reações imunológicas nas pálpebras e conjuntivas ... · palavras-chave: imunologia, olho, cão....

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Reações imunológicas nas pálpebras e conjuntivas desencadeadas pela síndrome uveodermatológica e leishmaniose, respectivamente: revisão de literatura. Immunological reactions on the eyelids and conjunctiva triggered by uveodermatologic syndrome and leishmaniasis, respectively: literature review. ALMEIDA, D. C.¹; ZANUTTO, M. S.², SOUZA, M. S. B.³ ˒ ³ UEL Palavras-chave: Imunologia, Olho, Cão. Pálpebras Acredita-se que a Síndrome Uveodermatológica (SUD) seja decorrente de uma afecção auto-imune mediada por linfócitos T contra os melanócitos da pele. Porém, isso ainda não está bem evidenciado na Medicina Veterinária. A doença é semelhante à Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) em humanos (SIGLE et al., 2006). Na SUD, os linfócitos B reconhecem as porções solúveis dos melanócitos senescentes que entraram em apoptose e foram fagocitados por macrófagos e células dendríticas, o que desencadeia a produção de autoanticorpos (YAMAKI et al., 2000). Dentre as proteínas associadas a esse processo destaca-se a tirosinase, uma enzima relacionada ao desenvolvimento dos melanócitos (MOORTHY et al., 1994; TIZARD, 2002). Estudos imunohistoquímicos revelaram que as células predominantes em olhos de pacientes com SVKH são os linfócitos T, encontrados na pele (KIM et al., 2004). Ainda, constituem o subtipo celular mais importante nas reações de hipersensibilidade tardia. Esse predomínio celular sugere o envolvimento de resposta imune celular na SVKH. Apesar disso, a resposta imune humoral também é sugerida, pois anticorpos podem ser encontrados no soro de pacientes com SVKH (GODOY et al., 2003). As biopsias cutâneas apresentaram infiltrado linfocítico acentuado associado à pequena quantidade de macrófagos. Essa população linfocítica foi positiva para a proteína CD3, caracterizando o imunofenótipo T. Dessa forma, os autores identificaram populações linfocíticas distintas nas lesões oculares e cutâneas. Outro estudo importante realizou um levantamento de amostras de cães Akita com SUD e avaliaram alterações 147 XIV Congresso Paulista de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais - CONPAVEPA - São Paulo-SP 147

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Reações imunológicas nas pálpebras e conjuntivas desencadeadas pela síndrome

uveodermatológica e leishmaniose, respectivamente: revisão de literatura.

Immunological reactions on the eyelids and conjunctiva triggered by

uveodermatologic syndrome and leishmaniasis, respectively: literature review.

ALMEIDA, D. C.¹; ZANUTTO, M. S.², SOUZA, M. S. B.³

˒ ³ UEL

Palavras-chave: Imunologia, Olho, Cão.

Pálpebras

Acredita-se que a Síndrome Uveodermatológica (SUD) seja decorrente de uma

afecção auto-imune mediada por linfócitos T contra os melanócitos da pele. Porém, isso

ainda não está bem evidenciado na Medicina Veterinária. A doença é semelhante à

Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) em humanos (SIGLE et al., 2006).

Na SUD, os linfócitos B reconhecem as porções solúveis dos melanócitos

senescentes que entraram em apoptose e foram fagocitados por macrófagos e células

dendríticas, o que desencadeia a produção de autoanticorpos (YAMAKI et al., 2000).

Dentre as proteínas associadas a esse processo destaca-se a tirosinase, uma enzima

relacionada ao desenvolvimento dos melanócitos (MOORTHY et al., 1994; TIZARD,

2002).

Estudos imunohistoquímicos revelaram que as células predominantes em olhos

de pacientes com SVKH são os linfócitos T, encontrados na pele (KIM et al., 2004).

Ainda, constituem o subtipo celular mais importante nas reações de hipersensibilidade

tardia. Esse predomínio celular sugere o envolvimento de resposta imune celular na

SVKH. Apesar disso, a resposta imune humoral também é sugerida, pois anticorpos

podem ser encontrados no soro de pacientes com SVKH (GODOY et al., 2003).

