reencarnação - prós e contras

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REENCARNAÇÃO: PRÓS E CONTRAS Pe. Estêvão Bettencourt C.S.B.

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Page 1: Reencarnação - Prós e Contras

REENCARNAÇÃO:PRÓS

E CONTRASPe. Estêvão Bettencourt C.S.B.

Page 2: Reencarnação - Prós e Contras

APRESENTAÇÃO

O tema "Reencarnação" ocorre frequentemente quando se discute o

sentido da vida. As indagações que esta suscita parecem, às vezes,

poder resolver-se pelo recurso a encarnações anteriores. Todavia esta

"solução fácil" nada resolve, pois é preciso confessar que as "encarnações

anteriores" ainda são menos lúcidas ou mais misteriosas que a vida

presente. Quem é que saberia contar os enredos de suas existências

pregressas? Por conseguinte, é oportuno examinarmos os fundamentos

com que muitos apelam para a tese da reencarnação: quais os

argumentos em que se apoiam? E qual a força de tais dados, à luz da

Psicologia, da Parapsicologia, da Filosofia e da Bíblia Sagrada?

A fé cristã ensina que certas interrogações suscitadas pela existência

presente são, para nós, de difícil penetração, não porque uma força cega ou

mecânica esteja a reger a nossa história, mas porque um Grande Amor

exerce a sua sábia Providência sobre nós. Tal é o amor de Deus, que,

sendo infinitamente perfeito, não pode ser plenamente compreendido por

nossa inteligência criada. Se há interrogações; em nossa vida, estas se

devem ao fato de os desígnios de Deus ultrapassarem longe o nosso limitado

entendimento. Quando não compreendemos o plano de Deus, is to se dá

porque Ele é mais Amor do que podemos imaginar. Um d ia, quando o virmos

face-a-face (c f . 1Cor 13 , 12 ; 1Jo 3 ,2 ) , teremos a resposta para as

dúvidas que hoje gostariamos de resolver recorrendo a hipóteses.

O presente opúsculo, aborda a temática da reencarnação sob seus

vários aspectos, a fim de ajudar, em termos simples, a reflexão das pessoas

interessadas. Estas sentem, por vezes, a necessidade de explicações que

em poucas palavras vão ao essencial.

Possa este opúsculo prestar serviço aos seus leitores e levá-los a 2

Page 3: Reencarnação - Prós e Contras

compreender melhor que o amor do Deus irreversível está na raiz da existência

de todo homem, a fim de conduzi-lo à plenitude da Vida através da caminhada

da existência presente!

Estêvão Bettencourt, O.S.B.REENCARNAÇÃO: PRÓS E CONTRAS

SUMÁRIOApresentação .................................................................................2

1. Que é reencarnação'? .............................................................. 4

2. Reencarnação: Sim ou Não? ...................................................... 4

2.1. Razões de ordem psicológica

2.1.1. Narrações feitas em sono hipnótico ...............5

2.1.2. O fenômeno da paramnésia .......................... 7

2.1.3. E os gênios? .................................................. 8

2.1.4. Aprender é recordar ....................................... 8

2.1.5. As simpatias e antipatias ............................... 9

2.1.6. As tendências e inclinações ........................ 10

2.1.7. Os instintos .................................................. 10

2.1.8. As semelhanças e dissemelhanças ............ 10

2.2. Razões de ordem filosófico-religiosa

2.2.1. A desigualdade de sortes ............................ 11

2.2.2. O inferno ...................................................... 12

2.3 Razões de ordem natural

2.3.1. A lei dos contrários ...................................... 13

2.3.2. Natureza cíclica ......................................... 13

2.4. Razões de ordem histórica

2.4.1. Povos não-cristãos ................................ 14

2.4.2. Na tradição da Igreja ............................. 14

2.5. Razões de ordem bíblica

2.5.1. João Batista e Elias .................................................... 16

2.5.2. Jesus e Nicodemos ........................................... 16

2.5.3. Jesus e o cego de nascença ............................. 173

Page 4: Reencarnação - Prós e Contras

3. Conclusão ......................................................................... 17

REENCARNAÇÃO: PRÓS E CONTRAS

A Crença na reencarnação tem-se alastrado não só entre os não

cristãos, mas também entre os fiéis católicos. Muitos destes, mal

informados sobre o assunto, julgam poder conciliar entre si a fé católica e

a doutrina da reencarnação. Eis por que, nas páginas seguintes,

abordaremos: 1) a noção de reencarnação; 2) os argumentos debatidos

em torno do assunto; 3) Reencarnação e Ressurreição.

1. QUE É A REENCARNAÇÃO?Reencarnação significa a volta de um espírito ou elemento psíquico

à carne ou ao corpo. Supõe que determinado espírito tenha animado um

corpo em vida anterior; ter-se-á desencarnado e, após certo intervalo,

haverá retornado à terra assumindo outro corpo. As reencarnações são

regidas pela lei do Karma, que, conforme seus defensores, obriga todo

indivíduo a pagar (expiar) em encarnação posterior as falhas cometidas

na vida presente; seria uma lei cega. Deixaria de se exercer desde que a

pessoa não tivesse mais; pecado a expiar; isto lhe permitiria desencarnar-

se definitivamente.

Segundo os povos de tradição hinduísta, a reencarnação pode

ocorrer em corpo de animal irracional (daí o respeito de muitos pelos

animais infra-humanos). Os ocidentais, porém, acreditam que as

transmigrações das almas se dão apenas de um corpo humano para

4

Page 5: Reencarnação - Prós e Contras

outro.

Além das correntes religiosas derivadas da Índia, devemos

mencionar que várias escolas filosófico-religiosas ocidentais adotam a

crença da reencarnação: assim o Espiritismo, a Rosa-Cruz, o

Essencialismo, a Logosofia, a Antroposofia, etc.

A palavra reencarnação tem seus sinônimos ou quase sinônimos:

metempsicose (transmigração das almas), metensomatose (mudança de

corpo), palingenesia (repetido nascimento), pluralidade de existências etc.

Perguntamo-nos agora: quais os argumentos geralmente aduzidos

nos debates em torno da reencarnação?

2. REENCARNAÇÃO: SIM OU NÃO?A tese da reencarnação luta com a grande dificuldade de, em

estado psíquico normal, ninguém ter consciência ou reminiscência de já

haver existido no corpo em uma pré-vida. É o que reconhece

sinceramente um ardoso adepto moderno da reencarnação:

"O mais importante argumento contra a reencarnação é o

esquecimento quase geral das vidas passadas; são extremamente raras

as recordações de reencarnação; eis por que podem ser consideradas

como ilusões individuais... Se é verdade que já vivemos algumas vezes,

como se explica não só o esquecimento geral (das vidas anteriores), mas

o esquecimento dessas vidas por espíritos elevados e sobretudo pelos

místicos, que penetram até a essência do ser?" (W. LUTOSLAWSKI,

Preesistenza e Reincarnazione, p. 61s, citado por SIWEK, A

Reencarnação dos Espíritos. São Paulo 1946, p. 192).

