reflexÕes sobre prÁtica docente: estudo de caso

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS Maura Maria Morais de Oliveira Bolfer Piracicaba, SP 2008

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Page 1: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE:

ESTUDO DE CASO

SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA

DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Maura Maria Morais de Oliveira Bolfer

Piracicaba, SP

2008

Page 2: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE:

ESTUDO DE CASO

SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA

DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Maura Maria Morais de Oliveira Bolfer

Orientadora: Profa. Dra. Roseli Pacheco Schnetzler

Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação.

Piracicaba, SP

2008

Page 3: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Roseli Pacheco Schnetzler (Orientadora) Profa. Dra. Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla (UNICAMP) Profa. Dra. Cristina Broglia Feitosa Lacerda (UNIMEP) Profa. Dra. Dalva Eterna Gonçalves Rosa (UFG) Profa. Dra. Maria Nazaré Cruz (UNIMEP)

Page 4: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

Dedico este trabalho àqueles que acreditam na formação humana e na possibilidade do trabalho docente ser uma atividade que pode fazer a diferença nessa formação.

Page 5: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

AGRADECIMENTOS

A Deus, grande mentor de minha vida;

Aos meus filhos que sempre me põem a pensar na vida e no papel da

educação;

Ao Júlio, grande companheiro, que incentiva e valoriza minha formação

acadêmica e profissional;

À minha mãe e às minhas tias maternas, exemplos de vida e de

perseverança;

Ao Arthur, que me deu a oportunidade de exercer profissionalmente as

funções de professora e coordenadora pedagógica, orientando e apoiando minhas

ações;

Aos professores, que caminham comigo e, principalmente, aos que

acreditaram que poderíamos formar um grupo que refletisse sobre a prática docente

e, desse modo, crescêssemos profissionalmente: Madureira, Antero, Márcia, Ângela,

Luciana, Flávio, Mary, Toninho, Beto e Nelson;

À Profa. Roseli, orientadora que incansavelmente me incentivou e manteve

visão crítica sobre este trabalho;

Às professoras Nazaré, Dalva e Ana Maria que, durante e após o exame de

qualificação, lançaram olhar crítico e apurado para que eu pudesse encaminhar

melhor esta tese;

À Thaís, menina que ensinei a ler e que hoje me ajuda, e muito, nas leituras

dos textos em inglês;

À Lu e à Tati, amigas, que contribuíram para a coerência e coesão deste

texto;

À Sandrinha, que cuidadosamente fez a formatação do texto final.

Page 6: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

Cada ser humano trilha seu próprio percurso de formação, fruto do que é e do que o contexto vivencial lhe permite que seja, fruto do que quer e do que pode ser.

Isabel Alarcão, 1997

Page 7: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

RESUMO

Esta pesquisa tem por finalidade promover a ampliação de sentidos e significados da

prática docente através de reflexões de um grupo de professores de uma instituição

de educação superior, mediadas pela coordenadora pedagógica institucional e

autora deste trabalho. Procura responder a questão: reflexões compartilhadas de

professores universitários sobre prática docente podem ampliar sentidos e

significados da mesma? A tese contida é a de que reuniões sistemáticas de

professores, lideradas por uma coordenadora pedagógica, mostram-se importantes

para a formação continuada de professores no âmbito da instituição onde atuam.

Para o desenvolvimento deste trabalho foram realizados estudos sobre educação

superior, formação docente e sobre abordagem histórico-cultural, os quais compõem

o quadro teórico que sustenta esta investigação. Em termos metodológicos, foram

realizadas treze reuniões com o grupo de professores, composto por onze sujeitos,

as quais foram gravadas, transcritas e os episódios recortados – transformados em

dados – a partir da análise qualitativa do discurso, buscando-se analisar as

interações verbais que revelam a ampliação de sentidos e significados da prática

docente. Tendo como diretrizes de investigação os estudos processuais, decorrentes

da abordagem histórico-cultural, foram estabelecidos eixos temáticos, que têm como

matriz a tríade professor/aluno/conhecimento, para estudar o movimento dos

processos de interação do grupo de professores que, por meio de reflexões,

ampliam sentidos e significados da prática docente. A partir da análise e reflexão da

própria prática docente, o grupo de professores universitários teceu reflexões críticas

sobre suas próprias práticas de ensino, questionando os fundamentos das mesmas

e os postulados tácitos sobre a natureza dos saberes relativos ao ensino, visando à

formação profissional de licenciados e tecnólogos.

Palavras-Chave : prática docente; formação de professores; educação superior.

Page 8: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

ABSTRACT

This research aims at promoting the enlargement of the senses and meanings of

teaching practice through a group of professors’ reflections from a higher education

institution mediated by the institutional pedagogical coordinator and the author of this

work. It aims the answer to this question: shared professors’ reflections of teaching

practice may enlarge its senses and its meanings? The thesis is that systematic

professors meetings, led by a pedagogical coordinator are important to a continuous

teacher training at the institution they work at. For this work development, studies

about higher education, teacher training and the historical-cultural approach were

done; and they make up the theory that supports this investigation. In methodological

terms, thirteen professors meetings with eleven professors in each were done. The

meetings were recorded, transcribed and the episodes chosen – turned into data –

from the qualitative analysis discourse, aiming the analysis of verbal interactions

which reveal the enlargement of the senses and the meanings of the teaching

practice. Taking as guidelines for research studies procedural, arising from the

historical-cultural approach, thematic axes were established which are the matrix

triad teacher / student / knowledge, to study the movement of the interaction

processes of the group of professors who, through reflections, extend senses and

meanings of teaching practice. From the analysis and reflection of their own teaching

practice, the group of academics made critical reflections on their own practice of

teaching, questioning its foundations and the tacit postulates about the nature of

knowledge concerning education, seeking professional training for graduates and

technicians.

Keywords : teaching practice; teacher’s training; higher education.

Page 9: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

Capítulo 1 ............................................................................................................ 23

A EDUCAÇÃO SUPERIOR: CAMINHOS E CENÁRIO ATUAL

1.1. Crises e desenvolvimento da educação superior .......................................... 32

1.2. A instituição de educação superior e a atuação docente ........................... 37

Capítulo 2 ............................................................................................................ 42

O DOCENTE: SUJEITO APRENDENTE

2.1. Formação compartilhada: possibilidades de promoção de novos ................. 59

sentidos e significados da prática docente

Capítulo 3 ............................................................................................................ 68

PENSANDO SOBRE A APRENDIZAGEM COMPARTILHADA: A IMPORTÂNCIA DO OUTRO

3.1. A importância da palavra na abordagem histórico-cultural ......................... 71

3.2. Vygotsky: mediação e aprendizagem ........................................................... 75

3.3. Mediação pedagógica: caminho para a aprendizagem ............................. 80

Capítulo 4 ............................................................................................................ 83

CAMINHOS DA PESQUISA: CONSTRUINDO A METODOLOGIA

4.1. Constituição e caracterização do grupo ....................................................... 87

4.2. As reuniões ................................................................................................... 93

4.3. Os procedimentos de análise ........................................................................ 95

Capítulo 5 ............................................................................................................ 102

MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E AMPLIAÇÃO DE SENTIDOS E SIGNIFICADOS DA PRÁTICA DOCENTE

5.1. Conhecendo o grupo de professores universitários: base para o encaminhamento das reuniões

........ 103

5.2. As reuniões: espaços para a interação de pensamentos e vozes .............. 106

5.3. Papel de professor ......................................................................................... 111

5.4. Papel de aluno ............................................................................................. 120

5.5. Conhecimento ............................................................................................... 127

5.6. Aprendizagem ............................................................................................... 136

5.7. Ensino ............................................................................................................ 149

5.8. Metodologia de ensino-aprendizagem ......................................................... 160

5.9. Avaliação ...................................................................................................... 168

5.10. Mergulho na docência ................................................................................ 176

Capítulo 6 ............................................................................................................ 184

ENCONTRO DE TRAJETÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO DOCENTE:

Page 10: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

9

A IMPORTÂNCIA DO GRUPO

6.1. O grupo: novas idéias, novos olhares, possibilidades para ouvir, falar ........ 185

e aprender

6.2. O grupo: novos horizontes para a docência e para a coordenação ............ 201

pedagógica

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CAMINHOS ABERTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

206

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 220

REFERÊNCIAS DE FILMES .............................................................................. 236

ANEXO I .............................................................................................................. 237

Page 11: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

10

INTRODUÇÃO

Escola – Cândido Portinari

Pintura a guache/cartão 53 x 39 cm (estimadas) (irregular)

Rio de Janeiro, RJ Sem assinatura e sem data

A obra “Escola”, de Cândido Portinari, abre esta Introdução por representar o

cenário no qual ocorre a prática docente, objeto de reflexão deste estudo. Ação

docente que representa, ao mesmo tempo, trabalho coletivo e solitário.

Page 12: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

11

O segredo da renovação de nossas escolas, no sentido de se adaptarem às novas exigências da formação e da educação, do ensino e da aprendizagem, em mudanças profundas e aceleradas, passa por uma mudança qualitativa, radical, dos professores. Não se trata apenas de saber mais, mas de um saber qualitativamente diferente que assenta numa atitude e numa maneira de ver diferentes (ALARCÃO e TAVARES, 2003).

Tendo em mente que o professor é o principal ator (entre outros) na

configuração de processos de ensino e aprendizagem, é preciso concebê-lo, como

nos diz Gómez (2001), como um profissional que reflete criticamente sobre a prática

cotidiana a fim de compreender as características específicas daqueles processos,

bem como sobre o contexto em que o ensino tem lugar para que possa, assim,

facilitar o desenvolvimento autônomo e emancipador dos participantes do processo

educativo. A partir da reflexão é que podem surgir os processos de significação

visando ampliar sua compreensão e atuação frente ao ato complexo da docência.

Há algo que antecede a ação docente, há algo que acontece durante a ação

docente e há algo que acontece quando se reflete sobre a ação docente já

realizada. Através desta tríade, é que ampliamos nosso entendimento sobre a ação

docente realizada e projetamos ações futuras. Por isso, não basta apenas ter o

domínio do conteúdo e de algumas técnicas pedagógicas, é preciso ir além. No

entanto, esta visão simplista da prática docente ainda parece ser hegemônica para a

maioria dos professores.

Como lembram Alarcão e Tavares (2003) na epígrafe acima, é preciso que os

professores construam um saber qualitativamente diferente, assentado em atitudes e

maneiras de ver diferentes para que a escola1 possa ser renovada. Acreditamos que

pela reflexão, individual e coletiva, sobre a prática docente é possível chegarmos a

esse saber qualitativamente diferente, pois reconhecemos o professor como a figura

central no processo educativo, mas estendemos esta responsabilidade de

aprendizado também às instituições, seus demais atores e gestores, recomendando

empenharem seu esforço, entusiasmo e criatividade e participarem ativamente do

processo educativo. Desse modo, vemos a escola como um local de permanente

aprendizagem de todos os atores em contínua interação produtiva.

1 Neste trabalho, para nos referirmos à instituição educativa, faremos uso do termo ‘escola’ para denominarmos o local/espaço constituído pela instituição de educação básica ou de educação superior. O termo ‘escola’ expressa o local/espaço onde ocorrem as ações que visam a educação intencional dos sujeitos que se encontram em constante processo de formação.

Page 13: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

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O trabalho ora proposto tem por finalidade promover a ampliação de sentidos

e significados da prática docente através de reflexões de um grupo de professores

de uma instituição de educação superior2, mediadas pela coordenadora pedagógica

institucional. A tese contida é a de que reuniões sistemáticas de professores, sob

supervisão3 de uma coordenadora pedagógica – “que atua na formação permanente

de docentes está, pois, estreitamente vinculada à compreensão e gestão de

processos de troca“ (MARCELO GARCÍA e VAILLANT, 2001, p. 101) –, mostram-se

fundamentais na formação continuada dos professores no âmbito da instituição onde

atuam.

A partir da análise e reflexão da própria prática docente, acreditamos ser

possível levar um grupo de professores universitários4 a tecer reflexões críticas

sobre suas próprias práticas de ensino. A intenção foi promover questionamentos

sobre os fundamentos das práticas pedagógicas, dos postulados tácitos sobre a

natureza dos saberes relativos ao ensino, visando à formação profissional de

licenciados e tecnólogos. Ou seja, promover e ampliar a compreensão sobre a

complexidade da prática docente, questionando e superando visões simplistas da

mesma, através de análise crítica do fazer docente. Em outras palavras,

promovendo a ampliação de sentidos e significados da prática docente e

viabilizando um processo de formação continuada de professores no contexto

escolar.

A ampliação de sentidos e significados da prática docente se dá na medida

em que possibilita uma percepção da realidade em movimento, implicando coerência

e abertura epistemológica para perceber que ações docentes se desenvolvem em

contextos singulares, mediadas por sujeitos também singulares, estabelecendo um

diálogo entre o pensamento cotidiano e o pensamento científico.

2 Neste trabalho optamos pela utilização da expressão ‘instituição de educação superior’ e não de ‘ensino superior’ por entendermos que são instituições que contemplam não apenas a função ensino, mas também a extensão e a pesquisa. 3 Consideramos neste trabalho a função de supervisor apontada por Alarcão e Tavares (2003, p. 119): “ajudar o professor a fazer a observação do seu próprio ensino e dos contextos em que ele ocorre, a questionar e confrontar, a analisar, interpretar e reflectir sobre os dados recolhidos e a procurar as melhores soluções para as dificuldades e problemas de que vai tendo consciência”. 4 Usaremos neste trabalho o termo “professor universitário” para nos referirmos aos professores que atuam na educação superior, independente de atuarem em universidade, centro universitário ou faculdade isolada, por acreditarmos que, independente da instituição, esses profissionais precisam, de algum modo, atrelar suas ações ao ensino, à pesquisa e à extensão.

Page 14: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

13

Essa questão da ampliação de sentidos e significados da prática docente

envolve uma alteração da concepção a respeito da prática docente ou uma alteração

da prática docente, considerando a idéia de que ela é complexa. Nesse processo de

formação docente, o que se aprofunda e se amplia é a própria compreensão de

cada professor sobre a complexidade da sua prática docente, afinal, quando está em

exercício, ele articula múltiplas dimensões e múltiplas referências, o que faz da

prática docente uma ação complexa. A idéia que fundamenta o presente trabalho é a

de como os professores, através desse tipo de intervenção/reunião, superam uma

concepção simplista de prática docente e vão buscar, vão enxergar esses outros

componentes dessa prática, portanto, ampliando sentidos e significados de suas

concepções e, conseqüentemente, de suas ações.

Essa ampliação pode acontecer através de processos de reflexão, a partir da

intervenção de um mediador, que pode promover, pela interação com os pares,

significados e sentidos da prática docente, tornando-os mais claros, mais

conscientes. Isso tem a ver com a questão da reflexividade, na qual os processos de

reflexão do professor vão se ampliando, na medida em que ele vai se inserindo

coletivamente nesse contexto de reflexão. Nesse contexto, a ampliação está

relacionada à expansão, à passagem por diferentes momentos de reflexão que

fazem com que as concepções sobre prática docente fiquem mais elaboradas na

relação com o outro. Essa relação com o outro – os sujeitos – que se dá num

ambiente social, é essencial para o desenvolvimento individual. Esse outro intervém

continuamente nos processos de desenvolvimento, na medida em que vai

possibilitando aprendizagem compartilhada entre os membros de um grupo, que

potencializa a reconstrução pessoal da experiência e dos significados.

Nesse pensamento, faz-se presente a capacidade de análise e reflexão, ou

seja, o reconhecimento dos diferentes componentes da prática docente e as

diferentes possibilidades de compreendê-la, sujeitas a referenciais interpretativos

mais amplos, que permitam dar sentido para cada um dos vários elementos que a

compõem: filosóficos, epistemológicos, psicológicos, institucionais, culturais,

metodológicos e avaliativos.

Quando falamos em prática docente, consideramos, em sua essência, a

presença da tríade: professor/aluno/conhecimento. Esta tríade está diretamente

atrelada aos condicionantes sociais e psicológicos que constituem o ensino

viabilizado pela prática docente.

Page 15: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

14

Coll (1992) afirma que esta tríade está em ativa interação nos processos

escolares, nos quais é no aluno que se concretiza a aprendizagem, os

conhecimentos é que constituem o objeto de aprendizagem e o professor é aquele

que favorece, pelo ensino, a aprendizagem dos alunos. É ele quem, a partir de suas

intervenções, pode proporcionar, em maior ou menor escala, a atividade

autoestruturante do aluno; é ele quem, enquanto adulto, pode ser comparado a uma

espécie de andaime, ao realizar intervenções contingentes que possibilitam a

mediação entre o conhecimento a ser aprendido e o aluno. Essa mediação precisa

funcionar como uma ajuda que se manifesta intencionalmente num contexto

significativo, que vai ampliando constantemente a zona de desenvolvimento proximal

dos alunos. Entendemos aqui o ensino-aprendizagem enquanto atividade articulada

e conjunta entre aluno e professor.

Essa atividade, numa concepção construtivista de aprendizagem escolar,

situa a

atividade mental construtiva do aluno na base dos processos de desenvolvimento pessoal que promove a educação escolar. Mediante a realização de aprendizagens significativas, o aluno constrói, modifica, diversifica e coordena seus esquemas, estabelecendo deste modo redes de significado que enriquecem seu conhecimento de mundo físico e social e potencializa seu crescimento pessoal (COLL, 1992, p. 179).

Podemos afirmar que a ação educativa, responsabilidade do professor,

precisa incidir sobre a atividade mental do aluno, criando condições favoráveis ao

seu desenvolvimento e aprendizagem, ou seja, tem como finalidade “sintonizar com

o processo de construção de conhecimento do aluno e incidir sobre ele, orientando-o

na direção que sinalizar as intenções educativas” (COLL, 1992, p. 186). Vale

ressaltar a necessidade de atitude favorável do aluno para a aprendizagem, é

preciso que ele construa significados e atribua sentidos ao que aprende.

Essa ação educativa materializa-se naquilo que conhecemos como ensino:

prática social que se concretiza na interação entre professores, alunos e

conhecimentos (SACRISTÁN, 2003) em um contexto permeado por múltiplos fatores

e condições. Essa tríade estabelece uma relação dinâmica de interdependência, na

qual “cada elemento influencia e é influenciado pela relação entre os outros dois”

(HYMAN, 1974, p. 19). A atividade docente – o ensino – “deve envolver essa relação

Page 16: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

15

interpessoal positiva de tal forma que promova o aprendizado e o desenvolvimento

da independência do aluno” (HYMAN, 1974, p. 25).

Nos últimos anos, algumas pesquisas têm trazido para reflexão questões

sobre o professor universitário. Segundo a revisão bibliográfica realizada para esta

tese, a maioria dos trabalhos destaca a questão da identidade e da prática docente.

Em número menor, temos aqueles que tratam de processos e possibilidades de

formação docente continuada.

Bireaud (1995), a partir de um traçado histórico da educação superior, de um

modelo tradicional, aponta para inovações metodológicas; Cunha (1998) analisa a

concepção de conhecimento implícita na prática pedagógica, estabelecendo

interface com a percepção política de sociedade; Martinazzo (2000) faz um recorte

de sua trajetória docente, refletindo sobre questões da prática e constituição

docente; Gonçalves (2000) traz a pedagogia universitária como sistema de

promoção do sucesso dos alunos na educação superior; Santiago (2000) traz para

reflexão a questão da aprendizagem organizacional nas instituições de educação

superior; Morais (2002), Eugênia Castanho (2002), Araújo (2002), Balzan (2002)

partem dos princípios metodológicos da aula e apontam para a questão da

criticidade, da criatividade, da intencionalidade e da indissociabilidade ensino-

pesquisa; Amaral (2002), Lima (2002), Veiga, Resende e Fonseca (2002), Litwin

(2002) trazem questões sobre a dinâmica da sala de aula enquanto espaço de

possibilidades interdisciplinares, vivências em situações interativas de ensino e

pesquisa; Mortimore (2002) traz a questão da interdisciplinaridade na prática

docente; Cunha (2002) traz para estudo a inovação e a pesquisa na aula

universitária; Morosini (2002) trata da autonomia acadêmica, da prática pedagógica

e do controle de conhecimentos; Veiga (2002) faz uma reflexão sobre a metodologia

do ensino no contexto da organização do trabalho pedagógico; Pimenta e

Anastasiou (2002) tratam de situar o trabalho do professor na sala de aula,

discutindo sua identidade como parte do processo de construção e abordando

questões sobre metodologia de ensino-aprendizagem; Tavares (2003) trata das

questões do (in)sucesso acadêmico, desenvolvendo estudos acerca do perfil e

trabalho de professores e alunos, do currículo e da comunidade acadêmica; Alarcão

e Tavares (2003) tratam da supervisão da prática pedagógica numa perspectiva de

desenvolvimento da aprendizagem; Rego (2003) traça, a partir de estudos

realizados, o que denominou comportamentos de cidadania docente; Zanon (2003)

Page 17: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

16

apresenta estudos sobre interações entre alunos, professores do ensino médio e

formadores (professores universitários) na elaboração conceitual da prática docente;

Silva (2003) aborda a constituição de professores universitários; Sponchiado,

Carvalho e Silva (2003) apresentam pesquisa que teve como foco o saber docente

construído por professores que atuam em uma universidade específica; Silva (2004)

apresenta modos de mediação de um formador de área científica; Cunha (2004a)

investiga o cotidiano do professor, desvendando o bom professor, sua prática e

metodologia a fim de pensar nos rumos da formação docente; Zabalza (2004) traça

a dimensão profissional do docente universitário, seus dilemas e parâmetros de

profissionalização; Demo (2004) contextualiza o professor na instituição de

educação superior e descreve questões que considera relevantes para sua prática;

Mancebo (2004) faz uma análise da produção escrita sobre o trabalho docente;

Kuenzer (2004), Castanho (2004), Wachowicz (2004), Placco (2004), Anastasiou

(2004), Masetto (2004), Chisotti (2004), Cunha (2004b) trazem para debate questões

relacionadas às metodologias de ensino na educação superior; Noronha (2004) traz,

a partir de um estudo de caso, a inovação metodológica no ensino superior; Sousa

(2005) apresenta e discute os conceitos de ensinar e aprender, seus significados e

mediações; Vasconcelos (2005) traz para debate a questão da docência e da

autoridade no ensino superior; Masetto (2005) propõe um repensar a aula, a partir

do foco no ensino e do foco na aprendizagem; Alarcão (2005) apresenta reflexão

crítica sobre o pensamento de Schön e programas de formação de professores.

Com relação aos estudos sobre a formação continuada do professor de

educação superior, Anastasiou (2001) trata de um estudo de caso sobre a

profissionalização docente desenvolvida em uma universidade; Tavares (2002) fala

sobre como promover nos professores a auto-regulação de sua própria

aprendizagem; Pimenta e Anastasiou (2002) traçam um panorama das

possibilidades de formação do professor universitário, bem como trabalhos

desenvolvidos por instituições específicas no Brasil e no exterior; Medeiros (2002)

destaca o papel da universidade na formação docente, fazendo uma reflexão sobre

ensinar e promover processos de aprendizagem; Cabral (2002) busca informações

sobre como se formam os formadores na universidade; Masetto (2003) situa o

professor universitário em seu ambiente de trabalho, falando da necessidade de sua

participação e interação institucional, metodologias, currículo, planejamento,

avaliação e formação docente; Anastasiou (2003) analisa os processos de formação,

Page 18: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

17

destacando o espaço no qual reflexões são centradas na pessoa do professor;

Chamlian (2003) procura subsídios para a formação do professor universitário,

destacando que seria um grande avanço a possibilidade de ações pedagógicas

específicas, sensibilização para dificuldades do ensino e valorização institucional

dessa atividade; Rosa (2003) investiga como a parceria colaborativa promove

mudanças nas concepções dos docentes sobre suas práticas e os introduz na

pesquisa no/do ensino; Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2003) apresentam recorte

teórico sobre a docência universitária a partir de reflexões em grupo de estudos e

pesquisas da USP; Camargo e Hage (2004) descrevem criticamente a política de

formação de professores e a reforma na educação superior; Tavares e Sena (2004)

apontam o papel social da universidade na formação do professor; Abramowicz

(2004) discute a importância dos grupos de formação reflexiva docente no interior

dos cursos universitários; Lucarelli (2004) coloca o desafio institucional na inovação

e formação pedagógica do professor universitário; Isaia e Bolzan (2004) apontam

elementos que contribuem para a construção de competências desejáveis à atuação

docente diante dos desafios contemporâneos, via formação enquanto espaço

interdisciplinar de compartilhamento pedagógico e epistemológico; Rivas e

Casagrande (2005) destacam a importância da formação continuada do professor

universitário no interior da instituição a partir de um levantamento de necessidades

específicas; Marcelo García (2005) traz ampla reflexão e fundamentação de teorias

e estratégias necessárias para compreender e melhorar a formação dos professores

universitária.

Podemos notar que, apenas a partir de 2001, é que começa a se destacar a

pesquisa em relação à formação do professor universitário e, em termos de

formação continuada no espaço da instituição de educação superior, encontramos

apenas poucos trabalhos.

Dos estudos acima descritos, daremos destaque aos de Anastasiou (2001),

Rosa (2003), Abramowicz (2004) e Rivas e Casagrande (2005), por se aproximarem

mais da perspectiva deste nosso trabalho, principalmente no que diz respeito à

concepção de grupos inseridos na organização escolar que, a partir da reflexão,

promovem a formação continuada de professores.

A relevância do estudo de Anastasiou (2001) para este trabalho se dá pela

proximidade das características dos sujeitos: professores universitários com

experiência docente que partilham da necessidade de investimento na formação

Page 19: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

18

continuada e de dificuldades enfrentadas em sala de aula como motivação,

relacionamento teoria-prática, nível de conhecimento e participação dos alunos.

Além disso, propõe um ‘programa’ de formação pautado na discussão de textos,

análise de vídeos e análise da prática docente.

Para este trabalho, partilhamos de algumas premissas destacadas por Rosa

(2003): os professores enquanto sujeitos historicamente situados; a natureza

singular e complexa da profissão docente; os professores enquanto produtores de

saberes; e a possibilidade de se constituir na própria instituição processos de

formação que auxiliem o desenvolvimento de capacidades teórico-práticas do

exercício docente, via parceria colaborativa ou grupo de reflexão, que é o nosso

caso.

A aproximação do estudo de Abramowicz (2004) a este trabalho se encontra

na concepção de grupos de formação, nos quais é criado um “espaço especial de

construção de conhecimento em que a reflexão é a mola propulsora do trabalho”

(2004, p. 138). A intenção é que os professores se reconheçam como sujeitos de

sua prática e de seu processo de conhecimento a partir da reflexão sobre a prática e

conscientização das teorias que a sustentam. Nesse movimento, privilegia-se o

diálogo sobre o fazer, o como fazer e o porquê fazer – ou seja, por que ensino como

ensino? – núcleo central da discussão.

O estudo de Rivas e Casagrande (2005) se aproxima deste trabalho por

destacar o cenário de atuação do professor universitário e pela necessidade que

aponta na mudança/inovação da instituição de educação superior como organização

aprendente – que ao mesmo tempo em que qualifica os que nela estudam pode

também qualificar os que nela trabalham – e uma formação docente não mais

baseada na racionalidade técnica, mas na racionalidade prática.

O trabalho de Marcelo García (2005) parte da formação enquanto instrumento

possível de democratizar o acesso à cultura, à informação e ao trabalho. Entrando

no campo da formação de professores, distingue três momentos: a formação inicial,

a formação durante o período de iniciação e o desenvolvimento profissional. Neste

estudo tomamos como referência suas idéias acerca do desenvolvimento

profissional de professores por trazer conotação de evolução e continuidade, “atitude

permanente de pesquisa, de questionamento e busca de soluções” (2005, p. 137).

Anastasiou (2001) tem o foco num programa de formação institucional, Rosa

(2003) tem como foco a pesquisa no/do ensino como possibilidade de formação

Page 20: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

19

continuada a fim de que o professor conheça melhor sua realidade profissional e

possa agir melhor sobre ela; Abramowicz (2004) quer ressignificar a formação inicial

de professores com vistas à implementação de uma cultura de formação continuada;

e Rivas e Casagrande (2005) destacam o cenário institucional como organização

aprendente, enquanto este trabalho pretende promover a ampliação de sentidos e

significados da prática docente através dos processos interativos de reflexões de um

grupo de professores de uma instituição de educação superior, mediadas pela

coordenadora pedagógica institucional e autora deste trabalho.

A intenção é que a partir dessa experiência possam ser desenvolvidas ações

de formação docente

em contexto de ensino, com abordagens de reflexão-ação sobre os problemas detectados, em equipas com professores que se empenham na investigação e resolução dos problemas que delineiam hipóteses de solução e avaliam a sua consistência e resultados e que, em todo este processo, aprendam a ser professor, porque reflectem sobre a sua vivência profissional e os problemas que essa mesma prática lhes coloca (ALARCÃO e TAVARES, 2004, p. 19).

A fim de alcançar tal objetivo, são estabelecidas as seguintes questões: como

esses professores visualizam a própria prática docente? Como problematizar a

prática e entendê-la à luz de referenciais teóricos para melhorá-la? Como o coletivo

pode contribuir para a percepção, ampliação e reconstrução da prática docente?

Resumindo, reflexões compartilhadas de professores universitár ios sobre

prática docente podem ampliar sentidos e significad os da mesma?

Fontana aponta os tempos e espaços em que se constituem os professores,

as interlocuções envolvidas no ser professor:

tornamo-nos professoras [professores] tanto pela apropriação e reprodução de concepções já estabelecidas no social e inscritas no saber dominante da escola (permanência), quanto pela elaboração de formas de entendimento da atividade docente nascidas de nossa vivência pessoal com o ensino, nas interações com nossos alunos, e do processo de organização política, com nossos pares, em movimentos reivindicatórios (2000a, p. 44).

Por conta das interações que perpassam as relações humanas, para este

trabalho optamos pelo referencial teórico histórico-cultural. Vygotsky (2003a, 2003b)

por partir do pressuposto de que a estrutura humana é conseqüência de um

processo de desenvolvimento que tem suas raízes nas ligações que permeiam a

Page 21: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

20

história individual e a história social. É por isso que o enfoque sociocultural (ou

histórico-cultural) considera que o desenvolvimento do ser humano é um processo

mediado por instrumentos de tipo simbólico e representacional, realizado em

situações de interação social.

Além do estudo bibliográfico sobre a abordagem histórico-cultural, foram

realizados estudos sobre formação de professores, prática docente na educação

superior, concepções de ensino, de aprendizagem e de conhecimento, além de

reflexão sobre prática docente de um grupo de professores universitários.

A opção foi também por uma pesquisa qualitativa, pois permite uma

investigação mais aprofundada de assuntos particulares, não se limitando a

perguntas que levem a respostas diretas e fechadas. A intenção foi realizar um

estudo de caso que tem como objeto de estudo um grupo constituído por

professores universitários, coordenado pela investigadora, mobilizados a “buscar

apoio e parceria para compreender e enfrentar os problemas complexos da prática

profissional; enfrentar colaborativamente os desafios da inovação curricular na

escola; (...) buscar o próprio desenvolvimento profissional” (FIORENTINI, 2004, p.

54).

O grupo foi caracterizado a partir da recolha e análise de currículo dos

professores de uma instituição de educação superior (fonte 1) e entrevista semi-

estruturada (fonte 2 – “pano de fundo”) que trazem um memorial descritivo da

história individual e profissional dos atores educativos, com a finalidade de orientar

as reuniões periódicas do grupo de estudos e discussões (fonte 3).

Foram realizadas treze reuniões, nas quais, por meio de análise de cenas de

vídeos, estudos de casos nos quais se revelam modos de atuação docente e

estudos teóricos, procurou-se ampliar sentidos e significados de prática docente.

Pela própria característica do grupo, fez-se necessário que as primeiras reuniões

tivessem como foco a discussão sobre o papel do professor, abordagens dos

processos de ensino-aprendizagem, a função do ensino, chegando às práticas do

professor técnico especialista e do prático reflexivo, às metodologias, ao papel da

linguagem na interação professor-aluno, buscando compreender por que cada um

de nós ensina como ensina.

Como já anunciado, estive à frente das reuniões – planejando-as e

direcionando-as – exercendo um papel semelhante ao de “supervisor” destacado por

Alarcão e Tavares (2003, p. 149), “líder de comunidades aprendentes” e ao do

Page 22: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

21

“mentor”, destacado por Marcelo e Vaillant (2001, p. 84) “constituir-se em um

elemento de apoio”, conduzindo a “análise racional do ensino para ajudar os

professores supervisionados a serem mais analíticos de sua própria prática”. Para

exercer esse papel faz-se necessário conhecer o pensamento institucional e

estabelecer as relações entre reflexão, planejamento e avaliação. Exercendo a

coordenação pedagógica da instituição desde 2002 e participando efetivamente de

sua missão institucional “ensinar para a compreensão do mundo, para a inserção no

mundo do trabalho e para a intervenção solidária na sociedade” senti a necessidade

de propor ao corpo docente uma ação mais efetiva de formação continuada calcada

nas necessidades profissionais e institucionais de modo que nossa prática docente

possa ser melhor refletida, planejada e avaliada.

As reuniões foram transcritas a fim de recortar episódios que explicitam e

apontam indícios de ampliação de sentidos e significados da prática docente nas

interações verbais, nas tensões que permearam as reuniões, nos conceitos

emergentes, nos comportamentos explícitos, nas condições de atuação dos

docentes. Enfim, como diz Fontana (2000b, p. 106), “mais do que apreender o

sentido produzido, interessa o movimento em que ele vai sendo produzido,

reproduzido e transformado; o movimento que sustenta e desloca a configuração

apreendida e a regula”.

O recorte dos episódios se deu em função dos eixos temáticos que subsidiam

a tríade professor-aluno-conhecimento, buscando compreender como os dados se

apresentavam, descrevendo-os, analisando-os e estabelecendo relações entre eles.

No Capítulo 1, estão descritos os caminhos e o cenário atual da educação

superior numa tentativa de contextualizar os espaços onde estão inseridos e atuam

os docentes e onde também ocorrem os processos de formação. É a partir desse

contexto que é possível perceber o papel do professor que atua na educação

superior na formação de novos quadros de profissionais.

No Capítulo 2, o docente é apresentado enquanto sujeito aprendente, diante

da necessidade de aperfeiçoar suas práticas, contribuindo para o desenvolvimento

da qualidade educativa e formação profissional dos alunos. Há também a intenção

de destacar a importância da formação continuada com vistas a sairmos de uma

postura vinculada à racionalidade técnica para uma racionalidade prática, tendo

como referência as possibilidades de reflexão.

Page 23: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

22

O Capítulo 3 destaca a importância da aprendizagem compartilhada, tendo

como pano de fundo a abordagem histórico-cultural que valoriza a importância do

outro nos processos de ensino e aprendizagem, acreditando que na interação

dialógica emergem novos sentidos e significados que ampliam a compreensão sobre

a prática docente. Para isso, são apresentados os pressupostos vygotskyanos que

deram suporte a esta experiência de formação continuada de professores e

subsídios teóricos para as análises dos dados.

No Capítulo 4, os caminhos percorridos são descritos para a materialização

deste estudo, ou seja, uma pesquisa qualitativa descritiva que se revela como um

estudo de caso que parte da revisão da literatura a fim de contextualizar as

instituições de educação superior e definir o que se entende por formação

continuada e prática docente. Neste capítulo também é caracterizado o grupo de

professores participantes desse processo, as reuniões realizadas, os eixos temáticos

de análise dos episódios recortados das transcrições das reuniões e os

procedimentos adotados para a construção e interpretação dos dados.

No Capítulo 5, há uma breve descrição de cada reunião com o objetivo de

descrever os contextos dos quais os episódios foram recortados, analisados e

interpretados, explicitando o movimento de ampliação de sentidos e significados de

concepções da prática docente, que se deu pelas interações dialógicas dos

professores.

O Capítulo 6 traz diálogos entre os professores que revelam a importância do

grupo na formação continuada, apontando novas possibilidades de ação e formação

docente. Alem disso, expressa a reflexão que faço sobre meu próprio processo de

reflexão e formação enquanto professora e coordenadora pedagógica.

As Considerações Finais expressam a retomada de nosso objetivo inicial:

promover a ampliação de sentidos e significados da prática docente nos processos

interativos de reflexões, mediadas pela coordenadora pedagógica institucional, de

um grupo de professores de uma instituição de educação superior, em uma cidade

do interior de São Paulo. Trazem também nossas reflexões sobre os pontos

relevantes de uma formação continuada realizada no interior da própria instituição e

os desdobramentos que podem ocasionar para o aprimoramento profissional de

professores que atuam na educação superior.

Page 24: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

23

Capítulo 1

A EDUCAÇÃO SUPERIOR: CAMINHOS E CENÁRIO ATUAL

Operários – Tarsila do Amaral óleo/tela 150 X 205 cm

Assin.:"Tarsila 1933" Col. do Gov. do Estado de São Paulo

A obra “Operários” abre este capítulo representando a multiplicidade de

trabalhadores e alunos que se encontram na instituição de educação superior e

compõem seu cenário. Revela que as diferenças é que constituem o espaço escolar,

palco de eclosão de diversidade e de formação humana.

Page 25: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

24

Urge reconstruir com seriedade e competência o trabalho universitário, vendo nele um empreendimento difícil, complexo, mas necessário (FÁVERO, 1994).

As palavras de Fávero (1994) lembram que o espaço-tempo atual em que nos

movemos é marcado pela evolução de novas tecnologias, mudança de paradigmas,

crenças, teorias e metodologias, razão pela qual o impacto dessas transformações

na educação exige a reconstrução do trabalho universitário com “seriedade e

competência”, face à sua crescente complexidade.

Superando a simples adaptação ao meio, o ser humano transforma-o por

causa das suas necessidades e é pelo trabalho que ele busca instrumentos e

caminhos para criar um mundo de objetos significativos e úteis que garantam a

sobrevivência. É também pelo trabalho que o ser humano torna-se homem. Por isso,

é possível, a partir do trabalho, compreender o desenvolvimento dos complexos

sociais e adaptativos vividos pelo homem.

Em uma visão marxista, o trabalho pode ser considerado uma atividade

educativa e emancipatória do homem, momento de articulação entre consciência e

mundo, entre subjetividade e objetividade. Porém, chega o momento em que o

trabalho se converte em mercadoria, por conta da economia capitalista.

A realidade do trabalho tem se tornado cada vez mais complexa, sendo

influenciada pela evolução tecnológica, pela evolução das linguagens e,

conseqüentemente, pela revolução das representações.

Por conta disso, o espírito da sociologia, centrado no mundo do trabalho,

mudou, revelando as violências cometidas contra o homem, desvendando a

realidade do trabalho e o destino dos trabalhadores.

Nesta nova realidade, o trabalhador é levado a se preocupar com as

capacidades individuais, isto é, com as competências e habilidades que possui, a fim

de continuar trabalhando.

Uma empresa moderna precisa contar com estruturas ágeis e adaptadas,

dispondo de indivíduos atentos, disponíveis, flexíveis, capazes de interpretar e de

tomar decisões. É esse indivíduo, assalariado, “que se torna o interlocutor, o ator

principal da empresa, é ele que se encontra em estado de negociação quase

permanente de seu destino no interior das organizações” (LINHART, 2000, p. 29).

Visto nesta situação, o trabalhador se encontra, de certo modo, num estado de

Page 26: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

25

vulnerabilidade e de dependência em relação ao seu trabalho. O trabalho moderno

acaba revelando uma autonomia controlada e uma ação contraditória das formas de

autonomia e das formas de controle.

É possível enxergar, neste contexto, uma ênfase na mobilização individual e

pessoal trazida na emergência do conceito de competência. Como diz Linhart, esta

competência “define a empregabilidade da pessoa e lhe impõe, em definitivo,

resolver todos os problemas trazidos pelas coerções cada vez mais pesadas, em

termos de qualidade, de prazo e de produtividade, e de organizações de trabalho

geralmente fluidas e mesmo incoerentes” (2000, p. 20).

Acreditamos que essas considerações, feitas até aqui, são fenômenos

próprios do capitalismo contemporâneo que, de modo às vezes sutil, vêm manipular

a vida ou sugerir elementos fundadores de uma luta emancipatória.

Nos últimos tempos, o Banco Mundial “transformou-se na principal agência de

assistência técnica em matéria de educação para os países em desenvolvimento e

(...) em fonte e referencial importante de pesquisa educativa no âmbito mundial”

(TORRES, 1996, p. 126). Apresenta uma proposta que tem por finalidade melhorar o

acesso, a eqüidade e a qualidade dos sistemas escolares, abrangendo, dessa

forma, os aspectos vinculados à educação.

O fato das diferentes realidades se encarregarem de moldar a proposta e de

existirem margens na definição e negociação na proposta, faz com que sua

aplicação revele certos desvios. O “pacote” proposto pelo Banco Mundial encontra

sistemas educativos que enfrentam desafios a serem superados relativos aos

aspectos já citados: acesso, eqüidade, qualidade e redução da distância entre a

reforma educativa e a reforma das estruturas econômicas.

O Banco Mundial vem estimulando a concentração de recursos públicos na

educação básica, considerada elemento fundamental ao desenvolvimento

sustentável e à erradicação da pobreza. O eixo central da proposta do Banco

Mundial está na melhoria da qualidade e conseqüente eficácia da educação.

Contudo, a qualidade tem se reduzido ao rendimento escolar ligado ao aumento do

período de instrução, à aquisição de livros didáticos e à capacitação dos

professores.

Pode-se ver nessas medidas um mecanismo de controle indireto que, à

medida que prescreve e controla a realização de cada tarefa, estabelece

objetivos/competências, cobrando o seu desenvolvimento. Assim o ensino, enquanto

Page 27: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

26

subsistema do sistema social, acaba contribuindo para a melhor performance do

sistema social, formando competências necessárias pertinentes para tal finalidade.

Além de centralizar as funções mencionadas, o Banco Mundial propõe a

“redefinição do papel do Estado em relação à educação, uma redefinição dos

parâmetros e prioridades da despesa pública, e uma contribuição maior das famílias

e das comunidades nos custos da educação” (TORRES, 1996, p. 137).

Há de se levar em conta que as propostas do Banco Mundial estão dentro da

lógica e da análise econômica, por serem pensadas e estabelecidas por

economistas que concebem um modelo escolar, muitas vezes, isento de professores

e de pedagogia. São propostas formuladas por economistas, cuja implementação

compete aos professores. Dessa forma, a escola é pensada como uma empresa e a

educação é vista como uma mercadoria. Isto fica evidente quando vemos o currículo

sendo entendido como conteúdos, os conteúdos reduzidos às disciplinas. Pensa-se

num currículo elaborado centralmente, com flexibilidade e adaptação de acordo com

a realidade, mas amarrado pelos sistemas de avaliação.

Seria preciso ampliar a visão de currículo, considerando-o enquanto

conteúdos, objetivos, estratégias, métodos e materiais de ensino-aprendizagem e de

avaliação. Além disso, seria preciso pensar numa reforma curricular, colocando no

centro o professor como protagonista da proposta e do processo de mudança,

alguém

capaz de ajudar seus alunos a desenvolverem a criatividade, a receptividade à mudança e à inovação, a versatilidade no conhecimento, a antecipação e adaptabilidade a situações variáveis, a capacidade de discernimento, a atitude crítica, a identificação e solução de problemas, etc (TORRES, 1996, p.157).

O Banco Mundial, porém, recomenda a elaboração e o desenvolvimento do

currículo enquanto tarefa de responsabilidade do poder central ou regional,

privilegiando textos escolares que estão a serviço do professor. Aqui, aparecem

livros didáticos concebidos como textos programados, fechados, normativos e

orientadores do ensino a ser oferecido, enquadrando e respondendo a um

determinado currículo coerente com a política educacional. É preciso entender que,

além da acessibilidade, a qualidade da aprendizagem está também na quantidade e

variedade do material de leitura.

Page 28: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

27

É importante ressaltar que a reforma educativa precisa passar pela reforma

curricular, privilegiando as relações e as práticas concretas; que a reforma curricular

implique em trabalhar o currículo proposto e o efetivo, de maneira integrada; que,

modificando o currículo sejam trabalhados os elementos que intervêm no processo

de ensino-aprendizagem; que a modificação do currículo efetivo tenha um trabalho

interno/externo ao equipamento escolar.

O Banco Mundial acredita que é preciso contratar professores com educação

adequada e com conhecimentos demonstrados pela avaliação de desempenho.

Acredita, também, que a capacitação em serviço pode melhorar o conhecimento da

matéria e das práticas pedagógicas. Apesar dessas crenças, a

formação/capacitação docente ocupa um lugar distante das prioridades e estratégias

propostas aos países em desenvolvimento.

Conclui-se que o “pacote” do Banco Mundial tende a ser homogeneizador e

prescritivo, reforçando um modelo educativo convencional: reduz a educação à

escola, vendo-a como única fonte de aprendizagem; apresenta visão setorial da

educação; carece de uma visão do sistema educativo como um sistema; está

permeado por uma visão dicotômica da realidade e das opções de política

educativa; trabalha para o curto prazo, sendo imediatista; é vertical e autoritário,

centralizando a tomada de decisões; privilegia a quantidade; concentra-se na oferta

e desconsidera a demanda; dissocia o pedagógico do administrativo; prioriza o

investimento nos recursos materiais e não investe no capital humano; prioriza o

princípio de homogeneidade; não diferencia o ensino da aprendizagem; vê a

educação como transmissão, assimilação e acumulação de conteúdos; vê o ensinar

relacionado ao falar e o aprender ao escutar; revela incompreensão na questão

docente; concebe a participação da comunidade extra-escolar centrada na ajuda

financeira.

As instituições de educação superior, apoiando-se em modelos estrangeiros,

têm lutado para ampliar sua relevância pública e construir sua identidade. Para efeito

deste trabalho, considera-se educação superior “todo tipo de estudos, treinamento

ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, oferecido por universidades ou

outros estabelecimentos educacionais aprovados como instituições de educação

superior pelas autoridades competentes do Estado” (Conferência Geral da

UNESCO, novembro de 1998). Essa educação superior contará, progressivamente

mais, com grupos de estudantes cada vez mais heterogêneos, quer relacionados às

Page 29: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

28

origens culturais, à motivação, às faixas etárias e experiências, bem como às

perspectivas profissionais. Para isso, o professor precisará modificar o modo como

articula ensino, formação e pesquisa, refletindo sobre os meios que utiliza para

encorajar seus alunos a desenvolverem habilidades e competências e adquirirem

conhecimentos pertinentes à atuação profissional e cidadã.

Conforme a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI:

Visão e Ação (1998) há uma demanda para a diversificação da educação superior

devido às possibilidades de desenvolvimento sociocultural e econômico, tendo como

missão:

a) educar e formar pessoas altamente qualificadas;

b) promover espaço de oportunidades de acesso e aprendizagem

permanente;

c) promover, gerar e difundir conhecimentos por meio da pesquisa e da

extensão;

d) contribuir para a compreensão, interpretação, preservação, reforço,

fomento e difusão das culturas nacionais, internacionais e históricas;

e) contribuir na proteção e consolidação dos valores da sociedade e para o

desenvolvimento e melhoria da educação em todos os níveis.

Essa missão tem como pano de fundo uma escola com funções

complementares apontadas por Gómez (2001): socializadora, instrutiva e educativa.

Socializadora, à medida que exerce influências de socialização; instrutiva, à medida

que desenvolve atividades intencionais e sistemáticas de ensino-aprendizagem de

modo “a garantir a formação do capital humano que requer o funcionamento fluido

do mercado de trabalho” (GÓMEZ, 2001, p. 262); e educativa, à medida que traz

oportunidades para que os sujeitos questionem, elaborem e tomem decisões

relativamente autônomas, para que ampliem o repertório no que diz respeito às

artes, às ciências e aos saberes populares e reconstruam, de forma consciente e

reflexiva, pensamento e atuação. Neste processo educativo, o docente assume

basicamente três funções: porteiro, abrindo caminho para acesso à cultura crítica;

facilitador da aprendizagem, provocando a reconstrução da cultura experiencial

mediante contraste reflexivo; e animador cultural, facilitando às novas gerações a

assimilação reflexiva da cultura crítica. Para isso,

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29

os docentes devem viver a aventura do conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo se querem provocar nas novas gerações o amor pelo saber e o respeito pela diversidade e pela criação; devem amar a democracia e se comprometer com suas exigências de compreensão compartilhada se querem criar um clima de relações solidárias e se pretendem construir a comunidade democrática de aprendizagem (GÓMEZ, 2001, p. 304).

Nos últimos anos, é possível notar significativas alterações na educação

superior. Conforme lembra Zabalza:

da massificação e progressiva heterogeneidade dos estudantes até a redução de investimentos; da nova cultura da qualidade a novos estudos e novas orientações na formação (...), incluindo a importante incorporação do mundo das novas tecnologias e do ensino a distância (2004, p. 22).

Isto remete à chegada de grupos de alunos cada vez mais heterogêneos –

como já foi dito –, à contratação massiva dos professores, às diferenças de status

dos diversos cursos e tipos de instituições, razão pela qual cada instituição de

educação superior tende a adaptar-se às novas demandas do mercado de trabalho,

melhorando seu sistema administrativo, organizando-se como propulsora do

desenvolvimento da comunidade na qual está inserida em consonância com o

cenário globalizado, para poder propiciar a seus alunos o desenvolvimento pessoal,

profissional – de conhecimentos e competências específicas – e uma visão ampla do

mercado de trabalho.

Conforme a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI:

Visão e Ação (UNESCO, 1999), a educação superior tem por missão educar, formar

e realizar pesquisas. Assim, torna-se espaço de educação e formação de pessoas

altamente qualificadas, de oportunidades de aprendizagem permanente, de

promoção e difusão de conhecimentos por meio da pesquisa, contribuindo para a

compreensão, interpretação, preservação e difusão das diferentes culturas e para o

desenvolvimento e melhoria da educação nos diversos níveis.

Em razão de tais objetivos, a educação superior precisa perseguir a qualidade

de seus serviços, qualidade a ser alcançada em função do pessoal, dos programas

oferecidos, da infra-estrutura e do ambiente interno e externo, além de sua gestão.

Essa qualidade é conseguida e aperfeiçoada à medida que se implanta uma cultura

da avaliação, em que se implementa um sistema baseado em condições primordiais

para que os alunos possam atingir/desenvolver seus objetivos pessoais em

harmonia com aqueles aos quais a instituição se propõe.

Page 31: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

30

Desse modo, obtém-se a qualidade graças à riqueza de seu capital humano

que, além de demonstrar níveis de aptidão e conhecimento para desempenhar suas

funções, tem comprometimento e detém valores éticos compatíveis com a qualidade

de sua pertinência social. Além desses requisitos, a qualidade também é aferida pela

riqueza e diversidade dos programas de curso, condicionada aos métodos

pedagógicos, qualidade dos alunos, respeitando-se o princípio do mérito para o

acesso, e, ainda, pela qualidade da infra-estrutura e do ambiente. Conforme a

Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada em 1998:

a pertinência do ensino superior deve ser vista essencialmente em função de seu papel e de seu lugar na sociedade, de sua missão em matéria de educação, de pesquisa e dos serviços que dela decorrem, assim como de suas ligações com o mundo do trabalho no sentido mais amplo, de suas relações com o Estado e com as fontes de financiamento públicas e de sua interação com os outros graus e formas de ensino (UNESCO, 1999, p. 129).

Nesse sentido, ser pertinente significa definir-se em termos de orientações de

política global de desenvolvimento, de modo que o econômico se coloque a serviço

do social; ser pertinente é estar em sintonia com as demandas do mercado de

trabalho, antevendo a necessidade de uma formação continuada, repensando e

adequando, dessa forma, os currículos; ser pertinente é estar em harmonia com a

cultura, construída no tempo e no espaço. Ou seja, ser pertinente é estar em

consonância com todos, concretizando o compromisso de uma educação para

todos, em todos os lugares e durante todo o tempo, viabilizando a flexibilidade e a

diversificação de formação no ensino superior. Enfim, ser pertinente é considerar

alunos e professores como sujeitos em formação, que precisam manter e atualizar

seus conhecimentos, visando ao desenvolvimento de habilidades e competências.

Ser pertinente, em termos de educação superior, implica, sobretudo, uma contínua

busca da democracia e da cidadania. Como afirma Durham (2003, p. 13): “A

democratização exige uma multiplicação de cursos e carreiras que tornam as

atividades de ensino extremamente complexas, exigindo um corpo docente

igualmente diversificado”.

Aquele lugar-comum, defendido por tantos pensadores e educadores, de que

a educação superior é sinônimo de pesquisa, torna-se, neste atual cenário, uma

afirmativa ideológica que mascara uma forma perversa de exclusão social, uma vez

que, segundo Durham (2003, p. 20), “o modelo único de ensino superior, que

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31

considera apenas universidades de pesquisa é intrinsecamente elitista e iníquo, pois

exclui a maior parte dos jovens do ensino superior público”, quando, na verdade, o

acesso à educação superior precisaria ser baseado “no mérito, capacidade,

esforços, perseverança e determinação mostradas por aqueles que buscam” (DIAS,

1999, p. 23), e não na reprodução de um sistema capitalista injusto que privilegia

poucos e exclui uma enorme maioria. Bem ao contrário disso, em se tratando de

educação superior, a melhor opção democrática e inclusiva seria “reafirmar a missão

central de formar e educar com uma visão de longo prazo (...), visando, ainda, ao

desenvolvimento pessoal e à contribuição dos indivíduos para o desenvolvimento

social e econômico, através da educação para a cidadania e a formação ao longo de

toda a vida” (UNESCO, 1999, p. 186).

São tendências apontadas desde a década de 90: a expansão do ensino

superior brasileiro; o crescimento mais acelerado no setor privado; a crescente

demanda por ensino superior, dada a universalização da educação básica; a

diversificação da oferta; e a interiorização da oferta de ensino superior.

Neste cenário instável da chamada Sociedade do Conhecimento, onde as

mudanças são velozes e contínuas, como lembram Castro e Tiezzi:

o sistema necessita se diversificar e se flexibilizar cada vez mais para receber e educar o grande número de alunos que demandarão acesso ao ensino superior. No caso do ensino público, é preciso buscar alternativas de financiamento e de flexibilização da gestão. No caso do setor privado, o maior entrave situa-se na dificuldade de pagamento das mensalidades pelos novos alunos egressos do ensino médio, cuja grande maioria apresenta perfil socioeconômico de renda mais baixa (2005, p. 119).

Nesse sentido, as instituições de educação superior, notadamente as

particulares, se inseridas numa racional política de financiamento e de fomento à

pesquisa e à extensão a ser desenvolvida, ampliada e otimizada pelos poderes

públicos competentes, representam a flexibilização e a democratização do acesso

ao ensino superior de pessoas que aspiram a uma condição de vida melhor, mais

digna e mais justa.

A sociedade contemporânea, vivendo drásticas mudanças a partir da

coexistência do movimento da globalização da economia, aliado ao aumento das

pequenas e médias empresas, à mudança dos movimentos de migração das forças

de trabalho, à demografia acelerada, ao desenvolvimento exponencial dos

conhecimentos científicos e à globalização e internacionalização da cultura, tem

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32

colocado as Instituições de Educação Superior diante de alguns paradoxos, tais

como:

a) a demanda crescente e a massificação do ensino;

b) a ampliação do acesso e a manutenção da exclusão;

c) a necessidade de se elevar o nível da educação;

d) o aumento da taxa de desemprego dos diplomados;

e) a necessidade de internacionalização dos programas e instrumentos de

formação;

f) o desenvolvimento e a subutilização das tecnologias;

g) o elevado número de professores pesquisadores e menor número de

pesquisas contextualizadas.

Assim, no cenário atual, diante de tais paradoxos, faz-se necessário pensar

na educação superior como parte de um sistema educacional mais amplo em um

país que, democraticamente, tem lutado pela cidadania. “O contexto global é hoje

fortemente dominado pela globalização neoliberal, mas não se reduz a ela. Há

espaço para articulações nacionais e globais baseadas na reciprocidade e no

benefício mútuo que no caso da universidade [instituições de educação superior],

recuperam e ampliam formas de internacionalismo de longa duração” (SANTOS,

2005a, p. 56). Por isso, é possível dizer que as instituições de educação superior se

apresentam como uma das principais instâncias que podem colaborar para a

construção de uma sociedade melhor, ou seja, têm “papel crucial na construção do

lugar do país num mundo polarizado entre globalizações contraditórias” (SANTOS,

2005a, p. 57).

Por essa razão, elas precisam estar diretamente associadas ao projeto global

de melhoria de toda a sociedade, orientando suas ações e decisões “em favor do

desenvolvimento sustentável, da construção e manutenção da paz, da eliminação da

pobreza e da exclusão” (DIAS, 1999, p.12).

1.1. Crises e desenvolvimento da educação superior

Diversos estudos revelam que as instituições de educação superior não

conseguem manter-se isoladas, neutras diante da realidade. Essa situação aponta,

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33

como diz Rodrigues (2004), para uma certa plasticidade institucional a fim de que

possa dar conta de suas diversificadas e contraditórias funções.

A universidade [instituição de educação superior] encontra-se hoje perante o desafio de conciliar interesses ambivalentes, conciliar interesses econômicos e de produção e divulgação de conhecimentos, conhecimentos produzidos pelas pesquisas mantidas por grupos financeiros, conciliar (ou atender?) os anseios de uma sociedade, da qual é parte constituinte (RODRIGUES, 2004, p. 136).

Esses desafios estão diretamente ligados às três contradições que

desencadeiam três crises, diretamente relacionadas, pelas quais passaram e

passam as instituições de educação superior. A primeira contradição – entre

conhecimentos exemplares e funcionais – nos remete à crise de hegemonia “sempre

que uma dada condição social deixa de ser considerada necessária, única e

exclusiva” (SANTOS, 2005b, p. 190). Aqui está a questão dos conhecimentos que a

instituição de educação superior, no caso das universidades, produzem e

transmitem. Esta crise surge no auge da industrialização, momento em que a

sociedade aponta para a necessidade da produção de conhecimentos técnicos,

diferentes daqueles produzidos no interior das universidades, conhecimentos

científicos formadores das elites. Aqui “descortina-se a possibilidade e legitimação

de outras formas de saber, de produção e de divulgação de conhecimento”

(RODRIGUES, 2004, p. 137), uma vez que vem à tona a necessidade de se pensar

na questão da articulação teoria/prática. Faz-se necessário, diante das

necessidades atuais, que a produção científica extrapole os muros da universidade e

aponte para o desenvolvimento de novas tecnologias, intensificando seu papel na

resolução dos problemas enfrentados pela comunidade.

A segunda contradição – entre a hierarquização e democratização dos

saberes – remete-nos à crise de legitimidade “sempre que uma dada condição social

deixa de ser consensualmente aceite” (SANTOS, 2005b, p. 190). Até o século XIX a

educação superior era exclusiva às elites, a partir dos movimentos populares

advindos do desenvolvimento industrial, democratiza-se, de certa forma, o acesso da

população. Nesse sentido, não pôde escapar “às pressões sociais: ela só é passível

de existir enquanto formada por e para os homens” (RODRIGUES, 2004, p. 140).

A terceira, e última contradição – entre autonomia institucional e produtividade

social –, nos remete à uma crise institucional “sempre que uma dada condição

Page 35: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

34

estável e auto-sustentada deixa de poder garantir os pressupostos que asseguram a

sua reprodução” (SANTOS, 2005b, p. 190). Na crise institucional está diretamente

em jogo a questão da autonomia universitária. Os fatores que estão ligados a essa

autonomia relacionam-se com a redução orçamentária, com os procedimentos de

avaliação interna e externa e com o produto que oferece aos seus usuários.

Mesmo diante dessas crises, o desenvolvimento da educação superior deve-

se aos êxitos da luta social pelo direito à educação, viabilizando o acesso, e aos

imperativos da economia que busca a qualificação da mão-de-obra. Associado a

isso, ao desenvolvimento das tecnologias e aos avanços das ciências, temos o

despontar da educação permanente. Educação permanente que precisa ir além do

atendimento ao “mercado permanente”, como ressalta Santos (2005a).

Diante desse desenvolvimento, vemos-nos também diante de três principais

fins da educação superior: a investigação, o ensino e a prestação de serviços, ou

como encontramos na Constituição de 1988, a pesquisa, o ensino e a extensão.

Sérgio Castanho (2002) nos diz que as instituições de educação superior

estão sempre confrontadas com seu entorno social, por isso estão sempre expostas

às crises marcadas pela criticidade e criatividade. Criticidade, enquanto possibilidade

de pensar as crises; criatividade, enquanto possibilidade de solucioná-las. Para

entendermos essas crises, faz-se necessário entendermos as origens dessas

instituições e o quanto elas ainda marcam as instituições atuais.

O Modelo Medieval, criado nos séculos XI e XII, cujo objetivo central voltava-

se para a conservação de um patrimônio de verdades (dado por revelação divina)

era constituído de uma comunidade de estudantes e docentes, de caráter

independente. “Eram universidades muito pequenas, de natureza privada e

administrada de forma autônoma pelos próprios membros da comunidade

universitária” (HORTALE e MORA, 2004, p. 938).

No início do século XIX, as universidades passam a ser subordinadas ao

Estado, sendo obrigadas a formar profissionais, para atender aos interesses da era

industrial. Dessa tendência, surgem dois modelos: o francês e o alemão. O Modelo

Imperial Napoleônico, datado de 1806, é tido como modelo da burguesia

revolucionária francesa, que elege a universidade como um centro de ensino e de

difusão do saber elaborado, formando funcionários públicos e promovendo

conseqüente desenvolvimento econômico da sociedade. Neste modelo, não há

autonomia universitária porque “tanto objetivos quanto o programa curricular são os

Page 36: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

35

mesmos em todo território nacional” (HORTALE e MORA, 2004, p. 939). Aparece

aqui o enfoque para as necessidades sociais, com ênfase nas ciências

experimentais. O segundo modelo, Idealista Alemão, é criado em meados de 1810.

A universidade passa a ser o reduto de pesquisadores, livres da pressão social, com

o objetivo de gerar conhecimento elevado, e o locus incumbido de resgatar os

valores nacionais. Esse conhecimento elevado era diretamente acessível à formação

da elite alemã, tendo como base teórica o idealismo.

O Modelo Inglês, de natureza privada, surge por volta de 1850 com o objetivo

central de difusão e extensão do saber, preparando a elite dirigente da sociedade.

Ainda figura como centro de ensino e guardião dos valores da tradição.

O Modelo Utilitarista Norte-Americano surge na segunda metade do século

XX, trazendo uma visão pela qual a universidade deve ser um ambiente democrático

e de educação liberal, como um sistema de ensino bem estruturado cujo

compromisso e obrigação é para com a República, ou seja, voltada ao bem comum

e não em benefício privado de alguns, devendo ser a difusora da lealdade,

cidadania, consciência e fé, centro do progresso que prepara para a ação. Traz em

seu bojo os princípios da Escola Nova, tendo como centro o sujeito ativo em busca

da autonomia.

O Modelo Democrático-Nacional-Participativo tem seu início após a Segunda

Grande Guerra Mundial. Mostra-se democrático porque se configura como espaço

da livre manifestação do espírito; nacional para que a cultura nacional se manifeste

e se produza em nível superior e participativo porque na prática formaria gerações

capazes de compreender, assumir e empreender as mudanças necessárias para o

desenvolvimento.

Finalmente o Modelo Neoliberal-Globalista-Plurimodal está em plena

emergência. Apresenta-se sintonizado com as alterações no processo produtivo e

formas de acumulação capitalista. Revela-se neoliberal por se orientar para o

mercado, globalista porque é o mundo que importa e plurimodal por assumir

diferentes formas, tantas quantas sejam as necessidades do mercado. “O momento

em que a emergência do modelo neoliberal-globalista-plurimodal de universidade se

caracterizou no Brasil foi o da aprovação da nova LDB, a lei 9394 de dezembro de

1996, e da copiosa legislação complementar, quer sob a forma de leis propriamente

ditas, quer sob a forma de decretos, resoluções e portarias” (SÉRGIO CASTANHO,

2002, p. 37). Aqui há uma tendência de flexibilização curricular a fim de adaptar os

Page 37: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

36

currículos às mudanças de perfis profissionais, como revelam estudos de Catani,

Oliveira e Dourado (2001); Cunha (2003); Trindade (2004); Dias (2003); Dourado

(2002).

