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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES SCHILA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO RAMIRO GABRIEL GARCIA A escola, a soja e o sonho: Educação Empreendedora em Nova Tebas/PR sob o olhar da Sociologia CURITBA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS

HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHILA DEPARTAMENTO DE

CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO

RAMIRO GABRIEL GARCIA

A escola, a soja e o sonho: Educação Empreendedora em Nova

Tebas/PR sob o olhar da Sociologia

CURITBA

2015

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RAMIRO GABRIEL GARCIA

A escola, a soja e o sonho: Educação Empreendedora em Nova

Tebas/PR sob o olhar da Sociologia

Monografia apresentada como requisito parcial a conclusão do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal Do Paraná.

Orientadora: Professora Dr.ª Simone Meucci

CURITBA

2015

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À minha Família, amigos е colegas, pelo incentivo е apoio constantes

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Agradecimentos

Em primeiro lugar a toda minha família, pelo apoio e amor dedicados, sem

vocês certamente eu não estaria aqui. Em especial aos meus Pais, às minhas

eternas “crianças”: Sthe, Amandinha, Lucas, Hendreck, Bernardo, Thales, Rafa e

Arthur.

Aos amigos:

Caio Henrique, pelas longas e produtivas conversas;

Marisa pela parceria, projetos malucos, andanças, viagens e correrias;

Paula (Paulinha) pela sensibilidade em entender a vida e pela paciência;

Paulo pelas conversas, viagens, papos e cervejas, com seu jeito todo peculiar;

Tabata, pela doçura e por me fazer entender que as pessoas choram às vezes;

Virgínia, pela parceria e pelas risadas de doer a barriga;

Maria Otávia, Lays, Rosa, Breno, Bruno, Viviane, Leonardo e Andressa Dias, João Pagnozzi, Alex e outros tantos.

Aos mestres, Professores e amigos também:

Simone Meucci, por me ajudar sempre que precisei, assumir um projeto e aluno bastante confusos, pela paciência, pelo trabalho exaustivo de orientação, parceria e boas risadas;

Alexandro Dantas, que sempre esteve presente nos projetos do PIBID, sempre nos apoiou em tudo, nos deu suporte, amizade e principalmente nos deu asas para voar;

Ângela Duarte, que com a sua frase “Alguém tem que estudar o SEBRAE” deu inicio a este projeto;

Paulo Niederle, que me ajudou no início e colocou ordem em algumas coisas do meu projeto;

Rasia, pelos “pitos” e pela sua franqueza, bons papos na cantina, boas aulas e pela atenção;

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Osvaldo Heller, que deu junto a mim os primeiros passos nesta pesquisa, sempre muito atencioso e me deu a oportunidade de participar de um grupo de pesquisa com excelentes pesquisadores;

A todos os membros do grupo de Pensamento Social, por me ajudarem, acolherem e pela contribuição significativa nesta pesquisa;

Aos interlocutores e interlocutoras desta pesquisa, que contribuíram de forma significativa para este trabalho;

A todos os professores de Nova Tebas, Prefeita e secretárias;

A todos os demais colegas, professores e familiares, que cometo a injustiça de não nomeá-los, muito obrigado.

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Resumo

Distintos municípios do interior do Brasil sofrem com o êxodo, em Nova Tebas no

Paraná não é diferente. O município já teve mais de 17.000 habitantes e hoje tem

cerca de 6.900. Diante deste fato, resolvemos entender os motivadores da evasão e

as ações tomadas para atenuar o problema. A região de Guarapuava onde se

encontra o município é conhecida pela produção agrícola em grande escala, que em

geral desfavorece os pequenos agricultores por concentrar terra e riqueza,

aumentando a desigualdade social e limitando as possibilidades de subsistência dos

pequenos agricultores. Diante da crescente evasão populacional, a prefeitura de

Nova Tebas implantou em parceria com o SEBRAE um projeto educacional

chamado “Educação Empreendedora”, que consiste em ensinar e despertar o

espirito empreendedor em crianças da rede de ensino, a partir do estudo deste

projeto em relação ao município, a pesquisa discute o projeto do SEBRAE e a

relação entre a educação e a ideia de desenvolvimento em municípios rurais, a fim

de entender, em que medida o projeto atende as demandas de Nova Tebas.

Palavras-Chave: Desenvolvimento, Educação, Nova Tebas-PR.

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Resumen

Distintas municipalidades de Brasil sufren com el éxodo, em Nova Tebas em Paraná

no es distinto. La municipalidad ya tuvo mas de 17.000 habitantes y hoy tiene cerca

de 6.900. Delante deste facto, decidimos entender los motivadores de la evasion y

las aciones tomadas para atenuar el problema. La region de Guarapuava donde se

encuentra el municipio es conocida por la producion agricola em gran escala, que

em general desfavorece a los pequeños agricultores por la concentracion de tierra y

riqueza, agrandando la desigualdad social y limitando las possibilidades de

subsistencia de los pequeños agricultores. Delante de la cresciente evasion de la

poblacion, el poder publico de nova Tebas inplemento junto al SEBRAE um proyecto

llamado “Educação Empreendedora”, que consiste em enseñar y despertar el

espíritu empreendedor en los niños de la escuela, a patir del estudio deste proyecto

em relacion al municipio, la pesquisa discute el proyecto del SEBRAE y la relacion

entre la educacion y la idea de desarrollo en municipios rurales, para entender em

que medida el proyecto atiende a la poblacion de Nova Tebas.

Palavras-Clave: Desarrollo, Educacion, Nova Tebas –PR.

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Lista de Figuras e Tabelas

Figura 1- Cultivo de Soja no Brasil .......................................................................... 20

Figura 2- Localização do município de Nova Tebas ................................................. 21

Tabela 1- População e Densidade demográfica em Nova Tebas e Municípios

Visinhos ..................................................................................................................... 23

Tabela 2- Ensino em Nova Tebas - Matriculas ......................................................... 25

Tabela 3- Produção agricola em Nova Tebas- Soja ................................................. 26

Tabela 4- Produção Agricola, Matriculas e População geral em Nova Tebas .......... 27

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Lista de Abreviaturas

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistícas

IDH- Índice de Desenvolvimento Humano

IPARDES- Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário

UEM- Universidade Estadual de Maringá

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Sumário

Introdução ................................................................................................................ 12

1 Terra de Trabalho e Terra de Negócio ................................................................ 15

1.1 Educação e o desenvolvimento econômico: a soja e a escola ........................ 15

1.2 Relações fundiárias no Paraná: das florestas a soja ....................................... 17

1.3 Nova Tebas, fruto da expansão, desapropriação e do Capitalismo ................. 20

1.4 Educação e produção agrícola em Nova Tebas .............................................. 24

2 SEBRAE, Empreendedorismo e o Capital Humano .......................................... 28

2.1 Educação empreendedora ............................................................................... 28

2.1.1 As Capacitações ........................................................................................ 30

2.1.2 Caderno de atividades ............................................................................... 34

2.2 A figura do Empreendedor em Transformação junto ao capitalismo................ 38

2.3 Populações tradicionais e meio ambiente em terra de empreendedores ......... 41

Considerações Finais ............................................................................................. 46

Referências: .............................................................................................................. 51

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Introdução

Esta pesquisa discute principalmente o projeto educacional “Pedagogia

Empreendedora” do SEBRAE, que foi implantado em Nova Tebas, um pequeno

municipio do interior do Paraná. A principal justificativa para o projeto é o elevado

êxodo de jovens na municipalidade. Para Tal serão analisadas as motivações para

a implantação do projeto, as configurações sociais presentes no município, que em

nosso entendimento acabam estimulando o êxodo populacional. Também são

abordados temas conexos ao êxodo, como as relações fundiárias no Paraná, os

efeitos de certo modelo de desenvolvimento em municípios rurais e os limites e

possibilidades entre “novas” e “velhas” formas de intervenção nestas localidades,

tomadas aqui como “nova” a cooperativa de frutas orgânicas presente no município

e como “velha” o projeto “Pedagogia Empreendedora” do SEBRAE.

A principal questão que norteou este trabalho foi entender em que medida

esta ação educacional atende ou não os problemas da população de Nova Tebas-

Pr, bem como, entender a relação entre o modelo de desenvolvimento pretendido e

o modelo educacional, como o poder público percebe este movimento e qual a

concepção do material do SEBRAE, no tocante à igualdade, oportunidade e mérito.

O objetivo inicial do projeto, que era entender tanto os motivadores quanto

os desdobramentos da “Pedagogia Empreendedora”, acabou se transformando

conforme a pesquisa foi avançando, entendemos ao longo da mesma, que por se

tratar de um projeto a médio e longo prazo, não poderiamos concluir se o mesmo

atenderia ou não aos propósitos do município, o que não é visto como algo negativo,

pois nos ajudou a entender outras questões dentro do município pesquisado,

principalmente algumas relações que no inicio não haviamos previsto e outras que

aparentemente não tinham relação direta com o objeto de pesquisa, como por

exemplo a cooperativa que existe em Nova Tebas, esta a princípio não nos parecia

associada ao projeto de desenvolvimento, porém “descobrimos” que a mesma não

só tem uma relação direta com a ideia de desenvolvimento, quanto em certa

medida, a mesma subverte algumas questões entranhadas no município.

A dificuldade em responder à questão inicial, nos propiciou pensar em outras

questões, como tentar entender os projetos de desenvolvimento e a quem eles são

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destinados, como os mesmos mudam com o passar do tempo e vão se aliando ou

não a projetos educacionais.

Constatamos também como os estudos sobre desenvolvimento em

municípios rurais são vastos e diversificados, não apenas na sociologia, mas em

outra áreas também, as relações fundiárias também são um assunto de bastante

interesse e mais recentemente temos pesquisas a respeito da expansão do

agronegócio, seus aspectos economicos, suas vantagens, sua relação com os

pequenos agricultores e as consequencias destas relações. Ousamos dizer que este

trabalho vai um pouco além, e ebora não discuta estes aspectos anteriores de forma

aprofundada, traz à luz um outro aspecto a ser discutido, devemos pensar e

pesquisar mais à respeito dos “novos” formatos que as politicas públicas voltadas a

o ambito rural (Indigenas, quilombolas e agricultores familiares) vem sendo

pensadas e implantadas, neste sentido nos referimos especificamente a duas,

Territórios da Cidadania e Pronat. Embora não tratemos específicamente destes

projetos, os mesmos vem ganhando força nos ambientes rurais e talvez estejam

fundando uma nova forma de intervenção do Estado para populações rurais.

Para tentar responder às inquietações referentes ao projeto “Pedagogia

Empreendedora”, utilizamos várias metodologias, foram realizadas visitas ao

município em questão, foram feitas entrevistas semi estruturadas, revisões

bibliográficas e análise de materiais didáticos. Das visitas, foram quatro ao todo, no

periodo de 2012 a 2015 e o tempo que permaneci em campo nunca exedeu a uma

semana, as entrevistas foram realizadas com os professores capacitados pelo

projeto, diretores de escola, secretários do município, lideranças locais e a prefeita

do município. Os materiais analizados, foram as apostilas utilizadas nas aulas do

projeto Pedagogia Empreendedora e as apresentações utilizadas nas capacitações

para o projeto. Apartir desta diversidade de materiais, das disciplinas que cursei

durante a graduação, leituras complementares e a participação em distintos grupos

de pesquisa esta monografia foi tomando forma.

