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5REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE

RBC n.º 228

Na Contabilidade brasileira, há o antes e o depois da Lei n.º 11.638. Publicada no Diário Oficial

da União, no dia 28 de dezembro de 2007, para vigência poucos dias depois, a Lei causou

impacto de porte histórico ao abrir as fronteiras da contabilidade nacional para a adoção

das normas internacionais – International Financial Reporting Standards (IFRS). Ao encerrar

a primeira década de vigência, há um longo aprendizado e resultados para se comemorar.

Por Maristela Girotto

Nem tudo foi fácil no início, mas as normas IFRS começaram a ser plenamente adotadas no Bra-sil nas demonstrações contábeis individuais e consolidadas, divul-gadas a partir do exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2010. A informação contábil mudou para se ajustar à lingua-gem dos relatórios das empresas que operam globalmente e, con-cordam todos aqueles a quem se pergunta, interpretar os relatórios

das companhias brasileiras deixou de ser um mistério.

Para saber se foram atingidas todas as expectativas que existiam naquele apagar das luzes de 2007, quando a Lei foi publicada, a RBC ouviu algumas das maiores auto-ridades acadêmicas da área contá-bil e profissionais com grande pro-priedade, em alguns segmentos do mercado, para falar do assunto.

A seguir, os professores da Uni-versidade de São Paulo (USP) Nelson

Carvalho e Eliseu Martins; o supe-rintendente de Normas Contábeis e de Auditoria da Comissão de Valo-res Mobiliários (CVM), José Carlos Bezerra; o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) no período de 2007 a 2016, Antonio Duarte Carvalho de Castro; e o contador e empresário Manuel Domingues e Pinho fazem um balanço, com o registro dos fa-tos, desses dez anos da convergên-cia trazida pela Lei n.º 11.638.

REpoRtagEm

Contabilidade brasileira comemora os 10 anos da Lei n.º 11.638

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Professor da Faculdade de Eco-nomia, Administração e Contabili-dade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), vice-coordenador de Re-lações Internacionais do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e presidente do Conselho de Ad-ministração da Petrobras, Nelson Carvalho acredita que os resulta-dos trazidos pela Lei n.º 11.638 são muito bons. Para ele, instalou-se “uma nova perspectiva na conta-bilidade societária brasileira, con-firmando a previsão inicial de que as demonstrações contábeis passa-riam – e de fato passaram – a ser vistas com um olhar mais prospec-tivo, de visão de futuro, e deixan-do para trás o olhar pretérito que predominava antes da Lei”.

Carvalho aponta também como resultado positivo a capacitação pro-fissional. “O treinamento de conta-dores, no Brasil, se intensificou enor-memente, para enfrentar os novos conceitos trazidos pela Lei n.º 11.638, como, por exemplo, a prevalência da essência sobre a forma e a dimi-nuição do método de precificação de transações pelo Custo Histórico, até então prevalecente, abrangen-do agora outras métricas, particular-mente, a do Valor Justo”, explica.

O professor comemora o fato de a educação contábil estar mudando e passando a abordar, nos currícu-los escolares, os conceitos das nor-mas internacionais trazidas ao or-denamento contábil nacional pelos Pronunciamentos do Comitê de Pro-nunciamentos Contábeis, que são transformados em mandatórios pelo Conselho Federal de Contabilidade.

“Também a interação e o diá-logo com profissionais de outros ramos do conhecimento se apro-fundaram. Por exemplo, com os

operadores do Direito, ficou mais exigente o debate sobre avaliações de riscos de perda Provável, Possí-vel ou Remota nas contingências nas quais a empresa é ré; com os profissionais de finanças, a intera-ção se dá por uma maior necessi-dade de entendimento, por parte dos contadores, de mecanismos e métodos de avaliação de ativos e negócios (valuation) e as premissas subjacentes a tal processo. Já com os profissionais de engenharia, o di-álogo se intensifica quando o con-

tador é chamado a adotar uma de-preciação dos ativos imobilizados mais consentânea com a vida útil esperada desses ativos (“deprecia-ção econômica”), ao invés do en-gessamento pré-existente de taxas de depreciação apenas admitidas como dedutíveis pela legislação tri-butária”, explica Carvalho.

