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REFLEXÃO A Educação Brasileira, Balanço e Perspectiva' Maria Yedda Linhares Emjaneiro de 1998, por solicitação do reitor da Universidade de São Paulo, instalava-se, no âmbito do Instituto de Estudos Avançados daquela Universidade, uma comissão constituída de dezoito professores de dife- rentes Faculdades e Institutos de Pesquisa, sob a coordenação de Alfredo Bosi, com o objetivo de se constituir numa Comissão de Defesa da Uni- versidade Pública. Agora, decorridos dois anos de levantamentos e estu- dos, apresenta-se um balanço sintético, e bem fundamentado, difundido sob o título "A presença da Universidade Pública". A imprensa não divul- gou esse documento. Não deve ter sido considerado notícia e muito me- nos, pela densidade de seu conteúdo e pela magnitude de um tema de interesse nacional como esse material que caberia no espaço de uma pági- na paga. Além do mais, a educação pública não dá lucros e não paga publicidade. Em síntese, o assunto é sério, longe das preocupações do empresariado moderno do ensino privado. Como já se esperava, alguém, com seu faro de repórter, tomou co- nhecimento do assunto. Afinal de contas, a imprensa brasileira ainda con- - I •No dia 1I de maio de 2000, na DERJ, foi realizado um evento, em forma de Mesa Redonda, intitulado "O Brasil e o mundo no limiar do século XXI". Nesta ocasião, o Prof. Dr. Edgard Leite Ferreira Neto recebeu a medalha Pedro Emesto, concedida pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, e os Professores Dou- tores Ciro Flamarion S. Cardoso, Maria Yedda Linhares e outros discutiram o tema em pauta. Os editores da Revista PHOINIX desejam homenagear a Historia- dora e Prof", Titular e Emérita do IFCSIUFRJ, Dr". Maria Yedda Linhares, publi- cando a comunicação proferida naquela ocasião. Consideramos a Prof", Maria Yedda Linhares a historiadora de maior expressão no Brasil atual por sua capaci- dade de inovação, renovação, comunicação e simplicidade, que só os sábios têm a habilidade de apresentar, e por sua participação política ativa na sociedade brasi- leira. A publicação da comunicação da professora deve ser preservada na memó- ria de todos nós, que exercemos a mesma profissão, como modelo de Historiador/ Educador, de Cidadão Ativo/ Crítico e de Integridade/Respeito ao Outro. Phoinix, Rio de Janeiro, 6: 9-14,2000. 15

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REFLEXÃO

A Educação Brasileira, Balanço e Perspectiva'

Maria Yedda Linhares

Emjaneiro de 1998, por solicitação do reitor da Universidade de SãoPaulo, instalava-se, no âmbito do Instituto de Estudos Avançados daquelaUniversidade, uma comissão constituída de dezoito professores de dife-rentes Faculdades e Institutos de Pesquisa, sob a coordenação de AlfredoBosi, com o objetivo de se constituir numa Comissão de Defesa da Uni-versidade Pública. Agora, decorridos dois anos de levantamentos e estu-dos, apresenta-se um balanço sintético, e bem fundamentado, difundidosob o título "A presença da Universidade Pública". A imprensa não divul-gou esse documento. Não deve ter sido considerado notícia e muito me-nos, pela densidade de seu conteúdo e pela magnitude de um tema deinteresse nacional como esse material que caberia no espaço de uma pági-na paga. Além do mais, a educação pública não dá lucros e não pagapublicidade. Em síntese, o assunto é sério, longe das preocupações doempresariado moderno do ensino privado.

Como já se esperava, alguém, com seu faro de repórter, tomou co-nhecimento do assunto. Afinal de contas, a imprensa brasileira ainda con-