O texto está dividido em dois capitulos, no primeiro “Terra de Trabalho e

Terra de nogócio“, fazemos uma revisão socio- histórica do Paraná com o objetivo

de evidênciar as consequencias de alguns modelos de desenvolvimento sobre a

região estudada e principalmente o município em questão, uma apresentação mais

detalhada a respeito de Nova Tebas e sua essência rural, juntamente com o

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cruzamento de dados sobre a população, estrutura educacional e produção agricola,

tudo isto para tentar entender melhor quais são as aproximações e tensões entre o

modelo educacional e o modelo de desenvolvimento presentes.

No segundo capitulo “SEBRAE, Empreendedorismo e Capital Humano”,

são apresentados os seminários realizados pelo SEBRAE com os professores do

município, parte das apostilas utilizadas em sala de aula, são apresentados alguns

conceitos importantes do projeto. São discutidos também neste capitulo, alguns

pontos importantes sobre a gênese do empreendedorismo, do conceito de capital

humano em contraponto aos conceitos apresentados pelo projeto do SEBRAE e

uma breve critica ao projeto. Por fim, um ponto de vista a respeito da questão

ambiental e do empreendedorismo sobre a ingerência do Capitalismo neoliberal.

Nas considerações finais, apresentamos uma iniciativa local (cooperatvama)

que propõe uma forma de empreendedorismo do nosso ponto de vista mais rica e

adequada à realidade de Nova Tebas do que o empreendedorismo cedido pela

“Pedagogia Empreendedora”, apresentamos também nestas considerações,

questões mais gerais do projeto como um todo.

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1 Terra de Trabalho e Terra de Negócio

O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor...

Cora Coralina

1.1 Educação e o desenvolvimento econômico: a soja e a escola

Em uma das quatro incursões feitas à cidade de Nova Tebas no Paraná

(entre 2012 e 2015) para coleta de relatos e material que constituem parte desta

pesquisa de monografia, uma cena chamou minha atenção. Numa das seis escolas

visitadas no município (todas invariavelmente bem conservadas e limpas), observei

que na parte dos fundos, ao lado da quadra poliesportiva, havia uma jovem lavoura

de soja, “bonita” e recém-plantada. O verde formava um tapete de brotos na terra

úmida revolvida. A plantação recente estava num barranco, a um metro e meio de

altura da quadra, separada da escola por uma cerca de arame bastante deteriorada.

Crescida, poderia impor à escola sua presença. Imaginei então que, em períodos de

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chuva, os resíduos da lavoura (inclusive os agrotóxicos) poderiam parar,

literalmente, dentro da quadra esportiva.

À medida que a pesquisa foi avançando, o sentido da cena foi se

“transformando”: aquilo que, a princípio, me pareceu pitoresco, começou a se

constituir como uma cena emblemática das mais graves contradições do município.

A cena passou de uma paisagem à imagem-síntese dos dilemas encontrados em

Nova Tebas, que descreveremos ao longo desta pesquisa.

Temos ali alguns elementos que “indagam” a respeito do próprio município e

das suas relações sociais. A imagem sugere questões que podem ajudar a entender

a configuração social do município e sua repercussão no ambiente escolar. Afinal,

esta lavoura de soja está associada a algum modelo de desenvolvimento? Se há um

modelo de desenvolvimento, como ele se relaciona ao modelo educacional do

município? A soja - como representação deste possível modelo de desenvolvimento

se impõe à escola? De que maneira? Fica então evidente a importância desta cena

para este estudo.

Nosso objetivo em parte é compreender as repercussões do modelo de

acumulação econômica local sobre a sociedade, em particular o modo como certos

agentes do município tomam consciência de seus efeitos e fazem escolhas para

contê-lo, especialmente no plano educacional. Temos, portanto, como objeto de

análise as relações de afinidade e tensão entre modelo de desenvolvimento e

modelo de ensino, aqui tomado como um conjunto de ações pedagógicas dentro da

escola.

A escola é um lugar privilegiado para compreender os nexos (e até

contradições) entre certos modelos de conduta humana e modelo de

desenvolvimento econômico. É o que nos diz Ghedini:

A escola é o espaço onde se desenvolvem práticas ligadas a um

projeto educacional que está vinculado a um projeto histórico e social

e que tem relação direta com o projeto de desenvolvimento... É no

espaço escola que aflora o projeto político da sociedade, o projeto de

desenvolvimento e os projetos pessoais dos sujeitos que neste

mesmo espaço se encontram. (Guedini, 2010, p.106)

Neste sentido compreendemos que o projeto educacional está condicionado

a um contexto político e econômico. Por tanto, a esfera social e econômica estão

relacionadas e precisam ser ‘reunidas’ particularmente dentro da escola. Veremos,

ao longo desta pesquisa, os nexos e contradições desse processo no município de

Nova Tebas. Para este trabalho nos deteremos à educação escolar, mais

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especificamente a um projeto educacional específico desenvolvido no município de

Nova Tebas, dedicado à formação de empreendedores na educação infantil.

1.2 Relações fundiárias no Paraná: das florestas a soja

Ao propormos uma discussão a respeito das relações entre modelo de

desenvolvimento econômico e educação infantil, devemos fazer um exercício no

sentido de interpretar especialmente a configuração das relações fundiárias. São

necessárias observações a respeito da sua gênese histórica, identificação dos

grupos hegemônicos e grupos que foram vencidos nas disputas pela terra e pelo

poder.

Certamente este trabalho não pretende esgotar a discussão e tampouco

conduzir o leitor a alguma verdade. Devemos, simplesmente, destacar alguns

elementos que poderão ser relacionados (ou não) ao projeto educacional

desenvolvido em Nova Tebas, levando em conta os seus motivadores, objetivos e

ações. Isto é, precisamos pautar a discussão na região onde o projeto educacional

foi colocado em prática destacando as relações sócio históricas.

Inicialmente apontamos os processos que impulsionaram a substituição da

mata nativa pela agricultura moderna representada pelo agronegócio no Paraná e

quais interesses prevaleceram neste processo de “modernização”.

Mondardo e Goettert (2007 p.40) afirmam que o modelo de desenvolvimento

rural no Brasil, se dá em parte através das frentes de expansão ou frentes pioneiras.

Complementarmente a esta afirmação, Martins (2009, p.136) define as frentes de

expansão da seguinte maneira: “Para uns, a frente de expansão aparece como

sendo expansão da sociedade nacional; para outros, como expansão do modo

capitalista de produção. Originalmente, era expansão da fronteira da civilização”.

Para Mondardo e Goettert (2007 p.46/47), estas frentes acontecem em

momentos distintos da nossa história, mas acabam sendo determinantes para a

formação sócio espacial brasileira. As expansões em sua maioria demandam

interesses distintos: por um lado temos aqueles que querem expandir as suas

divisas, por outro, os que estão ocupando o espaço a ser conquistado. Ou seja,

existe uma diferença entre estes sujeitos, desde como estes entendem e

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transformam o seu espaço, até como estes compreendem o mundo. Martins (2009)

nos revela o aspecto etnocêntrico da fronteira e a crueldade das expansões:

A fronteira é sobretudo, no que se refere aos diferentes grupos dos

chamados civilizados que se situam “do lado de cá”, um cenário de

intolerância, ambição e morte [...] Já no âmbito dos diversos grupos

étnicos que estão “do outro lado”, e no âmbito das respectivas

concepções do espaço e do homem, a fronteira é, na verdade, ponto

limite de territórios que se redefinem continuamente, disputados de

diferentes modos por diferentes grupos humanos [...] É na fronteira

que se pode observar melhor como as sociedades se formam, se

desorganizam ou se reproduzem. Na fronteira, o homem não se

encontra- se desencontra. (Martins, 2009, p. 9-10).

Outro aspecto importante é o caráter moderno, ou de modernização que

fundamenta as frentes de expansão, que induz à ideia do novo e da racionalidade

econômica como algo positivo. Neste sentido, a expansão parece ser um caminho

único para a modernização, tendo como ponto principal a acumulação de capital.

Para Mondardo e Goettert (2007 p.39), as expansões implicam na

mobilidade social em dois sentidos: por um lado, o movimento daqueles que migram

para as fronteiras à procura de novas condições de vida (crença no desenvolvimento

econômico), e por outro, a decadência das populações tradicionais (Índios, caipiras,

caiçaras, caboclos e camponeses) que assistem à destruição de seu modo de vida e

não se enquadram ao novo ritmo do desenvolvimento.

Na História do Paraná, há vários episódios relacionados a expansões, o

desenvolvimento e conflitos por questões fundiárias: a transferência da família Real

portuguesa para o Brasil que representou a expulsão e catequização forçada das

populações tradicionais da região de Guarapuava; a colonização europeia na região;

os ciclos econômicos do café, do mate e da soja. Invariavelmente as populações

tradicionais sofreram com perseguições, violência e expulsão das suas terras.

Segundo Porto (2013), em sua história mais recente, na primeira metade do

Século XX, o Estado do Paraná e a região de Guarapuava em particular (onde fica o

município de Nova Tebas), tiveram um ciclo de expansão, cujo argumento era a

repovoação do interior. Para consolidar os ciclos e a expansão pretendida pelo

desenvolvimento, foi necessário retirar a mata nativa e as populações que residiam

no local. De acordo com GUBERT (1988) Em apenas um século (1890 a 1990), o

estado do Paraná reduziu sua cobertura florestal de 16 milhões 762 mil e 600

hectares (83,41%) de seu território, para cerca de 872 mil e 600 hectares (5,20%) de

seu território. A destruição ambiental teve seu equivalente humano. Segundo Porto

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(2013), os ciclos econômicos no Paraná sempre afetaram diretamente as

populações tradicionais. Temos no Paraná vários conflitos, como na revolta dos

posseiros de 1957 e a revolta camponesa de Porecatu1.

Foram intensos os conflitos por terra na região, resultantes da retirada

forçada de parte da população tradicional para instalação de uma burguesia agrária

no Paraná. Esta burguesia acabou exercendo uma hegemonia na produção agrícola

da região e, com mais poder e exercendo influência política, tomou decisões

importantes ditando o rumo e o ritmo do desenvolvimento na região. O município

que estudamos é fruto deste processo histórico mais amplo e está, mais

imediatamente, relacionado ao aprofundamento de um modelo de desenvolvimento

agrário nos anos de 1970, baseado no cultivo da soja.