Na opinião do professor, são mui-tos e bastante satisfatórios os passos dados rumo a uma Contabilidade me-lhor, mais informativa e, compreensi-velmente, mais difícil de se praticar.

Demonstrações com visão de futuroFoto: Divulgação

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Expectativas se traduziram em resultados efetivos – ou quase todas

Outra autoridade obrigatória de ouvir quando se escreve sobre con-tabilidade, o professor Eliseu Mar-tins acredita que, das expectativas que havia quando a Lei foi edita-da, “quase tudo se traduziu em re-sultado efetivo, pelo menos para as grandes e médias empresas e a par-te mais inteligente das pequenas”.

Professor da FEA/USP, ex-diretor da CVM e do Banco Central, Martins elenca os dois grandes objetivos da Lei n.º 11.638, com o complemento da Lei n.º 11.941/2009: a) produzir a neutralidade tributária com relação às novas normas contábeis, de forma que, quando estas sejam introduzidas ou modificadas, não ocorra qualquer incremento ou redução dos tributos federais; e b) modificar a Lei das S/A [6.404/1976], que tinha dispositivos que impediam a adoção das normas internacionais de contabilidade.

“Adicionalmente, obrigou-se a CVM a seguir essas normas inter-nacionais e, com a total e louvá-vel adesão do CFC, isso foi esten-dido às demais sociedades – com a exceção das microempresas e em-presas de pequeno porte, o que é muito justo”, analisa o professor.

Quanto à neutralidade tributária, outra parte fundamental do proces-so, Martins afirma que a Receita Fe-deral vem cumprindo totalmente a disposição legal e “é de se louvar e cumprimentar todo o esforço no sentido de manter essa filosofia”.

Com isso, na avaliação do pro-fessor, conseguiu-se atingir o fun-damental, ou seja, a Contabilida-de passou a ser um instrumento de gestão mais eficiente e uma co-municação mais útil com o credor

e com o investidor. “Agora, a Con-tabilidade tem podido cumprir seu mais nobre objetivo”, acrescenta.

Mas ele concorda que nem tudo foi exatamente simples nes-ses dez anos, e a adoção das nor-mas internacionais à contabilidade individual das empresas promoveu a necessidade de uma série de re-gistros e controles para permitir a neutralidade tributária. “Por outro lado, não temos o trabalho de duas contabilidades, como outros países têm, sendo uma para os balanços individuais e outra para os consoli-dados, ou mesmo para os balanços individuais quando exigidas as no-vas normas”, argumenta ele, suge-rindo: “O que se poderia ter, talvez, é uma sistematização mais simplifi-cada para essa conciliação entre fis-co e contabilidade”. Porém, o pro-fessor recorda que foi “certo uso

inadequado de outras formas que obrigou a Receita a utilizar a meto-dologia que vem sendo utilizada”.

Nessa questão da neutralidade tributária, no entanto, ele acredita que é possível se avançar para um meio termo com custos bem meno-res para as empresas. “Muitos dos ajustes exigidos são, para mim, des-necessários, como, por exemplo, o caso do ajuste a valor presente”, diz Martins, citando ainda que a meto-dologia também poderia ser mais simplificada. “Mas é a experiência que vai se acumulando que vai mos-trando os caminhos”, pondera.

Outro aspecto importante, se-gundo o professor, é que “essa sis-temática vem criando um sistema de controle e uma trilha de audito-ria que tem sido utilizada por mui-tas empresas para a melhoria da sua gestão gerencial”.

Foto: FACPC/Divulgação

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Mas quando questionado so-bre se, hoje, é realidade a separa-ção entre contabilidade societária e tributária, servindo a Contabilida-de como instrumento de decisão e controle e não mais apenas como um braço do fisco dentro da em-presa, Martins não é muito otimis-ta. “Eu diria que isso é verdade, mas para aquelas empresas e aqueles profissionais que realmente querem isso. Infelizmente, há muita gente ainda que não se aproveita dessa enorme oportunidade de dignificar o papel da Contabilidade”, analisa.

