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Jorge A. Livraga

TEBAS

Edições Nova AcrópoleHumanismo•Filosofia•Simbolismo

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Título:Tebas

Autor:Jorge Angel Livraga

Tradução:José Antunes

Capa:José Ramos

Paginação:Edições Nova Acrópole

1.ª Edição - Porto, Fevereiro de 2005

ISBN: 972-9026-68-8

Depósito Legal N.º: 222 579/05

Edições Nova AcrópoleAv. da Boavista, 1057 • 4100-129 Porto

Tel. 226 009 277

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Dedico este Manual a todos os meus discípulos ansiosos por contactar com esse Mistério que chamamos Egiptoatravés de uma das suas tantas e tão belas expressões. E ao Génio da memória que me faz novamente murmurar a litania recolhida noLivro da Oculta Morada:“BEM-AVENTURADO AQUELE QUE VIVE,BEM-AVENTURADO AQUELE QUE MORRE EM TEBAS”.

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INTRODUÇÃO

Qualquer tema respeitante ao passado humano deve serabordado com extrema cautela, conscientes de que assimcomo há um véu que nos impede de conhecer o futuro, ape-sar dos muitos sinais augurais e da dedução lógica dos acon-tecimentos, há outro que esfuma as formas passadas atétorná-las incompreensíveis.

Quem acredita que as ciências históricas e arqueológicas sãoem geral exactas desconhece o processo evolutivo cíclico destasmesmas disciplinas e o apaixonante, e por sua vez fatigante, tra-balho de contínua interpretação das concepções, sempre emmudança, a que se vê submetido o investigador inevitavelmentepressionado pela sua própria alienação e a do seu tempo.

Os antigos gregos chamaram Egipto à velha Terra deKem, termo que significa mistério e enigma.

E dentro desse enigma escolhemos a área da antiga cidadeque também os gregos chamaram Tebas, a das Cem Portaspara diferenciá-la da outra cidade grega que denominavamTebas, a das Sete Portas.

Esta denominação encerra em si um mistério. Pelas suasobras não podemos deduzir que os egípcios fossem tão torpes

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arquitectos para construírem uma porta ao lado da outra. E sepensarmos que para o homem dos tempos pré-industriais ocaminhar vários quilómetros para chegar a um qualquer lugarera o mais corrente, entre uma porta e outra não existiriamenos de 500 metros. Se multiplicarmos 500 por 100 dá-nosuma cidade com um perímetro de 50.000 metros, facto que aactual arqueologia e a observação aérea não constatam, antessim contradizem. Aquela que os egípcios e os gregosnomeavam por apelativos, a misteriosa cidade sede do gover-no sacerdotal de Amon, não tinha essa extensão tão enorme.E das suas muralhas ficaram restos insignificantes.

Será que os gregos disseram cem como sinónimo de“muitas”?... É algo que, talvez, nunca saberemos.

Alguns autores contemporâneos concebem que essa imen-sa extensão abarcava também a margem ocidental do Nilo, aCidade dos Mortos. Mas a própria característica do Vale queestá junto à Montanha Ocidental e a absoluta ausência devestígios de muralhas impedem a avaliação razoável destashipóteses nascidas da sensação de desespero que o incom-preensível gera em nós.

Mas, para andar pelas ardentes areias do Egipto cruzadaspelo único grande rio do mundo que corre de Sul para Norte,é necessário habituarmo-nos ao incompreensível, ao enig-mático, ao misterioso e hierático... E no entanto profunda-mente humano.

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CRONOLOGIA

“Tebas existiu antes de outro qualquerlugar; na origem dos tempos nelaestavam a água e a terra, e a criação doMundo e dos Deuses fez-se em Tebas,graças ao seu Deus, Amon.”(Papiro da época de Ramsés II)

Todos os povos, os hebreus, os chineses, os maias, os gre-gos, consideraram-se como os mais antigos da Terra. Os egíp-cios nisso não foram excepção. Mas, para além das máscarastemporais e geopolíticas, há uma referência directa a umHomem Celeste, o Arquétipo de toda a Humanidade e acidade - neste caso Tebas - é o berço material desse Homem,como no mito hindu de Agni, no Rig Veda, que nasce numestábulo de madeira e palhas que ardem ao seu contacto.