Ora, para quem ignora o motivo pelo qual está destinado a se purificar

neste mundo (ou pelo qual se reencarnou), é vã a sanção ou a

reencarnação. A justiça humana exige que o réu castigado saiba por

que é punido; o bom senso se revolta contra punição que não tenha

explicação. Para que eu me possa emendar dos erros pelos quais sou

punido, devo saber quais foram. Até mesmo o cão que é castigado por

ter sujado a casa, é instruído a respeito da falta que cometeu. Notemos

as sábias palavras de Enéias de Gaza († 520 aproximadamente):

"Quando tenho de castigar meu filho ou meu servo, ...começo por

admoestá-los a fim de se lembrarem bem para o futuro e assim poderem

evitar recair no mesmo erro. Não deveria Deus, quando envia as mais

terríveis punições, instruir aqueles que as sofrem, a respeito do motivo

desses castigos? Poderia Ele tirar-nos de todo a recordação de nossos

crimes? ...que proveito se há de esperar da punição, se ninguém nos

mostra qual foi a nossa culpa? Em verdade, semelhante castigo vai

contra o que pretende: irrita e leva à revolta" (Theophrastes, PG

85,302).

Não obstante, os reencarnacionistas julgam poder valer-se de

razões de ordem psicológica, filosófica, física, histórica e bíblica para

firmar a sua tese. Examinemos, pois, tais argumentos.

2.1. Razões de ordem psicológicas 2.1.1. Narrações feitas em sono hipnótico

1. Para estudar este assunto, vamos, antes do mais, relatar a

história de Virgínia Tighe ocorrida em 1952 nos Estados Unidos da

América, pois tal é o caso mais famoso e típico entre os congêneres.

Virgínia Tighe foi hipnotizada por Morey Bernstein, honrado

comerciante de Pueblo, Colorado (U.S.A.), de 36 anos de idade, que se

dedicava ao hipnotismo à guisa de passatempo, sem ser especialista no

assunto. Levando a Sra. Virgínia à regressão de idade, fê-la "transpor o 5

Page 6: Reencarnação - Prós e Contras

limiar desta vida e passar para a sua existência pregressa": Virgínia

então contou que no século XIX vivera na Irlanda com o nome de Bridey

Murphy. Teria nascido aos 20/12/1798 em Cork, Irlanda. Aos 15 anos de

idade, estudava. Casou-se com Sean Brian MacCarthy, filho de um

advogado de Cork, e foi morar em Belfast, conforme o enredo

apresentado. Divertia-se tocando a lira e dançando a Jiga. Comprava

sua roupa no Cadenns House. O seu marido era professor de Direito na

Quenn's University de Belfast e escrevia artigos para o periódico News-Letter da cidade. Bridey terá morrido num domingo de 1864, vítima de

uma queda. Descreveu seus funerais e sua vida desencarnada; ressaltou

que não passara pelo purgatório, ao contrário do que lhe insinuara o Pe.

John Goran, da igreja de Santa Teresa. Acrescentou ainda alguns dados

sobre a sua nova encarnação, em curso desde 1923.

A história contada por Virgínia nessa "encarnação anterior" era

muito vivaz e minuciosa; a narradora usava sotaque irlandês e expressões

regionais da Irlanda, dançava a Jiga e apresentava particularidades tão

verossímeis que parecia realmente ter experimentado tudo quanto ela

descrevia. Impressionado com tais resultados, Morey Bernstein mandou

uma comissão de peritos à Irlanda para averiguar a genuinidade das

narrações; estes — como também os repórteres do Post de Denver, do

Daily News de Chicago e do Life, que se lhes seguiram — puderam

comprovar a veracidade de vários tópicos do enredo narrado; outros não

foram confirmados; pareciam mesmo anacrônicos (por exemplo, Bridey

Murphy teria raspado toda a pintura de sua cama de metal quando tinha

quatro anos de idade em 1802; ora antes de 1850 não havia camas de

metal na Irlanda). Em janeiro de 1956 Morey Bernstein publicou os

resultados de todas as suas experiências e pesquisas no livro The Search of Bridey Murphy (A procura de Bridey Murphy), de 256 páginas; em

poucas semanas venderam-se 170.500 exemplares dessa obra!

O fato é que, para muita gente, o fenômeno Bridey Murphy parecia ser a

prova cabal de que existe reencarnação; as grandes revistas ilustradas da

Europa e dos Estados Unidos publicaram longas reportagens sobre o

caso Bridey Murphy, insinuando tal teoria; tenha-se em vista especial-

mente a revista Life (edição espanhola) de 9/4/1957. Multiplicaram-se as

sessões de hipnotismo destinadas a descobrir e identificar "encarnações

anteriores" dos respectivos pacientes; em jornais apareceram anúncios

de hipnotizadores que se prontificavam para detectar vidas pregressas

dos seus clientes ao preço do US$ 25 por cada existência desvendada.

As consequências deste reboliço foram sensacionais: na Califórnia, Mr.

Hypnosis fez "retroceder" uma mulher que fora cavalo em 1800! Em

Shreveport, Luisiana (U.S.A.), registrou-se o recorde: um rapaz de 17

anos hipnotizou uma moça que recuou dez mil anos no tempo. Em Sha-

wnee, Oklahoma, um jovem de 19 anos, chamado Richard Swink, redigiu

a seguinte mensagem: "Sinto muita curiosidade acerca do relato de

Bridey Murphy; por conseguinte, quero ir investigá-lo pessoalmente": e

suicidou-se com um tiro!...

Todavia muitos estudiosos revelaram menos entusiasmo; quem

conhecia psicologia e hipnotismo, não se impressionava com o livro de

Bernstein, pois não apresentava novidades. Durante decênios os

reencarnacionistas já haviam apontado casos semelhantes, embora

menos vultosos. Eram, por exemplo, conhecidas as experiências do coro-

nel Albert de Rochas que, no início do século XX, teria induzido uma

paciente hipnotizada a reviver onze "encarnações"; em 1887 o espírita

Fernandes Colavida "magnetizara" um médium que conseguia recordar

quatro de suas "reencarnações"; os teosofistas Annie W. Beasant e

Leadbeater referiam várias experiências do mesmo tipo.

O caso de Bridey Murphy fói finalmente desvendado, quando em Chicago

o pastor protestante Wally White se pôs a acompanhar o enredo narrado 6

Page 7: Reencarnação - Prós e Contras

por Virgínia. O Rev. White conhecera a jovem Virgínia, quando

frequentava a igreja dele; em uma série de artigos para o Jornal American

de Chicago, revelou que, como criança, Virgínia vivia do outro lado da rua

em que residia a Sra. Bridie (não Bridey) Murphy Corkell; pôs-se a

namorar o filho dessa senhora irlandesa, de modo que ia frequentemente

à casa desta e ouvia as histórias autobiográficas narradas por Bridie

Murphy Corkell, com sotaque irlandês e com recurso ao folclore e ao lin-

guajar próprios das regiões de Cork e Belfast; Virgínia absorvia essas

histórias com grande interesse, a ponto de se identificar (até certo grau)

com a senhora irlandesa, que ela julgava seria a sua futura sogra.

