professores como intelectuais: reflexões sobre a prática

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Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas? Anais Eletrônicos do Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas? – 30 de outubro a 01 de novembro de 2017 1 PROFESSORES COMO INTELECTUAIS: reflexões sobre a prática, realidade educacional e formação docente 1 Aline Cristina Pedrozo Pereira, Lilian Rodrigues Martins Pereira, Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco Marques 2 A educação brasileira enfrenta desafios estruturais e funcionais que, mesmo após transformações de métodos e didáticas, permanece com poucas práticas emancipatórias, poucos professores engajados nas transformações e conhecedores da realidade, dos desafios, como também, da sua capacidade política. Pesquisas apontam para a necessidade dos professores pensarem criticamente sobre sua atuação e desempenharem papéis enquanto intelectuais, como bem salienta Giroux (1997), buscando questionar os “regimes de verdade” impostos a anos no meio educacional, político, econômico e social. Com base nesses aspectos, a pesquisa é voltada aos professores das redes públicas e privadas, apresentando considerações sobre a sua condição enquanto docente, seu papel transformador e as práticas pedagógicas que podem contribuir para a mudança desse cenário. Assim, o objetivo desse trabalho é refletir a formação de professores como intelectuais e transformadores do sistema educacional, cônscios de sua situação profissional e social e engajados na luta pela emancipação e participação nesse processo. Cabe destacar que a presente pesquisa parte da premissa de que professores intelectuais, que buscam conhecer e melhorar a sua prática, formam alunos intelectuais, capazes de entender a sua realidade e também melhorá-la. Para que uma pedagogia crítica seja desenvolvida como forma de política cultural, é imperativo que tanto os professores quanto os alunos sejam vistos como intelectuais transformador (GIROUX, 1997, p.136). 1 Agradecimento a todos os docentes do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Docência para Educação Básica – Unesp/Bauru que contribuíram para as reflexões aqui presentes, em especial ao nosso orientador Profº DrºAntônio Francisco Marques. 2 Mestranda em Docência para Educação Básica, UNESP/Bauru, E-Mail: [email protected]; Mestranda em Docência para Educação Básica, UNESP/Bauru, E-Mail: [email protected]; Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Marília. Professor assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho exercendo atividade de docência nas licenciaturas e Mestrado em Docência Para a Educação Básica, E-Mail: [email protected].

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Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas?
Anais Eletrônicos do Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas? – 30 de outubro a 01 de novembro de 2017
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realidade educacional e formação docente1
Aline Cristina Pedrozo Pereira, Lilian Rodrigues Martins Pereira,
Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco Marques2
A educação brasileira enfrenta desafios estruturais e funcionais que, mesmo após
transformações de métodos e didáticas, permanece com poucas práticas emancipatórias,
poucos professores engajados nas transformações e conhecedores da realidade, dos desafios,
como também, da sua capacidade política. Pesquisas apontam para a necessidade dos
professores pensarem criticamente sobre sua atuação e desempenharem papéis enquanto
intelectuais, como bem salienta Giroux (1997), buscando questionar os “regimes de verdade”
impostos a anos no meio educacional, político, econômico e social. Com base nesses aspectos,
a pesquisa é voltada aos professores das redes públicas e privadas, apresentando
considerações sobre a sua condição enquanto docente, seu papel transformador e as práticas
pedagógicas que podem contribuir para a mudança desse cenário.
Assim, o objetivo desse trabalho é refletir a formação de professores como intelectuais e
transformadores do sistema educacional, cônscios de sua situação profissional e social e
engajados na luta pela emancipação e participação nesse processo.
Cabe destacar que a presente pesquisa parte da premissa de que professores
intelectuais, que buscam conhecer e melhorar a sua prática, formam alunos intelectuais,
capazes de entender a sua realidade e também melhorá-la.
Para que uma pedagogia crítica seja desenvolvida como forma de política cultural, é imperativo que tanto os professores quanto os alunos sejam vistos como intelectuais transformador (GIROUX, 1997, p.136).