Estas milenárias narrações enquadram-se rapidamente novastíssimo âmbito das “Mitologias”... que para os respectivoscrentes são “História Sagrada”, como sucede com os hebreus ecristãos relativamente à Bíblia. É evidente para os actuais cien-

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tistas que a letra exotérica desses Livros e Tradições é, no míni-mo, meramente alegórica e carente de verdade a nível histórico.

Mas a constatação da ignorância é um ponto de partida parao conhecimento, ainda que não seja o conhecimento em si.Assim procuram-se outras fontes de mais segura informação.Contrariamente ao que pensa a maioria das pessoas é muito difí-cil determinar a correcta antiguidade de algo, pois em muitoscasos os métodos estratigráficos não são aplicáveis e os moder-nos aparelhos que medem a radioactividade e as variações damagnetização natural não podem trabalhar com precisão, salvoem casos excepcionais. E quando se trata de pedras e outrosmateriais não orgânicos a datação faz-se por comparação.Assim, se dentro de 1.000 anos continuassem a existir os actu-ais meios de investigação e se se pretendesse datar a idade daesfinge de Gizeh tendo como referência uma fogueira recente-mente ateada entre as suas patas, seria então considerada con-temporânea do avião supersónico Concorde.

Os egiptólogos ainda hoje trabalham, com rarasexcepções, com base numa cronologia apresentada por umsacerdote egípcio de existência indeterminada ao qual os gre-gos clássicos deram o nome Maneton. Este dividiu a históriado Egipto em Dinastias ou mudanças de família dos gover-nantes, dentro de uma contínua Teocracia iniciada pelospróprios Deuses Regentes do País de Kem. Assim, o Rei ouFaraó era a encarnação de uma Ordem Cósmica e a sua figu-ra despersonaliza-se através de um fluir mais ou menos inin-terrupto; apesar de hoje sabermos que houve Dinastias, comoa XV, que apenas existiram como transições efémeras, e queaquilo que Maneton chama “anos” não é certo que tenhamsido 365 dias, já que no Antigo Egipto coincidiam pelomenos três sistemas de calendário.

Um exemplo de Tabela Cronológica é a fornecida porMichalowsky e seus discípulos, e que podemos resumir destaforma:14

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PRÉ-HISTÓRIAAntes de 4.000 a.C. - Período Lítico.

Povoados de El-Fayun, Merinde-Beni, Salameh, El--Omari no Baixo Egipto. Tasa e Badari no Alto.

De 4.000 a 3.000 a.C. - Período Calcolítico, Eneolítico ou Pré-dinástico.

No Sul relacionado com a Cultura de Badaria e deNagada. No Norte com a chamada Cultura de Heliópolis.

PERÍODO ARCAICODe 3.100 a 2.686 a.C. - I e II Dinastias.

Na primeira Dinastia coloca-se Menes que, segundo o queHeródoto ouviu contar a fiéis crentes, teria sido um grande Reique, entre outros prodígios, fundou a cidade de Menfis. Menestambém é chamado Narmer e a ele se atribui a famosa paletade pedra de provável uso cerimonial. É chamada Época Tinitadevido à cidade de Tinis, jamais encontrada.

A segunda Dinastia é a época em que se teria desenvolvi-do Mênfis e construído as primeiras pirâmides escalonadasou sistema de tumbas recobertas por túmulos. Outros autorescrêem que isto ocorreu apenas no Período seguinte.

IMPÉRIO ANTIGODe 2.686 a 2.181 a.C. - Abrange da III à VI Dinastia.