De acordo com Sonda e Bergold:

Nesse momento, assiste-se, então a eliminação quase total dos

últimos remanescentes florestais do estado situados, sobretudo, em

terras mecanizáveis pertencentes a grandes fazendeiros ou

latifundiários- agricultores empresariais, burguesia agrária moderna-

que por sua vez as desmatam para implantar monoculturas de soja,

cana- de- açúcar, com vistas à exportação [...] O processo de

modernização da agricultura levou um grande número de agricultores

à decadência: forçou grande parte da força de trabalho rural a se

favelizar nas periferias urbanas. Esses impactos ainda se expressam

fortemente nos dias atuais, associando-se à expansão dos

agronegócios (soja, cana-de-açúcar, pecuária, reflorestamentos)

sempre na forma de monoculturas. (PORTO, L et.al 2013, p. 16-17 e

23).

Vejamos no mapa a evolução do plantio de soja no Brasil entre 1970 e 2003:

1 Ver: Éverly Pegoraro, Revista IDEAS, v. 2, n. 1, p. 109-133, jan.-jun. 2008 e Ângelo Priori, ANPUH –

XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.

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20 Figura 1- Cultivo de Soja no Brasil

Disponível em: http://www.geografiaparatodos.com.br/ (Acesso em 06/01/15)

A soja é produto predominante no Paraná, um cultivo que acentuou a

concentração fundiária e o aumento da desigualdade social no interior. Não é,

portanto, apenas a quadra da escola de Nova Tebas que é tomada pelo seu cultivo.

Imaginamos que a partir da cena descrita no inicio do texto e esta breve

aproximação sócio histórica, seja pertinente questionar de que forma todo esse

processo afetou o município? E quais problemas esse processo de desenvolvimento

desencadeou?

1.3 Nova Tebas, fruto da expansão, desapropriação e do Capitalismo

Nova Tebas é um pequeno município do interior do Paraná, localizado na

região de Guarapuava, no terceiro planalto do Paraná, conhecido pelas suas

paisagens montanhosas, rios e serras. O relevo da região, que apesar de

montanhoso não é muito acidentado, propiciou a criação de bovinos e a agricultura.

Fica distante 400 quilômetros de Curitiba (capital do estado) e o grande centro

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urbano mais próximo é a cidade de Guarapuava, a 120 Km de distância. O acesso é

feito pela PR-460.

Atualmente, na região encontramos algumas reservas indígenas, faxinais e

assentamentos rurais. No entanto, ainda que exista a produção de alimentos por

agricultores familiares e produção agroecológica, predomina a produção agrícola em

grande escala, baseada na agricultura mecanizada, mais conhecida como

agronegócio. Esta modalidade de produção agrícola, embora tenha muitas

vantagens do ponto de vista econômico, foi a mais devastadora para as populações

tradicionais e para o meio ambiente.

Precisamente Nova Tebas tem uma área total de 544, 187 Km² e faz divisa

com os municípios de Iretama, Jardim Alegre, Manoel Ribas, Arapuã, Pitanga e

Roncador (IPARDES, 2009). Dados dizem que 61% dos habitantes habitam a área

rural e 39% a área urbana, segundo IPARDES. (2009)

Localização de Nova Tebas no estado do Paraná e suas divisas (fonte IPARDES-2009):

Figura 2- Localização do município de Nova Tebas

Durante as observações realizadas entre 2012 e 2015, constatamos que a

atividade agrícola dinamiza o pequeno comércio local e o fluxo na vida ordinária da

cidade: há muitos estabelecimentos de insumos agrícolas e máquinas agrícolas e

veículos de grande porte (camionetes) que circulam nas ruas do pequeno centro.

Nova Tebas tem características de uma pequena cidade do interior

brasileiro. Há uma avenida principal (Av. Brasília) que atravessa toda sua extensão,

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com aproximadamente dois quilômetros, único acesso ao centro da cidade. É uma

rua asfaltada com canteiro central, que concentra os principais endereços: lojas, a

igreja, o hotel, alguns bares e restaurantes, as secretarias de ação social, educação

e a Prefeitura. Paralelamente a esta avenida principal, há mais duas ruas asfaltadas,

à esquerda e à direita. Numa delas, fica a única escola na área urbana do município.

Nas demais ruas, tanto nas paralelas quanto nas transversais não há asfalto.

Predomina um tipo de pavimentação poliédrica feita com pedras pontiagudas

(bastante comum no interior do Paraná), quando não é apenas terra batida.

Segundo Loureiro (2013), Nova Tebas chamou-se antes Bela Vista quando

era uma pequena povoação pertencente ao município de Pitanga. A emancipação

ocorreu apenas em 1989, pela lei estadual N° 8.624. O nome foi dado em

homenagem à cidade-estado de Tebas na Grécia, por influencia de um dos seus

fundadores o Senhor Elias Papanastácio o “Grego”, que adquiriu uma área

destinada ao loteamento urbano com a intenção de fundar uma cidade em

homenagem a sua cidade natal “Tebas”, daí o nome Nova Tebas.

Administrativamente o município é dividido em três distritos, Bela Vista, Poema e

Catuporanga.

Na economia rural do município predominam duas atividades: a criação de

rebanhos (suínos e bovinos), e o cultivo de monoculturas, com destaque para a soja

e milho. Dos 1.350 estabelecimentos agropecuários encontrados em Nova Tebas,

834 são estabelecimentos pecuários e 438 estabelecimentos de lavouras

temporárias (IPARDES-2009), o que corrobora com o destaque que a pecuária e a

lavoura de monoculturas tem no município. Na cidade, além do comércio, parte da

população trabalha na prefeitura ou em órgãos vinculados à mesma, como as

secretarias e escolas.

Nova Tebas enfrenta desde algumas décadas, problemas com êxodo

populacional. Segundo dados do Censo, em 1991 o município tinha uma população

de 17.587 habitantes; em 2010 foram contabilizados apenas 7.398 moradores,

representando uma perda de 57,9% da população em dezenove anos. A estimativa

para 2014 é de 6.943 habitantes, ou seja, continua caindo.

Segundo a Prefeita, além dos problemas sociais decorrentes do êxodo, o

Município se vê às voltas com sério problema financeiro, pois as verbas

encaminhadas pelo Estado são proporcionais ao número de habitantes. Como este

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número diminuiu, os recursos também. No entanto, a área total do município

permanece inalterada. Ou seja, o município recebe menos recursos para dar conta

da mesma área, tornando a tarefa de manter escolas, secretarias e estradas, quase

impossível.

Vejamos no quadro abaixo a população e a densidade demográfica em Nova

Tebas e seus municípios Vizinhos:

Tabela 1- População e Densidade demográfica em Nova Tebas e Municípios Vizinhos

Município População em 2010

População estimada 2013

Extensão Territorial

Densidade demográfica

Nova Tebas 7.398 7.100 545.686 Km² 13,56 (Hab/ Km²)

Iretama 10.622 10.773 570.459 Km² 18,62 (Hab/ Km²)

Jardim Alegre 12.324 12.371 405.548 Km² 30,39 (Hab/ Km²)

Manoel Ribas 13.169 13.610 571,135 Km² 23,06 (Hab/ Km²)

Arapuã 3.561 3.513 217,974 Km² 16,34 (Hab/ Km²)

Pitanga 32.638 32.841 1.663,747 Km² 19,62 (Hab/ Km²)

Roncador 11.537 11.365 742,121 Km² 15,55 (Hab/ Km²)

Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/6VC, acesso 05/09/14

Como vemos no quadro, a população de Nova Tebas diminui no período.

Observamos também que a menor densidade demográfica entre os municípios da

região é em Nova Tebas, confirmando as preocupações do Poder Público.

Para Mondardo e Goettert (2007) a mobilidade espacial no capitalismo,

ocorre em decorrência da introdução de relações de produção capitalistas,

acarretando na expropriação de camponeses, a intensificação dos conflitos por terra

e a evasão populacional. Na região de Guarapuava, esses fenômenos se

aprofundam nos anos de 1970 com o avanço do desenvolvimento capitalista no

Paraná. Quando não ocorre a privação da terra propriamente dita, há falta de

recursos técnicos e acesso ao mercado consumidor, ambos os fatores que afastam

camponeses de sua produção. Temos relatos de famílias que, por isso, não

conseguem mais produzir na sua terra e acabaram arrendando para os grandes

produtores da região a fim de assegurar uma renda mínima. Perdem poder de

decisão sobre a terra e se transformam, por vezes, em empregados da própria terra.

Sem falar nas condições de trabalho insalubres a que são submetidos os

trabalhadores rurais, lembrando que o cultivo de monoculturas demanda uso de

agrotóxicos em grande escala. Em outros casos, bastante frequentes, o pequeno

proprietário, vende sua terra e vai para centros urbanos próximos, favorecendo a

concentração da propriedade de terra na região. Tanto em um caso quanto no outro,

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o beneficiado pelas circunstâncias será o grande latifundiário. Seja pela

concentração de terra ou pelo poder de decisão na terra arrendada, a consequência

será o aprofundamento a desigualdade social.

Com efeito, o Censo agropecuário de 2006 nos mostra que o índice de Gini

em Nova Tebas é de 0,7, indicando segundo a escala, um alto grau de concentração

da propriedade da terra, lembrando que o valor máximo da escala é 1.0, que seria a

concentração absoluta.

1.4 Educação e produção agrícola em Nova Tebas

O complexo educacional de Nova Tebas é composto por quinze escolas: são

seis municipais, cinco estaduais, três CEMEI (Centro Municipal de Educação Infantil)

e uma escola de educação especial.

Para esta pesquisa foram visitadas as seis escolas municipais, sendo que

apenas uma delas se encontra na área urbana da cidade (cinco são escolas rurais).

Foram ouvidos em entrevistas semiestruturadas professores e diretores, a Prefeita

do município, a secretária de ação social e a secretária de educação; todos

igualmente importantes para a construção deste objeto na medida em que me

conduziram para alguns caminhos que a pesquisa foi tomando.

Segundo os relatos, há dois grandes problemas na educação no município.

Um deles é o acesso dos alunos à escola. Lembramos que as escolas rurais ficam

o mais próximo possível dos distritos do município, mas a grande extensão do

mesmo acaba dificultando o transporte dos alunos. O problema se torna ainda mais

sério devido à conservação e alagamento das vias de acesso em tempos de muita

chuva.

Segundo a Prefeitura, algumas ações estariam em andamento para

melhorar este problema, especialmente a aquisição de ônibus escolares novos,

adquiridos pelo programa Caminho da Escola2.

2 O Programa Caminho da Escola foi criado em 2007 com o objetivo de renovar a frota de veículos

escolares, garantir segurança e qualidade ao transporte dos estudantes e contribuir para a redução da evasão escolar, ampliando, por meio do transporte diário, o acesso e a permanência na escola dos estudantes matriculados na educação básica da zona rural das redes estaduais e municipais. O programa também visa à padronização dos veículos de transporte escolar, à redução dos preços dos

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Em uma das escolas visitadas, a diretora informou um desdobramento deste

problema (distância entre a moradia e a escola): o tempo de transporte acaba se

tornando limitador do processo de aprendizagem porque o aluno sai muito cedo da

sua casa e chega muito tarde, obrigando, inclusive, a escola a fornecer ao menos

uma boa refeição para as crianças, o que nem sempre é possível.