É diante desses modelos de instituição de educação superior, principalmente

no século XX e início do século XXI, que vemos a passagem de uma instituição que

transita entre o conhecimento universitário e o conhecimento pluriversitário. Santos

(2005a, p. 40) nos diz que o primeiro é unilateral, se expressa pelo “conhecimento

científico produzido nas universidades ou instituições que detêm o mesmo ethos

universitário (...), os investigadores determinam os problemas científicos a resolver,

definem sua relevância e estabelecem metodologias e ritmos de pesquisa”. O

segundo, fruto do processo de mercantilização, se expressa por um “conhecimento

contextual, cujo princípio organizado é a aplicação que pode ser dada” (2005a, p.

41), ou seja, a partilha entre pesquisadores e utilizadores.

Dentro do quadro traçado, é preciso pensar sobre a atuação e qualificação do

profissional que, efetivamente, tem a tarefa de implementar, fazer acontecer cada

proposta deliberada pelas políticas educacionais: o professor. Demo nos diz que o

que define o professor

é a habilidade de aprender a aprender em seu campo profissional, seguida da habilidade de fazer o aluno aprender. (...) A rigor, quem não estuda, não tem aula para dar. Mais: quem não reconstrói conhecimento, não pode fazer o aluno reconstruir conhecimento. Para que o aluno pesquise e elabore, supõe-se professor que pesquise e elabore (2004, p. 72-73).

Considerando essas habilidades, o professor pode contribuir na constituição

de sujeitos capazes de história própria, fomentando a habilidade de reconstruir

conhecimento autonomamente.

Pensando a partir de uma concepção de escola voltada para a construção de

uma cidadania consciente e ativa, que oferece aos alunos bases culturais que

permitem posicionar-se frente às transformações em curso, incorporando-se na vida

produtiva e sócio-política, é que propomos pensar na atuação docente neste

trabalho. Dessa forma, não basta ao professor adquirir conhecimentos sobre seu

trabalho, é fundamental que saiba disponibilizá-los, transformando-os em ação. Para

isso, é preciso que toda sistematização teórica esteja articulada com o fazer e que

todo o fazer esteja articulado com a reflexão.

Page 38: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

37

Surge daí a necessidade de pensar em situações de aprendizagem focadas

em situações-problema ou no desenvolvimento de projetos que promovam a

interação/articulação dos diferentes conhecimentos.

Nesta ótica, organiza-se e legitima-se a passagem de um ensino centrado em

saberes disciplinares para um ensino definido pela produção de competências

verificáveis em situações e tarefas específicas. Essa noção de competência vem

disputar lugar com uma noção mais antiga de capacidade, ficando atrelada às

tarefas nas quais se materializam.

Esta capacidade de mobilizar recursos cognitivos para o enfrentamento de

situações diferenciadas insiste nos seguintes aspectos, conforme Perrenoud (2000):

as competências mobilizam, integram e organizam saberes, savoir-faire, atitudes, a

mobilização só é pertinente em situação, o exercício da competência passa por

esquemas de pensamento que permitem determinar e realizar uma ação adaptada à

situação e, finalmente, as competências profissionais são construídas na formação e

ao sabor da prática diária.

Vale a pena ressaltar que a visão de competência, principalmente nas

políticas educacionais a partir da última década, está vinculada à questão da

contextualização. Lopes (2002) nos chama a atenção do destaque que se tem dado

à educação para a vida associada aos princípios eficientistas, onde a dimensão

produtiva, do ponto de vista econômico, assume importância maior que a dimensão

cultural, baseada nos princípios de mercado nos países cujas políticas atendem às

aspirações neoliberais, que embasam o modelo neoliberal-globalista-plurimodal de

universidade. Nesse modelo,

Prevalece a restrição do processo educativo à formação para o trabalho e para a inserção social, desconsiderando sua relação com o processo de formação cultural mais amplo, capaz de conceber o mundo como possível de ser transformado em direção a relações sociais menos excludentes (LOPES, 2002, p. 395).

1.2. A instituição de educação superior e a atuação docente

Se concordarmos que ensinar deixou de ser “dar boas lições” para colocar os

alunos em situações que mobilizem e estimulem o saber fazer e o saber aprender,

de modo a dar sentido ao trabalho e ao saber, com o desenvolvimento dessas

competências, esperamos que o profissional encontre estratégias significativas de

Page 39: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

38

ação, analisando cada situação e escolhendo a resposta mais adequada, já que não

existe uma regra a ser seguida, apenas princípios norteadores que dão suporte à

prática docente.

Tendo em vista a formação e a atuação de professores, é preciso pensar

também no que faz o professor, ou seja, qual é sua tarefa, qual é seu trabalho e

quais condições de trabalho ele enfrenta.

É preciso ter claro que a educação que se faz na escola, ambiente de

trabalho do professor, é diferente da educação no sentido amplo. Codo e Menezes

dizem que a educação “começa em lugar nenhum, em qualquer lugar, em todos os

lugares, nunca termina. Jamais pode se considerar completa, acompanha cada

homem, cada mulher” (1999, p. 39). Porém, ao pensarmos na educação enquanto

responsabilidade de profissionais especializados, realizada em local específico,

funcionando em horários delimitados, impondo sua marca, através do uso de

uniforme e de determinados comportamentos, encontramos uma educação que “tem

dono, tem autor, tem começo e fim, tem critério, se mede em números, se avalia”

(CODO e MENEZES, 1999, p. 40). É esta a educação escolar.

Verifica-se, a partir desta última visão, a relação educação-trabalho, porque

educar torna-se “tarefa objetiva, finita, mensurável, tem seu lugar (a sala de aula),

seu tempo (a duração da aula) e sua medida (as provas)” (CODO e MENEZES,

1999, p. 40).

Considerando educar um “ato mágico e singelo de realizar uma síntese entre

o passado e o futuro, o ato de reconstruir os laços entre o passado e o futuro,

ensinar o que foi para reinventar e re-significar o que será” (CODO e MENEZES,

1999, p. 43), tem o professor – ser constituído historicamente – o trabalho de

reconstruir todo o passado e todo o futuro de seu aluno (também constituído

historicamente). É sua tarefa “retomar o passado, refazer os vínculos com o

presente, reorganizar o futuro” (CODO e MENEZES, 1999, p. 44). Esta tarefa é

produto do trabalho da educação, do ensino, do professor e dos profissionais da

educação. É pelo trabalho que se tem a chance de permanecer presente apesar de

si, que se corporiza a permanência do homem apesar dele mesmo. Por isso, o

trabalho do professor é um trabalho histórico, por ser o seu produto “o aluno

educado, a mudança social na sua expressão mais imediata” (CODO e MENEZES,

1999, p. 45). Sendo seu produto um outro ser (semelhante a ele mesmo), sendo

Page 40: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

39

seus meios de trabalho iniciados e completados numa relação social-histórica, torna-

se o afeto um componente tácito deste trabalho.

No que diz respeito ao trabalho docente na educação superior, de modo

geral, sempre se privilegiou o domínio do conhecimento específico e a experiência

profissional como requisitos básicos dos professores para um conseqüente

aprendizado dos alunos. Masetto (2005) nos alerta para a necessidade que emerge

do próprio contexto atual, de atravessarmos um momento de transição entre o

paradigma com ênfase no ensino para o paradigma com ênfase na aprendizagem.

Quer dizer, o trabalho docente precisa passar da centralidade no ensino para a

centralidade na aprendizagem, permitindo e fundamentando as inovações didático-

pedagógicas. E nós vamos mais além, procurando não polarizar: ou ensino ou

aprendizagem, mas levando em conta a relação dinâmica que permeia aluno-

professor-conhecimento.

A docência universitária voltada para o ensino tem se apoiado na organização

curricular que privilegia disciplinas conteudísticas e técnicas; num corpo docente

bem capacitado profissional e academicamente em sua área específica, sem

preocupação com a área pedagógica ou seu preparo para exercê-la; numa

metodologia que dê conta do cumprimento do programa das disciplinas. Quando o

foco é apenas o ensino, o professor assume a centralidade das ações: “é ele quem

transmite, quem comunica, quem orienta, quem instrui, quem mostra, quem dá a

última palavra, quem avalia, quem dá a nota” (MASETTO, 2005, p. 81). O aluno, por

sua vez, é um mero receptor de informações selecionadas previamente pelo

professor, sem possibilidade de questionamentos ou reelaborações.

Por outro lado, a centralidade na aprendizagem apóia-se no desenvolvimento

da pessoa, ou seja, no desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de suas

habilidades humanas e profissionais, de suas atitudes e valores relacionados à

atividade profissional. O foco na aprendizagem tem no aprendiz “o papel central de

sujeito que exerce as ações necessárias para que aconteça sua aprendizagem –

buscar as informações, trabalhá-las, produzir um conhecimento, adquirir habilidades,

mudar atitudes e adquirir valores” (MASETTO, 2005, p. 83). Essa aprendizagem se

realiza pela parceria, pelo contato com os outros, por isso o professor deixa de ser

transmissor para ser mediador pedagógico, aquele que orienta e dá suporte ao

processo de aprendizagem. Aqui, a docência universitária se apóia em uma

organização curricular que integra um conjunto de disciplinas e atividades voltadas

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40

para a formação do profissional; num corpo docente qualificado em sua área

profissional, pesquisador em sua área de conhecimento e participante de formação

continuada no âmbito de seu desenvolvimento pedagógico; a metodologia utiliza-se

de atividades participativas e variadas, ampliando o espaço da sala de aula, e os

processos avaliativos funcionam como feedback que motivam a aprendizagem. Aqui

o professor, gestor do processo de ensino-aprendizagem, não pode desvincular-se

das características de seu papel profissional:

o de organizador do espaço da sala de aula; o de conhecedor dos objetivos e dos conteúdos da disciplina com a qual trabalha; o de responsável pelas técnicas mais adequadas para o correto desenvolvimento dos trabalhos didáticos; o de avaliador continuado de todo esse processo (VASCONCELOS, 2005, p. 61).

Esse professor traz em sua atuação docente o diálogo e o comprometimento.

Diálogo que permite a oposição de idéias e estabelece comunicação efetiva.

Comprometimento com sua responsabilidade de educador, de formador, que não se

exime “de sua tarefa de organizador dos trabalhos a serem desenvolvidos em sala

de aula, deixando tal tarefa ao sabor da própria turma” (VASCONCELOS, 2005, p.

65).

Essa mudança de paradigma – do ensino para a aprendizagem – passa a

exigir do professor capacitação própria e específica: formação acadêmica sólida,

experiência profissional e competência pedagógica.

É este conjunto de fatores que desenvolve no professor habilidades

fundamentais para o exercício profissional. Cunha (2004a) constata algumas

habilidades de um bom professor: explicitar para os alunos o objetivo do estudo que

vão realizar; localizar historicamente o conteúdo a ser trabalhado; estabelecer

relações entre os conteúdos trabalhados e as demais áreas do saber; apresentar ou

escrever o roteiro da aula; incentivar a participação dos alunos via formulação de

perguntas; usar palavras positivas frente às respostas dos alunos; tornar

compreensível o conhecimento que põe em disponibilidade para os alunos; usar

corretamente diferentes recursos tecnológicos; movimentar-se adequadamente no

espaço de sala aula a fim de prender e verificar a atenção dos alunos; estimular a

divergência e a criatividade dos alunos; apresentar clareza nas explicações e

orientações, fazendo uso de terminologia adequada; utilizar certa dose de senso de

humor; mostrar seriedade e compromisso com sua tarefa profissional.

Page 42: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

41

Essas habilidades estão diretamente ligadas às possibilidades de reflexão

crítica sobre os conceitos que envolvem a ação docente, sobre os cenários em que a

ação docente se materializa, sobre sua própria ação docente e a ação docente de

seus pares. Alarcão nos diz que “o desenvolvimento do espírito crítico faz-se no

diálogo, no confronto de idéias e de práticas, na capacidade de se ouvir a si próprio

[e o outro] e de se autocriticar” (2004, p. 32). Para isso precisa ser “professor

reflexivo numa comunidade profissional reflexiva” (2004, p. 32).

Foi a partir desses estudos, reflexões e inquietações docentes que, enquanto

coordenadora pedagógica, pensei na possibilidade de ampliar os

sentidos/significados da prática docente através do encontro de um grupo de

professores que, mediados por mim, se reuniu para refletir sobre a prática docente.

Page 43: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

42

Capítulo 2

O DOCENTE: SUJEITO APRENDENTE

Dança de Roda – Cândido Portinari

Desenho a grafite, crayon, crayon colorido, sanguínea e sépia/cartão 35.5 x 35.5 cm (aproximadas)

Rio de Janeiro, RJ Assinada no canto inferior esquerdo "Portinari"

Datada na inscrição no canto inferior esquerdo “Paz O.N.U. VI-55”

É na “dança de roda” do cotidiano, ao lado de seus pares, na harmonia dos

passos, que vemos o docente, sujeito aprendente.

Page 44: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

43

A formação do educador é um processo, acontecendo no interior das condições históricas que ele mesmo vive. Faz parte de uma realidade concreta determinada, que não é estática e definitiva. É uma realidade que se faz no cotidiano. Por isso, é importante que este cotidiano seja desvendado. O retorno permanente da reflexão sobre a sua caminhada como educando e como educador é que pode fazer avançar o seu fazer pedagógico (CUNHA, 2004).

A expansão da educação superior, a partir da década de noventa, tem levado

um público bastante heterogêneo, em idade, experiência, condições

socioeconômicas e culturais, para a sala de aula, sobretudo nas instituições de

caráter privado. A Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI

aponta para a necessidade de desenvolver novas competências, novos

conhecimentos e novos ideais, gerando demanda e diversificação da educação

superior em função do desenvolvimento sociocultural e econômico. Em função disso,

os docentes se vêem diante de uma nova situação e da necessidade de melhorar

suas práticas e assim contribuírem para o desenvolvimento da qualidade educativa.

Tavares (2000) afirma que o sucesso acadêmico na educação superior se dá

em torno de quatro eixos: o aluno, o professor, o currículo e a instituição que têm

como pano de fundo as ideologias, os valores e os preconceitos vigentes. Dentre

esses quatro eixos, tem papel destacado o professor. Por ser ele o vínculo direto

com o aluno – é pelas suas aulas que se materializa ou não o projeto institucional.

Por isso é que nele e nas suas práticas e formação, é que deteremos nossa atenção

uma vez que a melhora das práticas de ensino-aprendizagem concentra-se no

esforço formativo dos professores.

Mas quem é o professor da educação superior? Ele

trabalha em diferentes tipos de instituição, desenvolve nelas atividades que se qualificam de diferentes formas, enfrenta tensões das mais variadas, seja com os pares da mesma ou de diferentes áreas, é um profissional não necessariamente somente da universidade e mostra diferentes relações com o conhecimento, seja para produzi-lo ou para disseminá-lo. Caracteriza-se pela diversidade, pela pluralidade de opções, caminhos, alternativas, interesses e tensões (FRANCO, 2000, p. 63).

Atualmente, há certa unanimidade quando se fala do papel social do

professor. Numa perspectiva mais focada na aprendizagem, o papel social do

professor é o de orientador, o do formador de seus alunos. Aquele que se apresenta

como sujeito de sua ação. Aquele que precisa ter objetivos claros da sua função a

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44

fim de conscientizar seus alunos da importância da apropriação de um saber

sistematizado e significativo e da construção de valores como meios para sua

emancipação enquanto cidadãos.

Não é mais possível associar a docência à vocação, ao amor, à abnegação, à

doação e à missão, vinculando “o ensino como transferência de informação e a

aprendizagem, como o recebimento, a armazenagem e a digestão de informações”

(SCHÖN, 2000, p. 226). Para ser professor, cumprindo seu papel social, não basta

gostar de ensinar e dominar conhecimentos específicos de determinada área e

algumas habilidades técnicas. É preciso algo mais, é preciso, como diz Shulman

(1987), um conjunto de conhecimentos articulados e colocados em ação. Na

verdade, Shulman coloca o trabalho docente em bases cognitivas, vislumbrando e

materializando a docência enquanto atividade e profissão.

Como os conhecimentos estão em constante processo de transformação e

evolução, faz-se necessário pensar em processos continuados de formação e

profissionalização docente.

Cunha (2004a), na epígrafe que introduz este capítulo, defende uma prática

docente construída, no decorrer do tempo, por sujeitos aprendentes, aí incluindo

professor e aluno, ambos atuando em um processo inter-recorrente como educador

e, simultaneamente, educando. Em outras palavras, o que a autora defende é a

contínua “re-flexão” (o voltar-se sobre), seu próprio processo de aprendizagem

enquanto educa, processo este complexo, inacabado, em aberto e em progresso.

Somente desse modo, ao refletir criticamente sobre sua caminhada como educador

e procurando autocorrigir-se é que o professor poderá gradativamente aprimorar-se.

Em relação a isso é preciso destacar a concepção de Freire (1993), que já

dizia sermos seres inconclusos, que à nossa aprendizagem sempre há coisas para

acrescentar. Assim, nós professores precisamos abrir caminhos para que, junto com

nossos pares e nossos alunos façamos a leitura de mundo, revelando a inteligência

do mundo que está cultural e socialmente se constituindo. Precisamos realmente

estar no mundo, afinal,

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível. É na

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45

inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente (FREIRE, 2000, p. 64).

Em função dessa aprendizagem contínua, diversos estudos (Huet, 2005;

Foerste, 2005; Marcelo García, 2005; Camargo e Hage, 2004; Lucarrelli, 2004; Silva,

2004; Zabalza, 2004; Tavares e Sena, 2004; Tavares, 2003; Rego, 2003; Masetto,

2003; Silva, 2003; Rosa, 2002; Pacheco, 2002; Trindade, 2002; Tavares, 2002;

Pimenta e Anastasiou, 2002; Ponte, 2002; Medeiros, 2002; Cabral, 2002; Brzezinski,

2002; Tavares e Huet, 2001; Alarcão, 2000 e 2005; Gonçalves, 2000; Bessa e

Tavares, 2000; Santiago, 2000; Sá-Chaves, 2000; Morosini, 2000; Isaia, 2000;

Cunha, 2000; Leite, 2000; Franco, 2000; Grillo, 2000) têm apontado para a

necessidade de se olhar atentamente para os professores, mais especificamente

para sua formação e prática docente, enquanto um dos atores responsáveis pelo

sucesso acadêmico dos alunos e da instituição de educação superior.

Essa visão aponta para uma mudança de prática docente pautada na

racionalidade técnica, baseada na instrução, para uma prática pautada na

racionalidade prática, na qual o professor é chamado a ser autor das estratégias

pedagógicas.

A atividade docente pautada na racionalidade prática supõe a existência de

um professor reflexivo que examina freqüentemente os resultados de suas ações,

quer do ponto de vista pessoal, acadêmico ou sócio-político, que precisa

estar atento aos padrões de fenômenos, ser capaz de descrever o que observa, estar inclinado a propor modelos ousados e, às vezes, radicalmente simplificados de experiência e ser engenhoso ao propor formas de testá-los que sejam compatíveis com os limites de um ambiente de ação (SCHÖN, 2000, p. 234).

Gómez (1992, p. 95-96) observa que o professor é “um profissional

responsável pela natureza e qualidade do quotidiano educativo na sala de aula e na

escola”, por isso não podemos esquecer que esta formação esteve e está

diretamente ligada e determinada pelos “conceitos de escola, ensino e currículo

prevalecentes em cada época”. É por conta disso que, em diferentes momentos, o

professor pôde e pode ser chamado de “transmissor de conhecimentos, técnico,

executor de rotinas, planificador, sujeito que toma decisões ou resolve problemas

(...) investigador na sala de aula, profissional clínico, prático-reflexivo”.

Page 47: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

46

O professor, enquanto técnico, tem em sua trajetória de formação as

instituições que se apóiam no modelo de ‘racionalidade técnica’, onde a resolução

de problemas colocados pela prática está relacionada ao domínio e à aplicação de

teorias científicas. Em instituições que acreditam que

a investigação acadêmica contribui para o desenvolvimento de conhecimentos profissionais úteis. (...) Que o conhecimento profissional ensinado prepara o aluno-mestre para os problemas e exigências do mundo real da sala de aula. (...) A ligação hierárquica e linear que se estabelece entre o conhecimento científico e as suas aplicações técnicas tende a criar uma relação linear entre as tarefas de ensino e os processos de aprendizagem (GÓMEZ, 1992, p. 107-108).

Em decorrência dessa formação, sua atividade é “instrumental, dirigida para a

solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas

científicas” (GÓMEZ, 1992, p. 96), seguindo uma racionalidade técnica. Essa prática

revela uma formação, linear e simplista, baseada na ciência comum e básica,

seguida das ciências aplicadas para o desenvolvimento das competências, no

ensino visto como ‘intervenção tecnológica’. Aqui, se procuram elementos que

regulem a intervenção do professor, neste caso, o conhecimento do conteúdo a ser

ensinado, ou seja, o conhecimento científico-cultural e o conhecimento

psicopedagógico, que deverá dar condições para a atuação prática – o

conhecimento das técnicas de ensino.

A racionalidade técnica se mostra como uma

epistemologia da prática derivada da filosofia positivista. (...) Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico (SCHÖN, 2000, p. 14).

Essa perspectiva acaba por defender, simplesmente, a aplicação do

conhecimento e do método científico, ou seja, uma racionalidade instrumental. Essa

posição, porém, se depara com situações do mundo real que freqüentemente são

complexas, singulares e imprevisíveis, não apresentando estruturas bem-delineadas,

mas caóticas e indeterminadas. E, como continua Schön (2000, p. 17),

o caso não está no manual. Se ele [o profissional] quiser tratá-lo de forma competente, deve fazê-lo através de um tipo de improvisação, inventando e testando estratégias situacionais que ele mesmo produz. (...) Quando um profissional reconhece uma situação como única não pode lidar com ela

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47

apenas aplicando técnicas derivadas da sua bagagem de conhecimento profissional.

Nessa mesma direção, é necessário refletirmos sobre as limitações da

racionalidade técnica, pois

A realidade social não se deixa encaixar em esquemas preestabelecidos do tipo taxonômico ou processual. A tecnologia educativa não pode continuar a lutar contra as características, cada vez mais evidentes, dos fenômenos práticos: complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores (GÓMEZ, 1992, p. 99).

Isto significa dizer que a realidade é ímpar, que os sujeitos dessa realidade

são singulares, que as relações estabelecidas é que darão significado e corpo à

ação educativa do professor. Além disso, não “existe uma teoria científica única e

objetiva” (GÓMEZ, 1992, p. 100) que, sozinha, dê conta dos meios, regras e

técnicas a serem implementados na prática, pois a realidade não se encaixa em

padrões pré-determinados.

Instituições formadoras do professor reflexivo têm como eixo central do

currículo a prática enquanto “lugar de aprendizagem e construção do pensamento

prático do professor” (GÓMEZ, 1992, p. 110). A prática se dá num equilíbrio entre a

realidade e a simulação na qual o futuro professor “observa, analisa, atua e reflete

sem a inteira responsabilidade do prático sobre os efeitos geralmente irreversíveis

de suas ações” (GÓMEZ, 1992, p. 111).

Com essa formação, o professor tenta, de certo modo, romper com a

linearidade entre conhecimento científico-técnico e prática educativa. Isso ocorre à

medida que se torna expectador de sua própria prática, analisando-a através do

conhecimento científico, levando em conta a singularidade sócio-histórica vivida por

ele e pelos seus alunos. Além disso, em suas reflexões, não pode deixar de

relacionar e integrar, de forma criativa e inovadora, o conhecimento, a técnica e a

prática. Para que isso se concretize, faz-se necessário colocar em exercício sua

capacidade de recolher os dados e interpretá-los, pensando na intencionalidade e

nas conseqüências do trabalho educativo desenvolvido e a possível aplicação dos

resultados no futuro.

Além disso, os processos de reforma do sistema educacional, na perspectiva

organizativa e curricular, introduzem também novas concepções do professor e da

atividade docente.

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48

Os elementos constitutivos da profissão docente – a saber: formação acadêmica, conceitos, conteúdos específicos, ideal, objetivos, regulamentação, código de ética – têm características próprias que constituem a formação inicial, se ela ocorresse. Como ela não ocorre, esses aspectos devem ser considerados nos processos de profissionalização continuada (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 107).

Nóvoa (1992) apresenta textos e autores que revelam possibilidades para

pensarmos e compreendermos o trabalho do professor, bem como sua formação. As

idéias de Nóvoa encontraram eco e, de certa forma, legitimam estudos sobre a

constituição do professor. Muitos desses estudos apontam

a importância da formação profissional atentar para a prática como referência para compreendê-la e (re)construí-la; a relevância do descrever e compreender o cotidiano da escola pública típica; a necessária associação ensino/pesquisa na formação inicial; o respeito aos saberes dos professores e das professoras produzidos em seu trabalho; a necessidade de construir caminhos coletivos na escola pública (GERALDI, MESSIAS e GUERRA, 1998, p. 241).

Enfim, mostram novas perspectivas para pensarmos a formação docente,

quer seja inicial ou continuada, quer levando em conta o compromisso com as

tradições acadêmicas, de eficácia social, desenvolvimentista e reconstrucionista

social, a partir das idéias de Zeichner (1993).

Ao falarmos de professor reflexivo, torna-se necessário pensarmos se

consideramos a palavra ‘reflexivo’ como conceito ou adjetivo. Se caminharmos na

vertente da natureza humana, podemos dizer que é adjetivo afinal, ser reflexivo é um

ponto que nos diferencia dos outros animais, queiramos nós ou não. Numa outra

vertente, que envolve a formação docente, ser reflexivo é conceitual, é formativo,

envolve um ‘olhar para si, para a própria prática profissional’. É pela busca da

formação do professor reflexivo, que nos últimos anos as instituições formadoras

têm procurado currículos e estratégias que, de certa forma, acertando e errando,

oportunizam o desenvolvimento da capacidade de refletir de modo sistematizado.

O homem pensa de várias maneiras, mas a melhor delas é o ‘pensamento

reflexivo’, isto é “examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e

consecutiva” (DEWEY, 19795, p. 13). Esse tipo de pensamento traz em si um

propósito, tende a uma conclusão, fruto de esforço consciente e voluntário do

5 Ressaltamos que essas idéias de Dewey, expressas na edição de 1979, foram escritas em 1933, ano de publicação da 1ª edição da obra “Como pensamos”.

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49

sujeito. Surge de um estado de dúvida, hesitação, perplexidade e se consolida num

ato de pesquisa, procura que esclareça a dúvida, a hesitação, a perplexidade.

A capacidade de pensar reflexivamente “nos emancipa da ação unicamente

impulsiva e rotineira” (DEWEY, 1979, p. 26), fazendo-nos dirigirmos nossas

atividades com previsão, planejando conforme nossos propósitos. Enfim, pode tornar

a ação inteligente.

Para pensar é preciso ter o espírito aberto (livre de preconceitos e de

partidarismos), entregar-se de coração (em total disposição e desprendimento) e

responsabilidade intelectual (que assegura consistência e harmonia).

O pensar é uma ação aprendida e, enquanto tal, é preciso exercitar o hábito

de refletir. Levando isso para o âmbito escolar “o único meio de fazer que os alunos

aprendam mais é ensinar verdadeiramente, mais e melhor. Aprender é próprio do

aluno: só ele aprende, e por si; portanto a iniciativa lhe cabe. O professor é um guia,

um diretor; pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve partir dos que

aprendem” (DEWEY, 1979, p. 26).

O ato de pensar reflexivamente traz em si a curiosidade, a sugestão e a

ordem. É a curiosidade o ingrediente primário do ato de pensar, converte-se em

intelectual à medida que se manifesta o desejo de descobrir, “se relaciona com a

aquisição de materiais para o pensamento” (DEWEY, 1979, p. 59), é um impulso

interno. A sugestão vem de nossa experiência passada, dando “maleabilidade e

pujança de pensamento” (DEWEY, 1979, p. 59). A ordem é o encadeamento de

sugestões, uma seqüência ordenada que leva à conclusão, “se relaciona com a

formação das capacidades intelectuais de consecutividade” (DEWEY, 1979, p. 59).

Pensamento é, ao mesmo tempo, produto e processo, forma lógica e

processo existente. O pensar reflexivo vem acompanhado da lógica, que dá ao

pensamento “ordem, consecutividade, no que diz e faz; que os meios por ele

empregados são bem calculados para alcançar o fim em mente” (DEWEY, 1979, p.

83). Nesse sentido, podemos dizer que a pessoa que pensa reflexivamente é lógica,

cautelosa, olha em torno, compara, delibera, pesquisa, inspeciona, examina, sonda

para verificar, investiga as relações, é meticulosa, segue um curso ordenado.

Em termos educacionais, o pensamento reflexivo pode fazer com que a

prática não seja mecânica, rotineira, cega e arbitrária. A educação, vinculada ao

cultivo da atitude do pensar reflexivo “abrange a formação de atitudes práticas de

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50

eficiência, o robustecimento e desenvolvimento de disposições morais, o cultivo de

apreciações estéticas” (DEWEY, 1979, p. 85).

O pensamento reflexivo pauta-se na disciplina e na liberdade. Entendendo

disciplina como positiva e construtiva, poder de controle dos meios necessários para

atingir os objetivos, e liberdade como poder de agir independente de tutela exterior.

Faz parte desse pensamento a inferência, o núcleo da ação inteligente. A inferência

justificada, corroborada e verificada revela “um salto para a conclusão sugerida e

experimenta a sugestão a fim de determinar a sua conformidade com as exigências

da situação” (DEWEY, 1979, p. 103).

Ao falarmos de pensamento reflexivo é preciso ter clareza da função da

reflexão. A função da reflexão “é criar uma nova situação em que a dificuldade se

ache resolvida, a confusão esclarecida, a perturbação aliviada, a questão proposta

resolvida” (DEWEY, 1979, p. 105). Conseqüentemente, a função do pensamento

reflexivo é “transformar uma situação de obscuridade, dúvida, conflito, distúrbio de

algum gênero, numa situação clara, coerente, assentada, harmônica” (DEWEY,

1979, p. 105-106).

O pensamento se vê entre dois limites: no início uma situação perturbadora,

pré-reflexiva e no final uma situação esclarecida, pós-reflexiva. É possível dizer que,

entre esses limites, o pensamento reflexivo apresenta os seguintes estados: uma

necessidade sentida, evocada pelas sugestões; uma intelectualização da

necessidade sentida, a análise da dificuldade, a problematização; o levantamento de

hipótese, as possíveis alternativas de solução do problema; a elaboração mental da

idéia/suposição, a experimentação de várias soluções; a verificação da hipótese, a

ação como prova final para a solução proposta. Esses estados não apresentam

seqüência fixa. É a sensibilidade intelectual do indivíduo, o determinante da melhor

maneira de funcionamento das fases do pensamento, à medida que abrange uma

visão do futuro, tendo como referência o passado.

O processo do pensamento consiste numa série de juízos que se formulam

como unidade da ação reflexiva. É pelo juízo que é possível “selecionar e pesar as

conseqüências dos fatos e das sugestões como se apresentam, bem como decidir

se os fatos alegados são realmente fatos e se a idéia em uso é uma idéia boa ou

simplesmente uma fantasia” (DEWEY, 1979, p. 123). O juízo é marcado por três

trações: uma controvérsia, um processo que define e elabora as pretensões e uma

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51

decisão final. Apresenta como funções a análise (o esclarecimento) e a síntese (a

reunião).

Nessa lógica do pensamento, a formação continuada aqui proposta passa a

ser entendida como processo de reconstrução e reconstituição da experiência, um

processo de melhoria permanente do desenvolvimento individual e coletivo dos

professores. Aqui se encontra “o valor epistemológico da prática e revaloriza o

conhecimento que brota da prática inteligente e reflectida” (ALARCÃO, 2005, p. 17),

possibilitando respostas para questões que se apresentam através da criação e

valorização de novos saberes produzidos coletivamente.

Pimenta (2002) traz para um debate sua posição frente a alguns autores que

tratam da formação de professores reflexivos. Ao falar de Schön, alerta-nos para o

fato de não cairmos numa reflexão reducionista, que ignore o contexto educacional e

o coletivo, que esteja vinculada a um treinamento, como se a reflexão, por si só,

superasse “os problemas cotidianos vividos na prática docente, tendo em conta suas

diversas dimensões” (2002, p. 23). É preciso considerar que o saber docente é

formado pela prática, mas nutrido pelas teorias da educação, é um saber que vai

sendo objetivado à medida que é construído. Ao trazer Pérez-Gómez, destaca a

“necessidade da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobre a

prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos,

considerando o ensino como prática social concreta” (2002, p. 24). Isso se dá porque

partimos do pressuposto de que a reflexão implica num voltar-se ao mundo da

própria existência, impregnado de valores, representações simbólicas, afetividade,

interesses sociais e políticos. Ao trazer Contreras, aponta para uma “análise crítica

da epistemologia da prática” (2002, p. 24) por ser esta vinculada a uma sociedade

pluralista, aos saberes plurais. Ao trazer Stenhouse, com sua concepção de

professor investigador, alerta-nos para o fato da não inclusão da “crítica ao contexto

social em que se dá a ação educativa” (2002, p. 24) pelo fato da investigação estar

ligada aos problemas pedagógicos, desconsiderando, muitas vezes, a influência da

realidade social.

Para Pimenta (2002) a questão da reflexividade encontra terreno fértil no

campo de formação docente; para Libâneo (2002) encontra um terreno oscilante.

Nesse sentido, ambos revelam que a reflexividade permeia as discussões e

propostas de formação docente.

Page 53: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

52

Além disso, é preciso considerar que a atividade docente se realiza em ações

práticas, exige fundamentação teórica e produz dados tangíveis. Por isso requer

reflexão teórico-prática permanente que se faz num triplo diálogo: consigo mesmo,

com os outros que construíram conhecimentos que nos são referência e com a

situação vivenciada (ALARCÃO, 2004). É recomendável que esse diálogo não se dê

num nível meramente descritivo, mas que atinja um nível explicativo e crítico. Nessa

perspectiva, é possível perceber que o professor também está na escola para

aprender; o professor incorpora o que aprendeu ao seu repertório, realiza a

transposição didática na sua vida prática, ensinando; o aluno aprende, incorpora o

que aprendeu aos conhecimentos que já possui e os mobiliza quando necessita em

sua vida prática conhecendo, convivendo e sendo.

Geraldi, Messias e Guerra (1998) chamam nossa atenção para a questão da

reflexão, que precisa ser vista como ato dialógico e não individual e como uma das

dimensões do trabalho pedagógico vinculado às condições de produção desse

trabalho que surge como uma reação ao tecnicismo e como forma de rompimento

com a tradição de que o conhecimento válido é o produzido na academia. Reflexão é,

portanto, um conceito usado para se referir às tendências atuais da formação de

professores. Para caracterizar essa nova concepção, diversos temas são usados por

diversos autores: prática reflexiva, formação de professores orientada para a

indagação, reflexão-na-ação, o professor como controlador de si mesmo, professores

reflexivos, professores adaptativos, investigador, cientista aplicado, professores como

pedagogos radicais, como artesãos políticos, como acadêmico.

A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo e sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos. (...) A reflexão é um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital (GÓMEZ, 1992, p. 103).

Nesse sentido, para nos transformarmos em professor prático é necessário

fazermos uso do pensamento prático, constituir uma nova epistemologia da prática,

que precisa ser aprendida. Isso se dá quando há a integração de três

processos/conceitos, descritos por Schön (1992), complementares entre si:

‘conhecimento-na-ação’, ‘reflexão-na-ação’ e ‘reflexão sobre a ação e sobre a

reflexão-na-ação’.

Page 54: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

53

O conhecimento-na-ação é tácito, refere-se aos conhecimentos revelados em

nossas ações, no saber fazer. Toda ação inteligente manifesta um tipo de

conhecimento que é fruto de construções anteriores. É um conhecimento implícito

que se manifesta na ação bem desempenhada. Para seu desenvolvimento

profissional, é de fundamental importância que o professor consiga descrevê-lo e

fale sobre ele. Isso é possível à medida que o professor assume uma atitude de

expectador de sua ação docente e tenta visualizar os conhecimentos que estão

subjacentes. Vale lembrar que, assim como a ação docente é dinâmica, esse

conhecimento-na-ação também é dinâmico, uma vez que é produto da reformulação

da própria ação.

A reflexão-na-ação acompanha a ação, pressupondo uma ‘conversa’ com ela.

A reflexão ocorre durante a ação sem que ela seja interrompida, embora em

instantes possamos reorientá-la. Pode ser considerada “o primeiro espaço de

confrontação empírica com a realidade problemática, a partir de um conjunto de

esquemas teóricos e de convicções implícitas do profissional” (GÓMEZ, 1992, p.

104). A reflexão-na-ação pode ser considerada um dos melhores instrumentos de

aprendizagem quando o professor se mostra flexível e aberto ao complexo contexto

das interações que permeiam a prática docente.

A reflexão sobre a ação supõe um distanciamento da ação. A ação é

reconstruída mentalmente a fim de que sejam analisadas suas características e seus

processos. Para isso, é necessário lançar mão do conhecimento para descrever,

analisar e avaliar.

Ao longo de sua história, a escola tem apresentado conteúdos e habilidades

como saberes legítimos, de validade universal e, muitas vezes, não questionados.

Isto revela uma concepção de ensino-aprendizagem centrada na reprodução, na

imposição unilateral. Esta escola é marcada por uma burocracia que “divide o tempo

em unidades didácticas e divide o espaço em salas de aula separadas que

representam níveis” (SCHÖN, 1992, p. 87).

Porém, se o conhecimento do que acontece dentro da escola torna-se

condição importante para aprimorarmos nossa prática docente, com vistas à sua

transformação, ao seu vir a ser, será necessário enfrentarmos o “conflito entre o

saber escolar e a reflexão-na-acção dos professores e alunos” (SCHÖN, 1992, p.

80). Isso exige do professor uma postura marcada pela curiosidade, pelo saber

ouvir, pelo surpreender-se com os processos e os resultados dos alunos ao

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54

realizarem uma atividade, pelo olhar à singularidade do aluno. Exige também que

ele olhe, de forma intencional e retrospectiva, e reflita “sobre a reflexão-na-ação” ou

seja, “pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na

eventual adopção de outros sentidos” (SCHÖN, 1992, p. 83).

Estas duas visões, a que regula a sistemática da escola e a outra que prevê

sua transformação, provocam no professor reflexivo uma espécie de conflito que o

leva a uma prática capaz de integrar o contexto institucional e sua representação de

aluno, de escola e do próprio papel profissional. É nessa prática que o aluno poderá

vivenciar, de fato, momentos de diálogos e de aprender fazendo, mesmo que por

imitação6.

Essa postura reflexiva exige do professor abertura da mente,

responsabilidade, dedicação e a percepção de que é um sujeito falível, mas que a

partir de sua reflexão é que constrói e aperfeiçoa a base epistemológica que dá

suporte à sua prática.

Schön (1992) nos diz que o professor possui uma experiência, um

conhecimento prático espontâneo e, à medida que questiona essa vivência, reflete

sobre a ação a fim de reorientá-la. Ao pensar em sua ação, passa à reflexão da

ação, interpretando-a e assim criando novas alternativas de ação, ou seja,

ressignificando-a. Essa reflexão é possível quando o sujeito, o professor, tem uma

base de conhecimentos (práticos e científicos) sobre os quais pode refletir. Esse

pensamento reflexivo exige capacidade de interpretação, compreensão do outro e

capacidade de questionamento.

Esses processos encadeiam-se quando, retrospectivamente, os professores

têm oportunidade de analisar o ensino e a aprendizagem, reconstruindo os

conhecimentos, os sentimentos e as ações. É nesse refletir sobre a ação que está a

possibilidade de promover a ampliação de sentidos e significados à prática docente,

uma vez que permite ao professor olhar para o seu fazer enquanto expectador de

sua ação, para os resultados que ela produz em seus alunos, para os conflitos que

enfrenta – tomando consciência da ação, tornando-a inteligível e pensando no que

faz. Além disso, podem levar o professor a progredir em seu desenvolvimento

profissional e a construir uma forma pessoal, singular e sistematizada de conhecer,

6 Vale ressaltar que a imitação apresenta-se carregada da subjetividade e singularidade de quem imita, de quem incorpora na sua ação traços que não são apenas seus, porém construídos na coletividade.

Page 56: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

55

ajudando-o a delinear futuras ações, a compreender futuras situações a serem

enfrentadas ou a descobrir novas soluções. Sendo assim,

O reconhecimento e a posterior resolução dos problemas de ensino supõem refletir sobre o que acontece, utilizando um marco de referência que lhe dê um ângulo de observação do que está ocorrendo em suas classes (BIGGS, 2005, p. 27).

Nesse sentido, o conhecimento e a conscientização reflexiva do que acontece

dentro da escola tornam-se condições importantes para nos apropriarmos dela, com

vistas à sua transformação, ao seu vir a ser. Assim, nossa competência de professor

reflexivo, de alguém que toma decisões e resolve problemas, ou torna-se visível à

medida que o domínio do conteúdo, do saber escolar e dos métodos adequados

para trabalhá-los, é favorável aos alunos que não apresentam as precondições

idealmente estabelecidas para sua aprendizagem.

Quando o professor reflete na e sobre a ação converte-se num investigador na sala de aula: afastado da racionalidade instrumental, o professor não depende das técnicas, regras e receitas derivadas de uma teoria externa, nem das descrições curriculares impostas do exterior para a administração ou pelo esquema preestabelecido no manual escolar (GÓMEZ, 1992, p. 106).

Ao se considerar a atividade docente como ato político, a reflexividade do

professor ganha espaço e significado, impedindo uma “apropriação generalizada e

banalizada e mesmo técnica da perspectiva da reflexão” (PIMENTA, 2002, p. 25).

Isso dá força a um movimento que revela a atuação docente numa perspectiva

emancipatória.

Pimenta (2002) ainda nos diz que para compreender esse movimento é

preciso ter em mente o que se entende por teoria e seu papel na reflexão:

oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os [e que a reflexão é um ato coletivo que incorpora a idéia de professores como intelectuais críticos e transformadores] (2002, p. 26).

Libâneo, por sua vez, coloca a reflexividade enquanto auto-análise,

“capacidade racional de indivíduos e grupos humanos de pensar sobre si próprios”

(2002, p. 56). Aponta três significados distintos para a reflexividade, como

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56

consciência dos próprios atos do sujeito – que leva à formação de uma teoria, de um

pensamento que pode orientar ações futuras; como algo imanente à própria ação –

começando numa situação concreta, na significação da experiência vivida; e como

reflexão dialética – possibilidade de captar, intencionalmente, pelo pensamento, uma

realidade em movimento. Para isso, na visão de Libâneo (2002), o professor precisa

desenvolver, paralelamente, três capacidades: a apropriação teórico-crítica das

realidades, a reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como marco

para melhorias das práticas de ensino e a consideração dos contextos sociais,

políticos e institucionais na configuração das práticas escolares.

A grande ênfase dada à formação baseada na reflexão está na possibilidade

de conscientização da própria ação, considerados os condicionantes estruturais do

seu trabalho, da sua cultura e das formas de socialização. Enquanto pensa sua

própria ação docente, o professor também cria saberes. Contudo, a reflexividade,

como afirma Libâneo, é “um dos elementos de formação profissional dos

professores. (...) Os professores aprendem sua profissão por vários caminhos, com

a contribuição das teorias conhecidas de ensino e aprendizagem e inclusive com a

própria experiência” (2002, p. 73). Essa formação pretende contribuir no

desenvolvimento de cinco características básicas dos professores reflexivos

propostas por Zeichner e Liston:

- examinam, esboçam hipóteses e tentam resolver os dilemas envolvidos em suas práticas de aula; - estão alertas a respeito das questões e assumem valores que levam/carregam para seu ensino; - estão atentos para o contexto institucional e cultural no qual ensinam; - tomam parte do desenvolvimento curricular e se envolvem efetivamente para a sua mudança; - assumem a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional; - procuram trabalhar em grupo, pois é nesse espaço que vão se fortalecer para desenvolver seus trabalhos (apud GERALDI, MESSIAS e GUERRA, 1993, p. 252-253).

É pela reflexão/formação que o professor, pensando numa sociedade mais

justa e democrática, precisa ter, sempre permeando suas ações, as seguintes

questões: Por que ensina? Para que ensina? Para quem ensina? Como ensina?

Quais os objetivos e as conseqüências da ação docente?

É necessário ressaltar concepções arraigadas ao “bom ensino” que precisam

levar em conta “a representação das disciplinas, o pensamento e compreensão dos

alunos, as estratégias de ensino sugeridas pela investigação e as conseqüências

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57

sociais e os contextos de ensino” (ZEICHNER, 1993, p. 25). É isso, de certa forma,

que dará cor ao trabalho e à prática reflexiva.

As pesquisas mostram que as necessidades formativas dos professores

encontram eco nos “desejos, problemas, carências e deficiências percebidas pelos

professores no desenvolvimento do ensino” (MARCELO GARCÍA, 1992, p. 66),

objetivando o tratamento de dificuldades de aprendizagem, motivação,

procedimentos de pesquisa na aula.

Descobertas da investigação sobre a formação contínua dos professores

afirmam que:

o que o professor pensa sobre o ensino influencia a sua maneira de ensinar. (...) Os professores são capazes de utilizar nas suas aulas qualquer tipo de informação desde que se lhes proporcione uma preparação. (...) É provável que os professores utilizem estratégias e conceitos novos se forem auxiliados por especialistas. (...) A flexibilidade de pensamento ajuda os professores a aprender novas destrezas. (...) O sucesso das práticas de aperfeiçoamento não depende do fato de serem professores a organizar e a dirigir o programa (MARCELO GARCÍA, 1992, p. 65).

Percebemos que há necessidade de aprofundar o conhecimento das

estratégias e dos procedimentos adotados na formação de professores. Instituições

responsáveis pela formação de professores precisam assumir junto com outras

instâncias educativas, o planejamento e o desenvolvimento de programas de

iniciação à prática profissional, esforçando-se em:

Desenvolver o conhecimento do professor relativamente à escola e ao sistema educativo. Incrementar a consciência e compreensão do professor principiante relativamente à complexidade das situações de ensino e sugerir alternativas para as enfrentar. Proporcionar aos professores principiantes serviços de apoio e recursos dentro das escolas (MARCELO GARCÍA, 1992, p. 66).

Talvez aqui, vale destacar que um local privilegiado para se realizar esse tipo

de reflexão seja o próprio ambiente institucional por revelar expressamente o

contexto de atuação docente. Além disso, a contribuição dos pares pode favorecer

na elucidação de algumas questões de ordem mais geral.

Smyth (apud CONTRERAS, 2002, p. 166) sugere quatro questões que podem

nortear os processos de reflexão adotados pelos professores que desejam refletir

sobre sua ação docente: “O que eu faço? Qual o significado do que eu faço? Como

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58

cheguei a ser dessa maneira? Como poderia fazer as coisas de forma diferente?”. A

intenção deste trabalho é promover a ampliação de sentidos e significados da

prática docente através dos processos interativos de reflexões de um grupo de

professores de uma instituição de educação superior, mediadas pela coordenadora

pedagógica. Acreditamos ser possível sistematizar os processos reflexivos que

permitem buscar melhorar a qualidade da educação institucionalizada.

Esse processo permite que o professor universitário encontre condições para

enfrentar melhor as situações incertas em seu cotidiano e apropriar-se de saberes.

Se esse processo for realizado coletivamente, por um conjunto de professores, ele

contribui para diminuir o isolamento docente, alterar o ethos escolar, reinterpretar a

própria organização e os processos de ensino, além de estimular o trabalho

cooperativo. Nesse sentido, a formação continuada estará a “serviço da formação

reflexiva de professores e do seu desenvolvimento pessoal e profissional” (NUNES,

2000, p. 18).

A ação formativa, desenvolvida no interior da instituição, torna-se

espaço de experimentação e reavaliação das ações investigativas empreendidas por cada indivíduo singular e devolvidas ao grupo de forma a permitir uma reapropriação dos saberes, mas também uma nova perspectiva exploratória do estudo realizado (CARVALHO e RAMOA, 2000, p. 8).

O contexto coletivo promove situações de interação, nas quais podem ser

confrontados saberes plurais que possibilitam a construção de novos saberes. Isso é

possível porque na coletividade são expostos diferentes estilos de ensino-

aprendizagem, de concepções sobre ensino-aprendizagem, de representações, de

motivações internas e externas, de aptidões, de conhecimentos já produzidos na

prática, de conhecimentos estratégicos que levam “o grupo a instituir-se como um

sistema vivo, dinâmico, complexo com padrões de comportamento próprios que

transcendem os comportamentos singulares em presença” (CARVALHO e RAMOA,

2000, p. 27). A idéia é que, pela interação, se integrem os conhecimentos científico,

técnico e prático dos professores universitários e se resgate a base reflexiva da

atuação docente, possibilitando a ampliação de sentidos e significados da prática

docente e, assim, o aprimoramento profissional. É no coletivo que a diversidade de

leitura das situações do cotidiano aguça os sentidos, possibilitando ver mais além,

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59

possibilitando a apropriação da consciência pedagógica fundamentada num

processo de mudança a partir da própria história profissional de cada participante.

2.1. Formação compartilhada: possibilidades de prom oção de novos sentidos

e significados da prática docente

Marcelo García e Vaillant (2001) afirmam que na complexidade do campo de

formação surge uma grande variedade de propostas teóricas referentes à educação

de adultos. Apontam a possibilidade da instituição escolar, enquanto uma

organização, ser um local onde os sujeitos se desenvolvem e aprendem. Afirmam

também que “a aprendizagem na organização supõe processamento social de

informação, socialização da cultura e desenvolvimento de novas metas, estruturas,

estratégias e ambientes” (MARCELO GARCÍA e VAILLANT, 2001, p. 29). É por essa

razão que, enquanto coordenadora pedagógica, pensei na possibilidade de

formação continuada de um grupo de professores, que atua em uma mesma

instituição, reunindo-se periodicamente para pensar nos limites e nos

sentidos/significados da prática docente.

A opção foi tentar sistematizar uma forma de realizar o desenvolvimento

profissional de professores universitários de uma instituição de educação superior.

Estudos de Elliot (1990), Marcelo García (2005) e Marcelo García e Vaillant (2001)

demonstram os diferenciais da formação continuada de professores no âmbito da

instituição escolar.

Elliot (1990) coloca que esse tipo permanente de formação traz benefícios

para a escola, enquanto instituição; e para o professor, enquanto sujeito individual e

profissional. Nesse sentido, o centro das atividades de formação deve ser

o diálogo mais que a instrução, que se encontra na idéia de que a compreensão dos fatos sociais não pode se desenvolver com a antecipação de juízos de valor e independente deles. Esses juízos intervêm de forma inevitável na seleção e interpretação do que fazem as pessoas diante de fatos pertinentes sobre os atos humanos e as situações sociais (ELLIOT, 1990, p. 240).

Acrescenta ainda que a

formação permanente dos professores centrada na escola, sob responsabilidade de uma pessoa da própria escola, presume que o

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60

compromisso dos docentes na discussão dos problemas práticos que enfrentam na escola constituem o melhor modo de promover o desenvolvimento profissional. (...) Nessa perspectiva de formação permanente do professor centrada na escola, a melhora da prática profissional se baseia, por fim, na auto-compreensão dos professores sobre seus papéis e tarefas (ELLIOT, 1990, p. 244-245).

O grupo de professores, envolvidos nesse trabalho, se constitui numa

comunidade de sujeitos que constrói, de modo coletivo, pela reflexão, a

compreensão de suas atividades e estratégias profissionais a fim de melhorar a

atuação docente, mediante possibilidades de diálogos que levam a novos sentidos e

significados da prática docente.

Não podemos esquecer que o

objetivo de qualquer estratégia que pretenda proporcionar a reflexão consiste em desenvolver nos professores competências metacognitivas que lhes permitam conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua própria prática docente, assim como os substratos éticos e de valor a ela subjacentes (MARCELO GARCÍA, 2005, p. 153).

E foi com esse intuito, acreditando na possibilidade de desenvolvimento

profissional de professores de uma instituição de educação superior, que resolvi

propor a constituição de um grupo de professores que pudesse se reunir

periodicamente, conquistando um espaço de diálogo que expressasse facilidades,

dificuldades, desafios e tensões existentes na prática docente. Enfim, que pudesse

promover aprendizagem por intermédio de múltiplas relações. No grupo,

ocorre a interação que favorece a atribuição de significados, pela confrontação de sentidos. Significados da ordem do público, sentidos da ordem do privado. No coletivo, portanto, os sentidos construídos com base nas experiências de cada um circulam e conferem ao conhecimento novos significados – agora partilhados (PLACCO e SOUZA, 2006, p. 20).

O objetivo primeiro de tal modalidade de parceria é a aprendizagem

compartilhada, vinculada à geração de um novo conhecimento que contribua para a

melhoria da prática, tendo em vista que “percepções, crenças e práticas dos

diferentes segmentos de sujeitos envolvidos no processo encontram abertura para

ser tratadas da maneira mais transparente possível” (FOERSTE, 2005, p. 93).

O grupo pode promover o confronto e o aprofundamento de idéias, ancorado

nas experiências dos professores, significados pela linguagem.

Page 62: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

61

Antes de nos atermos às possibilidades desse grupo, vamos nos deter no

conceito de prática docente que permeia este estudo. Sustenta nosso conceito de

prática docente a idéia de que a educação é uma produção humana de base

científica e que tem compromissos com a aprendizagem e o desenvolvimento

intencional dos educandos. Por isso, acreditamos ser necessária a presença de

professores que tenham o conhecimento específico e dominem o campo epistemológico ou, então, constituam equipes interdisciplinares/ intercomplementares, mesmo transdisciplinares, capazes de promover as compreensões necessárias de um campo de conhecimento sob o ponto de vista epistemológico (MALDANER, 2000a, p. 62).

A prática docente, intencionalmente uma prática educativa,

pode ser permanentemente questionada e reinventada por ser uma prática humana, portanto, histórica e cultural. (...) Ela pode ser diferente, mas precisa ser produzida na interação entre sujeitos que se identificam em uma comunidade de produção de saberes e conhecimentos (MALDANER, 2000a, p. 65).

Nessa perspectiva, é possível dizer que prática docente é a ação intencional

do professor que vislumbra o ensino e a aprendizagem do aluno. Sendo o professor

ser histórico e cultural, sua ação é permeada por um conjunto de saberes que o

constitui: saberes pessoais, saberes provenientes da formação para o magistério,

saberes provenientes dos materiais didático-pedagógicos que utiliza e saberes

provenientes da própria atividade docente (TARDIF, 2002). Esses saberes, em seu

conjunto, contemplam valores, crenças, atitudes, conhecimentos e concepções que

incidem diretamente sobre a prática docente e, conseqüentemente, no

desenvolvimento e na aprendizagem do aluno. É por isso que o professor precisa

estar envolvido em ações formativas que o levem a pensar intencionalmente sobre

essa prática com a finalidade de melhorá-la e adequá-la e que possibilitem o

desenvolvimento, a aquisição ou o aperfeiçoamento de capacidades, ações

formativas que valorizem o caráter contextual e organizacional e sejam orientadas

para a mudança, conforme proposta de Marcelo García (2005).

Sendo a formação docente um processo contínuo, sistemático e organizado,

é possível inferir que ela percorre toda a carreira profissional. Assim, é ao longo do

exercício profissional que os professores adquirem conhecimentos e desenvolvem

Page 63: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

62

habilidades e atitudes que favorecem um ensino de qualidade, incluindo diversas

dimensões.

Em primeiro lugar, desenvolvimento pedagógico (aperfeiçoamento do ensino do professor através de atividades centradas em determinadas áreas do currículo, ou em competências instrucionais ou de gestão da classe). Em segundo lugar, conhecimento e compreensão de si mesmo , que pretende conseguir que o professor tenha uma imagem equilibrada e de auto-realização de si próprio. A terceira dimensão do desenvolvimento profissional dos professores é o desenvolvimento cognitivo e refere-se à aquisição de conhecimentos e aperfeiçoamento de estratégias de processamento de informação por parte dos professores. A quarta dimensão é o desenvolvimento teórico , baseado na reflexão do professor sobre sua prática docente. As últimas dimensões apontadas por Howey (1985) são as de desenvolvimento profissional através da investigação e o desenvolvimento de carreira mediante a adoção de novos papéis docentes (MARCELO GARCÍA, 2005, p. 138, grifos do autor).

O desenvolvimento do professor, considerando seu desenvolvimento

pedagógico, conhecimento e compreensão de si mesmo, seu desenvolvimento

cognitivo e teórico e seu desenvolvimento profissional e de carreira, tenta superar a

concepção individualista de práticas habituais de formação docente e voltar-se para

o contexto escolar, considerando a escola “como a unidade básica para mudar e

melhorar o ensino” (MARCELO GARCÍA, 2005, p. 141), unidade básica de mudança

e formação do professor.

Pensar em formação compartilhada pressupõe, pelo menos, dois desejos. O

primeiro, de abandonar uma prática docente pautada na racionalidade técnica, cujas

ações são baseadas em prescrições genéricas e desconectadas do conhecimento

específico e do contexto, o mundo acadêmico é separado do mundo da prática, a

atividade profissional é basicamente instrumental e dirigida à solução de problemas

pela simples aplicação de teorias e técnicas, as situações-problema apresentam-se

como situações idealizadas que não se aplicam às situações práticas – pressupondo

a existência de condutas e estratégias padronizadas para a solução de problemas

locais – e o professor é destituído de valores, crenças e ideologias, sendo mero

usuário de teorias e propostas acadêmicas. O segundo desejo consiste na busca de

uma prática pautada no pensamento prático reflexivo, cujos conteúdos específicos

tendem a ser pedagogicamente transformados e “tratados em termos sociais,

econômicos e históricos, articulando teoria e experimentação e mediando,

adequadamente, junto aos alunos, o acesso à construção de conhecimentos

científicos” (SCHNETZLER, 2000, p. 21). Parte-se da prática para a ela retornar,

Page 64: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

63

num processo contínuo de ação-reflexão-ação, o professor se depara com situações

únicas que requerem mobilização de saberes que ultrapassam os limites das

soluções técnicas, assumindo-se “como autor e implementador de suas próprias

teorias e i(nova)ções pedagógicas” (CHAVES, 2000, p. 51).

Schön (2000, p. 17) afirma que

os profissionais competentes devem não apenas resolver problemas técnicos, através da seleção dos meios apropriados para fins claros e consistentes em si, mas devem também conciliar, integrar e escolher apreciações conflitantes de uma situação, de modo a construir um problema coerente que valha a pena resolver.

Essa idéia traz em si uma ampliação do exercício profissional que vai além da

“aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático” (SCHÖN,

2000, p. 15), que se mostra como uma prática que tem por princípio a filosofia

positivista, que busca solução de problemas instrumentais da prática, não

considerando a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores envolvidos. Essa

ampliação do exercício profissional considera-o como lugar de zonas incertas, lugar

do inesperado, lugar de complexidade de relações. E, nessas zonas incertas, a ação

profissional demonstra e revela conhecimentos que são próprios da performance de

cada profissional. É pela observação e reflexão sobre essa ação que é possível

descrever os conhecimentos tácitos nela implícitos. Essa descrição, como afirma

Schön (2000, p. 31), são construções, são “tentativas de colocar de forma explícita e

simbólica um tipo de inteligência que começa a ser tácita e espontânea”. O conhecer

na ação mostra-se dinâmico porque o contexto no qual ocorre a ação é único, as

relações entre os sujeitos são singulares e o uso dos conhecimentos científicos e

das técnicas está sob essas variáveis, revelando que o conhecimento profissional

“não resolve todas as situações e nem todo o problema tem uma resposta correta”

(SCHÖN, 2000, p. 41).

Compreendemos que refletindo na e sobre a ação o profissional, nesse nosso

caso o professor, pode repensar

seu processo de conhecer-na-ação de modo a ir além de regras, fatos teorias e operações disponíveis. Ele responde àquilo que é inesperado ou anômalo através da reestruturação de algumas de suas estratégias de ação, teorias de fenômeno ou formas de conceber o problema e inventa experimentos imediatos para testar suas novas compreensões (SCHÖN, 2000, p. 38-39).

Page 65: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

64

Aqui, a epistemologia da prática aponta para uma visão construcionista que,

pela conversação reflexiva entre os pares que compartilham um corpo de

conhecimento profissional sobre a prática docente tecida pelo conhecimento teórico,

pelas técnicas, pelo conhecimento construído na prática, podem apropriar-se dela e

ampliar seus sentidos e significados.

Essa visão construcionista está presente na formação compartilhada, que ora

propomos, que pela ampliação de sentidos e significados da prática docente através

de reflexões de um grupo de professores que atua na educação superior, visa ao

desenvolvimento profissional do professor, partindo-se da premissa de que este não

ocorre no vazio, mas “inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento

organizacional e curricular” (MARCELO GARCÍA, 2005, p. 139).

Considerando as idéias de Oldroyd e Hall, Marcelo García (2005, p. 146-147)

destaca dois tipos de atividades que levam ao desenvolvimento profissional dos

professores:

aquelas cujo objetivo consiste em que os professores adquiram conhecimentos ou competências a partir da sua implicação nas atividades planejadas e desenvolvidas por especialistas e as outras cujo objetivo excede o domínio de conhecimentos e competências pelos professores e afirma a necessidade de uma verdadeira implicação dos docentes no planejamento e desenvolvimento do processo de formação.

Essas últimas acabam por constituir uma aprendizagem compartilhada, tendo

como referência a coordenação, enquanto uma forma de mediar e criar

possibilidades de aprendizagens compartilhadas e construção de novos

conhecimentos que possibilitem a revisão e o aprimoramento da prática docente,

mediante a formação de um grupo de professores que pode partilhar conhecimentos

e experiências, envolver-se em determinadas tarefas, resolver problemas, planejar

novas atividades e estudar – sob orientações de uma coordenação, que exerce

papel de mediadora.

A figura do mediador sugere alguém que possa conduzir o grupo, de modo a

permitir que a análise e a reflexão sobre a prática constituam o elo condutor das

reuniões que devem propiciar o contato de professores de diferentes áreas de

conhecimento para que, em conjunto, possam aperfeiçoar o exercício profissional.

Esta intencionalidade vale-se da abordagem histórico-cultural à medida que

visa compreender os movimentos de produção de sentidos e significados daquilo

Page 66: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

65

que acontece no interior do grupo de professores universitários, cujas trocas se

revestem de grande complexidade, em função de forças que intervêm nesse

processo interativo, num espaço de desenvolvimento em que aprendem os

professores e o mediador.

Nesse sentido, o mediador é visto como “catalisador de trocas, como

contribuinte de soluções, como agente de recursos e como ajuda nos processos”

(MARCELO GARCÍA e VAILLANT, 2001, p. 105) de reflexão que levam os

professores a desenvolverem competências metacognitivas que possibilitam

conhecer, analisar, questionar e avaliar a própria prática, percebendo sua

complexidade, considerando os componentes cognitivos e afetivos. É necessário

que o professor tenha consciência das suas teorias, afinal,

cada professor – dizem Handal e Lauvas – possui uma “teoria prática” sobre o ensino que subjetivamente constitui o fator que com maior importância determina a sua prática educativa, e assim o processo de formação deve tentar “melhorar a sua articulação consciente, procurando elaborá-la e torná-la susceptível de mudança” (HANDAL e LAUVAS, apud MARCELO GARCÍA, 2005, p. 158).