Todavia desfez o namoro e esqueceu as experiências vividas em casa de

Bridie Murphy Corkell. Contudo ficaram no seu inconsciente todas as

reminiscências que lhe haviam sido transmitidas pela irlandesa. Ora, anos

depois colocada em sono hipnótico por Bernstein, Virgínia (como toda

pessoa hipnotizada) perdeu o controle de si mesma e deixou-se

comandar totalmente pelo hipnotizador. Ele lhe ordenava (como narra o

próprio Bernstein): "quero que sua mente retroceda mais e mais... Há

outras cenas, de terras distantes e lugares longínquos, em sua memória.

Você poderá falar-me sobre elas e responder às minhas perguntas". Foi

imediatamente após esta ordem que Virgínia Tighe se converteu em Bridey

Murphy, de Cork na Irlanda; para desempenhar o papel correspondente,

tirou do seu inconsciente as noções que a velha irlandesa lhe tinha

narrado e que ela passou a apresentar como suas próprias experiências

de vida pregressa. — O pastor Wally White revelou que Virgínia, jovem,

fizera declamações em irlandês,... que aos sete anos de idade havia

raspado a pintura de sua cama de metal e, em consequência, levara uma

surra (façanha esta que Virgínia atribuía a "Bridey Murphy" na encarnação

anterior). O nome do esposo de Bridey — Sean Brian MacCarthy —

explicava-se bem: Sean é a forma irlandesa de João (nome do filho de

Bridie Murphy Corkell, que Virgínia namorara), e Brian era o nome do

esposo atual e real de Virgínia Tighe... Assim vários pormenores da vida

de Virgínia Tighe, oportunamente investigados, coincidiam com o enredo

atribuído a Bridie Murphy e o elucidavam suficientemente; evidenciava-se,

desta maneira, que, para atender ao comando de Bernstein, Virgínia não

havia narrado senão experiências de sua vida presente, livremente

associadas entre si. Tornava-se inútil ou mesmo anticientífico o recurso à

reencarnação.

2. Narrado e desvendado o caso de Virgínia Tighe, podemos propor

as seguintes considerações:

As pesquisas sobre as narrações de vida pregressa feitas em sono

hipnótico permitem dizer que se trata de fenômenos letárgicos, assim

explicáveis: habitualmente temos conscientes apenas 1/8 dos

conhecimentos que adquirimos desde a infância; os 7/8 restantes ficam

no inconsciente, como que ignorados. Contudo, por efeito de choque psi -

cológico forte, as noções latentes podem aflorar à mente e combinar-se

de muitas maneiras, dando ocasião a que o indivíduo fale e proceda como

se houvesse mudado de personalidade. É o que se verifica, por exemplo,

quando alguém é colocado em estado de transe: um hipnotizador que

possua domínio sobre seu paciente, pode sugerir-lhe que experimente as

situações mais estranhas e ridículas: o hipnotizado sentirá então

sucessivamente calor e frio com sintomas típicos destas situações; fará

convictamente as vezes de soldado, de General e de Rei, de ricaço e de

mendigo, de acordo com as sugestões que o operador lhe quiser incutir;

retrocederá no tempo, comportando-se como criança, tomando voz

infantil, mostrando-se tagarela e caprichoso; tentará engatinhar,

escreverá com letra de aprendiz de escola primária. E, se o hipnotizador

insistir, conseguirá que seu paciente "ultrapasse o limiar da vida

presente", contando episódios de uma vida anterior à atual, episódios 7

Page 8: Reencarnação - Prós e Contras

que, uma vez analisados, se evidenciam como fatos ocorridos ao

hipnotizado na existência atual, mas diversamente associados pela

fantasia. Da mesma forma, o operador poderá fazer que o paciente

antecipe o futuro ou a velhice, tomando a voz rouca e trêmula de um

ancião. Vale a pena registrar o seguinte: o hipnotizador que em

Shreveport (Luisiana) conseguiu levar diversas pessoas a vidas

pregressas, cometeu um descuido ao enfrentar o quarto paciente: em vez

de lhe dizer: "Quero que você retroceda... mais... e mais... através do

tempo... até outro lugar...", disse "...mais... e mais... até outro mundo". O

paciente então anunciou imediatamente que era um ser estranho chamado

"C", que vivia na Luz e que realizava viagens interplanetárias num disco

voador!...

Também é significativo este particular: em geral, as pessoas que

dizem recordar-se de suas existências passadas, apresentam-se como

personagens importantes. O observador Douglas Home declarava que já

tivera a honra de encontrar ao menos doze Maria Antonieta, rainha da

França, seis ou sete Maria Stuart, rainha da Inglaterra, multidão de São

Luís e outros reis, uns vinte Alexandres e Césares; nunca, porém, se

defrontara com personagem insignificante... Ora quem entra numa clínica

de doentes mentais, tem fácil oportunidade de conversar com muitos

"vultos eminentes" da história passada. As pretensas afirmações de reen-

carnação não serão, pois, em vários casos, expressões requintadas da

megalomania de indivíduos psicopatas?

2.12. O fenômeno da paramnésia

Muitas pessoas que vão, pela primeira vez, a determinado

lugar, têm a impressão de já haver estado aí, reconhecendo o

ambiente com suas características. Pergunta-se: como explicar tal

fenômeno, dito de paramnésia, senão pela reencarnação? Em vida

pregressa, a pessoa já teria visitado tal lugar.

— A propósito, podem-se fazer quatro considerações, que

dispensam a reencarnação.

a) Às vezes a pessoa não esteve conscientemente no lugar,

mas lá esteve inconscientemente; ora o inconsciente (mesmo o de uma

criança de colo) colhe impressões e as guarda latentes. Digamos, pois,

que uma criança seja levada a uma praça pública ou a um cemitério;

trinta anos mais tarde supostamente, esta pessoa volta a tal ambiente;

compreende-se que o reconheça imediatamente... Afirmará

conscientemente já ter visitado o lugar — o que será verdade, não,

porém, numa encarnação anterior.

b) Pode acontecer também que a pessoa tenha visto imagens

do lugar em fotografias de livros ou filmes — o que leva a crer que já

tenha estado no lugar.

c)Existe também a explicação pela hiperestesia. Há pessoas cujo

inconsciente é capaz de ler o inconsciente de outrem. Ora, se vou ao

Japão pela primeira vez e tenho a impressão de já ter estado lá, posso

perguntar-me se nunca me achei ao lado de uma pessoa que já tivesse

estado no Japão. Caso positivo (o que é plausível), eu terei percebido

inconscientemente o que o amigo vira conscientemente e trazia no seu

inconsciente.

d) Acontece também que há muitos objetos semelhantes, de

modo que, ao dizermos que já vimos algo, podemos estar confundindo

esse algo com algum semelhante.

Em suma, há várias explicações para o fenômeno da

paramnésia dotadas de base científica; a única destituída de

fundamento seria o recurso à reencarnação.

8

Page 9: Reencarnação - Prós e Contras

2.1.3. E os gênios?

As pessoas geniais, segundo os reencarnacionistas, seriam

espíritos que se aperfeiçoam em numerosas encarnações

anteriores.