Segundo alguns autores é a verdadeira Época Menfita e naqual se construíram a pirâmide de Djoser em Sakkara e asgrandes obras do complexo da Cidade Branca (durante a III

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Nota do Editor: Optou-se por manter a terminologia dos nomes egíp-cios tal como escreveu o autor.

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Dinastia) graças à intervenção do arquitecto, médico e magoImhotep, que depois será divinizado e associado a Esculápioe Seraphis.

A IV Dinastia dará lugar a Snefru, Keops, Kefren e aochamado pelos gregos Mikerinos. Estes últimos teriam cons-truído as três Pirâmides que hoje têm os seus nomes, aindaque esta atribuição seja muito duvidosa.

A V Dinastia está composta por Sahurre, Niuserre e Unas.A este se atribui a construção da pirâmide - hoje exterior-mente em ruínas - que guarda no seu interior o antigo Ritualconhecido por Texto das Pirâmides, cujos hieróglifos nãoestão totalmente traduzidos e do qual se diz que os gregosextraíram o famoso livro de aforismos e sentenças, apenas emparte conservado, chamado O Kybalion.

A VI Dinastia é preenchida por Teti e Pepi. É consideradauma época de grande expansão cultural e política.

PRIMEIRO PERÍODO INTERMÉDIODe 2.181 a 2.133 a.C. - Abrange da VII à X Dinastia.

Destacam-se grandes revoluções, invasões de povos domar e cataclismos. O Egipto afunda-se numa espécie dePeríodo Feudal ou Idade Média. As primeiras Dinastias con-tinuaram a ser Menfitas mas a IX e a X terão por base umacidade que os gregos chamaram Heracleópolis.

IMPÉRIO MÉDIODe 2.133 a 1.786 a.C. - Abarca a XI e XII Dinastias.

A primeira é a dos Mentuhotep e a segunda dosAmenemhat e dos Sesostris. Aparece o velho santuário deTebas como Capital do Império. Diz-se que Mênfis está em

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ruínas. A cerâmica e a metalurgia tornam-se abundantes. Aindústria parece desenvolver-se apesar das grandes obras,como a Grande Pirâmide, não se repetirem. Nos papiros egravuras fazem-se frequentes alusões a um esplendor passa-do que, quiçá, seja o das primeiras Dinastias Históricas outalvez outras aqui não mencionadas.

SEGUNDO PERÍODO INTERMÉDIODe 1.786 a 1.650 a.C. - Abrange da XIII à XVI Dinastias.

Existem poucos dados deste período confuso. Na XIIIDinastia imperam os Sebekhotep e os Neferhotep. Na XIV osReis Ignorados. E na XV e XVI sucede a grande invasão doshicsos ou “vulgares”, assimilados pela cultura egípcia comovemos através de milhares de escaravelhos geometrizantes decerâmica e pedra. Não se esclareceu porque abandonaram oEgipto e alguns fragmentos de papiros asseguram que eramtão repugnantes que, logo após a sua partida, foram substituí-das as lajes dos palácios por onde tinham passado.

IMPÉRIO NOVODe 1.650 a 1.085 a.C. - Abrange da XVII à XX Dinastia.

A XVII Dinastia radica em Tebas, com Kamose. A XVIIIinclui personagens muito importantes. Os seus Faraós sãoAhmosis, os Amenofis, os Tutmosis, Hatshepsut, Akhenaton,Tutankhamon e Horemheb.