-I

•No dia 1I de maio de 2000, na DERJ, foi realizado um evento, em forma deMesa Redonda, intitulado "O Brasil e o mundo no limiar do século XXI". Nestaocasião, o Prof. Dr. Edgard Leite Ferreira Neto recebeu a medalha Pedro Emesto,concedida pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, e os Professores Dou-tores Ciro Flamarion S. Cardoso, Maria Yedda Linhares e outros discutiram otema em pauta. Os editores da Revista PHOINIX desejam homenagear a Historia-dora e Prof", Titular e Emérita do IFCSIUFRJ, Dr". Maria Yedda Linhares, publi-cando a comunicação proferida naquela ocasião. Consideramos a Prof", MariaYedda Linhares a historiadora de maior expressão no Brasil atual por sua capaci-dade de inovação, renovação, comunicação e simplicidade, que só os sábios têm ahabilidade de apresentar, e por sua participação política ativa na sociedade brasi-leira. A publicação da comunicação da professora deve ser preservada na memó-ria de todos nós, que exercemos a mesma profissão, como modelo de Historiador/Educador, de Cidadão Ativo/ Crítico e de Integridade/Respeito ao Outro.

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serva alguns de seus jornalistas independentes, profissionais íntegros quehonram a classe a que pertencem e o povo a que servem com fidelidade.Refiro-me a um desses jornalistas -- Élio Gáspari, a quem, mais uma vez,rendo minha sincera homenagem. Com concisão, emoção e competência,informou e remeteu o leitor à principal fonte de informação: a internet.

Trata-se de um documento preciso, rico em dados, que esclarece econcorre para desmistificar noções em voga, tais como: a escola pública épara pobres, a Universidade Pública, portanto, deveria destinar 50% desuas vagas para "alunos carentes", ou então, aquela ilustrada idéia de queos pobres, ou carentes, deveriam ser educados para o trabalho, isto é,freqüentar escolas técnicas, sinônimo, para maioria, de trabalho manual enão intelectual, numa sociedade, como a nossa, que carrega a terrível he-rança da escravidão, e foi recheada de falsos valores aristocratas. Enfim,essas e outras noções permeiam a mentalidade coletiva da maioria de nos-sa população. Apresentam-se, muitas vezes como esclarecidas, mas até omomento em que as escolas técnicas, como as do Rio e as de São Paulo,por exemplo, ostentam nível de excelência. Nesse caso, também as cama-das superiores da sociedade a elas se destinam, cabendo àquelas, que per-tencem por nascimento e destino histórico aos escalões inferiores, os cur-sos chamados técnicos e profissionalizantes, em muitos casos noturnos.

Enfim, essas e outras noções elitistas, que permeiam as mentalidadescoletivas da maioria de nossas populações, apresentam-se como parte deuma hipócrita posição política esclarecida. Assim pensa, na sua maioria,a classe média de nosso país, como também pensam industriais, comer-ciantes, profissionais liberais, fazendeiros, agricultores, possivelmentemuitos de nossos colegas de magistério e alunos universitários em dife-rentes estados e regiões do Brasil, Assim. também pensaram aqueles bra-sileiros que proclamaram a Independência, que votaram a Lei Áurea, queproclamaram a República dos oligarcas, agraristas e exportadores; gran-des usufrutuários da dívida externa brasileira, assim como pensam, emparte, os que fizeram a Revolução de 30, e na sua totalidade os que pro-moveram o Golpe Militar de 1964, o AI-5 de 1968, os então excluídosque, em parte, ganharam as ruas nas manifestações em prol da reconstitu-cionalização do país, na década de 80. Nada tem sido mais consistenteneste nosso Brasil do que a persistência de nossas elites de permaneceremimutáveis na sua extraordinária capacidade de resistência ao progresso e àmudança social, na persistência em negar o acesso democrático à proprie-dade da terra, o que poderia ter conduzido no passado a uma verdadeiratransformação do perfil social do campo brasileiro. O Brasil seria bemdiferente do que é.

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Nunca é demais relembrar que o Brasil é o país que ostenta um dosmais elevados, talvez o mais elevado índice de concentração da proprie-dade fundiária. É, na prática, o campeão mundial da exploração do traba-lho agrícola. Enquanto se processava a industrialização nos seus primór-dios, a acumulação se fazia necessariamente às custas da existência demão-de-obra abundante, baixos salários, e baixos custos de equipamento;crescia, assim, a burguesia urbana, alargava-se a fronteira agrícola para aprodução de alimentos e matérias-primas. Expropriava-se o homem docampo - o nosso conhecido caboclo do Norte e do Nordeste, como tam-bém, o escravo liberto, e seus descendentes, com precário acesso a terra,tanto no Rio de Janeiro quanto em Minas Gerais. Assim também as cida-des cresciam e se empobreciam ao longo do século xx. O Brasil viveu,com tais marcas, o seu peculiar processo de industrialização que acompa-nhou mudanças institucionais, movimentos demo gráficos, crescimentourbano acelerado e quase sempre brutal, acentuando as já profundas desi-gualdades sociais. Não apenas no tocante à agricultura e à urbanizaçãoacelerada, e talvez em decorrência dessas mesmas transformações, verifi-camos que em outros indicadores sociais e culturais, são detectados, deforma abusiva, índices piramidais que denotam um processo ainda emcurso de exclusão social e segregação cultural entre nós, brasileiros. He-rança do passado, mas, também, determinação de um presente que persis-te em não mudar, e em se manter o mesmo no tocante à contabilidadesocial de longa data.