— Tal explicação é gratuita. Quem observa os gênios, verifica

que não nasceram sabendo, mas são pessoas que estudam e

pesquisam concentradamente ou sem dispersão. Ora, isto supõe

inteligência perspicaz e vontade decidida, mas não su põe

encarnações anteriores.

Quanto a crianças-prodígio, pode-se obser var o seguinte:

Muitas vezes as crianças-prodígio são as que aprendem com

rapidez e facilidade. Todavia estes predicados se devem à

constituição nervosa de tais crianças, de tal modo que raramente

elas se torna pessoas talentosas. Ao contrário, as crianças apa -

rentemente não talentosas, mas dotadas de natu reza calma,

aprendem de maneira mais contínua e podem chegar a ser

pessoas de importância ou mesmo geniais.

Deve-se observar que as crianças tidas como prodígios em

matemática ou música são como as demais crianças em outros

setores de atividade intelectual. Ora, verif ica-se que os prodígios

do cálculo são os mais mecânicos que há, pois as máquinas

calculadoras os podem reproduzir (sem ter inteligência): às vezes,

pessoas pouco prendadas têm extraordinária facilidade para o

cálculo — o que mostra que este não é o sinal de prodígio nem

de genialidade. Algo de semelhante se diga em relação aos

prodígios musicais.

2. 1.4. Aprender é recordar

Há pessoas que aprendem com tanta facil i dade que dão a

impressão de que estão apenas avivando conhecimentos já

adquiridos (no caso... adquiridos em vida pregressa). O argumento

não é recente, pois já Platão († 348 a.C.) o util izava: no diálogo

Ménon refere que Sócrates fazia perguntas a um escravo, que

respondia acertadamente; ora, tais respostas, segundo o fi lósofo,

revelavam a aquisição de conhecimentos numa vida anterior à

união da alma com tal corpo. Platão observava ainda que todos

os homens trazem conhecimentos em estado latente, que não

foram adquiridos na vida presente, mas, sim, numa encarnação

anterior.

Já Santo Agostinho († 430) criticava tal argumentação,

ponderando que as respostas acertadas eram sugeridas ao

escravo pelo próprio modo como eram feitas: "A proporção que lhe

faziam perguntas bem graduadas e coordenadas, o escravo via o que

lhe apontavam e contava o que via" (De Trinitate, XII 15; PL 42, 1011).

Observemos ainda que a arte de estudar e aprender é uma

atividade psicossomática; está em relação não só com o psíquico do

estudioso, mas também com as suas disposições físicas ou corporais; a

imbecilidade, a debilidade mental ou idiotice... são consequências de

lesões do organismo e, em especial, do cérebro. De outro lado, os espí-

ritos ditos "mais evoluídos" beneficiam-se de disposições orgânicas e

fisiológicas que tornam a aprendizagem mais fácil, imediata e intuitiva.

Uma alma bem dotada, num corpo sadio, é naturalmente propensa a

rápida e perspicaz apreensão da verdade.

2.1.5. As simpatias e antipatias

9

Page 10: Reencarnação - Prós e Contras

Duas pessoas que não se conhecem mutuamente, podem

experimentar viva simpatia ou antipatia uma pela outra, ao se

encontrarem pela primeira vez. Os reencarnacionistas tentam explicar o

fenômeno afirmando que eram amigos ou inimigos em encarnação

anterior.

— Sem o recurso gratuito à reencarnação, tal fato se pode elucidar

de quatro maneiras:

a) Os psicólogos falam de "recordação traumática": uma ocorrência

insignificante da infância ou da juventude de alguém pode deixar marcas

no psiquismo dessa pessoa para o resto da vida. Assim uma criança que

sofra uma emoção desagradável por parte de um animal (sapo, cachorro,

gato, serpente...), poderá sentir, por toda a sua existência, profunda

repulsa por tais animais. O mesmo efeito pode provir de certas pessoas

ou de certos nomes de pessoas: conta-se o caso de alguém que, ao

frequentar o Grupo Escolar, voltava quase diariamente para casa com

uma turma de crianças, entre as quais uma menina de nome Hildegarda,

que era grandona e detratora; bastou isto para que mais tarde sentisse

antipatia por qualquer mulher de nome Hildegarda. Também se diz que o

filósofo René Descartes sempre alimentou simpatia por olhos vesgos,

porque a primeira mulher que ele amou, sofria deste defeito. Em suma, a

psicologia registra numerosos casos em que a emoção-choque já há

muito desapareceu, mas persiste o estado emocional correspondente.

b) Os psicólogos também conhecem a "lei da individualidade dos

instintos", que assim pode ser formulada: quando algum instinto nosso se

satisfaz plenamente com determinado objeto, perde o interesse por

qualquer outro objeto da mesma espécie; daí provêm simpatias

irrefletidas para com certos lugares e certas pessoas, como se só esses

lugares e essas pessoas fossem capazes de nos trazer a felicidade.

c) Também a lei das associações psicológicas explica muitos casos

de simpatia à primeira vista: as pessoas com que nos encontramos pela

primeira vez, nos lembram (por suas semelhanças nas feições, no modo

de falar, no olhar, nos gesto...) outras pessoas que nos são raras ou

avessas. Daí as simpatias e antipatias espontâneas.

d) Outras vezes os sentimentos de simpatia ou antipatia têm fundo

sexual (sex-appeal); trata-se de algo natural, nem sempre dotado de

características perversas.

Todas estas explicações dispensam a reencarnação.

2.9.6. As tendências e inclinações

Algumas crianças sentem forte inclinação para alguma

profissão ou arte: querem tornar-se soldados, aviadores,

engenheiros, artistas de cinema ou televisão... Ora, isto, dizem-nos,

só se explica porque tais pessoas exerceram tal profissão ou arte em

encarnação anterior.

Respondemos: se tais inclinações provêm de uma vida anterior,

devem ser inatas. Ora, é difícil admitir que alguém tenha sido

astronauta, locutor ou artista de televisão... em encarnação anterior,

visto que se trata de profissões recentes. Deve, pois, haver outra

explicação para o fenômeno; com efeito, a psicologia ensina que, se

alguém ouvir, desde a infância, elogiar certa arte ou ciência, poderá

facilmente conceber o seu futuro em função de tal arte ou ciência.

2.1.7. Os instintos

É costume sentirmos inclinações para certas coisas e aversão por outras;

trata-se de instintos que trazemos inatos e não adquiridos nesta vida; por

conseguinte são provas de encarnações anteriores, conforme os 10

Page 11: Reencarnação - Prós e Contras

reencarnacionistas. "O homem que revela talento musical, talvez tenha sido

rouxinol; o que possui grandes capacidades para arquiteto, talvez ante-

riormente tenha vivido como castor", escreve o espírita L. Figuier (Dopo

Morte, p. 336).

— Observamos que todos os homens, assim como os animais

irracionais, têm instintos congênitos, sem os quais não poderiam

sobreviver (alimentar-se, defender-se...), mas pereceriam fatalmente; os

instintos básicos pertencem à estrutura dinâmica de qualquer organismo

vivo. Além dos instintos fundamentais, compreende-se que os seres

humanos tenham instintos peculiares, característicos da respectiva

personalidade; habilitam seus portadores a exercer suas funções na

sociedade ou a se entrosarem na comunidade humana— sem o que

ninguém se auto-realiza.