1 Agradecimento a todos os docentes do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Docência para Educação Básica – Unesp/Bauru que contribuíram para as reflexões aqui presentes, em especial ao nosso orientador Profº DrºAntônio Francisco Marques.
2Mestranda em Docência para Educação Básica, UNESP/Bauru, E-Mail: [email protected]; Mestranda em Docência para Educação Básica, UNESP/Bauru, E-Mail: [email protected]; Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Marília. Professor
assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho exercendo atividade de docência nas licenciaturas e Mestrado em Docência Para a Educação Básica, E-Mail: [email protected].
Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas?
Anais Eletrônicos do Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas? – 30 de outubro a 01 de novembro de 2017
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O trabalho fundamenta-se em Giroux (1997) e traz para o debate Sacristán e Goméz
(1998) e Contreras (2002) para melhor qualificar a situação e dar aporte as discussões sobre
a formação de professores mais críticos e transformadores, engajados na luta por melhores
condições de trabalho e do processo de ensino-aprendizagem. Para isso, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo com base em Gil (2002), na qual apresenta-se
estudos e discussões sobre a temática.
Nas discussões de cada autor, destacam-se algumas possibilidades de mudanças que
trataremos ao longo das discussões e que precisam ser discutidas com os professores.
Giroux (1997) enfatiza que o processo de transformação é repleto de história e de
exemplos tanto de dominação como de libertação e, por isso, assevera que deve-se partir
dessa realidade para a busca de mudanças, negação de dogmas e da domesticação que vem
ocorrendo nas escolas tanto com os alunos, como também com os professores. Ele ainda
salienta que a escola é um local de reprodução social e cultural definidas pela lógica da
dominação e os professores vem a tempos servindo de “instrumentos” dessa classe
dominante, dando continuidade no processo que molda as subjetividades e mantém a
separação hierárquica dos grupos. Porém, enfatiza a todo momento, que os professores são
agentes sociais e, como todo agente social, têm “capacidade de transcender à essa situação
que vem se repetindo e alterar o curso desses eventos históricos.
Sacristán e Goméz (1998) trazem para a discussão a necessidade de os professores
conhecerem a “Ciência da Educação”, para compreender o que fazem e saírem da mera
reprodução de hábitos existentes e de ordem externas. Os autores apresentam novas visões
da formação do professor e de seu papel na escola, discutindo a práxis educativa, onde teoria
e prática não se desvinculam e tão pouco se distanciam, pois ambas são necessárias para
checar a sua aplicabilidade na escola e verificar quais os auxiliam na formação de cidadãos
autônomos e agentes sociais, modificando currículos, organizações e avaliações que
priorizam a competitividade, individualismo e conformismo social.
Para ampliar o quadro de discussões, Contreras (2002) ressalta a autonomia do
professor, enquanto qualidade do ofício docente, como um dos aspectos fundamentais para
serem agentes críticos e participantes do processo educativo e não ficarem submetidos a
controles técnicos e desorientação ideológica, transformados em proletariados, a base de
controle produtivo, com trabalhos fragmentados e alienados, onde a burocratização é parte
estruturante desse processo.
Giroux (1997) apresentando um pensamento muito próximo a Contreras (2002)
também enfatiza a proletarização do trabalho docente como ideologia dominante que vem
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reduzindo os professores a técnicos para somente aplicar programas e projetos pensados por
outros, distantes de pensá-los e tão pouco a discuti-los como viáveis ou não. Ele ainda
enfatiza que a formação do professor ainda continua mostrando e formando professores
como receptores passivos do conhecimento profissional, sem fazer com que os alunos das
licenciaturas se comprometam a pensar e a mudar o que está imposto.
Nessa mesma reflexão, Contreras (2002) assinala que os professores perderam as
qualidades que os faziam profissionais, ou seja, o pensar e o agir em seu meio de trabalho e
considera que esse aspecto foi ainda mais solidificado quando outros “de fora” assumiram o
seu papel de agente intelectual. O autor também destaca que há teses que afirmam que a
perda ou ausência do “profissionalismo” docente contribuiu para que os professores
perdessem a autonomia e se assumissem proletários, controlados por sistemas e por
ideologias contrárias à emancipação.
