Acordo de Cooperao e Auxlio Jurdico Mtuo em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e o Reino da Espanha: Decreto n 6.681, de 08 de dezembro de 2008.............................536 Texto do Acordo..............................................................................537 Convnio sobre Cooperao em Matria de Combate

  • 12 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 12 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    Criminalidade entre a Repblica Federativa do Brasil e o Reino da Espanha: Decreto n 8.048 de 11 de julho de 2013......................................546 Texto do Convnio..........................................................................547 7.4.7. ESTADOS UNIDOS DA AMRICA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica: Decreto n .3.810 de 02 de maio de 2001.....................................553 Texto do Acordo..............................................................................554 7.4.8. FRANA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Francesa: Decreto n .3.324 de 30 de dezembro de 1999.............................565 Texto do Acordo..............................................................................566 7.4.9. HONDURAS: Tratado entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica de Honduras sobre Auxilio Jurdico Mtuo em Matria Penal: Decreto n 8.046 de 11 de julho de 2013......................................571 Texto do Acordo..............................................................................572 7.4.10. ITLIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Italiana: Decreto n .862 de 09 de julho de 1993........................................585 Texto do Acordo..............................................................................586 7.4.11. MXICO: Acordo de Assistncia Jurdica Internacional em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e os Estados Unidos Mexicanos: Decreto n 7.595, de 1 de novembro de 2011..........................591 Texto do Acordo.............................................................................592 7.4.12. NIGRIA: Acordo de Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Federal da Nigria: Decreto n 7.582, de 13 de outubro de 2011..............................606 Texto do Acordo............................................................................607 7.4.13. PANAM: Acordo de Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal entre a Repblica Federativa do Brasil e a Repblica do Panam sobre Auxlio Jurdico Mtuo em Matria Penal: Decreto n 7596, de 1 de novembro de 2011...........................621

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 13COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 13

    Texto do Acordo............................................................................622 7.4.14. PERU: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica do Peru: Decreto n 3.988 de 29 de outubro de 2001...............................634 Texto do Acordo............................................................................635 7.4.15. PORTUGAL: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Portuguesa: Decreto n 1.320 de 30 de novembro de 1994...........................645 Texto do Acordo..............................................................................646 7.4.16. REINO UNIDO DA GR-BRETANHA E IRLANDA DO NORTE: Tratado de Assistncia Jurdica Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo do Reino Unido da Gr-Bretanha e Irlanda do Norte: Decreto n 8.047 de 11 de julho de 2013....................................653 Texto do Tratado............................................................................654 7.4.17. SUIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Confederao Sua: Decreto n 6.974 de 07 de outubro de 2009...............................667 Texto do Acordo............................................................................668 7.4.18. SURINAME: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica do Suriname: Decreto n 6.832 de 29 de abril de 2009.....................................680 Texto do Acordo............................................................................681 7.4.19. UCRNIA: Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Ucrnia: Decreto n 5.984 de 12 de dezembro de 2006..........................690 Texto do Acordo...........................................................................691

    8. Dicionrio de termos jurdicos relevantes cooperao jurdica internacional em matria penal .....................................................................700

    9. Links teis ..........................................................................................................718

    10. Contatos ............................................................................................................722

  • 14 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 14 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 15COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 15

    COOPERAOJURDICA

    INTERNACIONAL

    1

  • 16 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 16 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    1 . 1 . O PAPEL DA C O OPER AO JURDICA INTERNACIONAL

    Paulo Abro Pires Jnior1

    A efetividade da justia, dentro de um cenrio de intensificao das relaes entre as naes e seus povos, seja no mbito comercial, migratrio ou informacional, demanda cada vez mais um Estado proativo e colaborativo. As relaes jurdicas no se processam mais unicamente dentro de um nico Estado Soberano, pelo contrrio, necessrio cooperar e pedir a cooperao de outros Estados para que se satisfaa as pretenses por justia do indivduo e da sociedade.

    O conceito bsico de Estado soberano, administrador das tenses internas em seu territrio, tem de abarcar a perspectiva internacional. A soberania das regras internas por ele estabelecidas so ameaadas caso se adote posio unilateralista. Em verdade, a noo de soberania comporta hoje a inevitabilidade da cooperao internacional.

    Em seu dever de prover a justia, o Estado precisa desenvolver mecanismos que possam atingir bens e pessoas que podem no mais estar em seu territrio. At mesmo meros atos processuais, mas necessrios devida instruo do processo, podem ser obtidos mediante auxlio externo, de modo que a cooperao jurdica internacional torna-se um imperativo para a efetivao dos direitos fundamentais do cidado nos tempos atuais.

    Dentre os instrumentos tradicionais da cooperao jurdica internacional destacam-se as cartas rogatrias, a homologao de sentena estrangeira, os pedidos de extradio e a transferncia de pessoas condenadas.

    As cartas rogatrias so tramitadas pelos canais diplomticos e se destinam ao reconhecimento e cumprimento de decises interlocutrias da justia estrangeira. Para serem cumpridas, precisam ser autorizadas pelo Superior Tribunal de Justia. A homologao de sentena estrangeira, tambm necessariamente autorizada pelo STJ, confere eficcia a decises judiciais estrangeiras no territrio brasileiro.

    1. Secretrio Nacional de Justia.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 17COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 17

    No caso da extradio, um Estado entrega um indivduo a outro Estado que seja competente para process-lo e aplicar eventual punio. A transferncia de pessoas condenadas trata da entrega de um indivduo s autoridades de seu Estado de origem para que esse possa cumprir sua pena perto de sua famlia e seu ambiente. Esse instituto revela verdadeiro carter humanitrio, visando facilitar a reinsero social do apenado.

    Alm desses instrumentos, agrega-se o Auxlio Direto, mecanismo novo, que permite levar a cognio do pedido diretamente ao juiz de primeira instncia, sendo desnecessrio o juzo prvio de delibao do STJ. A tramitao desses pedidos coordenada pela Autoridade Central brasileira designada em cada tratado firmado. O Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional da Secretaria Nacional de Justia exerce o papel de autoridade central para a maioria dos tratados em que o Brasil parte, permitindo maior celeridade e promovendo o acompanhamento necessrio do cumprimento dos pedidos.

    Esse novo mecanismo sem dvida mais consentneo realidade atual, tomando-se por base o crescimento exponencial do nmero de pedidos de cooperao jurdica que o Brasil requer de pases estrangeiros (cooperao ativa) e tambm se analisando o aumento dos pedidos que recebe (cooperao passiva).

    Considerando-se as estatsticas produzidas pelo Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional da Secretaria Nacional de Justia (DRCI/SNJ), verifica-se que no perodo de 2004 a agosto de 2014 foram tramitados 43,5 mil pedidos de cooperao entre o Brasil e outros pases. Desse total, 29 mil foram pedidos cveis, destacando-se os relacionados ao direito de famlia e a questes societrias. Em matria penal, 14,5 mil pedidos, em especial referentes a crimes financeiros, lavagem de dinheiro, corrupo e trfico de drogas, foram tramitados pelo Departamento.

    Outro dado relevante a prevalncia do Brasil como solicitante de cooperao. Do total de pedidos de cooperao jurdica tramitados em 2010 e 2014, mais de 85% saram do pas se dirigindo a uma autoridade estrangeira. Nesse sentido, para que todos esses pedidos possam chegar sua efetivao, ou seja, obter uma resposta da autoridade externa, faz-se ainda mais necessria a nova edio desse manual, instruindo nossos operadores do direito a como operar com as regras internacionais para cada matria.