2.1.8. As semelhanças e dissemelhanças

Quando, após a morte de certa pessoa, nasce outra, notavelmente

semelhante à falecida, dizem alguns estudiosos que estamos diante de

um caso de reencarnação; o espírito do defunto estaria voltando a este

mundo num corpo quase idêntico ao da encarnação anterior.

— Em resposta, pode-se observar: os reencarnacionistas não se

surpreendem de que um filho seja semelhante ao pai ou à mãe, pois isto

se explica naturalmente pelas leis da genética, sem necessidade de

recursos à reencarnação. Todavia, se nasce uma criança parecida com o

falecido avô ou bisavô ou algum outro parente "desencarnado", há quem

julgue que o surpreendente fenômeno deva ser explicado pela pluralidade

das existências. Na verdade esta tese revela a ignorância dos mais

recentes estudos concernentes à hereditariedade de caracteres físicos

(cor, feições, altura...) e psíquicos; ao gerarem uma criança, os pais condi-

cionam os seus traços somáticos e as faculdades psíquicas que

dependem destes (todas as ações humanas são atos de um composto

psicossomático).

Note-se ainda que, mesmo entre pessoas não consanguíneas,

podem existir extraordinárias semelhanças. É vão, porém, querer explicá-

las pela hipótese da reencarnação, visto que tais indivíduos não

consanguíneos são, muitas vezes, contemporâneos entre si, de modo

que um não pode ser a reencarnação do outro.

Há quem argumente em favor da reencarnação a partir do fato

contrário. Com efeito, dizem, entre filhos dos mesmos pais encontram-

se surpreendentes diferenças de capacidade intelectual e de caráter

moral; numa família de lar tranquilo, nasce às vezes um indivíduo de

espírito indisciplinado e vadio; ocorre que até entre gêmeos se deem ca-

racteres e temperamentos muito diversos. Isto tudo parece desafiar as

leis da hereditariedade e exigir explicação pela teoria da reencarnação.

Em contraparte, observamos que tal hipótese supõe noção

demasiado estreita da hereditariedade e do atavismo. Além disto,

não leva em consideração os fatores acidentais que afetam a vida

intra-uterina, o nascimento, a primeira infância de cada indivíduo e

que devem ser examinados um por um, em cada caso particular.

2.2. Razões de ordem filosófico-religiosa

2.2.1. A desigualdade de sortes

Um dos mais frequentes argumentos filosóficos é o das

desigualdades. Uns nascem ricos, sadios e muitos prendados, ao

passo que outros vêm ao mundo doentes, aleijados e pobres... Ora,

dizem-nos, isto só se pode explicar pelo fato de que uns e outros 11

Page 12: Reencarnação - Prós e Contras

viveram encarnações anteriores; por seus méritos ou deméritos

(sancionados pela lei do Karma), obtiveram sorte feliz ou

desgraçada para a sua presente encarnação. Com efeito, a lei do

Karma ensina que todo ato mau cometido é uma dívida contraída que

deverá ser paga; se não o for nesta existência mesma, será paga na

seguinte ou nas seguintes.

— Respondemos:

a) É gratuito o pressuposto de que todos os homens devem ter

começado a existir em iguais condições físicas e psíquicas. Deus é

soberanamente livre para criar quem Ele queira e como Ele queira. O

mundo inteiro está cheio de criaturas variegadas; não há sequer duas

folhas ou duas flores absolutamente iguais entre si. É precisamente esta

variedade que faz a beleza e a harmonia do universo. — O que a justiça

divina nos assegura, é que cada criatura, dentro da sua própria realidade,

recebe as graças necessárias para chegar á plenitude da perfeição; sem

dúvida, o Senhor Deus chama cada ser humano à perfeição e lhe oferece os

subsídios necessários para atingi-la.

b) É falso fazer coincidir a felicidade com saúde, dinheiro e sucesso

temporal... Muitos daqueles que possuem tais bens, são inquietos e sofrem

não raro dolorosos dramas íntimos ou públicos, ao contrário, muitos

daqueles que não os possuem, são tranquilos e serenos e comunicam aos

outros paz, magnanimidade e valores morais. Em última análise, a grandeza

de alguém não está no ter, mas no ser; pode alguém ter muitos bens mas

ser um monstro, como também pode ter muitos bens materiais, mas ser uma

grande personalidade. Ora a grande personalidade é herdeira da felicidade

máxima, que é a vida eterna.

De resto, é-nos muito difícil aquilatara felicidade dos homens, pois é certo

que não há quem não tenha sua cruz a carregar. A cruz é escola ou

instrumento de purificação ou engrandecimento como já ensinavam os

antigos gregos mediante o trocadilho páthos máthos (sofrimento é escola ou

educação); cf Hb 5, 8. É certo, porém, que, ao permitir seja cada um tentado,

o Senhor Deus se encarrega de lhe dar a graça necessária para superar o

mal e dele tirar o proveito respectivo (cf. 1 Cor 10, 13).

c) A lei do Karma é a aplicação da lei da causalidade física ao mundo

moral: "é lei sem exceção, que rege o universo inteiro, desde o átomo

invisível e imponderável até os astros; consiste em que toda causa produz o

seu efeito, sem que nada possa impedir ou desviar o efeito, uma vez posta a

causa" (ver F. M. PALMES, Metapsíquica y Espiritismo. Barcelona 1950, p.

482). É cega, automática e não inteligente, exatamente como as leis físicas.

O que se faz, terá inevitavelmente as suas consequências sem possibilidade

de perdão.

Ora não há prova de que exista a lei do Karma, como não há prova da

reencarnação. Trata-se de lei fatalista, mecanicista, que não se coaduna nem

com a bondade de Deus nem com a liberdade do homem; no Evangelho Deus

aparece como Pai... o Pai que, conforme a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-

32), perdoa imediatamente ao filho que se mostre arrependido. Pode-se

mesmo dizer que tal lei leva ao absurdo; com efeito, segundo o Karma, toda

pessoa sofredora nesta vida deveria estar pagando graves pecados de

encarnação anterior; seria um grande pecador reencarnado, ao passo que

todo indivíduo sadio e rico deveria estar colhendo os frutos positivos das

virtudes praticadas em existência pregressa (seria uma pessoa muito

benemérita) — o que é contraditado pela experiência.

d) Ainda a respeito do sofrimento, não podemos apontar a causa precisa

pela qual cada criatura sofre... e sofre tais e tais males; aliás, nenhum

sistema filosófico ou religioso o pode explicar de maneira cabal. Apenas

podemos afirmar, segundo a doutrina católica, que Deus, em seu plano

12

Page 13: Reencarnação - Prós e Contras

sumamente sábio, não se engana nem comete injustiça; um dia, todos

saberemos o porquê dos desígnios do Senhor. Entrementes pode-se dizer

que o sofrimento nem sempre é punição de pecados pessoais, mas é

sempre providencial; vem a ser ocasião de crescimento interior, de modo

que quem não sofre, se amesquinha ou se fecha no egoísmo; a natureza

humana é tal que ela se beneficia enormemente no cadinho do

sofrimento. A justiça de Deus consiste em ministrar a todo homem os

subsídios necessários para carregar a sua cruz com grandeza de alma,

de modo que adquira méritos.