O autor faz também uma distinção entre profissionalismo e profissionalidade,
afirmando que esse último termo está muito relacionado a status e as relações com direitos
trabalhistas, colocando os professores às margens da condição sócio-política e não busca
resgatar as questões relativas ao trabalho docente enquanto responsabilidade social. Já o
termo profissionalismo remete para além das habilidades especializadas, da responsabilidade
e do compromisso, envolvendo valores morais e éticos, de interesses pessoais e coletivos. Os
termos se entrelaçam, porém, a escolha de um deles também pode remeter a uma intenção, a
uma ideologia (CONTRERAS, 2002).
Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da noção dialética da ação humana, sem
desconsiderar os processos estruturais condicionantes, pois,
“Como ação necessariamente intencional, o agir humano é escolha múltipla entre alternativas. A inevitável abertura do mundo é, portanto, condição necessária para a ocorrência da escolha alternativa [...] e esta abertura é compatível com o caráter histórico da sociedade. A afirmação da historicidade é uma proposição trans factual, relativa ao domínio das estruturas que condicionam, mas não determinam, os atos humanos singulares“(MEDEIROS, 2004, p.29, 36).
A autonomia apontada por Contreras(2002), não é um agir solitário, um agir por si
só, mas uma busca coletiva pelo seu papel como profissional e sua repercussão como agente
social e transformador de uma realidade, pensada de forma ampla, envolvendo inclusive a
comunidade, que é a que mais conhece suas necessidades, ou seja, realizar a construção da
autonomia profissional junto com a autonomia social.
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Portanto, faz-se necessária na compreensão da ação docente, que se resgate esta
dinâmica histórica, a fim de
[...] perceber como o individual e o social estão interligados, como as pessoas lidam com as situações da estrutura social mais ampla em seu cotidiano, transformando-o em espaço de luta, de resistência e criação (VASCONCELOS, 2000, p.23).
Sacristán e Goméz (1998), nesse aspecto, acrescenta que os professores precisam
buscar novos conhecimentos, novas pesquisas para ter mais segurança em propor novas
ações, mudanças e adaptações tanto no ensino como na aprendizagem. Ainda salientam que
os professores serão mais respeitados quando conseguirem expor e explicar cientificamente
as suas opções e decisões dentro do contexto em que trabalham e assim terão mais
autonomia. Aliar a teoria à prática possibilita maior credibilidade e “a aplicabilidade (das
teorias) emana da sua própria autoridade científica” (SACRISTÁN, GOMÉZ, 1998, p.10)
Giroux (1997) ao enfatizar a participação do professor no processo de criação dos seus
próprios materiais curriculares e ressaltá-los na categoria de intelectuais, abre espaço para
que percebam a necessidade de levantar mais questões acerca das prioridades em “o que e
como ensinar” a partir do que conhecem e vivenciam em sua realidade e assim passarem a
exercer influência sobre as condições ideológicas e econômicas de seu trabalho. Somente com
essa mudança de atitude e posicionamento político que poderá inverter essa lógica
construída historicamente.
Contreras (2002) enfatiza que a autonomia do professor não está somente em assumir
essa responsabilidade de construir seu próprio material, de realizar seu planejamento, mas
de pensar e agir para a melhoria do ensino, tendo pleno conhecimento do seu contexto e
realidade para posicionar-se criticamente diante deles e escolher caminhos coerentes.
A competência profissional se refere não apenas ao capital de conhecimento disponível, mas também aos recursos intelectuais de que se dispõe com objetivo de tornar possível a ampliação e desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade, a análise e a reflexão sobre a prática profissional que se realiza constituem um valor e um elemento básico para a profissionalidade dos professores (CONTRERAS, 2002, p.83-84)
O professor precisa buscar a racionalidade nas suas decisões, conhecer a sua realidade
e pensar em possíveis maneiras de resolver os problemas da educação.