Marcelo García e Vaillant (2001) propõem ao sujeito coordenador do grupo

alguns conhecimentos e algumas habilidades e atitudes necessários ao bom

andamento do desenvolvimento profissional dos professores. As habilidades básicas

que levamos em conta, a fim de que pudéssemos cumprir a função mediadora,

foram: compreender a dinâmica do grupo, facilitando o trabalho e dirigindo as

discussões; definir estrutura de trabalho e tempo das atividades; propor atividades,

dirigindo as ações; proporcionar relações de ajuda, de afetividade positiva, de

aceitação dos outros; resolver e contornar situações em que estejam em jogo

múltiplos e incompatíveis interesses; criar relações nas quais a influência seja

mutuamente compartilhada; promover sentimento de confiança; ter idéia clara das

necessidades/problemas dos professores; levar à frente o processo de reflexão,

coordenando as atividades; localizar e proporcionar informações, materiais, práticas

e equipamentos. Enfim, exercer o papel de quem facilita, faz a mediação das trocas,

colocando ênfase no desenvolvimento da comunidade de aprendizagem.

Marcelo García e Vaillant (2001) afirmam que o desenvolvimento profissional

dos professores centrado na instituição escolar precisa de algumas condições para

assegurar seu êxito: a necessidade de uma liderança por parte de pessoas (diretor,

Page 67: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

66

professores) como elementos motores do sistema escolar; as relações que a

liderança estabelece com os membros da escola; a importância dos próprios

professores como elementos do êxito da formação orientada na escola; a natureza

do desenvolvimento profissional, sensível ao contexto, evolutivo, reflexivo, contínuo

e participativo.

Realizar uma formação continuada no ambiente escolar, com vistas à

promoção de novos sentidos e significados da prática docente, possibilita a tomada

de consciência e compreensão da natureza das situações pedagógicas cotidianas

num cenário e em condições que são comuns aos atores envolvidos no processo e

que nem as teorias aplicadas e nem as técnicas de decisão e os raciocínios

aprendidos fornecem soluções lineares, fazendo-se, muitas vezes, necessário

desconstruir o problema que se apresenta. A partir dessa compreensão e

conscientização, é possível encontrar respostas e caminhos a serem trilhados, uma

vez que para isso é preciso localizar as ações, olhá-las sob diversos ângulos, dar

significado e sentido aos diversos aspectos que nelas se manifestam, reorganizar

conceitos interpretativos. É uma possibilidade de dialogar com a situação vivida em

sala de aula sob a luz dos olhares de seus pares.

Aqui a prática docente se mostra como fonte de conhecimento, pela

experimentação e reflexão, momento de integração de saberes e ações, que

possibilitam a representação mental da situação vivida, numa análise coletiva da

capacidade de agir, num diálogo com a própria ação e enfrentamento dos desafios

que esta provoca. É uma oportunidade para questionamento, aconselhamento e

exercício do espírito crítico, num processo pessoal e coletivo de questionamento dos

saberes e das experiências docentes numa atitude que leva à compreensão de si

mesmo, do grupo e do cenário em que atuam. É possibilidade de tomada de

consciência de que o ensino significa “uma família deliberada e intencional de atos

lógicos e estratégicos que têm como meta introduzir habilidades de aprendizado,

conhecimentos e valores” (HYMAN, 1974, p. 35).

Hyman (1974) afirma que os atos lógicos e os estratégicos, presentes na

ação docente, são a essência do ensino, sem eles o ensino não existe. Os atos

lógicos referem-se aos atos intelectuais de pensar/raciocinar sobre algum

conhecimento, enquanto os estratégicos referem-se aos planos do professor, à sua

maneira de encaminhar a aula de modo a estimular e promover a aprendizagem.

Page 68: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

67

Se entendemos que o ato de ensinar é um ato complexo, envolvendo a tríade

professor/aluno/conhecimento numa relação dinâmica e imprevisível, é fundamental

que reconheçamos essa relação como algo apreensível que gera conhecimento em

permanente transformação a partir da reflexão que amplia seus sentidos e

significados. Essa reflexão compartilhada – nosso objeto de estudo – figura como

motor da ampliação dos sentidos e significados da prática docente, pois, permite

pensar sobre ela, fazendo com que os membros do grupo – eu e os demais

professores universitários – nos tornemos protagonistas de nosso processo de

aprendizagem, produzindo a transformação do pensar sobre a própria prática

docente e a dos colegas, convertendo informação em conhecimento docente.

É no contexto coletivo, lugar de reflexão, que o grupo pode se fortalecer e

encontrar caminhos e suporte para o desenvolvimento profissional. A ampliação de

sentidos e significados da prática docente pode figurar como um investimento na

própria formação continuada, criando condições para que o professor se veja como

alguém com condições de ser sujeito de sua ação profissional que, a partir de um

processo cooperativo de estudo e análise compartilhada da prática docente, pautada

em referenciais teóricos e experiências profissionais, aprenda a fazer críticas e

enfrente as próprias limitações.

Page 69: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

68

Capítulo 3

PENSANDO SOBRE A APRENDIZAGEM COMPARTILHADA:

A IMPORTÂNCIA DO OUTRO

Palhacinhos na Gangorra foi pintado por Cândido Portinari em 1957 sobre madeira compensada com

tinta a óleo. Tem 54 cm de altura e 65 cm de largura.

Na “gangorra” da vida, a presença do outro se mostra fundamental para que

se mantenha o equilíbrio. A ludicidade compartilhada no movimento de vai-e-vem é

impulsionada pelo outro, transformando-se em possibilidade de aprendizagem.

Page 70: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

69

O jogo dialógico entre sujeitos não tende a uma só direção; ao contrário, envolve circunscrição, ampliação, dispersão e estabilização de sentidos. Um determinado conhecimento (pretendido, na intencionalidade do outro; ou previsto, na perspectiva de um observador) pode ou não ser construído pelo indivíduo, mas, em qualquer caso, é na complicada dinâmica do funcionamento intersubjetivo que devemos examinar o processo (GÓES, 1997).

Góes (1997), tratando do jogo intersubjetivo mediado pela linguagem, enfatiza

que as palavras do Outro produzem efeitos reais, não apenas de “circunscrição,

ampliação, dispersão e estabilização de sentidos”, mas também provocando

encontros e confrontos, concordâncias e conflitos, estímulos e críticas. Enfim, é na

complexa interação dialógica que emergem novos significados e sentidos, e que,

sobretudo, o papel do outro se revela como um fator de reflexão sobre o próprio eu.

E é, portanto, na dinâmica dessas interações que também se constroem

conhecimentos.

Utilizando uma abordagem histórico-cultural, a partir da análise da interação e

da fala de professores universitários em reuniões, o objetivo principal do presente

trabalho é promover a ampliação de sentidos e significados da prática docente

através dos processos interativos de reflexões de um grupo de professores que atua

na educação superior, mediada pela coordenadora pedagógica institucional, ou dito

de outro modo, refletir sobre o processo de ampliação dos sentidos e significados da

prática docente, de elaboração de conhecimentos sobre ela como algo socialmente

constituído.

O referido processo foi levado a efeito por um grupo de professores

universitários que se reuniu periodicamente a fim de refletir sobre a percepção da

sua prática docente na educação superior, visando compreender os processos de

significação aí expressos, considerando os caminhos percorridos, os desafios

enfrentados e as conquistas adquiridas.

Os professores se apoiaram nas narrativas de suas práticas, trazendo

situações do cotidiano da sala de aula, contemplando sua postura, a postura de

seus alunos, as relações que estabelecem entre si, os limites e as possibilidades de

suas ações. São experiências vivenciadas que revelam a dinâmica do conhecer e o

questionamento de suas ações, sob orientação de bases vinculadas ao trabalho

coletivo.

Page 71: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

70

Partindo da premissa de que a docência supõe “um conjunto de atividades

pré, inter e pós-ativas que os professores têm de realizar para assegurar a

aprendizagem dos alunos” (MARCELO, 2005, p. 243), ou seja, planejamento,

execução e reflexão da ação, a hipótese que anima este trabalho é a de que

reuniões periódicas de um grupo de professores sob orientação de uma

coordenação pedagógica podem trazer diversas contribuições na formação

continuada dos professores, no desenvolvimento profissional de professores,

levando-se em consideração ser uma ação educativa, metódica e intencional,

constituída nas relações sociais.

Esta intencionalidade ancora-se nas idéias de Vygotsky (2003a; 2003b)

quando afirma que a estrutura humana é conseqüência de um processo de

desenvolvimento com raízes nas ligações que permeiam tanto a história individual

como a história social, lembrando que o enfoque sociocultural (ou histórico-cultural)

considera o desenvolvimento do ser humano como processo mediado por

instrumentos simbólicos e representacionais, realizado em situações de interação

social. O uso desses instrumentos e recursos de mediação da educação formal

vincula-se à aprendizagem e ao desenvolvimento de habilidades e de mediação

social, bem como de participação em atividades. Mediação social aqui é entendida

como a “necessária participação, de qualquer natureza, do outro nas experiências

de aprendizagem e no desenvolvimento do indivíduo” (GÓES, 2001, p. 86).

Procuramos considerar, nos processos interativos de reflexão de professores,

coordenados por mim, as possibilidades de ampliação de sentidos e significados da

prática docente. Para isso, foi proposta a formação de grupo de professores

universitários de uma instituição de educação superior que vislumbra a

aprendizagem compartilhada, vinculada à geração de um novo conhecimento que

contribua para a melhoria da prática docente, tendo em vista que, “é na complicada

dinâmica do funcionamento intersubjetivo que devemos examinar o processo”

(GÓES, 1997, p. 27). É por isso que o papel do outro se mostra complexo, pois,

mesmo que se garanta o diálogo entre os professores, os conflitos e os confrontos

permeiam as relações porque nas trocas dialógicas encontramos tanto incentivos

como censuras.

Tentamos construir, como descrevem Alarcão e Tavares, um cenário

reflexivo:

Page 72: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

71

Uma abordagem de formação que atribui aos profissionais a capacidade de pensarem a sua prática e de construírem e reconstruírem o seu conhecimento a partir do campo de acção, caracterizado por dinâmicas de incerteza e por decisões altamente contextualizadas (2003, p. 132).

Essa construção epistemológica se dá pelo diálogo contínuo com as

situações reais, neste nosso caso a prática docente, e com os pares que nelas

atuam, tendo como referência os saberes que permitem a compreensão da ação.

Nessa ótica, percebemos que as reuniões com os professores universitários

fazem parte de um processo social, constituindo-se num empreendimento

cooperativo em que a linguagem e, mais especificamente, as palavras, por meio da

interação, são o principal meio de troca e, conseqüentemente, constitutivas dos

dados a serem analisados.

Para tal, porém, as palavras não são consideradas como mero processo de

informação, mas, também e, sobretudo, como instrumentos propiciadores de

enriquecimento de idéias, sentidos e significados, de intercâmbio em que diversas

realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas, em busca de uma

compreensão detalhada e generalizante de crenças, atitudes, valores e motivações

relativos a comportamentos e processos de ampliação de sentidos e significados da

prática docente por parte de um grupo de professores universitários.

3.1. A importância da palavra na abordagem históric o-cultural

Se a nossa intenção é analisarmos os processos interativos que evocam a

ampliação de sentidos e significados da prática docente e que esses processos são

expressos em palavras, é necessário nos determos às referências que Vygotsky

(1995; 2003a; 2003b) faz ao pensamento e à palavra.

Na abordagem histórico-cultural, a referência fundamental é o

desenvolvimento da linguagem e, no âmbito desta, palavra é a unidade fundamental

da linguagem, mediadora de processos de elaboração conceitual, é

um aparelho que reflete o mundo externo em seus enlaces e relações. (...) A palavra possui um significado, formado objetivamente ao longo da história e que, em forma potencial conserva-se para todas as pessoas, refletindo as coisas com diferente profundidade e amplitude (LURIA, 1987, p. 44-45).

Page 73: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

72

A palavra exerce função de comando à medida que controla o

comportamento. Ela funciona no interior das relações sociais, põe em relação duas

ou mais pessoas e tem significado quando é dirigida a alguém com finalidade

específica.

Vygotsky (1993) afirma que o significado é a essência da palavra, “o

significado é uma generalização de um conceito” (p. 289), um ato de pensamento. O

significado da palavra como unidade do pensamento verbal permite explicar,

entender e analisar diferentes situações. A palavra possui um significado imediato e

um significado generalizado que não é permanente, pode evoluir e variar com o

desenvolvimento do sujeito e quando trocam as formas de funcionamento do

pensamento. “Na medida em que a natureza interna do significado de uma palavra

pode variar, a relação entre pensamento e a palavra vai variar também” (1993, p.

295). A relação entre o pensamento e a palavra é um processo, um movimento do

pensamento diante da palavra e da palavra diante do pensamento. Essa relação se

revela como um processo em desenvolvimento em que o pensamento se reestrutura

e se modifica ao transformar-se em linguagem. Sendo um meio fundamental de

controle do comportamento, a palavra é sempre comando, funciona quando é

dirigida a outra pessoa com finalidade específica – só funciona e tem sentido no

interior das relações sociais.

Aqui destacamos a linguagem enquanto possibilidade de exteriorização de

informações internas – experiências e conhecimentos docentes; de abstração e

generalização – à medida que permite analisar, abstrair e generalizar características,

situações e conceitos de prática docente; e de comunicação, que garante a

preservação, transmissão, troca e assimilação das experiências e conhecimentos

docentes. Ou seja, a linguagem enquanto organizadora e expressão do

pensamento.

A linguagem é o sistema simbólico básico no desenvolvimento do indivíduo.

Isto se dá porque a necessidade de comunicação, própria do ser humano,

impulsiona o desenvolvimento da linguagem. Por isto, sua primeira função é a de

“intercâmbio social”. É para se comunicar com seus pares que o ser humano cria,

apreende e utiliza os sistemas de linguagem. Para que esta comunicação se torne

mais elaborada, o ser humano se utiliza de signos que “traduzem idéias,

sentimentos, vontades, pensamentos, de forma bastante precisa” (OLIVEIRA, 2001,

p. 42).

Page 74: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

73

A segunda função da linguagem, gerada pela primeira, é a da formação do

“pensamento generalizante”. Para que se crie uma categoria conceitual, é preciso

que, a partir da linguagem, o real seja ordenado pelo agrupamento de ocorrências

de uma categoria.

É pela segunda função que a linguagem passa a ser instrumento de

pensamento. O pensamento e a linguagem surgem de gêneses diferentes, mas à

medida que a linguagem é internalizada encontra-se com o pensamento. É nesse

momento também que aparece a fala. O indivíduo, então, passa a utilizar a fala,

subsidiada pelo pensamento. É isto que possibilita ao ser humano “funcionar” de

forma mais avançada, passando do ser biológico ao sócio-histórico. A função

comunicativa da linguagem, a fala social, se tornou possível pela atividade

intelectual interpsicológica. Porém, o uso da linguagem como instrumento de

pensamento supõe um processo de internalização da linguagem (VYGOTSKY,

1995).

Nesse contexto, o pensamento verbal passa a existir por meio das palavras,

ou melhor, do significado das palavras. É no significado da palavra que o

pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. São os significados que

propiciam a mediação simbólica entre indivíduo e mundo. Os significados estão em

constante transformação porque são construídos pela história dos grupos humanos,

baseados nas relações físicas e sociais.

É preciso destacar que a palavra é carregada de “significado” e de “sentido”.

O significado consiste num núcleo comum compartilhado pelas pessoas que a

utilizam. Já o sentido diz respeito ao contexto pessoal do uso da palavra, ligado às

experiências afetivas do indivíduo. O sentido se produz no contexto da interlocução,

enquanto o significado é mais estável. O significado da palavra expressa seu

conceito, “é um fenômeno do pensamento apenas na medida em que o pensamento

ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é

ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele” (VIGOTSKY, 2003b, p. 151). A

relação entre pensamento e palavra evolui, está em movimento; é pela palavra que

o pensamento materializa sua existência. O enriquecimento das palavras, que é

dado pelo sentido a partir do contexto, é a lei fundamental da dinâmica do

significado das palavras. Em sua teoria da enunciação, assim se expressa Bakhtin

sobre a palavra:

Page 75: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

74

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN, 2002, p. 117).

Percebemos que as palavras “são tecidas a partir de uma multidão de fios

ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É,

portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as

transformações sociais” (BAKHTIN, 2002, p. 41). É por isso que a palavra é

apresentada como base da vida interior e revela-se como “produto da interação viva

das forças sociais” (BAKHTIN, 2002, p. 66), sendo determinada pelo seu contexto e

extraída de “um estoque social de signos disponíveis” (BAKHTIN, 2002, p. 113). Os

diferentes contextos, por sua vez, encontram-se o tempo todo em situação de

interação e de conflito fazendo com que os atos enunciativos sejam de natureza

social, determinados pelas condições reais e pela relação interlocutor/ouvinte.

Em função disso, toda enunciação é vista como produto da interação social,

determinada pela situação imediata ou pelo contexto.

Voltemos ao centro da questão que permeia todo este trabalho: somos

humanos e professores, indivíduos inseridos em ambientes sociais e em convívio

com o outro. Portanto, ações e fatos, como a prática docente, experiências de

ensino-aprendizagem, erros e acertos, reflexões, idéias e debates, enfim, toda a

enorme gama de dados e informações, transmitidos e trocados entre os integrantes

do grupo durante as reuniões foram inevitavelmente mediados pela linguagem,

notadamente pela palavra, o signo verbal. Nesse sentido, lembra Góes (2000a, p.

118):

Nas relações do indivíduo com o grupo social, a linguagem é fundamental. A palavra veio, num nível mais geral, a caracterizar a condição humana. Em termos mais específicos, na ontogênese, a linguagem tem a função de regular as ações e de propiciar a conduta intencional humana.

Mais adiante, a autora lembra que a linguagem causa efeitos no grupo

(indivíduos), muda comportamentos e crenças, enfim, não só provoca reflexão, mas

afeta concretamente o grupo e o indivíduo:

Page 76: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

75

Outro fundamento das relações do indivíduo com os outros está nos atos de comando e obediência, termos que não devem ser tomados em um sentido estrito, pois compõem uma concepção abrangente dos movimentos pelos quais os membros de um grupo social afetam-se mutuamente. O grupo social abrange outros que são os amigos, os inimigos, os associados etc., enquanto figuras específicas, mas é preciso considerar também os outros como “uma personalidade em geral”, da humanidade. Eles sempre acompanham o indivíduo (GÓES, 2000a, p. 118).

É, pois, pela mediação da palavra que conceitos se desenvolvem, produzem-

se e se revelam, visto a palavra enunciada ser interpretada em uma rede de

palavras, em uma rede de interações interpessoais. Portanto, aqui, temos a ação

concreta da mediação, proposta por Vygotsky (1995).

Nessa mesma direção, Hyman (1974) afirma que o ensino, portanto, a ação

docente, só acontece pelo uso da linguagem. A fim de atingir as metas de ensino o

professor faz uso da linguagem. Segundo o autor, o professor usa as palavras para

comunicar suas idéias e também para ensinar as definições, fatos, explicações, interpretações, generalizações, princípios e conceitos do tópico em questão; para interpretar, complementar e enfatizar as demonstrações das habilidades que ele ensina; para corrigir, rejeitar, aceitar, elogiar, ou negar respostas de seus alunos; para encorajar ou empurrar os alunos em suas atividades; para avaliar ou testar o desenvolvimento da conquistas dos alunos; para mostrar respeito, dignidade, honestidade, lealdade e igualdade quando for tratar seu aluno; para expressar interesse, ódio, amor ou indiferença; para direcionar e dar tarefas; utilizar mapas, filmes, slides, gravações, gráficos, maquetes, diagramas, e tabelas; e para recompensar, punir, alertar, culpar, ou aprovar o desempenho dos alunos (HYMAN, 1974, p. 24-25).

Além das palavras, há também uma comunicação silenciosa que, de certo

modo, não deixa de ser uma linguagem e está expressa nos gestos, nas expressões

que acabam por manifestar sentimentos e conhecimentos e mediar relações

presentes na tríade professor/aluno/conhecimento.

3.2. Vygotsky: mediação e aprendizagem

Para Vygotsky (2000), a estrutura humana é resultante de um processo de

desenvolvimento cujas raízes permeiam a vida de cada sujeito bem como sua

inserção, interação e aprendizado no convívio social, ou seja, privilegia, de um lado,

a história individual e de outro, a social. É por isso que se diz que a teoria de

Vygotsky é sócio-interacionista. Seu enfoque é sociocultural (ou histórico-cultural),

Page 77: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

76

pois leva em conta que o desenvolvimento de cada ser humano é um processo

mediado por instrumentos simbólico-representacionais, ou sígnicos, levado a efeito

em situações reais de interação social. O papel do sujeito nas interações não é

passivo, é interativo, pois está o tempo todo em ação interna e externa.

As mudanças de ordem qualitativa no desenvolvimento dos sujeitos ocorrem

nos processos interativos quando atividades externas se tornam atividades

individuais internas, reconstruídas nas trocas do sujeito-outro/objeto social. A

atividade simbólica seria a que utiliza signos de qualquer natureza, tendo uma

função “organizadora específica que invade o processo do uso de instrumentos e

produz formas fundamentalmente novas de comportamento” (VYGOTSKY, 2003a, p.

33). Signo seria, então, tudo o que tem e produz significado. A palavra, por exemplo,

é signo por excelência.

Tal concepção permite-nos afirmar que o uso de instrumentos e recursos

mediadores da educação formal vincula-se à aprendizagem e ao desenvolvimento

de habilidades e de participação em atividades sociais tais como falar, expressar

idéias, entender, demandar ajuda, argumentar, captar objetivos propostos, organizar

planos de ação e de auto-regulação inerentes a tal processo.

Podemos dizer que as atividades referentes ao processo de ensino-

aprendizagem têm de envolver pessoas mais experientes, pois o aprendiz apropria-

se de conteúdos culturais, progredindo na elaboração interna das capacidades

humanas superiores (memória, atenção, pensamento, fala), sempre em diálogo com

o mundo e com o outro. Nessa perspectiva, atribui-se papel importante ao

envolvimento do aprendiz em atividades planejadas para que se aproprie dos

conteúdos culturais, para que faça seus os processos de representação simbólica e

chegue a dominá-los de forma controlada e experiente. Neste nosso estudo, a

pessoa considerada ‘mais experiente’, no sentido da intencionalidade mediadora, é a

que coordena o grupo, quem planeja as reuniões e encaminha os diálogos e as

interações.

É do domínio externo dos instrumentos que se progride ao domínio interno e

consciente, garantindo o controle do próprio processo e o da construção de

conhecimentos compartilhados. É por isso que as aprendizagens específicas de

natureza cultural e social e o caráter mediador dos processos educativos são a

causa e o motor do desenvolvimento humano.

Page 78: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

77

Na verdade, essas idéias de Vygotsky (2003a) contribuíram para explicar o

desenvolvimento da espécie humana ao longo desse processo sócio-histórico, o que

nos remete a uma abordagem qualitativa e interdisciplinar orientadora dos processos

de desenvolvimento do ser humano. Nessa abordagem, o ser humano é visto em um

contexto histórico e em constante processo de transformação.

Afinal, nessa perspectiva, o que promove e auxilia a aprendizagem e,

conseqüentemente, o desenvolvimento?

O ser humano é concebido como produto de seu ambiente e agente ativo no

processo de criação desse meio. É cultural, na medida em que se envolve com os

meios socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de

atividades que experiencia, mas é histórico na medida em que utiliza instrumentos

culturais para dominar seu ambiente.

Ora, este processo de reorganização da atividade psicológica do sujeito como

produto de sua participação em situações sociais apresenta várias características,

mas uma das mais relevantes é o domínio de si, ou seja, o controle e regulação do

próprio comportamento pela internalização de mecanismos reguladores conseguidos

na interação com o mundo e os semelhantes que ele – sujeito – experiencia no e

durante o convívio social.

Para que se processe a internalização, o aprendiz, no nosso caso o professor,

enfrenta uma série de transformações: uma operação que inicialmente representa

uma atividade externa se reconstrói e começa a suceder internamente; um processo

interpessoal se transforma em outro intrapessoal como resultado de acontecimentos

evolutivos. Finalmente, implica a reconstrução da atividade psicológica sobre a base

das operações com signos no plano interno da consciência. É pelo processo de

internalização que se dá a utilização de marcas externas que se transformam em

processos internos de mediação. Nesse sentido:

A palavra tem o poder de regular e de conferir um caráter mediador à relação entre as pessoas. As interações verbais internalizam-se, isto é, são reconstruídas no plano individual, transformando-se em funções psicológicas e criando a base para a estrutura social da personalidade. As funções psicológicas emergem no plano das relações sociais, e o indivíduo se constrói a partir delas (GÓES, 2000a, p. 121).

Essas relações entre pensamento e linguagem são sempre mediadas, de um

lado, pelo uso de signos e de outro, pela ação efetiva do aprendiz no mundo real em

Page 79: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

78

interação com seus semelhantes. E isso se aplica também ao grupo de professores

de que tratamos.

Por essas razões expostas, podemos dizer que a escola é o lugar onde se dá

tal processo intencional e formal do ensino-aprendizagem, visto sua finalidade

envolver processos de intervenção que visam à aprendizagem, na qual o professor

tem o papel de interferir, e, conseqüentemente, provocar avanços que,

espontaneamente, talvez não ocorressem por si mesmos. Situação semelhante

ocorre no grupo aqui constituído objetivando o desenvolvimento profissional, na qual

a coordenação assume o papel de quem interfere, provocando a interação e a

manifestação dos professores envolvidos.

Ressalte-se ainda que, se a linguagem (notadamente a verbal) é o veículo do

pensamento rumo à aquisição de conceitos, a idéia de mediação semiótica, central

em Vygotsky (2003a, p. 75), funda-se não só na linguagem, mas em situações

interativas, nas quais passa a ser viável o mecanismo de internalização.

Esse processo de internalização – reconstrução interna de uma atividade

social externa com a qual o sujeito interage – é criador da consciência a partir da

mediação de instrumentos socioculturais. Aqui, a linguagem, instrumento da

consciência, tem simultaneamente a função de composição, de controle e de

planejamento do pensamento e a função de intercâmbio social.

Também, nas reuniões com os professores, podemos inferir que ocorreu

semelhante processo de internalização pela mediação da linguagem. Isso se deu

porque exercitamos nossa capacidade de descrição, análise e interpretação da

própria prática docente, o que possibilitou um espaço de conscientização,

desconstrução e possibilidades de reconstrução de nossas ações docentes. Nesse

contexto, muitas vezes, surgiram conflitos materializados pelas palavras que

descreviam as experiências diferenciadas de cada um dos professores e que

propiciaram confrontação de conceitos provenientes do cotidiano – construídos a

partir da observação, manipulação e vivência direta do sujeito – e do mundo

científico, conhecimentos sistematizados a partir das interações e reflexões das

práticas docentes e dos textos lidos, construindo um cenário para reflexão e crítica

dos conhecimentos anteriores e da apropriação de novos sentidos e significados,

vislumbrando um modo mais assertivo de propiciar situações de ensino-

aprendizagem aos nossos alunos.

Page 80: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

79

É pelo desenvolvimento do pensamento conceitual que ocorrem mudanças na

relação cognitiva do sujeito com o mundo, que permitem o enfrentamento e a

resolução de problemas. O contexto sócio-histórico coloca aos sujeitos situações

que promovem a apropriação de significados, levando à formação de conceitos.

Desse modo, a apropriação de significados depende de contextos determinados, da

atividade e da participação de sujeitos determinados.

Depreende-se que, na internalização, tanto o processo quanto o produto

(aquisição de mecanismos de pensamento mais elaborados) representam um salto

qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana. Isso nos leva a autorizar

como legítimos os pressupostos epistemológicos defendidos pela corrente sócio-

histórica, dos quais o mais importante é justamente o da natureza mediada da

cultura.

Se a aquisição de saberes só pode ser realizada por meio de signos, e se os

sistemas de significação (semióticos) não são meros instrumentos de comunicação e

de entendimento da realidade, mas, no limite, constitutivos dessa realidade

(reconstrução do mundo simbólico), toda atividade inerente ao processo de ensino-

aprendizagem só é possível também por intermédio de signos, entre os quais, para

Vygotsky (2000, 2003a, 2003b), os mais importantes são os verbais, ou seja, a

palavra falada ou escrita.

Esta idéia de mediação perpassa todos os demais conceitos, idéias,

pressupostos, fases e estágios sistematizados por Vygotsky (2000, 2003a, 2003b),

assim como, a noção de conhecimento partilhado.

Lembra Vygotsky, em todas as suas obras, que operações sígnicas (memória

e percepção mediadas) não são diretamente “ensinadas” pelo adulto, pois, ao longo

do tempo, tais operações passam por processos de transformação, na relação com

o outro. Logo, não é possível ao adulto impor à criança seu modo de pensar.

Transmite-se o signo, não sua forma de utilização. Desse modo, o processo de

aprendizagem consiste, primordialmente, em se oferecer possibilidades, facilitações,

oportunidades para que as transformações aconteçam. Se o sujeito encontra-se

imerso na comunicação verbal e vai se apropriando da fala do outro, é este

movimento de aproximação mútua que gera condições favoráveis à aprendizagem.

Isso acontece “entre” e não “de A para B”.

Estímulo do meio provocando uma reação. A operação sígnica funciona como

intermediária entre o estímulo e a resposta, modificando a estrutura da operação,

Page 81: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

80

uma vez que, segundo Vygotsky (2003a, 2003b), um processo simples é substituído

por um ato complexo, mediado pelo signo (que se interpõe no meio, enquanto uma

forma qualitativamente nova, que age sobre o indivíduo). Portanto, o homem atua no

mundo através de signos e de instrumentos mediadores entre o ele e o mundo, de

maneira que, ao considerarmos os signos como representações do real, podemos

afirmar que o conhecimento adquirido pelo indivíduo é sua visão de mundo, sua

cosmovisão.

Configura-se aí, de forma inequívoca, qualquer processo de transmissão e

aprendizagem como inevitavelmente sígnico, mediado, nunca diretamente, mas

levado a efeito por intermediários (signos, mediadores).

Para Vygotsky (2000, 2003a, 2003b), os processos de aprendizagem estão

relacionados ao desenvolvimento. Porém é a aprendizagem que conduz os

processos internos de desenvolvimento. Na concepção sócio-histórica, a

interdependência dos indivíduos – quem aprende, quem ensina, a relação entre as

pessoas – é a responsável pelo processo de aprendizagem.

3.3. Mediação pedagógica: caminho para a aprendizag em

Reconhecemos a importância da liderança, associada ao diálogo e aos

processos de reflexão, criando espaços e condições para motivar o pensar sobre o

modo como nossas práticas docentes afetam a nós mesmos, aos nossos alunos e à

própria instituição.

É por isso que a intervenção (mediação) estabelecida pelas pessoas que

convivem no ambiente escolar (professores e alunos; professores e professores;

alunos e alunos) pode oferecer procedimentos promotores da “reconstrução,

reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo

grupo cultural” (OLIVEIRA, 2001, p. 63).

A intervenção do outro no processo de ensino-aprendizagem implica auxiliar

no progresso do educando rumo aos níveis mais sofisticados de pensamento, do

individual e biológico ao social e psicológico, ou ainda, da natureza à cultura. Pino

afirma:

A história do homem é a história dessa transformação, a qual traduz a passagem da ordem da natureza à ordem da cultura. (...) As funções biológicas não desaparecem com a emergência das culturais, mas adquirem

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81

uma nova forma de existência: elas são incorporadas na história humana. Afirmar que o desenvolvimento humano é cultural equivale, portanto, a dizer que é histórico, ou seja, traduz o longo processo de transformação que o homem opera na natureza e nele mesmo, como parte dessa natureza. Isso faz do homem o artífice de si mesmo (2000, p. 51).

Da mesma forma, a constituição de um grupo de professores que se reúne

com a finalidade de ampliar os sentidos e significados da prática docente pode

promover a potencialidade do desenvolvimento profissional dos professores à

medida que novas crenças, novos conceitos e práticas podem ser aprendidos.

Maldaner (2000b, p. 67) afirma que o desenvolvimento dos professores em seu

próprio meio profissional pode ter melhores resultados “pelo trabalho coletivo e

mediado, organizando os professores em grupos de estudos e permitindo que

possam pensar sobre as suas ações”.

Ao propormos a ampliação de sentidos e significados da prática docente, a

partir da reflexão e da interação de professores, tornamos possível o

desenvolvimento de processos que levam à significação e re-significação do fazer

pedagógico, proporcionando outros modos de ser docente, conforme a

internalização do conhecimento externo, potencializando o desenvolvimento

profissional docente.

Minha função mediadora da coordenação deste grupo de professores

caracterizou-se como pedagógica à medida que, intencionalmente, procurei

mobilizar, ativar e ampliar sentidos e significados para a prática docente. Essa

mediação pedagógica funcionou como uma “ajuda ajustada”, proposta por Onrubia

(2006). Tal ajuda procurou levar em conta os conhecimentos dos professores ao

mesmo tempo em que provocava desafios que permitiam o questionamento da

prática docente, possibilitando a ampliação de seus sentidos e significados, dando

apoio e suporte para que pudessem enfrentar as exigências e os desafios. A

intenção era de que, nesse processo de reflexão compartilhada, os professores

pudessem ir além do que seriam capazes individualmente pela ampliação de

sentidos e significados da prática docente, contribuindo para o seu desenvolvimento

profissional.

A mediação pedagógica se deu através do diálogo entre os professores. Esse

diálogo “pressupõe também sempre a possibilidade de ver o interlocutor, ver sua

expressão facial e gestual, escutar seu tom de voz” (VYGOTSKY, 1993, p. 325).

Nesse nosso grupo, as interações discursivas constituíram o cerne do

processo já que possibilitaram a reestruturação e a reorganização de nossas

Page 83: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

82

experiências e de nossos conhecimentos, construindo sentidos e significados

relativos a um conhecimento mais científico sobre prática docente. Essa interação

cooperativa entre os professores ofereceu ajudas que possibilitaram a aprendizagem

e o desenvolvimento profissional, revelando um movimento de formação profissional

que se aproxima de uma perspectiva crítica que vê os professores como intelectuais

e parte de um coletivo social e profissional, vislumbrando “uma perspectiva dos

professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer” (NÓVOA,

1992, p. 16).

O grupo permite a mobilização de experiências numa dimensão pedagógica e

num quadro conceitual de produção de saberes, como valoriza Nóvoa (1992),

“através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção

permanente de uma identidade pessoal” (NÓVOA, 1992, p. 25).

O grupo, inserido no contexto escolar, também se configura como uma “rede

de (auto)formação participada”, permitindo a compreensão da globalidade dos

sujeitos e assumindo a “formação como um processo interactivo e dinâmico”

(NÓVOA, 1992, p. 26)., valorizando a importância do coletivo na formação

continuada de professores. Esse coletivo faz com que os professores percebam o

contexto social de sua prática docente e partilhem a reflexão enquanto prática social.

Nesse sentido, este grupo tenta “construir comunidades de aprendizagem, nas quais

os professores apóiam e sustentam o crescimento uns dos outros” (ZEICHNER,

1993, p. 26) e a reflexão nele promovida “como uma experiência de reconstrução, na

qual se usa o conhecimento como forma de auxiliar os professores a apreender e a

transformar a prática” (ZEICHNER, 1993, p. 32). Isso leva à ampliação de sentidos e

significados da prática docente.

Page 84: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

83

Capítulo 4

CAMINHOS DA PESQUISA: CONSTRUINDO A

METODOLOGIA

Faiscadores de Ouro – Cândido Portinari

Pintura a guache/papel 38.7 x 46.4cm

Montevidéu Assinada e datada na margem inferior à direita

"PORTINARI 948"

A construção da metodologia precisa seguir os rituais dos “Faiscadores de

Ouro” a fim de que se elabore uma resposta à questão de investigação que move a

presente tese.

Page 85: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

84

Os processos de formação implicam num processo pessoal, de questionamento do saber e da experiência numa atitude de compreensão de si mesmo e do real que o circunda. É efetivamente a postura de questionamento que caracteriza o pensamento reflexivo (ALARCÃO, 2005).

Considerando que a estrutura humana é complexa e “é o produto de um

processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história

individual e história social” (VYGOTSKY, 2003a, p. 40), percebemos a questão do

exercício e da formação docente enquanto um processo que se faz muito pela

apropriação da palavra do outro e na interação com o outro, considerando a visão

histórico-cultural que permite ver que os processos de produção são marcados pela

mediação, pelo uso de instrumentos e palavras. Nesse sentido, construir

conhecimentos supõe ação partilhada, uma vez que é por meio dos outros que as

relações entre sujeito/objeto de conhecimento são estabelecidas. Por isso as

interações sociais entre os professores no contexto institucional figuram como

condições favoráveis para a produção e sistematização de conhecimentos – visando

ao desenvolvimento profissional – pelo diálogo, cooperação, troca de informações e

confronto de idéias. É nesse movimento que perspectivas, vozes, enunciações,

convergências e diferenças que os sujeitos se constituem e os múltiplos sentidos se

produzem.

Nessa perspectiva a afirmação de Alarcão (2005), que introduz este capítulo,

aponta a “postura de questionamento” como central à postura reflexiva que busca a

compreensão de si mesmo e do contexto em que o sujeito está inserido a fim de que

possa se constituir histórica e socialmente.

Aqui também adquire significativa dimensão o pensamento de Tavares

(2005), quando defende a necessidade de garantir não só o desenvolvimento

pessoal e social dos sujeitos, mas também o seu futuro desenvolvimento

profissional, não como imposição, mas como “somatização”, entendida como

expressão corpórea (individual) e social (coletiva) de um sujeito inserido em uma

comunidade (composta de outros sujeitos dialogantes), que muito bem

“compreenderam e assumiram” que a vida é um processo de constante aprendizado,

“construção pessoal e social” compartilhada.

As idéias de Vygotsky (2003a) associadas às de Alarcão (2005) e Tavares

(2005) nos encaminham para uma abordagem de pesquisa qualitativa. Qualitativa

Page 86: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

85

porque “implica partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos

de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que

somente são perceptíveis a uma atenção sensível” (CHIZZOTTI, 2006, p. 28).

Procuramos valorizar neste trabalho a colaboração entre os participantes do

grupo, o foco na reflexão sobre a prática docente e sobre aspectos a ela

relacionados, a ênfase no desenvolvimento profissional dos professores e a

disponibilidade de tempo para que pudéssemos nos reunir periodicamente, além do

apoio mútuo às nossas interlocuções. O grupo configura-se neste trabalho como um

lugar para os sujeitos se ajudarem, se aproximarem, se aprimorarem e se apoiarem

numa dinâmica complexa de interações, que para materializar-se precisa de

confiança no jogo de relações estabelecidas pelo compromisso que se manifesta

entre os professores.

Considerando este panorama, podemos inferir que este trabalho se apóia

numa investigação qualitativa descritiva, na qual os dados recolhidos se constituem

em textos, que revelam processos de interação, transcritos a partir de entrevistas

semi-estruturadas e de reuniões com professores universitários, sujeitos dessa

pesquisa. Todo esse material transcrito “tem potencial para constituir uma pista que

nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de

estudo” (BOGDAN e BIKLEN, 2003, p. 49). Além disso, interessaram-nos mais os

processos do que simplesmente os resultados ou produtos, tendo consciência de

que o processo de investigação “reflete uma espécie de diálogo entre os

investigadores e os respectivos sujeitos” (BOGDAN e BIKLEN, 2003, p. 49), uma vez

que se fundamenta “em uma estratégia baseada em dados coletados em interações

sociais ou interpessoais, analisadas a partir dos significados que sujeitos e/ou

pesquisador atribuem ao fato” (CHIZZOTTI apud CAMPOS, 2000, p. 57).

Também em consonância com o objeto de estudo, a opção foi pela pesquisa

qualitativa, especificamente um estudo de caso, visto que esta nos permite investigar

mais profundamente assuntos particulares, não se limitando a perguntas que

induzam às respostas diretas e fechadas, interessando-nos a forma de tratar e

interpretar os dados. Tal recurso configura-se como investigação social, cujas

dimensões são apontadas por Bauer, Gaskell e Allun (2004, p. 17). Nesse sentido,

no presente trabalho, foi considerado como princípio de delineamento a formação de

um grupo de professores universitários de uma dada instituição; o registro em áudio

das reuniões com os professores como geração de dados, e o exame de interações

Page 87: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

86

discursivas, aliadas ao interesse de ampliar sentidos e significados da prática

docente, como análise dos dados.

Vale ressaltar que, enquanto pesquisa social, interessou-nos “a maneira como

as pessoas espontaneamente se expressam e falam sobre o que é importante para

elas e como elas pensam sobre suas ações e as dos outros” (BAUER, GASKELL e

ALLUN, 2004, p. 21), daí a idéia de colocar em interação professores universitários e

coordenação pedagógica, ambas as partes mobilizadas a

buscar apoio e parceria para compreender e enfrentar os problemas complexos da prática profissional; enfrentar colaborativamente os desafios da inovação curricular na escola, [visando ao] próprio desenvolvimento profissional [e] (...) pesquisa sobre a própria prática (FIORENTINI, 2004, p. 54).

Este trabalho se apresenta como um estudo de caso por revelar o estudo de

algo singular, que tem valor em si mesmo: os processos de ampliação de sentidos e

significados da prática docente de um grupo de professores sob a supervisão de

uma coordenadora pedagógica. É considerado estudo de caso por contemplar

algumas características básicas apontadas por Lüdke e André (2004): visa à

descoberta, a investigadora se mantém atenta aos novos elementos que podem

surgir durante o estudo; enfatiza a interpretação em contexto a fim de obter

apreensão mais completa do objeto; busca retratar a realidade de forma completa e

profunda, enfatizando a complexidade das situações, evidenciando a inter-relação

de seus componentes; usa variedade de fontes de informação; permite

generalização naturalística; procura representar diferentes, e até conflitantes, pontos

de vista, trazendo os pontos divergentes para estudo.

Enquanto estudo de caso, contempla três fases: a primeira aberta e

exploratória – análise dos currículos dos professores; a segunda mais sistemática

em termos de coleta de dados – as entrevistas exploratórias e as reuniões gravadas

em áudio e transcritas; e a terceira a análise e interpretação dos dados – recorte dos

episódios. Além disso, revela-se potencial para conhecer e compreender melhor

uma proposta de formação continuada de professores universitários no âmbito da

instituição onde atuam.

Page 88: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

87

4.1. Constituição e caracterização do grupo

Enquanto coordenadora pedagógica de uma instituição de educação superior

localizada no interior do estado de São Paulo, que estava no seu quinto ano de

funcionamento, percebendo algumas dificuldades enfrentadas pelos professores nas

reuniões pedagógicas e a partir de uma disciplina cursada no programa de

doutorado – Necessidades Formativas de Professores – pensei na hipótese de

propor uma atividade de formação continuada institucional, como uma possibilidade

de formação diferenciada da qualificação acadêmica – mestrado e doutorado – e

que pode promover reflexões mais centradas nos enfrentamentos dos professores

em suas salas de aula. Tendo em mente que as atividades de desenvolvimento

profissional na organização escolar afetam os professores e todos os responsáveis

envolvidos – na administração, na supervisão, na coordenação, nos serviços de

apoio – propus, à direção, reunir periodicamente os professores que desejassem

apropriar-se desse espaço de desenvolvimento profissional.

Esta instituição surge em 2002, portanto, a partir das regulamentações

oriundas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, oferecendo

cursos superiores de graduação tecnológica e cursos de licenciatura. De certa

forma, atendendo às diretrizes que embasam seus cursos, apresenta flexibilização

curricular compatibilizando a estrutura curricular com os perfis profissionais

específicos de cada área. Nesse aspecto, insere-se no chamado modelo “neoliberal-

globalista-plurimodal”. Porém, no desenvolvimento de suas ações, insere-se no

chamado modelo “democrático-nacional-participativo” à medida que procura formar

profissionais que demonstrem compreensão da realidade para que possam propor e

assumir mudanças necessárias para o desenvolvimento pessoal, profissional e

social. Não deixa de apresentar, também, marcas do modelo “utilitarista norte-

americano”, trazendo princípios da Escola Nova, considerando o aluno sujeito ativo

da aprendizagem, em busca de autonomia. Seu corpo diretivo valoriza muito a

formação inicial e continuada dos professores, vendo neles a possibilidade de um

trabalho pedagógico que alcance os parâmetros de qualidade na formação

profissional de seus alunos. Considerando este cenário, ao propor este trabalho,

logo houve apoio e incentivo institucionais.

A constituição do grupo aqui citado se deu a partir de um convite feito ao

corpo docente da instituição de educação superior, com o intuito de possibilitar o

Page 89: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

88

desenvolvimento profissional, constituindo um espaço de formação centrada na

instituição escolar. Nesse grupo, assumindo a função de mediadora, enquanto

coordenadora pedagógica, meu papel esteve atrelado à compreensão e gestão dos

processos de trocas que ocorreram durante as reuniões.

O grupo reuniu-se para análise de cenas de vídeos, estudos de caso e de

textos, nos quais foram abordados modos de atuação docente, com o objetivo de

criar um espaço para que os professores fossem levados a falar sobre seus fazeres

em sala de aula. Essas reuniões foram gravadas em áudio e, em seguida, transcritas

e analisadas. O objetivo central de todas as reuniões foi o de pensar a prática

docente na educação superior, o que implica, de pronto, refletir sobre o “ser

professor”.

A constituição e a importância desse grupo se apoiaram na visão histórico-

cultural, na qual há a possibilidade de os sujeitos participantes elaborarem

conhecimentos sobre objetos (neste caso, a prática docente) em “processos

necessariamente mediados pelo outro e constituídos pela linguagem, pelo

funcionamento dialógico” (GÓES, 1997, p. 13).

Os encontros foram planejados por mim, levando-se em consideração as

propostas e necessidades dos professores, procurando criar um clima favorável, no

qual partilhamos de uma mesma tarefa: aprender, ensinar e desenvolver-se para

melhor intervirmos na prática docente.

No decorrer das reuniões, os integrantes revelam formas complexas de

interação social envolvendo a linguagem. Linguagem que pressupõe dar voz e vez

ao outro, abrindo a possibilidade do diálogo como condição singular e variável que

dá forma a conteúdos, estes, por seu turno, revelados na e pela enunciação,

entendida como língua posta em funcionamento, convertida em discurso, que é de

natureza social à medida que admite e pressupõe o encontro de locutores e

ouvintes, que exprimem e reafirmam a subjetividade

baseada na memória, trazendo para a atividade [reunião] relatos que envolvem eventos cotidianos, atributos pessoais ou de conduta delas [professoras e deles - professores] própria ou de outras pessoas. Tais relatos [reflexões] usualmente referem-se a experiências diretamente vivenciadas ou a eventos observados e, ocasionalmente, a situações imaginárias ou inventadas (GÓES, 2001, p. 79).

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89

O discurso, por sua vez, materializa-se no suporte das palavras, “partículas de

um complexo mecanismo, quer dizer, de um mecanismo de conexão e combinação

com outros elementos” (VYGOTSKI, 1995, p. 275).

Conhecendo um pouco o corpo docente e, com anuência da direção, enviei

um e-mail para os cem professores que atuavam nos cursos superiores de

tecnologia e nas licenciaturas:

Prezado(a) Professor(a), Visando a complementação de minha formação acadêmica estou fazendo doutorado em educação na UNIMEP, minha área de concentração é “formação docente”. Minha pesquisa tem como foco a formação do professor universitário. Para a pesquisa estarei organizando reuniões periódicas com um grupo de professores da nossa instituição. O objetivo é refletir, sistematicamente, sobre a prática e a formação docente no nível universitário, vislumbrando uma parceria colaborativa. A parceria colaborativa visa à aprendizagem compartilhada, vinculada à geração de um novo conhecimento que contribui para a melhoria da prática docente. Para isso gostaria de convidá-lo(a) a fazer parte desse grupo que se reunirá às quintas-feiras (quinzenalmente) das 17h às 19h na Sala de Eventos. Caso tenha interesse em participar desse grupo, responda esse e-mail. Desde já, agradeço a participação,

Maura

Num primeiro momento, cerca de vinte professores manifestaram interesse

em participar. Mas quando, de fato, agendamos os horários, assumimos o

compromisso, dez foram os que se dispuseram a participar das reuniões. Contando

com a minha participação, o grupo constituiu-se de cinco mulheres e seis homens,

aqui chamados ficticiamente de Débora, Daniela, Priscila, Ana, André, Danilo, Lucas,

Rafael, Mateus e Éric. Desses professores, seis atuam nos cursos superiores de

tecnologia e cinco nas licenciaturas. Entre as mulheres, apenas a Daniela atua nos

cursos superiores de tecnologia e entre os homens apenas o Lucas atua nas

licenciaturas. Quanto à formação acadêmica, seis têm algum curso de

especialização e cinco não têm; quatro já concluíram o mestrado e três estão

cursando; dois têm doutorado e um está cursando. Entre onze professores, Débora,

Daniela, Priscila, André e Lucas foram os professores que mais participaram

assiduamente das reuniões. Os demais tiveram participação um pouco menor,

embora demonstrassem que sentiam falta da freqüência mais regular no grupo.

Com relação à experiência docente na educação superior, oito professores

têm em média quatro anos (tendo iniciado nesta instituição); dois têm oito anos

(sendo os quatro últimos nesta instituição); e um tem cinco anos (sendo os últimos

quatro nesta instituição). A idade média dos professores está na faixa de 40 anos.

Page 91: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

90

Com exceção de uma professora, os demais têm mais de 15 anos de atividade

profissional, o que supõe uma boa visão do mundo do trabalho e das exigências

profissionais em suas áreas de atuação.

Com o objetivo de conhecer um pouco mais os professores universitários que

iriam participar do grupo, foi realizada uma conversa intencional – entrevista semi-

estruturada (Anexo I) – com cada um deles, o que possibilitou uma aproximação à

história pessoal e profissional dos professores a fim de compreender suas

concepções, sua formação, sua ação docente, seus desafios e dificuldades e como

pensam a formação continuada.

De acordo com Rosa e Arnoldi (2006, p. 30-31) as questões formuladas para

uma entrevista semi-estruturada permitem que o entrevistado

discorra e verbalize seus pensamentos, tendências e reflexões sobre os temas apresentados. O questionamento é mais profundo e, também, mais subjetivo, levando ambos a um relacionamento recíproco, muitas vezes de confiabilidade. (...) As questões seguem uma formulação flexível, e a seqüência e as minúcias ficam por conta do discurso dos sujeitos e da dinâmica que acontece naturalmente.

Durante as entrevistas, estive atenta ao caráter de interação que as

permearam, observando uma possível atmosfera de influência entre quem pergunta

e quem responde. As entrevistas se desenrolaram a partir de um roteiro básico,

passível de adaptações. Essas entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e,

em seguida, os dados obtidos serviram para caracterizar o grupo e planejar as

primeiras reuniões. Com isso fui recolhendo algumas informações que revelaram

como se tornaram professores universitários, como foi o processo de formação

docente, como planejam uma aula, quais procedimentos utilizam para desenvolver

uma aula, quando é que uma aula dá certo, como avaliam suas aulas, o que

funciona bem e o que não funciona bem na aula, por que ensinam como ensinam e

o que esperam das reuniões que seriam realizadas. A sistematização dos dados

considerou, em alguns momentos o conteúdo expresso na fala dos professores e,

em outros as teias de relações que se apresentaram. Procurou-se manter a

fidelidade das informações emitidas pelos professores para que elas pudessem ser

referência na estruturação e desenvolvimento das reuniões realizadas a posteriori.

Foi interessante perceber que, nem sempre, tiveram oportunidade de discutir

elementos teóricos e práticos referentes ao ensino e à aprendizagem. Com isso

Page 92: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

91

percebi que o grupo não se constituiria em uma parceria colaborativa, como

anunciada na carta-convite aos professores. Percebi que as reflexões coletivas,

como vislumbravam os professores, necessitavam de direção e sentido,

que podem ser mediados e negociados por um educador/professor ou pesquisador educacional com uma perspectiva de inovação pedagógica. Não se pode esperar que um nível de criação pedagógica seja possível pela simples reunião de pessoas. A criação/recriação cultural da humanidade é sempre mediada e se dá na interação entre pessoas com o crescente domínio dos meios e instrumentos já existentes, que são os conceitos teóricos dos diferentes campos do saber, construídos historicamente e referenciados às circunstâncias sociais e culturais de uma época (MALDANER, 2000b, p. 64).

Os professores, enquanto seres em constante processos de formação,

precisam de alguém que faça a mediação para que os resultados de reflexões se

aproximem de resultados já consolidados pela comunidade científica. Por conta

disso, enquanto pesquisadora e coordenadora pedagógica dos professores, assumi

a coordenação das reuniões do grupo, ocupando a posição de mediadora.

O sujeito responsável pela mediação, que vai trabalhar com o grupo de

professores, precisa possuir certas características descritas por Marcelo García e

Vaillant (2001, p. 86):

pessoais (empatia, facilidade para a comunicação, paciência, diplomacia, flexibilidade, sensibilidade) e profissionais (experiência demonstrada em sua classe, habilidade na gestão de classe, disciplina e comunicação com os companheiros, certa iniciativa para planejar e organizar).

Nessa visão, a figura do mediador aparece como alguém que tem a intenção

de aproveitar e rentabilizar o conhecimento prático derivado da experiência dos

professores, possibilitando a incorporação de princípios e hipóteses de uma

formação potencializadora de atitudes de reflexão e análise permanente e crítica de

sua própria prática docente.

Aqui a mediação assume caráter pedagógico à medida que apresenta

orientação deliberada e explícita ao promover condições de produção do processo

de elaboração conceitual dos professores acerca de sentidos e significados de

prática docente. Nesse movimento, conceitos cotidianos e científicos se articulam e

se transformam possibilitando a tomada de consciência, pelo professor, de seus

processos mentais.

Page 93: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

92

As diferenças básicas entre um e outro conhecimento são notáveis. Um é o

conhecimento pessoal, e o outro pode ser considerado universal; um foi elaborado

de maneira circunstancial e arbitrária e o outro deve seguir um processo histórico

com um certo grau de linearidade; em um não existe separação entre os diferentes

âmbitos de conhecimento e o outro está rigidamente parcializado; em um, mal existe

a reflexão sobre o próprio conhecimento e no outro, pelo contrário, tal reflexão é o

que define o conhecimento científico.

Expectativas expostas. Grupo definido. É chegada a hora de pensar sobre o

encaminhamento das reuniões. As reuniões foram pensadas em função das

informações obtidas nas entrevistas com os professores. Por isso, alguns momentos

foram reservados à leitura de textos que falavam sobre abordagens de ensino e

aprendizagem, sobre metodologias, sobre características docentes; outros, à

discussão de algumas cenas de filmes; e outros, à reflexão sobre as próprias

experiências docentes, o contexto em que atuam e as dificuldades que enfrentam.

Embora trabalhássemos na mesma instituição, estávamos nos envolvendo

numa relação até então não vivida e que poderia significar uma possibilidade de

formação profissional, consciente, refletida.

Enquanto coordenadora do grupo, tentei facilitar os meios que possibilitaram

a transição de um pensamento simples para outro complexo, considerando: uma

perspectiva mais sistêmica de mundo; maior capacidade para ir além do funcional e

do concreto; maior controle e organização do próprio conhecimento, de sua

produção e aplicação à resolução de problemas complexos e abertos. O contexto

em que se dá essa transição precisa promover, pela interação entre os professores,

uma reconstrução interna e intersubjetiva dos conceitos cotidianos, que são

reorganizados num sistema que permite o confronto, o encontro com a dimensão

científica que permeia e sustenta a prática docente.

Acreditando que a coordenação do grupo, como mediadora, promove a

expressão, a comunicação da diversidade de idéias, valores, atitudes, crenças,

expectativas e saberes, a ampliação de sentidos e significados da prática docente se

materializará nos diálogos, expressos pelas palavras – símbolo do pensamento dos

professores – que revelam a ampliação de sentidos e significados da prática

docente.

Assim como um tapete que traz fios entrelaçados numa trama densa e

homogênea, as interações discursivas das reuniões, que organizam idéias e

Page 94: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

93

comunicam o que pensamos, a partir de questionamentos e reflexão compartilhada,

podem revelar possíveis ampliações de sentidos e significados da prática docente,

as quais articulam múltiplos saberes que se manifestam na ação docente.

4.2. As reuniões

Foram realizadas treze reuniões com duração média de 120 minutos em que

Deslocamentos, trânsitos antes não permitidos, começam a ser exercitados; o ato de aprender desdobra-se em ato libertador. Caminho árduo, tortuoso, exigente e bastante prazeroso, mas também gerador de angústia e medo. Entregar-se a esse processo para alguns parece ser fundamental, pois cientes de sua incompletude, vivem buscando o que apenas se insinua, outros parecem temer ser tocados por essas experiências (FURLANETTO, 2003, p. 6).

Talvez a idéia de Furlanetto (2003), acima descrita, associada à falta de

tempo e compromissos profissionais, ou até razões aleatórias à própria vontade dos

professores, nos revele o porquê dentre os cem professores convidados a participar

de nossas reuniões, vinte aceitaram o convite e, onze se dispuseram a vir e apenas

seis estiveram mais presentes ao longo do processo.

Mexer com o íntimo de nosso ser, expor nossas fragilidades, nossas dúvidas,

nossas incertezas, nossos sucessos, nossas potencialidades, exige determinação e

desejo de aprimorar-se pessoalmente e, em nosso caso, profissionalmente. Buscar

entender por que agimos assim e não de outro modo, muitas vezes, nos

desestabiliza, nos angustia, mas permite que nos conheçamos melhor e, nesse

conhecer possamos também ir conhecendo nossos pares e nos fortalecendo

enquanto grupo. A ausência de respostas prontas e lineares nos levou, ao longo das

reuniões, à reflexão e partilha de nossas concepções sobre ensino, aprendizagem,

conhecimento, formação continuada; à consciência de nossa incompletude e à

busca de mecanismos para que nossas ações docentes atinjam seus objetivos; à

nossa aprendizagem e (trans)formação.

A aprendizagem, por sua vez, está profundamente relacionada ao crescimento, não existe possibilidade de crescer sem aprender. Para aprender, não basta só olhar, mas, ver; não basta só ouvir, mas, escutar. Para que o olhar possa transformar-se em ver e o ouvir em escutar, o intervalo estabelecido entre eles necessita ser preenchido pela nomeação possibilitada pelo pensamento (FURLANETTO, 2003, p. 22).

Page 95: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

94

Em nossas reuniões, a expressão verbal ocupou lugar de destaque para dar

significado aos nossos pensamentos, nos levando a ver e a escutar nossas ações

docentes e as de nossos colegas professores. São essas expressões, ou melhor, as

interações dessas expressões é que possibilitaram a compreensão e a busca de

sentidos e significados, que nos fizeram compreender como íamos e vamos, aos

poucos, na relação com nossos pares, nos constituindo professores. Acreditamos

que “o professor, ao ser instigado a falar sobre suas concepções e experiências,

organiza seu pensamento e utiliza a narrativa como processo reflexivo” (CUNHA,

2006, p. 20).

Os objetivos e o tema de cada reunião são resultantes dos dados

apresentados na conversa intencional – entrevista semi-estruturada – com os

professores e de assuntos que surgiram no decorrer das reuniões, possibilitando

atender às necessidades concretas identificadas pelos participantes.

Conforme Marcelo García e Vaillant (2001), as análises e reflexões sobre o

fazer docente precisam constituir o fio condutor das reuniões, num processo

centrado na interação dos professores e na participação, mesmo que indireta, no

encaminhamento das reuniões.

As reuniões tiveram as seguintes temáticas: o papel do professor; a prática

docente – a questão da interação e do vínculo, enquanto aspectos fundamentais a

serem desencadeados intencionalmente pelo professor para que ações de ensino

possam ser favorecidas e efetivadas; abordagens dos processos de ensino-

aprendizagem; função social do ensino; professor técnico e professor reflexivo;

metodologia enquanto ato político da prática educativa; papel da linguagem no

estabelecimento de interações; relato de aula que possibilitou aprendizagem dos

alunos; e o papel dessas reuniões no desenvolvimento profissional dos professores.

O início das reuniões sempre foi marcado pela palavra aos professores, para

que pudessem tecer algum comentário sobre a reunião anterior ou algo que

quisessem trazer para compartilhar com o grupo. Em seguida, para estimular as

reflexões sobre a prática docente foram utilizados filmes, textos e desenhos.

Além dos filmes que despertam sentidos e mexem com emoções, também

lançamos mão de alguns textos de fundamentação teórica que foram, integral ou

parcialmente, lidos durante as reuniões. Alguns desses textos foram elaborados, por

mim, a partir de leituras realizadas, de modo a viabilizar uma síntese das principais

idéias e que pudessem ser lidos e debatidos durante as reuniões. Exemplo disso

Page 96: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

95

foram os textos que trataram das abordagens dos processos de ensino-

aprendizagem, do professor técnico e do professor reflexivo e do papel da

linguagem nas interações humanas. Tiveram como referência os textos de Mizukami

(2003), Gómez (1992) e Vygotsky (2003a, 2003b), que trouxeram como temática as

abordagens de ensino, a formação do professor como profissional reflexivo e o

conceito de interação e construção de conhecimentos, respectivamente. Dentre os

textos que foram parcialmente lidos temos como referência Zabala (1998), falando

da prática educativa, e Vasconcelos (1988), tratando da metodologia enquanto ato

de ensino. Os textos aqui foram considerados como “ato de fala impresso que

constitui igualmente um elemento de comunicação verbal. Ele é objeto de

discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido

de maneira ativa” (BAKHTIN, 2002, p. 123).

As reuniões foram gravadas em áudio e transcritas a fim de que os dados

pudessem ser construídos e analisados.

4.3. Os procedimentos de análise

Consideramos como parâmetros para delinear os procedimentos de análise

dois princípios propostos por Vygotsky (1993; 2003a), quando aborda a questão do

método: a “unidade de análise” e o “princípio explicativo”. Por unidade de análise

entendemos “o resultado de análise que, a diferencia de seus elementos, goza de

todas as propriedades fundamentais características do conjunto e constitui uma

parte viva e indivisível da totalidade” (VYGOTSKY, 1993, p. 19). Na unidade

analisamos os processos e não os objetos em si, pois os processos revelam uma

estrutura que reúne elementos, que vão adquirindo significado no processo histórico

e são colocados em relação com o todo em que estão integrados. O princípio

explicativo, por sua vez, revela “um problema [uma situação] sob o ponto de vista do

desenvolvimento”, revela “a sua gênese e suas bases dinâmico-causais”

(VYGOTSKY, 2003a, p. 82).

Como afirma Martins (2005, p. 36) “a unidade de análise circunscreve um

campo teórico metodológico da análise, e o princípio explicativo permite relacionar

uma determinada realidade com uma determinada elaboração teórica”. Nesse

processo, a expressão verbal reconstrói a prática docente dos professores e vai

ganhando significados no movimento e na interação do grupo, nas relações que

Page 97: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

96

envolvem a história individual e social dos professores, possibilitando a construção

de processos que evidenciam a ampliação dos sentidos e significados da prática

docente.

Para o processo de construção dos dados, extraídos das transcrições das

reuniões, e, conseqüente análise, levamos em consideração a seguinte afirmação

de Góes:

Uma forma de construção de dados que requer a atenção a detalhes e o recorte de episódios interativos, sendo o exame orientado para o funcionamento dos sujeitos focais, as relações intersubjetivas e as condições sociais da situação, resultando num relato minucioso dos acontecimentos (2000b, p. 9).

Em outro texto, a mesma autora afirma que a singularização é obtida graças à

interação social:

A singularização vem das experiências no grupo social. A separação do individual e a distinção entre pessoas são primeiramente realizadas no plano social e, depois, reconstruídas pelo próprio indivíduo. E, por isso, há uma base genética social para tudo aquilo em que um ser se torna – ele aplicará a si o que vivenciou com os outros. As relações sociais, que fundam os processos individuais, são caracterizadas por tensões e equilíbrios. Estão vinculadas tanto à solidariedade quanto à coação. O homem constrói sua individualidade de forma contraditória, pois, ao se singularizar, ele é apoiado e constrangido. É singularizado pelo nome que recebe, pelo ato de saudação do outro, pelos papéis atribuídos e expectativas postas (GÓES, 2000a, p. 119-120).

Tendo como pano de fundo uma interpretação histórico-cultural e semiótica

dos processos humanos, os procedimentos de análise buscaram valorizar

estratégias de investigação que enfatizam o “entrelaçamento das dimensões cultural,

histórica e semiótica no estudo do funcionamento humano” (GÓES, 2000b, p. 10).