As biopsias cutâneas apresentaram infiltrado linfocítico acentuado associado à

pequena quantidade de macrófagos. Essa população linfocítica foi positiva para a

proteína CD3, caracterizando o imunofenótipo T. Dessa forma, os autores identificaram

populações linfocíticas distintas nas lesões oculares e cutâneas. Outro estudo importante

realizou um levantamento de amostras de cães Akita com SUD e avaliaram alterações

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alélicas em três regiões do antígeno leucocitário canino (ALC). Através da técnica de

PCR identificou grande frequência de alterações no alelo DLADQA1*00201 em cães

com SUD, o que fortalece a base etiológica autoimune da doença (ANGLES et al.,

2005).

Conjuntiva

O estudo da conjuntiva da terceira pálpebra na Leishmaniose Visceral Canina

(LVC) revelou a presença de infiltrado mononuclear plasmocitário associado à

metaplasia epitelial e hiperplasia das células caliciformes com infiltrado mononuclear

plasmocitário subepitelial (MOLLEDA et al.,1993; BRITO, 2006).

O mecanismo que explica a presença de formas amastigotas de Leishmania sp.

nos tecidos oculares é desconhecido (GARCIA-ALONSO et al., 1996), embora alguns

autores acreditem que os parasitos são carreados por células apresentadoras de

antígenos, como as células de Langerhans, especialmente no tecido conjuntival, onde

têm um papel importante na imunidade da superfície ocular (BRITO et al., 2007).

KOUTINAS et al. (1999) referem que o parasitismo direto pode ser

determinante na etiopatogenia das lesões oculares, no entanto, mecanismos

imunomediados estão, habitualmente, associados.

Diferentes estudos envolvendo as alterações oculares ensejadas pela LVC têm

demonstrado que a característica primordial das lesões consiste em uma reação

inflamatória composta por infiltrados celulares de linfócitos, plasmócitos e macrófagos,

sem que o parasita esteja necessariamente presente (GARCIA-ALONSO et al., 1996).

A despeito da importância da conjuntiva nas reações imunológicas, a

conjuntivite pode estar diretamente relacionada à presença do parasito, porquanto este é

ocasionalmente encontrado em estudos histopatológicos e, eventualmente, em raspados

conjuntivais. Fazem-se necessários novos estudos com o objetivo de determinar qual a

importância da presença do parasita e também dos mecanismos imunomediados na

etiopatogenia da conjuntivite, bem como nas formações nodulares na conjuntiva de cães

com leishmaniose visceral (FULGÊNCIO, 2006).

O estudo da conjuntiva da terceira pálpebra na LVC revelou a presença de

infiltrado mononuclear plasmocitário associado à metaplasia epitelial e hiperplasia das

células caliciformes com infiltrado mononuclear plasmocitário subepitelial (BRITO,

2006). Foi descrito intenso processo inflamatório, apresentando áreas de infiltrados

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celulares focais ou difusos, com a presença de linfócitos, plasmócitos e macrófagos

contendo formas amastigotas de Leishmania sp. (GARCIA-ALONSO et al., 1995).

Anticorpos podem ser encontrados em todas as estruturas oculares, por sua

produção local, e, na conjuntiva, posteriormente ao reconhecimento do antígeno pelo

sistema linfóide, podem ser encontrados linfócitos B e, por conseguinte,

imunoglobulinas das classes IgA, IgD, IgE, IgG e IgM (EICHENBAUM et al., 1987).

BRITO (2006) informou não se saber a origem dos anticorpos oculares, admitindo a

possibilidade de haver produção local ou sistêmica, e que a sua presença poderia

motivar a ocorrência de lesões oculares.

Considerações Finais

As reações imunológicas ocorrem frequentemente em organismos expostos aos

patógenos. Assim, manifestações oculares proveniente de doenças sistêmicas, estão

intimamente relacionadas com a fisiopatologia dessas enfermidades. As lesões oculares

devem ser muito bem avaliadas e diferenciadas em primárias ou secundárias.

O Sistema Visual possui um complexo arranjo de defesa imunológica

caracterizado pela defesa inata, conhecida como natural ou não específica, e a defesa

adaptativa, também conhecida como adquirida ou específica (GILGER, 2008).

Tipo de estrutura anatômica, movimentos palpebrais, renovação de epitélio,

produção de filme lacrimal composta de substâncias antibacterianas, formam a primeira

barreira contra os microrganismos invasores. (ANDRADE et al., 2002). Se mesmo

assim os microrganismos conseguirem se implementar, entra em ação a segunda

barreira. Trata-se de um mecanismo protetor específico contra um determinado antígeno

e indutor das respostas adaptativas (GILGER, 2008).

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