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Mas, atualmente as exigências e a intensificação do trabalho têm levado os professores,
em muitas ocasiões, a realizar apenas o essencial; forçando-os a apoiar-se cada vez mais nos
especialistas, que os direcione quanto a sua prática, iniciando-se assim um processo de
depreciação, pois
[...]Perdem-se competências coletivas à medida que se conquistam competências administrativas. Finalmente, é a estima profissional que está em jogo, quando o próprio trabalho se encontra dominado por outros atores" (APPLE & JUNGCK, 1990, p. 156).
Pode-se verificar nas discussões que os sistemas de ensino não estão interessados em
formar professores intelectuais, portanto cabe às Instituições de ensino superior, que são
responsáveis pela formação inicial e continuada, como também às pesquisas como esta, que
discutem com os professores, enfatizando que as reformas que depositam pouca confiança no
professor como liderança intelectual e moral para as transformações em educação, que
seguem os ditames de especialistas afastados da realidade da sala de aula, ignoram a
formação crítica e alicerçam a ideologia dominante, reduzindo os professores a técnicos e não
a intelectuais, o que os impedem de melhorar sua condição.
Os investimentos em formação de professores vêm cada vez mais salientando essa
relação que fragmenta os conhecimentos e ainda não os contextualizam ou os relacionam à
história.
Em suas reflexões, Giroux (1997) chama essa situação de “Pedagogia do
gerenciamento”, com o conhecimento dividido em partes, padronizados, até mesmo para ser
mais fácil de gerenciar e medir o desempenho por avaliações predeterminadas, com
recompensas ou punições, dependendo do resultado alcançado.
Infelizmente o que se encontra na grande maioria das escolas, em diversos segmentos
públicos e privados são situações como esta que, além de impor um sistema apostilado de
ensino, convencem os professores a seguir receitas prontas e a preencherem diversas fichas e
planilhas que se não forem cumpridas comprovem a inexecução de sua profissão. O que mais
nos questiona é a continuidade desse sistema, desse percurso, mesmo com muitos que
discursam o contrário a essa situação. Foi essa questão que buscamos enfatizar nessa
pesquisa e buscar maior reflexão, pois aparentemente, os professores têm consciência de
grande parte desses questionamentos, mas pouco se transforma.
As reformas na educação vêm mascarar novas formas de submissão, novas formas de
controle. Contreras (2002) relembra a explosão do Construtivismo como reforma de governo
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que também não trouxe novas significações a educação e ao professor. A grande maioria ficou
aguardando esclarecimentos sobre as formas de trabalho e as diretrizes que os especialistas
diziam que eram para serem feitas. Mais uma vez o professor não se pôs a pensar, a refletir
sobre a sua realidade e a indagar essas práticas. Mais uma vez, o professor voltou a somente
executar, impedidos de refletir e presos em uma rotinização do trabalho. O autor coloca essa
questão como mais uma armadilha que se passa por uma qualificação para os professores,
mas que na verdade prendem os professores na redefinição técnica de seu trabalho.
Trazendo para a atualidade, podemos citar a reforma no Ensino Médio no Brasil (MP
746) que trouxe muitas discussões entre os professores, mas mesmo com muitas
controversas passou a vigorar.
Muito se discute a MP 746, principalmente por considerarem antidemocrática, sem a
participação de quem realmente vai usar desse nível de escolaridade, de seus pais e
professores e ainda feita como medida provisória e não lei.
Sobre esse assunto, Monteiro (2016) reuniu alguns estudiosos da Educação e fez
algumas reflexões acerca da reforma. Um dos entrevistados de Monteiro, Ronald Shellard, o
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), enfatizou que uma tentativa parecida
de unificação de disciplinas foi realizada na Inglaterra, mas não teve um bom resultado, ou
seja, é uma medida já conhecida como fracassada e pouco se discutiu em nossa realidade que,
por sinal, é bem mais deficitária que a da Inglaterra correndo riscos maiores de fracasso.