    A realizao desse trabalho somente foi possvel em virtude do conhecimento e expertise adquiridos pelo DRCI/SNJ sobre o assunto, pois, na figura de autoridade central, o Departamento intermediou esses pedidos, bem como orientou e capacitou essas autoridades, seja por meio de consultas diretas, de cursos e seminrios ou de publicaes, como este manual e cartilhas.

    O manual em destaque composto de dois livros, sendo o primeiro destinado ao tratamento da cooperao jurdica em matria penal e o segundo da cooperao em matria civil. Na esfera penal, ressalta-se a relevncia das convenes internacionais

  • 18 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 18 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    sobre o crime organizado transnacional, a corrupo e o trfico licito de entorpecentes e substncias psicotrpicas. J na esfera civil, destacam-se os temas da adoo internada busca e apreenso de menores, e o pedido de alimentos, alm de dispositivos nas reas comercial, trabalhista e administrativa.

    Ambos os livros trazem informaes sobre o modus operandi da tramitao interna dos pedidos de cooperao, diferenciando-se a carta rogatria do auxlio direto, os pedidos de cooperao ativa dos passivos, e o fundamento do pedido (em tratado internacional ou no princpio da garantia de reciprocidade).

    Explicita-se em forma de modelos, formulrios e fluxogramas o caminho a ser percorrido pelos operadores jurdicos quando h interesse de solicitar cooperao estrangeira. Orientaes especficas sobre mais de 35 pases esto presentes em cada volume, de modo a facilitar o atendimento do pedido quando se necessita da colaborao de determinada nao em que o Brasil j possui algum tratado.

    Os dispositivos normativos bsicos sobre a cooperao jurdica internacional previstos na Constituio Federal, Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro, Cdigo de Processo Civil Brasileiro, resolues do Superior Tribunal de Justia e Portarias Interministeriais so explicitadas no manual, alm dos principais acordos multilaterais e bilaterais em que o Brasil signatrio.

    Por final, agradecemos a todos que colaboraram com a edio desse livro, verdadeiro marco para a efetivao da justia e dos direitos humanos. A equipe do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justia, autoridade central do Brasil para a cooperao jurdica internacional, manter-se- altivo no exerccio da liderana nessa matria e conduzir sempre seus trabalhos embasados nos mais altos princpios republicanos em servio de toda a sociedade brasileira.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 19COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 19

    1 . 2 . A AU TORIDADE CENTR AL NO EXERCCIO DA C O OPER AO

    JURDICA INTERNACIONAL

    Ricardo Andrade Saadi 2 Camila Colares Bezerra 3

    O processo de globalizao pode ser analisado sob inmeras perspectivas, todas elas relacionadas transformao dos espaos nacionais em arenas globais. Assim, temas que antes eram estruturados sob uma tica estritamente nacional passam escala mundial, modificando por completo a dinmica das relaes econmicas, financeiras, sociais e informativas. A realidade atual j no possui a marca do Estado nacional como figura protagonista, condicionadora e, porque no dizer, limitadora das relaes internacionais.

    As fronteiras geogrficas, cada vez mais ligadas a aspectos meramente simblicos, no representam grande obstculo livre circulao, de bens, de servios, de capitais e daquilo que melhor representa o avanado estado de globalizao em que vivemos - a informao. Enquanto o sculo XIX foi marcado pela sociedade industrial, no sculo XX surge a sociedade da informao, permitindo que as informaes sejam transmitidas instantaneamente e dando origem s redes sociais virtuais em nveis locais, regionais e globais. Diante deste novo cenrio, surgem conflitos jurdicos entre particulares que dependem da cooperao jurdica internacional, uma vez que a jurisdio um produto do Estado soberano e os pases devem colaborar para garantir que as pessoas possam exercer seus direitos que transcendem as fronteiras dos Estados.

    Vive-se um cenrio onde iniciativas isoladas de regulao so percebidas como medidas de contra-fluxo e destoantes do modelo predominante das relaes internacionais. Ao mesmo tempo, parte-se do pressuposto de que a sociedade internacional

    2. Ricardo Andrade Saadi Delegado da Polcia Federal e Diretor do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justia, do Ministrio da Justia.

    3. Camila Colares Bezerra Oficial de Inteligncia da Agncia Brasileira de Inteligncia e Diretora-Adjunta do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI), da Secretaria Na-cional de Justia, do Ministrio da Justia.

  • 20 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 20 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    compartilha de determinados valores bsicos ligados noo que se tem de direitos humanos, universalmente difundida e refletida, expressa ou implicitamente, nos instrumentos internacionais consagrados a partir da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948.

    Como, ento, garantir que esse padro que abomina a regulao das relaes se compatibilize com o dever que tm os Estados e a sociedade internacional de proteger os direitos humanos independentemente das jurisdies que esse mesmo exerccio de proteo envolva? Especificamente, como assegurar que a internacionalizao das relaes privadas no se reverta em impunidade ou inaplicabilidade da Justia? Como conferir s relaes privadas internacionais o nvel de segurana e previsibilidade necessrios a que elas sejam sustentveis a longo prazo?

    O alargamento e aprimoramento da cooperao jurdica internacional surgem como reflexo da preocupao dos Estados em mitigar os efeitos negativos da globalizao no que se refere concretizao da Justia nas relaes internacionais. Institutos tradicionais como a Extradio e a Carta Rogatria foram aperfeioados ao mesmo tempo em que novos mecanismos foram criados para melhor adaptar a cooperao jurdica s necessidades atuais.

    Surgem, por exemplo, os acordos de cooperao jurdica internacional, bilaterais ou firmados em mbitos regionais e global. Estes acordos prevem o chamado Pedido de Auxlio Direto, que se prope a ser um mecanismo mais clere e aberto, especialmente no que diz respeito amplitude das medidas que por meio dele podem ser solicitadas e do rol de autoridades legitimadas a utiliz-lo, ou seja, por meio do auxlio direto buscou-se tornar a cooperao jurdica mais acessvel e efetiva.

    Mudam-se os paradigmas. A cooperao jurdica internacional deixa de ser exclusivamente um ato de cortesia entre os Estados e, se antes podia ser vista como uma ameaa soberania, hoje se apresenta como essencial sua prpria manuteno. Mais que isso, se antes a cooperao internacional se justificava somente pela necessidade de contribuir com a paz e o progresso da humanidade, atualmente o prprio exerccio das funes soberanas por parte dos Estados depende vitalmente da ajuda internacional. A garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, a manuteno da segurana pblica, o combate ao crime organizado, a estabilidade do sistema econmico-financeiro, e tantos outros temas a cargo dos Estados dependem cada vez mais da cooperao jurdica internacional.

    A figura da Autoridade Central aparece como parte determinante desse pacote de medidas voltadas modernizao da ajuda jurdica internacional. O modelo foi inaugurado com a Conveno da Haia de Comunicao de Atos Processuais, de 19654,

    4. MCCLEAN, J.D. International Cooperation in Civil and Criminal Matters: Oxford University Press, 2002.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 21COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 21

    que trouxe a obrigao de cada Estado-parte designar uma Autoridade Central para receber os pedidos de cooperao jurdica elaborados com base naquele instrumento, e posteriormente reproduzido na grande maioria dos acordos e tratados que tratam de assistncia jurdica.

    A idia de concentrar em um nico rgo o envio e recebimento dos pedidos representa, sem dvida, um grande avano na organizao da cooperao jurdica internacional, especialmente se considerarmos que o fluxo de pedidos dessa natureza aumenta exponencialmente a cada ano. No entanto, o papel da Autoridade Central vai alm da tramitao de documentos, se estendendo a aspectos ligados efetividade, celeridade e lisura da cooperao.