Ahmosis termina definitivamente com a invasão hicsa eAmenofis I funda o Império Novo, dos três o mais conheci-do. Tutmosis I e Tutmosis II reconquistam todas as terras per-didas e agregam outras novas ao Império da Dupla Coroa.Hatshepsut conserva o poder em nome do seu legítimo suces-

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sor, Tutmosis III, e chega a apresentar-se disfarçada dehomem. O seu governo é fecundo e envia expedições navaisao País de Punt, sobre o qual os especialistas não se enten-dem, pensando-se actualmente que deu a volta completa aÁfrica com a sua grande frota, o que mais parece uma expe-dição militar de castigo que uma embaixada comercial. Épossível que os seus navios, ligeiros e sólidos, varressem ospiratas que infestavam o Mar Vermelho e o Mar Arábico. Diz--se que deixaram vários portos fortificados para evitar novasinvasões, coisa que o Egipto não tinha esquecido. É aprimeira frota egípcia de alto mar de que temos notícia. Noregresso trouxeram animais e plantas exóticas que logo foramcultivadas no Egipto, como o incenso. A Teocracia Tebanaaceitou-a até à sua morte. Sucede-lhe o extraordinárioTutmosis III, grande Iniciado, sábio, conquistador e guerreiroque completa dezassete expedições na Ásia. Amenofis IVconverte-se no grande herege Akhenaton que abandona Tebase manda construir uma efémera capital em Tel-El-Amarna.Combate os Mistérios e o Egipto conhece uma guerra reli-giosa na qual se debilita e as suas fronteiras asiáticas são der-rubadas. É bom poeta mas péssimo governante e provavel-mente homossexual. No Egipto tinham-se construído mais desetenta pirâmides e diz-se que este Faraó mandou saquear edestruir várias, assim como destruiu os nomes inscritos noscartuchos, hoje assim chamados por estarem envoltos numóvalo relacionado com a Chave da Vida. Reinou dezasseteanos e suicidou-se ou foi envenenado com uma taça de vinho.

Modernas teorias fazem de Smenkarhe o verdadeiro com-panheiro deste Faraó e da bela Nefertiti apenas a sua esposaoficial. A sua religião exotérica de adoração ao disco do Solafundou-se com ele. Grandes transformações foram efectuadasna arte, que descarrilou dos cânones iniciáticos, e o jovemTutankhamon foi sepultado numa tumba secundária com

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Estátua de Tutmosis III usando o toucado nemes, o oreus e a “barba postiça” cerimonial.XVIII Dinastia. Museu de Luxor.

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várias peças típicas da arte de Tel-El-Amarna apenas retocadas,como se vê nos móveis dourados. Porém, a restituída ConfrariaIniciática de Amon em Tebas sobrecarregou-o de tesouros eamuletos protectores tal qual Carter pôde mostrar ao mundo, jáque a sua tumba ainda que começada a ser saqueada tinha sidorapidamente reposta pela “polícia” do Vale dos Reis.Horemheb, o general que, diz-se, recebeu um ceptro de poderdas garras de um Falcão Dourado, foi quem reconstituiu asfronteiras do Egipto, pacificou os seus habitantes e os enrique-ceu dando-lhes uma nova e pujante organização. Cumprida asua missão recebeu honras de Faraó na sua morte e com ele seencerra a XVIII Dinastia pois não teve filhos.

A XIX Dinastia abarca Seti I, Ramsés II e Menephtah. SetiI reconstruiu a parte superior do Santuário Iniciático deAbydos, popularmente considerada como tumba de Osíris;restaurou o templo de Karnak ampliando-o, bem como outrasimportantes obras arquitectónicas, sem esquecer de realizarcampanhas militares de manutenção de fronteiras na Síria.Ramsés II, que reinou setenta e sete anos, fez a segunda cam-panha contra os hititas, já muito poderosos, e destacou-se nagrande batalha de carros de Kadesh com os seus leõesamestrados. Representado em Abu-Simbel, foi um grandeconstrutor louvado em todos os templos. A sua principalesposa foi Nefertari. O seu continuador, Menephtah, mantevea ordem no Império e expulsou vários povos nómadas.

A XX Dinastia abrange desde Ramsés III até Ramsés XI.À excepção de Ramsés III, grande personagem cujas faça-nhas guerreiras estão representadas no templo de Medinet,dos outros Ramsés temos poucos dados individuais ainda queo estudo das criptas do Vale dos Reis demonstre uma épocade esplendor que foi decaindo pouco a pouco, enquanto ossacerdotes dos diversos templos se apressavam a recompilaros velhos ensinamentos e a esconder as múmias dos reis em

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sepulturas secundárias secretas, pois o destino do Egiptochegava ao seu fim.