Para o professor, isso ocorre, às vezes, pelo “infeliz mundo da infor-malidade” que permanece em al-guns setores – aparentemente de-crescente, mas ainda forte. “Como

os dados contábeis, nesse caso, nada significam para o gestor, ele não in-veste na sua utilização gerencial”, lamenta. Para Martins, isso ocorre, muitas vezes, porque o profissional da contabilidade não se aplica em ensinar ao empresário o quanto ele poderia ter a mais de informação – e informação de qualidade.

“Pelo acúmulo de utilização, no passado, do uso apenas fiscal, fica di-fícil mudar de postura, mas isso vem mudando, mesmo que lentamente”, afirma o professor, prevendo espe-rançoso: “Com as novas gerações re-cebendo a devida formação acadê-mica, deveremos ter, no futuro, uma grande melhoria desse quadro”.

As oportunidades estão aber-tas, por outro lado, na opinião de

Martins, aos profissionais que re-almente pensam à frente e que-rem ser úteis para o incremento da produção da riqueza nacio-nal, se interessam por isso e en-sinam seus usuários sobre o po-tencial informativo. “É totalmente visível que essa separação só tem aumentado a importância do tra-balho da Contabilidade e do seu profissional”, diz. E, utilizando um bordão que ficou famoso em anos recentes no Brasil, o professor afir-ma que “jamais na história deste país se viu tanto esse profissional ser requisitado, consultado e ser chamado a participar mais forte-mente da gestão, a conhecer me-lhor a empresa e a contribuir com seu genuíno potencial”.

pontos fortes X pontos fracos

Em entrevista concedida à RBC (publicada na edição n.º 204/2013, acesse aqui.), Eliseu Mar-tins listou alguns pontos fortes e fracos do processo de convergência ao padrão IFRS: “os pon-tos fortes estão por conta da total implementação pelas companhias abertas e pela vasta maio-ria das sociedades de grande porte. Porém, a aplicação às pequenas e médias empresas ainda carece de uma boa melhoria. Um ponto forte é uma grande gama representada pela nata da profissão ter sido capaz de se adaptar bastante rapidamente; mas ponto fraco é, ainda, a exis-tência de um perfil muito fiscalista por parte de certa outra faixa. Outro ponto forte é o apoio do CFC a todo o processo, inclusive com a adoção do Pronunciamento para Pequenas e Médias Empresas; e ponto fraco é o Banco Central, que foi a primeira entidade a adotar as normas in-ternacionais em suas próprias demonstrações financeiras desde 2006, ainda não permitir que as instituições financeiras as apliquem nas demonstrações individuais”.

Questionado se, hoje, depois de dez anos de vigência da Lei n.º 11.638, faria atualizações nes-ses pontos fortes e fracos, ele diz: “Reafirmo tudo”.

Segundo o professor, quanto à postura do Banco Central, nada, infelizmente, mudou de verdade.“Ocorre que, com exceção da CVM, que tem como bandeira a qualidade da informação contá-

bil, as demais agências reguladoras normalmente são responsáveis pelo acompanhamento da saú-de de seus regulados, e por isso passam, às vezes, a se considerar como o objetivo da Contabilidade dessas empresas: propiciar informações para esse regulador. Com isso, resistem às inovações que querem generalizar a utilidade das informações contábeis, principalmente para credores – e como os bancos têm credores, não? – e investidores. As agências não aceitam aquilo que muda alguma coisa se a tradição, o banco de dados e o conhecimento se adaptaram ou mesmo precisam de ou-tro tipo de informação”, critica Martins.

Porém, segundo ele, há total solução para isso: “O maior exemplo é o caso da Agência Nacio-nal de Energia Elétrica (Aneel). Para esta agência, por exemplo, certos ativos das reguladas preci-sam ser considerados como imobilizados, e não como classificados hoje contabilmente, com valo-

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Para José Carlos Bezerra, supe-rintendente de Normas Contábeis e de Auditoria da Comissão de Va-lores Mobiliários (CVM), o maior impacto da Lei n.º 11.638 foi, sem dúvida, a melhoria da qualidade da informação contábil prestada aos seus usuários, o que vem sen-do percebido pela autarquia, pou-co a pouco, no exercício do seu mandato legal – que inclui zelar pela qualidade das divulgações feitas pelas companhias abertas, das quais se cobra cuidado, bom senso e responsabilidade dos en-volvidos na elaboração, divulga-ção e revisão dessas informações.