A autora também apresenta afirmações de Vitor Francisco Ferreira, presidente da
Sociedade Brasileira de Química enfatizando a medida como uma reforma que mascara o
atendimento a necessidades específicas de governo como uma alternativa de sanar a falta de
professores e a consequente substituição dos mesmos por especialistas técnicos em áreas
correspondentes (MONTEIRO, 2016). Essa reflexão parte da própria mudança na lei,
conforme citado abaixo:
Art. 61…………………………………………………………..…………………… IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36 (BRASIL, 2016)
Afirmações de Bernadette Gatti, pesquisadora colaboradora da Fundação Carlos
Chagas (FCC) e Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC) apontam a medida como mais uma ação do MEC feita de forma errada, pois
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ao invés de assegurar formação para os professores, tenta disfarçar com a integração de
disciplinas e causando ainda mais prejuízo e fragilidades aos alunos (MONTEIRO, 2016).
Um dos fatores mais apontados é a não obrigatoriedade do ensino de Arte, Educação
Física, e de forma mais disfarçada, o ensino de Filosofia e Sociologia, sendo que a
criatividade, o conhecimento do corpo e os movimentos, a reflexão e o conhecimento de
mundo são fatores essenciais a formação de cidadãos. Isso está expresso nos parágrafos 1º,
2º e 3º do artigo 26 da referida Medida, que altera a Lei 9394/96.
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.
§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno.
§ 7º A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput. (BRASIL, 2016)
Outros apontamentos alegam a Medida como um ato antidemocrático e que não tem a
intenção de atender as necessidades reais da comunidade, mas sim de uma medida drástica
para resolver um problema de cunho político próprio.
Executar por Medida Provisória uma reforma que irá afetar toda a atividade educacional brasileira, sem realizar um debate amplo com agentes pedagógicos, estudantes secundaristas e entidades estudantis, professores, pais e mães, enfim, sem o real envolvimento da sociedade, é expediente autoritário e antidemocrático (SERRANO, 2016).
O questionamento da não obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia,
em especial, originou debates em diversos âmbitos educacionais, mas poucas mudanças
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foram efetivadas. O que vem se discutindo sobre essa reforma é mais uma forma de impedir a
reflexão e a emancipação dos alunos, utilizando-se da escola e do professor como ferramenta
para manter essa situação, pois ao pôr em prática o que foi pensado pelos especialistas do
governo, a escola continua reproduzindo a ideologia vigente e a colaborar com ideologias que
a desconstroem.
Para Giroux (1997) e Sacristán e Goméz (1998), a escola precisa fazer o caminho
contrário, buscando o equilíbrio entre o currículo comum e a estratégia da diversidade,
utilizando os conhecimentos adquiridos para explicar e interpretar a realidade, oferecendo a
análise dos diferentes pontos de vista e isso só é possível quanto se volta aos estudos sociais e
a reflexão filosófica.
[...] a escola pode se tornar um veículo para ajudar cada estudante a desenvolver todo o seu potencial como pensador crítico e participante responsável no processo democrático simplesmente alterando-se a metodologia e o currículo oficial nos estudos sociais ( GIROUX, 1997, p. 56).
Para o autor, a escola e o professor não são neutros e assumem posições que podem ser
emancipatórias ou não. O professor precisa ver a escola como local econômico, cultural e
social atrelado às questões de poder e de controle. Se a intenção da escola é ampliar e
modificar a sociedade e as formas de dominação, é preciso tornar o pedagógico mais político
e o político mais pedagógico, levantando outras formas de conhecimento que reflitam as
condições humanas e suas relações nessa realidade, não somente as impostas no currículo
oficial. Assim, o professor precisa ser melhor preparado para se engajar na luta para a
superação das injustiças econômicas, sociais e culturais, compreendendo melhor as pré-
condições para se lutar por ela, aperfeiçoando o caráter democrático, utilizando o diálogo
crítico e argumentativo em prol de um mundo qualitativamente melhor para todos. Isso é o
que possibilitará as novas gerações a coragem para lutar e buscar uma participação política
nas decisões que interfiram em suas vidas (GIROUX, 1997).
Para que tudo isso ocorra, há de se formar novas formas de pensar e de agir na
educação, que busquem conhecimento para lidar com todas essas nuances do processo
educativo.