Outro problema relatado é a evasão de estudantes. Este problema é

percebido na queda das matriculas nas escolas do município. Vejamos o número de

matrículas no município entre os anos de 2005 e 2012:

Tabela 2- Ensino em Nova Tebas - Matriculas

Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/6VC, acesso 05/09/14.

Quando observamos o número total de matriculas (Fundamental e Médio),

notamos uma queda acentuada de alunos matriculados no período analisado. Em

percentual, a diferença é pouca coisa mais acentuada no ensino médio que perdeu

40,05% (241 alunos) em comparação ao ensino fundamental que perdeu 40,03%

(737 alunos). Ao todo o município perdeu 978 alunos em sete anos.

Acompanhando a redução de alunos matriculados, o número de docentes

também diminuiu. No Ensino Médio, o número de professores caiu de 62 (2002)

para 53 (2012) e no ensino fundamental, o número cai de 132 (2002) para 87 (2012).

Ao todo o município perdeu 54 professores (médio e fundamental) em dez anos.

veículos e ao aumento da transparência nessas aquisições. Disponível- http://www.caminhodaescola.com.br/ acesso 29/01/2015.

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Ao analisarmos os números que demostram o encolhimento da estrutura

educacional, podemos conjecturar que este processo pode se tratar de uma evasão

provocada pelo trabalho rural, ou seja, os jovens que saíram da escola foram ajudar

os seus pais na lavoura (fato comum em municípios rurais). Outra hipótese é de que

estes jovens saíram do município em busca de outras oportunidades de trabalho. A

julgar pela evasão da população em geral e pela concentração fundiária, nos parece

que a segunda hipótese, seja a mais plausível.

Mas será que o município só tem indicadores em queda? Certamente não.

Se por um lado os indicadores demográficos (população do município, matrícula e

número de docentes) estão em queda, os indicadores de produção agrícola vão em

sentido contrário.

Os indicadores de produção de soja sugerem expansão tanto na quantidade

produzida, quanto na área de produção, demonstrando um cenário diferente da

população do município. Lembrando que a soja aumenta a concentração de terra,

favorece os grandes produtores em detrimento da agricultura familiar.

Vejamos os gráficos:

Tabela 3- Produção agrícola em Nova Tebas- Soja

Disponível em http://cod.ibge.gov.br/6VC - acesso 05/09/2014.

Vejamos as linhas de tendência para a produção agrícola e a evasão, tanto

escolar quanto da população em geral:

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27 Tabela 4- Produção Agrícola, Matriculas e População geral em Nova Tebas

Disponível em http://cod.ibge.gov.br/6VC -acesso 05/09/2014.

Os gráficos indicam que a produção de soja aumenta enquanto a população

diminui, reafirmando a preocupação do poder público em relação à evasão da

população e a preocupação com as relações fundiárias e exigindo ações para tentar

conter esses problemas, ao menos em tese.

No município temos problemas educacionais encontrados também em

outros municípios rurais (transporte, vias de acesso e evasão) e problemas sociais

igualmente identificados em outros municípios do interior do Paraná (evasão e

concentração de terra). Porém o que nos interessa é saber como ali o poder

público tomou consciência e enfrentou esses problemas.

Na tentativa de sanar ou amenizar as dificuldades, principalmente o

problema do êxodo, a prefeitura implantou com a ajuda do SEBRAE o projeto

“Educação Empreendedora”. Este projeto será analisado e detalhado adiante, mas

por agora basta entender que existe um projeto a médio e longo prazo para o

município e que o projeto está diretamente relacionado com a educação.

Enfim, podemos compreender um pouco melhor a cena descrita no início do

texto e as suas contradições: se por um lado temos o “progresso econômico”

representado pela lavoura de soja (que força o limite de expansão da sua “fronteira”

representada pelo barranco), por outro lado, temos os alunos da escola que

representam o futuro do município e estão sendo compelidos a “sair” dali (lembrando

que estes alunos em sua maioria são filhos dos pequenos agricultores excluídos do

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modelo de desenvolvimento hegemônico). Neste sentido o movimento é bastante

claro, porém não podemos esquecer que o projeto do SEBRAE é voltado para estes

alunos e o mesmo tem como principal objetivo a permanência dos jovens no

município através de atitudes empreendedoras.

2 SEBRAE, Empreendedorismo e o Capital Humano

“O que mais dói na miséria é a ignorância que

ela tem de si mesma. Confrontadas com a

ausência de tudo, os homens obstêm-se do

sonho, derramando-se do desejo de serem

outros. Existe no nada essa ilusão de

plenitude que faz parar a vida e anoitecer as

vozes”.

Mia Couto

2.1 Educação empreendedora

A solução encontrada pelo poder público do município para conter o êxodo,

foi contratar o projeto educacional chamado “Educação Empreendedora” do

SEBRAE, embora o projeto pareça inovador, a ideia de ensinar empreendedorismo

ou aliar o empreendedorismo ao projeto pedagógico não é lá muito nova. Segundo

Coan (2012), o discurso sobre a necessidade de educar para o empreendedorismo

ganha força em meados da década 90, com o intuito claro de formar um trabalhador

de “novo tipo” em decorrência do desemprego que atingia os jovens no período.

Além disso, o diploma já não garantia uma colocação no mercado de trabalho, então

era necessária uma atitude empreendedora, no discurso corrente o trabalhador

precisa descobrir as características empreendedoras, arregaçar as mangas e

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resolver os seus problemas. No que se refere a uma ideia de empreendedorismo e a

sua aproximação com a educação o autor destaca que:

Nesse contexto, o espaço escolar é disputado como lócus para

formar um trabalhador de novo tipo, convencido de estar apto a

enfrentar os desafios do atual mercado de trabalho vendendo sua

força de trabalho, prestando serviços, fazendo consultorias, trabalho

terceirizado, trabalho temporário, a domicílio, subcontratado, com

bolsas de estudo, estágio ou arranjos flexíveis e precários similares.

(COAN, Marival -2012 p-2)

São vários trabalhos acadêmicos que associam a educação ao

empreendedorismo, Coan (2012) nos trás alguns deles, que variam entre

procedimentos metodológicos para o ensino do empreendedorismo,

empreendedorismo como facilitador do sucesso profissional, empreendedorismo

como matéria transdisciplinar e as necessidades de formar para o

empreendedorismo, entre esses autores temos; Pereira (2011), Miranda (2002), Wolf

(2004), Bastos et al (2006), Friedlaender (2004) e Santos (2004).

Todavia, esta pesquisa não pretende aprofundar os conceitos distintos

relacionados ao empreendedorismo, mas entender a relação entre o

empreendedorismo e a educação no contexto de Nova Tebas. Para tal, faremos

uma breve apresentação do projeto Pedagogia Empreendedora e o seu material,

uma discussão a respeito da gênese de alguns conceitos utilizados pelo projeto, que

no nosso entendimento são trazidos pelo mesmo de forma desfigurada e fora de

contexto, por fim uma aproximação do projeto aos problemas do município.

O projeto Educação Empreendedora é um produto do SEBRAE, oferecido à

Prefeitura de Nova Tebas, que deriva do livro “Pedagogia Empreendedora” de

autoria de Fernando Dolabela3. Consiste, sobretudo em quatro capacitações

semestrais para os professores da rede de ensino municipal no período de dois

anos. O objetivo é que, num curto prazo os professores atuem como agentes de

transformação de seus alunos do ensino básico, incentivadores do comportamento

empreendedor.

3 Criador dos maiores programas de ensino empreendedorismo do Brasil na educação básica e

universitária; consultor e professor da Fundação Dom Cabral, ex-professor da UFMG, consultor da

CNI-IEL Nacional, do CNPq e de dezenas de universidades. Disponível em

https://fernandodolabela.wordpress.com/ Acesso: 25/01/2015.

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Além das capacitações, o SEBRAE fornece o material didático a ser utilizado

pelos professores durante suas aulas. A recomendação geral é que o professor

ministre os conteúdos do projeto por duas horas a cada semana. Segundo o Próprio

Dolabela a educação empreendedora funciona da seguinte forma:

Sinteticamente, eu diria que não se pode dar uma direção ao aluno

para que ele seja um empreendedor empresarial, mas para que seja

empreendedor em sua forma de ser. Este conceito está descrito no

livro Pedagogia Empreendedora que também apresenta os

procedimentos metodológicos com foco na comunidade, e não no

indivíduo. Porém, trabalha-se o indivíduo porque, dentro da

Pedagogia Empreendedora, o empreendedor é um indivíduo que

gera utilidade para os outros, que gera valor positivo para sua

comunidade. (Revista de Negócios, Blumenau, v. 9, n. 2, p. 127-130,

abril/junho 2004).

O projeto está sendo implantado em Nova Tebas desde 2013, quando

ocorreram as primeiras capacitações. A partir do material utilizado para estas

capacitações seguimos as considerações.

2.1.1 As Capacitações

As capacitações são destinadas a dois grupos: aos gestores do projeto no

município (prefeitos, diretores de escola, secretários etc...) e aos multiplicadores do

projeto (professores). O conteúdo dessa capacitação e o material didático que

servirá de apoio aos professores em suas aulas escolares, é organizado na forma de

cartilhas que iremos analisar ao longo deste capítulo.

A primeira capacitação é chamada de “Seminário de transferência” e é

destinada aos professores. Tem duração estimada de 16 horas em dois dias.

Segundo o roteiro do Seminário, a principal competência a ser desenvolvida nesta

etapa do projeto é o questionamento dos paradigmas existentes a fim de construir

uma visão de mundo mais solidária e transformadora. Através da vivência e da

compreensão da pedagogia empreendedora, os professores serão capazes de

construir uma relação mais horizontal, criativa e libertadora com seus alunos.

Este seminário está subdividido em vários tópicos introdutórios (entre os

quais ‘Conceito de Empreendedorismo’, ‘Empreendedorismo: dom ou competência?

’, ‘Como nasce o empreendedor? ’, ‘Pirâmide de poder e ideologia’). Cada tópico

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acompanhado de uma breve explicação, um slide ou texto. A impressão que se tem

é que se trata de uma miscelânea de ideias e conceitos “desfigurados” de seu

contexto original, que atendem aos interesses do projeto.

Quanto ao conceito de empreendedorismo, o seminário apresenta as

seguintes definições: o ato de empreender é ‘tomar pelas mãos e fazer’; é uma visão

de mundo, uma forma de ser. Segundo o texto, o foco da administração é a

empresa, o foco do empreendedorismo é o ser humano. O empreendedor, por sua

vez, nasce das relações sociais, é um sujeito autônomo, não tutelado que arrisca e é

rebelde, erra e valoriza a inovação. O empreendedorismo é uma competência a ser

resgatada. Sem negar atributos naturais, os fatores externos (Relações na família,

escola, igreja, etc..) são considerados inibidores ou favorecedores do

empreendedorismo.