    A Autoridade Central um rgo tcnico-especializado responsvel pela boa conduo da cooperao jurdica que cada Estado exerce com as demais soberanias, cabendo-lhe, ademais do recebimento e transmisso dos pedidos de cooperao jurdica, a anlise e adequao destas solicitaes quanto legislao estrangeira e ao tratado que a fundamenta. Tem como funo promover a efetividade da cooperao jurdica, e, principalmente, desenvolver conhecimento agregado acerca da matria.

    Mediante especializao do seu corpo de servidores e das suas rotinas, a Autoridade Central confere maior celeridade relao de cooperao, conformando a solicitao aos requisitos que podem variar de acordo com diferentes aspectos, dentre eles a medida que se solicita, o pas destinatrio e a base jurdica. O espectro de variantes pode ser enorme e o rol de requisitos a ser preenchido por cada solicitao sempre peculiar. Cabe Autoridade Central, conhecendo cada uma dessas peculiaridades, instruir as autoridades nacionais e estrangeiras de modo a tornar o intercmbio entre os Estados o mais fluido e eficiente possvel5.

    Outro aspecto relevante que as autoridades centrais se comunicam diretamente, eliminando, em regra, a necessidade da instncia diplomtica para tramitao dos documentos. Esse contato direto, alm de diminuir o nmero de interlocutores e consequentemente a probabilidade de haver rudos na comunicao interestatal, favorece a que se forme uma rede de rgos especializados que esto sempre buscando junto comunidade internacional melhorias no sistema de cooperao e a padronizao de boas prticas nesta rea.

    p.28. The main innovation of the 1965 Convention was the creation of a system of Central Authorities. Each Contracting State must designate such a Central Authority to receive requests for service from other Con-tracting States. The expectation borne out of practice, was that this would involve not the creation of some new agency but the designation as Central Authority of one of some existing office or Ministry.

    5. LOULA, Maria Rosa Guimares. Auxlio Direto: Novo Instrumento de Cooperao Jurdica Internacional Civil. Belo Horizonte: Frum, 2010. p. 68. Acredita-se que um nico rgo concentrado e especializado para a matria seja capaz de promover cooperaes mais eficientes e mais cleres, evitando retrabalho e retarda-mento desnecessrios.

  • 22 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 22 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    A Autoridade Central est inserida no sistema de cooperao jurdica internacional, o qual se convencionou chamar de cooperao formal, em contraposio quela relao de cooperao direta, empreendida por rgos especficos com a sua contra-parte no exterior. No h que se confundir a cooperao direta com o instituo do auxlio direto, exposto acima. A primeira ocorre sem intermedirios, ao tempo que o auxlio direto tramitado pelas autoridades centrais dos Estados envolvidos. Ambas as formas de cooperao, formal e informal, so importantes e, mais que isso, so complementares. Se aplicadas corretamente, observando-se os fins e os limites que se atribui a cada uma delas, chega-se a um ponto benfico para a sociedade.

    O sistema no qual est inserida a Autoridade Central, cuja base jurdica so os tratados e acordos firmados pelos Estados, pretende aliar a modernizao da cooperao jurdica necessidade de se velar pela manuteno de garantias processuais bsicas. Em outras palavras, ao firmar tratados que regulam os procedimentos de cooperao jurdica os Estados buscam promover uma troca clere e efetiva entre si, sem que isso acarrete a supresso de procedimentos que possam atestar a lisura, autenticidade e legalidade do objeto dessa troca.

    A Autoridade Central fundamenta-se, portanto, em uma relao estabelecida entre Estados (e no entre rgos especficos), cabendo-lhe assegurar que a cadeia estatal de custdia do objeto de intercmbio no seja quebrada em nenhum momento. Mais que isso, ao celebrar acordos e tratados que prevem a cooperao jurdica, bem como a figura da Autoridade Central, os Estados ali representados reconhecem que comungam de preceitos e garantias processuais bsicas comuns, independentemente do sistema jurdico por eles adotados. Assim, pode-se partir do pressuposto que, ao atender aos pedidos de cooperao jurdica veiculados com base nesses mesmos tratados, os Estados-partes o fazem respeitando valores fundamentais comuns.

    Em resumo, a figura da Autoridade Central fundamenta-se em dois eixos principais que fortificam sua existncia. O primeiro est relacionado ao trabalho de receber, analisar, adequar e tramitar os pedidos de cooperao jurdica, conferindo maior celebridade e efetividade a este processo. O segundo, to ou mais importante que o primeiro, refere-se lisura da cooperao, dando ao Estado e aos cidados que dela se utilizam maior garantia da autenticidade e legalidade do que se tramita.

    No Brasil, o papel de Autoridade Central para cooperao jurdica internacional cabe ao Ministrio da Justia, que o exerce por meio do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional (DRCI)6 e o Departamento de Estrangeiros (DEEST), ambos da Secretaria Nacional de Justia (SNJ), nos termos do Decreto N 4.991/2004, cujo texto encontra-se atualmente em vigor nos termos do Anexo ao Decreto 6.061/2007.

    6. WEBER, Patrcia Nez. A Cooperao Jurdica Internacional em Medidas Processuais. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2011. p. 82.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 23COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 23

    Cumpre ao DEEST analisar e tramitar os pedidos de extradio e de transferncia de pessoas condenadas, ao tempo que ao DRCI cabe analisar e tramitar as demais espcies de pedidos de cooperao jurdica internacional, nas matrias penal e civil.

    No que concerne cooperao jurdica internacional em matria penal, existem, no entanto, duas excees regra, em que a Procuradoria-Geral da Repblica funciona como Autoridade Central nas questes relativas ao Tratado de Auxlio Mtuo em Matria Penal entre o Governo da Repblica Portuguesa e o Governo da Repblica Federativa do Brasil (Decreto n 1.320, de 30 de novembro de 1994) e ao Tratado de Assistncia Mtua em Matria Penal entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo do Canad (Decreto n 6.747, de 22 de janeiro de 2009).

    Em matria no-criminal, existem tambm outras autoridades centrais espalhadas no Governo brasileiro7. Tal o exemplo da Autoridade Central designada para a Conveno sobre Prestao de Alimentos no Estrangeiro da ONU, denominada Conveno de Nova Iorque, localizada na Procuradoria-Geral da Repblica, bem como a Autoridade Central para as Convenes da Haia Sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Menores (1980) e Sobre Cooperao Internacional e Proteo de Crianas e Adolescentes em Matria de Adoo Internacional (1993), localizada na Secretaria Especial de Direitos Humanos.

    So inegveis, contudo, os benefcios para o Estado e para a sociedade que advm do modelo em que o papel da Autoridade Central exercido de maneira concentrada, tangenciando um ou o menor nmero de rgos possvel8. Conforme j mencionado, a Autoridade Central adquire a atribuio de coordenar a execuo da cooperao jurdica internacional realizada por seu pas, o que se torna invivel se essa tarefa pulverizada em diversos rgos governamentais, gerando diviso desnecessria da representao estatal nessa seara.

    A multiplicidade de vias para entrada e sada dos pedidos pode gerar danos nefastos para a coerncia do sistema nacional de cooperao jurdica internacional. A questo pode causar confuso entre os operadores do direito, nacionais e internacionais, que no sabem a quem recorrer para apresentar seus pedidos de cooperao, acarretando perda na agilidade e efetividade do processo. Alm da dificuldade de interlocuo, a multiplicidade de autoridades centrais pode dificultar a estruturao de um corpo

    7. LOULA, Maria Rosa Guimares. Auxlio Direto: Novo Instrumento de Cooperao Jurdica Internacional Civil. Belo Horizonte: Frum, 2010. p. 68.