2.2.2. O inferno

O conceito cristão de inferno, dizem, é contrário ao conceito de um

Deus bom e perfeito. Ora a tese da reencarnação o evita.

- Na verdade, a doutrina concernente ao inferno não derroga em

absoluto à Bondade de Deus. O que torna o inferno inaceitável a muitos

de nossos contemporâneos, é a concepção falsa que dele têm. É o que se

depreenderá das explanações abaixo.

Jesus deu claramente a entender que, após a peregrinação

terrestre, duas são as formas de vida possíveis para o homem: uma

bem-aventurada; a outra, infeliz. Assim, por exemplo, falam as parábolas

do joio e do trigo (Mt 13, 24-30), da rede do pescador (Mt 13, 37-40), dos

convidados à ceia (Lc 14, 16-24), das virgens (Mt 25, 1-12). Na história

do mau rico e do pobre Lázaro (Lc 16, 19-31) o contraste é inculcado

com a máxima veemência: na vida póstuma poderão inverter-se os papéis

que atualmente cabem aos indivíduos. As duas sortes são também

apresentadas com muita ênfase no quadro do juízo universal, em Mt 25,

33-46.

O inferno nada tem a ver com imagens populares de tanque de

enxofre fumegante, nem é algo criado por Deus. Vem a ser a frustração

total ou a separação de Deus resultante de livre opção da criatura na

terra.

Com outras palavras: todo ser humano foi feito naturalmente para o

bem... e para o Bem que não se acabe ou o Bem Infinito — Deus. Este,

explícita ou implicitamente, exerce atração sobre todo homem, à

semelhança do Norte que atrai a agulha da bússola. Se alguém, usando

da sua livre vontade, diz Sim a esse Norte (= Deus), encontra repouso e

plenitude (a bem-aventurança celeste)... Se, porém, voluntariamente

lhe diz Não e na hora da morte é encontrado pelo Senhor nessa atitude

de repulsa consciente e voluntária, terá o definitivo distanciamento de

Deus; o Senhor respeitará a sua opção negativa e não o forçará a voltar

para Deus. É tal estado que se chama inferno; a própria criatura a ele se

condena, sem que o Senhor Deus necessite de proferir alguma

sentença. Além dessa dolorosa frustração, há no inferno o que a

Sagrada Escritura chama fogo,... fogo, porém, que não é o da terra.

Tal estado é definitivo e sem fim, porque a alma humana é, por

si mesma, imortal. O mesmo só terminaria

— se o Senhor aniquilasse a criatura (o que seria contrário à

Sabedoria do Criador; Deus não destrói o que ele faz);

— se o Senhor forçasse a vontade da criatura a dizer-lhe um

Sim póstumo, contrário à livre opção da mesma (ora, o Senhor que

deu liberdade ao homem, não lha retira);

— se o Senhor cessasse de amar a criatura e deixasse de lhe

aparecer como o Sumo Bem; então o pecador se fecharia em si mesmo

ou no seu egoísmo, sem experimentar a atração de Deus; ele não sofreria

inferno. Eis, porém, que o Senhor não pode deixar de amar o homem,

porque Ele é incapaz de se contradizer; Ele não pode dizer Não após ter

dito Sim; o seu amor é irreversível.13

Page 14: Reencarnação - Prós e Contras

Eis o que se entende por inferno numa lúcida concepção. Vê-se que

tal estado, longe de ser incompatível com a santidade de Deus, resulta

precisamente do fato de que Deus ama a criatura... e a ama divinamente,

isto é, sem se poder desdizer e sem poder retirar-lhe o seu amor; cf. 2Tm

2, 11-13.

Vê-se, pois, que não há necessidade de reencarnação para

remover o "inferno indigno de Deus". Importa frisar que, no decorrer da

sua peregrinação terrestre, o homem recebe do Senhor todas as graças

necessárias para se santificar e chegar à plenitude da vida.

2.3. Razões de ordem natural 2.3.1. A lei dos contrários

Segundo Platão, a "lei dos contrários" é lei fundamental da

natureza. Por conseguinte, a vida só pode nascer da morte, pois esta

representa o contrário da vida. Por isto toda criança que nasce na carne,

é alguém que já morreu na carne.

— Em resposta, observemos que a lei dos contrários se aplica,

quando muito, às realidades homogêneas: um peso superior supõe a

existência de um inferior; um comprimento maior supõe outro menor; um

tempo dilatado supõe um menos prolongado... Tal lei, porém, não tem

significado no plano das realidades heterogêneas, pois nunca se derivará

um comprimento mais extenso de um peso mais leve, nem um tempo mais

dilatado de uma densidade mais fraca. Ora, a vida e a morte não são

realidades homogêneas: diferem entre si como o comprimento e o peso;

no que está morto, é impossível descobrir uma propensão, por mínima que

seja, para o desabrochar da vida; e na força de expansão que é a vida,

não se vê a tendência para a imobilidade que a morte é.

2.3.2. Natureza cíclica

A natureza, dizem, procede por ciclos: dia-noite, verão-inverno,

primavera-outono, semente-planta-semente... Por conseguinte, também

a existência do ser humano seria marcada pelos ciclos das

reencarnações.

— Respondemos que nenhuma dessas analogias tem força

probatória: não se vê por que deduzir das mesmas que o homem deva

periodicamente morrer e renascer. Mais: na natureza não se descobre

fenômeno algum que apresente genuína analogia com a reencarnação. A

semente lançada à terra desenvolve-se numa planta, que vive por algum

tempo e depois morre. O vento dispersará as cinzas da planta morta,

fertilizando os campos e favorecendo a germinação de outras sementes.

Mas nunca se ouviu dizer que a planta morta se transforma em semente e

assim recomeça a viver. É verdade que, antes de se transformar em

matéria podre, a planta produz frutos de cujas sementes se originam novas

plantas; estas, por sua vez, darão frutos, e assim indefinidamente. Essas

plantas novas, porém, não são a repetição ou a reencarnação das

anteriores; são indivíduos totalmente distintos: cada uma possui um

plano de organização unicamente seu.

2.4. Razões de ordem histórica 2.4.1. Povos não cristãos

Os reencarnacionistas apelam também para o testemunho dos

povos antigos, afirmando que estes, desde as mais remotas épocas e

com certa unanimidade, professaram a doutrina dos sucessivos retornos

a este mundo.

– Contudo um exame atento dos documentos da história leva a 14

Page 15: Reencarnação - Prós e Contras

conclusão assaz diversa. Eis o que afirma o Pe. Paulo Siweck S. J. em

sua obra A Reencarnação dos Espíritos:

"São muitos os povos que sempre se conservaram refratários

às concepções reencarnacionistas. Outros muitos só bem tarde

admitiram essa doutrina, que não existia no seu Credo primitivo.