ÉPOCA BAIXAAbrange desde o ano 1.085 a 332 a.C. e desde a XXI à XXX Dinastia.

Alguns autores incluem aqui um Terceiro PeríodoIntermédio com a XXI Dinastia em Tanis e outras cidades doNorte e do Sul, despedaçado o Império noutra época feudalou Idade Média, e seguido de uma Época Líbia com a XXII,XXIII e XXIV Dinastias, uma Etíope com a XXV Dinastia eoutra Saíta com a XXVI Dinastia. O Egipto está desfeito mashá algo notável a mencionar de Nekao II (Faraó da XXVIDinastia): o ter aberto uma comunicação mediante canaisentre o Delta do Nilo e o Mar Vermelho. Parte deste trabalhofoi reaproveitado quando em pleno século XIX se construiu oCanal do Suez.

Depois de uma desastrosa guerra com a Babilónia virá oDomínio Persa, a XXVII Dinastia, sob a férrea tutela deCambises, Dario e Xerxes. Muitas das antigas cerimónias,como a do Boi Ápis, foram abolidas e destruíram-se templose bibliotecas. Os canais começaram a ficar obstruídos. Ostemplos subaquáticos, como o de Abydos, deixaram de fun-cionar. Os Iniciados reduziram-se a pequenos grupos ecomeçou-se a esquecer a correcta leitura dos hieróglifoshieráticos. A XXVIII e XXIX Dinastias, chamadas deMendes, não puderam controlar a desintegração.

A XXX, dos Nectanebos, aproveitou a corrente magnéticaque percorria a Europa Mediterrânea com o nascimento doexcepcional Alexandre Magno, que se dizia filho de Amon eengendrado na terra egípcia. Antes de morrer na Babilóniaem 323 a.C. coroou-se Rei do Egipto em Mênfis. Mas asDinastias estavam terminadas.

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ÉPOCA MACEDÓNICADo ano 332 a 304 a.C..

Ergue-se cada vez maior a cidade de Alexandria e umaadministração grega substitui a já antiquada egípcia.

ÉPOCA LAGIDA OU PTOLEMAICADe 304 a 30 a.C..

O Egipto conhece um fugaz esplendor baseado na novaadministração, na importância tida agora pela grande cidadede Alexandria e no indubitável génio dos Ptolemeus, os quais,geralmente amantes da cultura, restauraram templos, cami-nhos e canais. Alexandria chega a ser a maior e mais impor-tante cidade do Mediterrâneo. Até que, ao colidir com Roma,a sua última Rainha, Cleópatra - depois do assassinato do seuesposo Júlio César e da sua última tentativa de voltar a casar--se com Marco António - é vencida em Áctium por Octávio esuicida-se, segundo conta a tradição, fazendo-se picar poruma áspide.

ÉPOCA ROMANADesde 30 a.C. até 395.

O Egipto passa a formar parte do Império Romano. Hánovas restaurações de templos, algumas tão infelizes como ado Colosso Norte de Memnon que deixou de emitir a sua mis-teriosa nota musical. Ligado ao destino de Roma, o Egipto caicom o Império. Desintegram-no milhares de seitas religiosase políticas. Bandos bárbaros e caçadores de tesourosdestroem e desenterram tudo o que alcançam. Muitas belaspinturas são branqueadas com cal. As estátuas são mutiladase derrubadas. A própria Alexandria sofre os efeitos desas-trosos do surgimento da Alta Idade Média. Os seus filósofos

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são assassinados como Hipátia ou perseguidos comoMarcião. A famosa Biblioteca, que já tinha sofrido um incên-dio acidental aquando das guerras civis romanas, conheceagora outro maior às mãos dos cristãos.