Até chegar a esse ponto, Bezer-ra lembra que foi necessário vencer um primeiro e difícil desafio, a mu-dança de cultura. “Nos primeiros anos, as principais dificuldades es-tavam centradas na necessária mu-dança cultural e de postura dos di-versos agentes que interagem com esse ambiente”, recorda, afirman-

do ainda que, com o passar dos anos, “ainda que persistindo al-gumas posturas ligadas ao antigo ambiente, as dificuldades se vol-taram para questões relacionadas à interpretação e à aplicação das

normas e, nesse ponto, os desafios são ainda maiores”.

O superintendente da CVM con-corda que hoje ainda não se pode dizer que está consumada e gene-ralizada a mudança de cultura e de

res baseados em sua reposição, ou então, com correção por um índice de preços que a lei impede seja utilizado na Contabilidade. Assim, o que a Aneel fez? O mesmo que a Receita Federal do Bra-sil: neutralidade! As empresas de energia produzem as informações segundo as Normas Brasileiras de Contabilidade para o mercado em geral, e produzem outros balanço e resultado para a Agên-cia. Trata-se do denominado Balanço Regulatório. Pronto, resolvido! Parabéns enormes à Aneel”.

Para Martins, o mesmo poderia ser feito pelo Banco Central, pela Susep – “esta agência tem, de fato, feito um grande esforço para adotar praticamente tudo, mas há exceções ainda” – e ou-tras agências.

Em resumo, o professor defende que “é sempre preciso maximizar a satisfação da necessidade pelas informações contábeis dos maiores interessados – credores, investidores, empregados, etc.; e, quando for para atender a um usuário específico, que haja demonstrações especiais para ele, como é o caso da Receita Federal, da Aneel, e que deveria se generalizar para as demais, quando as nor-mas internacionais não lhes servem bem”.

Para finalizar, ele deixa um recado: “Não desanimemos, quem sabe ainda vejamos isso em breve”.

Desafios mudaram com o tempo

Foto: FACPC/Divulgação

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O consultor Antonio Duarte Car-valho de Castro era presidente da Associação Brasileira das Compa-nhias Abertas (Abrasca) quando a Lei foi publicada, em 2007. Ele per-maneceu à frente da entidade até 2016. No Seminário Internacional do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), realizado no dia 7 de novembro deste ano, em São Paulo, ele foi homenageado pelo seu trabalho. Na ocasião, ele lem-brou a publicação da Lei n.º 11.638 e dos desafios que ela trouxe às companhias abertas brasileiras.

“Eu era presidente da Abrasca à época, e a nossa expectativa era que a Lei fosse viger no início de 2008. No entanto, ela foi aprovada e publicada ao final de 2007. Pos-teriormente, houve ajuste no pro-cesso de transição, conforme com-

Velocidade da mudança das interpretações contábeis do IFRS surpreende

Foto: FACPC/Divulgação

postura por parte dos profissionais da contabilidade, expectativa que havia quando a Lei foi publicada, uma vez que as normas IFRS apre-sentam aspectos subjetivos.

“Temos muito espaço para me-lhoria e mudanças culturais e de postura. Ainda é comum a leitura e interpretação de uma norma base-ada em princípios como se fosse ba-seada em regras”, informa Bezerra.

Nesse sentido, o superintenden-te cita que, já em 2011, a CVM edi-tou o Parecer de Orientação n.º 37, por meio do qual expressou o enten-dimento de que “(...) o normatizador contábil reconhece expressamente que as normas contábeis devem ser subordinadas aos princípios da re-presentação verdadeira e apropriada (true and fair view) e da primazia da

essência sobre a forma. Ou seja, não apenas os efeitos econômicos devem prevalecer sobre a forma, indepen-dentemente do tratamento jurídico, como é imperioso, no novo ordena-mento contábil, que a representa-ção da realidade econômica seja ver-dadeira e apropriada. Tão imperioso que, mesmo no caso de conflito com as normas emitidas, a preponderân-cia deve ser da representação ade-quada. Estes são os pilares centrais desse novo ordenamento.”