Assim não encontramos vestígio nenhum da reencarnação

entre os persas, por exemplo; da mesma forma não reconhece a

reencarnação a religião primitiva da China, que só bem tardiamente

a aceita sob a influência do budismo. A religião do antigo Egito

também é alheia à idéia da reencarnação" (pp. 12s).

Na Índia mesma, que por vezes é tida como berço da tese da

reencarnação, a religião primitiva não conhecia tal doutrina. Os mais

antigos textos da literatura hindu, e também da literatura mundial, que

professam a palingenesia, datam dos séculos VII/VI antes de Cristo;

são alguns dos hinos Upanishads. Os orientalistas não sabem indicar

como nem por que tal crença se originou na Índia.

Mesmo nos povos que professavam a reencarnação, encontram-se

grandes vultos que não adotaram tal teoria; assim os mais destacados

pensadores de Roma e grande número de filósofos gregos (entre os quais

Aristóteles, sem dúvida o maior de todos).

Conclui-se, pois, que não há unanimidade entre os povos antigos a

respeito da reencarnação. Tal unanimidade, porém, existe no tocante à

crença na imortalidade da alma; todos os povos que a história conhece,

têm como certo que a morte do composto humano não acarreta a da alma

e que esta sobrevive ao separar-se do corpo. A ideia da ressurreição dos

corpos ou da recomposição do composto humano emerge no judaísmo

tardio (cf. Dn 12, 2s; 2Mc 7, 11.14) e se torna um dos grandes artigos de

fé do Cristianismo.

2.4.2. Na tradição da Igreja

Há quem diga que os cristãos da antiguidade acreditavam na

reencarnação. Somente no século VI a Igreja se terá afastado de tal

doutrina.

— Sendo assim, examinemos os testemunhos dos primeiros séculos

do Cristianismo:

Clemente de Alexandria († 215) julga ser a doutrina da

reencarnação arbitrária, porque não se baseia nem nas sugestões da

nossa consciência nem na fé católica; lembra que a Igreja não a pro fessa,

mas, sim, os hereges, especialmente Basílides e os Marcionistas. Cf.

Eclogae ex Scripturis Propheticis XVII, PG 9, 706; Excerpta ex Scriptis

Theodoti XXVIII, PG 9, 674; Stromata III, 3; IV, 12, PG 114s. 1290s.

S. Irineu († 202) observa que em nossa memória não se encontra

vestígio de pretensas existências anteriores (Adv. Haer II, 33, PG 7,

830s); em nome da fé, opõe o dogma da ressurreição dos corpos: nosso

Deus é bastante poderoso para restituir a cada alma o seu próprio corpo

(ib. II 33, PG 7, 833).

Outros autores antigos se poderiam citar a propor semelhantes

ponderações. O mais importante, porém, é Orígenes de Alexandria († 254).

Este propôs, à guisa de hipótese, a preexistência das almas: todos os

espíritos teriam sido criados desde toda a eternidade e dotados da mesma

perfeição inicial: muitos, porém, terão abusado da sua liberdade e pecado.

Tal pecado haverá sido, para Deus, a ocasião de criar um mundo material,

a fim de servir de lugar de castigo e purificação. Conforme a falta cometida,

cada espírito teve que tomar em punição um corpo mais ou menos grosseiro.

Os que não se purificassem devidamente nesta vida, deveriam passar, 15

Page 16: Reencarnação - Prós e Contras

depois da morte, para "um lugar de fogo". Mas finalmente todos seriam rein-

tegrados na suprema felicidade com Deus; o inferno não seria eterno.

Notemos que estas ideias foram propostas com reservas e a título de

hipótese (cf. Peri Archon, PG 11, 224). Todavia os discípulos de Orígenes,

chamados origenistas, eram monges do Egito, da Palestina e da Síria,

que se beneficiavam dos escritos ascéticos e místicos do mestre, mas eram

pouco versados em teologia; por conseguinte, não tinham critérios para

distinguir entre as verdades de fé e as proposições hipotéticas de

Orígenes. Os origenistas, portanto, nos séculos IV/VI professaram como

artigos de fé não só a preexistência das almas e a restauração final de

todos na felicidade inicial, mas também a reencarnação. Contrariavam

assim o pensamento do próprio Orígenes, que era avesso à reencarnação,

tida por ele como "fábula inepta e ímpia" (In Rom. PG 14, 1015).

As doutrinas dos origenistas chamaram a atenção das autoridades

da Igreja. Em 543, o Patriarca Menas de Constantinopla redigiu e promul-

gou quinze anátemas contra Orígenes, dos quais os quatro primeiros nos

interessam diretamente:

1. "Se alguém crer na fabulosa preexistência das almas e na

repudiável habilitação das mesmas (que é geralmente associada àquela),

seja anátema.

2. Se alguém disser que os espíritos racionais foram todos criados

independentemente da matéria e alheios ao corpo, e que vários deles

rejeitaram a visão de Deus, entregando-se a atos ilícitos, cada qual

seguindo as suas más inclinações, de modo que foram unidos a corpos, uns

mais, outros menos perfeitos, seja anátema.

3. Se alguém disser que o sol, a lua e as estrelas pertencem

ao conjunto dos seres racionais e que se tornaram o que eles hoje

são por se voltarem para o mal, seja anátema.

4. Se alguém disser que os seres racionais nos quais o amor

a Deus se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros

como são os nossos, e foram em consequência chamados homens,

ao passo que aqueles que atingiram o último grau do mal tiveram,

como partilha, corpos frios e tenebrosos, tornando-se o que

chamamos demônios e espíritos maus, seja anátema.

O Papa Vigílio e os demais Patriarcas deram a sua aprovação a esses

artigos. Concluímos, pois, que a doutrina da reencarnação nunca foi profes-

sada oficialmente pela Igreja Católica (contradiz ao Credo cristão); todavia

após Orígenes (século III) foi professada por grupos particulares de monges

orientais, pouco iniciados em teologia; em 543 foi solenemente rejeitada

pelas autoridades da Igreja. A mesma condenação ocorreu nos Concílios

ecumênicos de Lião (1274) e Florença (1439), que ensinam a imediata

passagem desta vida para a sorte definitiva do além (DS 857 [464] e 1306

[93]). O Concílio Vaticano II, por sua vez, fala do "único curso da nossa

vida terrestre (Hb 9, 27)", tencionando assim opor-se à teoria da migração

das almas; cf. Lumen Gentium n2 48.

2.5. Razões de ordem bíblica

Os escritos do Novo Testamento estão intimamente associados ao

pensamento judaico pré-cristão. Ora este não admitia a reencarnação das

almas. Sendo esta doutrina professada por filósofos gregos, os judeus se

fecharam a ela, pois eram infensos a qualquer tipo de sincretismo religioso.

- Foi nesse ambiente que Jesus pregou o seu Evangelho.

Feita esta observação, passemos ao exame sucinto dos textos

bíblicos geralmente citados em favor da reencarnação.