ÉPOCA BIZANTINADe 395 a 641.

Continua o saque e a destruição. Os últimos Iniciadosperecem em Philae. Quem não se converte ao Cristianismo élapidado ou perseguido até ao exílio.

ÉPOCA ÁRABEA partir de 641.

Conhece o último incêndio do que resta da Biblioteca daAlexandria às mãos do Califa Omar. Os convertidos aoCristianismo transformam-se nos actuais coptas e a maioriatorna-se muçulmana. A Esfinge e os Templos vão sendosepultados pela areia. O ciclo da Civilização Egípcia termi-nou definitivamente.

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DÚVIDAS SOBRE A CRONOLOGIAOFICIALMENTE ACEITE

É óbvio que nem tudo o que a ciência oficial aceita numdeterminado momento histórico tem que ser exacto e o queum século afirma, em muitos casos, é negado pelo seguinte.

Isto foi visto como “a grande virtude” da Ciência nascidaà sombra do Enciclopedismo, pois não teme contradizer-se nabusca da verdade. Mas o anteriormente dito apenas é válidoparcialmente porque a Ciência, ou melhor dito os cientistas,temem contradizer-se; se renunciam a algumas das suas ante-riores afirmações fazem-no contrariados e apenas quando amaré dos novos investigadores os sepultam com dados dife-rentes. Por outro lado, a exposição de conhecimentos faz-sede forma dogmática o que não dá lugar, em princípio, a ne-nhum tipo de revisão pelo facto de serem aceites como cer-tos. Infelizmente não é assim, ainda que os livros de divul-gação e muitos sisudos tratadistas o façam parecer.

Referindo-nos à História, ou seja, à parte suficientementeconhecida do passado humano - segundo a mais corrente dassuas definições - carecemos de dados precisos mesmo deacontecimentos tão próximos de nós como a Segunda GuerraMundial. Se a isto somarmos o facto de que, como se costu-

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ma dizer, “a História é escrita pelos vencedores” encontramo--nos quase sem elementos de análise sobre os sucessos dopassado. Isto é assim se realmente procuramos a verdade enão um seu sucedâneo para preencher o vazio deixado nasmentes ao saber-se que os relatos bíblicos não passam de ale-gorias, esotéricas ou mentirosas segundo a capacidade deinterpretação de quem as analise. Porque entre tanta areia háalguma pepita de ouro, isto é, referências exactas quando semenciona algum povo da antiguidade, desde logo excluindoos eternos comentários sobre as iras do Deus de Israel.

É evidente a necessidade de um espírito eclético - enten-da-se filosófico - e científico, na verdadeira acepção destaúltima palavra, para chegar a certas conclusões que se nãodão muitas luzes pelo menos diminuem as sombras querodeiam as coisas e fazem com que as possamos ver nas suasdimensões aproximadas, ainda que se escapem os detalhes.

Vimos que, para a ciência oficial, passa-se no Egipto deum período em que os homens trabalhavam as pedras àmaneira neolítica, careciam de escrita e obviamente de toda anoção arquitectónica e artística não utilitária, rodeados poruma fauna que incluía as girafas e os elefantes profusamenterepresentados, para a erecção de monumentos cuja perfeiçãoainda estamos a descobrir, com orientações geodésicas supe-riores às dos observatórios astronómicos do século XIX, etudo isto em... 900 anos! Ou seja, um período de tempoequivalente ao que separa o anzol de ferro do anzol de aço, acatedral gótica da igreja moderna... menos de 1.000 anos!

Isto desperta a atenção e não pode receber outro qualifica-tivo senão “notável”.