    8. Nesse sentido, VALLE, Sandra. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal/ Organizadores Jos Baltazar Junior, Luciano Flores de Lima. Porte Alegre: Verbo Jurdico, 2010. p. 10. A princpio, os pases de-signavam as suas autoridades centrais de acordo com a instituio que negociava o tratado bilateral. Tal dis-perso causava grande confuso quando se procurava saber qual era a Autoridade Central para se fazer um pedido de cooperao. O tema foi alvo de acirrado debate nas negociaes das Convenes. Da o UNODC incentivar que a Autoridade Central seja nica e centralizada para que possa ser facilmente contatada.

  • 24 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 24 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    especializado na matria devido fragmentao que esta sofre na prtica. Sob o ponto de vista oramentrio, a geminao de estruturas governamentais com propsitos semelhantes particularmente onerosa ao errio pblico e, na maioria das vezes, pouco eficiente.

    A experincia com pases que adotam mltiplas Autoridades Centrais demonstra que h indesejada perda de tempo para identificao da contraparte no exterior, incerteza quanto aos procedimentos utilizados com aquela contraparte e, principalmente, ausncia de padro na atuao estatal relativa a estes temas. No por outro motivo que os sistemas de comunicao por via diplomtica (mltiplos) e de comunicao por autoridade transmissora e autoridade recebedora (descentralizadas), bem como a designao ad hoc de Autoridades Centrais para cada tratado vm, aos poucos, dando lugar instituio de um rgo nico para manejar o tema.

    De toda forma, importante destacar que, no Brasil, o Ministrio da Justia, juntamente com a Procuradoria Geral da Repblica e a Secretaria Especial de Direitos Humanos tm procurado se coordenar de modo a evitar qualquer espcie de incongruncia.

    Outra questo que se pe est relacionada posio da Autoridade Central na organizao poltico-administrativa do Estado. Os pases europeus em geral tm suas autoridades centrais no Ministrio da Justia, ao passo que nos pases da Amrica Latina e Amrica Central elas se dividem entre o Ministrio da Justia, Ministrio Pblico, Ministrio das Relaes exteriores e at mesmo a Suprema Corte9.

    Antes de tudo, importante esclarecer que a cooperao jurdica internacional um processo que envolve momentos distintos e, por conseguinte, atividades de natureza tambm distintas. As funes prprias de Autoridade Central (por exemplo, receber, analisar, adequar, transmitir, promover a interlocuo, capacitao, coordenao, etc.) diferem absolutamente das daquelas funes tpicas das instituies com legitimidade para promover internamente as aes relativas ao cumprimento do pedido de cooperao jurdica e, igualmente, daquelas instituies que esto habilitadas a solicitar a cooperao de outro Estado. No mbito penal, por exemplo, a funo tcnico-administrativa da Autoridade Central difere, em muito, das funes tpicas de investigao e persecuo atribudas Polcia e ao Ministrio Pblico.

    Por esta razo, independentemente de onde esteja localizada, importante que a Autoridade Central seja concebida como tal, levando-se em considerao todas as peculiaridades que a sua estrutura material e humana demandam. No h que se pensar no trabalho da Autoridade Central como uma extenso do trabalho tipicamente

    9. VALLE, Sandra. Cooperao Jurdica Internacional em Matria Penal/ Organizadores Jos Baltazar Junior, Luciano Flores de Lima. Porte Alegre: Verbo Jurdico, 2010. p. 9.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 25COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 25

    desenvolvido por outros rgos de Estado. preciso considerar a especificidade das suas funes10.

    Quanto ao modelo adotado pelo Brasil, h vantagens inegveis em se inserir a Autoridade Central nos quadros do Ministrio da Justia. A mais importante delas decorre da multiplicidade de clientes que dependem da Autoridade Central para obter qualquer medida internacional. Vincular a estrutura da Autoridade Central a um desses clientes, certamente, acabaria por dificultar, ou mesmo impedir, o acesso dos demais cooperao jurdica internacional.

    CONCLUSO

    As questes que permeiam a figura da Autoridade Central no destoam de todas as outras ligadas ao instituto da cooperao jurdica internacional, que, em pouco tempo, deixou de ser exclusivamente operacionalizado por instrumentos ortodoxos como a Carta Rogatria, passando a ferramentas mais arrojadas como o Auxlio Direto.

    Talvez aos olhos mais conservadores, esses tenham sido passos muito largos de modo que certas mudanas ainda precisam ser melhor digeridas. Por outro lado, contudo, sob a perspectiva de quem observa atentamente a velocidade com que as mudanas presenciadas pelo mundo foram processadas nos ltimos anos, fica a sensao de que os Estados precisam aperfeioar, em muito, seus mecanismos de coordenao e intercmbio, de modo a torn-los mais geis e efetivos. A figura Autoridade Central, moderna para uns e ultrapassada para outros, , de toda forma, resultado da preocupao da sociedade internacional nesse sentido.

    10. Nesse sentido, MCCLEAN, J.D. International Co-Operation in Civil and Criminal Matters. London: Oxford University Press, 2002. p. 16-17. It is considerably simpler to exclude the relevant Ministries for External Affairs and their diplomatic or consular staffs from the process. The admiistration of justice is a central concern of Ministry of Justice, and direct communication between the two Justice Ministries is likely to produce greater understading and a speedier response. What is essential to this mode is that each country should communicate via some agency of central government located in that part of the states apparatus which is concerned with the administration of justice

  • 26 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 26 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    1 . 3 . A C O OPER AO JURDICA INTERNACIONAL E O SUPERIOR

    TRIBUNAL DE JUSTIA: C omentrios R esoluo n 9/05

    Gilson Dipp11

    O Estado brasileiro carecia de um avano no tema, tendo em vista sua importncia nos dias atuais. No se compreende o Brasil, sendo signatrio dos principais Tratados e Convenes Internacionais multilaterais e inmeros diplomas bilaterais, ter problemas no seu Judicirio em prover e receber Cooperao Jurdica Internacional e aplicar devidamente os tratados. A Cooperao Internacional, tanto no mbito cvel quanto no penal, tornou-se necessidade crucial.

    A investigao, a persecuo, o processamento e o julgamento dos grupos criminosos organizados, por exemplo, so complexos e difceis.

    Facilitar o intercmbio de informaes entre autoridades de execuo da lei e desenvolver efetiva Cooperao Internacional essencial para o sucesso desse desiderato.

    Tornou-se necessrio no Brasil, em especial no seu Judicirio, analisar casos especficos, identificar reas problemticas, compartilhar idias e identificar boas prticas. O desafio, portanto, no era apenas trazer solues, mas tambm pensar nos problemas que poderiam estar impedindo ou dificultando a to almejada Cooperao Internacional.

    Nesse sentido, a contribuio que poderiam trazer os juzes da mais alta corte infraconstitucional seria sempre significativa.

    O papel de juzes e tribunais, na Cooperao Internacional, tanto na soluo de questes cveis como no enfrentamento ao crime, , obviamente, fundamental.

    Tanto as boas quanto as ms experincias (ou mesmo a falta de experincia) do

    11. Ministro do STJ e Corregedor Nacional de Justia

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 27COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 27

    Judicirio brasileiro com o trato da Cooperao Internacional so dados interessantes para uma reflexo do que precisa ser mudado. Juzes e tribunais podem ser pontes ou barreiras para a Cooperao Internacional. Uma reflexo honesta poder revelar cenrio no qual os juzes e os tribunais, talvez pela natureza de sua profisso, tenham permanecido em plano secundrio nos dilogos e convvios que pautaram a preocupao das naes com as consequncias do viver o mundo em vizinhana. Enquanto diplomatas e funcionrios dos poderes executivos discutiram as questes cveis no mundo globalizado, alm do crime transnacional, e negociaram tratados; talvez os juzes tenham permanecido em seus gabinetes e colegiados sem sentir a necessidade de construir pontes - ou mesmo sem poder; ajudar a constru-las. Chamados a aplicar os tratados, a prestar e a receber Cooperao Internacional, o fizeram ou o fazem; possivelmente, com a mesma cultura territorialista que marcou, suas formaes.