Assim, parece-nos bastante adequada esta forma de evidenciar as reflexões

de professores universitários sobre sua prática docente, movidos pela intenção de

participar, aprender mais, trocar experiências, do que tem resultado uma melhoria

dessa prática, naqueles aspectos em que esta pode ser melhorada. Nas reuniões,

procuramos discutir sobre o papel do professor, a preocupação de cada um com os

alunos que estão formando, que tipo de formação desenvolver com esse aluno,

debates estimulados por vídeos e textos didáticos instigadores.

Desse modo, acreditamos que as formulações teórico-metodológicas aqui

apresentadas, envolvendo a mediação sígnica, a centralidade do signo verbal, o

Page 98: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

97

diálogo, a interação com o outro, a aprendizagem compartilhada, a subjetividade,

desenvolvidas em situações de interação social à luz dos pressupostos e estratégias

da análise qualitativa do discurso, aplicam-se não apenas ao objeto de reflexão nas

reuniões, qual seja da ampliação dos sentidos e significados da prática docente,

mas, recorrentemente, também aos próprios professores que participam dos

debates, uma vez que eles passam, do mesmo modo, a experienciar um processo

de aprendizado a partir da reflexão sobre sua própria prática e a dos outros,

compartilhando experiências, corrigindo desvios, tomando contato com propostas

novas e/ou inovadoras de seus colegas atuantes em outras áreas do conhecimento,

disso tudo resultando em um enriquecimento pessoal e profissional para todos os

envolvidos.

Isso é possível porque o “discurso é a expressão de um sujeito no mundo que

explicita sua identidade pessoal (quem sou, o que quero) e social (com quem estou)

e expõe a ação primordial pela qual constitui a realidade” (CHIZZOTTI, 2006, p. 120-

121).

A análise qualitativa do discurso, que pretende interpretar os sentidos da

expressão verbal e das interações, foi a base dos procedimentos para analisar os

episódios, recortados das transcrições das reuniões, por privilegiar “a função e o

processo da língua no contexto interativo e social” (CHIZZOTTI, 2006, p. 113) em

que é proferida. Destaque é dado ao

discurso enquanto situado em um contexto sócio-histórico e (...) ele só pode ser compreendido se relacionado com o processo cultural, socioeconômico e político nos quais o discurso acontece, crivado pelas relações ideológicas e de poder. Importa, nesse sentido, o processo, o ato de fala, o sentimento de elaboração no momento da produção do discurso, com todas as injunções subjetivas – desejos, instintos –, determinações sociais – ideologias, contradições e formas lingüísticas –, incoerências, repetições, omissões (CHIZZOTTI, 2006, p. 121).

Tendo como diretrizes de investigação os estudos processuais, decorrentes

da abordagem histórico-cultural, os eixos temáticos aqui estabelecidos para a

análise dos dados visam evidenciar os processos de interação de um grupo de

professores que, por meio de reflexões e estudos sobre o fazer docente, ampliam

seus sentidos e significados sobre a prática docente.

Os eixos temáticos encontram referências na tríade professor-aluno-

conhecimento, apontada por Hyman (1974) e Coll (1992), e que é constitutiva da

Page 99: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

98

prática docente e que se desdobra nas concepções de conhecimento, de ensino, de

aprendizagem, de metodologia de ensino-aprendizagem e de avaliação. Para

definirmos esses eixos, procuramos não perder de vista os processos, ou como diz

Pino (2005, p. 179), “a história da gênese desses fatos”. É no estudo da gênese que

é possível perceber a natureza e a significação do fato pesquisado. Aqui estamos

entendendo como processos de significação “os modos de produção, circulação e

(re)elaboração de significação” (PINO, 2005, p. 149).

Como primeiros eixos temáticos temos papel do professor e papel de

aluno . Acreditamos que a partir da concepção que o professor tem do seu papel e

de como concebe o aluno e o conhecimento que ensina, ele traz indicativos do que

pensa sobre conhecimento, ensino , aprendizagem , metodologia de ensino-

aprendizagem e avaliação – nossos últimos eixos temáticos.

Nesta investigação, são analisadas as interações verbais dos professores por

meio de recortes de episódios interativos que revelam relações intersubjetivas e

condições sociais da situação profissional docente. Essas interações expressam

fatos, características e tensões relacionados à prática docente dos professores

universitários. Seguindo o caminho da análise qualitativa do discurso, a

interpretação histórico-cultural se dá pela análise do funcionamento dialógico

discursivo ao longo do processo das reuniões. “O discurso está conexo com as

relações sociais, é revelador da posição dos interlocutores no contexto e só pode ser

compreendido quando se tem presente as relações de força contidas no discurso”

(CHIZZOTTI, 2006, p. 122). Nesta mesma direção se configura a idéia de Iñiguez

(2004, p. 123) ao entender o discurso como “conjuntos de enunciados falados em

um contexto de interação – nesta concepção ressalta-se o poder de ação do

discurso sobre outra ou outras pessoas, o tipo de contexto (sujeito que fala,

momento e espaço, história etc.)”.

O texto, resultado das transcrições das reuniões, é aqui considerado discurso,

pois “revelam enunciados a partir de posições determinadas, inscritos em um

contexto interdiscursivo específico e reveladores de condições históricas, sociais,

intelectuais” (IÑGUEZ, 2004, p. 129). É por isso que das reuniões são extraídos

fragmentos de texto, aqui chamados de episódios interativos por demonstrarem o

funcionamento dialógico-discursivo e que revelam como sentidos e significados da

prática docente vão se transformando e se ampliando. A ampliação revela-se pelas

interações verbais que expressam significação e re-significação da prática docente,

Page 100: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

99

revelando outras possibilidades de ser docente na medida em que os membros do

grupo vão internalizando o conhecimento propiciado pelos outros.

Os eixos temáticos aqui estabelecidos são interpretados à luz das

características da racionalidade técnica e da racionalidade prática, procurando

perceber o quanto as práticas docentes podem ser determinadas pelos que definem

as metas do ensino ou pelas próprias expectativas dos alunos e os meios para

atingi-las e o quanto os professores usam da autonomia para enfrentarem situações

imprevisíveis que surgem no cotidiano da sala de aula, onde não cabem soluções

previamente estabelecidas ou padronizadas.

Voltando à questão norteadora deste trabalho, reflexões compartilhadas de

um grupo de professores universitários sobre prátic a docente podem ampliar

sentidos e significados da mesma? , tentamos nos ater ao ‘como’,

comprometendo-nos em mostrar quais perguntas, textos, atividades, discussões,

embates, contradições, acordos, propostas, mudanças, ações concretas,

resistências e limitações se manifestaram ao longo de nossas reuniões e como isso

pôde e pode ter contribuído para a ampliação dos sentidos e significados da prática

docente através do desenvolvimento do pensamento reflexivo desse grupo de

professores universitários, considerando que constituir-se reflexivo é um processo

que se aprende sendo, pensando sobre o conteúdo que se ensina, sobre o contexto

em que se ensina, sobre o como se ensina, sobre a própria competência

pedagógica, a legitimidade dos procedimentos metodológicos que utiliza, os

objetivos do ensino da sua área de conhecimento na formação profissional dos

universitários. Além disso, interrogar-se sobre os conhecimentos e as competências

que seus alunos estão desenvolvendo, sobre os fatores que contribuem ou não para

isso, sobre o papel da avaliação nesse processo, sobre o ser professor.

Os eixos temáticos permitem encontrar os indícios das evidências presentes

nas interações verbais dos professores, expressas nos enunciados, revelando como

concebem determinados conceitos que permeiam a prática docente. Para buscar

esses indícios, consideramos a transcrições das reuniões que se transformam em

textos, vistos como “uma entidade profunda invisível a ser construída para além dos

dados sensíveis” (GINZBURG, 2003, p. 158).

Conforme Bakhtin (2002), todo enunciado, antes de seu início traz enunciados

de outros e, depois de seu término, agrega os enunciados responsivos de outros. O

Page 101: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

100

enunciado é delimitado pela alternância do sujeito do discurso – o falante – com o

interlocutor. É essa alternância de sujeitos que cria possibilidades de interlocução.

A enunciação é sempre determinada pelas condições reais, pela situação

social imediata; é produto da interação interlocutor/interlocutor – pressupõe que

procede de alguém e se dirige a alguém; tem como centro organizador o externo, o

que está fora do indivíduo; por isso é socialmente dirigida.

O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo. (...) A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto [o aqui e o agora, o lugar de onde se fala] mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística (BAKHTIN, 2002, p. 121).

A enunciação “só se realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é

determinado pelos seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma

determinada enunciação com o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras

enunciações)” (BAKHTIN, 2002, p. 125).

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada

referido campo por seu conteúdo (temático), pelo estilo da linguagem e por sua

construção composicional (BAKHTIN, 2003, p. 261). Podemos dizer que cada

enunciado particular é individual, refletindo a individualidade do falante, mas cada

campo de utilização da língua elabora seus gêneros do discurso.

Como já anunciado, as transcrições das reuniões constituem o elemento

básico da qual são extraídos os episódios, objetos de análise, que revelam a

ampliação de sentidos e significados da prática docente. As transcrições das

reuniões apresentam o tema, o objetivo, o número de participantes, as estratégias

propostas e as atividades desenvolvidas (leitura de textos, análise de cenas de

filmes, descrição de aulas, questionamentos da prática docente). Também pela

análise qualitativa dessas transcrições temos uma espécie de “fotografia” das

reuniões.

À luz dos eixos temáticos – papel do professor, papel de aluno,

conhecimento, ensino, aprendizagem, metodologia de ensino-aprendizagem e

avaliação – as transcrições de todas as reuniões foram lidas e relidas com a

finalidade de recortar os episódios que manifestam interações discursivas que

destacam tais eixos. Os episódios foram recortados levando-se em consideração os

Page 102: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

101

princípios da análise qualitativa do discurso, ou seja, a análise minuciosa dos

processos de interação, das relações intersubjetivas expressas pelo diálogo entre os

professores. Assim, por exemplo, os episódios que ilustram o eixo metodologia de

ensino-aprendizagem são recortes de interações discursivas que expressam idéias a

respeito de ensino e aprendizagem.

Esses vários episódios são interpretados à luz da abordagem histórico-

cultural, das tendências teóricas de formação docente e, principalmente, dos

referenciais da racionalidade técnica e da racionalidade prática, seguidos de

cotejamento que expressam a ampliação – evolução e modificação – das idéias em

discussão. Essa evolução e modificação se manifestam nas atividades propostas

durante as reuniões, por exemplo, na leitura e discussão de textos, nas análises e

discussões dos filmes, nos relatos e nas reflexões sobre a própria prática docente

dos membros do grupo.

Buscamos, na análise dos episódios, valorizar os processos de recolha e

discussão de dados da experiência docente dos professores, vislumbrando momento

de reflexão sobre a ação. Desse modo, as análises acabam evidenciado em quais

momentos nossas ações se aproximaram da racionalidade técnica e/ou da

racionalidade prática e quais foram seus possíveis desdobramentos. Foi um esforço

de olharmos para nós mesmos e descobrirmos que professores somos e que

professores queremos ser, quais nossas fragilidades e quais nossas

potencialidades.

Page 103: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

102

Capítulo 5

MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E AMPLIAÇÃO DE SENTIDOS E

SIGNIFICADOS DA PRÁTICA DOCENTE

Paz – Cândido Potinari

Painel a óleo/madeira compensada 1400 x 953 cm (aproximadas) (irregular)

Rio de Janeiro, RJ Assinada e datada no canto inferior

esquerdo "PORTINARI RIO 1952-1956"

Embora a obra se intitule “paz”, traz em si um movimento inquietante

mostrando a complexidade das relações humanas. Essa complexidade também se

faz presente na mediação pedagógica que tenta canalizar os questionamentos, os

saberes, as experiências, os anseios, as dificuldades, as tensões e as

potencialidades envolvidas na prática docente.

Page 104: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

103

Nestes contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um papel de enorme relevância. Um triplo diálogo, poderei afirmar. Um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o diálogo com a própria situação (ALARCÃO, 2004).

Entendemos que a afirmação acima introduz este capítulo, em razão de nele

tratarmos de interações dialógicas não só de atores centrais do processo educativo,

mas sim deles colocados diante de uma situação específica: relatos e reflexões

sobre suas práticas docentes. Reveste-se, assim, este diálogo de certa

complexidade, visto acionar um exame de cada sujeito consigo mesmo, com o outro

e com a situação-objeto que motivou os diálogos e as reflexões, dos quais

resultaram inferências, idéias e sugestões capazes de modificar hábitos e posturas,

e, portanto, influir, retroativamente, na situação motivadora.

5.1. Conhecendo o grupo de professores universitári os: bases para o

encaminhamento das reuniões

Para exercer a função de mediadora pedagógica do grupo de professores,

fez-se necessário conhecer cada participante um pouco mais a fundo a fim de

perceber, mais concretamente, como foram se constituindo profissionalmente, quais

são suas dificuldades e facilidades na prática docente e as expectativas que tinham

em relação ao grupo que estava se formando. Para isso, realizei entrevistas

individuais com os professores, com o intuito de explicitar melhor os objetivos do

grupo, e me aproximar deles e fortalecer nosso vínculo.

As entrevistas realizadas com os professores revelam que o tornar-se

professor universitário, em praticamente todos os casos, foi uma decorrência do bom

desempenho profissional no mundo de trabalho, no caso dos professores dos cursos

superiores de tecnologia, ou na educação básica, no caso dos professores das

licenciaturas. Isso revela que a docência foi uma conseqüência de um trabalho

profissional específico realizado anteriormente.

Apenas um dos professores universitários não iniciou sua atividade docente

na educação superior nesta instituição. Todos os outros foram indicados para

assumir alguma disciplina por algum coordenador de curso que conhecia o trabalho

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104

profissional realizado por esses professores. Portanto, a docência na educação

superior, para esses professores, começa nesta instituição.

Quanto ao processo de formação docente, foi possível notar que se deu de

modo diverso: pela formação acadêmica específica para a docência, pela formação

em uma área específica de conhecimento, pela experiência na área de treinamento

em empresas. Nos dois últimos casos, os professores colocam que praticamente

não tiveram orientação pedagógica nesse processo de formação, primeiro porque

não pensavam em seguir a carreira docente – são profissionais do mercado;

segundo porque aprofundaram estudos na área do exercício profissional.

Percebemos, também, que apenas os professores dos cursos de licenciatura é que

realizaram estudos acadêmicos específicos para a docência.

Em função da formação de cada um dos professores, nos parece, que a

questão do conhecimento específico é a mais valorizada, em detrimento de uma

racionalidade mais prática, embora vários dos professores apontem o conhecimento

prático enquanto um conhecimento que dá conta da parte pedagógica.

Interessante observar que apenas uma professora afirma que sua formação

docente se deu “exclusivamente pela formação acadêmica” (graduação, mestrado e

doutorado). Outra professora revela que o fundamento teórico da didática –

necessário à prática docente – é aprendido na prática porque a formação acadêmica

(mestrado e doutorado) deu conta apenas do conhecimento específico.

Com relação ao planejamento das aulas, os professores afirmam que

planejam suas aulas tendo como referência a ementa dos componentes curriculares.

Fazem o planejamento semestral, como prevêem as orientações da instituição,

descrevendo as propostas de competências e habilidades a serem desenvolvidas,

os conteúdos, as estratégias de ensino e as referências bibliográficas para vinte

semanas de aula. Também têm consciência de que esse planejamento é flexível e é

detalhado aula a aula no decorrer do semestre. Mesmo não tendo, em sua maioria,

uma formação acadêmica para a docência, os professores são unânimes em afirmar

que “não dá para improvisar, é preciso planejar”, ou seja, articular conteúdos,

objetivos, carga horária ao perfil profissional que se deseja formar.

Nessa primeira conversa, entre os procedimentos utilizados pelos professores

para desenvolver uma aula, encontramos o uso de recursos tecnológicos, desde a

lousa e o giz, passando pelo vídeo ou DVD até chegar ao projetor multimídia. Um

outro recurso também utilizado é a notícia diária, ou um assunto do cotidiano, que

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105

inicia a aula, ou uma situação do dia-a-dia, um estudo de caso, um texto de

referência teórica que tem a função de problematizar o assunto a ser trabalhado ou

despertar para as questões da atualidade. Notamos aqui uma preocupação dos

professores que vai além da simples transmissão de conteúdos.

O termômetro de que a aula “deu certo”, para esses professores, está na

participação, no envolvimento, na concentração, na reação dos alunos, frente ao

conhecimento explorado, na fala ou nos comentários dos alunos que permanecem

em sala mesmo depois da aula ter acabado. Além disso, consideram o olhar, a

disposição física na sala de aula, a demonstração de compenetração:

Quando percebo que eles [os alunos] estabelecem relações sobre isso com outras situações ou percebo que as coisas estão bem construídas neles, com a participação a coisa acontece e detona uma discussão em sala de aula, que eles falam, perguntam, dizem eu acredito nisso... e parece que aconteceu a evolução. (...) Quando a gente percebe nos alunos entusiasmo, percebe os comentários a respeito do que foi passado, às vezes no final da aula os alunos vêm procurar a gente e querem saber um detalhe a mais do que foi colocado (Débora).

Com relação ao que normalmente funciona bem no desenrolar da aula,

temos: enxergar o aluno como outra pessoa; trazer a arte para a aula; utilizar

imagens, músicas e filmes para despertar o mote da aula, dinâmicas de grupo;

estudos de casos; propostas de atividades que relacionam a teoria com a prática;

trabalhos extras a partir de leitura orientada; e utilização de recursos audiovisuais.

Entre as dificuldades enfrentadas, ou melhor, as coisas que ainda não funcionam

bem no desenvolvimento da aula e que precisam ser enfrentadas e melhoradas por

alguns dos professores estão: o uso exagerado da técnica; a realização de trabalhos

em grupo; fazer com que os alunos leiam um texto com autonomia; utilizar projetor

multimídia; desenvolver atividades que contribuam efetivamente na formação do

espírito crítico; exposição teórica excessiva e pouca articulação com a prática.

Dentre as razões que os levam a ensinar como ensinam, destacamos: a

crença de que é necessário valorizar o relacionamento humano nos processos de

ensino-aprendizagem; as boas qualidades de antigos professores; a própria

formação pessoal, daquilo que teve em casa, na infância e o que é construído no

próprio relacionamento com os outros alunos; o sentimento de que está envolvendo

o aluno; a própria história na escola; a troca de experiências com os pares, o estudo,

rever e ouvir os alunos; a vivência em empresa e a experiência em treinamento; pela

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106

observação que fez de professores que de certa forma gostava e que incentivaram;

e, finalmente, porque “aprendi desse jeito, e eu acho que é o jeito correto”.

O que esses professores esperam desse grupo de formação? Finalizando

esse primeiro contato, na entrevista individual, os professores disseram que

esperam:

Trocar idéias, coisa que a gente não faz sempre por falta de tempo, de espaço, de não ter um horário marcado para isso; Trocar experiências boas e ruins, discutir sobre situações reais do dia-a-dia; Reforçar nossa responsabilidade perante a sociedade; Repensar a educação; Trocar, aprender e descobrir coisas; Melhorar, aprender, vencer as dificuldades em equipe. Com a formação desse grupo eu vi a possibilidade de aprendermos uns com os outros; Discutir sobre a prática docente e aperfeiçoar o conhecimento; Trocar informações porque a gente nunca sabe tudo.

Tendo como referência essas informações, as reuniões foram delineadas de

modo a levarem em conta as idéias que os professores trazem e a possibilidade de

ampliar os sentidos e significados da prática docente.

5.2. As reuniões: espaços para a interação de pensa mentos e de vozes

Nas primeiras reuniões, utilizamos alguns filmes para começar a pensar sobre

práticas docentes dos professores-personagens das histórias para, aos poucos,

chegarmos às nossas próprias práticas. Os filmes não foram assistidos na íntegra,

pelo menos nas reuniões, mas trechos foram selecionados para que o exercício

docente fosse algo central, uma vez que era esse o nosso tema e propósito. Entre

os filmes utilizados estão “Mr. Holland, adorável professor”, “O espelho tem duas

faces”, “Sarafina”, “Mentes perigosas”, “Ao mestre com carinho”, “O preço do

desafio” e “Sociedade dos poetas mortos”. A partir destes filmes, os próprios

professores foram se lembrando de outros, estabelecendo relações e utilizando-os

também em reuniões pedagógicas com outros professores.

Percebemos que as reuniões possibilitaram a criação de vínculo entre os

participantes, favorecendo um espaço de desenvolvimento em que aprendem os

professores e a coordenadora também.

Nas reuniões observamos que os participantes trouxeram para a mesa de

discussões saberes pessoais adquiridos em seu cotidiano, na vida familiar, na

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107

educação básica, nas leituras e nas vivências culturais de cada um; saberes da

formação profissional; saberes advindos de técnicas e procedimentos utilizados na

docência, de programas curriculares, de livros didáticos. Enfim, dos diversos saberes

oriundos da experiência de cada um, saberes que circulam, são expressos,

debatidos, confrontados e assimilados em prol da transformação de cada um e da

sociedade, da sensibilidade e da criatividade para lidar com incertezas cada vez

mais presentes no cotidiano da profissão (muitos professores atuam também em

empresas) e na prática docente universitária.

Aqui trazemos uma pequena descrição de cada uma das reuniões a fim de

que sejam explicitados os contextos dos quais os episódios são recortados e

analisados, demarcando as trajetórias de vida e possibilidades de formação, tendo

como início deste trajeto nossa primeira reunião.

Como já anunciamos anteriormente, as reuniões foram planejadas a partir da

análise das entrevistas realizadas com os professores. As entrevistas revelaram o

desejo que esse grupo de professores tinha em melhorar suas atividades docentes

através da troca de experiências, da discussão sobre a prática docente e do

aperfeiçoamento do conhecimento.

A Reunião Nº 1 teve como tema “Papel do Professor” e a participação de

onze professores. Como objetivo, foi proposto discutir sobre o papel do professor

partindo da definição de Stenhouse “a docência pode, em grande medida, ser um

hábito, uma construção pessoal de habilidades e recursos com os quais

desenvolvemos nossa prática, mas que em determinados momentos somos capazes

de torná-la consciente para poder aperfeiçoá-la” (apud CONTRERAS, 2002, p. 117-

118). Após discutirmos um pouco sobre o pensamento de Stenhouse assistimos a

um trecho de palestra do educador Paulo Freire, intitulada “Paulo Freire por ele

mesmo”, na qual ele traz para reflexão a questão do papel do professor: adequação

ou inserção do sujeito na sociedade. Relacionando a docência ao papel do professor

seguiram as reflexões durante a reunião. Para encerrar, ouvimos um trecho da

música “Quem sabe isso quer dizer amor”, de Milton Nascimento e fomos para a

aula pensando em nosso papel.

Por sairmos do primeiro encontro pensando em “transformar o ribeirão em

braço de mar” (estrofe da música de Milton Nascimento), ou seja, ampliar os

sentidos e os significados de nossa ação docente, a Reunião Nº 2 ainda teve como

tema “Papel do Professor” e a participação de onze professores. O objetivo foi

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108

discutir o papel do professor no sentido de envolver as mentes com conhecimentos e

de ser um orientador dos conhecimentos. Como estratégia, para alcançarmos este

objetivo, assistimos a um trecho do filme “Mr. Holland, adorável professor”,

destacando a ação docente do personagem e refletindo sobre a possibilidade do

professor estimular e desenvolver em seus alunos o “tocar notas” e o “tocar música”.

Aqui o “tocar nota” está relacionado à reprodução do conhecimento, tendo como

eixo orientador a racionalidade técnica, e o “tocar música”, ao uso e à transformação

do conhecimento, tendo como eixo orientador a racionalidade prática, levando-nos a

encaminhar o assunto da próxima reunião: a prática docente.

Conforme solicitado no encontro anterior, na Reunião Nº 3, tratamos do tema

“Prática Docente”. Participaram dessa reunião oito professores com o objetivo de

refletir sobre a prática docente. Para iniciar a reflexão, assistimos a um trecho do

filme “O espelho tem duas faces”. Depois de analisarmos as estratégias de ensino

do professor de matemática e da professora de literatura – personagens principais

do filme – nos concentramos na questão da necessidade de interação, conexão e

estabelecimento de vínculo com os alunos, do envolvimento com a prática docente.

Como o debate ficou em torno da prática e das percepções dos professores foi

sugerido que, na próxima reunião, eu trouxesse algum texto que tratasse das

concepções teóricas de ensino-aprendizagem.

A Reunião Nº 4, com a participação de nove professores, teve como objetivo

conhecer as abordagens dos processos de ensino-aprendizagem: tradicional,

comportamentalista, humanista, cognitivista e sócio-cultural. Tendo esse objetivo, a

temática se concentrou nas abordagens dos processos de ensino-aprendizagem.

Como os professores haviam solicitado a leitura de um texto, elaborei um quadro-

resumo baseado no livro “Ensino: as abordagens do processo” de Maria da Graça

Nicolleti Mizukami (2003). A estratégia centrou-se na leitura compartilhada do

quadro-resumo, nas lembranças de modos de ser professor e na reflexão

simultânea.

Com o objetivo de dialogar com as abordagens dos processos de ensino-

aprendizagem tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sócio-

cultural nas práticas pedagógicas, realizamos a Reunião Nº 5, com a participação de

sete professores. A partir da exibição de trechos dos filmes “Sarafina”, “Mr. Holland,

adorável professor”, “Mentes perigosas”, “Ao mestre com carinho”, “O preço do

desafio” e “Sociedade dos poetas mortos”, fomos identificando as abordagens de

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109

ensino-aprendizagem que permeiam a prática desses professores-personagens e

até a nossa própria prática.

Tendo ampliado um pouco a idéia sobre as diferentes abordagens dos

processos de ensino-aprendizagem, começamos a Reunião Nº 6 com o objetivo de

refletir sobre a função social do ensino, tema em evidência. Para isso, lemos e

refletimos trechos do texto “A função social do ensino e a concepção sobre os

processos de aprendizagem”, do livro “A prática educativa: como ensinar”, de Antoni

Zabala (1998). Participaram dessa reunião sete professores.

Vistas essas questões e após um período de férias, deixamos a Reunião Nº 7

para pensarmos um pouco sobre as reuniões que já havíamos realizado e sobre o

encaminhamento das próximas. Com a participação de seis professores, retomamos

assuntos das reuniões anteriores e percebemos a necessidade de refletirmos sobre

as características dos professores tendo em vista os parâmetros da racionalidade

técnica e os da racionalidade prática. A proposta dessa reunião também tem como

pano de fundo a necessidade que tive de obter informações e observar como os

professores estavam sentindo e percebendo nossas reuniões.

Dando continuidade ao encontro anterior, a Reunião Nº 8, com a participação

de cinco professores, teve como objetivo refletir sobre dois “modelos” de professor: o

técnico especialista e o reflexivo. Para isso, foi proposta a leitura das idéias básicas

do texto “O pensamento prático do professor: a formação do professor como

profissional reflexivo”, de Angel Pérez Gómez (1992). Conforme a leitura foi sendo

realizada, saltaram da memória professores que tivemos e nossas próprias ações

pedagógicas, levando-nos à reflexão.

Falando das características do professor pautado na racionalidade técnica e

na racionalidade prática, pudemos fazer uma relação direta com a metodologia

utilizada a fim de alcançar os objetivos de ensino-aprendizagem. Pensando nessa

questão, o objetivo da Reunião Nº 9 foi discutir a questão da metodologia enquanto

ato político da prática educativa para pensarmos sobre nosso cotidiano docente, a

partir do texto “A metodologia enquanto ato político da prática educativa”, de Iolani

Vasconcelos (1988). Participaram dessa reunião seis professores.

Sentindo a necessidade de fazer um “balanço” de nossos encontros, pedi aos

cinco professores participantes da Reunião Nº 10 para refletirem sobre as reuniões

já realizadas. A intenção foi perceber a contribuição das reuniões na formação

docente. Foi solicitado que expressassem a partir de desenho e de escrita: o que

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110

cada um tem oferecido ao grupo, as idéias que o grupo promove, o caminhar no

grupo e os sentimentos em relação o grupo. Após desenharem e escreverem, cada

um foi falando sobre suas reflexões e trocando as informações. Mais uma vez, aqui

vem a minha necessidade, enquanto coordenadora do grupo, de perceber se, de

fato, as reuniões estavam contribuindo para a ampliação dos sentidos e significados

da prática docente.

Na Reunião Nº 11, o objetivo foi refletir sobre o papel da linguagem no

estabelecimento das interações que possibilitam a aprendizagem usando um texto

sobre “Interação na sala de aula”, trazido por uma professora da instituição. Com a

participação de cinco professores fomos lendo o texto e associando-o às vivências

docentes.

O objetivo da Reunião Nº 12 foi descrever uma aula de sucesso onde

perceberam que houve interação com os alunos, aprendizagem e receptividade. A

intenção foi promover a reflexão “por que ensino como ensino?” entre os seis

professores que participaram.

A Reunião Nº 13, com a participação de seis professores, teve como objetivo

refletir sobre algum aspecto presente na sua prática docente e que não mudaria.

Num primeiro momento descreveram o que não mudariam, em seguida foram

justificando por que não mudariam e o que está por trás de determinado

comportamento que marca a prática docente.

Descritos os contextos e as reuniões, chegamos aos eixos temáticos para

análise dos episódios que acabam por revelar que os professores conscientes de

sua prática docente – ação pedagógica – podem ampliar seus sentidos e

significados e, assim, pensar em alternativas para que possam romper e/ou

transformar ações pautadas na racionalidade técnica para a racionalidade prática. A

prática docente revela saberes plurais e heterogêneos, saberes esses que

expressam as escolhas que os professores fazem para materializar o cotidiano de

seu trabalho. Esses saberes revelam concepções sobre o próprio papel, o papel do

aluno, conhecimento, aprendizagem, ensino, metodologia de ensino-aprendizagem e

avaliação – nossos eixos temáticos. Essas concepções são fruto da história cultural

dos professores na escola (enquanto alunos), das relações que estabelecem no

ambiente de trabalho, das relações que estabelecem com os objetos de seu trabalho

e das reflexões que fazem sobre sua prática docente.

Page 112: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

111

5.3. Papel de professor

Ter clareza do nosso papel nos leva a compreender o sentido de nossa

prática docente, afinal, aquilo que fazemos está diretamente relacionado aos nossos

conhecimentos, valores e atitudes.

Logo de início, em nossa primeira reunião, já pudemos perceber que os

professores percebem-se como sujeitos em transformação e promotores da

transformação, revelando que estão a constituir-se e a participar da constituição dos

outros. Essa foi a primeira expressão do papel que exercem, ou que pretendem

desempenhar após ouvirmos uma palestra do educador Paulo Freire.

Priscila: Ele falou que se houver transformação, a palavra dita no momento já transforma. (...) a sociedade é um processo de transformação. Débora: Falta de consciência. O homem tem uma falsa consciência de si mesmo e do outro e faz com que ele acredite que essa sociedade, deste jeito é a única possibilidade. Então, ouvindo o professor Paulo Freire falar, fiquei imaginando o quanto ele é atual, o quanto ele ainda é preciso nas suas considerações. Eu faço parte desse time que acredita nessa utopia, nessa vontade de que a escola e a ação do professor seja algo que transforme, que proponha a transformação. (...) Enquanto houver a possibilidade de se acreditar nisso, nessa utopia o cidadão que entra na sala de aula, não para repetir modelos, mas trazer coerência, reflexão, já é um ganho diante de tantas coisas. André: Olha, eu vejo o, essa fala do Paulo Freire, pensando não no educador-professor, mas no educador-pai. Pra mim, olhando para meus filhos, uma filha de 20 anos e um filho de 14, a transformação parecer ser inata neles, eles são agentes transformadores. Eu acho que eles não reproduzem todos os nossos modelos, assim como a gente não reproduz tudo. Mas a gente está transformando. Maura: Está numa evolução... André: É, no sentido de uma evolução. É um evoluir. Como pai, muitas vezes eu me coloco numa situação de aprender com eles, nessa evolução. Então, trazendo para a sala de aula, eu acho que a gente se coloca como agente transformador, mas deveríamos ser também agente motivador da aprendizagem, porque eles (alunos) precisam ser motivados para fazer a transformação. E na verdade, com filhos já é difícil, imagine com alunos... Acho que é do ser humano, essa transformação/evolução é inerente. Acho que a gente não pode parar. Tem que ser motivador, jogar gasolina no aluno. (...) Maura: É, o seu papel nesta realidade? Danilo: Opa, o meu papel é instigar a transformação, nunca tentando formatar um padrão de valores e sim fazer com que eles (alunos) pensem valores que desejam ter, né. Eu sempre costumo falar para os alunos, principalmente no curso tecnológico, que no curso de tecnologia, que é um curso complicado pelo fato de ser de curto espaço de tempo, na área de TI, que as coisas são em grande volume de informação, eu costumo falar para eles que 80% do sucesso profissional são relações humanas e valores, 20% de conhecimento técnico. E na semana passada um aluno veio falar comigo: “Danilo, lá no 1º ano você me falou isso, isso, isso. Eu mudei minha postura na empresa e hoje estou bem melhor. Muito obrigado.” Isso é o tipo da coisa que é o agente transformador. Estou dando para ele uma situação onde ele pode decidir o que ele quer para ele, qual parâmetro em que seguirá na carreira profissional. (...) Daniela: Temos que tentar, usar/buscar ferramentas para que haja essa transformação. (Reunião nº 1).

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As expressões ‘sociedade é um processo de transformação’, ‘a gente não

reproduz tudo, está transformando’, ‘como agente transformador deveríamos ser

também agente motivador da aprendizagem’, ‘instigar a transformação’ e

’usar/buscar ferramentas para que haja essa transformação’ reforçam a idéia de que

somos sujeitos histórico-culturais, conforme descreveu Vygotsky em seus diversos

textos e o papel do professor se revela como o agente que pode interferir

intencionalmente na zona de desenvolvimento proximal dos alunos promovendo

avanços que deliberadamente poderiam não ocorrer e, conseqüentemente, a

transformação de seus processos de desenvolvimento. É pela internalização dos

processos interpsicológicos que os sujeitos se transformam e transformam os outros

com os quais convive.

Os chamados processos de internalização consistem num processo de

reorganização da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação

em situações sociais. Esta reorganização da vida psicológica ganha várias

características, mas uma das mais relevantes é o domínio de si, isto é, o controle e a

regulação do próprio comportamento pela internalização dos mecanismos

reguladores formados primariamente na vida social. O sujeito vai, ao longo do

processo, enfrentando uma série de transformações: uma operação que inicialmente

representa uma atividade externa se reconstrói e começa a suceder internamente;

um processo interpessoal se transforma em outro intrapessoal como resultado de

acontecimentos evolutivos. Finalmente, implica na reconstrução da atividade

psicológica sobre a base das operações com signos no plano interno da

consciência. É pelo processo de internalização que se dá a utilização de marcas

externas que se transformam em processos internos de mediação.

Muitas vezes, para evocar nosso pensamento, precisamos de uma referência,

de algo que dê impulso e motive a exposição de nossas idéias. Foi isso que

tentamos fazer, em uma das reuniões, ao selecionar um trecho do filme “Mr. Holland,

adorável professor” para que pudéssemos pensar sobre o papel desse professor e,

conseqüentemente, sobre o nosso próprio papel. Vejamos parte de nossa reflexão:

Maura: E aí, esse episódio, ajudou a pensar em alguma coisa? SILÊNCIO Maura: Eu destaquei duas falas, “envolver-se”. Que foi a fala da diretora para o Mr. Holland, “envolver as mentes de conhecimento” e “controlar essas mentes”, isto é colocar limites para essas mentes.

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André: A tradução foi um pouco diferente, no meu entendimento seria um “guia”, uma bússola. Me parece mais lógico ir nesse sentido: orientar o aluno. Essa é a idéia principal que me passa. Maura: E o que mais? (...) Daniela: Lembrando da última reunião, quando falamos de transformação. O Mr. Holland teve uma percepção para a possibilidade de mudança. Além de dar conta do instrumento, era preciso perceber o todo, perceber as relações com o todo, inserindo a emoção, o afeto. Ele fez com que a aluna percebesse e acreditasse nela mesma. (...) Danilo: Ser professor não é só dar aulas, professor não é operário que bate ponto, não é chegar no horário e ir embora no horário. Eu penso bem diferente disso, é estar disponível. É estar aberto para um papo no estacionamento, na cantina, no intervalo... Muitas vezes, nesses momentos você é mais professor do que na sala de aula. Débora: (...) E nisso eu penso quando vou para sala de aula, eu tento lembrar muito dessa situação: “será que estou cumprindo minha função? Como será que estou me saindo?” Eu acho que tudo que a gente faz tem que fazer com amor, principalmente o professor, porque ele está ali influindo no conhecimento de outras pessoas, ele está... ele é uma bússola, como o Danilo e o André falaram. Nós somos exemplos. (Reunião nº 2)

Desse fragmento, podemos destacar o papel docente expresso, basicamente,

em três funções: envolver mentes, controlar mentes e orientar os alunos.

Estas três funções destacadas poderiam estar ligadas, num primeiro

momento, à concepção tradicional de ensino, pois evoca o professor como elemento

central no envolvimento, controle e orientação daquilo que os alunos vão aprender

na escola – permeando as características da racionalidade técnica: conduzir o aluno

às realizações da humanidade; ênfase aos modelos; ensino centrado no professor e

voltado para as disciplinas e para o programa; ênfase às situações de sala de aula;

alunos são instruídos e ensinados pelo professor; educação é subordinada à

instrução; estímulo à formação de reações estereotipadas; preocupação com a

variedade e quantidade de noções, conceitos e informações; predomínio do

verbalismo do professor; e da memorização pelo aluno.

Num outro momento – justificado por alguns comportamentos destacados

pelos professores –, como dar conta do instrumento, perceber o todo, perceber as

relações com o todo inserindo a emoção e o afeto, estar disponível, estar aberto,

tratar bem os alunos, conversar, explicar, influir no conhecimento das pessoas, ter

atitude firme, saber retomar, estimular, mostrar o caminho, ser companheiro do

aluno e ser agente de transformação, podemos perceber um professor

responsável por apresentar situações que propiciem a reciprocidade intelectual e a cooperação ao mesmo tempo moral e racional. Assume papel de orientador, coordenador, levando os alunos a trabalharem o mais independente possível. Convive com seus alunos, observando seus comportamentos, conversando com eles, perguntando, sendo interrogado e realiza também com eles suas experiências para que possa auxiliar sua aprendizagem e desenvolvimento (ROSA, 2003, p. 105-106).

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Além desses dois aspectos relacionados ao papel do professor, destacamos

nesse episódio a reflexão docente que expressa conflito e questionamentos: ‘ser

professor não é só dar aulas, professor não é operário que bate ponto’. Aqui se

revela o professor como sujeito pensante, aquele que não faz um trabalho mecânico,

repetitivo, por isso não pode conceber o aluno como um sujeito passivo, semelhante

a um objeto que é produzido pelo operário. A aula exige procedimentos que vão

além da técnica, do manual de instruções porque o professor ‘está ali [a sala de

aula] influindo no conhecimento de outras pessoas, ele é uma bússola’. Para essa

função exige-se a articulação de conhecimentos específicos da matéria a ser

ensinada, de conhecimentos pessoais, de conhecimentos didáticos.

Se pensarmos em termos de abordagem do processo de ensino-

aprendizagem, verificamos que o papel do professor está articulado a uma visão

humanista. Visão esta, destacada pelos professores em uma das reuniões que teve

como objetivo discutir e refletir sobre essas questões. Vejamos:

André: Ênfase no papel do sujeito como principal elaborador do conhecimento humano. Ensino centrado no aluno. Ênfase nas relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta. Maura: A gente vai vendo aqui um avanço. Passamos a ter o sujeito como centro da aprendizagem e, a partir daí, enquanto professor, você vai desenvolvendo algumas ações que atinjam esse sujeito. É ele quem está em destaque. E aparece a questão das relações interpessoais. A importância do contato com o outro. Na abordagem tradicional tem papéis distintos, professor e aluno não precisam desse tipo de relação. Na comportamentalista também não existe esta relação, o sujeito tem que executar a tarefa. A tarefa pode até ser em grupo, mas o que preocupa é o resultado da ação, a produção. Aqui, na humanista, eu já começo a olhar para esse sujeito. Ele é o centro. André: É um pouco do filme “O espelho tem duas faces”, que a gente viu na reunião passada. Ele dava aula olhando para a lousa, numa abordagem mais tradicional e ela mais humanista, buscava se relacionar com o grupo de alunos. Maura: É isso mesmo, ela tinha a coisa do “olho no olho” com os alunos, andava pela sala, buscava contato, dava feed-back para os alunos. Éric: Nesse ponto, na relação com o aluno, nessa abordagem, existem pessoas com necessidades diferentes, com condições e expectativas diferentes. Então aí começa a aumentar o grau de dificuldade do professor em pensar atividades coletivas, de acordo com as necessidades individuais. (...) Maura: Aqui a gente vê a forte presença do professor encarregado dessa organização/estruturação, arranjo e planejamento de como as coisas serão encaminhadas. Há grande ênfase nos estímulos, na padronização do comportamento instalados pelos reforços positivos. Por isso que essa coisa da organização/estruturação das experiências curriculares é fundamental. A idéia é de as coisas podem ser até premeditadas. Parece que não há espaço para a incerteza, o imprevisto. André: Quando a gente está dando aula a gente não segue um planejamento? Maura: É claro que a gente segue um planejamento, mas tendo em mente a questão da flexibilidade. O planejamento é um roteiro, às vezes eu não consigo chegar no final dele. Ana: Às vezes no meio do caminho você acaba que mudando alguma coisa em função de uma adequação. Maura: Às vezes eu tenho que inverter a ordem. Se eu não planejo nada, eu chego em novembro, por exemplo, e estou pensando o que será que vou fazer hoje?

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André: Mas a gente também quando é no início do semestre a gente mostra o planejamento para os alunos, se a gente não cumpre ou inverte a ordem, a gente fica em descrédito... Maura: Mas aí é preciso colocar uma observação e deixar claro para o aluno que o planejamento está sujeito à mudança. E, se houver mudança, essa deve ser justificada. O planejamento não é imexível. Débora: Engessado. André: É, precisa ficar claro que planejado não é exatamente cumprido. Porque os alunos costumam avaliar, este item especificamente na avaliação institucional, se o professor cumpre fielmente, se parcialmente ou se não cumpre. (...) Danilo: Eu vejo um lado bom, a gente aprende pela história. Eu vejo que quando eu comecei a estudar, a ler bastante eu comecei a perceber que determinadas pessoas que tomam essas atitudes ficam estereotipadas. No meu ponto de vista, a partir do momento em que você tem consciência você passa a se policiar e corre menos risco de se tornar um radical, que é um grande mal para o aluno. É um grande mal para o aluno você ser radical. Ana: O autoritário não tem espaço, não adianta a gente querer ser autoritário. Maura: É, não cabe mais. Éric: Mas aí é que está às vezes é preciso ser autoritário Ana: Eu vejo que não. Maura: É preciso discernir entre autoridade e autoritarismo. Quando falamos em educação, e a Débora pode me ajudar, há uma diferença no que é autoritário e no que é autoridade. Eu posso ter autoridade sem ser autoritária. Autoridade, os alunos até pedem, mas um professor autoritário eu penso que não. Eu posso ser autoridade diante da turma na medida em que eu domino o conhecimento da disciplina, eu estabeleço os limites. Existe uma definição de papéis. Papel de aluno e papel de professor. Danilo: Eu não sei, mas nessa banda de cá, para nós que somos pessoas de mercado, quando a gente começa a estudar essas coisas de educação dá câimbra cerebral. (...) Daniela: É verdade, pra gente que está inserido no mercado, afastado dessas questões educacionais fica complicado. (Reunião nº 4)

Destacamos, aqui, a importância do outro, da interlocução e das ‘relações

interpessoais’ nos processos de aprendizagem. Destacamos o que a fala de um

sujeito provoca na fala do outro e o papel da mediação. A mediação vai procurando

articular a reflexão sobre aquilo que é relatado e vai trazendo para a consciência a

necessidade do professor ter um planejamento, isto é, ter um caminho pré-

determinado a perseguir, caminho que está sujeito à ‘flexibilidade’, um ‘roteiro que

está sujeito a mudanças’ no percurso porque os acontecimentos “podem surgir de

forma imprevista, desviada, inesperada, surpreendente (...) na medida em que a

trama das ações é desenvolvida” (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 233). As interações

na sala de aula acontecem numa trama temporal e histórica e dão aos

acontecimentos, às ações sentidos e significados diversos, tanto para os alunos

como para o professor. Por conta disso, os professores percebem que na docência

não pode haver radicalismo e, nos tornamos menos radicais se vamos tomando

consciência de nosso papel e do papel do nosso aluno e que para isso, é necessário

tomar contato com o conhecimento pedagógico, mesmo que dê ‘câimbra cerebral’.

Aqui fica visível o papel do grupo nesse processo de conscientização do papel

docente, da ação docente.

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Também fica claro o conflito revelado pelos professores no que se refere ao

planejamento e à avaliação. Eles percebem a necessidade de um planejamento que

direcione e organize seu trabalho, mas temem a sua flexibilização em função da

avaliação institucional que analisa se o professor cumpriu ou não o planejamento

proposto. Ao mesmo tempo em que o professor entende que são necessárias

adequações durante o percurso se mostra “engessado”, temendo sua avaliação. E

aí ficam as questões para serem pensadas: flexibilizamos o planejamento ou o

cumprimos na íntegra só para ser bem avaliado na avaliação institucional? Será que

os professores não se lembram de outros itens em que ele é avaliado e que podem

fragilizar ou mesmo contradizer essa questão do cumprimento integral do

planejamento? No âmbito geral, quem é o professor melhor avaliado, aquele que

cumpre o planejamento integralmente ou aquele que flexibiliza o planejamento em

decorrência de ajustes que favoreçam um melhor ensino e, conseqüentemente,

melhor aprendizagem dos alunos?

Uma outra evidência que aparece nesse episódio é ser professor e apresentar

‘câimbra cerebral’ quando começa a estudar coisas de educação. E são essas

‘coisas de educação’ consideradas complicadas pelos professores que se

consideram ‘pessoas de mercado’. Será que eles se deram conta de que, sendo

professores, também são pessoas da educação?

Além desses aspectos, podemos dizer que os professores – pessoas da

educação, profissionais da educação – precisam orientar os alunos para a

articulação entre as disciplinas de um curso, para orientar o desenvolvimento de

projetos e suprir necessidades. Mas isso não basta, é necessário que pensem sobre

as ações já realizadas e as que vão propor aos alunos de modo mais estruturado,

junto com seus pares. É isso que vemos no episódio abaixo.

Daniela: Mas é isso que eu acho interessante. Outro dia, eu trouxe um material sobre transformações ambientais em empresas. Falava sobre transformar o ambiente físico. Um ambiente todo clean, transparente, cheio de vidro. As pessoas vêem que é real, que existe essa possibilidade... André: Isso aí, do lado profissional, os alunos acabam vendo que muitas das coisas que aqui falamos, casos que estudamos podem ser referência para o ambiente de trabalho onde eles atuam. É a possibilidade de ampliação de repertório. Maura: E essa possibilidade de experimentar algumas coisas aqui, em situação de aprendizagem, dá suporte para uma vivência real na empresa. André: É essa nossa função: orientar para a articulação das disciplinas. Orientar projetos, suprir necessidades ou nós vamos continuar tentando transferir conhecimentos. Daniela: Eu vejo uma coisa mais forte ainda. Essa troca nossa é de fato um momento para parar, diferente de quando a gente está na sala dos professores. Parar e pensar nas nossas

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ações e nas ações que vamos propor aos nossos alunos. Essas reflexões, os modos de ver e ler as coisas... Maura: E é complicado os professores se conscientizarem disso. A gente só melhora o nosso jeito de ser professor pensando sobre aquilo que nós fazemos, sobre o sentido daquilo que nós fazemos. André: A responsabilidade, o alcance. Maura: A responsabilidade, o alcance, depende da gente. Se não, você é tomado pela correria do cotidiano e faz tudo automaticamente, de baciada. (Reunião nº 6)

Neste episódio, revela-se a percepção e concordância desse grupo de

professores que quer ir além da transmissão de conhecimentos. Quer, na verdade,

criar possibilidades para que os alunos percebam a articulação entre os

conhecimentos das diferentes disciplinas para que possam suprir as necessidades

do cotidiano e ampliar o repertório de conhecimentos profissionais.

Vale destacar para a questão da disponibilidade para se ter um espaço na

escola no qual possam refletir sobre os diferentes modos de ver e ler as coisas, com

vistas a uma melhor atuação profissional. Esses professores parecem perceber a

escola, especificamente essas reuniões que ocorrem na escola,

como espaço formativo de construção/reconstrução do saber pedagógico de um corpo docente que troca experiências e resgata histórias de vida na perspectiva de experiências e saberes compartilhados na interlocução e de ações em parceria. Formar em continuidade professores que aprendem das próprias experiências na interlocução de seus saberes práticos é formar professores-pesquisadores na busca de entenderem o que fazerem como corpo docente, como comunidade de educadores (MARQUES, 2000, p. 85).

É interessante observar que esses professores tomam para si essa

responsabilidade de não serem simplesmente cumpridores de tarefas, mas desejam

atribuir significado àquilo que realizam cotidianamente em sala de aula, junto com

seus alunos.

Em uma outra reunião, cujo foco era a descrição de uma aula bem-sucedida,

ou seja, o relato de uma prática docente vivenciada, também temos como pano de

fundo o papel do professor. É interessante observarmos que neste episódio já há

uma referência teórica trazida pelos professores, que se mostram atentos às teorias

e às suas articulações ao cotidiano.

Danilo: Esses dias eu vi um especial na Globo News do Paulo Freire, pena que eu peguei só um pedacinho e deu para ver aqui que as aulas de sucesso, todas elas, contemplam isso, na verdade o professor tem que ser só o mediador, que a construção do conhecimento tem que se dar pela sociedade, pela classe que está interagindo. Então, a aula que dá certo é aquela em que os alunos interagem, quando você incentiva a participação, quando você joga o conto

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de fadas para ter o retorno deles. A gente percebe que a partir da interação deles a gente sempre está no papel de mediador, quando você sai desse estereótipo de conteudista... André: O texto que a gente viu na reunião passada, falava do professor ser só o maestro. (...) Daniela: E é interessante porque alguém comentou aquele dia que a batuta não aparece e eu estava vendo na Cultura o maestro regendo e realmente as batutas não aparecem por causa dos movimentos que ele faz. Essa mediação fica implícita. Maura: E pensar que a aprendizagem não é unilateral. Ela é bilateral porque a gente aprende com isso. André: E a gente aprende bastante. Várias vezes. Interessante você dar uma aula de novo, numa turma, e ir melhorando essa aula. Débora: Nunca a aula será igual. André: Nunca é igual, você vai e tenta melhorar um pouquinho. Eu até comentei com a Maura, que tem um professor no Marketing aqui, que trabalha muito bem e, na semana passada, para minha surpresa, desde que ele está aqui não recebi nenhuma crítica dele. Então a gente precisa também levar em conta a expectativa do aluno, como você colocou, para ele sentir que é o professor quem comanda a aula, porque o aluno... vieram três alunos conversar comigo e disseram ‘pôxa vida, ele está enrolando. Ele não dá aula para gente. Ele não mostra o que ele sabe, ele manda a gente falar. Quando o professor vai dar aula?’ Débora: É, é um paradigma. André: E eu não sei, mas é a gente que tem que passar isso para eles e fazer os fechamentos para que eles vejam realmente que a gente sabe. Maura: Eles querem que o professor demonstre que conhece aquela matéria, mais do que eles, que ele domina o conteúdo. Débora: O Tardif também fala isso, que a competência do professor está intimamente ligada com o seu saber de conteúdo. Daniela: E é interessante que quando eles perguntam alguma coisa para a gente acreditam que temos todas as respostas. Um dia desses uma aluna me perguntou o que era endógeno. E eu não sabia e disse isso a ela. Na aula seguinte, perguntei se ela já sabia o significado. Ela disse que sim, mas eu não sabia mesmo. (...) Daniela: Se eu tivesse inventado uma resposta, ela iria acreditar. André: Ela ia achar que você era ‘bambambam’. Daniela: Agora, eu disse a minha verdade. Débora: Também tem o paradigma do professor que é aquele que sabe tudo. Daniela: Só que eu não podia dizer uma coisa que eu não sabia. Priscila: Você poderia ter dado uma resposta bem diferente e ela ia acreditar. Maura: Aí tem a ver com uma coisa que o Bourdieu fala que a validade do discurso depende do lugar que quem fala ocupa. Se é o professor e ele fala, você não discute, por princípio você não discute, porque ele é alguém que domina os conhecimentos. (Reunião nº 12)

Neste episódio, podemos destacar três funções: mediador, maestro e

‘comandante’ da aula. Para exercer essas funções, algumas ações também

aparecem: conhecer a matéria e dominar o conteúdo. O comportamento que se

destaca é o domínio do conteúdo.

Percebemos que os professores demonstram que o papel docente vai além

do “ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e

cultura” (CUNHA, 2006, p. 15), que o “exercício da docência nunca é estático e

permanente; é sempre processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras,

novas experiências, novo contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações,

novos sentimentos, novas interações” (CUNHA, 2006, p. 15).

Notamos, aqui, ênfase no papel do sujeito professor como principal

elaborador do conhecimento humano e o ensino centrado no aluno, com ênfase nas

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relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta. A experiência pessoal e

subjetiva é tida como fundamento sobre o qual o conhecimento é construído, ou

seja, um conjunto de realidades vividas pelo sujeito, realidades essas que possuem

significados reais e concretos para ele e que funcionam como ponto de partida para

mudança e crescimento. A educação se mostra centrada na pessoa, tendo como

finalidade a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno e como

objetivo básico liberar a capacidade de auto-aprendizagem de forma que seja

possível seu desenvolvimento intelectual e emocional. Encara-se a educação como

tudo o que estiver a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou intergrupal; à

valorização da busca progressiva de autonomia; e ao encontro deliberado e

intencional entre pessoas que objetivam experiências significativas, crescimento,

atualização e mudança.

Os professores, conscientes de seu papel, revelam uma tensão entre mostrar

o que são e corresponder ao que os alunos esperam deles. Essa tensão está entre

as aulas que propõem um trabalho mais ativo, mais participativo dos alunos e

aquelas em que os alunos são meros receptores. Há no episódio, a minha

preocupação, enquanto mediadora pedagógica, de fazê-los pensar que existe a

necessidade de demonstrar aos alunos que os professores dominam a matéria, que

são responsáveis pelo fechamento das aulas.

Considerando esse conjunto de episódios, podemos inferir que a ampliação

de sentidos e significados da prática docente ocorreu na medida em que os

professores puderam expressar suas práticas, justificando-as e repensando-as

simultaneamente, a partir de uma reflexão que permitiu expressar “que os

professores entendem o que querem e o que fazem, e que constroem, assim, seus

saberes, os saberes da profissão, saberes pedagógicos” (MARQUES, 2000, p. 89),

tomando para si essa responsabilidade de formação continuada para exercer com

maior eficiência sua função docente, considerando os limites dessa formação. Pelas

interações, é possível constatar que os professores se apropriam dos

conhecimentos que constituem a ação docente para melhorá-la, passando a

perceber que podem ir além da técnica, constituindo uma epistemologia da prática a

partir de reflexões coletivas.

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5.4. Papel de aluno

Os processos de massificação da educação superior, apoiados pelas políticas

do Banco Mundial, o uso das novas tecnologias, a orientação para a formação para

o mercado de trabalho e o tempo de duração dos cursos de graduação, trouxeram

para a educação superior um público, considerado adulto, mas que têm de dar conta

de outras coisas além daquelas ligadas à sua vida acadêmica: “às vezes são

pessoas casadas com obrigações familiares, às vezes trabalham; às vezes vivem

longe dos campi” (ZABALZA, 2004, p. 187-188). Essas condições acabam por

estabelecer uma dinâmica diferenciada no cotidiano escolar.

É por isso que o modo como o professor compreende o papel do aluno é

fundamental norteador de sua prática docente. Se compreende o aluno a partir de

uma relação vertical que estabelece com o professor, este passa a ser detentor das

orientações de comando na sala de aula, àquele cabe a repetição automática das

informações que ouviu passivamente durante exposição ou demonstração do

professor. Por outro lado, se o concebe a partir de uma relação horizontal, o aluno

tem atuação ativa, as atividades básicas propostas possibilitarão a observação, a

experimentação, a comparação, a análise, o levantamento de hipóteses e a

argumentação, visando a sua aprendizagem e ao desenvolvimento a partir da ação

mediadora do professor, que o considera centro do processo. O diálogo é ferramenta

básica nos processos de interação, valorizando-se muito mais o processo de

aprendizagem do que o produto final. Ao conceber o aluno como “gente em

permanente processo de busca, gente formando-se, mudando, crescendo,

reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz de negar os valores, de

distorcer-se, de recuar, de transgredir” (FREIRE, 2000, p. 162-163), sua prática

docente se apresentará como uma forma de intervenção no mundo.

Vamos observar o episódio, fragmento de uma reunião, que tinha como

objetivo pensarmos em maneiras de estimular/desenvolver nos alunos o “tocar

notas” e o “tocar músicas”, o que trazem os professores. O “tocar notas” foi

entendido, dentro do contexto da reflexão, como o reproduzir, sem levar em conta a

harmonia, os conhecimentos e o “tocar música” seria colocar os conhecimentos a

serviço de uma situação real.

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André: É a hora que ele falou “Desista!” Às vezes o aluno precisa de uma atitude mais firme do professor. Mas o professor tem que saber retomar, como o Mr. Holland fez, estimular, mostrar o caminho. O professor não devia, nunca devia desestimular, nunca devia desistir do aluno. Débora: Mesmo que ele não tenha todas as respostas, devia estar predisposto a procurá-las, a ser companheiro do aluno. Ana: Eu fico me perguntando, como a teoria pedagógica pode contribuir para uma ação que muitas vezes não é concreta, não é como pegar um texto e analisá-lo. Até que ponto a gente pode ser agente de transformação? (Reunião nº 2)

Considerando a realidade dos alunos na educação superior, percebemos que

‘o professor não devia, nunca desestimular, nunca devia desistir do aluno’. Essa fala

expressa que o papel do aluno é o do sujeito em formação, predisposto à

aprendizagem, via ação intencional do professor, mesmo que o professor ‘não tenha

todas as respostas’. Os professores também se colocam como sujeitos inconclusos,

não detentores de todos os conhecimentos, se colocam como seres humanos – que

também se constituem no decorrer dos processos de interação. Se colocam,

também, como quem indaga sua própria ação: ‘como ser agente de transformação?

Como a teoria pedagógica pode contribuir?’ As questões revelam que os professores

têm, no discurso, a idéia de que precisam ser agentes de transformação e que a

teoria pedagógica pode contribuir para isso. Porém, revelam o conflito em que se

encontram ao perceberem que docência não é algo concreto como ‘pegar um texto e

analisar’. Trazem, implicitamente, a questão da articulação da teoria pedagógica à

prática docente. O como os leva a pensar no modo em que se materializam as

práticas docentes. Vejamos isso no próximo episódio onde o assunto girou em torno

da necessidade do estabelecimento de vínculo com os alunos como fator favorável à

aprendizagem a partir de fragmentos do filme “O espelho tem duas faces”.

Maura: Eu acho que tem que ter mesmo. Eles têm de ter expectativa e a gente enquanto profissional também tem que saber que você está além deles. André: Mas essa conexão, essa libertação não é fácil. Débora: A professora do filme, ela humaniza, porque quando ela fala, ela dá exemplos dos mitos dela, a minha mãe é a medusa, a minha irmã é..., ela não sai do assunto dela, e aí, ela traz, pessoas do cotidiano dela, da vida dela, aí ela vai contando, mais sem sair, sem vulgarizar, que eu acho que é humanizar, porque tem essa expectativa do ponto de será que ele sabe mais que eu, é perfeito, tem que saber mais que o aluno mesmo porque se não fica complicado. (RISOS) Mas também tem a expectativa de ser aquela pessoa que eu posso chegar perto, e tirar dúvidas, às vezes, que não sejam necessariamente da matéria que ela deu, mas perguntar outras coisas, sobre... é... às vezes tem relação ou não, porque isso também faz parte. (...) Daniela: É, até porque o trabalho estava interessante, o pessoal parecia envolvido. E o que vinha depois era bacana, envolvia quadro de avisos, que é o que toda empresa tem, e o pessoal ia poder desenhar, criar... Outras coisas interferem que acabam quebrando a gente. Já não era uma linguagem fácil para mim...

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Ana: Você tocou numa coisa que para mim é muito forte, a disponibilidade deles quererem aprender. Daniela: É isso aí, mas a gente tem que saber lidar, afinal estava indo tão bem... eu achei que ia continuar bem. Eles até fizeram coisas legais, mas até que resolvessem fazer... Maura: A hora que eles vão de fato fazer, acabam se envolvendo porque tem a coisa do trabalho prático. Daniela: O interessante é que quem, naquele momento já estava acabada era eu, eles até se envolveram. Mas serve para a gente refletir. A outra experiência, que foi a aula de Psicologia das Relações Humanas, que eu gosto muito, envolve o jeito de se relacionar em todo o lugar, no ponto de ônibus, enfim, e o que o Lucas fala: “É você contar o dia-a-dia”. Você vai falar de linguagem corporal e linguagem não verbal, então vai fluindo muitíssimo bem, eles prestam a maior atenção, gostam, querem saber, falam, participam. Nesse dia, nessa aula eu trouxe filme, que é mudo, e o pessoal entende e acaba fluindo bem, e eles falam hoje deu uma conexão legal, mais foi tranqüilo, como é tão variável isso, e eu não tinha pensado mais na hora que a Maura colocou o filme, eu não tinha pensado nessa interferência, que é a história da cara que o aluno ficou, e depois também tem isso né, dá certo às vezes, ou te quebra. (Reunião nº 3)

Logo no início do episódio, é revelado que professor e aluno têm papéis

distintos: o aluno ‘tem de ter expectativas’ e o professor ‘precisa saber que está além

deles’. O aluno precisa ter expectativas quanto à possibilidade de aprender, de se

colocar em situação de aprendizagem diante da proposta do professor e o professor,

por sua vez, enquanto alguém cujo papel “consiste em apoiar o processo, dar pistas,

estimulá-lo, oportunizar situações em que cada nova estrutura conceitual possa ser

posta à prova e questionada” (ZABALZA, 2004, p. 193) e por isso está além deles e

abre espaço para que o aluno possa ‘chegar perto e tirar dúvidas’.

Se concordamos com Vygotsky (2003), ao dizer que o ser humano se torna

humano a partir das interações com outros seres humanos e com o mundo, quando

os professores verbalizam que a professora (do filme) humaniza, trazem para si esse

papel humanizador que contribui na formação/constituição de seus alunos.

Esse papel humanizador também aparece quando os professores

demonstram que querem fazer a conexão daquilo que ensinam com o cotidiano,

como observamos no episódio a seguir quando fazem leitura sobre as abordagens

dos processos de ensino-aprendizagem e pensam sobre o que fazem e como fazem

em sala de aula.

André: Eu fico pensando na sala de aula, eu estava lendo e pensando na sala de aula. Como é que a gente traz isso para dentro da sala de aula? Essa ação reflexiva sobre o homem, sobre o meio em que vive? Como fazer? Maura: Quando eu faço um estudo de caso, quando eu amplio para a visão ética, por exemplo, da poluição, eu estou trazendo para reflexão. Quando eu vejo o custo-benefício do que se está pedindo ali. Eu acho que por aí você começa. Priscila: Penso que toda vez que você traz o real para a sala de aula. Éric: Aí você traz o contexto. (...) Você coloca a reflexão, dentro de um contexto. (...)