Analisemos sucintamente a questão.a) O Capsiense, ramo do Paleolítico Superior da zona

do Egipto, apresenta características pobríssimas relativa-mente ao Aurinhacense e ao Magdalenense europeus atribuí-

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dos à mesma época. É de tal forma ilógico que o Egiptodesenvolvesse tão formidável civilização 3.000 anos antesque na Europa começassem a existir culturas superiores,incapazes todavia de expressaram-se através de construçõescomo as pirâmides de Gizeh.

b) A total incompatibilidade da cultura de Nagada coma sua aparente continuação lógica no Período Arcaico, propri-amente egípcio.

c) As Dinastias chamadas Tinitas são, segundo critérioactual, posteriores a Menes; há menos de meio século diziam--se anteriores colocando Menes ou Narmer na III Dinastia efoi chamado o Unificador do Egipto. Mas as descobertasactuais mostram-nos uma estrutura de Nomos ou provínciasperfeitamente estabelecidas na I Dinastia. Isto dá a Menes opapel que lhe atribuíam os clássicos de iniciador dasDinastias históricas egípcias. Mais, se já estavam unificadose organizados em províncias e eram detentores de triunfospolíticos, como o comprova a paleta do próprio Rei Narmer,como podiam ser, poucos anos antes, selvagens neolíticosmuito inferiores aos seus contemporâneos europeus continen-tais que apenas saíram da etapa lítica - salvo raras excepções- no começo do primeiro milénio a.C.?

Recordemos que na sua famosa Guerra das Gálias JúlioCésar afirma que - com toda a imensa autoridade que lhe dáa sua inteligência e o ter sido testemunha directa - ainda noséculo I a.C., salvo tribos celtas, os restantes povos da Europacontinental combatiam toscamente, viviam em cabanas, ofe-reciam sacrifícios humanos (isto inclusive entre os celtas) ecareciam de cidades e de templos que demonstrassem co-nhecimentos básicos de talha e transformação da pedra, aconstrução de pontes ou de canais de regadio. Em todo o casoos focos de civilização eram absolutamente pontuais e sem-pre originados pelas colónias estabelecidas a partir da bacia

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mediterrânica. Não encontrou nada, nem ainda remotamente,parecido ao que já existia trinta séculos antes no Egipto.

d) Muitos dos grandes monumentos são indatáveis,como a Grande Pirâmide. Neste caso concreto a construção,que carece totalmente de inscrições, foi “encaixada” nos tem-pos de Keops devido à inscrição de um cartucho que contémincorrectamente o seu nome (ou o de Kem, antiga denomi-nação do Egipto) num revestimento de gesso de uma dascâmaras de descarga existentes sobre a chamada câmara dorei. Aparentemente a quase ninguém, que saibamos, lhe ocor-reu a simples ideia de que dita inscrição, muito duvidosa,poder ter sido feita em tempos indeterminados posteriores àconstrução do monumento, sendo tão frequente encontrar noEgipto casos de reutilização até mesmo da diminutas estatue-tas funerárias chamadas oushabtis. O mesmo passa-se com aEsfinge de Gizeh, com a diferença de que esta nada contémque a possa permitir datar, salvo a lápide que deixou TutmosisIV constatando que na sua época, XVIII Dinastia, já estavacompletamente sepultada pela areia e apenas um sonho de tipoparapsicológico permitiu encontrá-la e trazê-la à luz.

O erro fundamental não é que a ciência oficial dê o seuparecer cronológico mas sim que o dê de maneira absolutistae inapelável, quando se apoia em tão pobres elementos; àsvezes praticamente inexistentes.

e) Grande parte dos maiores monumentos do Egipto,ampliados, retocados e restaurados em diferentes épocas são,nas suas estruturas mestras, impossíveis de fabricar com oselementos com que se imagina que foram construídos. Porexemplo, a grande rampa que supostamente se elevava per-pendicularmente a uma das faces da Grande Pirâmide parasuster os enormes pesos teria forçosamente de ser enquadra-da em muralhas de grandes pedras, com 1600 mt. de compri-mento, no mínimo. Não se encontraram sequer as mais ínfi-

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mas ruínas ou vestígios dessas rampas que, para serem fun-cionais, teriam que ter sido de uma importância maior ouigual à pirâmide que ajudavam a construir.