Portanto, faz-se necessária,
“Práticas de formação que tomem como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autonoma na produção dos seus saberes e dos seus valores. A
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retórica atual sobre o profissionalismo e a autonomia dos professores é muitas vezes desmentida pela realidade, e os professores têm a sua vida cotidiana cada vez mais controlada e sujeita a lógicas administrativas e a regulações burocráticas” (GINSBURG & SPATIG, 1991; POPKEWITZ, 1987).
Voltamos ao início das discussões e na reafirmação em Giroux (1997) que assinala que
o professor precisa buscar a linguagem dos intelectuais, unindo a linguagem crítica à
linguagem da possibilidade dentro de seus limites e capacidade política, como voltamos
também na discussão de Contreras (2002) que corrobora com a questão da não separação da
concepção e da execução do trabalho docente, pois isso que diferenciarão os professores dos
proletariados desqualificados, submetidos a diversas fontes de controle.
De acordo com o Censo do Professor 2016, mais de setenta e sete porcento dos
professores brasileiros possuem Ensino Superior completo. Obseve no gráfico abaixo que
retratou a pesquisa do INEP/MEC em 2014.
GRÁFICO 1
POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE – BRASIL/2016
Fonte: INEP/MEC - Censo do Professor 2016
O que se discute nesse trabalho não é a formação acadêmica dos professores em sí, mas
a força dos mesmos em serem intelectuais, pensadores de seus problemas, detentores de suas
próprias aspirações e ações dentro da Educação, seja de seu município, de seu Estado ou de
seu país e para isso há a necessidade de muito estudo, planejamento e engajamento em lutas
coletivas.
Ainda para completar esse pensamento, ressalta-se que
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O intelectual é mais do que uma pessoa das letras, ou um produtor e transmissor de idéias. Os intelectuais são também mediadores, legitimadores, e produtores de idéias e práticas sociais, eles cumprem uma função de natureza eminentemente política (GIROUX, 1997 p.186).
A preocupação, com estas pesquisas, é mostrar que o índice de professores graduados
vem aumentando, porém o que se percebe é que ainda há grande resistência à cientificidade
na Educação e na continuidade desses estudos quando o professor se depara com a prática.
Sacristán e Goméz (1998) ressaltam a importância dos estudos científicos de forma contínua,
coletiva e crítica para que o professor, além de poder fundamentar a sua prática, possa ser
instrumento de toda ação pedagógica, de forma participante, transformadora e não mais
reprodutora de hábitos existentes, interpretando essas demandas externas e enxergando seu
caráter ideológico.
A formação inicial dos professores é de grande importância nesse cenário e é base para
as etapas seguintes que aparecerão somente quando estiverem no trabalho docente.
O censo realizado pelo INEP/MEC em 2016 apresenta uma realidade na formação
docente que cresce cada vez mais no Brasil. As licenciaturas, em grande parte, são realizadas
a Distância.
GRÁFICO 2
POR CATEGORIA ADMINISTRATIVA E POR UNIDADE DE FEDERAÇÃO –
BRASIL - 2014
Fonte: INEP/MEC – Censo do Ensino Superior 2014
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Pesquisas como a citada acima mostram o aumento dos cursos a distância na área da
Educação e a procura por estes cursos em idade mais avançada.
O que se busca refletir nesse espaço é o quanto essas formações continuam com as
mesmas intenções, com os mesmos problemas e mesmo processo alienante, desde o seu
início sem um coletivo reflexive, e o quanto a procura pela licenciatura parece ser uma
segunda opção dos graduandos, uma vez que a procura é tardia.
O trabalho não pretende discutir e muito menos criticar a Educação a Distância, mas
sim buscar alguns fatores que possam ter contribuído para o distanciamento dos professores
da práxis, da busca da melhoria de suas condições e do seu trabalho, a relação entre a teoria e
análise dos seus resultados por meio da prática e a troca de conhecimentos entre os
professores desde a sua formação inicial.