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Danilo: Eu sempre tento puxar para o lado técnico. Eu falo quem é a favor de usar software livre em determinado projeto fica de um lado quem é a favor de um software pago fica do outro lado. Exponho um projeto para eles, cada grupo tem que defender a sua idéia. Aí começa o debate, dou direito à réplica. Terminou o debate, inverto os grupos para que defendam a idéia contrária, porque nem sempre a gente defende só o que a gente concorda na vida. E é um barato porque depois os alunos vêm falar “é legal poder defender uma idéia que não é a minha, isso me dá uma visão diferente”. André: Eles se colocam no lugar do outro. Quando você está defendendo suas próprias idéias você vai, encara. Mas se colocar no lugar do outro exige algo mais. Danilo: E é bacana. Você percebe isso. Maura: A Priscila ia falar alguma coisa? Priscila: Eu acho que quando a gente trabalha em sala de aula um conceito que é mais elaborado e a leitura de um jornal, o conhecimento mais do dia-a-dia, eu já acho que é um ganho que faz com que o aluno se modifique, mesmo que seja um assunto não tão importante. Eu penso que a gente deva fazer ligação com a rotina, mesmo com dia-a-dia. Eu não preciso ficar esperando uma grande ação. Se a gente não pensar no aluno como sujeito que pensa e age fica difícil. Então tem que olhar para as mínimas coisas mesmo. (Reunião nº 4)

Interessante observarmos, aqui, que a ação docente não termina na sala de

aula, na hora da aula. Ela também antecede a aula propriamente dita. Percebemos

isso logo no início do episódio ‘eu estava lendo e pensando na sala de aula. Como é

que a gente traz isso para dentro da sala de aula? (...) Quando eu faço um estudo

de caso (...) eu estou trazendo para reflexão’. Esse diálogo, por um lado, nos revela

que os professores estão pré-dispostos a referendar, a apoiar sua prática docente

em uma teoria que lhe dê sustentação, que procuram articular teoria-prática, visando

a uma ação pedagógica que possibilite a reflexão dos seus alunos, que estão

interligados com o mundo que os cerca, que são sujeitos pensantes, em atividade.

Por outro lado, revela uma preocupação docente: como fazer isso em todos os

conteúdos a serem trabalhados, em todas as situações de ensino? Ou melhor, como

trazer para a sala de aula ‘a ação reflexiva sobre o homem’?

Ainda destacam a necessidade de que nos processos de ensino-

aprendizagem, viabilizados na prática docente, é preciso que permitam aos alunos

que se coloquem ‘no lugar do outro’, encarando o aluno ‘como sujeito que pensa e

age’. Para isso, é preciso ‘olhar para as mínimas coisas’, observar os alunos,

levantar suas necessidades e articulá-las aos propósitos de cada disciplina, de cada

curso, fazendo a ‘ligação com a rotina’.

Acreditam que esse ‘colocar-se no lugar do outro’ precisa ser orientado pelo

professor, que essa autonomia a ser conquistada pelo aluno precisa ser orientada

pelo professor. A ação docente não é, portanto, mera aplicação de técnicas ou algo

que possa ser deliberadamente construído com o aluno. Muito pelo contrário, por

lidar com seres humanos e ter compromisso com o ato educativo, assim como tem o

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aluno como protagonista, tem também o professor como protagonista de seu

trabalho, alguém que toma para si a responsabilidade de conduzir a aula. É isso que

demonstram quando identificam as diferentes abordagens dos processos de ensino-

aprendizagem em fragmentos de filmes e nas próprias práticas, como veremos a

seguir.

Rafael: É você tem pôr limites, não bater de frente. Se você bater de frente é mais complicado. Maura: O aluno precisa do limite. Mateus: E até esse rodízio que ocorre, quando a gente foi escalado para trabalhar no curso de Moda. Por que eu para trabalhar num curso de Moda? E isso é até bom para você aprender a interagir com o curso, porque o que vier depois você tira de letra. Isso, de revezar os cursos, no nosso caso de Gestão, pro professor é enriquecedor. Porque você tira um pouco o camarada da zona de conforto. Fica só em Gestão financeira, daí você põe em Marketing, o cara tem que começar a estudar de novo. Quando você me colocou na parte de Moda, o que eu tive que fazer, pegar todo o assunto voltado pra Moda, começar a estudar. Mesma coisa no pessoal de Sistemas, que às vezes o Castelan me coloca, também eu tenho que voltar a estudar para aquele ambiente. Isso ajuda o professor, no caso, eu vi com bons olhos. O cara acaba crescendo. Aí se torna um desafio. Como o Rafael falou “eu preciso fazer sair alguma coisa dessa turma”. E a satisfação dele é tamanha, que a gente percebe que ele cresceu. Conseguiu extrair daquela situação, um trabalho diferente. Se sente melhor e isso é bom pra ele. Maura: Muitas vezes, num primeiro momento, é tirar leite de pedra. Parece que os alunos são insensíveis a nada. Você pode virar pirueta e a coisa não vai acontecer. Rafael: É pelo horário que as meninas de Moda chegavam, eu achava que não ia dar. Mas se apertar muito espana. Mas para quem não queria nada... Mateus: É o caso da Daniela, está pegando RH, Logística. Ela também está sentindo isso. Ela tem que voltar a olhar o que interessa, ao que é específico a cada curso. Lucas: Eu sinto que na faculdade, a questão da obediência, os alunos exigem, do professor, os limites. Eu percebo também que eles testam o professor. Daniela: Eu também já vivi experiência que remete a essa situação. Outro dia, na turma de Marketing. Estava uma brincadeira danada lá, estava complicado e aí, naquela hora eles queriam ir embora. Eu disse “não”, chamei, “vamos combinar, tal...”. Depois uns alunos vieram falar “Professora, a gente quer professor que saiba colocar limites, a gente quer professor de verdade”. (Reunião nº 5)

Quando dizem que o ‘aluno precisa do limite’ significa que percebem que o

aluno deseja que o professor seja professor e não colega de classe. Também

percebem que não há apenas um tipo de aluno, além das diferenças próprias de

cada sujeito, há características semelhantes entre alunos de um mesmo curso. Vem

daí a importância de ‘aprender a interagir’, sair ‘da zona de conforto’ e realizar ‘um

trabalho diferente’. Percebemos se manifestar aqui o saber construído pelo professor

a partir de sua experiência docente e que é colocado em ação em sua prática

docente, ou seja, é referência para realizar um ‘trabalho diferente’. O papel de aluno

se revela como agente que pode modificar a ação docente na medida em que é

tomado como referência para as opções didáticas a serem utilizadas pelo professor.

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Ao mesmo tempo em que o aluno instiga os professores na elaboração de

suas aulas os intriga quando revelam querer ‘aula-aula’, ou seja, que consideram

aula, de verdade, aquela em que há exposição oral da matéria pelo professor.

Vemos isso quando os professores refletem sobre a função social do ensino, após

leitura de texto de Zabala (1998), no episódio abaixo.

Éric: Cada professor da turma pode fazer um link com a matéria. André: Uma das coisas que esse pessoal comentou é que durante este semestre tivemos poucos eventos, poucas palestras, poucas atividades extra-classe. Aí, eu disse que aconteceu isso mesmo, mas pedi para que pensassem na participação que tiveram quando esse tipo de atividade foi oferecida. Eles concordaram que sempre é motivo para irem embora, quando não tem aula-aula. Maura: É que ainda é necessário tornar isso um hábito. O hábito deles é vir para a escola e ter aula, aula no sentido estrito da palavra: explanação do professor sobre determinado assunto. É preciso mudar. (Reunião nº 6)

Fica claro que, os professores desejam romper com a aula expositiva,

querendo considerar como formas de aprendizagem outras possibilidades, mesmo

enfrentando a resistência dos alunos que ainda trazem expectativas de que só é

possível ensinar de um jeito, logo o melhor jeito de aprender é ouvindo a explicação

do professor, pois o ‘hábito deles é vir para a escola e ter aula, aula no sentido

estrito da palavra’. Implicitamente os professores trazem a concepção de que os

alunos podem aprender se houver efetiva atividade da parte deles, atividades que

vão além de ouvir o que o professor diz, mas para isso precisam deixar claro que

dominam os conteúdos a serem ensinados, as estratégias didáticas para revelar-se

como autoridade em sala de aula, enquanto alguém que ‘dá o norte’ na sala de aula,

que orienta.

É possível notarmos isso no próximo episódio, quando os professores, a partir

das idéias de Gómez (1992) sobre a ação docente baseada na racionalidade técnica

e na racionalidade prática, percebem que se têm em suas ações os princípios da

racionalidade prática não perdem a liderança na sala de aula.

Débora: Aquelas orientações básicas. Lucas: Você falou bem, o aluno busca, muitas vezes, a autoridade do professor. E sabe o que é legal fazer e que às vezes eu faço por que acho interessante? Quando você chama a atenção da sala, não individual. É duro, você chama a atenção, eleva o tom de voz, e olha diferente porque, às vezes, quando você faz uma coisa assim eles tomam um choque e esse choque serve de lembrança. Ele lembra lá na frente. Então, vale a pena chamar a atenção. É interessante quando você chama a atenção para aquele ponto, para aquela situação que ocorre e eles ficam olhando e você tem certeza que eles estão entendendo. Débora: Que é o crescer.

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Daniela: É nesse sentido que eu falo que dói. E essa dor é importante porque se não doer não vai acontecer nada. Lucas: E eu falo que os alunos, as crianças de hoje, também pedem porque elas não têm limites em casa e elas pedem isso do professor, elas testam a todo momento, elas pedem uma certa autoridade do professor porque daí eles têm um norte. (Reunião nº 8)

Acreditamos que os professores não perdem a liderança em sala de aula

porque acreditam que a formação profissional de seus alunos alcança não só

conteúdos específicos, mas também modos de se comportar diante de determinadas

situações. E se essas situações ocorrem em sala de aula é porque os professores

estão concebendo seus alunos como seres ativos, que precisam efetivamente se

envolver com os objetos de conhecimento, que “possam atualizar seus esquemas de

conhecimento, compará-los com o que é novo, identificar semelhanças e diferenças

e integrá-las em seus esquemas, comprovar que o resultado tem certa coerência”

(ZABALA, 1998, p. 37). Quando essas condições estão presentes, não há como o

trabalho ser silencioso, pois envolve a interação entre os alunos e o professor, não

há também como simplesmente delegar a tarefa ao aluno, é preciso

intencionalmente fazer as intervenções, as orientações, afinal são as intervenções

que promovem a atividade mental dos alunos, que passa por sucessivos momentos

de equilíbrio desequilíbrio e reequilíbrio. São essas intervenções que podem criar as

chamadas Zonas de Desenvolvimento Proximal – uma espécie de ajuda ajustada

aos processos de construção do conhecimento dos alunos. É aqui que os alunos

percebem o quanto o professor domina os conteúdos e as situações pedagógicas,

usando sua autoridade no encaminhamento das atividades, não deixando as coisas

acontecerem sem adequada supervisão.

Este episódio ainda traz para reflexão a ‘dor do crescimento e da

aprendizagem’. Essa dor revela que aprender exige esforço, não é só prazer.

Levando em conta o pensamento de Vygotsky (2003a, 2003b) ao ressaltar a

importância do outro nos processos de aprendizagem, podemos inferir que essa ‘dor’

pode ser minimizada se for compartilhada, se houver uma ajuda ajustada nesse

esforço.

Notamos nesses episódios que o modo como os professores concebem o

papel de aluno é fundamental norteador de suas práticas. É a partir dessa

concepção, pautada em referenciais teóricos e na própria vivência, é que podem

ampliar os sentidos e significados da prática docente.

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5.5. Conhecimento

Partindo do pressuposto de que o homem é um animal cultural, há em sua

constituição a necessidade de apropriação da herança cultural – dos conhecimentos.

Além disso, é consenso que uma das finalidades dos processos educativos é a

aquisição de conhecimentos. As concepções pedagógicas dos professores e,

conseqüentemente, suas práticas estão diretamente ligadas à sua concepção de

conhecimento. Desse modo, a concepção de conhecimento é um dos elementos que

interfere na prática docente.

Cortella (2000) afirma que parte integrante de uma teoria do conhecimento é

refletir sobre a verdade. O termo verdade origina-se sempre de um juízo de valor,

constituído historicamente pelos seres humanos. Assim, é possível afirmar que

Conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto, tem que haver um sujeito que conhece e um objeto que é conhecido, mas a verdade (...) está na relação entre eles. Esta relação se dá no tempo humano que chamamos de história. Portanto, a verdade é histórica. (...) A relação com o mundo não é individual, mas coletiva, social. Assim, a verdade não apenas é histórica como também é social porque a relação com o mundo é social (grifos do autor - CORTELLA, 2000, p. 98).

Se concordamos com Cortella (2000), entendemos o conhecimento como

algo a ser construído na relação com o objeto a ser conhecido e com o outro, como

uma construção cultural, sempre em processo de transformação pela ação do ser

humano numa constante busca de referências que o ajudem a ser e estar no mundo.

Considerando as idéias de Cortella (2000) e de Vasconcellos (1999), a

finalidade do conhecimento está relacionada à formação da consciência, do caráter

e da cidadania do sujeito. Esta perspectiva só tem sentido quando possibilita ao

sujeito compreender, usufruir ou transformar a realidade. Na verdade, o

conhecimento precisa possibilitar a transformação/modificação do sujeito para que

possa ocorrer a transformação da realidade, partindo do individual para o coletivo.

Para Mizukami (2003), toda concepção de conhecimento está alicerçada em

uma base teórica, seja ela tradicional, comportamentalista, cognitivista ou sócio-

cultural. Antes de iniciarmos nossa análise, vamos nos deter nas diversas

concepções de conhecimento apontadas por Mizukami (2003). O conhecimento,

numa abordagem tradicional, atribui à inteligência a capacidade de acumular e

armazenar informações, das mais simples para as mais complexas. Há destaque ao

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caráter cumulativo do conhecimento adquirido por transmissão, uma vez que o

homem é concebido como receptor passivo, até que adquira as informações

necessárias para a vida em sociedade. Numa abordagem comportamentalista, o

conhecimento – informação transmitida – é resultado direto da experiência

planejada, considerando o controle do comportamento observável, sendo o homem

conseqüência de influências do meio ambiente, produto de um processo evolutivo.

Na abordagem cognitivista, na qual o homem é um sistema aberto, “em

reestruturações sucessivas, em busca de um estágio final nunca alcançado por

completo” (MIZUKAMI, 2003, p. 60), o conhecimento é construção contínua. A

aquisição do conhecimento se dá em duas fases: exógena e endógena. Na primeira

fase, o conhecimento se dá pela constatação e pela imitação; na segunda

pressupõe uma abstração reflexiva ou empírica, por parte do sujeito, implicando

numa reorganização mental a partir do próprio objeto. Na abordagem sócio-cultural,

o homem “se constrói e chega a ser sujeito na medida em que, integrado ao seu

contexto, reflete sobre ele e com ele se compromete, tomando consciência de sua

historicidade” (MIZUKAMI, 2003, p. 90). O conhecimento é, então, resultado de

procedimentos desenvolvidos cultural e socialmente. Aqui, conhecer é “construir

significados (“produto”), através do estabelecimento de relações (“processo”) no

sujeito, entre as representações mentais (“matéria-prima”) que visam dar conta das

diferentes relações constituintes do objeto, ou das diferentes relações do objeto de

conhecimento com outro(s)” (VASCONCELLOS, 1999, p. 39).

Diante dessas possibilidades de se conceber o conhecimento e,

conseqüentemente, pautar a prática docente, vamos observar como aparece a

concepção de conhecimento nas interações verbais de nosso grupo de professores.

No episódio a seguir, destacamos algumas expressões: ‘você a fez pensar’,

‘possibilidade de ação’, ‘pessoas estão expostas, pré-dispostas a se depararem com

a verdade’ e ‘todos os nossos alunos têm, trazem um conhecimento’. Vejamos:

Rafael: É parece que você a fez pensar, nas coisas positivas. Às vezes o ser humano se concentra tanto nas coisas negativas que não olha as positivas. Não vê nenhuma possibilidade de ação. O professor tem então que lançar mão da percepção para perceber essas mudanças. Ela já sabia dessas potencialidades, mas não confiava nela. Daniela: Acho que é isso mesmo. Ela ficou parada, me olhando. Rafael: Todo dia as pessoas estão expostas, pré-dispostas a se depararem com a verdade. Mateus: É todos os nossos alunos têm, trazem um conhecimento, muitas vezes ele não percebe. Aí, pela nota aparece um resultado como verdade, mas nem sempre é a verdade. Rafael: Muitas vezes, no dia-a-dia não dá tempo para conversar com nossos alunos. (Reunião nº 2)

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Logo no início do episódio aparece a questão do pensamento: ‘você a fez

pensar’. Quem pensa, pensa sobre alguma coisa, expressa um conhecimento.

Aquele que pensa se mostra como usuário desse conhecimento. O pensar, então, é

visto como ‘possibilidade de ação’, possibilidade que antecede a ação. Se o

professor se percebe como alguém que pode desencadear a ação do sujeito,

tacitamente proporá atividades e diálogos que levem a isso.

A idéia de que ‘todos os nossos alunos têm, trazem um conhecimento’, nos

leva a pensar que esses professores não consideram o aluno como uma tábula rasa

e que têm a intenção de considerar esse conhecimento como elo de ligação para o

conhecimento a ser desenvolvido intencionalmente durante a aula. Esses

professores também mostram consciência de que para perceber esses

conhecimentos trazidos pelos alunos é preciso conversar com eles e que ‘no dia-a-

dia não dá tempo para conversar com nossos alunos’. Isso é sinal de que, embora

conversar com o aluno seja importante, o professor, no dia-a-dia, acaba se

envolvendo com outras coisas e deixa isso de lado ou se detém numa metodologia

mais unilateral, sem a participação ativa do aluno, colocando-se diante do

conhecimento.

Para que os professores se conscientizem de suas concepções e se

apropriem das diferentes concepções sobre conhecimento, é necessário que entrem

em contato com a teoria, que pensem sobre ela e a relacionem com sua prática

docente. Essa conscientização vai se dando conforme as discussões vão

acontecendo, tendo como suporte a leitura de alguns textos teóricos. No próximo

episódio, a partir da leitura do texto “Ensino: as abordagens do processo”

(MIZUKAMI, 2003), temos:

Débora: Ciência é produto histórico. Educação é um ato político. O conhecimento está em contínua transformação. A regulação da aprendizagem tem o sujeito como centro. Maura: Aqui vai novamente o sujeito como centro, mas tem a questão da ciência, do conhecimento ser um produto histórico. Todo produto histórico é construído nas relações entre as pessoas, então ele traz uma nova visão. É porque esse conhecimento é construído nas relações entre as pessoas ele está em constante transformação. Por isso vem a questão da regulação da aprendizagem que tem o sujeito como centro, está centrada na pessoa. A partir dele, o sujeito, que se mede aonde vai avançar, aonde vai dar uma parada. Pelas características das abordagens, a gente já imagina como é esse homem, por isso eu sugiro que passássemos para a visão do conhecimento para podermos ter um pouco mais de tempo para discussão. (...) Maura: A força teórica do professor tem que ser, sem sombra de dúvida, maior que a do aluno. A teoria tem que ser muito forte nesse professor. A experiência, às vezes, tem aluno que trabalha há muito tempo na área e acaba tendo uma experiência maior. Então o professor tem que ter, pelo menos 50% de experiência na área, até porque é isso que

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possibilita um conhecimento prático da teoria. E a hora que ele vai trabalhar a teoria ele consegue chegar num nível diferente do nível científico. Mateus: E é complicada essa passagem porque, muitas vezes, se o aluno percebe que o professor não tem esse domínio, o professor cai em descrédito. Muitas vezes, ele fica em maus lençóis e cai em descrédito com a sala, não é só com um. André: E aí, tudo o que ele coloca vão questionar se é ou não é. Será que ele está seguro agora? Mateus: Essa é uma passagem importante para o professor porque muitas vezes a gente sente esse questionamento por parte do aluno. Ele joga pesado. Maura: É porque é um tipo de aluno que acaba tendo um conhecimento prático muito forte e aí a gente tem que estar dando um suporte para que ele veja o conhecimento teórico como um conhecimento que vai melhorar essa prática dele. Éric: Vai dar o embasamento. Maura: Isso, vai dar o embasamento, vai dar sustentação para essa prática. Não adianta eu chegar e querer impor esse conhecimento, tenho que arrumar um mecanismo de compartilhar, de aliar esse conhecimento a essa questão prática. Rafael: Eu jamais vou pensar que o professor não é um especialista no assunto, alguém que domina o conceito. Às vezes, o aluno tem um conhecimento prático adquirido no ambiente, aí eu tiro-o desse ambiente para que ele tome contato com o conceito. O contato com o conceito possibilita o avanço porque você cria essa correlação. (...) Maura: Parte daquilo que o aluno sabe. O novo conhecimento faz relação com o conhecimento anterior, com a atividade prática do sujeito. Aqui o novo conhecimento produz um sentido significativo na vida do aluno. Não é um conhecimento qualquer, desconectado. Éric: Produz um sentido. Maura: É, produz um sentido. Mateus: A aula precisa fazer sentido para que aproxime e amplie a realidade do aluno. (Reunião nº 4)

A partir da idéia de que o conhecimento, enquanto ciência é ‘produto

histórico’, ‘construído nas relações entre as pessoas’, por isso em ‘constante

transformação’, os professores vão percebendo e trazendo para partilhar no grupo a

questão do conhecimento não ser algo estático. Trazem também a necessidade de

não apenas o domínio do conhecimento teórico, mas a relação com o conhecimento

da prática, da experiência. E aí percebem o conhecimento escolar, isto é, o

conhecimento científico, como aquele que agrega, que dá ‘embasamento’ para

manter ou modificar uma ação prática. É por isso que a ‘aula precisa fazer sentido

para que aproxime e amplie a realidade do aluno’ e, no dizer de Cortella,

nós, educadores, precisamos ter o universo vivencial discente como princípio (ponto de partida), de maneira a atingir a meta (ponto de chegada) do processo pedagógico; afinal de contas, a prática educacional tem como objetivo central fazer avançar a capacidade de compreender e intervir na realidade para além do estágio presente, gerando autonomia e humanização (2000, p. 125).

Enquanto professores, precisamos desenvolver estratégias que permitam

resgatar esse conhecimento vivencial do aluno para, a partir dele, sem nele

permanecer, fazermos a conexão com o conhecimento científico que possibilita uma

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visão mais aprofundada e sistematizada, que possibilita o ‘avanço porque você

[professor] cria essa correlação’. Ou seja, a ação docente, por ser intencional, é que

precisa desencadear esse avanço na medida em que o professor revela gosto,

alegria pelo que está ensinando. A alegria “é resultante de um processo de

encantamento recíproco” (CORTELLA, 2000, p. 125). Conforme estimula o

professor, estimula também o aluno, predispõe-no para a aprendizagem. É

necessário que seja gerada no aluno, pelo professor, uma necessidade (intelectual,

afetiva, ética, política, social, cultural) de aprender, de ampliar o conhecimento.

Dessa maneira, se abre espaço para que o conhecimento de um objeto se dê

por um sujeito concreto, numa realidade concreta, que se permita dominar os modos

de operar com ele, a partir da construção das representações mentais das relações

que definem o objeto: ‘o novo conhecimento produz um sentido significativo na vida

do aluno’. Se o conhecimento escolar permite avançar é preciso que o professor

conheça a realidade do aluno, o objeto de estudo e a realidade mais ampla, como

reforcei junto aos professores ‘a força teórica do professor tem que ser maior que a

do aluno (...) a experiência na área possibilita um conhecimento prático da teoria’.

Isso tudo está diretamente ligado à questão da formação integral, à formação

para a cidadania, como veremos no próximo episódio. O conhecimento não é visto

apenas como simples conteúdo a ser acumulado pelos alunos, mas como

ferramenta que pode possibilitar sua inserção no mundo.

Éric: Quando se fala nessa formação integral tem a ver com a questão da formação para a cidadania? Maura: Quando se está falando nessa formação integral tem esse viés para formação da cidadania. Quando se falava da formação cognitiva era simplesmente o conhecimento e mais esse conhecimento de caráter científico. O conhecimento que poderia ser expresso pela linguagem oral e escrita, principalmente. Débora: E essa idéia de vocação social, formar o indivíduo e se adequar socialmente, não é aquela idéia de que a escola vai inserir na sociedade num status melhor do que se eu não fôr para a escola, tem outra conotação. Maura: É, tem outra conotação. Até porque o sujeito que só domina os conhecimentos... Fale mais alto Daniela. Daniela: Se ele não estiver integrado na sociedade [...] Maura: Não basta só esse domínio intelectual do conhecimento, ele precisa pôr esse conhecimento em ação. Daniela: Ele precisa pôr para fora esse conhecimento. Mas é interessante que, mesmo trazendo coisas do cotidiano, um caso que a gente traz, nas dinâmicas a gente acaba focando um pouco disso e não é só isso, esse é o meu questionamento, mesmo trazendo a gente acaba focando no conhecimento científico, formal. É por isso que essas reflexões sempre são ótimas [...] (...) Lucas: É complexo você poder trabalhar com conceito, procedimento e atitude. A atitude é mais importante. Nós formamos professores. As atitudes têm a ver com o ser e esse ser não é construído só no ensino superior, isso vale também para o tecnológico. O cara vai trabalhar na empresa e sabe os procedimentos, sabe as regras, mas não sabe lidar com as pessoas.

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Então o ser não consegue desenvolver o trabalho dele. E assim é com o professor. Pode saber tudo, conhecer tudo e não saber se relacionar. Não consegue desenvolver seu trabalho. Acredito, então, que tem só que desenvolver os conceitos, os procedimentos e o ser para poder gerar um trabalho de qualidade. Ontem mesmo eu estava falando disso para os alunos. Terminamos o semestre e vocês todos poderão dar aula, a diferença vai estar no comportamento de cada um, no como cada um respeita e trata as pessoas. Todos aqui podem pegar as informações que recebeu no curso, completar com as que estão nos livros, dominar os conhecimentos, mas isso não é garantia de que será o melhor professor. É preciso, além dos conhecimentos, ter uma visão ampla da sociedade e saber se relacionar. Priscila: A mim, o que tem me incomodado mais é o contrário. Eu penso que a ênfase está no que se deve fazer e ser, nos procedimentos e nas atitudes. Isso parece ser uma lição bem decorada, não sei se é porque eu vim da Unicamp, que eles têm este aspecto mais aprofundado. E o outro lado, o conteúdo... Maura: Como se fosse um acessório. Priscila: Pior, como se fosse um inimigo crucial. O medo do tradicional, medo de ser conteudista e toda essa coisa. Praticamente eu tive duas faculdades só com os dois últimos. É uma luta tremenda minha de buscar o conhecimento. Eu por mim mesma. Porque se cai num discurso muito forte do que é politicamente correto, que é o se deve saber fazer e como se deve ser e fica marcando isso. E aí todo mundo vai repetindo. Maura: Por isso é que tem o resgate desse conteúdo. Nós saímos de um extremo que era só conteúdo e foi para o outro. A busca agora é o equilíbrio porque ninguém sabe fazer se não tiver o saber. O saber ele é ferramenta para o fazer. Éric: Sem conhecimento não se chega no fazer. André: Ou fica naquela coisa do imitar, do robô. Você imita o fazer do outro, mas não relaciona, não questiona. Débora: O negócio é saber fazer a partir do saber. Maura: É a tal coisa da competência. É coordenar habilidades e conteúdos numa ação. Débora: É a competência que vai fazer a diferença. (Reunião nº 6)

A questão da formação do sujeito integral introduz o episódio acima e parece

estar na cabeça dos professores, permeando a prática docente conforme

desencadeia ações que visam integrar conhecimento teórico com o saber fazer. Tal

temática tem como pano de fundo todo o discurso da educação para o século XXI, a

partir do conhecido Relatório Jacques Delors7, iniciado em março de 1993 e

concluído em 1998 (DELORS, 1998) e da Conferência Mundial sobre Ensino

7 O que caracteriza as aspirações da Educação hoje foi, de certa forma, resumido por um grupo internacional de educadores, presidido por Jacques Delors que relatou para a UNESCO os desafios da Educação para o século XXI reunindo teses que expressam o desenvolvimento humano enquanto “evolução da capacidade de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do sentido das responsabilidades” (1998, p. 9). Trata das problemáticas do mundo de hoje, necessidades de reformas educacionais, indicando que a aprendizagem deve assentar-se sobre quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Sob esses quatro pilares estão idéias centrais para definição dos fins de um sistema educacional nos dias de hoje: mais que o conhecimento, o domínio dos seus instrumentos, os fundamentos que permitam a aprendizagem continuada, o aprender a aprender; uma qualificação profissional voltada para a competência, que ultrapassa o sentido estrito que lhe tem sido dado; a descoberta do outro, que vai permitir o trabalho solidário, em equipe; o desenvolvimento total da pessoa, com capacidade de pensamento autônomo e crítico, de modo a poder decidir como agir nas diversas circunstâncias da vida.

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Superior de 19988 (UNESCO, 1999). Esses documentos trazem uma mudança de

paradigma na função social da escola, que precisa deixar de ser mera transmissora

de conhecimentos, materializada na racionalidade técnica, para ser um espaço de

construção de conhecimentos, não mais tomados como verdades absolutas, mas em

constante transformação e aperfeiçoamento, materializado na racionalidade prática,

que lida com o inesperado, com o imprevisível, com sujeitos também em constante

transformação. Criar condições para que os alunos desenvolvam suas capacidades

e aprendam os conhecimentos necessários para construir instrumentos de

compreensão da realidade e de participação em relações sociais, políticas e

culturais diversificadas e, cada vez mais, amplas tem sido o objetivo a ser alcançado

pelas instituições educativas. Para aprender é preciso adquirir significado, sentido,

por isso é papel da escola “dar significado”, “re-olhar” para o conhecimento.

Os professores, no episódio anterior, revelam muitas preocupações que, de

algum modo, devem aparecer na prática docente. Expressam que ‘não basta só o

domínio intelectual do conhecimento, eles [aluno e professor] precisam pôr esse

conhecimento em ação’ e demonstram a complexidade de sua prática docente

diante desse novo paradigma: ‘é complexo você poder trabalhar com conceito,

procedimento e atitude’. É necessário ‘além dos conhecimentos, ter uma visão

ampla de sociedade e saber se relacionar’.

Na verdade, é complexo trabalhar com a tríade aprender a conhecer/aprender

a fazer/aprender a ser de forma que não fique apenas um discurso declarado e não

praticado, como vimos ‘se cai num discurso muito forte do que é politicamente

correto, que é o que se deve fazer e como se deve ser e fica marcando nisso’. Como

dizem os professores ‘o saber é ferramenta para o fazer’.

São conflitos expressos pelos professores – que revelam a complexidade da

ação docente – e que a possibilidade de pensar sobre eles com o grupo abre espaço

para que, pela reflexão coletiva, construam colaborativamente, saberes que

potencializam a prática docente, na medida em que promove a exposição de suas

idéias, conflitos e dificuldades.

Essas reflexões não pararam por aí. Ao contrário foram ganhando força e

fundamento com o passar das reuniões. É possível observarmos, neste último

8 Os Anais da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior reúne documentos relativos à missão, função, qualidade, pertinência e financiamento do ensino superior no século XXI, pautando-se no diálogo entre instituições preocupadas com as necessidades presentes e futuras da sociedade.

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episódio, que também traz concepções de conhecimento, o quanto os professores

avançaram e suas vozes foram ganhando convicção.

Maura: Penso que uma coisa interessante, pela fala da Débora, o próprio Maurice Tardif diz, um dos saberes do professor é o saber que vem da prática, é o conhecimento. Esse conhecimento só pode ser sistematizado na hora que você verbaliza a sua prática. Agora mesmo, a Débora perguntou se podia adotar o que você fez. É como se tivesse lido num livro de metodologia, acho que melhor ainda... Priscila: Melhor porque é um relato e tem mais força. Maura: E essa coisa transformada em conhecimento mesmo. E são as coisas que a gente não tem nos livros. Débora: E não... Priscila: A gente podia publicar. Débora: É isso que eu ia falar porque esse é um conhecimento sendo construído e minha discussão agora, se o professor constrói ou não conhecimento. E das meninas da graduação dizerem que quem está nas universidades e é mestre e doutor constrói conhecimento e elas não. Eu digo que constroem. Só que a gente não formaliza e os caras que formalizam vendem livros. A gente não anota as reflexões seriamente, quais os seus objetivos na trama. (...). Daniela: E é interessante que quando eles perguntam alguma coisa para a gente acreditam que temos todas as respostas. Um dia desses uma aluna me perguntou o que era endógeno. E eu não sabia e disse isso à ela. Na aula seguinte, perguntei se ela já sabia o significado. Ela disse que sim, mas eu não sabia mesmo. (Reunião nº 12)

Aqui notamos que os professores continuam valorizando a necessidade do

domínio do conteúdo a ser ensinado, também para atender a uma expectativa do

aluno, mas também valorizam a mediação da aprendizagem pelo professor por

acreditarem que ‘a construção do conhecimento tem que se dar pela sociedade

(conceitos cotidianos), pela classe (escola – conceitos científicos) que está

interagindo. Aqui a concepção de conhecimento mostra-se relacional, histórico-

cultural, que se dá na tessitura do movimento de interlocução intencional, proposto

pelo professor. São esses conceitos científicos que, pela abstração, permitem o

desenvolvimento e o controle do ato de pensar, permite um nível mais alto de

organização da consciência, que subsidia as ações.

Esses quatro episódios, recortados de diferentes reuniões, expressam

concepções de conhecimento que trazem os professores revelando que eles

rompem com a visão do senso comum que afirma que o professor é alguém que

transmite conhecimento aos outros. Acreditam que os conhecimentos são

construídos no contato com o objeto de conhecimento mediado pelas relações

interpessoais e que sua aquisição possibilita o enfrentamento de situações vividas

na escola e no mundo contemporâneo.

Além dessa ligação direta com um dos objetivos de sua tarefa, ampliar os

conhecimentos dos alunos, os professores revelam o que pensam sobre os

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conhecimentos que os constituem e que, conseqüentemente, são fortes constituintes

de sua competência docente: os conhecimentos expressos nos ‘saberes que vêm da

prática’. Trazem para discussão uma das idéias de Tardif (2002), ‘a competência do

professor está intimamente ligada com o seu saber de conteúdo’, apresentando

desse modo o processo de ampliação de sentidos e significados da prática docente.

Os professores após reflexões sobre o que é o conhecimento e como ele pode ser

aprendido e apreendido, passam a pensar na sua constituição, nos saberes que, de

algum modo, permitem uma prática docente mais objetiva e promotora da

aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos.

Para Tardif (2002, p. 33), os professores “ocupam uma posição estratégica no

interior das relações complexas que unem as sociedades contemporâneas aos

saberes que elas produzem e mobilizam com diversos fins”, uma vez que esses

saberes são renovados constantemente, por serem frutos de uma realidade marcada

pelo histórico-cultural. Como todo saber implica num processo de aprendizagem e

de formação, o saber científico, caracteristicamente o saber escolar, depende de

uma formalização estratégica para que possa ser mobilizada sua aprendizagem.

Essa formalização estratégica está sob a responsabilidade do professor, por isso a

prática docente é considerada uma atividade que mobiliza diversos saberes: os da

formação profissional, os disciplinares (que constituem o conhecimento específico

dos conteúdos), os curriculares e os experienciais. Vamos nos deter nos saberes

experienciais uma vez que os demais, de certo modo, já foram contemplados

anteriormente e porque é a reflexão sistematizada desses saberes que possibilita a

ampliação de sentidos e significados da prática docente.

Os saberes experienciais (TARDIF, 2002, p. 49) são adquiridos no âmbito da

profissão docente, “formam um conjunto de representações a partir das quais os

professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática

cotidiana”, constituindo a “cultura docente em ação”. Considerando que a prática

docente não é uma ação solitária, pois é realizada “numa rede de interações com

outras pessoas, num contexto onde o elemento humano é determinante e dominante

e onde estão presentes símbolos, valores, sentimentos e atitudes, que são passíveis

de interpretação e decisão” (TARDIF, 2002, p. 50), o domínio do conhecimento

específico não dá conta de tal atividade, por isso o professor precisa dispor de

outros conhecimentos, principalmente o ‘saber que vem da prática’, dessa tessitura

de relações e imprevisibilidade, um saber que ‘só pode ser sistematizado a hora que

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você verbaliza a sua prática’. É nos momentos de reflexão compartilhada que esses

saberes experienciais – frutos de um saber plural, mobilizados e empregados na

prática cotidiana – podem ser reconhecidos como fundamentais para o repensar a

prática docente, no sentido de ampliar seus significados e sentidos.

5.6. Aprendizagem

Partindo do pressuposto de que toda ação docente traz consigo uma gama de

concepções e saberes, por parte do professor, vamos nos deter na questão da

aprendizagem, em quais pressupostos trazem os professores sobre aprendizagem.

Se considerarmos uma abordagem mais tradicional, a aprendizagem está

relacionada à instrução, a um modelo pedagógico que privilegia o verbalismo e a

memorização, não levando em conta as diferenças individuais, nem os aspectos

ligados à reflexão. O que se valoriza é a quantidade de conceitos e informações

transmitidos pela ação docente pautada na racionalidade técnica.

Numa abordagem mais humanista a ênfase está no papel desempenhado

pelo sujeito que aprende e nas relações interpessoais que mediam a aprendizagem

dos conceitos. Há envolvimento pessoal entre o sujeito que aprende e o sujeito que

ensina; há preocupação com os processos de pensamento e o desenvolvimento de

habilidades, viabilizados pela ação docente pautada na racionalidade prática.

Nos episódios que apresentamos neste eixo temático, os professores, de

modo geral, centram a concepção de aprendizagem na abordagem humanista,

embora demonstrem viver situações conflituosas com os alunos ao proporem aulas

mais interativas, que exigem a atividade deles.

Em suas propostas de trabalho, partem do pressuposto de que ‘toda pessoa

sabe alguma coisa’, mas se deparam com o ‘como’ fazer uso desse conhecimento

prévio e ‘como’ motivar, despertar o desejo de aprender no aluno.

Em reunião na qual discutimos o papel do professor esses aspectos se

evidenciam e revelam a angústia, no que diz respeito à motivação que se mostra

como um motor da aprendizagem e do trabalho docente. Vejamos.

Maura: Porque ele (Paulo Freire) partia do princípio de que todo sujeito sabe alguma coisa. Então toda pessoa sabe alguma coisa, toda pessoa é capaz de aprender alguma coisa, e toda pessoa só aprende quando se coloca, quando se dispõe à aprendizagem. A partir daí a aprendizagem é possível. E às vezes na sala de aula, o sujeito sabe alguma coisa, o sujeito é capaz de aprender, mas às vezes ele não está disposto a aprender.

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Ana: O que me incomoda é o como. Como eu vou fazer? Num grupo, como vou motivar? (...) Débora: Eu estava pensando... Me parece que quando o grupo [...] Quando entramos em sala de aula, queremos todo mundo participando, todo mundo respondendo, todo mundo tirando altas notas. Isso tem muito a ver com a nossa história. Qual a escola que nós fizemos? Eu fiz formação para o Magistério, a minha história na escola é escolher a educação. Os professores que se formaram para serem professores. Tudo isso eu trago quando estou atuando como professora. Tudo isso que você falou do Paulo Freire, tem a ver com a história de vida dele. Dele ser um provocador, de viver quebrando paradigmas, de querer um Brasil educado, com qual recurso você tem para provocar. [...] Existem idéias da relação professor-aluno que precisam ser revistas em nós. Que relação eu tenho com o meu projeto de aprendizagem? E aí a gente vai descobrindo maneiras de relacionar-se com seus alunos, um grupo heterogêneo, e de descobrir que isso é que dá o tom. Para mim fica muito forte essa coisa de não deixar de olhar para a história que vem de dentro de cada um. Veja, eu dei aula para crianças e às vezes eu me pegava pensando “Que horror”, vamos rever isso, vamos repensar isso. São as relações que estabelecemos com os alunos, mesmo os adultos, tem o lado dele também querer. Por isso quando a Ana fala de “como” é eterno. O cara que descobriu isso vai ser lembrado o resto da vida, porque esse “como” é subjetivo. Maura: Mas será que isso vai ter fórmula? André: Às vezes é uma semente, não dá uma árvore igual, é da mesma espécie, mas não é igual. Não tem como dar a mesma aula. Epa, acho que essa é a transformação. (...) Priscila: Na verdade eu concordo que não existe modelo de algo que é um castelo de cartas. Todo dia alguém troca/coloca uma carta. Quando você começa a dar aula você se espelha em alguma coisa. Sempre a dificuldade do aluno, a fragilidade vem sempre antes do que você imagina. Então o caminho é diferente. Eu parto da interação, por isso que não dá para aplicar nada muito modal, não adianta ter um modelo. Maura: Um único modelo que funcione de fato. (Reunião nº 1)

Enquanto mediadora pedagógica, trago para reflexão elementos considerados

fundamentais para a aprendizagem: o conhecimento prévio (‘toda pessoa sabe

alguma coisa’), a capacidade para aprender (‘toda pessoa é capaz de aprender

alguma coisa’) e a necessidade de querer aprender (‘toda pessoa só aprende

quando se coloca, quando se dispõe à aprendizagem’). O conflito surge quando o

terceiro elemento, a disposição para aprender, precisa ser motivada pelo professor

que se pergunta ‘como?’. O ‘como’ parece estar ligado à história social de cada

professor, parece não haver uma receita: ‘existem idéias que precisam da relação

professor-aluno que precisam ser revistas entre nós’. Se precisam ser revistas

significa que não são verdades absolutas, que não estão finalizadas, que estão em

construção, assim como nós seres humanos também estamos em constante

construção. Nesse processo de reflexão, é preciso nos indagarmos: ‘que relação eu

tenho com o meu processo de aprendizagem? E aí a gente vai descobrindo

maneiras de relacionar-se com seus alunos, um grupo heterogêneo, e descobrir que

isso é que dá o tom’. Dá o tom porque cada situação é encarada como única: ‘não

tem como dar a mesma aula’. Nós somos diferentes a cada momento, nossos alunos

também e a situação que vivenciamos juntos também passa a ser única.

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Fica evidente a necessidade de voltarmos nosso olhar para nós mesmos, nos

descobrirmos enquanto aprendizes, considerarmos nossos mecanismos de

aprendizagem, para daí olharmos para nossos alunos e descobrirmos seus

mecanismos de aprendizagem a fim de escolhermos as ferramentas mais

adequadas. Aí está o ‘como’ que é trazido como ‘eterno’ e ‘subjetivo’, mas amparado

em bases teóricas e em um trabalho sério e criteriosamente planejado que tem seu

foco no ser humano e na aprendizagem que promove o desenvolvimento. Por isso,

insistimos que ‘não tem como dar a mesma aula’, aí está a capacidade de

‘transformação’. Transformação que se materializa pela ‘interação’ entre objeto de

conhecimento e seres singulares que não podem estar amarrados a um modelo

fechado.

Por conta dessa concepção, acreditamos que a ‘aula precisa fazer sentido

para que aproxime e amplie a realidade do aluno’, desse modo, de fato, pode

ocorrer a motivação que conduz à aprendizagem, como veremos no episódio a

seguir quando refletem sobre as abordagens dos processos de ensino.

Maura: Parte daquilo que o aluno sabe. O novo conhecimento faz relação com o conhecimento anterior, com a atividade prática do sujeito. Aqui o novo conhecimento produz um sentido significativo na vida do aluno. Não é um conhecimento qualquer, desconectado. Éric: Produz um sentido. Maura: É, produz um sentido. Mateus: A aula precisa fazer sentido para que aproxime e amplie a realidade do aluno. (...) André: Eu acho que é o que a gente estava falando, além de pensar no resultado da aprendizagem é preciso pensar quando eu estou me pautando em determinada abordagem, até para eu poder ir me certificando sobre as vantagens de uma sobre a outra. É preciso também perceber a ressonância do outro lado da classe, porque às vezes a aula demanda a transmissão de alguma informação que será ponte para a construção de um conhecimento. Agora, como é que eu sei, em relação àquela turma, ao conteúdo da disciplina, quando usar mais uma abordagem e menos outra? Éric: Acho que o importante é que os alunos tenham a experiência de passar por todas. Porque você está em situações diferentes de aprendizado e é preciso saber como é que você se sai. O ideal, no meu modo de ver, com minha pouca experiência em ensino, é que seja possível optar por uma ou por outra, dependendo da situação, para ver como é que os alunos interagem e você mesmo se perceber como você se coloca e como você consegue fazer com que o conhecimento seja trabalhado e aprendido. Mateus: Acho que é como eu digo para os meus alunos: é o momento da verdade, o momento em que de fato vai mostrar se aprendeu na avaliação da aprendizagem. Éric: Às vezes o momento da verdade é no próprio mercado de trabalho, numa situação real. No mercado a gente encontra situações onde seu chefe é um general, em outras situações seu supervisor é um cara legal, democrático, você pode interagir com ele. Você também pode encontrar situações aonde o cara vem determina a tarefa e te manda se virar Mateus: É por isso que nas situações escolares precisam haver simulações para poderem aprender e mostrar o que aprenderam.(Reunião nº 4)

Neste episódio, fica bem marcada a questão da aprendizagem significativa,

que é preciso conexão entre os conhecimentos, que é preciso partir daquilo que o

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aluno sabe, da sua realidade, mas tendo em mente que os conhecimentos – ditos

escolares – precisam ampliar o que ele sabe e a sua realidade.

Os professores demonstram que, na realidade, em alguns momentos

trabalham com a ‘transmissão de alguma informação que será ponte para a

construção do conhecimento’. Não têm a ilusão de que o conhecimento se constrói

exclusivamente pela atividade independente do aluno, essa atividade é mediada

pelo professor e pelas informações colocadas em movimento. Acreditam que os

alunos precisam experimentar ‘situações diferentes de aprendizado’ para ‘saber

como é que você se sai’. Em sala de aula, também é preciso o ‘momento de

verdade, o momento em que de fato vai mostrar se aprendeu na avaliação da

aprendizagem’.

A vida escolar precisa possibilitar aos alunos a vivência de diferentes

experiências, por meio de ‘simulações para poderem aprender e mostrar o que

aprenderam’. É por isso que o conhecimento trabalhado em sala de aula não pode

ter um fim em si mesmo. Ele só tem “sentido quando possibilita o compreender, o

usufruir ou o transformar a realidade” (VASCONCELLOS, 1999, p. 34). A idéia que

subjaz é a do conhecimento que faz com que o sujeito se transforme e, pela sua

transformação, seja capaz de transformar/intervir na realidade. Desse modo, ‘o novo

conhecimento produz um sentido na vida do aluno’. Essa reflexão possibilita que os

professores, direta ou indiretamente, pensem sobre ‘o que ensinam’, ‘porque

ensinam’ e ‘como ensinam’ determinados conhecimentos.

É interessante observar que os professores percebem que a aprendizagem

depende de um compromisso deles, mas também de um compromisso dos alunos.

Significa que a aprendizagem não é unilateral, ela é integrada. É esse aspecto que

se destaca no próximo episódio.

Rafael: A gente liga a isso a questão dos instrumentos porque têm alunos que chegam na metade do curso e falam “qual é a programação?”. Quer dizer, ele não vai no site, ele quer o negócio no xérox. E fica complicado, porque você pode dar o material, mas aí abre um precedente. E às vezes você esquece de pôr no xérox porque está no site. E você está falando na sala de aula... Maura: Isso é criação de cultura. Rafael: Então essa questão dos instrumentos, o Plano de Aula, por exemplo, a escola dá, o Coordenador fala, a gente volta a falar, você abre todo o sumário, está na apostila toda a seqüência amarrada no Plano de Aula. Isso o aluno tem que ter na mão para estar acompanhando. E você fala uma, duas, três, quatro, cinco vezes e fica complicado prum universo de 30% das avaliações. Como é que eu pego, na avaliação institucional e tem 30% dos alunos que dizem que não conhecem o Plano de Ensino. Não dá, é questão de leitura. Ele tem que fazer uma leitura para conhecer melhor o que a gente está falando. Tem coisas que precisam de conceito e o sujeito precisa ler. Esses instrumentos são fundamentais. Se o

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sujeito não tiver um comportamento pró-ativo, se não tiver visão, você está com uma ferramenta subutilizada ou utilizando sem saber por que. E aí vem “computador é ruim”. Por isso que penso que essa questão dos instrumentos para atingir os objetivos, a partir do contexto (aluno e mercado) a gente vai mudando e, às vezes, os alunos não aceitam muito isso. O aluno vem pra cá, também como profissional (porque ele já trabalha), precisa aprimorar uma linguagem técnica da sua área, do mercado. Então ou você se adapta para a linguagem do mercado ou vai ficar fora. Não pode ficar no bê-á-bá. Alguns entendem isso como uma coisa autoritária, mas não é. Eles precisam. (Reunião nº 5)

Com a chegada da tecnologia da informação, na instituição de educação

superior, muitos recursos são disponibilizados para que alunos e professores

também possam se comunicar e registrar suas ações. Na verdade, são ferramentas

que exigem que os professores disponibilizem o planejamento de suas ações aos

alunos e, ao mesmo tempo, exigem dos alunos a tomada de conhecimento daquilo

que será proposto e um ‘comportamento pró-ativo’. Porém, percebem certa

resistência dos alunos que parecem querer tudo facilitado, não se predispondo a

uma aprendizagem que demanda ação intensiva do sujeito que precisa ‘aprimorar

uma linguagem técnica da sua área’ de formação.

Além disso, aprender também demanda adaptação e formação de vínculos. É

num momento de reflexão que os professores percebem essa questão, quando

retomam as características do professor que pauta sua ação na racionalidade

técnica e aquele que pauta na racionalidade prática. Vejamos.

Maura: A entrada para o ensino superior é também uma adaptação nova para o aluno, é uma escola nova para os alunos. É um jeito novo de trabalhar, é uma liberdade diferente. Priscila: Eles olham muito como um “lesse fair”, mesmo que eles tenham bolsa, não vai precisar fazer nada, nem estudar... Na primeira semana que eu recolho um texto para identificar quem é quem, para conhecer o perfil meus alunos. Tem alguns alunos que dizem assim “olha professora, eu escrevi bastante, a senhora me desculpe, mas eu grifei, se a senhora tiver preguiça de ler é só ler o que está grifado”. Então me parece uma ingenuidade, sem contar a questão social, que o silêncio para a sociedade de classe média/média baixa é uma coisa quase impossível e a gente tem que ficar lutando mesmo. Eu sempre falo para os alunos que eu vou trazer um chá “brochante”, se alguém tiver uma fórmula pode me dar que eu trago. Porque é difícil, essa eu acho que é a primeira barreira de começo de ano. No segundo semestre é mais tranqüilo, os alunos já sabem qual é a sua, todo mundo já está mais alinhado. Maura: Isso tem a ver com essa questão da adaptação. A gente imagina que o período de adaptação é só para criança. Mas o adulto também tem esse período de adaptação. É como se fosse um rito de passagem. Daniela: Eu nunca tinha pensado nisso em relação ao adulto. Interessante. Lucas: E para o professor também. Priscila: É preciso a formação do vínculo. A gente tem tido muito professor-aluno no Normal Superior e em Letras. Às vezes tem problema de falação, de comportamento, falarem muito e muito alto. Uma professora-aluna até bateu boca comigo, foi super desagradável. Ela falou assim “ah professora a gente entende porque eu também sou professora, nós também somos professoras”. Aí eu dei uma dura, ela nem apareceu na última aula. Eu até falei “as salas mais difíceis são as que têm professoras. Difícil de gerenciar porque todo mundo se acha no

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lugar privilegiado. E professor quando senta na carteira de aluno é aluno do mesmo jeito, não adianta”. (Reunião nº 7)

De fato, o ser humano, independente da faixa etária, passa por momentos de

adaptação quando se depara com uma nova situação. É interessante observarmos,

após tantas reuniões, os professores falando sobre suas práticas, sobre o que

pensam de seu papel e do papel do aluno, sobre o conhecimento, se depararem –

com certa estranheza – com a questão da adaptação. E, quando se deparam com a

necessidade de adaptação dos alunos entre si, com o professor e vice-versa, dizem

‘eu nunca tinha pensado nisso em relação ao adulto’. Aqui está uma dificuldade que

nós, professores, muitas vezes, apresentamos em relação aos nossos alunos, não

levando em consideração aspectos que são fundamentais para a aprendizagem:

levantamento de conhecimentos prévios, levantamento dos conceitos cotidianos

relacionados aos científicos que pretendemos ensinar, interação entre os alunos,

consciência de que os alunos – mesmo sendo adultos – estão em processo de

formação. Percebemos que os professores acabam vivendo uma situação de

conflito, muitas vezes, porque têm “atitudes de acordo com a expectativa que sobre

ele se joga, mas, em outras, procura construir um novo papel, que responda a uma

nova idéia de ensinar e aprender” (CUNHA, 2003, p. 51).

Esse episódio nos faz pensar no quanto estamos vivendo momentos de

transição de paradigmas no exercício docente, na redefinição de nosso papel e que

a reflexão sobre a prática docente pode enunciar a construção de novos referenciais

para a formação e a ação docente, uma vez que revela nossa percepção das

situações de sala de aula e das relações que ocorrem na sala de aula. Isso veio à

tona quando juntos lemos um texto sobre os dois paradigmas que permeiam a

prática docente: a racionalidade técnica e a racionalidade prática. No episódio

abaixo veremos parte dessa reflexão.

Débora: Acho que tem algumas coisas. Quando o Lucas fez a pergunta assim, a primeira vez, lá atrás, quando ele falou da relação. Eu ia dizer isso, existe a relação, mas elas são diferentes, obviamente. Tem também a relação com o grupo, que todo grupo tem um código. E você tem que ler esse código, dependendo da relação que você quer estabelecer. E também tem uma relação que é o individual. E tem gente que estabelece isso com facilidade, te encontra no corredor te cumprimenta, tem gente que só fala com você em sala de aula. E essa coisa que você contou da prova, do quero ver agora, acho que tem a ver com aquilo que gente falou na semana passada de que escola eles vieram? O quanto é complicada essa autonomia de leitura, de bom “ela está no meio da aula, ela não vai mostrar a prova”. São coisas muito práticas, mas que parece que eles não percebem por conta de uma história...

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Priscila: Por conta de um comando. Parece que comando geral não funciona mais. Sabe aquela coisa de que você vem para a sala, começa a aula, fala e todo mundo ouve e entende. Parece que não tem mais. Débora: É por conta dessa história pessoal. São universos diferentes. Você tem quarenta alunos, são quarenta histórias. São quarenta maneiras de pensar, quarenta maneiras de aprender, quarenta objetivos de vida, fracassos, sucessos. Então, eu não acredito, nem sei se existe, aquela coisa de “vou e vou atingir todo mundo”. Maura: Aquela coisa homogênea. Débora: É, eu não acredito na homogeneidade. Priscila: Mas o que eu estou sentindo mais assim, é uma falta de organização coletiva, eles não conseguem se organizar e nem se dispõem a. Débora: Porque eu acho que nesse rito de passagem, eles precisam, precisam mesmo... gente, se eu contar que eu falo assim para elas “não dobre a ponta da folha porque eu vou grampear” ou então “tira aquelas pontinhas da folha, quando arranca a folha do espiral, porque é uma questão de organização, limpeza do trabalho”. Se eles não têm esse tipo de orientação... falar de uma organização maior, faz parte de uma outra coisa. A gente dá orientações que são básicas, que já deveriam estar construídas, se você pensar. Lucas: Eu tenho uma preocupação, nós somos os professores hoje que tivemos uma educação, uma escola diferente da que eles tiveram. Débora: É, nós somos geração anterior. Lucas: Sim, essa geração anterior está dando aula hoje. A minha preocupação é amanhã, daqui alguns anos são eles que estarão dando aula, como será a relação na sala de aula? Débora: Por isso, Lucas... Maura: A gente está exatamente entre esse professor técnico... Débora: E o reflexivo. Maura: E a gente ora é uma coisa, ora a gente é outra porque a gente está aprendendo a lidar com isso também. Débora: Exatamente, porque nós também tivemos uma escola que fragmentou, de autoritarismo exacerbado, de professor de história que se você perguntasse como escrevia tal palavra ele mandava perguntar para o professor de português porque ele era professor de história. Eu, pelo menos vivi essa situação. Que é diferente dos caminhos que a gente está buscando para ser professor. Daniela: E nós só tínhamos uma relação com o professor, dentro da sala de aula. Débora: É, não existia essa coisa de “Oi, Débora, oi Lucão!” (...) Débora: Porque é inerente a qualquer coisa. Eu tenho que ser um pouco isso mesmo. A gente só ensina aquilo que sabe, aquilo que está internalizado, experienciado de alguma maneira. Daniela: E é interessante que quando a Maura falou na nossa formação, eu ia dizer que é uma coisa que dói, inclusive fisicamente. Eu não dormi essa noite, eu fiquei com a faculdade e essas coisas na cabeça, reflexões minhas inclusive, como a dos outros professores, enquanto coordenadora. E é uma coisa que dói fisicamente porque é complicado, porque quando ele está falando, quando ela falou, me veio uma coisa assim: você está lá e está todo mundo te ouvindo, só que cada cabeça... Débora: Recebe de um jeito. Daniela: Exatamente isso. E aí tem um que vai usar isso para o resto da vida dele e tem um que vai dizer “O professor Lucas é um babaca”, desculpa, Lucas, mas poderia ser qualquer um. Lucas: Não, tudo bem. Daniela: Então cada um vem com sua própria história, que aí que é difícil também e que dá essa reflexão que às vezes dói, literalmente dói porque não depende só da gente. Lucas: Acho que não tem que doer não, porque você não tem tempo para estar discutindo com todo mundo. Você tem que lembrar que eles não queriam atingir o Lucas, houve perguntas e nós discutimos, mas nem dá tempo. Acho que você também fez isso enquanto aluna, todos nós fazemos isso. Vou usar isso, não vou usar aquilo. Daniela: Não tem uma responsabilidade toda nossa. Às vezes eu acho que essa coisa do erro fica uma responsabilidade toda nossa. Maura: É, isso eu acho que tem que ficar claro o que é que depende da minha participação e o que é que é o limite da minha ação enquanto professora também. Porque a aprendizagem, ela ocorre pelo resultado da minha ação mais o resultado da ação do sujeito. Da minha motivação para agir com ele e da motivação dele de disponibilidade para essa aprendizagem.

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E aí, eu não tenho que perder o sono, embora perca de vez em quando, porque eu fiz tudo o que cabia a mim. Mas eu tenho que ter essa clareza de que eu fiz o que era a minha parte. (Reunião nº 8)

Percebemos, nesse episódio, um esforço dos professores em tentar

compreender o que acontece com seus alunos a fim de intervirem de modo mais

apropriado para que a aprendizagem possa ocorrer e os conhecimentos sejam

adquiridos, reconhecidos ou desenvolvidos. Notamos, também, a busca contínua por

aquilo que somos e o que desejaríamos ser, num movimento de minimizarmos

nossa condição de seres inconclusos.

Alarcão (2004, p. 24) nos diz que é pela “compreensão que nos preparamos

para a mudança, para o incerto, para o difícil, para a vivência noutras circunstâncias

e noutros países. Mas também para a permanente interacção, contextualização e

colaboração”. E esse movimento parece fazer parte desses professores quando

dizem que ‘todo grupo tem um código’ e que é preciso ‘ler esse código’. É a partir da

leitura, do significado atribuído a esse código que se estabelecem relações que

tentam considerar que os alunos têm ‘histórias pessoais’ e, portanto, ‘universos

diferentes’. Diante dessa multiplicidade de histórias que se cruzam na sala de aula, é

preciso que os professores tenham consciência de que é fundamental reestruturar

essas relações porque ‘a aprendizagem, ela ocorre pelo resultado da minha ação

mais o resultado da ação do sujeito. Da minha motivação para agir com ele e da

motivação dele de disponibilidade para essa aprendizagem’ – finalizo no episódio.

Por isso os professores precisam repensar seu papel, pois, se vêem lidando com

uma diversidade em que a prática docente, pautada na racionalidade técnica, não dá

conta da efetiva aprendizagem. Não dá conta porque gera o desinteresse, a

dependência do professor enquanto fonte de informação. O que na verdade os

professores precisam é criar possibilidades que levem seus alunos aprender a

aprender, levando em consideração seus ritmos, interesses, assumindo papel ativo e

responsável, desenvolvendo a autonomia. Mas para isso é preciso que os

professores tenham esses aspectos desenvolvidos em si mesmos, pois, como eles

próprios revelam ‘a gente só ensina aquilo que sabe, aquilo que está internalizado,

experienciado de alguma maneira’.

É neste contexto que se percebem em busca de uma docência pautada na

racionalidade prática, procurando refletir criticamente sobre a articulação da teoria

pedagógica com a própria prática, a fim de lidar melhor com a realidade

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apresentada. Notamos que pensar sobre essas questões pode ‘doer fisicamente

porque é complicado’. É complicado porque refletir sobre nossa ação docente

envolve um grau de complexidade que exige maturidade profissional, mas quando

percebemos que somos seres limitados, porém em busca de transformarmos e

ampliarmos os sentidos e significados de nossa prática docente nos vemos afetados,

não apenas cognitivamente, mas fisicamente, numa teia de conflitos e incertezas.

Os professores se mostram, nesse episódio, envolvidos num múltiplo diálogo:

consigo próprio, com seus pares, com a teoria e com a prática docente (contexto e

ação). Se mostram como intelectuais, procurando gerir sua prática docente,

enfrentando as adversidades encontradas na prática docente, quando têm ‘clareza

de que eu fiz o que era a minha parte’ e percebem que encontram grandes

dificuldades com os alunos que ainda acreditam que a aprendizagem acontece na

base da transmissão e que os conhecimentos aprendidos precisam ter aplicabilidade

imediata. É o que demonstram no próximo episódio, onde insistem em promover

uma aprendizagem compartilhada, baseada na construção e os alunos se mostram

resistentes.

Maura: Mais algum ponto aí? André: Eu acho que nós estamos vivendo um momento muito diferente com as gerações mais jovens e a sociedade está muito diferente. Você tenta prolongar uma discussão para a próxima aula e a reação é muito ruim, eles querem tudo pronto. Até algumas vezes, algumas disciplinas que eles não vêem aplicação imediata, no trabalho deles, eles já se sentem desmotivados. Você tenta dizer “espera, nós vamos chegar lá”. Mas eles não têm essa posição de construírem juntos e vamos ver onde vamos chegar. É difícil a gente achar como. Essa é uma das frustrações, a disciplina envolve a coisa com a empresa e a maioria dos alunos trabalha em vendas ao consumidor ou relacionamento. Então não conseguem construir juntos. Daniela: E é interessante porque eles não estão querendo coisas assim para o conhecimento. Acho que tem a ver com a semana passada, as palestras de alguma forma você aprende, mesmo com aqueles que não foram tão bons. Mas acho que eles não pensam isso, eles querem o imediato sem pensar que também você está adquirindo e que talvez você não vá usar agora, mas eles não conseguem, eles não têm essa dimensão. E é interessante porque a gente acha que é só o grupo da gente, mas a gente percebe que não é, são todos. Esse é um dado da atualidade e eu estou sabendo lidar pouco com isso. (...) Priscila: Um dia uma aluna me perguntou se eu sabia que a batuta, quando está nas mãos do maestro ela some. Ela me disse que some porque ela é branca. Aí, eu fiquei pensando que a orquestra toca, está tão em sintonia, mesmo sem que os músicos enxerguem a batuta, só o movimento das mãos. O papel do maestro é bem esse, ele tem que estar ali, mas é como se não estivesse. O domínio, a composição que ele faz está tão sistematizada que só o movimento das mãos é suficiente. Qual é o condutor do espetáculo? É a música, é ela o destaque. O professor tem também um pouco disso, se ele ficar chamando muito a atenção... Maura: Na verdade, o espetáculo é a aprendizagem do aluno e às vezes o professor quer que ele seja o espetáculo e não a aprendizagem do aluno. Priscila: Eu penso que quanto mais anônima eu me percebo parece que o resultado é melhor. Quando eu centrava em mim, no meu conhecimento, não sentia isso. Às vezes eu fico meio constrangida, pensando se eu não estou sendo demais. (Reunião nº 11)

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Analisando esse episódio, fragmento de uma reunião motivada pela leitura e

discussão de um texto que tratava do papel da linguagem no estabelecimento das

interações que possibilitam a aprendizagem, pensamos no quão importante é nosso

papel se reconhecemos que ‘o espetáculo é a aprendizagem do aluno’, nós somos

mediadores. Quando falamos em linguagem, parece-nos que os professores

expressam viver certo conflito com os alunos. Os professores parecem portar uma

concepção de aprendizagem na qual o sujeito principal é o aluno, na qual estão os

princípios de construção do conhecimento pela mediação e participação do

professor. Porém encontram os alunos que parecem não querer pensar na

construção do conhecimento; ao contrário, querem um conhecimento pronto,

transmitido e que tenha relação direta com aquilo que estão fazendo no mundo do

trabalho.