Embora essa orientação tenha sido divulgada pela CVM em 2011, segundo Bezerra, não é incomum, mesmo nos dias atuais, a necessida-de de esse entendimento ter de ser relembrado aos envolvidos na ela-boração, divulgação e revisão das demonstrações contábeis.

Apesar dos desafios persisten-tes, ele chama a atenção para as “recompensas” que a Lei n.º 11.638 trouxe à Contabilidade brasileira. “Em minha opinião, a maior recom-pensa foi a ampliação da importân-cia do profissional da contabilidade como um provedor de informação realmente útil aos diversos interes-sados na evolução patrimonial e fi-nanceira das entidades”, cita ele, complementado: “No contexto do mercado de valores mobiliários, as demonstrações contábeis afigu-ram-se como uma das principais fontes de informações econômico-financeiras para o mercado e, con-sequentemente, para a CVM, for-necendo informações essenciais a respeito da evolução patrimonial e financeira das companhias abertas.

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plemento da Medida Provisória 499/2008, que criou o Regime Tri-butário de Transição (RTT), estabele-cendo prazo de até três anos para a adoção das normas IFRS pelas com-panhias. As nossas expectativas se confirmaram plenamente no que diz respeito à neutralidade tributá-ria”, lembra ele, atualmente mem-bro da diretoria da Abrasca.

Segundo Antonio de Castro, as previsões que existiam, quando a Lei foi publicada, se traduziram em resultados efetivos e a Lei foi o ins-trumento que deu a partida para a aplicação do IFRS no Brasil. “Hoje

todas as companhias abertas, bem como as fechadas de grande porte, são obrigadas a reportar seus resul-tados em IFRS”, afirma.

Entre os benefícios trazidos pela Lei para as empresas que pla-nejavam abertura de capital ou busca de investimento no exterior, ele cita que a adoção de um padrão contábil internacional permitiu que o investidor estrangeiro pudesse fazer a leitura das Demonstrações Financeiras das companhias brasi-leiras mais facilmente, já que es-tas se tornaram compatíveis com a contabilidade internacional.

Já em relação aos principais desafios trazidos pela internacio-nalização da contabilidade bra-sileira, Antonio de Castro desta-ca que, transcorridos dez anos da promulgação da Lei, a velocidade de mudança das interpretações contábeis do IFRS surpreende, por ter se mostrado, significativamen-te, mais lenta que o inicialmente esperado. “Tal demora, e o alto nível de complexidade, resulta em considerável dificuldade no pro-cesso de aprendizado das atuais e das novas gerações de contado-res”, relata o diretor da Abrasca.

No exercício da profissão, a adaptação às novas exigências da Lei n.º 11.638 foi a principal dificuldade encontrada pelo em-presário da área contábil Manuel Domingues e Pinho. Diretor-presi-dente da Domingues e Pinho Con-tadores (DPC), firma que fundou, no Rio de Janeiro, em 1984, ele afirma que houve dificuldades,

o ponto de vista de uma empresa de contabilidade

mas também benefícios, que me-recem ser comemorados. Confi-ra, na entrevista a seguir, como o empresário, que comanda um dos maiores escritórios de conta-bilidade do País, avalia o transcur-so desses dez anos.

RBC – Quando a Lei entrou em vigor, em 2008, quais foram as

principais dificuldades encontra-das pela sua empresa?Domingues e Pinho – A princi-pal dificuldade das empresas foi se adaptar às novas exigências. É im-portante lembrar que, na época, a própria Receita Federal ainda não havia se manifestado em relação à tributação dos novos registros con-tábeis, principalmente de receitas

“tal demora, e o alto nível de complexidade, resulta em considerável dificuldade no

processo de aprendizado das atuais e das novas gerações de contadores”

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mensuradas. A insegurança jurídi-ca levada ao ambiente empresarial foi muito forte. Além disso, foram criados o Regime Transitório de Tri-butação (RTT) e o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT), que obrigaram muitos empresários a in-vestir quantias consideráveis para o controle dessas novas obrigações acessórias, mitigando, assim, riscos fiscais futuros.