2.5.1. João Batista e Elias16

Page 17: Reencarnação - Prós e Contras

Mt 17, 10-13: Os judeus julgavam que Elias não morrera, mas

fora arrebatado aos céus (cf. 2Rs 2,11) e, por isto, voltaria à terra

para revelar e ungir o Messias. Ora, nos tempos de Cristo, politica-

mente agitados, o Profeta Elias era esperado em Israel com

particular insistência. Pois bem, Jesus respondeu que João Batista

fizera as vezes de Elias por reproduzir as atitudes fortes e

destemidas do Profeta (cf. Lc 1,17). O próprio João Batista negou

peremptoriamente ser Elias, quando os enviados dos judeus o

interrogaram (cf. Jo 1, 21). Á luz destas ponderações, entenda-se

também o texto de Mt 11, 14s.

Mais: no momento da Transfiguração aparecem a Jesus Moisés

e Elias (cf. Mt 17, 3). Ora, naquele tempo João já fora executado por

Herodes ou já morrera. Por conseguinte, deveria aparecer a Jesus

João Batista e não Elias conforme a doutrina da reencarnação, pois

esta ensina que, quando o espírito se materializa, sempre se

apresenta na forma da última encarnação. — Donde se vê que João

Batista não era a reencarnação de Elias.

2.5.2. Jesus e Nicodemos

Jo 3,3: O advérbio grego ánothen, que por vezes é traduzido

por de novo, reaparece em Mt , 26,51, para significar que, por

ocasião da morte de Jesus, o véu do Templo se cindiu ánothen, isto

é, de cima a baixo (não de novo).

Nicodemos não entendera as palavras de Jesus; fiel aos

ensinamentos judaicos, julgava impossível a reencarnação: "Como

pode um homem nascer, sendo velho? Poderá entrar segunda vez

no seio de sua mãe e voltar a nascer?" (Jo 3,4). Jesus logo

dissipou a dúvida, explicando que se tratava de renascer não no

sentido biológico, mas, sim de nascer de outro modo, ou seja, pela

água e pelo Espírito: "Em verdade, em verdade te digo: quem não

nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus"

(Jo 3,5). Positivamente, Jesus tinha em vista o Batismo, que torna o

homem filho de Deus.

2.5.3. Jesus e o cego de nascença

Jo 9, Is: Os judeus julgavam que todo mal é consequência de um

pecado. Por conseguinte, no caso de um cego de nascença, pensariam

num pecado dos pais (que, segundo a mentalidade do clã, seria punido

sobre os filhos), ou no pecado do próprio cego; esta última hipótese

deveria parecer-lhes absurda, pois sabiam que as crianças nascem sem

ter cometido previamente nem bem nem mal (cf. Rm 9,11). Assim

perplexos, lançaram suas interrogações a Jesus, sem se dar o trabalho

de procurar terceira solução para o caso. Ora, Jesus respondeu sem

abordar o aspecto especulativo da questão, elucidando diretamente a

situação concreta que lhe apresentavam: nem uma hipótese nem outra,

mas um desígnio superior de Deus ("... para se manifestarem nele, cego,

as obras de Deus").

De resto, a Escritura é diretamente contrária à reencarnação

quando, por exemplo, afirma: "Foi estabelecido, para os homens, morrer

uma só vez; depois do quê, há o julgamento" (Hb 9,27). Notemos

também as palavras de Jesus ao bom ladrão: "Hoje mesmo estarás

comigo no paraíso" (Lc 23,43). Os textos muito enfáticos em que Jesus e

os apóstolos anunciam a ressurreição dos mortos, o céu e o inferno, são

outros tantos testemunhos que se opõem à reencarnação: vejam-se Mt

5, 22; 13,50; 22, 23-33; Mc 3,29; 9, 43-48; Jo 5, 28s; 6, 54; l Cor 15, 13-17

Page 18: Reencarnação - Prós e Contras

19.

3. CONCLUSÃOComparando entre si a tese da reencarnação e a proposição cristã

da ressurreição, verificamos que entre uma e outra há duas diferenças

de base ou estruturais. Com efeito:

1) A doutrina cristã da ressurreição supõe um Deus, Pai Bondoso,

que toma a iniciativa de criar e também de salvar a criatura. Esta

salvação, Deus a oferece ao homem no decurso de uma vida passada na

terra, vida durante a qual a graça do Salvador solicita a criatura para a

felicidade eterna. Em vista disto, a Sabedoria Divina provê para que

nenhum auxílio falte ao homem no decorrer de sua peregrinação

terrestre. Em consequência, terminada esta vida, é justo que a criatura

humana entre na sua sorte definitiva: a ressurreição da carne permitirá que

o ser humano, em sua identidade psicossomática, tenha a sua justa sanção.

— Tal concepção é profundamente religiosa, pois reconhece o primado de

Deus sobre a criatura e o caráter gratuito da salvação.

O mesmo não se pode dizer da mentalidade reencarnacionista.

Com efeito; esta atribuiu ao homem o poder de se remir, de se tornar

perfeito por seus esforços, fazendo praticamente abstração do

auxílio divino. Pouco ou nada entra em linha de conta de um

reencarnacionista a noção de Deus, Pai bondoso e providente, que

deu existência aos homens, quis compartilhar e consagrar o

sofrimento e a morte do homem, e sem o qual a criatura nada

absolutamente pode. Não admira, pois, que a reencarnação tenha

sido outrora, e ainda hoje seja, frequentemente professada dentro de

uma filosofia panteísta ou monista. Sim, as crenças hindus, que

inspiram muitos reencarnacionístas, cancelam a distinção entre o

Divino e o humano, entre o Infinito e o finito, ensinando que a

Divindade "se realiza" no homem, "vai tomando consciência de si"

no homem, à medida que este evolui ou se aperfeiçoa. Esta tese parece

explicar que a criatura pode por si chegar à união com a Divindade;

todavia é ilógica, pois coloca o finito e o Infinito na mesma linha; ora

Deus, que por si é o Ilimitado, não pode vir a identificar-se com o finito e

o contingente.

2) A comovisão suposta pelo reencarnacionismo é pessimista em

relação à matéria, tida como cárcere ou sepulcro da alma (soma = sema,

em grego). A grande aspiração de muitos grupos reencarnacionistas é

libertar-se do corpo e, consequentemente, deste mundo material e da

sua história; por isto muitos povos que professam a reencarnação, não

evoluíram em sua civilização, mas vivem em condição de miséria,

porque não lhes interessa vincular-se aos bens materiais.

Ao contrário, a tese da ressurreição dos corpos é otimista em relação

à matéria, tida como criatura de Deus e parte integrante do ser humano. A

este título, o corpo humano deverá ressuscitar e participar da sorte

definitiva da alma humana. Por isto também o cristão se sente impelido a

trabalhar neste mundo material que Deus lhe deu, a fim de o configurar ao

desígnio do Criador. O cristão julga que a história tem um sentido

dinâmico e caminha para a sua plenitude, que será o Reino de Deus;

está longe de ser uma cadeia de ciclos monótonos e repetitivos, dos quais

é preciso escapar.

Na base destas considerações, pode-se afirmar que a doutrina da

reencarnação, apesar dos seus aspectos místicos, não se sustenta nem

18

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aos olhos da razão nem diante da psicologia e da experiência humanas.

19