Essa reunião possibilitou que os professores percebessem que não vivem

essa situação isoladamente, mas no grupo percebem que seus pares também se

deparam com isso quando afirmam ‘esse é um dado da atualidade e eu estou

sabendo lidar pouco com isso’. Revelam suas fragilidades e as tensões que

experimentam diante da reflexão da prática docente. Trazem para reflexão valores

subjacentes à própria ação, confrontando o ser, o conhecer e o estar com os outros

quando apontam que precisam ser como uma batuta nas mãos do maestro,

precisam saber o momento em que se tornam invisíveis na orientação e

encaminhamento da aprendizagem do aluno. Assim como os professores estão

tentando desaprender algumas práticas vinculadas à racionalidade técnica e dando

espaço para aprender e empreender de modo diferente, pautados na racionalidade

prática, esperam que os alunos também possam ter esse entendimento e se

disponham a trabalhar, a buscar o conhecimento de maneira mais ativa e

colaboradora. Esse movimento de (des)construção de paradigmas envolve, ao

mesmo tempo, a relação entre os próprios professores e entre eles e seus alunos,

para que, de fato, implementem novas possibilidades de prática docente é

necessário que estejam convictos de suas concepções.

Esse tipo de comportamento esperado dos alunos acaba aparecendo quando

nós, professores, temos convicção e acreditarmos mais em nossas concepções,

encontrando formas mais adequadas de encaminharmos nossas aulas. Exemplo

concreto disso encontramos no próximo episódio, fragmento de uma reunião na qual

nosso objetivo era descrever e refletir sobre uma aula de sucesso.

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Lucas: Era, mas a expectativa não era essa. Eu não achei que a aula fosse dar tão certo, que eles fossem participar da maneira que participaram porque era uma sala que normalmente participava, mas não era das melhores de participação. E ali aconteceu. Talvez por colocá-los em círculo, ou relatar fatos do dia-a-dia, ou lembrar do que aconteceu com eles na adolescência, ou colocar alguns exemplos corriqueiros. Aí acho que surgiu o debate e foi bem interessante. Então foi uma aula mais do que eu esperava. André: Acho que talvez seja porque adolescência não está tão longe deles. Lucas: Isso foi falado também, até porque essas alterações da adolescência terminam por volta dos 18 anos, 19 anos. E quando você começava a falar de comportamento, de entender as relações com os mais velhos, principalmente com os pais, dava para sentir que alguns ficavam meio presos na carteira. Maura: Eu consigo enxergar na aula do Lucas, vocês podem também estar falando, até por conta das coisas que a gente já leu e já discutiu aqui, a importância de você ter domínio do conteúdo. Então, na minha percepção, os alunos só puderam participar ativamente do 2º bloco porque, de uma forma ou de outra, captaram primeiro as informações que eram fundamentais para a discussão. Então, a aula expositiva teve seu efeito positivo e, a valorização da questão da interação, só essa possibilidade de mudar as carteiras... (...) Maura: E a questão da relação com o cotidiano. Fazer com que os alunos... André: Como já disse, acho que os alunos ainda estavam bem inseridos no contexto, a maioria dos alunos pôde lembrar de situações que viveu há 1 ou 2 anos atrás. Então você conseguiu trazer o conhecimento mais científico para o contexto do aluno. É aquela história, trazer aquilo que faz sentido, que se relaciona com a vida dele. (...) Maura: Na verdade, me parece que intercalou professor e aluno. Daniela: Isso mesmo, aí recolhi as respostas para olhar e depois devolver. No final dei um texto de apoio e eles discutiram em duplas, não as respostas anteriores porque essas a gente já ia conversando durante a primeira parte da aula para ir fechando. E foi bastante interessante, mesmo numa turma muito grande, que eu pensei que não fosse conseguir porque é muita gente para falar. E as respostas vieram bastante interessantes. Quando eu estava bolando, pensando, refletindo sobre essa aula eu achei que fosse dar certo, mas achei que não fosse dar um resultado tão bom quanto deu. Essa interação, mesmo eles fazendo as questões individualmente, trazer uma reflexão deles, fechar, dar oportunidade... Maura: Essa questão me remete à relação do conhecimento mais do senso comum com o conhecimento mais científico. Pelo menos é isso que consigo ver na sua aula. Os alunos respondiam com o repertório que possuíam e depois você articulava com o conhecimento mais elaborado, com o conhecimento científico. E fechou com um texto que deu amarrou a aula, fechou a aula. Daniela: E foi essa fala exatamente que eu ouvi dos alunos. E é legal que eles puderam refletir e se expressar antes de eu falar o conteúdo específico. Foi muito interessante. Eu não achei que fosse dar tão certo. Maura: A gente, que é mais da área de educação, fala muito em aprendizagem significativa. E eu percebo que é exatamente isso, é aprender um novo conhecimento que se articule com um conhecimento já existente e seja suporte para um outro conhecimento. E penso que na medida em que você foi fazendo isso, eles puderam lincar com aquilo que já sabiam. (...) Débora: Nunca a aula será igual. André: Nunca é igual, você vai e tenta melhorar um pouquinho. Eu até comentei com a Maura, que tem um professor no Marketing aqui, que trabalha muito bem e, na semana passada, para minha surpresa, desde que ele está aqui não recebi nenhuma crítica dele. Então a gente precisa também levar em conta a expectativa do aluno, como você colocou, para ele sentir que é o professor quem comanda a aula, porque o aluno... vieram três alunos conversarem comigo e disseram ‘pôxa vida, ele está enrolando. Ele não dá aula para gente. Ele não mostra o que ele sabe, ele manda a gente falar. Quando o professor vai dar aula?’ Débora: É, é um paradigma. André: E eu não sei, mas é a gente que tem que passar isso para eles e fazer os fechamentos para que eles vejam realmente que a gente sabe. Maura: Eles querem que o professor demonstre que conhece aquela matéria, mais do que eles, que ele domina o conteúdo. Débora: O Tardif também fala isso, que a competência do professor está intimamente ligada com o seu saber de conteúdo. (Reunião nº 12)

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Percebemos que os professores têm colocado na ação docente um conjunto

de conhecimentos que possibilitam o envolvimento e a aprendizagem dos alunos.

Conforme foram passando as reuniões vamos notando que os professores deixam

claro que, ao relatarem suas práticas, evocam conhecimentos, interpretam e

interrogam a teoria que subjaz à prática.

Notamos que a concepção de aprendizagem, pautada na interação homem-

mundo, sujeito-objeto, permeia a prática docente desses professores, e é

fundamental para que o aluno se desenvolva e se torne sujeito de sua práxis.

Revelam provocar e criar condições para que os alunos desenvolvam atitude de

reflexão crítica e comprometida com a ação quando dizem: ‘colocá-los em círculo, ou

relatar fatos do dia-a-dia, ou lembrar do que aconteceu com eles na adolescência,

ou colocar alguns exemplos corriqueiros’; ‘a aula expositiva teve seu efeito positivo

e, a valorização da questão da interação, só essa possibilidade de mudar as

carteiras’; ‘a alteração do espaço físico propicia algo diferente’; ‘relação com o

cotidiano’.

Diante dessas expressões dos professores, quando eu disse ‘os alunos

respondiam com o repertório que possuíam e depois você articulava com o

conhecimento mais elaborado, com o conhecimento científico’, minha intenção,

enquanto mediadora pedagógica, foi explicitar que as tentativas dos professores em

modificar o esquema das aulas expressam que estão inseridos em um movimento

de não reprodução, mas de articulação, de possibilidade de ampliação dos

conhecimentos dos alunos.

Mesmo que tacitamente, acreditamos que os professores percebem que a

aula é um sistema complexo, permeada por múltiplas interações – ‘eu não achei que

a aula fosse dar tão certo’ – muitas vezes não controláveis, mas isso não impede

que tentem novas dinâmicas, diferentes estratégias que tornam possível a

aprendizagem dos alunos.

Além desses aspectos, os professores demonstram que não são ingênuos

acreditam na interação professor-aluno, na possibilidade de aprender coisas com o

aluno, mas que precisam dominar os conteúdos e mostram isso quando fazem ‘os

fechamentos [das aulas] para que eles [os alunos] vejam realmente que a gente

sabe’ e, considerando as expectativas dos alunos, procuram ‘trazer aquilo que faz

sentido, que se relaciona com a vida dele’.

Page 149: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

148

Usando como referência as idéias de Ponte (2002, p. 42), podemos dizer que

os professores estão desenvolvendo sua competência profissional na medida em

que “reflecte sobre a sua experiência, tira partido de diversas oportunidades de

formação e participa com outros professores de atividades de inovação educativa”.

Nesse movimento de olhar a prática docente, refletir sobre ela à luz de

referenciais teóricos, elaborar conhecimentos a partir da reflexão sobre a prática

também levou os professores a pensarem em aspectos que manteriam em suas

aulas. Vejamos como isso se revela no episódio abaixo.

André: Eu não mudaria a informalidade. Eu não gosto de ser formal. Eu não gosto quando aluno chama de senhor. Eu não destrato, não reclamo, mas me dá a sensação de que estou tão distante, me dá um negócio assim... Eu gosto da informalidade, quando colocam apelido eu chamo os alunos pelo apelido, me chamam pelo meu apelido, eu acho que isso quebra algumas barreiras e isso é importante para mim. Daniela: E é importante para o aprendizado. Maura: Acaba estabelecendo o vínculo. André: Mas é como ela falou, é preciso equilíbrio. Porque para a informalidade virar anarquia não precisa muito. (...) Lucas: Eu não mudaria o chamar a atenção da sala e o não chamar a atenção coletivamente, expondo o aluno a passar vergonha. Entenderam? Não chamar a atenção individualmente em público. Eu acho que funcionam as broncas, as duras, esse pegar na turma, dar uma chacoalhada. Isso não deve ser mudado. Chamar a turma para a realidade... André: E os caras que estão quietinhos, que não merecem? Lucas: Quando eu faço isso, eu tento fazer de um jeito que abranja todo mundo, sempre é da área da educação e o educador tem que ter isso também. Tem a ver com a coisa do castigo. A gente fala do castigo. Não mudar isso, ou chamar a atenção coletivamente ou individualmente em particular. Por acaso, eu falei disso para uma turma na segunda-feira. Eu faço isso coletivamente, depois chamo individualmente, olhando nos olhos. Funciona muitíssimo bem. Eu não mudaria isso. Débora: De alguma maneira, eles vão ser profissionais da educação ou de outra área e, querendo ou não, nós somos referência. E se você peca pela exposição e o cara pega você como exemplo de professor, ele vai reproduzir isso com os alunos dele. Acho que isso que você falou é bem importante. Nós precisamos ter esse cuidado. Em algum momento ele vai reproduzir. (Reunião nº 13)

Quatro aspectos podem ser destacados: ‘a informalidade’, ‘o equilíbrio’, ‘o

chamar a turma para a realidade’ e sermos ‘referência’. O equilíbrio da informalidade

no tratamento com os alunos pode facilitar o estabelecimento de vínculos que

propiciam segurança no relacionamento professor/alunos e facilitam a troca de

experiências, a aceitação de propostas de trabalho mais inovadoras que buscam o

desenvolvimento de atitudes de curiosidade intelectual que estimulam a

aprendizagem significativa e de atitudes de colaboração, respeito e compreensão da

complexidade envolvida no ato de ensinar e de aprender. Além disso, provoca as

emoções próprias da interação entre as pessoas e à construção do conhecimento.

Page 150: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

149

Os professores demonstram não encontrar sentido positivo em expor os

alunos em sala de aula. Acabam optando por ‘chamar a turma para a realidade’. Ao

fazerem isso possibilitam aos alunos que, coletivamente, pensem sobre suas

atitudes em sala de aula, expressem seus sentimentos, falem sobre os diversos

comportamentos e o quanto contribuem, ou não para o aprendizado. Essa é uma

forma para chamar os alunos para uma responsabilidade compartilhada.

E, por último, se consideram ‘referência’ para os alunos. Implícita está a idéia

de currículo oculto, ou seja, a aprendizagem daquilo que não está explícito nas

ementas das disciplinas, nos planos de ensino, mas que acaba trazendo como

conteúdo os valores, os modos de pensar e de agir do professor. Tendo essa

consciência, os professores passam a se considerar como seres integrais em sua

prática e identidade docente.

Nesses oito episódios, foi possível observar que os professores estão em

busca de uma ação docente mais consciente, mais próxima das concepções de

aprendizagem que trazem consigo ou que vão considerando as mais apropriadas

para que possam cumprir seu papel e atender aos propósitos das disciplinas que

lecionam e do perfil profissional de seus alunos.

5.7. Ensino

Ao adentrarmos no eixo temático ensino entendemos que se faz necessário

esclarecer como conceituamos escola, dentro de uma visão histórico-cultural.

Sabemos que a escola é o lugar onde ocorre o processo intencional de ensino,

portanto, sua finalidade envolve processos de intervenção que buscam a

aprendizagem. Sendo assim, acreditamos que o professor tem o papel de interferir

no processo de aprendizagem e, conseqüentemente de desenvolvimento, de

provocar avanços que, espontaneamente, talvez não ocorressem. É por isto que a

escola precisa acreditar que o desenvolvimento psicológico deve ser visto para além

do momento atual, no qual o bom ensino antecede o desenvolvimento.

A escola, enquanto agência social, promove (e se não promove deveria

promover) o desenvolvimento psicológico do indivíduo por ser responsável pela

construção, sistematização e transmissão de sistemas organizados de

conhecimento. A intervenção deliberada – o ensino – é um processo pedagógico

privilegiado porque o aprendizado é o próprio objetivo da escola. Mas o que é

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150

fundamental para a promoção de um ensino propulsor do desenvolvimento? Um

ensino no qual se fazem presentes a demonstração, a assistência, o fornecimento

de pistas, as instruções e coisas do gênero.

Considerando as idéias de Vygotsky (1995/1997), a plasticidade cerebral

possibilita ir além dos limites, por isso faz-se necessário investir em condições para

a formação de processos psíquicos superiores. Por isso dizemos que a plasticidade

do sujeito se realiza, se concretiza pelas possibilidades de relações sociais, de

mediações sociais. Sendo assim, o professor pode facilitar/possibilitar o

desenvolvimento dos alunos.

Os processos que envolvem atividades coletivas e colaborativas tendem a

elevar o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, indo ao encontro da

plasticidade do organismo. Essa plasticidade se deve ao cérebro, um “sistema

aberto”, cuja estrutura e modos de funcionamento são delineados no decorrer do

desenvolvimento de cada sujeito e da própria espécie humana, podendo adaptar e

elaborar novas funções.

Os chamados processos de internalização consistem num processo de

reorganização da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação

em situações sociais. Esta reorganização da vida psicológica ganha várias

características, mas uma das mais relevantes é o domínio de si, isto é, o controle e

regulação do próprio comportamento pela internalização dos mecanismos

reguladores formados primariamente na vida social.

Vai, ao longo do processo, enfrentando uma série de transformações: uma

operação que inicialmente representa uma atividade externa se reconstrói e começa

a suceder internamente; um processo interpessoal se transforma em outro

intrapessoal como resultado de acontecimentos evolutivos. Finalmente, implica na

reconstrução da atividade psicológica sobre a base das operações com signos no

plano interno da consciência.

As funções psicológicas superiores são consideradas superiores por se

diferenciarem das ações reflexas, das reações automatizadas ou ainda, dos

processos de associação simples entre eventos. Mostram-se como comportamento

essencialmente humano por terem caráter voluntário e intencional, isto é, regulam a

ação em função de um controle voluntário. Dependem de um processo de

desenvolvimento que envolve a interação do organismo individual com o meio físico

e social.

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151

Estas funções envolvem consciência, intenção, planejamento, ações

voluntárias e deliberadas que dependem dos processos de aprendizagem.

Apresentam como “característica essencial a estimulação autogerada, isto é, a

criação e o uso de estímulos artificiais que se tornam a causa imediata do

comportamento” (VYGOTSKI, 2003a, p. 53). Aqui está a possibilidade de um ensino

que supera a relação opressor/oprimido e possibilita o engajamento em uma práxis

libertadora, “onde o diálogo exerce papel fundamental na percepção da realidade”

(MIZUKAMI, 2003, p. 97).

Em uma visão mais tradicional as ações de ensino estão centradas na sala de

aula, sob instrução do professor. Propicia a formação de atitudes estereotipadas e

de hábitos aplicáveis às situações semelhantes às escolares. As diferenças

individuais são ignoradas e o ensino se preocupa “com a variedade e quantidade de

noções/conceitos/informações que com a formação do pensamento reflexivo. (...) O

ensino é caracterizado pelo verbalismo do mestre e pela memorização do aluno”

(MIZUKAMI, 2003, p. 14).

Nos episódios que se seguem, nossa intenção é analisar as concepções de

ensino que aparecem nas interações entre os professores.

Em uma das reuniões, para refletirmos sobre o estabelecimento de vínculos e

as interações na sala de aula assistimos fragmentos do filme “O espelho tem duas

faces”. Percebemos essas questões muito fortes na fala dos professores. Vejamos.

Ana: O que eu vou relatar para vocês, é o seguinte. (RISOS) Gente eu sou super tímida, então, por exemplo: acho que a gente tem que ter recursos, e eu preciso ter em mãos alguma coisa que traga os alunos para mim, assim, uma necessidade vital que eu tenho, então se eu estou sentindo que a coisa está dispersando, eu lanço mão de alguma coisa, até eu canto. Eu canto, eu danço. (RISOS GERAL) André: E você é tímida?! Débora: Ela faz relaxamento... Ana: Mas aí, gente, eu estou no ambiente... fora disso, eu sou tímida... Falando sério, eu tenho essa necessidade de chamar para mim agora, por favor, não pensem que é descontextualizado, eu canto alguma coisa que tem a ver. Então, por exemplo, vou dar um exemplo aqui que surgiu, trabalhando as formas lingüísticas, a diversidade de fala, daí a gente pode recitar: Sabe o passado? Sabe o passado? Era setembro, e eu fui fazer um frango, uma galinha, uma galinha, no forno, no forno, e deu “probrema” o “fiofó” da galinha. (RISOS) Entendeu? Então quer dizer, é uma maneira de chamar a questão da linguagem regional, daí a gente canta, aquela da “tauba” no “tiro ao Álvaro”, asa branca, enfim... são maneiras de chamar atenção, mas não desviando do conteúdo, por favor né, se não fica aquela palhaçada que não é por aí! Então é isso, é uma necessidade minha de ter esse envolvimento com o grupo e não tendo isso, eu fico muito frustrada, eu chego muito mal em casa. Débora: É, quando a gente não acha um novo recurso para retomar o fio da meada a situação fica complicada. Priscila: Quando você não acha o ponto, não adianta mesmo. (Reunião nº 3)

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152

O que sobressai nesse episódio é a questão de ‘trazer o aluno para a aula’,

ou seja, envolvê-lo em um contexto que o estimule e utilizar para isso os recursos

mais adequados e convenientes. Percebemos que os professores sentem

necessidade da participação dos alunos e, fazem isso a partir do domínio do

conteúdo da matéria, da familiaridade que têm com o grupo. Pressupõe-se um

modelo de ensino que prevê a contextualização, a busca de referências no cotidiano

que possam favorecer a construção de conhecimentos. Aqui fica claro que a questão

da linguagem é produto histórico.

Em outro episódio, quando lemos e discutimos a questão das abordagens dos

processos de ensino-aprendizagem, destacamos o que pensam os professores a

partir de suas próprias experiências.

Mateus: Na sala de aula temos que procurar sempre os pré-requisitos de cada indivíduo, que já tem experiência na área, principalmente no tecnológico, que muitas vezes já trabalha na área. Quando ele não tem nenhum conhecimento fica mais difícil. Daniela: Com o adulto, a gente precisa ser profissional. Éric: O legal também é quando a gente pega a experiência que o aluno traz e passa para a prática da sala de aula. O conhecimento acaba sendo compartilhado com os demais, valoriza a aula, enriquece. Priscila: Fica mais rico para os alunos também. Afinal, como adultos, temos que cuidar porque há uma certa tendência de supervalorizar a prática. Às vezes se faz necessário aprofundar, buscar a obra original. Maura: Aí é que vai o papel do professor. Como é que ele vai articular isso. Ele valoriza essa experiência, mas ele também tem que arrumar um mecanismo de dar suporte teórico para essa experiência permanecer ou ser modificada. André: Tem que orbitar isso, o professor não é um mero facilitador da articulação teoria e prática. Maura: É, não é. É preciso dar todo um sentido para essa experiência. Rafael: É preciso que o aluno vá até onde o professor chegar, na habilitação dele para tentar entender as relações teoria e prática. (Reunião nº 4)

Notamos que o ato de ensinar precisa levar em consideração ‘os pré-

requisitos de cada indivíduo’ e ‘a experiência que o aluno traz’. Além disso,

pressupõe não somente a transmissão dessa a experiência, mas ‘passá-la para a

prática’, pela transposição, dando ‘suporte teórico para essa experiência permanecer

ou ser modificada’. Por trás desse modo de pensar, está o aluno considerado como

ser aprendente e os conhecimentos que se complementam e são significados pela

experiência pela ação proposta pelo professor. Vemos a intenção de um ensino

compromissado com uma cultura viva e dinâmica construída e apreendida entre:

os alunos, portadores da cultura do meio em que vivem, e os professores que, além da própria cultura, assumem compromisso profissional com a

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153

proposta pedagógica da escola, informada pelos valores consensualmente definidos e instrumentada pelos saberes e habilidades requeridas (MARQUES, 2000, p. 98).

Há em evidência um ensino que visa a aprendizagem processual individual e

coletiva, enquanto “elemento de iniciação ao saber mais amplo nas formas explícitas

e sistemáticas da educação voltada às objetivações mais universais e metódicas”

(MARQUES, 2000, p. 118). Para que o ensino se efetive, nessa dimensão pensada

pelos professores, é necessário que se priorizem competências que envolvam o

relacionar, comparar, inferir, articular dados, fatos, percepções e conceitos com os

objetivos da disciplina em questão, sem ‘supervalorizar a prática’ a fim de

ultrapassar os conceitos cotidianos.

Para manter o ensino pautado nessas idéias, é preciso um enfrentamento

consigo mesmo e com os alunos que ‘vêm tão acostumados com um padrão de

aula’. Essa e outras preocupações acerca do ensino são reveladas no próximo

episódio, fragmento da reunião em que lemos o texto “A função social do ensino e a

concepção sobre os processos de aprendizagem: instrumentos de análise”, de

Zabala (1998).

André: A minha dúvida é assim: nós estamos trabalhando com um pessoal de nível superior, nós estamos mais transformando do que propriamente ensinando. No texto ele fala de meninos e meninas. No nosso caso, são adultos. Às vezes a gente precisa mais é derrubá-los do cavalo do que ensinar a cavalgar. Na verdade a gente pega um pessoal formado e tenta profissionalizar. Débora: Os alunos vêm tão acostumados com um padrão de aula que quando a gente faz algo considerado diferente, eles vão logo dizendo “tá matando aula...” André: O pessoal de Marketing, do Módulo Branco, que está se formando, fez a prova comigo segunda-feira. Eu pedi para meia dúzia de líderes da classe se podiam ficar comigo, depois da prova, para conversarmos sobre o curso. E aí foi exatamente esse paradoxo que eles colocaram: o professor só enrolou, não teve uma aula que ele deu as quatro aulas. Aí eu perguntei, “mas o que ele fazia depois do intervalo?” “Ah, dava textinho pra gente ler, questão para responder em grupo...” “E o que você esperava, aula expositiva até as dez e meia?” “Não, imagina, ninguém agüenta!” Então, eles estão nessa, esperam alguma coisa que não é a antiga, mas também não sei o que eles querem. Mas quando a gente tenta fazer alguma coisa nova, você está enrolando. É complicado... Débora: É, eu costumo deixar muito claro. Não me tomem por ingênua, tolinha, que eu não sou. André: É, não é. Éric: Eu penso que é uma visão de cultura. A cultura do querer levar vantagem, não ter uma formação de caráter, desde a pré-escola. André: Nós estamos num momento de discutir, mas às vezes parece que a gente “está bancando a virgem no bordel”. (...) Maura: É que as coisas para os alunos precisam ter um sentido. Aí os professores têm que pensar no propósito. Vamos pensar até que ponto nossos professores também estão abertos para isso, não vão sentir como uma matação de tempo. André: E até mesmo quanto nós vamos nos organizar para fazer o link com a disciplina, o conteúdo e o teatro ou o filme ou a orquestra.

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Daniela: O André deve ter ouvido falar. O Projeto Integrador de RH, Logística e de Marketing foi na Vila dos Velhinhos. E foi uma coisa, o pessoal de Marketing tinha que fazer o marketing do evento, o pessoal da Logística tinha que cuidar de toda parte da logística do evento e RH cuidou das relações interpessoais. Foi um negócio. A conclusão, depois eu achei muito interessante. Todos se envolveram, se comprometeram e a coisa deu certo. Houve integração entre as diferentes áreas e turmas. Foi muito legal. (Reunião nº 6)

De fato, concordamos quando dizem que ‘estamos num momento de discutir’.

E para discutirmos sobre o ensino que realizamos ou que pretendemos realizar faz-

se necessário, num primeiro momento, ter conhecimento rigoroso da nossa tarefa,

ou seja, perceber o que incide no desenvolvimento de nossos alunos e, num

segundo momento, aceitar ou rejeitar o nosso papel nesse desenvolvimento e, por

último, avaliar se a nossa intervenção é coerente com os propósitos da instituição e

com nossa função.

Os professores, para convencerem os alunos de que há outras exigências e

outros parâmetros nos diferentes modos de aprender, pensar se realmente estão

abertos e preparados para isso e o quanto vão se ‘organizar para fazer o link com a

disciplina, o conteúdo e o teatro ou o filme ou a orquestra’. Quer dizer, não basta ter

o discurso, é preciso pô-lo em prática.

O exemplo concreto que trazem de um ensino integrado e significativo revela

que é possível realizar um trabalho no qual ‘todos se envolveram, se

comprometeram e a coisa deu certo’. Para isso os professores precisam estar

articulados uns com os outros, revelando que o trabalho não é isolado, é em equipe.

Com o passar das reflexões, os professores passam a relacionar, mais

claramente, o ensino que promovem com o papel da instituição escolar e sendo de

mão dupla, eles ensinam, mas também aprendem com os alunos. Isso se deu em

reunião na qual discutimos o ensino baseado na racionalidade técnica e na

racionalidade prática.

André: Ensino... é... ensino a gente olha do lado de cá, de quem está ensinando, não de quem é ensinado. Maura: E será que a gente só ensina? André: É, nós conversamos até sobre isso, ensino-aprendizagem. Acho que as duas coisas estão muito ligadas. Como eu falei no início, eu não tenho nenhuma formação pedagógica. Para mim tem sido um aprendizado constante à cada nova disciplina, cada aula, cada novo curso a gente vai aprendendo um monte coisa, com os colegas também. Mas eu acho que o ensino tem que ser um pouco de transmissão de conhecimento, mas também um pouco de inspiração. Eu acho que cabe a gente inspirar o pessoal para combater o desânimo, a desilusão, essa coisa que existe em geral, um certo pessimismo que tem no ar, na sociedade, um comodismo. Então a gente procurar inspirar com conhecimento, com exemplo, com atitude.

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Débora: Quando eu penso em escola, eu penso em conhecimento. Eu acho deturparam um pouco a escola, por uma série de coisas, historicamente. Então a gente fica achando que escola é o lugar onde eu vou conseguir ascensão social, eu vou melhorar meu emprego... E eu vejo que ninguém diz “eu vou para a faculdade por causa do conhecimento que vou adquirir, que eu vou articular”. Não sei, pode ser uma idéia maluca, mas eu estou na cabeça com um texto que eu li, o conhecimento é um instrumento para lidar com as coisas da vida e aí parece que perdeu-se esse valor, que a escola pode dar esse instrumento até para ascensão social. Parece haver uma inversão. Agora, ensinar... ô perguntinha! Não tinha outra? Ensino é articular esse conhecimento, é via de mão-dupla, eu ensino, mas também aprendo o tempo todo. Ensinar não é algo específico meu só porque sou professora, tenho que aprender também. Se pensarmos na pergunta “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”, vale também para o ensino. Quem ensina primeiro, o professor ou o aluno? Eu acho que é isso. (...) Lucas: A escola para mim, sempre foi e continuará sendo, o berço da organização da aprendizagem. (...) Ensino é você estar transmitindo o conhecimento para alguém aprender. Para essa pessoa aprender, esse ensino tem que ser passado de uma forma que chame a atenção do aluno. O professor não é detentor de todo conhecimento, mas ele vai ter que, o André falou bem, ele vai ter que chamar a atenção desse aluno para que ele tenha vontade de aprender alguma coisa. Tem que despertar o aluno para o conhecimento, para buscar o conhecimento. Acho que isso é ensino, esse é o papel da escola. Só que a violência na escola tem se tornado muito grande. A gente vê nos jornais que os professores estão abandonando por conta da violência, a informação é muito grande, por todos os lados. Não sei se vocês estão conseguindo me entender. Os alunos pensam que sabem muito, mas não sabem. Débora: É a diferença que tem entre informação e conhecimento. Lucas: É, tem muita informação, eu sei mexer com computador, com internet mas conhecimento falta ao aluno. Não sabe lidar com essa informação. Débora: Que é como buscar saída porque isso é o conhecimento que dá. Lucas: Então o professor e a escola, no meu entendimento, estão encontrando grandes dificuldades. A escola, com essa transformação toda, está encontrando grande dificuldade porque chegam alunos que não têm respeito. Aí, esse processo de ensino-aprendizagem se torna muito complicado. Você tem que se desdobrar para chamar a atenção para que desperte o interesse naquela aprendizagem. Maura: E quando a gente pensa na questão da aprendizagem e do ensino eu tenho que ter alguém que está predisposto a compartilhar um conhecimento que tem e alguém que está predisposto a aprender. Se eu não tiver essas duas coisas, de nada vai adiantar, tem que estar aberto para receber e o outro estar aberto para oferecer. Débora: É aquela coisa do como. Como ensinar e não o que ensinar. O que ensinar a gente tem listas, mas o como é que é a coisa, a grande sacada. E esse como não é constante porque quando você lida com o outro, com o ser humano, a cada semana vai estar numa “temperatura”. Então, esse como não vai ser como descobrir a América e ficar parada nela. É um pouco do que os alunos quando vão fazer estágio falam “Débora a professora tem o caderno de planejamento há 15 anos”. Aí eu digo que nesse caderno está o que ela vai ensinar e não o como. Pode ser que ela não tenha descoberto o como. E aí pode causar esse desinteresse que você falou, essa presunção de que sabem muito. (...) Daniela: Agora o ensino é a transmissão de conhecimento, mas não é só isso. Abrange muito mais, é uma coisa muito mais complexa que vai exigir até o respeito mútuo. (...) Priscila: Bom, pra mim escola... como eu estudei em escola pública no 1º grau, era um lugar que eu queria sair muito rápido. Se eu pudesse ter feito um intensivão teria sido ótimo. Isso era até compreensível porque eu fazia isso lá no interior do Mato Grosso do Sul. Quando eu cheguei aqui no estado de São Paulo, percebi que era uma analfabeta, ninguém tinha me ensinado nada. O fato de sair para estudar eu já comecei a achar a escola um lugar interessante. Só que eu não percebi isso. Então eu fui fazer educação física porque eu queria logo sair da escola. E aí eu quebrei a cara. O que aconteceu é que eu não saí mais da escola porque é na verdade o lugar que me ensinou a descobrir as coisas, me fez sair de onde eu estava, eu fui aprendendo a ser uma pesquisadora, não tivesse feito pesquisas, mas por ter sede de conhecimento. A escola é isso, lugar de possibilidade de conhecimento. Já o ensino, eu ainda acho que sou muito bebê ainda, porque eu percebo que eu tenho um desejo que é muito violento e eu tenho que ficar freando porque eu querer ensinar na velocidade que eu

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aprendi, do jeito que eu aprendi não é o jeito dos alunos que eu tenho. Quando eu, por exemplo, entro no ensino fundamental é uma tragédia porque é tão distante a forma em que os alunos estão e onde eu gostaria que eles estivessem, que tem uma diferença de ritmo. Então, ensinar para mim significa ter paciência, tem que fazer as coisas devagar, respeitando o ritmo e o contexto da turma. (Reunião nº 7)

Quando afirmam que ‘ensino tem que ser um pouco de transmissão de

conhecimento, mas também um pouco de inspiração’, trazem a idéia de que os

professores precisam dominar o conhecimento de sua área de atuação, mas devem

inspirar/motivar os alunos a construírem os conhecimentos a partir das informações

que oferecem. Esses conhecimentos precisam ser previamente selecionados, pois,

precisam ‘ser instrumento[s] para lidar com as coisas da vida’, ou seja, precisam ser

significativos. Reconhecem que ‘o professor não é detentor de todo conhecimento,

mas ele vai ter que, o André falou bem, ele vai ter que chamar a atenção desse

aluno para que ele tenha vontade de aprender alguma coisa. Tem que despertar o

aluno para o conhecimento, para buscar o conhecimento’.

Ao mesmo tempo em que afirmam que o professor ‘tem que se desdobrar

para chamar a atenção para que desperte o interesse naquela aprendizagem’,

reconhecem que ‘na questão da aprendizagem e do ensino é preciso ter alguém que

está predisposto a compartilhar um conhecimento que tem e alguém que está

predisposto a aprender’.

Trazem para discussão a questão da complexidade envolvida no ato de

ensinar quando afirmam que ensinar ‘abrange muito mais, é uma coisa muito mais

complexa que vai exigir até o respeito mútuo’. Exige, na verdade, a relação entre as

pessoas envolvidas no processo. Ensinar significa ‘ter paciência, tem que fazer as

coisas devagar, respeitando o ritmo e o contexto da turma’. Está clara a idéia de que

esses professores têm pensado e praticado o ensino enquanto intervenção

pedagógica, por isso intencional, que possibilita atividade física e/ou mental dos

alunos, adequada ao desenvolvimento deles. Na verdade, parece-nos ser “um

processo dirigido a superar desafios, desafios que possam ser enfrentados e que

façam avançar um pouco mais além do ponto de partida” (ZABALA, 1998, p. 38).

Aqui está delineada uma visão construtivista que revela a complexidade

inerente aos processos de ensinar e aprender e sua potencialidade para explicar o

desenvolvimento das pessoas. Essa complexidade acaba envolvendo também a

articulação de outros conceitos, conforme encontramos no próximo episódio, que

tem como pano de fundo a reflexão sobre o professor técnico e o prático reflexivo.

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Lucas: Hoje discutindo uma coisa comecei a fazer gancho com mais duas disciplinas, com a disciplina que eles iriam ter. E comecei a relacionar a importância do que parece meio fragmentado e o que eles vão ver durante os semestres. E, aí cabe justificar a disciplina, dizendo o que vão ter, como poderão usar... Débora: É a coisa do significar porque quando não significa, pode ter efeito especial, não acontece. Eu tenho percebido isso. Lucas: Esse significado é trazer para a prática, onde ele pode atuar. Débora: É, fazer relação com vida, mas tem a coisa do currículo relacionado... Lucas: É até pensar no mercado de trabalho. Débora: É exatamente. Lucas: Esses dias eu estava falando de “nado peito” e ontem eu falei de musculação e academia. Como é ser dono de academia e como é ser empregado e tudo o que eles estão vendo irem aplicando. E aí você começa a falar um monte de coisa relacionada à ação profissional, relacionada à ação do professor, do proprietário, do aluno, do mercado e assim por diante. Foi interessante. Maura: Isso que o Lucas falou faz a gente pensar na seguinte coisa: o quanto o professor tem que estar atento às outras disciplinas também, não só à sua disciplina porque a sua disciplina isoladamente ela não tem sentido para a formação do sujeito. (...) Priscila: Começou por aí. Além disso, eu estou trabalhando poesia e sei que o Pedro está organizando o sarau. Quer dizer, além delas terem estudado em grupo, cada grupo uma poesia, eu propus que elas memorizassem a poesia para recitarem. Aí elas começaram, iam lá, engasgavam, cada uma do sei jeitinho, mas foram lá. Aí eu disse que ia pedir ajuda da Maria Alice para fazerem um trabalho corporal porque não dá para recitar poesia toda dura, engasgando, sem conseguir fazer movimento com o corpo, fazer gestos... Débora: Mas é só ver o Pedro, quando declama. Maura: É mesmo, o Pedro quando declama... Priscila: É um trabalho integrado dele. Mas aí vão aparecendo essas coisas. Isso eu acho legal porque a gente achou uma forma, um caminho mesmo para isso acontecer. E tenho sentido isto este ano, nos outros anos não senti. Se teve era bem mais leve. Maura: Talvez não era uma articulação intencional. Priscila: Isso, exatamente. Maura: E aí a gente tem que pensar na ação do professor como uma ação sempre intencional. Débora: Ficou mais claro, porque eu pensava nessa integração dessa maneira que eu descrevi, não em torno de um objeto... e aí muda de figura mesmo. Maura: É porque em torno de um objeto, você consegue materializar a interdisciplinaridade. Débora: Exatamente. (Reunião nº 8)

O ponto forte encontrado na reflexão dos professores e destacado nesse

episódio é a questão da interdisciplinaridade que vem com a necessidade primeira

de ‘significar a disciplina’, o estudo dos conteúdos pertinentes a ela, respondendo-se

às perguntas “o que se deve saber?”, “o que se deve saber fazer?” e “como se deve

ser”, ou dito de outro modo, “quais os conceitos mais relevantes/pertinentes?”, “quais

os procedimentos para usar esses conceitos?” e “como serão as atitudes após

dominar e usar esses conceitos?”.

Percebemos que o papel da mediação pedagógica, destacado pelas

expressões a seguir mostra-se como mola propulsora da importância de um trabalho

interdisciplinar. O ‘professor tem que estar atento às outras disciplinas também, não

só à sua disciplina porque a sua disciplina isoladamente ela não tem sentido para a

formação do sujeito’. Para realizar um trabalho integrado com as demais disciplinas

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158

é necessário pensar ‘na ação do professor como uma ação sempre intencional (...)

em torno de um objeto’, de um fato, de uma situação. Desse modo podemos

‘materializar a interdisciplinaridade’.

A interdisciplinaridade, na visão dos professores pode surgir quando têm

possibilidades de ‘significar a disciplina’, trazendo-a para a prática, fazendo ‘relação

com a vida’.

Ao final de um ciclo de reuniões percebemos que a questão do ensino se

intensificou quando trouxeram para consciência a questão da ação-reflexão-ação, a

possibilidade de propor ação que desencadeasse a aprendizagem (ensino), analisar

o ensino “em situação”, ou seja, acontecendo, para se necessário fazer a

intervenção em tempo de promover a aprendizagem.

Nessa reunião, o objetivo foi relatar uma aula bacana, que houve interação

com os alunos, aprendizagem, que teve receptividade e que ao relatar, imaginassem

como é que foi o planejamento da aula, como é que ela foi dada e por que é que

optaram por esses procedimentos que adotaram durante essa aula.

Débora: Posso? Foi na pós, que é um outro exercício de dar aula, diferente um pouco da graduação. O texto de apoio era um artigo da revista Educação, o título é “O que se espera do professor”. Esse texto traz tópicos das coisas que se espera do professor ideal. As alunas já tinham o artigo, previamente lido. Eu comecei a aula dizendo que a discussão iria começar pelas sensações, queria saber o que elas sentiram quando leram aquele texto. Porque é um alto grau de exigência para ser um bom professor. Elas começaram a colocar questões pedagógicas e eu disse que não era isso que eu queria, eu queria as sensações que tiveram ao abrir o artigo e verem 15 itens que elencavam o que deveria ter o professor. Aí, elas começaram a dizer que sentiram agonia... E a gente foi trabalhando a conversa a partir dessas sensações e da possibilidade de se conquistar aqueles pressupostos ou não. E aí, o que aconteceu, tinha um item lá que era ‘saber contar histórias’. E elas focaram nesse item e começaram a dizer que as crianças adoram histórias, que quando contam história as crianças ficam quietas e atentas. E queriam entender porque é que da educação infantil para o ensino fundamental há uma quebra, uma ruptura, começam a ouvir menos histórias... Eu ouvindo aquilo pedi licença e comecei a contar uma história para elas que era um conto do Gabriel Garcia Matos. E eu parei exatamente num ponto da história e perguntei para elas se só as crianças gostam de ouvir histórias? E elas ficaram paradas, me olhando e perguntando ‘o que aconteceu com o ônibus?’ Eu disse para elas que depois contaria, pois precisávamos discutir o artigo. Aquilo causou... foi muito legal, primeiro, porque eu não tinha no meu plano de aula contar o conto, isso surgiu ali e eu poderia quebrar a cara, mas deu muito certo porque, como eu disse para elas, tem a coisa do adulto, que também gosta de ouvir histórias, então a gente precisa ler muito mais histórias. E aí, fui abrindo para os outros itens que o artigo estava trazendo. Esse foi o primeiro bloco da aula e aí eu fechei com o final da história, que não era um final feliz. Aí a gente conversou um pouco sobre estereótipos, colocando dentro do cotidiano de aula da gente, que tudo tem que dar certo, nada pode dar errado. A discussão foi muito mais acrescida e o texto estava ali, ele estartou, mas não ficou só ali. Foi muito interessante o jeito que elas foram se envolvendo na dinâmica da coisa e aí passei um pouco do horário de intervalo, que é uma coisa forte para elas, querem sair, elas não perceberam, precisei dizer que já havia passado um tempo, que era melhor tomarmos um café e continuarmos depois. Foi uma aula que tinha uma coisa legal, uma energia na turma. Dava para sentir a turma vibrando. É um movimento de pensar sobre, de falar sobre e de falar sem

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159

estar com pudores de se faz certo ou faz errado. Geralmente quando a gente propõe um texto desse tipo as pessoas tendem a se armar. Maura: Esse é aquele texto que tem a professora cheia de mãos... Débora: Isso, ela parece um polvo enlouquecido. Maura: Que vê televisão, lê jornal, mexe no computador. Débora: Eu achei muito interessante porque elas começaram a dizer exatamente, tudo bem, nós temos que ser tudo isso, mas que difícil é ser tudo isso, ao mesmo tempo, em uma sala de aula com tantas variáveis. Foi um dia que eu saí muito satisfeita com a aula. Depois no final elas vieram dizer que tinha sido muito legal. E aí eu fiquei sabendo que elas contaram sobre essa aula para outras professoras. Então eu fiquei muito gratificada por isso. Achei que foi uma aula legal, foi bacana ter trabalhado, foi proveitosa. Maura: A gente percebe aí, quando a Débora disse ‘fiz uma coisa que não tinha planejado’, aí eu me lembro do texto que a gente leu que falava de ação-reflexão-ação. Débora: Isso. Eu penso que foi intuitivo, não tenho vergonha de dizer, mas eu conhecia a turma. Esse momento de fazer o parênteses e contar a história foi um vai-vai e foi legal. Depois elas anotaram o nome do livro, do Gabriel. Maura: Eu penso que até pode ser intuitivo, mas porque tem essa percepção do grupo. Débora: É, acho que é, porque se eu não conhecesse o grupo talvez não rolasse. Daniela: Esse conhecimento é que permitiu a ação, conhecimento do grupo e conhecimento do conteúdo. Maura: Quando a gente pensa ação-reflexão-ação dá a impressão que é um momentão. Tem a ação, pára, vem a reflexão e retoma a ação. Penso que seja meio junto que fica. (Reunião nº 12)

Interessante notarmos que uma aula de sucesso foi iniciada com a descrição

de sensações a partir do título e da ilustração de uma reportagem: ‘foi trabalhando a

conversa a partir dessas sensações e da possibilidade de se conquistar aqueles

pressupostos ou não’. E que, sem um planejamento prévio, mas por conhecer a

turma, o conteúdo a ser desenvolvido surgiu a idéia de narrar um conto para

evidenciar que, não só as crianças gostam e se envolvem com histórias, mas nós,

adultos e sujeitos aprendentes, também nos envolvemos com elas.

A intuição descrita no episódio tem, por trás, o conhecimento do grupo, pois

‘se eu não conhecesse o grupo talvez não rolasse’. De fato, concretamente vemos

que ‘esse conhecimento é que permitiu a ação, conhecimento do grupo e

conhecimento do conteúdo’ deu margem à ação-reflexão-ação e pôde complexificar

a prática docente.

Para encerrar a análise desses episódios cabe destacar que o ensino escolar,

na visão desses professores, pode ser considerado como sistemas de

aprendizagem, nos quais eles pretendem melhorar as possibilidades de

aprendizagem de seus alunos a fim de que possam se desenvolver e ampliar seus

conhecimentos a fim de intervirem na sociedade. O ensino aqui destacado é aquele

que envolve a produção, a troca e a partilha entre professores e alunos.

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160

5.8. Metodologia de ensino-aprendizagem

É interessante observarmos que em muitas vezes, quando falamos sobre

educação, falamos em transformação. Há uma certa preocupação que permeia o

discurso docente e, conseqüentemente, sua prática que está diretamente

relacionada com o papel docente e a metodologia que promoverá o desenvolvimento

de ações de ensino-aprendizagem.

Por metodologia, estamos entendendo um conjunto de ações,

intencionalmente pensadas, para se atingir determinado(s) objetivo(s). Mizukami

(2003) aponta algumas ações que expressam diferentes estratégias para se atingir

um objetivo. Numa visão mais tradicional, a metodologia de ensino-aprendizagem,

utilizada por uma grande parte dos professores, está centrada na aula expositiva e

em demonstrações do professor, privilegiando-se o verbal, as atividades intelectuais

e o raciocínio abstrato. Numa visão com referência humanista, cada professor pode

desenvolver um estilo próprio para tornar acessível a aprendizagem dos alunos;

trabalha-se a partir do respeito à pessoa, considerando a aprendizagem dos

conhecimentos significativos para os alunos; faz uso da pesquisa de conhecimentos

pelos alunos a fim de que possam criticá-los, aperfeiçoá-los ou substituí-los.

Considerando a abordagem histórico-cultural, leva-se em conta a reflexão conjunta

professor-aluno, de modo crítico sobre os objetivos que os mediatizam; busca-se

sempre um tema gerador, utilizando-se as vivências em grupo. São essas

possibilidades que tentaremos encontrar nos próximos episódios.

André: É, no sentido de uma evolução. É um evoluir. Como pai, muitas vezes eu me coloco numa situação de aprender com eles, nessa evolução. Então, trazendo para a sala de aula, eu acho que a gente se coloca como agente transformador, mas deveríamos ser também agente motivador da aprendizagem, porque eles (alunos) precisam ser motivados para fazer a transformação. E na verdade, com filhos já é difícil, imagine com alunos... Acho que é do ser humano, essa transformação/evolução é inerente. Acho que a gente não pode parar. Tem que ser motivador, jogar gasolina no aluno. Rafael: A gente não consegue entender, muitas vezes o que é certo ou errado, se as coisas são. As coisas estão. Não existe conceito de certo ou errado, vai depender do contexto. Nunca você consegue estabelecer o certo e o errado. Existe uma situação que cria o certo ou o errado. Às vezes de forma equivocada, mas eu acho fantástica essa dinâmica, o nível de questionamento. Todo esse pensamento é para que as pessoas tenham consciência do papel do outro. Eu percebo quando ele (Paulo Freire) fala, que na sala de aula fica aula riquíssima porque ele não deve falar nada de certo/errado. Ele deve jogar a questão de que as coisas não são, elas estão, que você raciocina corretamente. Ele deixa o pensamento completamente solto. Danilo: Ele é o próprio papel do que ele acabou de falar. Mateus: Exatamente.

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Danilo: Ele é o agente de transformação, que instiga a transformação não dando nenhum padrão de referências. Se você não tem padrão de referência você é obrigado a pensar, a formar sua opinião e a transformar seu jeito de ser. É o que me preocupa hoje, e isso vem desde a época do cursinho, que é o tal do “enlatamento”. Tudo é apostilado, tudo é padronizado, quer dizer, você é preparado para alguma coisa, para não transformar. Você tem aquela metodologia para resolver e se resolver diferente já sai do padrão, você já fica meio deslocado. Maura: De certo modo você tem que estar sempre adequado. (...) Maura: E o seu papel? Danilo: O meu papel? Maura: É, o seu papel nesta realidade? Danilo: Opa, o meu papel é instigar a transformação, nunca tentando formatar um padrão de valores e sim fazer com que eles (alunos) pensem valores que desejam ter. (...) Daniela: Também nós, enquanto professores, temos que nos transformar. Rafael: Sim. Daniela: Temos que tentar usar/buscar ferramentas para que haja essa transformação. Rafael: Se não você não sai do nível em que você está. (Reunião nº 1)

Quando os professores, na interlocução após assistirem a uma fala de Paulo

Freire sobre inserção e adequação dos alunos na sociedade, apontam para a

questão da “transformação”, deixam a idéia de que precisam fazer algo que

modifique a si mesmo e aos outros, a partir da criação de um ambiente de ensino-

aprendizagem e de uma relação que possibilite a construção de um saber crítico,

considerando que as ações docentes e discentes envolvem o risco, a aceitação do

novo e a rejeição de qualquer forma de discriminação (FREIRE, 2000).

Trazem para reflexão a questão do ‘sentir-se deslocado quando faz algo que

difere do tradicional’. E aqui nos perguntamos: O que fazer com a sensação de

deslocamento, provocada pela nossa adequação às orientações da racionalidade

técnica? Um dos professores, responde ‘instigar a transformação’. É esse o nosso

movimento: instigar a transformação, fazendo uso de uma reflexão crítica que

envolve o movimento dinâmico e dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer e,

assim, assumir-se enquanto ser histórico, social e pensante, afinal, como diz Freire

(2000), o homem é condicionado, mas não determinado. Por isso é preciso que,

enquanto professores, possamos desenvolver em nossos alunos a visão de

possibilidade de intervenção no mundo e na própria vida pessoal e profissional.

Nesse movimento de ‘sentir-se deslocado’, ‘instigar a transformação’ e ‘nos

transformar’, podemos dizer que os professores apresentam-se diante de um dilema,

ou como diria Cunha (1998) de uma transição de paradigmas: da visão do

conhecimento como acabado para o conhecimento enquanto produção histórica,

provisória e relativa; da disciplina intelectual tomada como reprodução de palavras

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162

para a capacidade de compor e recompor dados, informações e idéias; do privilégio

da memória, valorizando a precisão, para a curiosidade, valendo-se do

questionamento; do currículo centrado nas disciplinas enquanto espaço próprio de

domínio de conhecimento para a visão interdisciplinar, no qual os conhecimentos se

relacionam, se interpenetram; da pesquisa vista como atividade para os já iniciados

para a pesquisa como instrumento de ensino e a extensão como possibilidade de

apreender a realidade; de um professor como principal fonte de informação para um

professor que se permite estar em constante processo de aprendizagem e que se

coloca como ‘facilitador’ dos processos de aprendizagem dos alunos.

Vejamos mais um episódio, recortado de uma reunião em que pensamos

sobre a necessidade da interação/conexão/vínculo com os alunos na prática

pedagógica a partir de fragmentos do filme “O espelho tem duas faces”.

Daniela: Eu sinto essa necessidade, de olhar para os alunos o tempo todo. Maura: Os alunos até costumam dizer que a gente tem olho por todos os lados. André: A gente tem até que pensar na questão do layout da sala, na disposição das carteiras, a lousa não são coisas que favorecem a relação, a aproximação. São coisas que vêm de um tempo de onde o distanciamento era parte do show e a gente não mudou isso, não rediscutiu esse palco. A coisa que a professora de literatura do filme faz de andar pela sala é muito legal. Quando eu consigo fazer isso, é uma coisa bem interessante. Daniela: Essa coisa é bem interessante mesmo, quando a gente começa a circular os alunos viram outros. Acho que tem também a coisa do humor, né. André: É, nós falamos num outro encontro, aprender não tem que ser chato. Maura: Essa é uma coisa que eu ia comentar e que até pode ser assunto para estarmos discutindo numa outra reunião. Considerando todas essas coisas envolvidas neste ato de ensinar pressupõem uma concepção de como é que o sujeito aprende, como será que é mais motivador para aprender. Será que um discurso verbal é suficiente para a aprendizagem? Ler a apostila é suficiente? E pelo que a gente pôde ouvir nos relatos, pressupõe muito mais. Pressupõe uma certa concepção de aprendizagem, uma certa concepção de ensino. Então o que está por trás de cada jeito de ensinar? André: Tem a questão da atenção. A gente fala de memória. Tem gente que diz: “Minha memória não é boa, eu não consigo gravar”. Não é que você não lembra, é que na hora de gravar você não estava prestando atenção. Você presta atenção em 3 ou 4 coisas e acaba não gravando. Isso tudo é para que se preste atenção para gravar alguma coisa. (Reunião nº 3)

É interessante percebemos que a interação com os alunos passa também

pelo ‘layout da sala’, como disse um professor, assim é possível ‘olhar para os

alunos’. Esse ‘olhar’ pressupõe uma concepção de aprendizagem trazendo a

questão da interação que permeará a metodologia utilizada pelo professor.

Considerando as possibilidades de interação, a disposição do mobiliário exerce forte

influência, pois professor e alunos poderão utilizar recursos legítimos que promovem

o desenvolvimento e a aprendizagem: troca de estratégias e informações entre os

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163

alunos, professor como fonte de informação. É pela interação que se estabelece a

possibilidade de mediação pedagógica – professor como facilitador/motivador da

aprendizagem. A mediação pedagógica, nesse enfoque, coloca o sujeito no papel de

aprendiz, numa atitude de parceria e co-responsabilidade.

Masetto (2003, p. 49) destaca algumas características da mediação

pedagógica que conduz à aprendizagem:

Dialogar permanentemente de acordo com o que acontece no momento; trocar experiências; debater dúvidas, questões ou problemas; apresentar perguntas orientadas; auxiliar nas carências e dificuldades técnicas ou de conhecimento quando o aprendiz não consegue se conduzir sozinho; garantir a dinâmica do processo de aprendizagem; propor situações-problema e desafios; desencadear e incentivar reflexões; criar intercâmbio entre a aprendizagem e a sociedade real, onde nos encontramos, nos mais diferentes aspectos; colaborar para estabelecer conexões entre o conhecimento adquirido e novos conceitos, fazendo a ponte com outras situações análogas; colocar o aprendiz frente a frente com questões éticas, sociais, profissionais, conflituosas, por vezes; colaborar para desenvolver crítica com relação à quantidade e validade das informações obtidas; cooperar para que o aprendiz use e comande novas tecnologias para a aprendizagem (...); colaborar para que aprenda a comunicar conhecimentos.

Utilizando-se dessa mediação pedagógica, avançamos caminho para

mudança cultural que estabelece que ‘professor só trabalha quando dá aula

expositiva’. É preciso estabelecer a cultura da inter-aprendizagem: professor/alunos,

alunos/alunos. Nessa lógica, completam os professores em uma outra reunião:

André: É um pouco do filme “O espelho tem duas faces”, que a gente viu na reunião passada. Ele dava aula olhando para a lousa, numa abordagem mais tradicional e ela mais humanista, buscava se relacionar com o grupo de alunos. Maura: É isso mesmo, ela tinha a coisa do “olho no olho” com os alunos, andava pela sala, buscava contato, dava feed-back para os alunos. Éric: Nesse ponto, na relação com o aluno, nessa abordagem, existem pessoas com necessidades diferentes, com condições e expectativas diferentes. Então aí começa a aumentar o grau de dificuldade do professor em pensar atividades coletivas, de acordo com as necessidades individuais. Maura: É um enfoque mais individual, mas pensando no atendimento coletivo, porque enquanto professor, não tem como pensar em setenta atividades diferentes... Rafael: E cabe aqui o saber conviver? Maura: Cabe completamente. Débora: Aqui já começa o Piaget, o Vygotsky. Maura: E é por essa relação interpessoal que vai haver a mediação com o conhecimento. (Reunião nº 4)

É interessante perceber que, ao estudar as abordagens do processo –

proposta dessa reunião – de Mizukami (2003) os professores começam a

estabelecer relações com cenas de filme e a pensar naquilo que pode ser feito para

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164

atender a diversidade, numa abordagem humanista. Há também um movimento de

busca pelo referencial teórico a fim de dar suporte às reflexões. Quando o professor

verbaliza que ‘existem pessoas com necessidades diferentes, com condições e

expectativas diferentes’ expressa sua consciência da realidade e das possíveis

dificuldades que enfrenta no cotidiano. A interlocução comigo quando digo ‘que o

enfoque é individual, mas pensando no atendimento coletivo’ revela uma forma de

ampliação de sentidos e significados da prática docente: nas interações verbais,

pensamentos expressos se completam, gerando um conhecimento sobre o fazer dos

professores, apontando os limites e as possibilidades do fazer pedagógico.

Mateus: Na sala de aula temos que procurar sempre os pré-requisitos de cada indivíduo, que já tem experiência na área, principalmente no tecnológico, que muitas vezes já trabalha na área. Quando ele não tem nenhum conhecimento fica mais difícil. Daniela: Com o adulto, a gente precisa ser profissional. Éric: O legal também é quando a gente pega a experiência que o aluno traz e passa para a prática da sala de aula. O conhecimento acaba sendo compartilhado com os demais, valoriza a aula, enriquece. Priscila: Fica mais rico para os alunos também. Afinal, como adultos, temos que cuidar porque há uma certa tendência de supervalorizar a prática. Às vezes se faz necessário aprofundar, buscar a obra original. Maura: Aí é que vai o papel do professor. Como é que ele vai articular isso. Ele valoriza essa experiência, mas ele também tem que arrumar um mecanismo de dar suporte teórico para essa experiência permanecer ou ser modificada. André: Tem que orbitar isso, o professor não é um mero facilitador da articulação teoria e prática. (Reunião nº 4)

É verdade que precisamos pensar em uma metodologia de ensino-

aprendizagem que considere ‘os pré-requisitos de cada indivíduo’, como coloca o

professor, mas ao considerar que pode acontecer do sujeito não ‘ter nenhum

conhecimento’, nos remete a uma prática pautada em uma visão tradicionalista de

racionalidade técnica. Se partirmos do pressuposto de que os alunos trazem

conhecimentos, mesmo que sejam de suas experiências cotidianas, fundados no

senso comum, é preciso que o professor busque esses conhecimentos a fim de

estabelecer uma relação, sem ser ‘mero facilitador da articulação teoria e prática’,

mas que provoque, de fato, o “acesso à construção de conhecimentos científicos”

(SCHNETZLER, 2000, p. 21). Não é um ‘mero facilitador’ por não ser considerado

“como mero usuário de teorias e propostas acadêmicas, podendo assumir-se como

autor e implementador de suas próprias teorias e i(nova)ações pedagógicas”

(CHAVES, 2000, p. 51) porque, ao lidar com o imprevisível que acontece na sala de

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165

aula, mobiliza saberes materializando-os em ações que levem os alunos à

construção de conhecimentos.

Nesse sentido, precisamos estar atentos às estratégias que usamos para

provocar a aprendizagem. Vejamos.

André: Ontem mesmo, na turma de Moda, eu tenho notado que é só eu colocá-las para trabalhar que elas ficam menos barulhentas. Então, sempre depois do intervalo eu dou trabalho. E ontem umas alunas perguntaram: “Professor, depois do intervalo você vai dar aula ou vão ser só aqueles textos para a gente ler e fazer exercícios”. Isso para os alunos não é aula. O conceito de muitos alunos é que aula é aula expositiva. Maura: Que é o modelo de escola que eles têm. André: Modelo que tiveram os pais... Então ler texto, comentar o texto, discutir com o grupo, refletir, pensar, não é aula. Priscila: Na verdade, eu acho que é bom e eu percebi isso com o tempo, que é nunca ser previsível. Você sempre dividir no segundo tempo da aula os debates, num esquema sempre parecido, faz com que eles depreciem. Então, não é nem propriamente a atividade, eu acho. É claro que a desfocação do professor provoca isso, a sensação de que não é nada sério, ou é menos que a aula expositiva, menos dirigida. Só que o fato deles preverem, eles já acham que aquilo é menor. Então, você tem que buscar estratégias mesmo, eu me sinto assim. À vezes eu falo uma semana antes como é que vai ser a próxima estratégia para eles se prepararem. Sempre que possível eu pego eles pelo calcanhar de Aquiles mesmo para poder trazer de volta. (Risos) Porque se não eles ficam achando que não é sério. André: Eles dizem, respondeu, pode entregar e ir embora? Não, nós vamos discutir, vamos verificar as opiniões, você vai rever e depois entrega. Isso é o que é importante. E eles ficam “ah, professor, deixa a gente ir embora”. Então é uma dificuldade fazermos os grupos interagirem, fazer um aprender com o outro. Acontece que um não está nem escutando o outro, está apenas esperando a vez de falar para ir embora. É difícil, em algumas salas a gente sente muito essa dificuldade. Eu acho que tudo o que a gente tenta inovar um pouco, tem uma parcela deles que sempre vai achar que a gente está enrolando. Maura: É que na verdade a gente está trabalhando com a implantação de nova cultura. Daniela: E o processo é lento. Maura: É muito lento. André: Aquela questão de seminário, fazer eles prepararem alguma coisa, apresentarem para outros grupos, eles vão logo dizendo “você não vai dar aula, agora é a gente que vai dar aula?” Priscila: Essa é uma coisa que eu resisti bastante. Eu resisti bravamente porque a primeira vez que eu fiz aqui foi desastroso. Era uma turma despreparada e a gente não conseguiu preparar direito, acho que eu não escolhi o material direito. Foi bem ruim. Aí, depois eu dei um tempo bem grande de não fazer isso de novo. Eu falei “não fui ruim, tanto pra mim como pra elas”. Então, agora é que eu retomei o seminário com coragem, porque você ouve mesmo essa coisa de que faz seminário porque não quer dar aula, quando é muito mais fácil a gente ir lá na frente e dar a aula. E não é por aí que elas vão aprender. O resultado está sendo muito maior, mas aí os exercícios que elas montam é “o professor está cansado...” É tudo assim, na base... não sei nem se é proposital, acho que sim é porque eles fazem em grupos e começam a colocar essas tiradas. Aí eu dou risada. Também, né, faz parte. Lucas: Eu fiquei pensando na construção da formação ou na educação dos alunos e penso também que o professor não pode estar fugindo de algumas técnicas que estuda: usar a lousa com o giz, os multimeios disponíveis para chamar a atenção. O importante é mudar estratégias, dar alguns trabalhos diferentes. O importante é pensar em estar mudando sempre. Agora, a cultura de educação ela mudou, comparada com a dos nossos pais. Mudanças vêm acontecendo, mas pro lado negativo muito mais rápido que pelo positivo. Acho que pela bagunça, pela desordem, falta de atenção, falta de empenho, de respeito e isso faz a gente ficar assustado, faz a gente ficar pensando muito na atuação e o que me lembro que discutimos na semana retrasada da atuação do professor, de estar pegando, chamar a atenção da sala, “puxar a orelha” de todo mundo também é uma forma de educar. Também não pode deixar isso de lado achando que só com conversa vai dar certo.