Nos últimos anos, em virtude de uma falsa interpretação do papel daUniversidade e, no nosso caso, da Universidade Pública, os responsáveispelo sistema econômico em vigor - em nome de uma propalada e jamaisexplicada globalização, vêm apregoando que o país é pobre porque não seajusta à ordem econômica internacional, gasta muito em educação, saúde,cultura, funcionalismo público, aposentados, pensionistas do INSS, issotudo, porque o Estado é grande demais, forte demais, vituperam. Nessaperspectiva, o Brasil gastaria muito com o ensino universitário - um luxodesnecessário - e com um bando de velhos desocupados, os aposenta-dos. Além disso, tudo - e de tanta fartura - trabalha-se pouco. Daí, oinevitável, isto é, seguir os ensinamentos dos economistas que são compe-tentes, fizeram PHD nas universidades americanas e são fiéis aos ensina-mentos dos Bancos verdadeiramente sérios, com sedes nos E.U.A., depreferência em Washington, sempre atentos tais burocratas economistasao que se passa em Wall Street.

Além do mais, o capital tem a qualidade especial de se dar bem ondeo mercado é garantido, os juros são bons, a paz social garante os lucros e

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os baixos salários, e a polícia sabe manter os manifestantes tranqüilos epacíficos, sem se manifestarem. Como prova disso, é que tais capitaisprovêm de países cultos e civilizados, fruto de histórias nacionais tambémtranqüilas e civilizadas, sem badernas, nem revoluções, nem povo na rua,sem Estados poderosos, tudo com respeito e obediência à lei, com a pro-priedade segura e intocável, através dos séculos, países esses que se tor-naram ricos possivelmente pela graça de Deus, assim como a França, aInglaterra, a Alemanha, a Itália, a Espanha, e last but not least, os EstadosUnidos, magníficos exemplos de paz social, direitos humanos e democra-cia racial exemplar através dos séculos. Em síntese, tais países são ricos epoderosos, porque seu povo é trabalhador, bem comportado, satisfaz-secom salários modestos, e assim por diante. Revoluções, guerras, greves,manifestações de rua - a História enfim, dos tempos modernos, paraficarmos sós nos últimos cinco séculos, seria pura invenção de marxistas,saudosistas, fora de moda, comunistas derrotados e anti-fascistas de fic-ção, que como visionários imaginaram revoluções que nunca houve, guer-ras montadas nos estúdios cinematográficos, greves de propaganda parafilmes de Eisenstein, ou de alguns comunistas italianos que inventaram,entre outras coisas, Mussolini. Assim como aqui, qualquer dia, nada lumi-noso, passar-se-á uma borracha sobre a ditadura militar, as vítimas daditadura de Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici. Afinal decontas, o povo aqui é dócil, mal informado, sem memória. Esses fatosserão diluídos e esquecidos. É só usar o apagador de memória, pronto, enão tocar mais no assunto, assunto esse, aliás, incômodo e sem interesse.