RBC – Em que medida a harmo-nização da contabilidade do País com a “linguagem universal” dos negócios alterou ou facilitou a execução dos serviços prestados pela sua empresa aos clientes?Domingues e Pinho – A conver-gência das normas brasileiras para um padrão internacional foi, sem dúvida, um marco para a área con-tábil no Brasil, não só por contri-buir para uma maior valorização do profissional da contabilidade, mas, principalmente, por benefi-ciar os empresários que planeja-vam a abertura de capital ou a bus-ca de investimento no exterior para se tornar multinacional. É impor-tante lembrar que, antes da transi-ção para as normas internacionais, a preocupação dos profissionais era preparar a contabilidade para as respostas ao fisco. O principal objetivo das informações contá-beis, em muitas empresas, era dei-xado de lado. Sabemos que ainda temos muito que avançar, pois, por exemplo, os Estados Unidos ainda não convergiram para as normas do IFRS, mas podemos verificar, quando lemos uma nota explica-tiva, o quanto evoluímos em rela-ção às informações para a toma-da de decisão dos acionistas, dos sócios e de todos os usuários das informações contábeis.

RBC – Quando a Lei foi publica-da, comemorou-se a separação entre a Contabilidade Societária e a Contabilidade Tributária. Essa

separação representou alteração relevante no dia a dia das empre-sas de contabilidade?Domingues e Pinho – Devemos lembrar que a grande maioria das empresas, no Brasil, é de micro e pe-queno porte. De acordo com dados divulgados pelo Sebrae, em 2015, as micro e pequenas empresas re-presentavam para a economia cer-ca de 98,2% dos estabelecimentos privados no Brasil. E essas são, em maioria, contratantes de serviços de empresas de contabilidade. Consi-

derando o custo para as empresas de se adaptarem às novas normas, entendemos que a alteração repre-sentou uma demanda relevante no dia a dia das empresas de contabi-lidade, principalmente para as que atendem às pequenas e médias em-presas enquadradas no CPC PME.

RBC – Dez anos depois da edição da Lei n.º 11.638, o Sr. conside-ra que as normas contábeis con-vergidas ao padrão internacional conseguiram trazer a devida uni-

Foto: Divulgação

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formização dos critérios de apu-ração dos resultados e avaliação patrimonial das empresas brasilei-ras, para que pudessem ser ade-quadamente mensurados pelos investidores e financiadores es-trangeiros? Ainda falta algo rele-vante a ser feito?Domingues e Pinho – Verificamos nos nossos clientes estrangeiros a uniformização dos critérios em re-lação à avaliação patrimonial. En-tretanto, ainda verificamos gaps devido a algumas normas que não foram completamente con-vergidas, diante das características econômicas do nosso país, como, por exemplo, a regra de reavalia-ção patrimonial, entre outras. En-tretanto, para nós, profissionais e empresários da área contábil, a convergência para o padrão inter-nacional deve ser comemorada a cada dia. Mas muito ainda pode ser realizado. Ainda é necessária a capacitação de todos, com a exper-tise nas normas internacionais. O CFC, na implementação da educa-ção continuada para os profissio-nais que atuam com companhias de capital aberto e de grande por-te, marca mais um ponto para a evolução da nossa contabilidade.

RBC – Tendo em vista a rotina atual das empresas de contabilidade, o

Sr. acha que hoje a Lei deveria ser alterada em algum ponto?Domingues e Pinho – Entendo que tudo pode e deve ser altera-do sempre para melhor. O Inter-national Accounting Standards Board (Iasb), por meio de grupos de traba-lhos e pesquisas, está avaliando di-versas alte-rações na legislação das nor-mas IFRS. Temos um e x e m p l o que já estará em vigor em 2018, que é a forma de mensuração de receita. Em 2012, quando tive-mos a divulgação do CPC 30, a classe contábil se deparou com a variável “mensuração” das recei-tas. Hoje, vemos que em menos de seis anos já estão sendo alte-rados diversos conceitos incluí-dos na legislação contábil. Esse é um exemplo, mas temos diversos. A mudança é sempre bem-vinda. O que é necessário é a atuação dos profissionais em relação à capacitação e melhoria constan-te na forma de disclosure das de-monstrações contábeis.

“É importante lembrar que, antes da transição para as normas internacionais, a preocupação dos

profissionais era preparar a contabilidade para as respostas ao fisco. o principal objetivo das

informações contábeis, em muitas empresas, era deixado de lado.”