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Maura: Aí entra a própria questão do limite, que às vezes o aluno pede isso. Se ele vai ficando muito solto, sem parâmetros, chega um momento que vai começar a aprontar para buscar o limite. (Reunião nº 11)

Neste fragmento, podemos notar dois pontos a serem destacados: as

estratégias de ensino e os desafios que os professores enfrentam quando querem

modificar o modo de ensinar. A impressão que temos é que o professor não pode

inovar, pois para os alunos a aula é necessariamente expositiva, ou seja, o professor

é quem tem de assumir o papel de detentor dos conhecimentos. Para eles ‘ler texto,

comentar o texto, discutir com o grupo, refletir, pensar, não é aula’. Diante disso,

uma professora coloca que ‘é bom nunca ser previsível’. Será que a aula deve ser

uma ‘caixinha de surpresa’? E o compromisso dos alunos? Os professores parecem

estar diante de um dilema: como convencer os alunos de que a aula pode ser

diferente, que podem usar outros recursos, tendo a efetiva participação dos alunos?

Parece que os professores concebem ensino e aprendizagem como algo construído

na coletividade, na interação com os pares e com instrumentos de apoio (textos,

multimeios, debates) e querem fazer uso disso em suas aulas. Embora percebam as

dificuldades, entendem que a ‘implantação de uma nova cultura é um processo

lento’, é preciso esforço para sair da racionalidade técnica e passar para a

racionalidade prática. É preciso que os alunos experimentem o novo, o diferente e

vejam nele uma oportunidade de aprendizagem significativa.

O próximo episódio leva à reflexão, mesmo que implicitamente, sobre o que,

como e por que ensinar determinados conteúdos. É exatamente esse como –

condicionado às crenças, valores éticos e étnicos, fatores políticos e econômicos,

concepções de ensino, aprendizagem, conhecimento que “dimensionam, orientam e

modulam o trabalho pedagógico e extrapolam o ambiente escolar” (CHAVES, 2000,

p. 49) – é que será a base da metodologia a ser utilizada.

André: Eu acho que, nós estamos falando da interação... Uma coisa que eu vi que funciona, mas acontece que às vezes a gente não consegue provocar um ou outro, ou provocar uma turma a participar ativamente. Às vezes, só a reflexão, não precisa responder pra mim, pensa um pouco no seu trabalho. Aí pára, dá um tempo, pensa. Isso aqui não acontece também com porque às vezes o cara não quer falar, não quer se expor, mas isso aí, às vezes é uma interação que funciona. Maura: Às vezes o que eu faço para eles é: pensa e registra, agora vamos ver mais uma cena do filme ou ler mais um trecho do texto, o que você pensou sobre isso, registra. Isso eu faço para eles também tenham a possibilidade de organizar e registrar o pensamento. Daniela: Eu fiz algo parecido e foi bem interessante. Eu fiz algumas questões, fui dando uma de cada vez e pedindo para que respondessem individualmente no caderno, uma de cada vez. A gente faz muita coisa em grupo, mas resolvi fazer individual e deu um bom resultado.

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Você anda mais um pouco com a questão, volta, eles falam, refletem e colocam no papel. Tenho feito isso mais. Maura: E essa preocupação de transformar esse conhecimento cotidiano num conhecimento mais elaborado. Eu fiz isso esses dias mesmo com questão a função social da escola, numa disciplina que eu dou para uma turma nova de Pedagogia. Eu perguntei: “Para vocês, qual é a função, o papel da escola? Escreve. Agora vamos ler esse trecho do autor. O que ele diz que é a função da escola? Escreve. Agora tem um trecho do vídeo. A partir do vídeo, qual é a função social da escola? Aqui tem a fala de um pai nordestino. Vou ler para vocês. Agora escrevam, qual é a função da escola para o Severino?” Eles tinham quatro possibilidades de função social da escola. Eles escreveram, reuniram-se em grupo para, juntos, observarem se houve modificações na questão da função social da escola na primeira escrita de vocês e como é que isso foi transcorrendo à medida que iam tendo informações, como é que a coisa foi se transformando. Às vezes eu trabalho um pouco por aí porque é uma sala grande, com 60 alunos, e eu preciso garantir a participação de todos. Daniela: Você parou num lugar que eu também parei aqui. “Tudo é questão de equilíbrio.” Maura: Penso que é isso mesmo. André: Equilíbrio é uma coisa mais difícil de praticar e que a gente precisa em tudo: pessoal, profissional... Maura: É fundamental em todos os aspectos. André: Colocar a solução também como equilíbrio é dizer pra gente que é difícil pra caramba. Maura: Eu não vejo só como solução. Daniela: Eu vejo que não adianta pender só para um lado. André: É preciso de bom senso. Daniela: Aí concordo, claro que não vai conseguir... volta ao que a gente estava falando agora há pouco, é uma busca, não tem uma mão única, você vai tentando... Maura: E como o texto diz: “Permitindo que os alunos menos sagazes apreendam o que está sendo exposto. Enriquecer, paralelamente, seu vocabulário. Fixando conhecimentos. Evitando memorizações.” Então, é equilibrar. Tem coisas que precisam ser memorizadas? Têm. Outras vão poder ser consultadas? Vão. Então, eu acho que não existe, existe uma busca do bom senso para parametrizar. Daniela: Eu penso que o ideal a gente não consegue nunca. Quando a gente chega em determinado ponto, já almeja outro. Essa busca, essas nossas reuniões trazem muito isso. Essa consciência de que é uma busca incessante. Maura: E tem aqui, no final do texto: “Para essa situação não existem receitas. Existe bom senso, de modo que não façamos da sala de aula nosso púlpito e dos alunos nossos telespectadores.” (Reunião nº 11)

Este episódio começa apontando dois aspectos interessantes relacionados à

metodologia de ensino, diretamente interdependentes: ‘interação’ e ‘participação

ativa’ e que são explorados nessa discussão. Os professores parecem perceber que

a ‘participação ativa’ não se dá apenas por ações visivelmente concretas, pode se

dar por ações abstratas, como a reflexão. O que vale é provocar o movimento

cognitivo a partir de uma interação entre as pessoas e entre os conhecimentos e as

experiências que já possui com as novas informações a fim de que se transformem

num novo conhecimento, ou como eu disse aos professores ‘transformar esse

conhecimento cotidiano num conhecimento mais elaborado’. Para isso, além do

domínio de conhecimentos específicos, de conhecimentos pedagógicos e de

conhecimentos pessoais que compõem a transposição didática é necessário recorrer

ao bom senso na busca do ideal. Busca constante movida pela própria consciência

de nossa inconclusão.

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O conjunto de episódios nos revela que os participantes expuseram suas

experiências, como as compreendem, quais seus limites e as coisas nas quais

acreditam. Colocando-se na condição de aprendiz também ouviram as experiências

dos pares, complementaram falas, concordaram ou discordaram. Verbalizando sobre

seus fazeres, refletindo sobre eles foi possível ampliar os sentidos e significados da

prática docente no momento em que surgiram oportunidades para “questionar,

expandir, recolocar o que foi posto em negociação. Implica, assim, conflitos e

questionamentos que propiciam oportunidades de estranhamento e de compreensão

crítica aos integrantes” (MAGALHÃES, 2004, p. 76). Ao retomar uma experiência

vivida, considerando o contexto em que ocorreu e os fatores que influenciaram –

numa visão sócio-histórica – é possível uma melhor compreensão do significado

escolar e social com vistas à manutenção ou transformação das futuras ações

pedagógicas.

5.9. Avaliação

Tradicionalmente, quando fazemos referência à avaliação, um dos primeiros

pensamentos que nos vêm à mente é o da avaliação enquanto instrumento de

controle. Porém, estudos (Vasconcellos, 1995; Dias Sobrinho, 2000; Luckesi, 2002;

Villas Boas, 2004, 2005; Marback Neto, 2007) vêm demonstrando que a avaliação

precisa ser vista enquanto instrumento de auxílio à aprendizagem, à melhoria da

qualidade do ensino e também à gestão. Pautando-se nestes estudos, vemos a

avaliação como um processo que objetiva incidir diretamente no desenvolvimento

dos alunos, dos professores e da instituição como um todo.

Entendemos a avaliação da aprendizagem como componente importante do

processo de formação, à medida que faz diagnóstico de deficiências a serem

superadas e de potencialidades a serem mantidas, mede resultados alcançados e

identifica possíveis mudanças de percurso necessárias.

A avaliação como diagnóstico ajuda o aluno a reconhecer suas necessidades

de formação para que possa investir adequadamente no seu desenvolvimento

profissional. Assim, entendemos que nosso aluno precisa conhecer os critérios

usados, a análise dos resultados e os instrumentos de avaliação e auto-avaliação,

pois isto favorece a consciência sobre seu processo de aprendizagem. Com isso irá

Page 170: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

169

conhecer e reconhecer seus métodos de pensar que desenvolvem sua capacidade

de regular sua própria aprendizagem.

O que se pretende é avaliar a capacidade de acionar o conhecimento

adquirido e de buscar outros para efetivar uma ação. Sendo assim, os instrumentos

de avaliação serão validados à medida que derem conta de diagnosticar o uso

funcional e contextualizado dos conhecimentos.

Acreditamos que a avaliação não é importante porque separa os bons dos

maus alunos. Ao contrário, ela é fundamental para que se possa promover um

ensino de qualidade para todos. Tal como vemos, é a avaliação que nos indica onde

estão nossos tropeços e nossas qualidades, onde precisamos investir mais e onde

podemos caminhar com segurança. Sem avaliação, não saberíamos se nossos

objetivos estão sendo atingidos, se eles são realistas ou idealizados, se estamos

cumprindo ou não nosso papel. É ainda a avaliação que pode nos apontar quais são

os conteúdos nos quais nossos alunos estão enfrentando dificuldades e que

precisam receber mais atenção. Ela também identifica as áreas que devem ser

priorizadas, que alunos precisam de acompanhamento, que métodos e práticas

pedagógicas necessitam de revisão. Sem avaliação, dificilmente podemos combater

o ensino ineficiente, excludente, que privilegia uma minoria.

Estamos entendendo que a avaliação é uma aliada no processo educativo.

Por isso precisa ser contínua, pois só assim permite que um problema de

aprendizagem seja prontamente percebido, de maneira que podemos tomar

rapidamente as providências necessárias para superá-lo. Às vezes, o problema

está com o aluno, que tem um ritmo diferente da classe e precisa de mais tempo

para aprender. Às vezes, está conosco, que não conseguimos ainda encontrar a

forma de melhor ensinar aquele aluno, porque cada um tem um jeito diferente de

aprender. Para isso, é essencial a troca de experiências entre os professores nas

horas de trabalho pedagógico comum: um ajuda o outro, um discute com o outro,

um aconselha o outro e todos podem se beneficiar. É preciso ver a avaliação como

uma aliada, um instrumento do planejamento educativo, uma oportunidade de

melhorias.

A ação educativa tem sempre um caráter intencional. Isso quer dizer que temos

como meta provocar modificações específicas nas pessoas, em seu comportamento,

em suas idéias, em seus valores e em suas crenças. No espaço escolar, esperamos

que nossos alunos aprendam, nossos professores ensinem melhor, a comunidade

Page 171: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

170

participe, os funcionários exerçam bem suas tarefas, tornando-as também

educativas. É por isso que, por meio da avaliação, sempre buscamos verificar se

isso, de fato, aconteceu. E, para pensar em evolução, mudança, transformação e

busca de qualidade é preciso pensar também em avaliação.

Definindo o espírito da avaliação, cabe ressaltar que ela envolve sempre dois

aspectos indissociáveis. Um deles refere-se à coleta de informações relevantes e

úteis, que nos permitam formar juízo acerca de uma pessoa, um fenômeno, uma

situação, um objeto. Mas para que queremos formar esses juízos? Entra aqui o

segundo aspecto: certamente, para que eles orientem nossas decisões.

Mas há uma outra vertente, menos divulgada e quase sempre ausente das

escolas, segundo a qual a avaliação – justamente por coletar informações

importantes, que permitem formar juízos de valor e tomar decisões – é vista como

um instrumento do planejamento, uma ferramenta importante para que possamos

refletir sobre onde estamos e para onde vamos. Nessa ótica, a avaliação ganha uma

abrangência muito maior e, tal como a entendemos, assume importância central nos

processos de ensino-aprendizagem desencadeados na instituição educativa.

Mesmo sem termos reunião específica com a temática avaliação, ela aparece

em diversos momentos nas reflexões dos professores.

Vejamos como a questão da avaliação aparece em dois momentos, logo na

primeira reunião onde a reflexão era sobre o papel do professor.

Éric: Eu fico pensando que enquanto educador, a gente tem que ter um cuidado muito grande e não estar ensinando para o aluno, que ele não está ali estudando aquilo para prestar uma prova e passar, como no vestibular. É aquilo para aquele momento. Então, a grande preocupação é que estamos formando um profissional, que vai estar se esforçando. Danilo: Eu fiz teste que é um barato. Na outra faculdade que eu dou aula, os alunos começaram a brigar muito por causa da prova, nota, né. E eu virei assim e falei: “Então tá bom, não vai ter prova. Vocês não têm prova mais.” E saí. O que choveu de e-mail, o que vieram conversar comigo, porque é um barato, né, quando você tira... Eles reclamam muito do instrumento de avaliação que você usa. Você tira um instrumento de avaliação, eles ficam sem chão. Gera um incômodo terrível. Vieram pedir “pelo amor de Deus, dá uma prova pra gente?” E isso demonstra que a bagagem que vem lá de trás, a base do chão deles está relacionada ao método avaliativo quantitativo e não qualitativo. E quando você faz um qualitativo você tira a base dele, parece que eles ficam completamente perdidos. André: Mas é isso que faz com que o aluno fique achando que a apostila é mais importante do que tudo o que ele traz, eu acho que o sistema de avaliação é a grande incógnita da educação. No fim das contas a gente sempre tem uma medida quantitativa precisa que avisa se pode seguir adiante ou não. E isso, como fazer isso sem impor esse sistema do certo/errado. Acho que é a grande ansiedade que a gente tem. Eu quando vou fazer prova eu fico pensando “será que é importante ter definição do que é isso”. (Reunião nº 1)

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171

Neste episódio três aspectos importantes são trazidos e revelam que a

avaliação está entre as questões que inquietam os professores. O primeiro diz

respeito à formação profissional, o sujeito não estuda apenas para realizar prova –

verificação daquilo que aprendeu; o segundo, é que a prova é vista como um dos

instrumentos de avaliação e não o único; e o terceiro, traz a prova enquanto

instrumento avaliativo qualitativo ou quantitativo. Aqui o instrumento quantitativo é

considerado ‘mais preciso’, além de ‘avisar se pode seguir ou não [com a matéria]’,

como foi expresso pelos professores no fragmento acima.

Continuando, no próximo episódio da mesma reunião a preocupação que se

torna expressa vincula os procedimentos de avaliação com o número de alunos. Ou

seja, ‘nós precisamos aplicar provas porque é a única forma de viabilizar a

verificação daquilo que foi aprendido’. Vejamos.

Paulo: Como o André disse aquela hora, o que mais me deixa preocupado é a questão da avaliação. Eu vejo o trabalho dos grandes grupos, 60/70 alunos numa sala, fica difícil você avaliar, estabelecer esse contato. Essa seria a primeira barreira. Você vê, em grupos de orientação e grupos de estudos você acompanha os alunos, não precisa nem de avaliação formal. Na verdade eu vejo mais dúvidas dentro desses modelos grandes que a gente tem. Eu acredito que a saída são os eventos, os congressos que os alunos começam a participar que a gente avalia. A grande limitação é que com os grandes grupos você acaba por treinar, porque se cada aluno falar um minuto, você acaba usando praticamente a aula toda. André: É como se tiver uma aula de idioma, uma aula particular de francês você não precisa de prova. O professor está acompanhando o aluno, está vendo a evolução ou as dificuldades. Com a classe lotada fica mais difícil. (Reunião nº 1)

Aqui os professores demonstram o interesse pela avaliação processual, mas

justificam a não adoção desse procedimento, por conta do número de alunos em

sala de aula. Parecem perceber que o aluno é visto como alguém que pode

contribuir para sua aprendizagem de forma ativa, pois, seleciona, assimila, interpreta

e generaliza informações sobre seu meio físico e social. Essa visão é radicalmente

diferente da adotada por teorias tidas como tradicionais e que têm como parâmetro a

racionalidade técnica. A mudança na forma de compreender o papel do aluno

implica uma modificação na forma de conceber o ensino e a avaliação, caminhando

na perspectiva da racionalidade prática.

No episódio, fica expressa a angústia dos professores ao afirmarem que

algumas vezes se vêem como alguém que tem como tarefa ‘treinar’ os alunos por

conta o número em sala de aula porque muitas vezes não conseguem ouvir

individualmente todos os alunos e, desse modo, avaliá-los mais espontânea e

subjetivamente, sem a rigidez de um instrumento mais fechado. É possível

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172

percebermos que essa questão da avaliação provoca um incômodo nos professores,

mas revela que eles precisam aprofundar mais os estudos sobre avaliação, pois

parecem entender que precisam ‘ouvir oralmente todos os alunos’, quando na

verdade precisam pensar em instrumentos diversificados de aprendizagem e de

avaliação, podendo sair da situação de treinamento e verificação para uma situação

de aprendizagem significativa e avaliação formativa.

Esse incômodo sentido pelos professores acaba demonstrando que eles

percebem que aprender deixou de ser encarado como ato mecânico e repetitivo

para ser entendido como um processo ativo, que requer a (re)construção, tanto de

novos conhecimentos, como de formas de pensar e tomar decisões e que a

avaliação precisa “identificar e analisar o que foi aprendido, o que ainda é preciso

aprender, para que se organize o trabalho com vistas à aquisição da aprendizagem”

(VILLAS BOAS, 2005, p. 163). Pode ser entendida como possibilidade de

organização e conscientização do conhecimento aprendido, permitindo aos alunos

assumirem também responsabilidades por sua própria aprendizagem.

Essa forma de conceber a avaliação aparece, indiretamente, no próximo

episódio no qual três aspectos se entrecruzam e revelam as possibilidades da

avaliação: a comunicação, o educador que não pode negligenciar suas ações e as

possibilidades individuais e coletivas para que o aluno possa mostrar aquilo que

aprendeu.

Nos parece que o que está por trás da comunicação são os critérios (as

regras do jogo) e os objetivos de aprendizagem. Ao avaliarmos para promover a

aprendizagem, é fundamental que os critérios sejam claros e explícitos aos alunos a

fim de que saibam para quem a avaliação se dirige e por quem, como e quando será

usada. Ter claro o tipo de informação de que se necessita e que recursos estão

disponíveis para obtê-las são condições necessárias para que seja tomada uma

decisão acertada, além de adotar uma metodologia adequada à avaliação. Por trás

da não negligência está o ‘bom educador’ que não pode se descuidar de suas

funções em prol da aprendizagem dos alunos. E, finalmente, por trás das

possibilidades individuais e coletivas está a co-responsabilidade, que faz professor e

aluno serem responsáveis, considerando suas atribuições, pelo seu processo de

aprendizagem.

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173

Maura: Então vamos lá? Quem vai começar falando? Pode ler ou pode falar também! (...) Priscila: A experiência é sobre a avaliação, e acho assim, a maior parte das vezes, eu acho que é o tiro da comunicação, que não é necessariamente aquilo que a gente atribui de imediato, altos compromissos, eles desinteressados, não estão nem aí, querem se livrar, já tem uma série de frases prontas, que solta por defesa nossa mesmo, porque é difícil acreditar que nem tudo foi em vão, você não fez direito ou que não resultou, naquilo que a gente gostaria, então é voltar para a sala de aula, se possível retomar, se há tempo hábil, se não há tempo, retomar depois para um próximo bimestre, ou então reconsiderar mesmo um pouco que eles fizeram, que por menos que seja, ali tem um empenho deles e na verdade uma dificuldade de comunicação, que para mim é uma coisa muito forte, o fato de eu não ter uma voz alta para eles verem que não tem uma presença marcante, isso tudo fui percebendo, com o tempo e isso resulta em grandes desastres (...) Quando o trabalho pedido aos alunos não sai a contento, muitas vezes julgamos que o grupo é fraco. Esta é a primeira conclusão: decepcionante, rápida e defensiva. Os alunos só farão o trabalho que queremos quando soubermos dizer a eles o que queremos. O desejo de acertar quase sempre pertence a eles também. Mas, na maior parte das vezes, não se tem um resultado esperado e/ou satisfatório porque a comunicação não foi suficientemente clara. Isso pode ter sido para o professor, mas, com certeza, não para o aluno. Para que isso não acabe num “campo de guerra”, pode-se remediar a situação, considerando o que os alunos conseguiram realizar, ainda que de forma precária, pode-se retomar o trabalho, buscando se aproximar mais dos objetivos do professor, para tanto ampliando-se o tempo, por isso é interessante realizar as avaliações com um pouco de folga, em relação aos prazos de entrega de notas, o professor repensar a sua comunicação, principalmente em momentos de divulgação para propostas de avaliação. Tudo isso para dizer que trabalhos aquém das expectativas dos professores nem sempre são sinônimos de falta de compromisso, descaso, ignorância e outros atributos. Débora: Vou pegar um pouco o gancho nessa fala da Priscila porque eu também observo que há mesmo essas questões, essas dificuldades de expressão, de se colocar fisicamente, corporalmente quando você é professor, imagino até que é só a boca que fala, reproduzindo coisas. (Reunião nº 3)

Aproximar professor e alunos e permitir o conhecimento das percepções

destes últimos sobre a sua aprendizagem e o andamento do trabalho pedagógico

podem ser um dos caminhos que leva à construção coletiva dos conhecimentos.

Isso implica em repensar as concepções que temos de ensino e de aprendizagem e,

a partir daí, fortalecer a idéia de que a avaliação – representada por seus diferentes

instrumentos – é uma possibilidade de transformação. É uma possibilidade de

transformação concreta porque, por meio de diferentes instrumentos, pode colher

evidências que revelam mudanças ocorridas com os alunos, além disso, podem

contribuir para a superação de possíveis dificuldades por eles.

É interessante observarmos a seguinte expressão da professora ‘o desejo de

acertar quase sempre pertence a eles [alunos] também’. O que isso significa?

Significa que ela parte do princípio de que os alunos querem demonstrar o que

sabem. Esse querer demonstrar o que sabem está associado ao caráter social da

avaliação, que tem essa função porque “constata e/ou atesta a aquisição de

conhecimentos ao final de uma unidade de trabalho (...) período de formação de que

se quer fazer um balanço” (JORBA e SANMARTI, 2003, p. 26) ou ao caráter

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174

pedagógico por “conter informação útil para a adaptação das atividades de ensino-

aprendizagem às necessidades dos alunos” (JORBA e SANMARTI, 2003, p. 26).

Aliado a esse caráter pedagógico podemos encontrar o compromisso pela

aprendizagem que precisa ser assumido pelo professor e pelos alunos, via contrato

didático, para que ‘não vire um campo de guerra’. Nessa visão formativa ‘pode-se

remediar a situação, considerando o que os alunos conseguiram realizar, ainda que

de forma precária, pode-se retomar o trabalho’, ou seja, é possível fazer “ajuste do

processo de ensino-aprendizagem, de reconhecimento das mudanças que devem,

progressivamente, ser introduzidas nesse processo para que os alunos aprendam de

forma significativa” (JORBA e SANMARTI, 2003, p. 26).

É fato que, no cotidiano escolar, não só os alunos são avaliados, mas

também os professores. Direta ou indiretamente, dependendo do instrumento de

avaliação a ser adotado, o professor é avaliado. Quando tem consciência dessa

necessidade, ao analisar e atribuir juízo de valor ao desempenho dos alunos, o

professor também reflete sobre o percurso de caminhada que proporcionou aos

alunos, ou seja, sobre suas estratégias de ensino. Desse modo é que pode

redirecionar seu planejamento, suas intervenções na promoção da aprendizagem

dos alunos.

Além disso, há situações em que o professor é avaliado diretamente pelo

aluno, chegando a causar incômodo. Isso aparece no próximo episódio.

Débora: Eu acho que tem uma coisa meio implícita aí que é: estão me olhando, estão me avaliando. É isso, a gente está exposta ali o tempo todo. Priscila: E eles às vezes não me conhecem. Débora: Às vezes não me conhecem... quer dizer... a incompetência que está aparecendo, o que é que é? Eu não sei... isso me parece... pode não vir conscientemente, mas eu acho que está implícito nessa desestabilização. Quando é Teia9, então, que tem aquele papelzinho da avaliação, (risos) a gente reza porque tudo depende. Então acho que tem isso, desestabiliza porque você sabe que está sendo avaliada. E essa coisa de “a coisa não funcionou, cadê sua transparência, cadê seu recurso?” Tem um jogo ali acontecendo. Tem um jogo que de repente te desestabiliza. Demora... (Reunião nº 8)

Observamos, nessa pequena interlocução a professora sentindo-se avaliada.

Sobre esse aspecto Mizukami nos diz que “a verdadeira avaliação do processo

consiste na auto-avaliação e/ou avaliação mútua e permanente da prática educativa

por professor e alunos” (2003, p. 102). Isso nos mostra a complexidade do ato de

9 “Teia”, oficialmente “Teia do Saber”, é um programa de formação continuada para professores da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo desenvolvido pelas instituições de educação superior.

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175

avaliar, considerado a partir de seu contexto, que traz o caráter social (selecionar,

classificar, comparar) e o caráter pedagógico, que pretende ajustar os processos de

ensino-aprendizagem. É essa complexidade que permite questionar e refletir sobre o

que fazer com os resultados da avaliação para que não sejam simples verificação,

mas possibilidades de análise. Por isso, como afirma Vasconcellos (1995) é

necessário abrir mão do uso autoritário da avaliação, alterar a metodologia de

trabalho em sala de aula, redimensionar o conteúdo e o uso da avaliação, alterar

nossa postura diante dos resultados e criar nova mentalidade junto aos alunos e à

comunidade escolar.

Considerando os episódios aqui descritos, estão implícitas questões que

norteiam e antecedem os processos avaliativos: O que é que o aluno deve saber? O

que deve saber fazer com os conteúdos? Como ele deve ser? Como ele utiliza isso

no dia-a-dia? As respostas a essas questões podem estar atreladas à racionalidade

técnica ou à racionalidade prática. Se, por um lado, as respostas tiverem como foco

avaliar apenas para aprovar ou reprovar, revelando ausência de reflexão do aluno e

do professor sobre o seu significado, traz em si marcas da racionalidade técnica. Por

outro lado, se as respostas tiverem como foco o mapeamento daquilo que foi

aprendido, acompanhando o processo e considerando a avaliação como momento

de aprendizagem que pode contribuir para o encaminhamento de novas ações

pedagógicas, revela reflexão docente e atitude que tem como bases a racionalidade

prática.

Encadeando os episódios analisados neste eixo temático, percebemos que os

professores consideram a prática docente como atividade complexa que não se

esgota na sala de aula e nem é passível de previsibilidade ou de verificação por

meio de uma prova, estabelecida pela racionalidade técnica, mas ao contrário, é

uma ação complexa e que pode ter seus sentidos e significados ampliados pela

reflexão compartilhada dos professores, estabelecida pela racionalidade prática.

Desse modo é possível dizer que a avaliação está diretamente ligada às concepções

que o professor tem de ensino, de aprendizagem e à metodologia de ensino-

aprendizagem.

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176

5.10. Mergulho na docência

Ao longo deste capítulo notamos que os professores refletiram sobre suas

práticas docentes, sobre seus conhecimentos adquiridos pela prática, pelo estudo e

pela reflexão.

O desenho a seguir (de autoria do Prof. Lucas em uma de nossas reuniões)

expressa que as reuniões promoveram ‘mergulho na docência’.

Esse ‘mergulho na docência’ permitiu que identificássemos a ampliação de

sentidos e significados da prática docente dos professores. A partir da reflexão,

mediada e compartilhada, sobre a prática docente, filmes e textos e o que pensamos

sobre o nosso papel e o papel do aluno e sobre nossas concepções de

conhecimento, aprendizagem, ensino, metodologia de ensino-aprendizagem e

avaliação – evidenciadas nas interações discursivas expressas nos episódios é que

notamos como os professores foram ampliando os sentidos e os significados da

prática docente.

Tal ‘mergulho’ foi viabilizado pela disponibilidade do grupo e pela mediação

pedagógica que esteve à frente das reuniões mediando as reflexões, selecionando

filmes, textos e temas a serem expostos e refletidos.

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177

Algumas falas revelam a mediação acontecendo durante as reuniões.

Daremos destaque àquelas que ainda não foram apresentadas nos eixos temáticos

estabelecidos para análise dos episódios e consideradas mais significativas por

revelarem momentos em que chamo o grupo para discussão, propondo ou dirigindo

a interlocução; outros em que retomo alguma idéia que merece ser destacada;

outros em que me coloco como professora a fim de trazer também para debate a

minha prática docente; outros em que procuro articular uma prática docente exposta

com a teoria que está por trás dela; e outros em que trago algum exemplo.

Na Reunião Nº 1 a mediação aparece como possibilidade de estimular a fala

dos professores, fazendo com que eles comecem a expor suas idéias, trazendo para

reflexão aquilo que pensam e vivenciam no cotidiano escolar.

Maura: Agora eu deixo para que vocês falem, um de cada vez, o que é que vocês pensam disso, como é que enxergam o papel de vocês. (...) Maura: E o seu papel? Danilo: O meu papel? Maura: É, o seu papel nesta realidade? (...) Maura: Mas será que isso vai ter fórmula? André: Às vezes é uma semente, não dá uma árvore igual, é da mesma espécie mas não é igual. Não tem como dar a mesma aula. Epa, acho que essa é a transformação. (Reunião nº 1)

Na Reunião Nº 2 ainda tomo para mim a tarefa de fazê-los participar das

discussões, mas de um modo mais contextualizado, retomando idéias expressas nos

fragmentos do filme assistido e nas experiências vividas na prática docente.

Maura: E aí, esse episódio, ajudou a pensar em alguma coisa? SILÊNCIO Eu destaquei duas falas, “envolver-se”. Que foi a fala da diretora para o Mr. Holland, “envolver as mentes de conhecimento” e “controlar essas mentes”, isto é colocar limites para essas mentes. André: A tradução foi um pouco diferente, no meu entendimento seria um “guia”, uma bússola. Me parece mais lógico ir nesse sentido: orientar o aluno. Essa é a idéia principal que me passa. (...) Maura: Gente vamos retomar dois trechos do filme, de novo. Um que ele diz “a diferença de você tocar notas” e outro “tocar música”. Tocar música parece muito mais do que tocar notas. Como a nossa discussão passa pela prática docente, fazendo esse link do “tocar nota” e do “tocar música”, eu queria que vocês escrevessem essa questão da prática, uma situação concreta, uma experiência de vocês em que vocês sentiram na pele “o tocar música” e “o tocar notas”. Dá para fazer? Alguém quer papel? André: De qualquer prática? Maura: Não, da prática docente. Para nós pensarmos um pouco no nosso foco: que é a ação docente. (...) Maura: Então, quando você enfoca essa questão de atitude é como se você estivesse trabalhando o “tocar música”?

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178

Mateus: Com certeza. A música tem algo além do decorar. A menina do filme estava tentando decorar as notas e errava. O professor disse “feche os olhos e toque com o coração”. Já está dentro, não precisa decorar. (...) Maura: Não sei, né. O que é que eu vou levar daqui para mim hoje, desse nosso momento? O desafio da nossa prática, qual vai ser o desafio mais consciente. Fazer com que notas e músicas caminhem juntas para que professores e alunos em interação superem seus limites, quebrem as barreiras e possam articular atitude e conhecimento para a sua inserção no mundo. Penso que essa é o nosso papel, trabalhar um pouco nesse sentido, unindo um pouco do que cada um foi falando. E aí para terminarmos, o que se propõe para a semana que vem? Daniela: Práticas. (Reunião nº 2)

Numa tentativa de chamar a atenção dos professores para as concepções

que permeiam a prática docente e propor a temática de uma reunião, foi destacada

a mediação recortada da Reunião Nº 3. Desse modo, os professores puderam ir

destacando o que está por trás de cada jeito de ensinar.

Maura: Essa é uma coisa que eu ia comentar e que até pode ser assunto para estarmos discutindo numa outra reunião. Considerando todas essas coisas envolvidas neste ato de ensinar pressupõem uma concepção de como é que o sujeito aprende, como será que é mais motivador para aprender. Será que um discurso verbal é suficiente para a aprendizagem? Ler a apostila é suficiente? E pelo que a gente pôde ouvir nos relatos, pressupõe muito mais. Pressupõe uma certa concepção de aprendizagem, uma certa concepção de ensino. Então o que está por trás de cada jeito de ensinar? André: Tem a questão da atenção. A gente fala de memória. (Reunião nº 3)

Chamar a atenção para a importância do papel do professor, bem como a

necessidade de sua profissionalização, ou seja, do domínio de conhecimentos

específicos de sua área de ensino e a articulação com a prática foi a intenção da

mediação retirada da Reunião Nº 4.

Maura: A força teórica o professor tem que ser, sem sombra de dúvida, maior que o aluno. A teoria tem que ser muito forte nesse professor. A experiência, às vezes, tem aluno que trabalha há muito tempo na área e acaba tendo uma experiência maior. Então o professor tem que ter, pelo menos 50% de experiência na área, até porque é isso que possibilita um conhecimento prático da teoria. E a hora que ele vai trabalhar a teoria ele consegue chegar num nível diferente do nível científico. Mateus: E é complicada essa passagem porque, muitas vezes, se o aluno percebe que o professor não tem esse domínio, o professor cai em descrédito. Muitas vezes, ele fica em maus lençóis e cai em descrédito com a sala, não é só com um. (Reunião nº 4)

Na Reunião Nº 5 a mediação surge para que os professores possam refletir

sobre a prática docente dos diversos professores – personagens dos filmes

“Sarafina”, “Mr. Holland”, “Mentes Perigosas”, “Ao mestre com carinho”, “O preço do

desafio” e “Sociedade dos poetas mortos” – quando criam situações que promovem

condições para o estabelecimento de reciprocidade intelectual.

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Maura: Faz o sujeito pensar sobre sua própria situação. Entra aí um pouco do cognitivismo, a problematização. De certa forma a professora problematiza, cria situações propiciando condições onde possam se estabelecer reciprocidade intelectual e cooperação ao mesmo tempo moral e racional. Daniela: Ah, sim. O professor, ao propor problemas desafia. (Reunião nº 5)

Os três fragmentos recortados da Reunião Nº 6 tratam da questão da

metodologia de ensino-aprendizagem. Tentam, na verdade, pôr em discussão as

ações que podemos proporcionar aos nossos alunos de modo que possam articular

a teoria com a prática em seus processos de aprendizagem. Pretende-se colocar em

questão a necessidade da implantação de uma cultura escolar que atenda a

diversidade de alunos e que seja pautada na racionalidade prática.

André: Mesmo que a gente não faça palestra, o pessoal do superior precisa aderir. Maura: É que as coisas para os alunos precisam ter um sentido. Aí os professores têm que pensar no propósito. Vamos pensar até que ponto nossos professores também estão abertos para isso, não vão sentir como uma matação de tempo. (...) Maura: E essa possibilidade de experimentar algumas coisas aqui, em situação de aprendizagem, dá suporte para uma vivência real na empresa. André: É essa nossa função: orientar para a articulação das disciplinas. Orientar projetos, suprir necessidades ou nós vamos continuar tentando transferir conhecimentos. (...) Maura: Por isso é que existe o tal do contrato didático. Os combinados. Daniela: Mas eles esquecem os combinados. Maura: Mas e a gente, o quanto enquanto professor a gente esquece dos combinados? (Reunião nº 6)

Da Reunião Nº 7 são destacados três episódios que procuram desencadear a

reflexão dos professores para os seguintes aspectos: o que está envolvido no

processo de aprendizagem do aluno-adulto, dando destaque à questão da

adaptação; aos atores da sala de aula, professor e alunos, quem aprende e quem

ensina; e ao perigo do “engavetamento” do ensino, sem considerar o contexto no

qual ocorre a prática docente.

Maura: Isso tem a ver com essa questão da adaptação. A gente imagina que o período de adaptação é só para criança. Mas o adulto também tem esse período de adaptação. É como se fosse um rito de passagem. Daniela: Eu nunca tinha pensado nisso em relação ao adulto. Interessante. Lucas: E para o professor também. (...) Maura: E será que a gente só ensina? André: É, nós conversamos até sobre isso, ensino-aprendizagem. Acho que as duas coisas estão muito ligadas. Como eu falei no início, eu não tenho nenhuma formação pedagógica. Para mim tem sido um aprendizado constante à cada nova disciplina, cada aula, cada novo curso a gente vai aprendendo um monte coisa, com os colegas também. (...)

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Maura: Tem uma coisa legal que você falou: “o aluno vem com expectativas diferentes, informações e vivências diferentes”, a partir disso você tem um contexto que precisa considerar na sua docência. Daniela: É, não é um pacote fechado. Eu abro a gavetinha está lá... (Reunião nº 7)

A atividade docente enquanto ato intencional, mas não passível de total

previsibilidade, a partir da fala dos professores é retomada pela mediação na

Reunião Nº 8. Numa tentativa de articular o que os professores trazem em suas

expressões e, de certo modo, ajudá-los a elaborar conhecimento mais científico

foram destacados os episódios abaixo.

Maura: Isso que o Lucas falou faz a gente pensar na seguinte coisa: o quanto o professor tem que estar atento às outras disciplinas também, não só à sua disciplina porque a sua disciplina isoladamente ela não tem sentido para a formação do sujeito. Priscila: Eles não fazem a relação. Maura: Eles não dão conta de fazerem isso sozinhos. (...) Maura: E aí a gente tem que pensar na ação do professor como uma ação sempre intencional. Débora: Ficou mais claro, porque eu pensava nessa integração dessa maneira que eu descrevi, não em torno de um objeto... e aí muda de figura mesmo. Maura: É porque em torno de um objeto, você consegue materializar a interdisciplinaridade. (...) Maura: Quando o Beto falou essa questão da relação, eu acho que em qualquer tipo que seja o professor ele vai estabelecer um tipo de relação com o aluno. Mesmo que um entre mudo e o outro saia calado. A relação, ela existe, mesmo que ela seja... Priscila: E fica bem evidente mesmo sem verbo. Maura: Mesmo sem verbo nenhum. Então o que a gente vai ter são as nuances de relação, de relacionamento professor-aluno. (Reunião nº 8)

Na Reunião Nº 9 a partir da reflexão sobre a metodologia de ensino-

aprendizagem, enquanto ato político, a mediação coloca na mesa para discussão os

enfrentamentos vividos pelos professores envolvidos na sala de aula.

Maura: Está fácil ser professor, heim? Será que é fácil trabalhar? Lucas: É uma questão complexa. Ana: Só começando pela dialética. (Reunião nº 9)

O referencial teórico aparece dando sustentação à mediação recortada da

Reunião Nº 10. É interessante observar que os professores acabam materializando

aquilo que sentem no cotidiano escolar e que pode ser referendado pelo

conhecimento científico.

Maura: O Bakhtin é quem fala, mais ou menos assim, que “eu sou eu, mais todas as outras vozes que em acompanham”.

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Daniela: É assim que eu sinto. Por isso eu fiz os elos que somos o nós, num caminho que a gente não sabe onde vai dar, com certeza porque nós já não temos mais essa certeza. O caminhar é multifacetado. (Reunião nº 10)

A mediação destacada da Reunião Nº 11 tenta dar sentido e significado à

ação docente vivida e descrita pela professora, reforçando a importância da

formação de vínculos positivos na relação professor/alunos para os processos de

ensino-aprendizagem.

Maura: Priscila, eu penso que essa sua estratégia ela sempre contribui porque é uma possibilidade de formação de vínculos. Priscila: É, isso eu percebi mesmo. É diferente de quando você chega muito sério ou muito formal por não conhecer o grupo. (Reunião nº 11)

Na Reunião Nº 12 aparecem três aspectos que se inter-relacionam na

reflexão proposta: instigar a professora a descrever com detalhes uma aula de

sucesso; pensar na possibilidade de diversificar uma aula com a mesma temática; e

a análise de uma aula na qual a professora vai trabalhando com os conhecimentos

cotidianos e científicos.

Maura: E como é que você foi fazendo, desenvolvendo a aula? Você começou de que jeito? Priscila: Eu comecei primeiro pela exposição, em datashow, de planos, expliquei com é cada plano, falei de roteiro como proposta de escrita, de redação. Depois assistimos um trecho do filme... (...) Daniela: Dar a mesma aula dá um desgaste na gente. Maura: Então, mas nesse tipo de curso, eu tenho, por exemplo, cinco turmas e não posso ficar mudando. Talvez o que ela pudesse ter feito era ter achado outro conto, outro filme, outra história em quadrinhos e continuar trabalhando a mesma temática. Priscila: Aí até a gente se motiva. Eu penso nisso seriamente e fico me recriminando, achando que fiz serviço de preguiçoso. (...) Maura: Essa questão me remete à relação do conhecimento mais do senso comum com o conhecimento mais científico. Pelo menos é isso que consigo ver na sua aula. Os alunos respondiam com o repertório que possuíam e depois você articulava com o conhecimento mais elaborado, com o conhecimento científico. E fechou com um texto que deu amarrou a aula, fechou a aula. Daniela: E foi essa fala exatamente que eu ouvi dos alunos. E é legal que eles puderam refletir e se expressar antes de eu falar o conteúdo específico. Foi muito interessante. Eu não achei que fosse dar tão certo. (Reunião nº 12)

O último episódio a ser recortado da Reunião Nº 13 a mediação novamente

considera como ponto a ser trazido para reflexão algo que foi exposto por uma das

professoras – os combinados, estabelecimento de regras de convivência na sala de

aula – e que pode contribuir na promoção de espaço favorável à aprendizagem.

Page 183: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

182

Maura: Aí é preciso pensar naquilo que a Débora disse sobre os combinados com nossos alunos. Se a gente fizer isso, logo no começo, não haverá problemas. Pelo menos eu, quando inicio uma turma nova, eu já combino quais são as regras para que possamos conviver e criar um espaço de aprendizagem. Débora: Vai desde colocar o celular no vibra, se tocar levante silenciosamente e atenda no corredor, os trabalhos solicitados e as fichas de estágio terão espaço em todo final de aula. Maura: Penso que também seja nossa função colocarmos limites para eles porque esses alunos vêm de uma geração sem limites. (Reunião nº 13)

É importante ressaltar que essas mediações, aqui consideradas pedagógicas

porque visam contribuir para a formação docente, são resultado de processos

socialmente construídos e que articulam intervenções subsidiadas pela minha

formação acadêmica, minha experiência docente e pelas reflexões promovidas pelo

grupo de professores. São mediações que implicitamente podem revelar os

momentos de apreensão vividos pela coordenação do grupo, que exigia o tempo

todo uma liderança para prosseguir as reuniões e o próximo encontro.

As interlocuções geradas pelas mediações anteriormente destacadas,

revelam modos de participação da coordenadora pedagógica nos processos de

ampliação de sentidos e significados da prática docente. Ao mediar atuo

privilegiando “propósitos instrucionais, destacando temas e buscando estabilizar

significados, focos e momentos de elaboração” (GÓES, 1997, p. 16) são construídas

trocas dialógicas que podem tanto incentivar ou censurar a participação dos

professores.

Minha mediação, além de pedagógica, pode ser concebida como facilitadora

das trocas dialógicas entre os professores que se materializam nos modos de

elaboração de conhecimento pelo sujeito.

Neste capítulo tivemos a intenção de colocar em evidência interlocuções que

se mostraram relevantes para a ampliação de sentidos e significados da prática

docente, representadas a seguir pelos elos desenhados pela Profa. Daniela e que

revelam o caminho que percorremos ao longo de nossas reuniões.

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183

Esses caminhos orientaram o ‘mergulho na docência’ e o estabelecimento de

‘elos’ que marcaram o encontro de trajetórias de vida e formação docente, revelando

a importância do grupo nos processos de reflexão que promove a ampliação de

sentidos e significados da prática docente.

Page 185: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

184

Capítulo 6

ENCONTRO DE TRAJETÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO

DOCENTE: A IMPORTÂNCIA DO GRUPO

Antropofagia – Tarsila do Amaral

óleo/tela 126 X 142 cm Assin.:"Tarsila 29"

Encontro de trajetórias de vida e formação docente combina com devoração,

“antropofagia”, engolir e desconstruir. Algo voraz e descontrolado, poético e erótico,

silencioso e transformador, complexo. Os caminhos são traçados de acordo com o

olhar de cada um e também do coletivo, com a devoração de cada um e também do

coletivo, segundo seus códigos, seus valores e sua recepção extremamente

sensível.

Page 186: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

185

Se admitimos a possibilidade da construção, é porque admitimos também a continuidade dos processos de desenvolvimento, de devir e de transformação (SÁ-CHAVES, 2000).

Foram treze encontros realizados entre 2005 e 2006! Mais de um ano de

convivência que oportunizou o estabelecimento de vínculos pessoais e profissionais.

Oportunidades de estudos compartilhados, de trocas de experiências, de relatos de

erros e acertos, de certezas e incertezas, de reflexões... Espaço criado como

possibilidade de ampliar os sentidos e os significados da prática docente e,

conseqüentemente, melhorá-la e aperfeiçoá-la.

Juntos, pudemos pensar sobre qual é de fato o nosso papel, como

concebemos o papel dos alunos, quais nossas concepções sobre aprendizagem,

ensino, metodologia de ensino-aprendizagem e avaliação. Descobrimos nossa

inconclusão, nossa necessidade de estudo, nossa necessidade de partilha... E,

como afirma Sá-Chaves (2000, p. 194), na epígrafe deste capítulo, descobrimos “a

continuidade dos processos de desenvolvimento, de devir e de transformação”.

Considerando as idéias de Vygotsky (1993, 2003a, 2003b), ao longo deste

trabalho, fomos percebendo que é um processo contínuo aprendermos a ensinar e

nos tornarmos professor, e isso se dá nas relações que estabelecemos com nossos

alunos e com nossos pares, que essas relações se dão em um contexto que está

posto, mas é transformado pela nossa inserção nele.

6.1. O grupo: novas idéias, novos olhares, possibil idades para ouvir, falar e

aprender

Além dos episódios que materializam os eixos temáticos, já descritos

anteriormente, foram selecionados outros que revelam a importância do grupo nos

processos de ampliação de sentidos e significados da prática docente e,

obviamente, na possibilidade de formação continuada na própria instituição.

Conquistar esse espaço na instituição foi possibilidade para contribuir para a

realização da missão institucional que é “promover o ensino de forma eficiente, com

o grau de qualidade necessário ao bom desempenho das futuras atividades

profissionais dos educandos, para que, de forma competente e ética, possam

desenvolver seus projetos de vida como cidadãos conscientes dos seus direitos,

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186

deveres e responsabilidade social”. Também nós pudemos ir desenhando melhor

nosso projeto de vida pessoal e profissional.

A ilustração a seguir, de autoria do Prof. Lucas, resume o que representou o

grupo na ampliação dos sentidos e significados de prática docente.

Notamos, no episódio abaixo, que a participação no grupo possibilitou ‘pensar

coisas’ que não haviam pensado antes.

Lucas: É complicado. Se a gente pega a criançada que corre, sobe em árvore é muito mais fácil. Daniela: Foi interessante ouvir vocês falando... E eu tinha a maior dificuldade de ficar pensando essas coisas, até participar desse grupo. E aí, eu escrevi duas situações que eu vou contar pensando nessas diferenças dos alunos. A não conexão foi com os alunos que não são de RH, que é uma experiência nova para mim, que é o pessoal de Logística e Marketing. Além dessa interferência, quer dizer que não flui tanto quanto RH que é a minha linguagem já de bastante tempo, mas teve outras interferências que não deram conexão, quer dizer, até a hora do intervalo, foi véspera do feriado dia 10 da semana passada, aula foi bem até a hora do intervalo, uma conexão boa e eles querendo ir embora. Nessas semanas de feriado, eles vêm querendo ir embora. Aí chegou na hora do intervalo e eu fui propor que iria fechar e eles não quiseram nem ouvir o que eu estava falando. E aí eu tive que me posicionar, de forma até impositiva porque eu tinha que fechar aquele assunto. O resultado é que você sai frustrada. (Reunião nº 3)

A reunião promoveu o despertar de reflexões sobre as dificuldades que nós,

professores, muitas vezes temos em encarar nossos alunos, que não são mais

crianças, como potencialmente pré-dispostos à aprendizagem, ao ensino que

proporcionamos. Muitas vezes, nos esquecemos que a educação centrada no

aprendiz é para pessoas de todas as idades e não só para crianças. Isso nos faz

Page 188: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

187

inferir que, nossos alunos, sendo adultos, precisam ser conscientizados pela

aprendizagem compartilhada entre professor e aluno, mas somos nós que

precisamos propor essa diretriz por conta da própria cultura escolar que eles trazem.

Por isso é fundamental que, enquanto professores, façamos uma ‘leitura’ da turma,

ou seja, precisamos conhecer quem são nossos alunos, quais suas expectativas e

dizermos, claramente, quais são nossos objetivos, qual é nossa proposta, em que

contribuirá na formação deles para que possam assumir conosco a responsabilidade

pela aprendizagem. Talvez essa transparência possa diminuir, em muitas situações,

nossa frustração, embora não seja sempre que podemos evitá-la.

A formação deste grupo possibilitou vivências de situações reflexivas que,

possivelmente, de outro modo, não aconteceriam na mesma intensidade. Foi um

voltar-se sobre o próprio processo de ensino e de aprendizagem quando refletimos

sobre o ato de educar – que é complexo – revelando nosso inacabamento e nosso

desejo de sermos melhor, enquanto autores de nossas estratégias pedagógicas em

realidades que são singulares.

Esse ‘olhar para si’, para nossas ações sob as lentes do conhecimento

científico pôde ser considerado um momento ímpar na formação continuada. É isso

que notamos no fragmento abaixo, quando os professores falam sobre o ato da

reflexão.

Maura: É, eu até queria ter começado antes, mas de verdade, não consegui, não dei conta. Eu trouxe um texto para estarmos discutindo um pouco. Na verdade é um texto que eu montei a partir da leitura sobre o professor reflexivo. O André até falou ainda há pouco da questão do treinamento. E às vezes o professor vai mais para esse lado da técnica. Como é então esse professor como técnico e esse professor como alguém reflexivo? Depois eu até tenho o texto na íntegra, mas eu procurei trazer aqui o que era essencial e o que a gente daria conta de ler e promover uma discussão. Esse é um texto que está no livro do Antonio Nóvoa, que é um educador português, que foi quem na década de 90, mais ou menos, trouxe a questão do professor reflexivo, o professor que pára e pensa sobre a sua prática, que torna-se expectador da sua docência e a partir do que observou na sua docência, retoma alguns caminhos, ele produz novas práticas, pensa no que interferiu nessa prática, porque ocorreu dessa forma e não de outra. Daniela: Interessante, Maura, só um aparte, essa reflexão incomoda fisicamente. Parece que alguma coisa não está... Maura: Parece uma coisa de corpo inteiro. Daniela: É uma coisa de corpo inteiro mesmo. Fisicamente você fica incomodada. Maura: A gente percebe um movimento. É um movimento que provoca um certo desequilíbrio para que você possa voltar ao equilíbrio. Daniela: E aí desequilibra de novo, como o Lucas falou. Maura: É constantemente, como se fosse um ciclo. E acontece exatamente porque o ser humano é histórico, é cultural, está inserido num contexto que ao mesmo tempo forma, transforma, deforma, se transforma. É uma relação recíproca. (...) André: Eu, como não tive nenhum tipo de formação ligada à pedagogia, nada disso, foi bastante enriquecedor. Eu me vejo hoje muito mais reflexivo sobre as coisas que a gente

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188

conversou. Quando eu preparo uma aula, quando preparei as disciplinas do semestre, quando estou na sala de aula eu me pego “pô, você está... vamos um pouco para outro lado, você está muito no treinamento, na coisa de só passar, só reproduzir”. Eu fiquei muito mais pensando nessas coisas, nos textos que a gente leu. Estou tentando buscar um equilíbrio entre os vários tipos de aula, de disciplina. Tem também muito a ver com a turma, que é uma coisa que a gente até estava conversando antes da reunião, cada turma tem um estilo. Eu faço um paralelo com a minha vida corporativa, empresarial o líder também se adapta aos liderados. A gente aprende isso em liderança. Depende do grupo que você vai liderar, mais maduro, menos maduro, mais flexível, menos flexível. Então, acho que isso tem a ver com o que o Lucas falou, tem a característica do líder, mas tem também que olhar para o grupo, para o contexto. E a gente como professor é o líder. E eu tenho dado mais importância para essa questão do relacionamento com os alunos, que foi uma das coisas que a gente discutiu. A partir da troca entre a gente, a gente tem tido a possibilidade de ser um vetor em outros espaços, com outros professores comentar o que aconteceu nas diferentes turmas, a tem procurado desenvolver, incentivar o que a gente vive aqui em outros lugares. Eu gostaria de assistir um monte de aula de professores. Se eu pudesse sentar lá, disfarçado para não atrapalhar. Eu acho que essas reuniões também me ajudaram na coordenação. Eu comecei com a coordenação no fim do ano passado, na conversa com os professores eu tenho usado essas coisas que a gente abordou aqui, para tentar mostrar algumas mudanças de posturas que eram necessárias, alguns relacionamentos que tinham problema. Mas eu já estava sentindo falta, como a Daniela colocou, de mais combustível. (...) Lucas: É por isso que os momentos na sala dos professores são importantes, esses nossos encontros aqui são importantes porque a gente acaba levando para os outros professores. O que você está sentindo os outros professores também sentem. Então é importante você estar podendo sentir isso. É importante você vir para cá discutir, falar com as pessoas. Maura: O professor, me parece, está aprendendo uma coisa que ainda é difícil, que é compartilhar. (Reunião nº 7)

Conforme o tempo foi passando, os professores foram expressando a

contribuição das reflexões em suas ações, revelando que a ampliação de sentidos e

significados da prática docente se materializa concretamente: ‘Eu me vejo hoje muito

mais reflexivo sobre as coisas que a gente conversou. Quando eu preparo uma aula,

quando preparei as disciplinas do semestre, quando estou na sala de aula eu me

pego ‘pô, você está... vamos um pouco para outro lado, você está muito no

treinamento, na coisa de só passar, só reproduzir’. Eu fiquei muito mais pensando

nessas coisas, nos textos que a gente leu. Estou tentando buscar um equilíbrio entre

os vários tipos de aula, de disciplina’.

Mesmo que o processo de reflexão provoque um incômodo físico, acreditam

que ‘É um movimento que provoca certo desequilíbrio para que você possa voltar ao

equilíbrio’. Vemos aqui um processo de reflexão sobre a ação, que se dá a posteriori

quando o indivíduo analisa as características e processos da sua própria ação após

ter vivenciado uma situação problemática. Utilizam-se dos seus conhecimentos para

descrever, analisar e avaliar os vestígios deixados na memória por intervenções

realizadas anteriormente. Também chamada de “reflexão crítica”, acontece quando o

profissional encontra-se numa posição mais confortável em que, liberto dos

condicionamentos da situação prática, pode, então, utilizar os instrumentos

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189

conceituais e as estratégias de análise de que dispõe para entender melhor sua

prática e poder reconstruí-la.

A partir da possibilidade de reflexão, os professores têm ‘dado mais

importância para essa questão do relacionamento com os alunos, que foi uma das

coisas que a gente discutiu. A partir da troca entre a gente, a gente tem tido a

possibilidade de ser um vetor em outros espaços, com outros professores comentar

o que aconteceu nas diferentes turmas, e tem procurado desenvolver, incentivar o

que a gente vive aqui em outros lugares’. Há um movimento de expansão que

extrapola o grupo e acaba por contagiar outros professores em diferentes espaços.

Interessante notar que esta reflexão acaba também servindo de parâmetro

para encaminhar reuniões pedagógicas, ou seja, há uma multiplicação de espaços

que permitem a outros professores (re)pensarem suas ações: ‘na conversa com os

professores eu tenho usado essas coisas que a gente abordou aqui, para tentar

mostrar algumas mudanças de posturas que eram necessárias, alguns

relacionamentos que tinham problema’.

Isto ‘acontece exatamente porque o ser humano é histórico, é cultural, está

inserido num contexto que ao mesmo tempo forma, transforma, deforma, se

transforma’. É uma relação complexa e recíproca que vai criando uma identidade a

partir de interações entre o universo profissional e demais universos socioculturais.

A ampliação de sentidos e significados da prática docente promovida pelas

interações no grupo faz com que vejamos, mais de perto, como são os outros

professores, quais suas potencialidades, quais suas fragilidades. Vejamos como isso

é demonstrado no próximo episódio.

Lucas: As idéias que a gente compartilha com o grupo. O que eu percebo de novas idéias e novos olhares que acabo tendo a partir dessas novas idéias aqui do grupo. Também muito de ouvir, falar e aprender porque parece que não, mas mudou sim o comportamento na sala de aula, mudou um pouco o olhar com os alunos depois do grupo porque você se imagina como professor, mas não imagina como são os outros professores. Acho que esse é um momento bom para a gente estar discutindo isso. É um grande ganho que eu sinto com o grupo, de trocar idéias, aprender novas idéias. Sentir o que cada um fala e pensa faz a gente olhar mais o grupo na nossa docência. Daniela: Posso pegar o gancho do Lucas? Maura: Pegue. Daniela: Só que é bem amarelinho, que é no sentido de iluminar mesmo o caminho. Acho que o Lucas falou muito bem, que são as nossas trocas que são ótimas, as nossas experiências, as reflexões, as introspecções. Que têm hora que fica lá dentro. Eu me lembro que um dia eu sai daqui doendo, lá dentro, porque é uma introspecção, porque você tem um olhar diferente. E eu me vejo não marcada, ou sou assim, ou sou muito tradicional ou sou muito pós-moderno. A gente caminha por tudo isso. E às vezes, têm momentos, olhares

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diferentes. As teorias são muito importantes. Achei interessante o que o Lucas falou: ouvir, falar e aprender, que tem a ver com tudo isso e ele concluiu muitíssimo bem. Maura: São exercícios que a gente acaba fazendo. Débora: Para mim, as idéias discutidas aqui me mostram novas possibilidades em sala de aula, do ponto de vista profissional, às vezes pessoal. É outro olhar, perceber que, de vez em quando precisa parar... Daniela: E fazer um ajuste. Débora: É, fazer ajustes. Acho que é isso o tempo todo. São possibilidades de repensar, de aprender, de rever, de contribuir, como o Lucas falou, eu entro em sala de aula eu estou diferente, por um monte de coisas, mas por esse grupo também. Eu aproveito textos na sala de aula, algumas coisas que eu escuto aqui e que não são da minha área e que alguém diz e me acrescenta. Acho que é isso: possibilidade de aprender e ensinar, e ensinar de novo e aprender de novo. Essa coisa que vai crescendo. Maura: Vai ampliando. (Reunião nº 9)

Aqui, podemos dizer que o professor pode ser reconhecido como competente

para refletir sobre o seu fazer e modificá-lo. Nessa perspectiva, “o ensino é encarado

como uma forma de investigação e experimentação, adquirindo as teorias práticas

dos professores uma legitimidade que lhes é negada pelo ponto de vista dominante

da ciência aplicada” (ZEICHNER, 1992, p. 126). Há, no grupo, uma cumplicidade

que interfere nas novas ações docentes: ‘é um grande ganho que eu sinto com o

grupo, de trocar idéias, aprender novas idéias. Sentir o que cada um fala e pensa faz

a gente olhar mais o grupo na nossa docência’. A construção da docência passa

também por esse saber da experiência constituído e validado pelo grupo. É um

saber que não está nos livros, mas na tessitura com outros dá nova dimensão à

prática docente: ‘as idéias discutidas aqui, me mostram novas possibilidades em

sala de aula, do ponto de vista profissional, às vezes pessoal’.

O grupo ampliou a consciência da nossa inconclusão porque apresenta

‘possibilidade de aprender e ensinar, e ensinar de novo e aprender de novo’,

confirmando a afirmação de Freire:

A condição humana fundante da educação é precisamente a inconclusão de nosso ser histórico de que nos tornamos conscientes. Nada que diga respeito ao ser humano, à possibilidade de seu aperfeiçoamento físico e moral, de sua inteligência sendo produzida e desafiada, os obstáculos a seu crescimento, o que possa fazer em favor da boniteza do mundo como de seu enfeamento, a dominação a que esteja sujeito, a liberdade por que deve lutar. (...) O nosso é um trabalho realizado com gente (...) em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir (2000, p. 162).

É essa condição humana, a convivência com o que é humano que nos

humaniza. E este grupo possibilitou que nos percebêssemos, os professores e eu,

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191

mais humanos, em intenso processo de constituição compartilhada e responsável.

Sentimo-nos desafiados a repensar nossas ações, nossos conhecimentos, medos,

inseguranças, dúvidas, certezas, conceitos. E foi este desafio que nos mobilizou a

continuar no grupo e expandir as aprendizagens e a quebrar paradigmas, como

vemos no próximo episódio.

Priscila: Eu fiz aqui um desenho mais geométrico, porém não tão certinho. Mas a idéia é essa mesmo, de que as idéias são novamente rearranjadas. Então, essa idéia de que vem um movimento do vento forte e que, passado o vento, a gente assenta de novo e consegue pensar de novo e solidificar algumas coisas. A gente tem muito a idéia de que as coisas estão prontas. A gente sai de uma formação bastante abstrata achando tudo. Já sei tudo. Eu saí da primeira graduação, achando que sabia tudo. Nossa, que maravilha! Maura: Você pensou “estou prontinha”. Priscila: É isso, eu pensei que estava pronta. E não tinha era nada, principalmente do ponto de vista do raciocínio, do que era ensinar. Que era uma coisa que a gente tinha bastante preconceito na graduação. Às vezes eu sinto isso aqui nos meus alunos, mas menos. Na Unicamp isso era muito acentuado. O preconceito era muito forte contra a pedagogia, as licenciaturas, contra toda a formação didático-pedagógica. Apesar de eu ter feito mestrado lá, eu sinto isso em mim. Maura: Uma coisa muito mais para o acadêmico... Priscila: Do que para o prático. É isso, exatamente. E também, acho que teorizar sobre educação é uma coisa muito complicada, limitada. Eu acho que este grupo permite isso. A gente não fala sobre uma coisa abstrata e teórica absolutamente. Troca também informações das vivências práticas. (...) Lucas: Não tem problema, eu também não colei. O que eu sinto desse caminhar; ver expectativas, um futuro melhor, começando aqui com passos firmes. Eu acho que esse novo horizonte, eu já era feliz, eu sou feliz com a docência, com o dar aula e não me vejo não dando aula. Com o grupo aqui, eu sinto o que eu já sentia de positivo dando aula, podendo passar algumas coisas, ajudando os alunos a encontrarem um caminho, eu sinto com os colegas, com os amigos aqui, que eu estou no caminho certo. Então, eu sinto que trabalhar, participar e trocar idéias faz com que a gente tenha passos firmes para chegar neste horizonte que eu já visualizava, mas eu consigo perceber que os passos são dados cada vez mais firmes. Débora: Bom, pra mim, quando você falou de caminhar aqui no grupo, para mim é caminhar sempre para frente e com essa coisa da disponibilidade. Eu estava lendo um texto do Paulo Freire e ele usou uma palavra que eu adorei e que está numa frase que é assim “nós temos que ter consciência de que nós somos inconclusos”. Eu não sei se eu tinha esquecido esse texto, ou nunca tinha lido, eu não sei bem, mas a palavra ‘inconcluso’ eu achei bonita. E acho que é esse o sentido da caminhada, é você entender que vai caminhar até não cansar nunca porque a gente é inconcluso mesmo e, cada encontro, cada conversa, cada discussão, cada leitura, vai te acrescendo e te dando mais consciência da minha inconclusão. Então, acho que foi essa a minha caminhada, que é uma percepção muito forte. Às vezes a gente fala ‘eu sei que não sei tudo’ e frases do tipo, mas quando eu li isso parece que fez um ‘tchum’ e me botou no chão, me fazendo prestar atenção nisso. Têm umas palavras que eu acho bonitas, significativas, e inconcluso foi uma dessas muito fortes. Maura: O Paulo Freire, neste mesmo livro, ele fala que quando você tem consciência da sua inconclusão você é um ser carregado de humildade. E é uma das características que tem que ter o professor, humildade para reconhecer os seus limites, se colocar no lugar do outro, baixar a bola para a prepotência. (Reunião nº 9)

A formação continuada no grupo se mostrou como um desafio, um

investimento no processo de formação que estimula a postura crítico-reflexiva e

considera os saberes da experiência na possibilidade de re(construção) da

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identidade profissional. É um processo de construção interativo e dinâmico expresso

no diálogo entre professores que relataram experiências e compartilharam saberes,

revelando que a prática profissional pressupõe a articulação de vários tipos de

conhecimentos.