    A frustrao sentida ao se julgarem processos que depende, de Cooperao Internacional poderia ser ilustrada com vrios casos, nos quais a justia brasileira precisou da ajuda de suas congneres em outros Estados, mas a resposta se perdeu no tempo da burocracia ou na desconfiana interjurisdicional. Alis, o princpio da confiana deve nortear a Cooperao Judiciria Internacional.

    Urge rememorar uma viso de como os juzes e tribunais brasileiros enxergavam a Cooperao Internacional. Uma auto-crtica que expe dificuldades prprias dos Judicirios, mas dificuldades estas que poderiam ser superadas se os tribunais e juzes participassem mais da reflexo e das solues para os problemas de Cooperao Internacional.

    H menos de oito anos, o Judicirio brasileiro tinha uma interpretao no sentido de que as cartas rogatrias no podiam ser utilizadas para quebrar sigilos legais, tais como dados bancrios, a menos que houvesse previso em tratado ou deciso final judicial.

    Em uma carta rogatria, recebida em 2003, a autoridade judiciria na Sua pediu cooperao autoridade judiciria brasileira para investigar trfico de mulheres brasileiras para a Sua. J sabamos que o trfico de seres humanos, principalmente de mulheres, abduzidas e escravizadas no seio do mundo que se considera civilizado, dos mais abominveis, execrveis e odiosos crimes que tomam proveito da incapacidade da efetiva Cooperao Jurdica Internacional entre os Estados. Pretendiam os suos obter informaes de contas bancrias localizadas no Brasil e o sequestro de bens dos acusados - medidas essenciais para o desmantelamento daquela organizao criminosa.

    No obstante a severidade do caso, indeferimos o fornecimento das pretendidas informaes bancrias, sob o fundamento de que as diligncias de sequestro de bens e quebra de sigilo de dados, alm de atentar contra a ordem pblica, possuem carter executrio, o que inviabiliza a concesso do exequatur. Assim, por uma inexplicvel lgica interpretativa, somente atribuvel a um territorialismo exacerbado,

  • 28 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 28 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    considervamos que a prestao de informaes bancrias essenciais investigao, em outro pas, de crimes como o trfico de seres humanos atenta contra a ordem pblica.

    A entrada em vigor da EC n 45, em 31/l2/2004, retirou do STF e atribui ao STJ a competncia originria para processar e julgar a homologao das sentenas estrangeiras e a concesso de exequatur s cartas rogatrias.

    O cenrio mudou no Brasil naquela oportunidade. O pas j tinha clara a necessidade de uma lei especfica sobre Cooperao Jurdica Internacional. O Ministrio da Justia designou uma comisso para elaborar Anteprojeto de Lei de Cooperao Internacional - Portaria n 2.199, publicada no D.O. de 11/08/04.

    Em decorrncia da EC n 45/04, o ento Presidente do STJ, Ministro Edson Vidigal, encarregou-me, informalmente, de elaborar minuta de Resoluo que regulamentasse os procedimentos das Cartas Rogatrias e da Homologao de Sentena Estrangeira.

    Era preciso que o STJ, naquela quadra, incorporasse os avanos j alcanados pelo STF e se adequasse s conquistas verificadas nos Tratados e Convenes Internacionais, bem como assimilasse a moderna doutrina sobre o tema e os ensinamentos acadmicos. Para me desincumbir do mister, fiz contatos e reunies com alguns membros da Comisso encarregada de elaborar o Anteprojeto de Lei sobre Cooperao Internacional, deles extraindo as inovaes pertinentes. Assim foi elaborada a minuta da Resoluo n 9, que j consagrou os procedimentos que certamente constaro da futura lei brasileira de Cooperao Internacional.

    Inmeras inovaes foram introduzidas pela Resoluo n 9, j consolidadas pela jurisprudncia do STJ. Assim, o exequatur de medidas executrias em cartas rogatrias, que podem ter por objeto atos decisrios e no decisrios; a tutela antecipada em homologao de sentenas estrangeiras, a possibilidade do auxilio direto nos casos de inadequao de delibao da deciso estrangeira, a autorizao de medida executria em carta rogatria sem prvia oitiva da parte interessada encontram previso na aludida Resoluo.

    Essas mudanas no decorreram de alterao legislativa, mas, sim de uma mudana cultural.

    Na Cooperao Internacional, o Judicirio precisa ter, papel mais ativo. O ideal seria que a cooperao fosse efetiva diretamente, sem a obrigatoriedade da tramitao dos pedidos pela via da autoridade (que no Brasil o Executivo) ou pela via diplomtica. O princpio da confiana deve nortear as relaes dos Judicirios de pases diversos, assim como a confiana existente entre os juzes de um mesmo pas.

    Este manual sobre a Cooperao Jurdica Internacional contribuir em muito para aqueles que se dedicam ao estudo e aplicao de um tema to palpitante quanto ainda desconhecido pelo mundo jurdico brasileiro.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 29COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 29

    1 . 4 . A IMPORTNCIA DA C O OPER AO JURDICA

    INTERNACIONAL PAR A A ATUAO D O ESTAD O BR ASILEIRO NO PL ANO

    INTERNO E INTERNACIONAL

    Nadia de Araujo12

    The scale of that activity which forms the subject matter of this book, international co-operation in civil and criminal matters, has grown quite dramatically in very recent years. It increasingly engages the attention of lawyers in private practice, in the offices of corporate legal counsel and in government service.

    David McLean

    I. Importncia do tema e seu desenvolvimento

    O mundo como aldeia global tem cada dia mais interaes instantneas e internacionais. Toda essa comunicao gera relaes de ordens pessoal, institucional e comercial, que no levam em considerao as fronteiras nacionais, cada vez mais tnues. A acentuada internacionalizao da vida diria trazmuitas consequncias para a vida jurdica, de ordem positivae negativa. Na primeira, destacam-se as questes ligadas pessoa humana, ao direito de famlia, e ao aumento das transaes internacionais, tanto entre comerciantes como com os consumidores. Na segunda, o aumento da litigiosidade com caractersticas internacionais, ligadas esfera cvel e penal.

    12. Doutora em Direito Internacional, USP; Mestre em Direito Comparado, GWU; Professora de Direito Internacional Privado, PUC-Rio; Procuradora de Justia do Estado do Rio de Janeiro.

  • 30 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 30 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    A preocupao do Estado brasileiro com a cooperao jurdica internacional tem aumentado em funo dos novos contornos da insero internacional do pas e, em especial, do combate ao crime de carter transnacional. Ademais, cada dia maior o contingente de brasileiros que esto no exterior e de estrangeiros que ingressam no pas, seja de forma temporria ou permanente.

    Como exemplo da crescente relevncia conferida internamente matria, destaca-se, no plano administrativo, a criao do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Internacional, em 2004. Em decorrncia direta da atuao desse rgo, tivemosa internacionalizao de uma srie de tratados internacionais nos ltimos anos.