Em termos de esclarecer a opinião pública, caso ela possa de fato terinteresse em ser esclarecida, o documento ora à disposição dos mais letra-dos, já que se encontra na internet, é de suma importância. Julgo mesmoque ele deveria servir de exemplo para análise de outras UniversidadesPúblicas de porte (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul). Eleestá centrado em três indagações básicas: 1° _. Nos países capitalistasavançados, a universidade é privada como apregoam as equipes governa-mentais do Planalto? A resposta é NÃO. 2° - O aluno custa caro, algocomo dez mil dólares por ano? A resposta, não é verdade. Aproveitandoa resposta de Élio Gáspari - "esse número é umafalcatrua, pois inclui afolha dos inativos, os hospitais universitários, atividades de pesquisa,algumas não pertinentes". 3° - Também citando o resumo do mesmojornalista ._- Apregoa-se, para justificar a necessidade de acabar com oensino público, que a Universidade Pública dá ensino de graça aos ricos,enquanto os pobres acabam na rede privada, ruim e cara. Mais uma falácia.

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Vejamos o que nos diz o relatório da Comissão da USP. Primeiro, aUniversidade Pública é responsável pelos melhores cursos de graduaçãoe pós-graduação, assim como pela quase totalidade da pesquisa científicae tecnológica do Brasil. É a primeira afirmação incontestada e incontestá-vel. A confirmação nos é oferecida pelo SCI (Índice de Citação Científi-ca) que vem sendo publicado desde 1961 -- citações de estudos feitos nasmais importantes publicações científicas. Do Brasil foram indicados (12de setembro de 1999) 494 cientistas com maior influência na pesquisamundial. São físicos, químicos, bioquímicos e matemáticos que recebe-ram um total de 324.810 citações de trabalhos científicos, dos quais ametade (162.816) são citações de pesquisadores de três UniversidadesPúblicas de São Paulo - USP, UNICAMP e UNESP. A outra metade, naquase totalidade, deve-se a pesquisadores das Universidades Públicas fe-derais de diversos estados. Salvo algumas exceções vindas da iniciativaprivada. São também as Universidades Públicas que formam os melhoresmédicos, advogados, engenheiros, agrônomos, assim como contadores,profissionais liberais, professores e cientistas de diversos campos do sa-ber em todo o país. São raras as exceções vindas da iniciativa privada.Não há indícios de que tal quadro irá se inverter em futuro previsível.

Citamos o documento de Alfredo Bosi: sem a Universidade Pública,ou seja, sem o concurso de professores não teríamos a engenharia queergueu as grandes cidades, as barragens e hidrelétricas brasileiras, nem aindústria pesada, a naval e a aeronáutica, nem a indústria química, petro-química e farmacêutica, nem laboratórios de análise clínica e de serviços.Da mesma forma, sem a Universidade Pública, conheceríamos muito mala nossa história e a geografia, nossa flora e nossa fauna; não teríamos asnovas variedades de cana-de-açúcar e de milho híbridas adaptadas ao nossosolo e ao nosso clima. Concluindo, o Brasil seria um outro país, infinita-mente mais atrasado e certamente pior para nele se viver. O relatório sealonga em detalhes no tocante aos mais variados cursos e respectivos re-sultados, apontando sempre para a superioridade da Universidade Públi-ca. Começando pelos cursos de graduação, os resultados do apregoado"Provão" são contundentes. Apesar do caráter contraditório dessa formade avaliação, já que houve uma primeira avaliação - o exame de vestibu-lar - ela, diante das circunstâncias, nos parece útil ao comprovar o óbvioque não queria ser visto pelas autoridades governamentais que apenasesperavam uma comprovação da necessidade de privatizar as Universida-des Públicas! Ao sair o tiro pela culatra, aplaudimos a medida como salu-tar. Desde o primeiro "Provão" de 1997, e a partir daí, reafirmava-se que

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a superioridade da Universidade Pública era uma comprovaçãoexcelência do ensino público deve-se à titulação de seus professo,mestres e doutores - e a sua maior dedicação ao ensino e à pesqi, /(regime de trabalho de 40 horas e dedicação exclusiva, isto é, maior tempo dedicado ao ensino e à pesquisa). Na classificação das doze melhoresuniversidades, totalizando 425 cursos, segundo a avaliação, a partir docruzamento de variáveis de um complexo banco de dados, realizados pelaEditora Abril, 1998, apenas as duas Pontificias Universidades Católicas,do Rio de Janeiro e de São Paulo, compõem o seleto grupo das doze me-lhores do país. Essas duas excelentes universidades, embora privadas, nãosão comerciais, não são empresas de capital familiar, nem visam ao enri-quecimento de indivíduos, mas se deve esclarecer que recorreram e usu-fruíram durante muitos anos, de generosas fontes públicas de financia-mento, com resultados muito positivos para o avanço do conhecimentocientífico e tecnológico no país.