Essa (re)construção da identidade profissional, via (re)construção de

conhecimentos é “um exercício intelectual complexo a exigir níveis avançados de

reflexividade como mediação de desempenhos pessoal e socialmente

conseqüentes” (SÁ-CHAVES, 2002, p. 23). Isso possibilita a regulação da própria

intervenção na ação docente, pressupondo um autocontrole relacionado “à

capacidade metacognitiva de conhecer, de conhecer-se e de tomar decisões” (SÁ-

CHAVES, 2002, p. 24), quando enfrenta as situações no cotidiano escolar.

Sentimos que esse grupo de professores se interroga sobre os sentidos e

significados de seus conhecimentos e de suas práticas, assim como sobre a

importância de suas decisões, conseguindo vislumbrar os pontos em que sente suas

fragilidades e suas potencialidades, buscando um grau de autonomia que lhe

permite intervenções mais adequadas, afinal, ‘teorizar sobre educação é uma coisa

muito complicada, limitada. Eu acho que este grupo permite isso. A gente não fala

sobre uma coisa abstrata e teórica absolutamente. Troca também informações das

vivências práticas’.

O grupo permitiu vermos e aceitarmos aspectos que estão fragilizados em

nós ao mesmo tempo em que nos encorajou a mudarmos de atitude. É esse aspecto

que encontramos no próximo episódio, retirado de uma reunião que tinha o propósito

de fazer um “balanço” da nossa caminhada, na verdade era um período de tensão

que eu, enquanto coordenadora, enfrentava e do desejo de ouvir dos professores o

que estavam pensando sobre o grupo e a importância dele em suas reflexões.

Débora: Acho que tem essa coisa da disponibilidade. A gente precisa ficar meio que disponível, até para perceber um pouco essas coisas, esse movimento. Daniela: São pequenos saberes... Débora: A gente tem que andar muito... Priscila: O meu vai mais naquilo que eu já estava falando. Para eu aceitar a pedagogia foi algo difícil, longo, demorado. Logicamente tem a ver com a coisa da sala de aula. Eu tive um início de profissão muito complicado, até por conta dessa formação bastante abstrata que a gente teve, muito acadêmica. Estou dizendo isso e me lembrando com a orientação de TCC, que eu comecei este ano. Eu olho e percebo o quanto eu ainda sou acadêmica. Então parece que é um prato cheio para eu fazer de novo o banquete: procurar tudo o que é bibliografia, ir para a biblioteca. Aí, eu fico pensando nesse outro lado que eu fui descobrindo porque eu me obriguei a sair da universidade, eu me obriguei, até o semestre passado eu fazia disciplina lá. Mas chegou um momento que eu falei ‘eu preciso dar um retorno para a sociedade, não é possível que eu vá ficar pensando no pós-doutorado. Quer dizer, é muito fácil você ficar com

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os livros e quando você vai dar aula, que é a pedagogia, a situação de ensinar mesmo, aí é o começar do zero porque a gente não sabe mesmo. Aí o meu processo aqui dentro foi discutir isso, como é que eu faço para aceitar aquilo que eu sempre recusei porque eu achava dispensável. Que eu achava que ensinar era ensinar e como eu sabia o conteúdo era lógico que eu soubesse ensinar. E isso não é verdade. Isso para mim foi a coisa mais importante: discutir e descobrir que têm coisas para serem aprendidas mesmo. E bastante árdua porque não tem receita, não tem como dar pronto, a situação é única, às vezes uma expressão facial que muda, muda a receptividade ou não do grupo. A gente vê isso toda vez que entra num grupo novo. O grupo já trabalhado é mais fácil, agora grupo novo é que você põe à prova. Se você tem uma cara de poucos amigos ou de receptiva, tem a ver com a postura mesmo. Isso é o que eu acho mais difícil. Daniela: Vendo aquele caminho, lá do Lucas e esse caminho que eu fiz, me faz pensar que deveria ser linear, mas não é. Com todas as diversidades que a gente tem, às vezes vai, vai e cai fora do caminho quando faz suas reflexões e volta, aí fica mais caído. Mas a tendência é continuar, indo nesse caminho porque lá na frente tem uma luzinha ou uma luzona. E a contribuição de cada um é super importante, é fundamental, contribuições de idéias, de olhares, de trocas. E também cada um está no seu patamar, mas não em termos de ser maior ou menor, e o seu caminho. Às vezes as reflexões ficam até incômodas, mas... E isso que a Débora falou eu achei muito interessante: a coisa da inconclusão. Acho que aquela do ‘só sei que nada sei’ é um pouco disso. Então é isso. Maura: Lucas, já que você foi o escolhido hoje. Lucas: Eu vou deixar a emoção para o final. Pensando no que eu tenho para oferecer para o grupo, eu acho que o que eu mais gosto é de ouvir as experiências das pessoas, as experiências acadêmicas e as experiências fora da docência. E também poder compartilhar e discutir. Eu acho que meu oferecimento para o grupo é isso tudo, as experiências são muito fortes para mim. Eu aprendo muito. Débora: Essa coisa da experiência... Ontem estava lendo um texto que estava discutindo a experiência e ele dizia que a experiência é o que se é, está impregnado em você, não é uma coisa que passa. Priscila: São as coisas que ficam. Débora: Acho que é isso. Ofereço para o grupo as coisas que conto: o que acontece na sala de aula e ofereço as minhas dúvidas, aquilo que eu ainda não sei, que ainda não é experiência em mim. E não tenho o menor pudor em contar só o que é correto, não tem esse critério. É só mesmo para oferecer, vejam o que podem fazer com essa minha experiência, como é que podem me devolver isso ampliado, aprimorado, melhor pintado, mais colorido. Acho que é essa a idéia. Daniela: O meu é a mãozinha e tem várias coisas coloridas e não coloridas. São coisas que deram certo e coisas que não deram certo e você faz a reflexão em cima. Acho que é um pouco desse desnudar, representado nessa mão sem preenchimento, sem vergonha de errar. Isso é uma coisa legal e, que não é nem de errar, é de se expor, de expor o bom e o que não é tão bom. E a reflexão da gente, comigo mesmo, oferecer as mazelas e as não mazelas. (...) Priscila: Exatamente, dar espaço. Acho que esse é o oferecimento nosso e deles, o tempo todo. (...) Daniela: É, eu fiz vários eus, que ora está feliz, ora está triste, ora está pensante... vários eus. E cada hora está numa base. Pode ser mais forte, mais frágil, mais segura, insegura... E isso tudo junto somos nós todos. Eu não estou sozinha, não me sinto sozinha nessa troca. Essa troca vai dar um caminhar individual meu, mas acompanhado dos outros. Maura: O Bakhtin é quem fala, mais ou menos assim, que “eu sou eu, mais todas as outras vozes que em acompanham”. (...) Daniela: Uma outra coisa, também, é que dá uma leveza fazer esta reflexão, fica mais leve, não fica muito tenso. Quando a gente se vê nas reflexões... fica mais leve. (Reunião nº 10)

Observamos que a docência é, o tempo todo, uma ruptura paradigmática e,

como diz Sá-Chaves (2002), é estar aberto para a emergência de uma nova

racionalidade epistemológica advinda de nossa flexibilidade cognitiva e de ação, de

nossa abertura ao novo e à crença na capacidade de mudar. Por isso é que este

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grupo investiu e acreditou no desenvolvimento da capacidade reflexiva e

argumentativa na (re)construção de conhecimentos e da docência.

O grupo, de certo modo, promove a distinção e, ao mesmo tempo, a

integração entre conhecimento teórico e conhecimento prático que constituem a

identidade docente, que é construída a partir das condições históricas e sociais dos

sujeitos.

A interação permite ao professor dizer que seu ‘processo aqui dentro foi

discutir isso, como é que eu faço para aceitar aquilo que eu sempre recusei porque

eu achava dispensável. Que eu achava que ensinar era ensinar e como eu sabia o

conteúdo era lógico que eu soubesse ensinar. E isso não é verdade. Isso para mim

foi a coisa mais importante: discutir e descobrir que têm coisas para serem

aprendidas mesmo’. Essa expressão, compartilhada no grupo, revela que o

processo histórico se constitui “como um complexo fazer e desfazer de teorias que

tornam controverso aquilo que antes fora considerado absolutamente incontroverso”

(SÁ-CHAVES, 2002: 64). Aqui se revela também a forma colaborativa do partilhar e

a confiança no grupo que promove a conscientização de nossa incompletude:

‘Ofereço para o grupo as coisas que conto: o que acontece na sala de aula e ofereço

as minhas dúvidas, aquilo que eu ainda não sei, que ainda não é experiência em

mim. E não tenho o menor pudor em contar só o que é correto, não tem esse critério.

É só mesmo para oferecer, vejam o que podem fazer com essa minha experiência,

como é que podem me devolver isso ampliado, aprimorado, melhor pintado, mais

colorido. Acho que é essa a idéia’.

Neste episódio fica muito evidente o papel do grupo na constituição dos

processos reflexivos dos professores, que se abrem e encontram caminhos

possíveis de serem percorridos com o apoio o grupo: ‘Para eu aceitar a pedagogia

foi algo difícil, longo, demorado. Logicamente tem a ver com a coisa da sala de aula.

Eu tive um início de profissão muito complicado, até por conta dessa formação

bastante abstrata que a gente teve, muito acadêmica. (...) Quer dizer, é muito fácil

você ficar com os livros e quando você vai dar aula, que é a pedagogia, a situação

de ensinar mesmo, aí é o começar do zero porque a gente não sabe mesmo’. Aqui

se revela uma desarticulação da teoria com a prática, uma relação que parte do

pressuposto de que o domínio do conteúdo é suficiente para um ensino que vise

promover a aprendizagem. A experiência prática associada à participação em um

grupo, como este, pode revelar novas possibilidades de ser professor, pode nos

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conscientizar que, na sala de aula, lidamos com o inesperado e com situações de

conflitos que não estão transcritas nos livros, mas podem estar na interação dos

professores no grupo, nos processos coletivos e compartilhados de reflexão sobre a

prática docente.

O próximo episódio também marca, positivamente, a importância do grupo

para que possamos ampliar os sentidos e significados de nossa prática docente e

pensar em novas possibilidades para a sala de aula.

Débora: Para mim, as idéias discutidas aqui, me mostram novas possibilidades em sala de aula, do ponto de vista profissional, às vezes pessoal. É outro olhar, perceber que, de vez em quando precisa parar... Daniela: E fazer um ajuste. Débora: É, fazer ajustes. Acho que é isso o tempo todo. São possibilidades de repensar, de aprender, de rever, de contribuir, como o Lucas falou, eu entro em sala de aula eu estou diferente, por um monte de coisas, mas por esse grupo também. Eu aproveito textos na sala de aula, algumas coisas que eu escuto aqui e que não são da minha área e que alguém diz e me acrescenta. Acho que é isso: possibilidade de aprender e ensinar, e ensinar de novo e aprender de novo. Essa coisa que vai crescendo. Maura: Vai ampliando. (Reunião nº 10)

Percebemos fortemente nestes dois episódios a reflexão enquanto um

processo deliberativo e intencional que promove o autodesenvolvimento. Sá-Chaves

(2002) afirma que quando o professor reflete criticamente sobre sua prática assume

postura de “profissionalidade intelectiva” (p. 91). Essa compreensão da prática

docente pressupõe uma lógica que vai além da racionalidade técnica, possibilitando

sentidos a partir de enunciação verbal e não verbal que integram a situação, que faz

parte de um contexto histórico maior, composto por múltiplas vozes marcadas pelas

peculiaridades do universo, conforme descreve Bakhtin (2002). Essa reflexão

sistemática, que ocorre no grupo, traz em si conhecimentos construídos num

processo de participação ativa, que permitem aos professores formularem hipóteses

para implementar novas ações docentes e perceberem que precisam estar inseridos

no paradigma da indagação. Ou seja, precisam, ao longo de seu exercício e

formação docente, questionar-se sobre o que ensinam, como ensinam e por que

ensinam. Porém, para este questionar-se estar em ação é preciso manter um grupo,

um espaço para que essas indagações possam ser compartilhadas, refletidas e

articuladas a conhecimentos que a expliquem, justifiquem.

Daniela: Acho que é mais naturalmente. Sinto essa falta de estar trocando sempre. Parece que quando a gente demora para se reunir parece que você está sozinho, até pelas próprias diferenças que a gente fala o tempo todo.

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Lucas: Um dia desses uma professora me perguntou sobre essas reuniões, se elas estavam sendo válidas, se a gente aprendia alguma coisa, se estava ganhando alguma coisa. Eu falei para ela que pra mim está, eu estou gostando, que eu estou ganhando, está valendo a pena. Quase que dizendo pra ela, venha também para você ver que é bom. Eu acredito sim, e até falei pra ela que é muito bom porque você começa conversar com as outras pessoas, começa a explanar um pouco das suas dúvidas, das suas angústias e compartilhar das suas alegrias, e começa a ver que seus colegas, que são de outros cursos, em outro modelo, como os cursos tecnológicos, e acaba tendo outra visão. E ela me disse, mas tem gente do tecnológico também? Eu disse que tinha e que era muito bom. Então, ela concordou, achando legal a possibilidade. (...) André: Eu vou fazer um contraponto aqui. Eu acho que comecei o semestre sendo um professor pior. (risos) Porque assim, faz um tempo que a gente não conversa, eu estou um pouco frustrado no sentido de estar ainda apegado, em algumas disciplinas, à aula expositiva, muito apegado e não estar conseguindo abstrair, sair desse modelo. Estou um pouco frustrado, mais por isso, porque eu achava que neste semestre eu poderia estar, conhecendo mais a turma, mais animado, conhecendo mais os alunos, estou só com 3º e 4º semestres de Marketing, a turma do Castelan eu já dei aula no semestre passado. No entanto, eu estou mais amarrado do que eu gostaria de estar. Eu falei, bom quem sabe recomeçando nossas reuniões, os conceitos ficam mais na minha cabeça, conversando um pouco mais com as pessoas, eu consigo ou acalmar a frustração ou realmente mudar um pouco. Maura: E parece que foi combinado, mas para começar nossa conversa, hoje, eu trouxe um texto sobre a interação na escola, na sala de aula. Essa interação, passa pelo uso das linguagens: da linguagem verbal, da linguagem escrita, da linguagem corporal, da linguagem de expressão. A finalidade é percebermos como é que isso vai acontecendo e como é que pela linguagem a gente pode estabelecer as relações com nossos alunos, o quanto, às vezes, essa linguagem inibe pela exaustão da nossa exposição e, o quanto essa linguagem pode ser conciliadora, tornar-se mais parceira. Esse é um texto que a Profa. Regina trouxe pra mim de um curso que ela está fazendo sobre Docência no Ensino Superior, na FGV. Um dos assuntos é a interação na escola. Eu não sei, mas acho que antes da gente ler, alguém poderia estar falando, pensando que conceito que tem de linguagem, de interação, que vivências que tem com linguagem, com interação. (...) Daniela: Eu penso que o ideal a gente não consegue nunca. Quando a gente chega em determinado ponto, já almeja outro. Essa busca, essas nossas reuniões trazem muito isso. Essa consciência de que é uma busca incessante. Maura: E tem aqui, no final do texto: “Para essa situação não existem receitas. Existe bom senso, de modo que não façamos da sala de aula nosso púlpito e dos alunos nossos telespectadores.” (Reunião nº 11)

Como podemos observar nas interações verbais apresentadas nos episódios,

o encontro com o grupo possibilitou a reflexão sobre a ação compartilhada, supondo

um distanciamento da ação para que ela pudesse ser reconstruída mentalmente e

analisada pelos pares. No grupo pudemos exercitar nossa curiosidade, nosso saber

ouvir, falar e argumentar para que pudéssemos olhar a singularidade de cada ação,

de cada reflexão. Isso foi possível, neste grupo, porque o vínculo estabelecido

propiciou abertura da mente, responsabilidade e percepção de que somos

inconclusos e que, pela ampliação de sentidos e significados de nossa prática

docente, poderíamos aperfeiçoar a base epistemológica que dá suporte à nossa

ação.

Há também, no episódio, marcas de que as transformações efetivas na

prática docente não se dão num ‘passe de mágica’. Precisam ser muito elaboradas e

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encontrar contexto favorável a isso. Quando os professores percebem que, mesmo

participando de um grupo como este ou de uma formação acadêmica mais

específica, às vezes se acham piores. Notamos a expressão de frustração do

professor: ‘comecei o semestre sendo um professor pior. (...) Faz um tempo que a

gente não conversa (...) estou mais apegado às aulas expositivas (...) estou mais

amarrado’. Isso revela que há um conflito entre o que pensamos e o que fazemos.

Nesses momentos o grupo pode funcionar como suporte à implantação de novas

possibilidades de ser docente e de reflexões que viabilizem a conscientização, a

curiosidade e o desejo de fazer com que nossos alunos sejam sujeitos da

aprendizagem.

Há uma dinâmica estabelecida em que os pares se apóiam para

transformarem sua curiosidade em curiosidade epistemológica. Essa curiosidade

epistemológica não é uma simples curiosidade como podemos concluir a partir do

pensamento de Freire:

curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (2000, p. 35).

É por isso que Freire (2000) afirma que ensinar exige criticidade. E o grupo

possibilitou o exercício desta criticidade. Os professores consideraram o grupo

positivo porque ‘você começa a conversar com as outras pessoas, começa a

explanar um pouco das suas dúvidas, das suas angústias e compartilhar das suas

alegrias, e começa a ver que seus colegas, que são de outros cursos, em outro

modelo, como os cursos tecnológicos, e acaba tendo outra visão’. É o despertar para

um conhecimento que está tacitamente na ação e, esse pensar sobre a ação, sobre

os questionamentos advindos dessa ação se torna elemento essencial na

construção do conhecimento docente.

Essa construção do conhecimento docente é mediada pela intervenção de

outras pessoas e comporta processos de internalização. É a possibilidade de

alcançar um grau de consciência da própria atividade e dos conhecimentos que

possuem e que, isoladamente, não alcançaria a mesma dimensão. É uma inserção

num permanente movimento de busca que nos leva a querermos ser melhores, a

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fazermos a diferença para nossos pares, para nossos alunos, para a sociedade e

para nós mesmos.

Notamos aqui, nos processos de reflexão, na partilha de conhecimentos entre

pares, a possibilidade de formação compartilhada e construção de conhecimento na

e sobre a formação docente em uma instituição de educação superior.

No episódio a seguir, aparecem aspectos essenciais a serem considerados

na prática docente e que foram surgindo pela possibilidade de interação no grupo,

mediada pela coordenadora pedagógica numa tentativa de aproveitar o

conhecimento prático, trazido pelos professores, para serem refletidos a partir de

seus próprios conhecimentos e de conceitos teóricos estudados em conjunto.

Maura: Vamos pensar um pouco nessas coisas que você falaram. O será que está por trás disso? Quando eu digo o que está por trás é um pouco daquilo que a Débora até já colocou que é a questão da fundamentação teórica. O que é que me leva a pensar que, agindo dessa forma, eu favoreço a aprendizagem, eu favoreço o convívio. A Débora falou da questão do bom humor, que estabelece um vínculo; a questão do pacto que a gente chama de contrato didático, ou combinados; essa crença na possibilidade de aprendizagem, essa coisa de que os sujeitos estão expostos a situações e situações que intencionalmente devem levar à aprendizagem; a questão que Daniela colocou que é da flexibilidade nos limites, como é que a gente olha para isso; esse estar junto que eu coloco muito próximo do bom humor e do pacto que a Débora falou; a questão da informalidade, trazida pelo André; e o que o Lucas falou de não expor o aluno e olhar nos olhos do aluno. O que é que será que está por trás disso? O que é que leva vocês a pensarem que devem ter ou manter esse comportamento. O Lucas disse que não faz isso porque foi exposto a uma situação dessa. Será que é só isso, ou tem algumas outras coisas que estão por trás? Será que foi só a questão da diretora, ou outras coisas vieram agregar? Lucas: O que levou a pensar nisso também foi a vivência prática. Os poucos anos de licenciatura me fizeram observar as situações. Quando você fala em expor o aluno é porque vivenciei a situação, porque observava mais isso, porque observo as reações vividas pelos alunos no cotidiano escolar, isso faz prestar atenção. Além disso, olhar nos olhos, para mim, é dar atenção ao aluno. Ele se sente com atenção. Quando você chama para conversar com ele, ele percebe que o professor estava atento. A atenção também é demonstrada quando você percebe a falta do aluno na sua aula e quando encontra com ele pergunta por que faltou. (Reunião nº 13)

No plano das interações, desenvolve-se a formação continuada dos

professores. As ações docentes descritas e os conhecimentos enunciados trazem

significados e sentidos que são partilhados, apropriados e transformados em bases

epistemológicas para futuras ações. Nesse processo, as experiências que

promovem aprendizagens vão criando e possibilitando ações que viabilizam a

manifestação das zonas de desenvolvimento proximal. Por isso, analisar os

episódios possibilitou estudar o pensamento dos professores em movimento e as

condições sociais que propiciam esse movimento. Nesse movimento interativo,

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estratégias de incorporação, apropriação e objetivação da palavra – emprestada

do(s) outro(s) – vão dando sentido e constituindo a identidade docente.

Como ressalta Smolka:

Neste sentido, o espaço de elaboração do conhecimento amplia-se: convocados, explicitamente à participação, à interlocução, à dialogia, a atividade mental (inter)intradiscursiva objetiva-se, ganha forma e expressão. Isso, por sua vez, indica, ao mesmo tempo em que constitui, a “formação discursiva/ideológica” na qual se insere a prática da professora [docente] (1991, p. 64).

Nessas reuniões, nas quais os professores se encontraram e se

manifestaram pela mediação do outro (pedagógica) e pela mediação da palavra

(discursiva), podemos perceber a ampliação de sentidos e significados da prática

docente e sua relação com o ato de ensinar, com os vínculos e combinados

estabelecidos com os alunos, com a flexibilidade e intencionalidade da ação

pedagógica, enfim, com o jeito de ser professor de cada um.

O último episódio, recortado de nossa 13ª Reunião, revela que os professores

estão atentos às teorias que dão sustentação à prática docente, estão atentos aos

desafios que precisam enfrentar no âmbito da formação profissional, da atuação

profissional e da imagem social.

Maura: Para finalizarmos, a Daniela começou falando do Nóvoa e ele coloca três desafios para o professor hoje. Eu penso que são desafios para nós, que somos professores. Um deles é o desafio de organizar melhor a profissão na escola, freqüentemente, aos jovens professores são atribuídas as turmas mais difíceis, eles são expostos a situações que são complicadas até para os professores mais experientes, é preciso que alguém cuide, apóie esses professores. O segundo desafio, é a questão da formação centrada na análise da prática docente porque tem um conhecimento que não está em livro nenhum, está na prática, na experiência vivida e por mais que eu diga ao outro todos os detalhes da situação, a hora que você passa pela situação é diferente; pensar sobre isso, fazer essa análise. O terceiro desafio ele coloca a questão da credibilidade na profissão, a credibilidade no professor. Como é que a gente avalia os professores, muitas vezes mais pela acusação do que pelos pontos positivos que acabam tendo, a questão da liderança profissional e a questão da intervenção pública. Nós, enquanto população, acabamos perdendo a possibilidade de intervir em determinadas situações. Daniela: Especialmente os professores. Maura: Isso, possivelmente, está ligado às questões da formação. Um exemplo disso é quando saiu a obrigatoriedade do professor de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental ter curso superior. Muitas professoras que tinham só o magistério acharam isso um verdadeiro absurdo porque a formação delas já era suficiente. Tem muito professor que acha que não precisa continuar aprendendo, que não tem mais nada para ele aprender, que ele já está pronto e acabado. André: É deitar e enterrar. Débora: Aí não vai sobrar nada. (Reunião nº 13)

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Foi uma interessante oportunidade a criação de um espaço para formação

continuada conseguido na instituição e a volta de quase todos os participantes do

grupo, que ainda não tinham mestrado, para a vida acadêmica. Percebemos que a

formação continuada no espaço institucional, sozinha, não dá conta da constituição

profissional dos professores, é preciso articulá-la a uma formação mais

sistematizada, que envolva um estudo mais orientado à resolução de uma questão

que busca resposta de ordem mais científica. Dos onze participantes, os seis que

eram especialistas acabaram entrando em algum programa de mestrado e já estão

escrevendo suas dissertações. Três deles têm como temática de estudo a docência.

Percebemos, neste grupo, um compromisso de natureza intrapessoal e

interpessoal, com implicações em sua própria formação e atuação, bem como na

formação de seus pares, pelos processos de ampliação de sentidos e significados

da prática docente. Essa ampliação se apresentou pela evolução da competência

reflexiva dos participantes no âmbito institucional.

Ao nos tornarmos mais reflexivos, mais familiares uns com os outros e mais conscientes de nossos processos de ensino e de pesquisa [sobre nossa prática docente e nossas concepções], no entanto, começamos a olhar mais criticamente, considerando como outros têm definido e construído nossas visões do que poderia ser colaborativo (CLARK et al (1996), apud MIZUKAMI, 2003, p. 127)

Essa possibilidade de reflexão compartilhada nos tornou co-aprendizes pelo

desejo de aprender sobre a prática docente e transformá-la, aperfeiçoá-la.

Aprendemos a falar em grupo, a analisar e considerar as práticas e idéias dos outros

professores, a perceber o conhecimento expresso no discurso dos professores

quando falam de suas experiências docentes. Importante destacar que essa

aprendizagem não foi linear, uniforme e previsível, mas foi marcada por avanços e

retrocessos. Contudo tornou-se “ferramenta de aprendizagem e de desenvolvimento

profissional da [nossa] docência” (MIZUKAMI, 2003, p. 187).

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6.2. O grupo: novos horizontes para a docência e pa ra a coordenação

pedagógica

Compartilhando com os professores, o Prof. Lucas revelou que o grupo

representou ‘um novo horizonte, possibilitando um caminhar que começa com

passos firmes’. Eu, enquanto coordenadora do grupo, tomo emprestado o desenho e

as palavras dele para representar a minha caminhada no grupo.

Inicio a trajetória no grupo vivendo uma mistura de ansiedade e desejo de que

se materializasse a possibilidade de ampliação de sentidos e significados da prática

docente. Ansiedade e desejo que me levaram a buscar minhas primeiras

experiências como professora universitária e como coordenadora pedagógica, em

2001, momento em que encontrei nas palavras de Cortella (2000) a certeza de que a

formação continuada precisa ser uma realidade na vida do docente:

Gostar é um passo imprescindível para o desempenho da tarefa pedagógica, mas não se esgota nisso; para além do gosto, há necessidade de, também, qualificar-se para um exercício socialmente competente da profissão docente (p. 137).

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Qualificar-me para a docência e, conseqüentemente para a coordenação

pedagógica, implicava e implica, ainda, períodos de dedicação e estudo, períodos de

angústia e de realização pessoal e profissional.

Ao me deparar com o texto de Nascimento (2003) e refletir sobre o que já

realizei tomo consciência de que “a escola é o espaço privilegiado de formação de

professores” (p. 82). Nesse sentido só posso concordar, por ter vivenciado, que

A formação de professores deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas e, a partir dessa concepção, Nóvoa (1991) defende um investimento educativo nos projetos escolares e uma prática de formação continuada centrada nas escolas (NASCIMENTO, 2003, p. 83).

Sabia que nossas reuniões eram pequenas possibilidades para melhorar

qualitativamente nossas atividades na instituição. Sabia que não eram “pacotes

encomendados”, mas partiam das nossas necessidades, das necessidades

apontadas por nossos alunos e por nosso contexto institucional. Nessas reuniões

concretizou-se o ditado chinês apontado por Cortella:

Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão, e, ao se encontrarem, eles trocam os pães, cada homem vai embora com um; porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma idéia, e, ao se encontrarem, eles trocam as idéias, cada homem vai embora com duas. Quem sabe é esse mesmo o sentido do nosso fazer: repartir idéias, para todos terem pão (2000, p. 159).

E concretizou-se porque, com certeza, saímos melhores do havíamos

iniciado, porque as ações se deram coletivamente, na partilha com os pares. Foi na

partilha que pudemos expressar e revelar nossas fragilidades e nossas

potencialidades, nosso jeito de ser docente e nossas intenções e desejos de sermos

melhores, pois nos sentimos comprometidos com o ato de ensinar e nos colocamos

também como aprendizes.

Para dar conta das demandas das reuniões foi necessário sistematizar meus

conhecimentos. Foi necessário voltar a estudar, como afirmou Freire (1998, p. 41):

Estudar é um que-fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de dor, de prazer, de sensação de vitórias, de derrotas, de dúvidas e de alegria. Mas estudar, por isso mesmo, implica a formação de uma disciplina rigorosa que forjamos em nós mesmos, em nosso corpo consciente (1998, p. 41).

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Esse estudo incluiu a leitura mais aprofundada de diversos textos, a procura

de cenas de filmes que pudessem estimular os professores a falarem sobre suas

práticas, a produção de sínteses de textos que possibilitassem o contato dos

professores com os conhecimentos científicos que fundamentam a racionalidade

técnica e a racionalidade prática e a escuta das reuniões gravadas em áudio. Incluiu

também a reflexão sobre a minha prática docente e a minha prática na coordenação

pedagógica desses professores que agora estavam mais próximos e dos outros que

eu acompanhava no âmbito institucional.

Foi uma oportunidade para que eu pudesse repensar sobre minha prática

docente, revendo e ampliando minhas concepções de conhecimento, ensino,

aprendizagem, metodologia de ensino-aprendizagem e avaliação. Oportunidade

para rever momentos em que me encontro utilizando “solução instrumental de

problemas mediante aplicação de conhecimento teórico e técnico” (CONTRERAS,

2002, p. 90) e momentos em que tento resgatar “a base reflexiva da atuação

profissional, com o objetivo de entender a forma em que realmente se abordam as

situações problemáticas da prática” (CONTRERAS, 2000, p. 105) e que provocou

em mim uma inquietação e, ao mesmo tempo, uma tranqüilidade por estar inserida

nesse processo de formação continuada.

O sentimento que me acompanhou, neste tempo em que o grupo se reuniu,

foi de pertencimento ao grupo. Eu acredito que foi pelo estabelecimento de vínculo e

pela possibilidade de diálogo que promoveu reflexão crítica, que é fruto de ato

intencional e deliberado do grupo.

Ser, ao mesmo tempo, coordenadora pedagógica na instituição, na qual

trabalham esses professores e mediadora do grupo, que se propôs a refletir sobre a

prática docente, significou acolher e contribuir na formação deles e na minha

também, pois meu papel acabou permitindo, em menor ou maior escala, momentos

em que pude ser “questionador[a], desequilibrador[a], provocador[a], animando e

disponibilizando subsídios que permitam [permitiram] o crescimento do grupo”

(VASCONCELLOS, 2006, p. 89) e que permitiram a construção de conhecimentos

científicos a partir dos conhecimentos presentes no cotidiano da sala de aula. Foi um

movimento que revelou a complexidade envolvida no ato de refletir, ensinar e

aprender.

Sendo também professora, senti que os professores me viam como alguém

que vivia as mesmas certezas e incertezas da sala de aula, por isso o clima que

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prevaleceu em nossas reuniões foi de abertura e os professores puderam se colocar

e, estabelecido o diálogo, ampliaram os sentidos e significados da prática docente.

A prática docente, como referência primeira de nossas reuniões, permitiu a

construção e busca de uma práxis, estabelecida pelo processo de ação-reflexão,

que nos encaminhou para processos de reflexão sobre a ação e de ação-reflexão-

ação.

Sendo duplamente coordenadora desse grupo, senti que minha

responsabilidade foi ganhando cada vez mais densidade, pois me via o tempo todo

responsável pelo estabelecimento de relações e inter-relações que poderiam

promover a ampliação de sentidos e significados da prática docente dos professores,

situando-os como protagonistas de seu trabalho, num espaço de reciprocidade, de

contribuição e superação compartilhada.

Nesse percurso, foi ganhando cada vez mais sentido a consciência da

natureza individual e coletiva da aprendizagem profissional da docência, pois em

diversos momentos os professores relatavam as reflexões que realizavam quando

estavam sozinhos, mas que tinham raízes nas reflexões coletivas compartilhadas no

grupo.

Como coordenadora pedagógica, pude me aproximar mais da realidade vivida

pelos professores, cada qual em sua(s) turma(s), com as especificidades de seu

curso e colocar-me, diversas vezes, em seu lugar, reforçando meu desejo de

permanecer em sala de aula enquanto docente. A minha permanência em sala de

aula me faz pensar naquilo que proponho aos professores em termos de ações

factíveis de serem realizadas, permite que eu me coloque no lugar de cada um deles

e possa, com mais clareza, realizar as intervenções necessárias.

Neste percurso com o grupo se revelou com clareza que a nossa reflexão não

é neutra, mas marcada por valores e diferentes concepções que constituem nossa

prática docente, nosso modo de percebermos nossas fragilidades e potencialidades.

Como afirma Contreras (2002, p. 164), a reflexão crítica “pretende analisar as

condições sociais e históricas nas quais se formaram nossos modos de entender e

valorizar a prática educativa, problematizando assim o caráter político da prática

reflexiva”. Nesse sentido, é que fomos buscando a origem sócio-histórica de nossos

modos de sermos docentes. Acredito que foi essa visão que trouxe a possibilidade

de avançarmos para um processo de transformação e ampliação dos sentidos e

significados da prática docente e sua conseqüente materialização na sala de aula.

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Instaurou-se em mim e no próprio grupo a prática do questionamento que nos levou

e, ainda nos leva, a seguir uma lógica de conscientização sobre o que ensinamos,

como ensinamos e para que ensinamos.

Tornando-nos professores reflexivos, capazes de construir uma epistemologia

da prática docente, sentimo-nos mais desafiados e preparados para fazermos a

diferença para nossos alunos e sermos âncoras para nossos pares, nos apoiando

mutuamente, estabelecendo uma parceria na dinâmica institucional.

Page 207: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

206

CONSIDERAÇÕES FINAIS

CAMINHOS ABERTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

A Lua – Tarsila do Amaral

óleo/tela 110 X 110 cm Assin.:"Tarsila 1928"

A “lua” aqui se mostra em uma de suas fases, que guarda em si as outras

três. Aqui, finalizando esta tese, encontramos a possibilidade de caminhos abertos

para a formação docente. Caminhos estes que não estão fechados e nem acabados,

mas vão se constituindo no caminhar de cada docente, que não vai sozinho, mas

acompanhado de múltiplos saberes e de múltiplas vozes.

Page 208: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

207

O conhecimento cresce e alarga-se quando partilhado, de tal modo que a aprendizagem em colaboração e por descoberta decorrem da premissa de que o conhecimento é construído socialmente (BERGER e LUCKMANN, 1966) e o essencial a reter da ação e o essencial a reter da ação é que as pessoas aprendam fazendo (DEWEY, 1916). (...) A aprendizagem torna-se manifestamente relacional e dinâmica (apud NÓVOA, 2000).

Inicio estas considerações finais que, na verdade, podem se configurar como

um (re)começo, pensando se tenho vivido em estado de consciência de minha

participação no todo, naquilo que ocorre dentro e fora de mim ou se tenho apenas

sobrevivido, encontrando justificativas para estar viva, sem compreender

efetivamente a dimensão real de nossa ação profissional. Para fazer esta reflexão,

preciso retomar a memória e rever os caminhos percorridos, os desafios enfrentados

e as conquistas realizadas.

É preciso arrumar coragem a fim de parar e olhar para trás, apurar os

sentimentos, ouvir o corpo, entrar em contato com a própria essência e recuperar o

tornar-me professora/coordenadora pedagógica, considerando que, do ponto de

vista histórico-cultural, assim como “aprendemos a ser homens e mulheres nas

relações que estabelecemos entre nós, mediados pelos significados e práticas

culturais” (FONTANA, 2000, p. 35), aprendemos também a ser professores

resgatando vivências familiares, escolares (tanto na escola elementar como na de

cunho profissional) e profissionais. Vamos tornando-nos professores nas relações

familiares, escolares e profissionais. Vamos constituindo-nos por vocação, por

formação acadêmica, pelo exercício docente, pela interlocução com nossos pares,

pela consciência de nossos atos, pelo que deu certo, pelo que deu errado, por aquilo

que somos, por aquilo que dizem que somos e pelo que desejamos ser.

Trabalhar com esse grupo de professores significou a vivência de um

momento histórico especial que apontou o presente como único lugar do possível

futuro e por isso, precisava ser vivido com paixão. Paixão que é motor da teimosia

de pessoas que ousam fundir afeto e trabalho, professando e confessando a dor e a

delícia de ser artífice do futuro numa tarefa sempre nova. Estar aberta a uma tarefa

sempre nova é parte do nosso ofício, do ofício de ser professor(a). Este contexto

todo traz à memória um conto muito significativo que expressa a singularidade desse

processo de formação continuada que vivi com o grupo de professores: “O rei e a

omelete”, de autor desconhecido.

Page 209: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

208

Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada dia ficava mais melancólico. Um dia chamou o seu cozinheiro preferido e disse: “Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para minha mesa as melhores iguarias, de modo que lhe sou muito agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras iguais àquelas que eu comi há cinqüenta anos, na infância. Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir. Viajamos dia e noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo. Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu generosamente. Ela preparou para nós uma omelete de amoras. Quando comi fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração. Naquela época eu era criança, não dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la. Agora quero que você me atenda esse desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir lhe darei ouro e o designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo.” Então o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco. É claro que eu conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos. Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los. Mas isso não impedirá de ser executado, porque minha omelete jamais será igual à da velhinha. Ela não terá o sabor picante do perigo, a emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso, enfim conseguido. Não terá o sabor do presente estranho e do futuro incerto.” O rei ficou calado durante algum tempo. Não muito mais tarde, consta que lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem muito rico e despediu-o do serviço real.

Assim como o cozinheiro poderia fazer a melhor omelete ao rei e não

satisfazê-lo, nós também podemos fazer os melhores cursos, ler os melhores livros,

conviver com ótimos professores, ter acesso às melhores tecnologias e não sermos

professores que promovem a aprendizagem dos alunos. Isso acontecerá se não

fizermos diariamente, o resgate da amorosidade, da cumplicidade, do carinho e da

sedução, da reflexão partilhada, componentes intrínsecos e tão necessários do vir a

ser professor.

Neste momento, retomar/resgatar a pergunta que moveu todo este trabalho é

fundamental: reflexões compartilhadas de um grupo professores un iversitários

sobre prática docente podem ampliar sentidos e sign ificados da mesma?

Acredito que as contínuas reflexões realizadas em nossas reuniões, assim

como as discussões entre os professores do grupo nos levaram a novos pontos de

vista e a compartilhar a complexidade da prática docente. O contato com os pares

provocou reorganização de nossas idéias, explicação de nossos pontos de vista e

aceitação dos pontos de vista dos outros. O diálogo e a compreensão possibilitaram

um bom clima entre os professores e a cooperação na ampliação de sentidos e

significados da prática docente.

Conscientes de que a prática docente revela saberes plurais e heterogêneos,

frutos de nossa história social e cultural, fomos percebendo como concebemos

Page 210: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

209

nosso papel, o papel do aluno, o conhecimento, a aprendizagem, o ensino, a

metodologia de ensino-aprendizagem e a avaliação. A partir dessas concepções os

fragmentos de nossas reuniões – aqui chamados de episódios – foram recortados

para melhor explicitarmos a complexidade da prática docente e a ampliação de seus

sentidos e significados.

Quando falamos sobre o papel de professor percebemos que, enquanto

professores, podemos ir além da técnica, constituindo uma epistemologia da prática

a partir das reflexões coletivas. O papel do professor passa pelo facilitador da

aprendizagem, pelo orientador dos alunos, mediador e maestro da aula.

A concepção que trazemos sobre o papel do aluno passa pelo sujeito em

formação, teoricamente predisposto à aprendizagem por meio da ação intencional

do professor. Essa predisposição à aprendizagem requer o estabelecimento de

vínculos que a favoreçam, pois a autonomia a ser conquistada pelo aluno precisa

ser orientada pelo professor. Acreditamos que, mesmo trabalhando efetivamente

com adultos, os alunos precisam se envolver com os objetos de conhecimento para

que a aprendizagem ocorra.

Além da percepção que temos sobre o próprio papel e o papel do aluno,

notamos que a concepção sobre o conhecimento interfere sobremaneira na prática

docente, ou seja, na sua metodologia de ensino-aprendizagem. Os professores

afirmaram, em suas interações, que o conhecimento ajuda o aluno a compreender,

usufruir e intervir na realidade. Percebemos o conhecimento escolar, também

chamado de conhecimento científico, como aquele que pode contribuir para a

manutenção ou modificação da prática profissional, por isso, se configura como

ferramenta que possibilita a inserção no mundo e está em constante transformação

e aperfeiçoamento, não podendo ser tomado como verdade absoluta e desvinculado

do contexto sócio-histórico.

Sobre a aprendizagem, concluímos que há três elementos fundamentais que

precisam ser articulados para que ela ocorra: o conhecimento prévio, a capacidade

de aprender e a necessidade de querer aprender. Quando falamos de aprendizagem

significativa destacamos a necessidade de conexão entre os conhecimentos e que

esta é mediada pelo professor e pelas informações colocadas em movimento. Para

que ela se efetive é necessário compromisso do professor e do aluno, afinal ela não

é unilateral, é integrada.

Page 211: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

210

O ensino foi considerado, por nós, como processos de intervenção que

podem levar à aprendizagem, são ações que permitem avanços que

espontaneamente, talvez, não ocorreriam nos sujeitos. Para que se efetive é

necessário consciência, intenção e planejamento do professor. Envolve a produção,

a troca e a partilha entre professores e alunos. Para isso precisa envolver os alunos,

prevendo a contextualização do objeto a ser ensinado e levando em conta os

conhecimentos prévios deles.

Para ensinar é preciso que os professores dominem os conhecimentos de sua

área de atuação, articule-os aos saberes experienciais, curriculares, pedagógicos e

pessoais e motivem os alunos, por meio de suas estratégias, para que a construção

do conhecimento ocorra.

A metodologia de ensino-aprendizagem foi entendida como um conjunto de

ações intencionalmente pensadas para se alcançar determinados objetivos. Traz em

si, a necessidade de interação/conexão/vínculo para que promova o acesso aos

conhecimentos em questão.

A avaliação surge como instrumento que, além de dimensionar a

aprendizagem dos alunos, serve também de parâmetro para a manutenção ou

modificação de nossas estratégias de ensino, serve para reorganização de nosso

planejamento e de nossos objetivos.

A chegada a essas concepções foi um processo de construção vivido por mim

e pelos professores ao longo das reuniões. Com certeza, envolveu conflitos internos

de quebra de paradigmas ligados à racionalidade técnica e construção e

reelaboração de outros pautados na racionalidade prática.

O texto de Zeichner (1993) nos faz pensar muito sobre nosso fazer

pedagógico e nos fez olhar para nós mesmos, para nosso cotidiano que vislumbra,

via profissionalização do professor, uma sociedade mais justa. Como fazer para que

isso não seja apenas um slogan, mas de fato uma prática significativa para nós e

para nossos alunos? Em que medida aceitamos as coisas que estão na moda, ou

impostas pela legislação, sem ter a certeza de que esse é o melhor caminho?

Percebemos, à luz das idéias de Dewey (1979), que em nossa prática

docente nos aproximamos muito mais de uma “ação reflexiva” do que de uma “ação

rotineira”, porque acreditamos que reflexão “implica intuição, emoção e paixão”

(ZEICHNER, 1993, p. 18) aliada aos conhecimentos técnicos e acadêmicos e à

busca de soluções lógicas e racionais. Nesse nosso processo, ficamos buscando a

Page 212: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

211

abertura de espírito, a responsabilidade e a sinceridade para que essa ação se

concretize na sala de aula, espaço de atividade e de conflito.

Ao pensar nisso é preciso ressaltar concepções arraigadas ao “bom ensino”

que precisa levar em conta “a representação das disciplinas, o pensamento e

compreensão dos alunos, as estratégias de ensino sugeridas pela investigação e as

conseqüências sociais e os contextos de ensino” (ZEICHNER, 1993, p. 25). É isso,

de certa forma, que dará cor ao trabalho e à prática reflexiva.

Algumas idéias apresentadas por Zeichner (1993) apontam uma saída factível

e que contribuem positivamente ao elaborarmos/planejarmos nossas aulas.

Começamos, cada vez mais a ver os professores enquanto produtores de saber,

procurando propiciar o estudo de situações vividas em sala de aula e inclusão de

relatos/trabalhos de professores para leitura e reflexão; a utilizar instrumentos que

facilitem o encaminhamento para a reflexão do professor; e a conscientizar e

valorizar os compromissos educacionais e políticos do professor.

Este trabalho procurou aprofundar essa reflexão na medida em que tornamo-

nos expectadores de nossa própria prática, analisando-a através do conhecimento

científico, levando em conta a singularidade sócio-histórica vivida por nós, por

nossos pares e por nossos alunos. Além disso, nessas reflexões, não podemos

deixar de relacionar e integrar, de forma criativa e inovadora, o conhecimento, a

técnica e a prática. Para que isso se concretize faz-se necessário entendermos que

a prática docente traz em si aspectos que envolvem relações complexas por ter em

seu bojo a tríade professor/aluno/conhecimento em uma dinâmica histórico-cultural.

Também se faz necessário que nesse processo de reflexão compartilhada

coloquemos em exercício nossa capacidade de recolher os dados e interpretá-los,

pensando nas conseqüências do trabalho educativo desenvolvido e a possível

aplicação dos resultados no futuro.

Por conta disso, vale destacar que nosso processo de ampliação de sentidos

e significados da prática docente implicou num processo de conscientização de ser e

estar em contínuo processo de formação pessoal e profissional, diante de relações

afetivas, educacionais, sociais e políticas, realizado no interior de uma instituição de

educação superior.

Nesse sentido, acreditamos que o conhecimento do que acontece dentro da

escola torna-se condição importante para nos apropriarmos dela, com vistas à sua

transformação, ao seu vir a ser. Assim, nossa competência de professor reflexivo, de

Page 213: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

212

alguém que toma decisões e resolve problemas, se expressa na medida em que o

domínio do conteúdo, do saber escolar e dos métodos adequados para trabalhá-los

são favoráveis aos alunos que não apresentam as precondições idealmente

estabelecidas para sua aprendizagem.

Ao considerarmos a atividade docente como ato político, a reflexividade do

professor ganha espaço e significado, apontando a atuação docente para uma

perspectiva emancipatória.

Acreditamos que esse trabalho foi interessante, pois possibilitou a todos a

consciência de que, tanto nós professores, como nossos alunos, somos sujeitos

aprendizes e promotores da aprendizagem.

O que levo dessa reflexão

Daquilo que eu sei Nem tudo me deu clareza

Nem tudo foi permitido Nem tudo me deu certeza

Daquilo que eu sei, Nem tudo me foi proibido Nem tudo me foi possível

Nem tudo foi concebido Não fechei os olhos

Não tapei os ouvidos Chorei, toquei, provei

Ah! Eu usei todos os sentidos Só não lavei as mãos

E é por isso que eu me sinto Cada vez mais limpo!

(Ivan Lins & Victor Martins)

Concebidos a priori como seres inacabados, expostos a um constante

aprendizado, a uma educação continuada, como devemos agir, enquanto

profissional da educação, nessa sociedade em acelerada mudança? Como,

enquanto profissionais, digerimos o conteúdo teórico formador, a avalanche de

recursos tecnológicos e a nossa prática pedagógica?

Falta-nos, muitas vezes, humildade suficiente para aceitar verdadeiramente

essa nossa inconclusão e olhar a beleza do valor desse constante aprendizado, que

nos torna humanos e não deuses. “Gosto de ser gente, porque, inacabado, sei que

sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir além

dele” (FREIRE, 2000, p. 59).

Page 214: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

213

Precisamos sair da prisão em que, muitas vezes, acabamos nos encontrando,

tirar as amarras e entregar-nos à maravilha da construção desse ser criado à

imagem divina, com todos os recursos disponíveis para o aperfeiçoamento.

Precisamos realmente estar no mundo, afinal,

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente (FREIRE, 2000, p. 64).

Imaginemos um diamante bruto e que precisa percorrer um longo caminho

para se tornar uma jóia, tornar-se aquilo que encanta e é admirado por sua

essência. Não é uma pedra oca, mas traz dentro de si algo de real valor, com um

interior que precisa de estímulo adequado para abrir-se. Assim também é o ser

humano.

Nasce o ser humano, homem ou mulher, à família cabem as primeiras

adaptações. Adaptações sim, porque esse homem, essa mulher vão estabelecer

contatos com algo que já existe, que já tem uma estrutura, no qual alguns papéis já

estão definidos e servem como parâmetros para o papel que irão assumir ao longo

de sua existência. Mas que maravilha, a essência da criatividade acompanha-os

dando-lhes a oportunidade de criar algo novo, com a sua identidade! E nós, adultos,

precisamos abrir espaço para que essa identidade possa florescer. Onde cada

momento vivido será uma cena, que, uma vez perdida, uma vez “violentada” será

morta e dificilmente terá a chance de ser recuperada.

Esse homem, essa mulher, vão se desenvolvendo, enfrentando, cada um à

sua maneira o seu dia-a-dia, vão lendo o mundo com os recursos que dispõem, até

que chega o dia de entrar na escola, não como seres ignorantes, mas seres com

uma história de vida, com acúmulo de experiências.

Muito bem, é esse homem, é essa mulher que nos fazem professores, que

dão sentido à nossa tarefa educadora, pois sem a presença deles não teríamos

sentido. E agora, qual é o nosso papel na vida desse homem, na vida dessa mulher?

Ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina

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214

aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. (...) O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica na medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e os diferentes caminhos e veredas que ela os faz percorrer (FREIRE, 1998, p. 27).

Neste momento de nosso trabalho, nos vêm à consciência de que quando

decidimos ser professores, não tínhamos a lucidez, que temos hoje, da nossa real

responsabilidade, do nosso verdadeiro papel dentro da sociedade, da necessidade

de trabalhar com as diferenças dentro da sala de aula. Não conhecíamos a real

importância de virtudes, já apontadas por Freire (2000), tão necessárias como a

amorosidade (que permite ter carinho, afeto pelo outro e por nós mesmos), a

tolerância (que permite que possamos admitir e respeitar opiniões e atitudes

contrárias às nossas, permite que se desculpe), a abertura (que dá a possibilidade

de enxergar o novo), a persistência (que propicia a perseverança em nossos ideais),

a disponibilidade (que permite aceitar sem impedimentos preconceituosos as

solicitações do que é externo), o respeito (que permite acatar o parecer alheio, a

postura alheia, sem medo ou preconceito), a humildade (que permite mostrar a

modéstia, não ter vergonha de reconhecer as próprias limitações, de reconhecer um

erro, de fazer o caminho de volta, se preciso for), a responsabilidade (que faz

considerar-se responsável, que permite responder por alguma ação ou conceito de

maneira coerente), a coragem (que possibilita ter a firmeza, a bravura permeando

nosso trabalho) e a alegria (que deixa nosso trabalho com marcas de

contentamento, de satisfação por estar no mundo, com o mundo, sendo sujeito). E é

por isso, que, nessa caminhada, ao longo do percurso, olhando para trás, podemos

encontrar momentos em que nos odiamos enquanto professores, momentos em que

permitimos que alguma coisa morresse em alguém e em nós também, que alguma

coisa fosse transformada em nós e por isso transformamos nos outros. Mas não

podemos nos entristecer! É preciso fazer desses momentos algo que fortaleça o

nosso trabalho hoje. Esse olhar ao passado deve fazer-nos refletir, e que seja

criticamente, sobre as atitudes que tivemos – ou deixamos de ter – e nos direciona

as atitudes posteriores.

Nesse pensamento, qual deve ser o papel da instituição de educação superior

na vida desse homem, na vida dessa mulher? Acreditamos que a instituição de

Page 216: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

215

educação superior hoje precisa ser fortalecida, deixando de ser um mero local de

instrução – de formação profissional – e tornar-se um local de formação humana

para a sociedade, para a liberdade, para a responsabilidade, para colocar o saber a

serviço da coletividade.

Nessa instituição de educação superior, exigida em nossa mente, como

devemos ser, enquanto professores? Em primeiro lugar, precisamos estar e nos

sentirmos comprometidos conosco mesmo para depois assumirmos um

compromisso com o outro. Enquanto profissional precisamos instrumentalizar-nos da

ciência, da tecnologia, da reflexão crítica para uni-las às suas virtudes e realizar

realmente um trabalho de humanização.

Enquanto professores, faz-se necessário integrarmos o educando, realizando

uma adaptação ativa, onde existam relações entre eles e não contatos. Porque as

relações são reflexivas, conseqüentes, transcendentes e temporais e, os contatos,

ao contrário, são reflexos, inconseqüentes, intranscendentes e atemporais.

Precisamos estar atentos ao contexto em que estamos inseridos, realizando

um efetivo trabalho de equipe para que o conhecimento a ser explorado e trabalhado

não fique fragmentado, que não existam fronteiras entre uma disciplina e outra, que

se possa fazer um verdadeiro “encaixe” entre uma e outra. É necessário olhar os

educandos e os conteúdos sob vários ângulos, é preciso ter uma postura

interdisciplinar.

Se a educação proposta for inibidora, estaremos domesticando e o que é

domesticado perde a possibilidade de ser agente de transformação. Não se torna

um sujeito que exercerá sua cidadania, isto é, com participação na construção. A

escola precisa “construir” gente que possa ajudar na conversão da sociedade. Já

dizia Freire (2000), que o destino do homem deve ser criar e transformar o mundo,

sendo sujeito de sua ação.

Precisamos pensar e viver uma instituição de educação superior que propicie

a problematização da realidade, que reflita junto com os sujeitos as reais

dificuldades, as reais possibilidades da sociedade, devendo ampliar sua

metodologia, suas técnicas de ação, sua preocupação com a formação de seus

profissionais.

Essa instituição, do interior do Estado de São Paulo, criou espaço para que a

formação continuada, proposta pela coordenadora pedagógica se materializasse.

Uma instituição de educação superior que assumiu seu papel, contribuindo para que

Page 217: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

216

os sujeitos-professores, a partir de suas relações com o mundo, encontrem

possibilidades para criar, recriar, decidir e se libertar pela conscientização, que

possam dialogar verdadeiramente com o outro, com a realidade, que possam ter

atitudes críticas e que possam fazer História.

Precisamos estar, cada vez mais, conscientes de que a educação é

transcendente, passa de geração para geração, mas o modo de educar pode e deve

sofrer mudanças. Portanto, a instituição de educação superior precisa ser o lugar

onde os sujeitos – coordenação pedagógica, professores e alunos – possam ser

agentes da aprendizagem, onde sejam respeitadas as diferenças individuais e com

elas construa-se a coletividade. As crises precisam ser encaradas como

oportunidades de construção e de transformação, nas quais todos possam ter a

segurança de que sabem algo e de que ignoram algo.

E é a partir dos professores, da autonomia que eles precisam ter na

realização do seu trabalho, que essa instituição de educação superior poderá ser

construída e formar verdadeiros cidadãos, sujeitos ativos na sociedade. Como diz

Contreras (1994), melhorar a educação é um empreendimento individual, social e

político, que depende, para obter êxito, da existência de comunidades críticas de

pessoas comprometidas na melhoria da educação como um processo social e

cultural.

É também pelo trabalho docente que a finalidade da educação, descrita por

Morin (2001), poderá formar os cidadãos,

permitindo a cada um ter consciência de sua condição humana, situando-a em seu mundo físico, em seu mundo biológico, em seu mundo histórico, em seu mundo social, a fim de que tal condição possa ser assumida (2001, p. 199).

À luz da abordagem histórico-cultural somos naturais porque inscritos numa

complexa ordem biológica; somos culturais porque capazes de elaborar estratégias

de sobrevivência e adaptação, a curto, médio e longo prazos, onde quer que nos

encontremos. Sabemos que o ser humano nasce biologicamente homem ou mulher

e nas relações com os outros seres humanos é que se torna homem ou mulher, via

domesticação do fogo, do desenvolvimento das ferramentas, da cultura, da

linguagem, do pensamento, do mito. É nesse processo que ele é introduzido à sua

realidade complexa.

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217

Existimos na e através da história. História essa que situa no tempo tudo o

que é humano e por isso podemos dizer que o presente retroage sobre ela.

A contemporaneidade da educação, em qualquer nível em que se exerça,

precisa esforçar-se em concentrar esforços sintonizados na construção de saberes

universalistas que não neguem nenhuma forma de diversidade na formação de

pensadores capazes de enfrentar os desafios do conhecimento e criar novas formas

de entendimento do mundo a serem viabilizadas e planejadas para a incerteza dos

tempos futuros. Desse modo, empenha-se sempre em fomentar complexas

conexões, de um lado entre presente, passado e futuro, de outro, entre indivíduo,

sociedade e mundo.

Em plena Sociedade da Informação, a educação tem deslocado o enfoque

individual para o social, político e ideológico, e, neste contexto, a instituição de

educação superior, e as demais também, passam a ter como função desenvolver a

capacidade de ensinar a pensar criticamente. Transformações experimentadas pela

sociedade têm criado uma nova cultura, modificando as formas de produção e

apropriação dos saberes, na contramão da escola tradicional, que privilegia a

aprendizagem de conceitos, dados, datas etc., com foco no professor e no ensino.

Só a ação coletiva e organizada pode realizar-se a partir de comunidades

críticas, ampliando sua área de influência e incorporando paulatinamente mais

pessoas e mais setores sociais, dando lugar a uma forma educativa e social.

Essa ação coletiva foi expressa pela Profa. Daniela, participante de nosso

grupo, revelando que não caminhamos sozinhos, mas com nossos pares, que não

há um único caminho, mas caminhos que podem ser paralelos e que podem se

cruzar em algum momento, caminhos que não são e nem estão fechados, mas que

têm desvios que permitem saída e retorno ao percurso. É um caminho construído no

caminhar do grupo que ganha espaço de formação continuada na instituição de

educação superior.

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218

Neste momento, já finalizando este trabalho, vamos considerar os “quatro

pilares” da educação, propostos pela UNESCO (eixo paradigmático das idéias

vigentes na educação do século XXI), que insistem no domínio de instrumentos que

estimulem a aprendizagem, melhorem a qualificação profissional pela aquisição de

competências (colocando a práxis no centro do processo educativo), valorizando o

outro e o trabalho solidário em equipe, visando o desenvolvimento total da pessoa e

o pensamento autônomo e crítico.

A convivência mais próxima com o grupo de professores possibilitou o

entrelaçamento de nossas vidas, compartilhando ansiedades, expectativas,

fragilidades e potencialidades. Nessa esteira, o papel do grupo foi fundamental, pois

fomos ampliando os sentidos e significados de nossa prática docente, considerando

os processos por meio dos quais vamo-nos constituindo como profissionais singulares, na dinâmica das relações de trabalho e explicitar em nós, como grupo profissional e como indivíduos, as marcas da organização do trabalho que internalizamos e as modulações que ela sofre à medida que a vamos elaborando, sugere Dejours (1992, pp. 138-139), poderia nos ajudar a examinar o que tem se constituído como obstáculo, coletivamente experimentado, à nossa inclusão no processo do trabalho docente (FONTANA, 2000b, p. 117-118).

A experiência coletiva de reflexão compartilhada, mediada por instrumentos

de tipo simbólico (filmes, textos, músicas), promoveu questionamentos sobre os

Page 220: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

219

fundamentos de nossa prática docente. Acredito que conseguimos entender um

pouco mais a complexidade envolvida na tríade professor/aluno/conhecimento e

seus desdobramentos sociais e psicológicos que constituem o ensino.

Além disso, por todo exposto, podemos afirmar que reuniões sistemáticas de

professores universitários, sob coordenação pedagógica, podem ampliar os sentidos

e significados da prática docente, influenciando positivamente em nossa tomada de

decisão que precisa se orientar pela crença nos efeitos de nossa ação nos alunos,

na flexibilidade para respondermos às imprevisibilidades do cotidiano, na nossa

consciência que revela o conhecimento que temos de nós mesmos e do contexto no

qual estamos inseridos. Desse modo, podemos continuar a existir como seres

singulares, em ação no mundo e em busca de contínua formação.

Page 221: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

220

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Cristian Roberts, Suzy Kendall. Ano: 1966. Duração: 105 min.

MENTES PERIGOSAS. Título Original: Dangerous Minds. País: EUA. Gênero:

drama. Diretor: John N. Smith. Elenco: Michelle Pfeiffer, George Dzundza. Ano:

1995. Duração: 99 min.

MR. HOLLAND, ADORÁVEL PROFESSOR. Título Original: Mr. Holland’s opus.

País: EUA. Gênero: drama. Diretor: Stephen Herek. Elenco: Richard Dreyfuss,

Glenne Headly, Jay Thomas, Olymoia Dukakis, William H. Macy, Alicia Witt. Ano:

1995. Duração: 142 min.

O ESPELHO TEM DUAS FACES. Título Original: The mirror has two faces. País:

EUA. Gênero: comédia romântica. Diretora: Barbra Streisand. Elenco: Barbra

Streisand, Jeff Bridges, Lauren Bacall, Pierce Brosnan, Mimi Rogers. Ano: 1996.

Duração: 126 min.

O PREÇO DO DESAFIO. Título Original: Stand and deliver. País: EUA. Gênero:

drama. Diretor: Ramón Menéndez. Elenco: Edward James Olmos, Lou Diamond

Phillips, Andy Garcia, Estelle Harris, Virginia Paris, Mark Eliot, Will Gotay, Patrick

Baça. Ano: 1988. Duração: 102 min.

SARAFINA. Título Original: Sarafina. País: EUA. Gênero: drama. Diretor: Darrell

James Roodt. Elenco: Whoopi Goldeberg, Leleti Khumalo, Miriam Makeba. Ano:

1993. Duração: 98 min.

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS. Título Original: Dead poets society. Gênero:

drama. Diretor: Peter Weir. Elenco: Robin Williams, Ethan Hawke. Ano: 1989.

Duração: 129 min.

Page 238: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE: ESTUDO DE CASO

237

ANEXO I

ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM

OS PROFESSORES

Esta entrevista tem como objetivo uma aproximação à história pessoal e

profissional dos professores a fim de compreender suas concepções, sua formação,

sua ação docente, seus desafios e dificuldades e como pensam a formação

continuada.

Tópicos/Questões a serem abordados(as) com os profe ssores:

Estamos formando um grupo que irá se reunir periodicamente a fim de refletir,

sistematicamente, sobre a prática e a formação docente no nível universitário. Para

nos conhecermos um pouco melhor, seria interessante que cada um pudesse

descrever:

1. Como tornou-se professor(a) universitário(a).

2. Como foi o seu processo de formação docente.

Sabemos que as aulas precisam ser minimamente planejadas, articuladas

com os objetivos de formação de nossos alunos.

1. Normalmente, como você planeja uma aula?

2. Quais procedimentos utiliza para desenvolver uma aula?

3. Quando é que uma aula dá certo?

4. Como você avalia sua aula?

5. O que você acha que funciona bem na sua aula? E o que ainda não está

bem?

Cada professor, usando de sua subjetividade, revela um modo de ser.

1. Por que você ensina como ensina?

Vamos nos reunir periodicamente para efetivamente pensarmos sobre a

prática e a formação docente no contexto universitário.

1. Sobre quais dificuldades, problemas ou desafios do ensinar você

esperaria que o grupo discutisse e refletisse?