Em seguida, o conjunto de textos lança uma série de pressupostos que

complementam essa visão do empreendedorismo: as formas de hierarquia,

poder/ideologia, desenvolvimento sustentável X crescimento econômico, Capital

Humano e Capital Social. Para estes itens é sugerida uma atividade de leitura.

Trata-se do texto “O caso de dona Jabô: Empregos ou capacidade empreendedora?

No Brasil, quem precisa de Painho nunca chegará a exportador” de Fernando Dolabela

que narra a história de uma empreendedora exemplar.

A história descrita no texto de apoio, além de muito reveladora (dos

propósitos do projeto), é interessante do ponto de vista das relações fundiárias e do

cooperativismo. A história se passa em Petrolina-PE, região conhecida como

perímetro irrigado das margens do Rio São Francisco. A protagonista da história é

Dona Patrícia do Jaboatão (dona Jabô), que já está na região ha mais de 15 anos

produzindo uvas para o consumo interno e exportação, pois suas uvas são da

melhor qualidade. Seu parreiral tem 70.000 metros², parte que lhe coube de uma

divisão de lotes entre pequenos agricultores. Segundo Dolabela, a propriedade de

dona Jabô tem um escritório, dois veículos de trabalho e equipamentos agrícolas,

indícios de prosperidade numa região (para espanto do autor), ainda é dominada

pela lógica dos antigos ciclos da monocultura e pelo mandonismo.

A história segue com o dialogo entre Dolabela e dona Jabô. Ela explica que

existem uns cinquenta “pequenos” como ela, e que ela e mais três exportam a

produção (a exportação é mais rentável). Dolabela questiona ‘mas porque os demais

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não exportam?’ Dona Jabô responde que é porque eles não confiam nos agrônomos

que prestam assessoria e não querem se modernizar, produzindo como seus pais

produziam, confiando menos na tecnologia do que no ‘Painho’ (o Coronel).

Por fim, o autor analisa a situação, afirmando que, na região, o estoque de

capital social é baixo, embora haja crescimento do PIB (por conta dos grandes

produtores), não haverá desenvolvimento. Pior ainda, é provável, na avaliação do

autor, que os pequenos agricultores sejam engolidos pelos grandes. Então não

apenas na região como em todo o Brasil, Dolabela delibera que, além de gerar

empregos é necessário alterar as relações sociais para favorecer o desenvolvimento

do capital social e investimento em capital humano. A atitude empreendedora é a

saída para alguns dos males da vida nacional, pois combate o clientelismo, as

relações verticais e decisões tomadas por pessoas que se apossaram do poder.

A partir da história, os participantes são convidados a refletir sobre as formas

de poder e ideologia. Segundo a capacitação, a ideologia faz com que o inaceitável

seja visto como aceitável, reificando uma estrutura de poder porque não

questionamos e consideramos natural umas pessoas mandem em outras. Neste

caso, teríamos, de acordo com o texto de capacitação, duas visões opostas acerca

das possibilidades das pessoas: por um lado, o ser humano livre que corrobora para

o poder piramidal, concentração de riqueza, renda, poder e conhecimento. Por outro,

o ser humano livre que se autorregula, produz amor, cooperação e colabora para

relações horizontais.

Para o projeto, o crescimento tecnológico e econômico, não são sinônimos

de desenvolvimento. Lugares desenvolvidos tem um alto capital social, que nada

mais é do que a capacidade das pessoas de se articularem para resolver problemas.

O desenvolvimento sustentável implica em pensar nas futuras gerações, preocupa-

se com qualidade de vida e felicidade.

Neste momento aparece a figura principal de todo o projeto. O sonho, termo

que dá amparo a ideia de empreendedorismo. A partir deste ponto

“empreendedorismo” e o “sonho“ aparecem sempre enlaçados. O empreendedor na

visão do projeto nasce do ato de sonhar, busca a realização do sonho e a realização

o sonho traz emoção para o sujeito. O sonho e a sua realização constituem meios

de auto compreensão, auto- realização e transformação social.

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Sonhar é buscar a realização do sonho, desenvolver as características

empreendedoras e dar sentido a vida do sujeito. Na busca do nexo entre si e o

sonho, pode-se modifica-lo ou reconstrui-lo, reinventando-o. A falta de êxito pouco

importa, pois não existe fracasso enquanto se continua a buscar. Mais perigoso que

o fracasso pode ser o triunfo seguido de acomodação. Na visão empreendedora, o

termo “pessoa realizada” não faz sentido.

Em relação à escola e ao papel do educador o projeto destaca que, a escola

não tem que ensinar os caminhos. Não se ensina uma pessoa a ser, criam-se

condições para ela ser. A escola tem que abrir espaço para a criatividade, o

caos, a emoção, a rebeldia, o risco, a vida. Não cabe ao professor qualquer tipo

de interferência, seja expressando sua opinião sobre a qualidade, viabilidade ou

adequação do sonho. Ao educador cabe instigar, apoiar, perguntar e prover

oportunidades para que o aluno progrida em sua busca de realização do seu sonho.

Por fim, os participantes são apresentados aos elementos de suporte (serão

trabalhados mais adiante), os elementos são: Conceito de si, Energia, Liderança,

Conhecimento do setor, Rede de relações. Segundo o projeto estes elementos

fortalecem o espirito empreendedor.

Já a capacitação destinada aos gestores do projeto (Seminário de

multiplicação), tem a competência de aprofundar a teoria e a prática da pedagogia

empreendedora em situações problema, assim os participantes estarão capacitados

a implantar o projeto e monitorar o processo. A duração deste seminário é a mesma

do Seminário de transferência (duas sessões diárias de 8 horas). A única atividade

exigida para iniciar esta capacitação é a prévia leitura do livro da Pedagogia

Empreendedora de Fernando Dolabella.

Esta capacitação é iniciada com uma entrevista do Indiano Mohammad

Yunus que é Banqueiro, economista, premio Nobel da Paz (2006) e criador do banco

Grameen, que empresta dinheiro a juros baixos para pessoas pobres. Estes

empréstimos são feitos sem papéis ou garantias, apenas é exigido que o capital seja

aplicado em algum negócio. Segundo o projeto pedagogia empreendedora este é o

modelo completo de uma personalidade empreendedora, com um sonho coletivo

que está mudando o mundo.

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Logo em seguida é utilizado o Mito da caverna de Platão para demonstrar

que muitas vezes as tradições e ideologias acabam apresentando uma realidade

parcial. Em seguida, os participantes são convidados a elaborar um plano de

implantação do projeto e de acompanhamento do mesmo (planejamento,

cronograma e responsáveis). Após esta atividade, são trabalhados os itens do

Seminário de transferência (que já foram apresentados anteriormente) e por fim,

uma avaliação de melhoria continua, onde os participantes podem sugerir melhorias.

2.1.2 Caderno de atividades

Todos os cadernos de atividades dedicados aos alunos (1°ano até o 3° ano

ensino médio) começam com a mesma introdução e explicação do que é o projeto.

De inicio há uma carta elaborada pela equipe pedagógica do projeto, que segundo

Dolabela, são professores da rede de ensino de Minas Gerais. Nesta carta há uma

clara intenção de colocar o professor como protagonista do projeto e o projeto como

um instrumento para o aluno reivindicar o direito de sonhar.

Logo em seguida são elucidadas as competências e as obras do Professor

Fernando Dolabela, segundo o texto “a maior autoridade do país em

empreendedorismo”. Existe também uma recomendação de trabalhar o caderno

uma vez por semana, pois através deste será resgatada uma tarefa que

normalmente é esquecida nas escolas “o sonhar”, o sonhar como meio de auto

compreensão, auto realização e transformação social.

Ademais, são colocadas as etapas do sonho a serem trabalhadas, 1-

Concepção do Sonho, 2- Analise do Sonho, 3- Planejamento da realização do

Sonho, 4- Recursos para Realização do Sonho, 5- Balanço Final. Dentro de cada

tópico existem atividades a serem realizadas, com objetivos específicos,

recomendações, material didático e instruções detalhadas do desenvolvimento da

atividade.

Em seguida temos uma breve introdução que lança alguns conceitos

importantes para compreender o projeto. Segundo o texto, a pedagogia

empreendedora está fundamentada no princípio elementar de que a pessoa que

sonha e busca a realização do sonho, acaba dando rumo e sentido a sua vida e

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consequentemente acaba dando inicio a um processo de evolução pessoal. Sendo

assim, o Empreendedor é um sujeito empenhado na realização do seu sonho, porém

esse sonho é condicionado, o sonho tem que ter uma conotação social, beneficiar

outras pessoas.

Outro assunto de grande interesse para esta pesquisa está vinculado não a

capacidade, mas a possibilidade do aluno realizar os seus sonhos na conjuntura que

o município oferece. Quanto a isso, o projeto destaca, que a realização do sonho ou

não, é indiferente, pois como dito anteriormente, o sonho realizado perde a força e a

capacidade de gerar emoção, emoção que é o combustível do espirito

empreendedor.

Em seguida são apresentados os elementos de suporte, que fortalecem o

espirito empreendedor, os elementos são: Conceito de si, Energia, Liderança,

Conhecimento do setor, Rede de relações.

Conceito de si: Autoconhecimento, Autoimagem, Autoestima,

Autoaceitação, Autonomia, Espaço de si. Toda regra é para ser quebrada, através

de sua substituição por outra melhor.

Energia: Inconformismo, Inovação, Iniciativa, Ousadia, Criatividade,

Persistência. Energia é motivação interna, consequência da emoção provocada pelo

sonho.

Liderança: Protagonismo, Aceitação de riscos, Compreensão do erro como

parte do processo, Determinação, Autoria. Erro é sinônimo de resultado, não de

fracasso.

Conhecimento do Setor: Busca de informação, Percepção de

oportunidades.

Rede de Relações: Consciência de interdependência, Busca de

interatividade.

Estes elementos de suporte formam o sistema empreendedor completo, são

os pilares de apoio para o projeto, servem de “guia” para as atividades dos

cadernos, ou seja, cada atividade está vinculada a um ou mais elementos de

suporte.

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Além dos elementos de suporte, o “mapa do sonho” é outra atividade

importante que vai sendo construída ao longo de todo o projeto. No mapa, o aluno

registra o que considera significativo para a concepção do seu sonho e dos recursos

para a sua realização. São permitidas sugestões de registro dos sonhos, porém são

vedadas as interferências na concepção do mesmo, pois o sonho é do aluno.

Esta atividade “Mapa do Sonho” é dividida e distribuída durante os anos

letivos em cinco etapas 1°- Do que gosto? O que me interessa? 2°- Esse sonho tem

a ver comigo? 3°- Como organizar ações? 4°- Vou precisar de que? 5°- Qual é o

meu sonho e o que fiz buscando a sua realização. Segundo a equipe, é possível que

hajam diferenças na concepção de cada sonho, o importante é respeitar o ritmo de

cada um e entender que são apenas exercícios sem metas a serem cumpridas, não

há relatórios para entregar, apenas a oportunidade de conhecer-se melhor, sonhar e

buscar a realização do seu sonho.