O Relatório, embora não seja dos mais extensos, é rico e minuciosono tocante aos trabalhos realizados nos diferentes núcleos de pesquisa deSão Paulo abrindo caminho para essa experiência vir a ser seguida, comoexemplo, nas Universidades Públicas do Rio de Janeiro (cinco ao todo).O documento de origem paulista rebate com exatidão e competência asafirmações de que o ensino público é caro no Brasil. Comprova a faláciado ensino privado norte americano (nada é mais público - verbas doscofres públicos - do que o chamado ensino privado nos Estados Uni-dos). A anuidade paga por um aluno de Harvard, por exemplo, é uma gotad'água no orçamento dessa universidade. Segundo o Departamento deEducação dos Estados Unidos, dos US$ 564 bilhões gastos com educaçãono ano letivo de junho 1996/junho 1997, 40% foram destinados ao ensinosuperior. No Brasil, quando são divulgados números gastos em educação,incluem despesas com hospitais e outras despesas vinculadas a certas pes-quisas específicas fora da órbita diretamente pedagógica.

Isto posto, remetemos nossos colegas e alunos à leitura desse docu-mento ímpar para rebater uma política educacional que vem sendo pauta-da pelo que há e sempre houve de mais reacionário em nosso país - adefesa dos interesses das velhas e imbatíveis oligarquias brasileiras, se-diadas nos municípios mais atrasados, ideológica e politicamente, curraiseleitorais, vinculadas ao passado de tradições retrógradas. Pensávamosque teriam sido enterradas pela avalanche desencadeada com a Revolu-ção de 1930. Triste engano, resultante do conhecimento ingênuo de nos-sas classes dominantes e dirigentes, essas, sim, os modernos dinossaurosdo asfalto que se nutrem do velho sertão. Parecem viver à sombra dos

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cajueiros e coqueiros que deleitam os turistas no Nordeste, usufrutuáriosdo apossamento das velhas fronteiras. Hoje a fronteira está fechada, enela se encontram encurralados os derradeiros redutos dos nossos índios,cada vez mais distantes e cobiçados e por muito tempo inatingíveis. PeloAmazonas acima, as terras indígenas retroagem como novas fronteiras,vazias de plantação e trabalho do homem. A história da miséria em nossopaís se inscreve no processo de expropriação da terra.

No Brasil, o capital assumiu várias marcas, e se metamorfoseou acada momento. Assim como a educação que estava recolhida nas escolasdos jesuítas, que ficou encerrada na Casa Grande como privilégio de unspoucos, que se concentrou nas capitais, ao longo do século XIX, sob aégide de um imperador que queria ser filósofo, que não chegou a ser umaeducação pública como rezaria a escola republicana e que nunca chegou aser instalada, mas que procurou ser pública, laica, universal e gratuita apartir dos anos 30 com resultados escassos, apesar da grandeza de seusarautos.

Hoje, antes mesmo de atingir sua maioridade, é alvo do ataque dosdinossauros travestidos de soldados de uma nova era de intemacionaliza-ção do capital sob a égide de uma globalização mal explicitada e bastanteindigesta. No entanto, conforta-nos verificar que a batalha pela educaçãonão foi ainda perdida. É possível que tenhamos perdido a escola pública,como ela foi pensada e planejada pelos educadores dos Anos 30, tendo àfrente Anísio Teixeira, Pascoal Leme, Delgado de Carvalho, LourençoFilho, e tantos outros. Na realidade, não podemos esquecer que a conquis-ta da escola pública e, com ela, a preservação da Universidade Pública,confunde-se com a luta pela democratização do acesso a terra - a refor-ma agrária -, com a conquista também da democracia na gerência do Esta-do, com a luta contra a pobreza e a terrível desigualdade que persistente-mente vem caracterizando a nação brasileira. Como professores universi-tários, como estudantes que aspiram um assento na vida cultural e cientí-fica do Brasil, devemos pensar na preservação das poucas conquistas jáobtidas e ampliá-Ias no sentido de tomá-Ias abrangentes para as dezenasde milhões dos excluídos cada vez mais presentes, neste final de milênio.

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