    Em 2010, a cooperao jurdica internacional entrou na pauta da legislao interna com umprojeto de lei que prope a reforma de nosso Cdigo de Processo Civil (CPC), em vigor desde 1973(Projeto de Novo CPC). Uma das inovaes trazidas pelo Projeto de Novo CPC , justamente, a regulamentao diferenciada da cooperao internacional, que ganhou um captulo prprio.13 Atualmente, o projeto foi aprovado na Cmara dos Deputados, e voltar ao Senado apenas para os pontos que sofreram modificao na Cmara.

    Alm disso, como pano de fundo da cooperao jurdica internacional, est presente a questo do respeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais do indivduo, ponto axial de todo o ordenamento jurdico brasileiro, especialmente depois da proeminncia que lhe foi dada pela Constituio de 1988.

    Por isso, no pode faltar discusso do tema um olhar sob dois prismas distintos que dizem respeito perspectiva a ser adotada na hora de concretizar a cooperao internacional: de um lado, uma perspectiva ex parteprincipis, ou seja, a lgica do Estado preocupado com a governabilidade e com a manuteno de suas relaes internacionais; de outro, a perspectiva ex parte populi, a dos que esto submetidos ao poder, e cuja preocupao a liberdade, e tendo como conquista os direitos humanos14.

    O Estado brasileiro no pode abdicar dessas duas perspectivas ao estabelecer os mecanismos de cooperao jurdica internacional, seja quando entra em acordos

    13 A Cmara dos Deputados concluiu a votao do novo Cdigo de Processo Civil, que ainda voltar ao Senado. Os artigos citados no presente sero assim citados de acordo com a redao que lhes foi conferida na Emenda Aglutinativa Substitutiva Global, votada na Cmara dos Deputados. A cooperao internacional tratada em mincias no Captulo II, artigos 26 a 41.

    14 PERLINGEIRO, Ricardo, Cooperao Jurdica Internacional in O Direito Internacional Contempor-neo, org. Carmen Tibrcio e Lus Roberto Barroso, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, p.797/810. Sobre a defini-o: A preferncia pela expresso cooperao jurdica internacional decorre da ideia de que a efetividade da jurisdio, nacional ou estrangeira, pode depender do intercmbio no apenas entre rgos judiciais, mas tambm entre rgos administrativos, ou, ainda, entre rgos judiciais e administrativos, de Estados distin-tos.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 31COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 31

    internacionais, assumindo obrigaes perante outros estados soberanos, seja quando procura dar assistncia a brasileiros que esto no exterior, ou que esto aqui, mascujas necessidadestm reflexos internacionais.

    II. Definio

    Cooperao jurdica internacional, que a terminologia consagrada , significa, em sentido amplo, o intercmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judicirio de outro Estado. Decorre do fato de o Poder Judicirio sofrer uma limitao territorial de sua jurisdio atributo por excelncia da soberania do Estado-, e precisar pedir ao Poder Judicirio de outro Estado que o auxilie nos casos em que suas necessidades transbordam de suas fronteiras para as daquele. 15Hoje,a cooperao internacional evoluiu e abarca, ainda, a atuao administrativa do Estado, em modalidades de contato direto com os demais entes estatais.

    O fluxo de atos de cooperao jurdica internacionalse intensificou nos ltimos anos pelos fatores j mencionados, com especiais reflexos na rea penal. No obstante, sua prtica era conhecida do judicirio brasileiro desde o imprio, pois j circulavam cartas rogatrias e sentenas estrangeiras entre o Brasil e Portugal.

    No plano internacional, a cooperao jurdica internacional frequentemente foi objeto de negociaes visando o estabelecimento de regras uniformes para a matria. Essas regras,de origem internacional,so convenientes porque garantem maior rapidez e eficcia ao cumprimento das medidas provenientes de outro pas ou endereadas ao estrangeiro. Destaca-se o trabalho realizado desde o incio do sculo XX pela Conferncia da Haia da Direito Internacional Privado, cujos instrumentos mais conhecidos so na rea processual e no direito de famlia e infncia. As iniciativas da Conferencia da Haia conferiram o devido peso cooperao internacional e as convenes ratificadas em seu mbito impulsionaram a matria e tm contribudo de forma crescente para a uniformizao de procedimentos judicirios e administrativos e para a constante troca de informaes entre os estados-membros16. importante pontuar, neste aspecto, o papel assumido pelo Brasil. Nos ltimos anos, o Brasil tem retomado sua posio de destaque e contribudo positivamente nas negociaes das convenes e na difuso das atividades da organizao17.

    15 Tradicionalmente, tambm se inclui nesta matria o problema da competncia internacional, j que nesse tpico que se estuda os limites jurisdio. No entanto, para os fins do presente, esse problema de competncia internacional no ser abordado.

    16 Para maiores informaes a respeito, vide ARAUJO, Nadia de, A Conferencia da Haia de direito interna-cional privado: reaproximao do Brasil e anlise das convenes processuais, in Revista de Arbitragem em Mediao RArb, Ano 9, n. 35, Out-Dez 2012, Revista dos Tribunais, p. 189-212.

    17 No Brasil, o Estatuto da Conferncia foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 41, de 1998, depois pro-mulgado pelo Decreto n. 3832/2001. O Brasil foi admitido como membro em novembro de 2001, segundo

  • 32 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 32 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    O crescimento do volume de demandas envolvendo interesses transnacionais acarretou o incremento das aes de carter legislativo, jurisprudencial e doutrinrio dos mecanismos de cooperao jurdica internacional.Conforme destacado acima, a relevncia da matria para o pas se reflete no espao autnomo que lhe foi atribudo no Projeto de Novo CPC.

    O respeito obrigao de promover a cooperao jurdica internacional imposto pela prpria comunidade internacional.18 Qualquer resistncia ou desconfiana com relao ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princpio da boa-f que rege as relaes internacionais de pasessoberanos, tanto nos casos cveis quanto penais. Afinal, o mundo est cada dia menor e mais prximo.

    Mas no se pode perder de vista as dificuldades da atividade de cooperao jurdica internacional enfrentadas pelas autoridades pblicas. O conceito arraigado de soberania presente nas regras atinentes jurisdio estatal e as deficincias de informao sobre outros sistemas jurdicos constituem tradicionais entraves s relaes entre os Estados.19

    III. Caractersticas da Cooperao Jurdica Internacional

    dirio o ato de cumprir e requisitar providncias diversas de outros pases. As autoridades competentes dos estados se prestam auxlio recproco para executar em seu pas atos processuais referentes a processos movidos no estrangeiro. Alm da

    o stio da Conferncia da Haia. H trs convenes j ratificadas pelo Brasil: a Conveno sobre adoo internacional,;a Conveno sobre os aspectos civis do sequestro de menorese a Conveno sobre o acesso internacional justia. Esta ltima, no entanto, embora j ratificada e aprovada pelo Congresso Nacional, aguarda decreto de promulgao. Em 2007, foi finalizada pela Conferncia da Haia a Conveno e o Pro-tocolo sobre a cobrana internacional de alimentos para crianas e outros membros da famlia. O DRCI participou ativamente das negociaes iniciadas em 2003 e que culminaram na aprovao em 2007. Tambm criou um grupo de trabalho para analisar a compatibilidade da conveno com o direito brasileiro, com vistas a sua remessa ao Congresso Nacional com parecer detalhado sobre as possveis reservas e declaraes. Em fe-vereiro de 2014, a Exposio de Motivos Interministerial foi assinada pelo Ministrio das Relaes Exteriores e pelo Ministrio da Justia. Aguarda-se, neste momento, a anlise do Congresso Nacional, a ratificao da Conveno e a edio do decreto de promulgao. Outra conveno cuja ratificao est prxima a Con-veno sobre obteno de provas no estrangeiro em matria civil e comercial. Esta conveno foi aprovada no Congresso Nacional e j teve seu instrumento de ratificao assinado. O Ministrio das Relaes Exteriores pretende deposit-lo durante a Reunio do Conselho de Assuntos Gerais da Haia, em abril de 2014. Por fim, a Conveno relativa citao e notificao no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matria civil e comercial e a Conveno relativa supresso da exigncia de legalizao dos atos pblicos estrangeiros (Conveno da apostila) esto em discusso no Ministrio da Justia e no Ministrio das Relaes Exteriores, para fins de assinatura da Exposio de Motivos Interministerial e posterior envio ao Congresso Nacional.