Por fim, existem algumas recomendações para os professores em relação

ao projeto e possíveis problemas ou resistências. No caso de existirem empecilhos

para a realização do projeto, como falta de tempo dentro do planejamento, a equipe

coloca que, para a realização deste projeto é necessário ir além das crenças e

praticas pedagógicas tradicionais (conteudísta, transmissiva e autoritária). É

necessário aprender a olhar o seu aluno como um aluno singular, capaz de pensar

sobre si mesmo e sobre o mundo e que conheça a sua experiência de vida e

compartilhe os seus sonhos.

Cada caderno tem 36 atividades, variando entre atividades de concepção do

sonho, laboratórios sensoriais, histórias e fábulas, trabalhos com imagens

relacionadas ao sonho, exibição de desenhos animados, apresentação de biografias

de pessoas “importantes”, criação do caminhão do sonho, do boneco sonhador,

ouvir musicas e refletir a respeito das suas letras, reconstrução de histórias que não

deram certo e rodas de conversa. Cada atividade tem um objetivo específico que

está diretamente relacionado aos elementos de suporte. Existem recomendações

para a realização das atividades, assim como um breve roteiro de realização da

mesma.

Separamos uma atividade de cada caderno para ilustrar o formato das

mesmas, estas atividades foram escolhidas por considerarmos que as mesmas

representam em parte as contradições entre o projeto e os problemas do município,

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entendemos que esta seleção não da conta do projeto como um todo, porém se faz

necessária uma breve apresentação de parte do material, mesmo que de forma

resumida. Ainda, lembramos os leitores que o projeto contempla toda a vivência

escolar dos alunos, desde a educação básica até o ensino médio e apenas para

esta breve análise foram separados os cadernos das 3 séries iniciais (4, 5 e 6 anos).

Atividade 4 do caderno infantil 1 (4 Anos)

A rã e o touro, a fábula trabalhada está no “Livro “Fábulas de Esopo”, de

Ruth Rocha, Editora FTD, 1994”. A fábula não se encontra nos anexos do caderno,

(a escola terá que providenciar), porém existe uma breve descrição. “História da rã

invejosa que, querendo ficar do tamanho do touro, bebe tanta água que explode...”.

O objetivo desta atividade é demonstrar aos alunos que existem sonhos que são

impossíveis, o elemento de suporte trabalhado é o conceito de si. Outo aspecto

interessante da atividade são as dicas. Duas em especial: a) “pode-se levar um

balão para a atividade e estoura-lo para ilustrar a fabula”, b) “reforçar com os alunos

que não seria possível a rã ser igual ao touro, pois cada um tem a sua identidade”.

A atividade 33 do caderno 2 (5 anos)

A atividade é sugerida a partir da obra de Ângela Lago “Cena de Rua” (que

deve ser providenciada pela escola). O livro não tem textos, é uma série de

ilustrações com cores fortes que representa a história de um menino de rua que

vende frutas em semáforos. Ele é vitima da indiferença e acaba por cometer um

delito, roubando um presente que estava no banco traseiro de um veiculo.

A atividade tem o objetivo de compreender o compromisso do sonho

individual com o sonho coletivo, os elementos de suporte desta atividade são:

Conceito de Si- Conhecimento do Setor- Rede de Relações- Energia-

Liderança.

A atividade se inicia com questões sobre a capa do livro, “De que será que

se trata a história do livro?”, ”O que será que pode aparecer nesta cena de rua?”, “O

que a gente realmente vê nas ruas da cidade?”.

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Logo em seguida as crianças são incentivadas a contar a história a partir das

ilustrações, seguida da questão “Como será a vida das crianças que vivem nas

ruas?”. A partir da fala dos alunos, questionar se podemos ter um mundo diferente,

onde as crianças não precisem viver nas ruas, então “como poderia ser esse mundo

dos nossos sonhos?”. Por fim, após a discussão, incentivar os alunos a desenhar o

mundo dos seus sonhos, fazer uma breve apresentação para os seus colegas a

respeito do seu sonho e refletir “como o meu sonho pode contribuir para um mundo

melhor?”.

A atividade 32 do caderno 3 (6 anos)

Esta atividade tem como objetivo principal o desenvolvimento da

sensibilidade para as transformações do ser humano e da natureza, o elemento

de suporte é o conhecimento de si. Para a atividade ser realizada é necessário

ouvir a história “A primavera da lagarta” com a narração de Ruth Rocha. Após a

história, os alunos são convidados a refletir a respeito de duas questões, “Para se

tornar borboleta a lagarta precisou fazer algo? O que?”, “Para realizar o seu sonho

você precisa fazer algo? O que?”.

Ao final da atividade existem duas dicas para os professores: a) sugerir aos

alunos que façam um desenho referente a atividade, b) pedir aos alunos que

conversem com seus pais, ou outros familiares, pedindo que eles falem a respeito

das mudanças ocorridas em suas vidas desde a infância.

2.2 A figura do Empreendedor em Transformação junto ao capitalismo

Para Ruiz (2007), o conceito de empreendedorismo se transforma com o

capitalismo. Para o autor, em meados de 1900 o capitalismo se desenvolve a partir

da segunda revolução Industrial e se destaca pela utilização da eletricidade e

petróleo como fontes principais de energia. Esta fase é conhecida também pelos

avanços na produção de tecnologia, meios de transporte (automóveis e aviões),

novos sistemas de financiamento e principalmente pelas grandes organizações.

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Neste período, a figura do Empreendedor estava restrita a indivíduos

dotados de Engenho, Instrução e férrea vontade, nas palavras do autor. “A figura do

empreendedor aparece em alguns poucos dotados de características próprias e com

o intuito de inventar novas possibilidades para o capitalismo”.

Já a partir de 1950 o capitalismo entra em outra fase, onde a tecnologia

assume um papel importante na produção industrial, exigindo das corporações uma

organização e um número de empreendedores muito maior. Neste novo contexto, o

destaque fica para a alta produtividade que a indústria, aliada à tecnologia consegue

atingir. Esta alta produtividade industrial acaba afetando a vida cotidiana dos

indivíduos nos países desenvolvidos, que agora têm a sua disposição uma gama de

produtos industrializados muito maior. Em consequência destas mudanças, se cria

também um novo tipo de consumidor, uma nova classe média que acaba

consumindo e dando vazão a toda essa produção de bens de consumo.

As novas classes médias serão conhecidas pela riqueza, prosperidade e o

bem estar social. Mas todo este entusiasmo criado principalmente nos Estados

Unidos e alguns países europeus, não levava em conta uma série de fatores

importantes quando falamos no desenvolvimento capitalista (elementos sociais,

ambientais e econômicos).

Neste processo de modernização que o capitalismo passou, a figura do

empreendedor teve que se modificar também. Nas palavras de Ruiz:

Já não era possível para o inventor criativo ou para o empreendedor

sagaz, desenvolver sua atividade sozinho. Promovia-se, portanto, o

trabalho em grupo e, mais relevante do que isso, toda uma

mentalidade econômica significativamente diferente da que

caracterizara os grandes heróis dos primórdios da industrialização

(Osvaldo J. López-Ruiz, 2007, P-76).

Para Ruiz (2007) a nova fase do capitalismo pós-guerra, gerou nos Estados

Unidos e em outros países desenvolvidos, um sentimento de prosperidade sem

precedentes na história, pois, além do aumento no PIB per capta e da injeção de

dinheiro nas suas economias, estes países acabaram se desenvolvendo com o

amparo da tecnologia, um mercado aquecido e a garantia da comercialização dos

bens de consumo que produziam.

O autor destaca, que para além das questões comerciais, de mercado e da

nova classe média, neste período é notória a mudança nos indivíduos e nas suas

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atitudes. Se outrora, estes empreendedores, foram ambiciosos e levaram adiante

seus projetos, estes se transformaram em empresários cautelosos e deixaram

muitas decisões nas mãos de técnicos especializados. Embora ainda alimentassem

o desejo de transformar seus empreendimentos em grandes companhias, estes já

não criavam novas empresas, e acabaram estagnando o mercado capitalista. Sob a

ótica da Pedagogia empreendedora estes sujeitos não geram mais emoção,

perderam o combustível do empreendedorismo.

Para o autor, a base religiosa que fundamentava a primeira fase do

capitalismo entra em declínio na fase posterior. No entanto esta base religiosa dá

lugar a outro tipo de crença, a crença na ciência, que entra em destaque junto à

ideia de um capitalismo vencedor e acaba recuperando a figura do empreendedor.

Mas desta vez o empreendedor deveria travar a sua luta em um solo próprio, uma

batalha individual, cada individuo se transforma em um proprietário, um empresário

que cultiva seus talentos e habilidades, almejando benefícios futuros. Nas palavras

de Ruiz (2007, p.179) “Desta maneira, o homem tornou-se proprietário de si; ele

próprio passou a ser seu principal ativo e esse ativo transformou-se no objetivo de

todo seu empenho e dedicação”.

Para entender melhor, tanto o papel do empreendedor, quanto a sua origem,

é necessário apresentar um pouco da discussão que estava sendo pautada em

meados da década de 60, nos Estados Unidos principalmente. O aparecimento do

termo “capital Humano”, que segundo Ruiz (2007) foi utilizado por Theodore W.

Schultz, em 28 de Dezembro de 1960 em seu discurso como presidente da

Associação Americana de Economia, o termo aparece como solução para

problemas econômicos. Porém, veremos que o capital humano é mais que isto.

Ruiz (2007) define o capital humano como uma série de capacidades,

destrezas e talentos que devem tornar-se uma “moeda” de troca. Estas convicções

foram cunhadas juntamente com o avanço do capitalismo, onde estas características

seriam naturais ao homem e se apresentam em forma de capital. Ou seja, o capital

humano é uma soma de valores de troca, que servem a uma empresa capitalista.

Em dezembro de 1961, houve um marco importante nas discussões a

respeito do capital humano, com a realização da Conferência Exploratória sobre

investimentos de Capital em Seres Humanos, realizada nos Estados Unidos, a

conferência contava com a participação de quatro futuros prêmios Nobel em

Economia. As discussões continuavam referindo-se ao homem como uma fonte de

investimento, assim como um equipamento produtivo da indústria. O que marca em

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certa medida a junção de duas esferas, que em outras fases do capitalismo eram

pensadas separadas (trabalho e Capital), até então o trabalho (trabalhador) era

parte do sistema produtivo, mas não era possível investir e obter uma rentabilidade

quantificada do mesmo, assim como é possível medir o investimento e a

rentabilidade de uma máquina ou equipamento, por exemplo.

De acordo com as teorias do capital humano, agora o homem investe em si

e amplia seu capital. Os teóricos do capital humano ficaram e sua maioria dentro do

aspecto econômico e discutindo de que forma esse investimento pessoal poderia ser

quantificado e medido. Porém não conseguiram chegar a nada conclusivo.