Para alguns autores, o grande erro do professor é não se unir com o coletivo docente
para resolver as suas questões, estudar e argumentar e é por isso que, em grande parte, não
são ouvidos e muitas vezes desvalorizados.
Sacristán e Goméz (1998) fala dessa relação dialética da teoria e prática e enfatiza que é
preciso estudar e compreender a Ciência da Educação, para interpretar e adaptar o currículo
às necessidades reais dos alunos e sua viabilidade em meio escolar, mas também para ter
argumentos científicos que serão difíceis de serem refutados devido a autoridade científica.
Diante de todos esses fatores até o momento apresentados, o que mais preocupa é a
falta de coletividade entre os professores que na maioria das situações não se unem em busca
de melhores condições, desde a graduação, e muitas vezes se entregam e ainda transmitem o
conformismo social que justifica, de forma equivocada, essa hierarquização na sociedade e na
própria escola.
Nesse sentido, Nóvoa pontua sobre a importância do
“[...] diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional. Mas a criação de redes colectivas de trabalho constitui, também, um factor decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da profissão docente. O desenvolvimento de uma nova cultura profissional dos professores passa pela produção de saberes e de valores que dêm corpo a um exercício autónomo da profissão docente.” (NÓVOA, 1991, p. 14)
Os autores, ainda enfatizam que a escola, que foi aberta para todos, com a ideia de
igualdade de oportunidades, inculcou ainda mais que as dificuldades de aprendizagem e do
processo escolar são problemas dos participantes, do aluno ou do professor e não do Sistema.
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Para eles, isso vem prejudicando ainda mais o ensino compreensivo e autonomia do
professor que, por receio ou falta de conhecimento, continua reproduzindo ideologias e
culpabilizando somente os agentes produtores e não os idealizadores dos projetos
(SACRISTÁN; GOMÉZ, 1998).
Discutindo essa problemática, os autores ainda salientam que
O conhecimento, quando bem usado, é uma poderosa ferramenta para analisar e compreender as características determinantes e as consequências do complexo processo de socialização reprodutora. A vinculação iniludível e própria da escola com o conhecimento público, exige dela e dos que trabalham nela, que identifiquem e desmascarem o caráter reprodutor das influências que a própria instituição exerce sobre todos e cada um dos indivíduos que nela convivem bem como os conteúdos que transmite e as experiências e relações que organiza (SACRISTÁN; GOMÉZ, 1998, p.22)
Um dos maiores problemas, segundos os autores, é a continuidade dessas ideologias
sem que a escola faça “a mediação crítica da utilização do conhecimento” e use o
conhecimento social e historicamente construído para compreender além das aparências
superficiais. Para eles, se o professor assumir este papel, ele certamente tornará a escola mais
humana, dando maior importância e atenção ao respeito pela diversidade, preparando o
aluno para pensar criticamente e agir democraticamente em uma sociedade não-democrática,
podendo atenuar seus efeitos sobre eles (SACRISTÁN; GOMÉZ, 1998, p.10).
Diante de todas essas reflexões, vale ressaltar o que Giroux (1997) enfatiza como
fundamental e base para a reforma educacional: o processo de resistência.
Nesse sentido para Giroux, a escola é o local de lutas e possibilidade e o professor é
agente capaz de transformá-las em instituições de luta democrática. Nessa linha de
pensamento, ele ainda enfatiza que é impossível acabar com as ideologias, porém, é possível e
necessário desvelar as regras das construções de ideologias presentes no cotidiano. O
professor precisa entender e partir das experiências de vida dos alunos e ter intenção,
posicionamento político e conhecimento científico que o sustente na formação da consciência
emancipadora.
Não espera acontecer”
(Vandré, 1968)
Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas?
Anais Eletrônicos do Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas? – 30 de outubro a 01 de novembro de 2017
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Referências
APPLE, M. & JUNCKI, S. No hay que ser maestro para enseñar esta unidad: la enseñanza, la tecnologia y el control en el aula. Revista de Educación, 291, 1990, pp. 149-172.
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Ciclo de Debates: Formação de professores em tempo de (Contra) Reformas: o que dizem as pesquisas?
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