    18 Nesse sentido, enfatizando a necessidade de cooperar dos Estados, confira-se a Resoluo da Assembleia Geral da ONU, n. 2526, 1970, disponvel em www.un.org.

    19 SCHLOSSER, Peter, Jurisdiction and International Judicial and Administrative Co-operation, in Recueil des Cours, The Hague, Martinus Nijhoff, 2001, p. 26.net.

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 33COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 33

    troca entre tribunais, h trocas de carter administrativo, conduzidas entre autoridades centrais designadas em convenes multilaterais ou bilaterais. Consequentemente, o mecanismo da cooperao jurdica internacional deve ser cada vez mais difundido e aprimorado, pois se exige dos rgos responsveis pela prestao jurisdicional uma comunicao constante e ampla troca de informaes.

    A criao de um sistema de comunicao baseado em autoridades centrais, incrementando a cooperao administrativa entre os Estados, uma das realizaes de sucesso da Conferncia da Haia, e que vem sendo utilizada no s neste frum. Por exemplo, o modelo de autoridades centrais foi adotado nas convenes realizadas pelas Conferncias Interamericanas Especializadas em Direito Internacional Privado, CIDIPs, promovidas pela Organizao dos Estados Americanos, OEA, e em inmeras convenes multilaterais e bilaterais.20 No Brasil, essa funo costuma ser centralizada no Ministrio da Justia, atravs da atuao do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Internacional, alm de alguns outros rgos em casos especficos.21 Destaca-se, ainda, que o Projeto de Novo CPC expressamente designa o Ministrio da Justia como autoridade central se no houver outra designao especfica22 .

    Outro campo em que a cooperao jurdica internacionaltem ganhado destaque nos processos de integrao. Na Unio Europia, j se fala hoje em um espao jurdico europeu. A regulamentao da matria comum e a circulao de atos e decises, simplificada.23 No Mercosul h iniciativas similares, mas que ainda no atingiram o

    20 Para maiores informaes ver o site www.mj.gov.br/drci, com a lista das convenes em que o Brasil parte. Para o trabalho da OEA, cf., www.oas.org, e para o trabalho da Conferncia da Haia, cf. www.hcch.net.

    21 No Brasil, foi designado para exercer o papel de autoridade central em cooperao jurdica internacional, tanto em matria civil quanto em matria penal, o Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica internacional (DRCI), criado por meio do Decreto n. 4.991/2004. Atualmente, regula a matria o Decreto n. 6.061/2007, que manteve a estrutura do decreto anterior, mas esclareceu melhor as funes da autoridade central. H algumas excees, quando em convenes especficas poder haver outra auto-ridade central designada, como no caso acima da Conveno da Haia sobre os aspectos civis do sequestro de menores. Por exemplo, na rea penal, o Ministrio Pblico Federal a autoridade central para o acordo de cooperao penal com Portugal e com o Canad. A Portaria Interministerial n. 501/2012 prev ainda o trabalho conjunto do Ministrio da Justia e do Ministrio das Relaes Exteriores no que se refere aos pedi-dos de cooperao jurdica internacional. Nos casos em que os pedidos passivos de cooperao, em matria penal ou civil, possam ser atendidos pela via administrativa, prescindindo de exequatur por parte do STJ, cabe ao Ministrio das Relaes Exteriores encaminh-los ao Ministrio da Justia, que ento diligenciar seu cumprimento junto s autoridades administrativas competentes. Por outro lado, cabe ao Ministrio da Justia encaminhar os pedidos ativos de cooperao, em matria penal ou civil, ao Ministrio das Relaes Exteriores, para que sejam tramitados pelas vias diplomticas.

    22 Art. 26, 4: O Ministrio da Justia exercer as funes de autoridade central na ausncia de designao especfica.

    23 H inmeras iniciativas que configuram o que se convencionou chamar de Espao Europeu de Justia. Cf. www.europa.eu.int/comm/justice.

  • 34 DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL 34 SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIA

    grau de integrao da experincia europia.24

    IV. A cooperao jurdica internacional no Brasil:

    Regulamentao e caractersticas

    No Brasil, a legislao interna que regulamenta a cooperao jurdica internacional fragmentada. No h uma lei especfica cuidando de toda a matria, que est presente, de forma esparsa, em diversos diplomas legais. Tambm h inmeras convenes multilaterais e bilaterais que cuidam da cooperao jurdica internacional entre o Brasil e alguns estados.25

    De forma no exaustiva, destaca-se a Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), que agora se chama Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro (LINDB),26 a Resoluo n. 9 do STJ. Em breve, caso o Projeto de Novo CPC seja implementado, teremos uma regulamentao mais unificada da matria.

    O Projeto de Novo CPC explicita que a cooperao jurdica internacional ser regida por tratado do qual a Repblica Federativa do Brasil seja parte, e acrescenta que, na sua ausncia, poder realizar-se com base em reciprocidade, manifestada na via diplomtica. Porquanto a meno aos tratados internacionais como fonte primria da cooperao jurdica internacional seja positiva, a referncia reciprocidade no boa. Isso porque o Brasil jamais fez essa exigncia para cumprir pedidos de cooperao. Essa disposio no merecia prosperar no Projeto de Novo CPC.

    A cooperao jurdica internacional, de cunho tradicional, se efetiva atravs de cartas rogatrias e do reconhecimento e execuo de sentenas estrangeiras, institutos consagrados no direito processual civil brasileiro e de outros pases. Na rea penal, o instituto da extradio outro exemplo clssico de cooperao entre Estados. H, ainda, aes de cunho administrativo, hoje conhecidas como auxlio direto, e a prestao de informaes sobre o direito estrangeiro.

    A cooperao internacional pode ser classificada em ativa, quando o requerente o rgo brasileiro, ou passiva, quando o Estado brasileiro requerido. H diferena

    24 Para os acordos especficos do Mercosul que j foram ratificados, confira-se o stio do Ministrio da Justi-a, em www.mj.gov.br/drci.

    25 Para a lista dos acordos internacionais bilaterais, tanto na rea cvel, quanto penal, j ratificados pelo Bra-sil, confira-se o stio do Ministrio da Justia, em www.mj.gov.br/drci.

    26 Em 30 de dezembro de 2011, foi editada a Lei n. 12.376, que alterou to somente a ementa do Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942, tambm conhecida como Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), para ampliar seu campo de aplicao e mudar sua denominao para Lei de Introduo s normas do Direito Brasileiro (LINDB).