O que ficou de novidade sobre o assunto, é que o capital humano pode ser

adquirido de forma individual ou pelas corporações, que oferecem treinamentos a

seus funcionários. A partir destas discussões, a educação, saúde e lazer, não são

mais considerados gastos, e sim investimentos no capital humano ou Social.

Diferentemente do que está proposto pela Pedagogia Empreendedora, o Capital

Humano tem mais afinidades com a transformação de pessoas e conhecimentos em

moeda de troca do que com a transformação das relações sociais e a quebra de

paradigmas como o clientelismo.

2.3 Populações tradicionais e meio ambiente em terra de empreendedores

Se os teóricos do capital humano estavam com dúvidas a respeito das

formas de investimento no capital humano e como quantificar esse investimento, o

capitalismo e as agendas de desenvolvimentistas liberais e posteriormente

neoliberais, não tiveram dúvidas quanto a seus objetivos e estratégias,

demonstrando de forma clara a sua capacidade de destruição (Social e da

natureza). Veremos que a agenda liberal propõe uma ideia de pobreza para a

América Latina e dissemina a solução, através da transformação de recursos

naturais e humanos em capital. Em seguida, como a agenda neoliberal suplanta a

agenda liberal, colocando que a intervenção demasiada do Estado é prejudicial para

os novos mercados internacionais que já contam com recursos naturais e humanos

como moeda de troca. Por fim, como estas agendas se aproximam do Paraná e as

consequências destas agendas, tanto para o meio ambiente quanto para a

população.

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As agendas desenvolvimentistas liberais apareceram na América Latina em

meados da década de 1950, disseminadas pelo avanço capitalista na Europa

Ocidental e nos Estados Unidos. Rapidamente este modelo de desenvolvimento foi

absorvido pelos países chamados “Subdesenvolvidos” e a América Latina se tornou

o campo próspero para estas políticas de desenvolvimento.

Dias (2013), discute a ideia de desenvolvimento, sua gênese e as suas

consequências para o que chamou de populações “subdesenvolvidas” no Paraná.

Esta ideia de desenvolvimento local pode ser discutida em duas perspectivas, por

um lado, temos um campo favorável e de grande interesse para o desenvolvimento

capitalista liberal, isto é, a partir do momento em que a mata nativa e a terra

adquirem um valor capital, a região se transforma em uma zona de conflito de

interesses; por outro lado temos a visão das populações tradicionais, que cultivam

uma relação com a terra distinta, não necessariamente de ganho capital. Estas

formas distintas de relação com a terra e o meio ambiente, geram também diferentes

estratégias de luta e de sobrevivência.

Para o autor o progresso, desenvolvimento e modernização são chaves

importantes para entender os valores capitalistas liberais e suas formas de atuação.

Estes elementos estão diretamente relacionados a ideia de atraso e pobreza, onde o

atraso seria característico das populações tradicionais (Indígenas, Quilombolas e

pequenos agricultores) que não se enquadram no modelo de desenvolvimento

capitalista, por tanto devem se adequar à nova pauta.

Em geral estes modelos ignoram outras formas de desenvolvimento,

colocando a perspectiva econômica à frente, como se o desenvolvimento tivesse um

único itinerário. Esta perspectiva única para o desenvolvimento é o primeiro passo,

logo se coloca em prática o discurso de que para suplantar o “subdesenvolvimento”

é necessário reproduzir as estratégias dos mais desenvolvidos. Em outras palavras,

os menos desenvolvidos devem espelhar-se nos mais desenvolvidos. Mas se o

projeto desenvolvimentista liberal, não privilegiou as populações e saberes

tradicionais, o projeto neoliberal foi além e transformou o meio ambiente em fonte de

riqueza.

Segundo Antunes e Conti (2012) a agenda neoliberal, emerge na década de

80 em contraponto as crises da década de 70 (crise do estado de bem estar social,

crise dos regimes militares Latino-americanos e a queda da União Soviética). Esta

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nova agenda aparece para suplantar a antiga agenda liberal, que segundo os

neoliberais fracassou quando permitiu aos Estados uma intervenção maior do que

deveria, consequentemente não conseguiram gerar o desenvolvimento necessário à

longo prazo. Ademais, as propostas neoliberais indicavam, que a solução para o

problema, era reduzir o papel do Estado e com isso criar uma nova organização

social pautada em mercados internacionais integrados sem barreiras fiscais e

financeiras. Ficando então o Estado responsável pela estrutura de funcionamento

deste livre mercado internacional. Nas Palavras de Antunes e Conti:

No entanto, as promessas de desenvolvimento econômico e social

não se concretizaram para a maioria dos países que seguiram esse

movimento. Além disso, essa agenda não levou em consideração as

consequências negativas do capitalismo moderno para a base de

recursos naturais do planeta, já que a disseminação da concepção

de desenvolvimento como crescimento econômico e o aumento

quantitativo do consumo propiciaram a superexploração dos recursos

naturais, até então entendidos como abundantes, livres e gratuitos

pela economia convencional. (Diogo C. Antunes; Bruna R. Conti,

2012, p-75).

A partir destas observações, destacamos de forma bastante superficial e

modesta a devastação das florestas do Paraná em decorrência de um discurso

desenvolvimentista consentido, em princípio liberal e depois neoliberal, das

consequências destes processos, temos sérios problemas fundiários, desigualdade

social e pobreza, pobreza esta que justificou os discursos desenvolvimentistas.

Ainda podemos nos propor a pensar que relação esta ideia de progresso,

desenvolvimento e mudança, têm a ver com o projeto do SEBRAE e com Nova

Tebas.

Observando mais atentamente o projeto do SEBRAE e as suas propostas

em relação à Nova Tebas, não podemos deixar de destacar, uma certa desconexão

entre a ideia de mudança e permanência propostas no projeto Pedagogia

Empreendedora. Verificamos alguns indícios contraditórios entre a proposta inicial e

o objetivo das atividades, ao menos no que não está implícito nas atividades,

colocando em cheque a ideia de empreendedorismo, capital humano e mudança. O

que queremos dizer é que existe, ao menos no nosso entendimento, uma

dissonância entre os conceitos apresentados pela Pedagogia Empreendedora e a

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gênese histórica dos conceitos apresentados, esta dissonância fica mais evidente

nas atividades propostas aos alunos do projeto. Neste sentido a primeira fábula “A rã

e o Touro”, que de saída nos causa estranheza, pois a proposta do projeto é a

quebra paradigmas, o rompimento com velhas ordens sociais estabelecidas, como o

“clientelismo” por exemplo, a inovação, o tomar pelas mãos e fazer, contrapondo a

moral da história, onde a rã invejosa deve ser uma rã, não permitindo a mudança,

pois, ela nunca será um touro. Então questionamos, em que medida esta fábula é

um espelho da realidade encontrada em Nova Tebas, as “rãs” de Nova Tebas estão

fadadas a permanecerem “rãs” pela eternidade? Sob pena de explodirem caso

queiram mudar ou tentar serem touros? Ou o projeto está incutindo nas crianças

uma ideia de mudança limitada, ou seja, podemos e devemos mudar, mas mudar

pouco?

Na segunda atividade, temos um forte apelo à questões morais, pois embora

o menino, que protagoniza a história, seja fruto das desigualdades sociais e da

indiferença, isso não lhe dá direito a cometer um delito, porém em momento algum

são pautadas as violências as quais este indivíduo que mora na rua é submetido no

dia a dia, apenas é apontado, que devemos imaginar a realidade destas crianças e

imaginar uma realidade distinta para estes através de uma reflexão sobre o sonho.

Ficando além da questão moral, algumas outras questões, pois se o menino é fruto

de uma sociedade desigual, logo imaginamos pelo conjunto de ideias que o

individuo nesse caso, deva mudar a sua realidade investindo em capital humano e

sendo empreendedor. Porém, ficará a cargo de si mesmo esta responsabilidade. Ou

seja, o problema é social, mas a solução é individual.

Na terceira atividade temos a mudança representada pela metamorfose da

lagarta que se transformará em borboleta um dia. O objetivo da atividade é pensar o

que é necessário para a mudança, como na outras atividades a pauta é a mudança

do individuo frente a uma realidade, realidade que está dada, e em momento algum

é questionada.

Estamos de acordo com Coan (2012) no que se refere às limitações da

pedagogia empreendedora e do modelo empreendedor disseminado por Dolabella e

outros projetos do mesmo caráter. Para o autor o projeto “Pedagogia

Empreendedora” apresenta o empreendedorismo como sinônimo de produção e

distribuição de riquezas, porém não discute as relações de produção capitalista,

além do mais é uma proposta idealista que seduz omitindo os devidos elementos

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materiais necessários para a realização dos sonhos, propondo que é necessário

apenas ter um sonho a ser realizado.

Embora o projeto proponha ações para a comunidade desde que tenha ética

e responsabilidade, o mesmo também propõe uma individualização das iniciativas

empreendedoras, induzindo em certa medida a uma “responsabilização” do individuo

pelos problemas e soluções do município, já que individuo pode protagonizar a

mudança através do seu sonho. A iniciativa do poder público de adotar a educação

empreendedora, a rigor, surge desse pressuposto de que os indivíduos podem evitar

o colapso do município. Esta ideia nos remete mais a uma agenda neoliberal do que

a uma proposta inovadora e revolucionária, como sugere Dolabela.

Nesse sentido, entendemos que a pedagogia empreendedora pode ter

efeitos bastante conservadores e acabar atendendo a uma ordem vigente, inclusive

em seus efeitos, que o poder público pretende evitar. Nas palavras de Coan:

A formação de jovens e trabalhadores empreendedores é uma

proposta organicamente articulada ao projeto histórico do capital.

Argumenta-se que essa orientação, que promete realizar o sonho do

sucesso pessoal e profissional, opera no sentido de naturalizar a

condição de protagonista do jovem, único responsável por sua

sobrevivência e pelo desenvolvimento econômico da coletividade a

que pertence, revelando ser este um discurso pragmático e

ideológico que reforça o individualismo característico da

racionalidade neoliberal, (Marival Coan 2012 p 10).

Apontadas estas criticas ao projeto (falta de materialidade para os sonhos, a

“responsabilização” do individuo, problemas entre a ideia de mudança e

permanência) trazemos a discussão para o contexto de Nova Tebas, onde os

problemas se agravam, pois ao pensarmos nas possibilidades de empreender dos

jovens no município, estas continuam diminuídas pelo contexto e talvez a tentativa

de responsabilizar os jovens pela mudança e solução pode aprofundar o que se

pretende evitar. O jovem pode entender que, pela falta de recursos para os seus

sonhos, a solução será sempre fora do município.

Vejamos um exemplo: caso o filho de um pequeno agricultor queira manter-

se no município e continuar na agricultura, este enfrentará sérios problemas para

subsistir na terra, caso ainda seja proprietário da mesma. Então qual recurso terá

para realizar seu sonho em um contexto econômico tão limitado de oportunidades?