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 35COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 35

    marcante entre as duas modalidades, j que na cooperao passiva necessrio um procedimento prvio, antes de seu cumprimento. Concentrado no Supremo Tribunal Federal desde os anos trinta do sculo XX, essa competncia originria foi transferida ao Superior Tribunal de Justia pela Emenda Constitucional n. 45/04. Neste Tribunal, so processadas as cartas rogatrias e os pedidos de homologao de sentenas estrangeiras.A carta rogatria ativa dever cumprir os requisitos da lei brasileira,27 alm de conformar-se, naquilo que for especfico, com a legislao aliengena, e seu envio de responsabilidade do Ministrio da Justia.28

    Um acrscimo importante do Projeto de Novo CPC atualmente em tramitao a regulamentao dos procedimentos da cooperao ativa, antes existente apenas em regulamentaes de cunho administrativo. O Projeto esclarece ainda caber ao Brasila traduo dos documentos para a lngua oficial do Estado Requerido.29 Com relao aos pedidos passivos, o Projeto de Novo CPCprev que sero considerados autnticos os documentos que tramitam pelas autoridades centrais ou pela via diplomtica, dispensando-se legalizaes e autenticaes.30 Esses procedimentos de legalizao de documentos no exterior sempre representaram grande burocracia e custo para as partes. A sua dispensa na tramitao entre autoridades centrais muito positiva.

    No que diz respeito s questes formais, o STJ, na esteira do que decidia o STF, bastante cuidadoso com a verificao de todos os elementos necessrios para a concesso do exequatur, sendo corriqueiro cartas rogatrias serem indeferidas, sem prejuzo de nova remessa, por falta de documentos ou elementos formais.

    27 Os requisitos devem estar conforme o art. 202, do Cdigo de Processo Civil: Art. 202. So requisitos essenciais da carta de ordem, da carta precatria e da carta rogatria: I a indicao dos juzes de origem e de cumprimento do ato; II o inteiro teor da petio, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado; III a meno do ato processual, que lhe constitui objeto; IV o encerramento com a assinatura do juiz.

    28 Sobre o trmite desses pedidos, veja-se informao do stio do Ministrio da Justia: Os pedidos de coo-perao jurdica internacional ativos devem ser remetidos, via postal ou pessoalmente, ao Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Jurdica Internacional do Ministrio da Justia - DRCI. Os pedidos de cooperao jurdica internacional ativos que cumpram todas as formalidades necessrias ao seu encaminha-mento para o exterior seguem, via postal, s autoridades estrangeiras. O DRCI pode encaminhar diretamente Autoridade Central estrangeira ou Diviso Jurdica do Departamento Consular e Jurdico do Ministrio das Relaes Exteriores.

    29 Art. 38: O pedido de cooperao oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem sero encaminhados autoridade central, acompanhados de traduo para a lngua oficial do Estado requerido.

    30 Art. 41: Considera-se autntico o documento que instruir pedido de cooperao jurdica internacional, inclusive traduo para a lngua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autori-dade central ou por via diplomtica, dispensando-se ajuramentao, autenticao ou qualquer procedimento de legalizao. Pargrafo nico. O disposto no caput no impede, quando necessria, a aplicao pelo Estado brasileiro do princpio da reciprocidade de tratamento.

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    Um ponto que passa despercebido pelos estudiosos da cooperao jurdica internacional que os instrumentos utilizados servem tanto para a cooperao no mbito civil quanto no mbito penal, j que esta ltima no conta com regras especficas para o trmite de seus atos.

    Na rea cvel h muitos pedidos de citao de pessoas domiciliadas no Brasil, na maior parte para casos de direito de famlia, bem como a homologao rotineira de sentena de divrcio. Alm disso, h questes comerciais que so objeto desses instrumentos, tendo havido grande crescimento nos pedidos de homologao de laudos arbitrais estrangeiros.

    Na rea penal, a cooperao se dava, no passado, principalmente atravs da extradio, uma vez que a maior parte dos crimes era essencialmente territorial e a mobilidade do cidado, menor. O comum era a fuga do criminoso para outro pas. Nos dias de hoje o cenrio se modificou inteiramente, com a expanso do crime extraterritorial e a maior facilidade dos estados de obterem a entrega de criminosos de forma diversa da extradio. As ramificaes internacionais do crime so mais presentes, como a conexo do crime de lavagem de dinheiro com outros, como o de corrupo, o de terrorismo, e o de trfico de drogas ou pessoas. Inclui-se ainda na cooperao jurdica internacional a transferncia de presos para o cumprimento da pena em outro pas, o que vem sendo objeto de inmeros tratados bilaterais na atualidade, considerando-se direito do preso estar prximo de seu pas e familiares.

    Nos ltimos anos, o aumento de pedidos tanto da rea cvel quanto penal expressivo. A ttulo informativo, enquanto o STF analisou cerca de dez mil cartas rogatrias e sete mil sentenas estrangeiras entre a dcada de trinta do sculo vinte e final de 2004, o STJ, que comeou a receber esses pedidos no incio de 2005, j analisou maior nmero do que o STF em menos de dez anos. O aumento exponencial dos pedidos, tanto de cartas rogatrias como de sentenas estrangeiras, denota o incremento da importncia da matria, tendo o STJ dinamizado o cumprimento desses atos, que hoje tramitam de forma clere, sempre que no forem impugnados.

    Cartas rogatrias

    As cartas rogatrias destinam-se ao cumprimento de diversos atos, como citao, notificao e cientificao, denominados ordinatrios ou de mero trmite; de coleta de prova, chamados instrutrios; e ainda os que contm medidas de carter restritivo, chamados executrios. o veculo de transmisso de qualquer pedido judicial, podendo ser de carter cvel ou penal.

    Trata-se de um pedido formal de auxlio para a instruo do processo, feito pela autoridade judiciria de um Estado a outro. Est regulada no atual CPC, no

  • MANUAL DE COOPERAO JURDICA INTERNACIONAL E RECUPERAO DE ATIVOS 37COOPERAO EM MATRIA PENAL - 2013 37

    captulo referente comunicao dos atos (artigo 201).31 No Projeto de Novo CPC, sua regulamentao est no captulo dedicado cooperao jurdica internacional. A carta rogatria a segunda modalidade de cooperao prevista, aps o auxlio direto32, e poder ter por objeto todas as diligncias elencadas no artigo 27.33

    Devido convivncia de inmeros diplomas internacionais sobre a matria tanto de cunho bilateral como multilateral , o seu tratamento no uniforme. Destacam-se as seguintes situaes: primeiro, as normas vigentes para os pases com os quais o Brasil possui regras internacionais j definidas, como, por exemplo, os pases membros do Mercosul; em segundo, no caso de um tratado ou conveno sobre cooperao jurisdicional bilateral, v.g., a conveno existente com a Frana, com a Espanha e com a Itlia. Em terceiro, a situao dos pases com os quais o Brasil no possui qualquer tratado ou conveno internacional, aplicando-se a esses casos as regras da legislao ordinria.

    H previso para a sua execuo no Brasil, desde meados do sculo XIX. Antes do Aviso Circular n. 1, de 1847, era comum que juzes as recebessem, diretamente da parte interessada e as cumprissem sem qualquer formalidade. A maior parte era proveniente de Portugal, e seu cumprimento no Brasil se dava sem que o governo imperial tivesse qualquer cincia a respeito, inclusive as de carter executrio.

    O Aviso Circular no. 1 e os regulamentos posteriores disciplinaram a matria, permitindo seu recebimento por via diplomtica ou consular, por apresentao do interessado, ou por remessa direta de juiz a juiz. O surgimento do exequatur deu-se com a Lei n 221, de 10 de novembro de 1894, que instituiu um procedimento prvio de admissibilidade, primeiramente da alada do Poder Executivo, e, com o advento da Constituio de 1934, do Poder Judicirio. Neste ltimo, concentou-se no Supremo Tribunal Federal, que ento deteve competncia originria para cuidar da matria. Uma das proibies da Lei n. 221, eraa concesso de exequatur para medidas de carter executrio. No entanto, depois da revogao desta proibio, sua manuteno se deu atravs das decises do STF, que estabeleceu fir