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E caso não consiga realizar o seu sonho e manter-se na terra, a culpa é sua? De

fato, parece que as ideias do SEBRAE apresentam contradições entre realização e

limitação, respeito à hierarquia e autonomia, mudança e permanência, mas revela

sobretudo uma contradição entre seus ideais de empreender e os limites das

oportunidades locais.

Considerações Finais

Nesta pesquisa demonstramos o drama do poder público de um pequeno

município rural do Paraná diante dos efeitos do modelo de desenvolvimento

assentado no agronegócio. Demonstramos conexões entre concentração de

propriedade e a evasão populacional que ameaça a própria manutenção e qualquer

ação do poder público. Analisamos o modelo de educação infantil empreendedora

adotado no município, formulado como uma das possibilidades para uma mudança

neste estado de coisas. Refletimos sobre as contradições deste modelo de ação

educacional, demonstrando como - num contexto em que falta uma economia

dinâmica e, por consequência, faltam oportunidades de sustentar certos sonhos de

mobilidade social – seu conteúdo de individualização da responsabilidade pelo

fracasso pode ser a ideia mais ativa.

No entanto, aqui nessas conclusões, queremos lembrar de uma ação

empreendedora da população local que nos inspira novas investigações acerca de

como a população e o poder público local formula uma consciência das dificuldades

do município e suas possíveis soluções.

Em Nova Tebas temos um exemplo de cooperativismo no sistema de

autogestão, segundo Albagli e Maciel (2002), o estudo dos fatores de interação

cooperativa, pode ajudar na discussão a respeito do desenvolvimento local. As

autoras discutem as experiências de cooperativismo de autogestão e afirmam que

iniciativas de inovação cooperativa ajudam a aumentar o emprego nas localidades,

reduzem as desigualdades sociais e aumentam a qualidade de vida das

comunidades.

A COOPERATVAMA (Cooperativa dos agricultores das comunidades 300

alqueires, vila Rural, Água dos Martas, 1000 Alqueires e Alvorada) que, segundo

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Loureiro (2013), é uma iniciativa demandada por pequenos agricultores do distrito de

Poema- Nova Tebas. Para a autora, frente às dificuldades encontradas no

município, estes agricultores tinham em mente, não apenas formar uma associação,

mas um grupo que pudesse lutar contra todas as adversidades do município, no que

se refere à vulnerabilidade dos pequenos agricultores e principalmente, tornar este

empreendimento uma forma de permanecer na terra.

É evidente que decisões não foram tomadas de forma rápida e consensual,

depois de muitas reuniões entre os agricultores e ideias diversas, foi decidido que os

mesmos trabalhariam com frutas orgânicas (sem uso de agrotóxicos). Esta foi a

condição das principais lideranças do grupo:

“A opção pela produção orgânica é porque não agride a natureza e

nem a saúde do consumidor. Também tem a questão da saúde do

produtor que não usa nenhum tipo de veneno. Estamos fazendo a

nossa parte. Pode ser pequena, mas estamos dando a nossa

contribuição”, “Pode parecer pouco, mas para nossas famílias é isto

que está fazendo a diferença. Tem contribuído para continuarem no

campo”. Comenta Lucy- Presidente da cooperatvama.

O projeto da COOPERATVAMA se realizou em parceria com a UEM

(Universidade Estadual de Maringá) e com a Prefeitura de Nova Tebas. A

participação da Universidade foi fundamental para a capacitação dos agricultores

para trabalhar com orgânicos e nas questões técnicas da produção.

Inicialmente, em 2006, a cooperativa contava com 32 agricultores e

atualmente tem mais de 60 associados. A participação do poder público do

município foi fundamental, pois viabilizou as instalações através da participação do

município no programa federal Territórios da Cidadania4, que permitiu a inclusão do

projeto como parte dos investimentos na região em 20085.

4 Os territórios da cidadania são fruto da parceria entre o poder público, governo federal e sociedade

civil, os mesmos devem atender aos seguintes critérios: menor IDH; maior concentração de agricultores familiares e assentados da Reforma Agrária; maior concentração de populações quilombolas e indígenas; maior número de beneficiários do programa bolsa família; maior número de municípios com baixo dinamismo econômico; maior organização social; pelo menos um território por estado da federação. Disponível em, www.territoriosdacidadania.gov.br - último acesso em 12/12/2014 5 O Projeto Territórios da cidadania foi lançado em 2008 pelo governo federal e consiste em promover

o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. O território da Cidadania Paraná Centro ao qual Nova Tebas faz parte, é formado por dezoito municípios (Cândido de Abreu, Guarapuava, Altamira do Paraná, Boa Ventura de São Roque, Campina do Simão, Iretama, Laranjal, Manoel Ribas, Mato Rico, Nova Cantú, Nova Tebas, Palmital, Pitanga, Rio Branco do Ivaí, Roncador, Rosário do Ivaí, Santa

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Até meados de 2013, o complexo da cooperativa ainda não estava

finalizado. O prédio já estava concluído, apenas faltando os equipamentos e

máquinas, que segundo a Prefeitura estavam em processo de licitação e já contava

com a ajuda do SEBRAE, para consolidar o projeto de produção, assim como as

estimativas e estratégias para futura produção.

No tocante às lideranças locais, que propiciaram o projeto da

COOPERATVAMA, destacamos o protagonismo da presidente da associação, que

teve um papel fundamental, tanto para a criação da cooperativa quanto para a

manutenção da produção orgânica, que demanda uma série de cuidados rigorosos.

Houve grandes dificuldades a despeito das alianças em apoio ao projeto. O

cultivo orgânico exige um controle rigoroso da entrada de novos associados e a

compra de mudas de fornecedores certificados, que não são muitos. Atualmente os

produtores de Nova Tebas já estão produzindo algumas mudas, estes elementos

acabam dificultando os trabalhos na cooperativa e gerando um desconforto com o

poder publico que precisa entregar a cooperativa em regime de comodato aos

associados e entende que a cooperativa deve abranger um maior número de

associados possíveis. Nesse sentido, há tensões da Prefeitura com esse modelo de

gestão da Cooperativa e suas opções pelo mercado de orgânicos.

Em suma, a questão é uma equação complicada, pois, o poder público

considera desejável a agricultura orgânica (que pode ser uma especificidade da

agricultura no município), mas a produção agroecológica bastante limitada na região

reduz os associados colocando-a diante de um impasse.

Em última visita à cooperativa (2015) soubemos que a mesma ainda não

está operando totalmente, embora o prédio já esteja pronto a algum tempo, os

equipamentos ainda não chegaram. Em conversa com a presidente da cooperativa,

a mesma relata que o maior problema é não ter como armazenar as frutas e caso o

produtor tivesse muitas frutas e o preço da venda estivesse baixo, o mesmo iria ter

um prejuízo considerável, o que desencoraja alguns produtores a produzir de forma

orgânica. Porém, como já dito, estes agricultores são perseverantes e organizados,

e compraram uma câmara de refrigeração por conta própria. Então agora eles têm

como congelar as frutas e armazená-las de forma adequada. Outro ponto importante

é que aos poucos os cooperados estão ocupando o seu lugar na cooperativa:

durante dois ou três dias da semana é possível ver uma movimentação nas

Maria do Oeste e Turvo). Os territórios em geral são representados por um grupo gestor, formado Prefeitos, sociedade civil e lideranças locais.

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dependências da mesma, o que não ocorria a pouco tempo atrás. Há, nesse sentido,

sinais de expansão e possibilidade de êxito do projeto, sempre enfrentando grandes

adversidades. Novas pesquisas ao longo dos próximos anos poderão nos acenar

acerca das alternativas do pequeno produtor no município.

Trouxemos aqui na conclusão desse trabalho monográfico as possibilidades

e os limites deste trabalho cooperado entre pequenos agricultores para demonstrar

os impasses do município e uma das únicas soluções para empreendimento local,

que, conforme se vê, encontra muitas adversidades.

Esta questão da Cooperativa em Nova Tebas, não é central na pesquisa,

porém incide sobre ela de forma contundente no drama dos pequenos agricultores e

do poder público municipal. Possivelmente é um tipo de iniciativa que pode

incomodar a alguns setores de privilégio histórico, por isso entendemos também o

dilema do poder público de Nova Tebas em colocá-la para funcionar segundo uma

lógica que não os afronta - especialmente do ponto de vista ecológico.

As possibilidades para o município abrigar pequenos e jovens agricultores

foram permanentemente indagadas durante os anos de pesquisa. Esta pesquisa

pretende fazer perdurar o debate a respeito do desenvolvimento rural, pois embora

seja um campo de vasta bibliografia, ainda existe muito a ser pesquisado nesta área,

principalmente com a recente implantação de projetos federais como “Os Territórios

da Cidadania”, projetos que em certa medida fogem um pouco do modelo neoliberal,

tornando o Estado mais presente na vida cotidiana dos agricultores e das

populações tradicionais.

Quanto ao projeto do SEBRAE, em nossa recente ida à campo, observamos

certa frustração dos professores quanto aos seus encaminhamentos. Dois motivos

foram apontados: a) falta de materiais para trabalhar nas aulas dedicadas ao projeto;

b) “abandono” do SEBRAE, que fez as capacitações e não apareceu mais (fato em

uma das escolas). De qualquer modo, a Prefeitura reelabora em processo de

migração para outro projeto do SEBRAE (JEPP), que será implantado a partir deste

ano. Ou seja, o projeto “Pedagogia Empreendedora” está dando lugar ao projeto

“JEPP” (Jovem Empreendedor Primeiros Passos). Isso será assunto para outra

pesquisa.

Avaliando, em linhas, gerais, o projeto do SEBRAE no município, devemos

pontuar que além de uma atitude corajosa, esta era talvez a única estratégia

possível naquele momento, já que as outras esferas não estão sob a competência

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da política local - como a estrutura fundiária e o modelo do desenvolvimento

agrícola, por exemplo.

Destacamos nesse sentido a questão mais importante que perpassou o

trabalho, que é pensar nas estratégias das populações frente aos projetos de

desenvolvimento que os desfavorece na forma de concentração de terra e renda e

de qualquer outro recurso para ação se não as ideias. Não podemos, portanto,

estranhar o êxodo. Ao mesmo tempo não podemos deixar de notar iniciativas que

surpreendem pela força e organização, cujo destino vamos ainda analisar em

pesquisas futuras.

De qualquer modo, encerramos a pesquisa com algumas provocações que

não negam a importância das ações já realizadas, mas exigem uma conexão maior

com as experiências e possibilidades locais: será que a “solução” para o município

não está na cooperativa? Será que esta experiência, não merece ser compartilhada

nas escolas, como uma ação empreendedora sensível ao município? Porque a

Pedagogia Empreendedora na escola e não a Cooperatvama, já que a cooperativa

atende a todos os requisitos de empreendedorismo propostos pelo SEBRAE?

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