Platão que nos seus Timeu e Crítias recolhe dos sacerdotesegípcios o detalhado relato da cidade que coroava o últimoresto da Atlântida, fornecendo dados técnicos exactíssimos,jamais disse uma palavra sobre estas outras tecnologias dasquais parece natural que lhe falassem no próprio Egipto, eque além disso não figuram em nenhum relevo nem há restosdelas. Apesar de tudo, afirma-se e reafirma-se a maneira e omodo como foi construída a Grande Pirâmide. E o templo deKarnak, e o Osírion de Abydos.

Deixando de lado as fantasias sobre os extraterrestres, dosquais não temos prova alguma, a verdade é que não sabemoscomo se construíram muitos desses monumentos. Nem tãopouco como conseguiram perfurar com tanta facilidadeaparente a duríssima diorite dos vasos canópicos, como severifica na medição da penetração por cada volta do instru-mento cortante, pois não conheciam o diamante nem as ligasde aços-plásticos nem cerâmicos. Além disso... os espectró-grafos encontraram restos de cobre nas estrias de diorite, oque equivale a dar de caras com uma faca de cortiça quetivesse facilmente cortado um pão feito de cimento.

Será que endureceram o cobre até graus inconcebíveis?Será que tornaram maleável a diorite até convertê-la numaespécie de pedra talco? Não temos nenhuma prova disso,salvo as mencionadas análises espectrográficas.

Por outro lado os pesadíssimos blocos estão colocados unssobre outros com enorme justeza e as suas ranhuras seladascom gesso rápido, o que demonstra que eram movidos poruma força enorme, apenas possível com as mais poderosasgruas da actualidade... ou talvez não, dado o número de blo-cos e o tempo empregue para sobrepô-los.

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É tragicómico recordar a expedição japonesa que hápoucos anos fez uma pirâmide em miniatura com 10 mts. dealtura, blocos de uma tonelada, empregando gruas de troncosde palmeiras que aparecem nas figuras explicativas de comoos egípcios construíram as suas pirâmides... Mas teve queabandonar a experiência a meio devido à grande quantidadede troncos que estalavam enchendo de lascas os esforçadostécnicos.

Assim, o Egipto mostra-nos sempre o seu mistério...sinónimo do seu nome.

Mas... será que há “outra História” do Egipto e, por con-seguinte, de Tebas?

Não exactamente, mas tradições que podem servir comoalternativas possíveis... ou pelo menos tão impossíveis comoas que oferece a ciência oficial. Passemos a elas.

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A “OUTRA HISTÓRIA”

Segundo as antigas tradições, recolhidas em documentosactualmente muito fragmentados do Oriente e Ocidente sob aforma de “Mitologias” ou relatos à maneira das conversasque Platão teve com os Sacerdotes egípcios, os homenspovoaram a Terra desde há milhões de anos.

Estas tradições mostram-nos uma forma de “Proto--história” na qual as Culturas, as Civilizações são merosinstantes num extensíssimo e muito variado devir. A serassim, o que conhecemos, ou julgamos conhecer do passadohumano, seria uma ínfima parte desse mesmo passado.Segundo Platão, os egípcios contaram-lhe como os primitivosatenienses se tinham comportado admiravelmente nas lutasmantidas com as frotas piratas provenientes da Ilha dePoseidonis, último resto do Continente Atlante. Platãorespondeu-lhes que os atenienses nada sabiam deste feitoque, segundo os egípcios, tinha ocorrido uns noventa e cincoséculos antes, ou seja, há pouco mais de 11.800 anos. Peranteessa mostra de ignorância o sacerdote proferiu aquela bon-dosa e, por sua vez, brincalhona resposta: “Vós, os gregos,sereis sempre umas crianças”.

Mais ou menos o mesmo sucedeu ao crédulo Heródotoquando os sacerdotes egípcios lhe falaram de anais conserva-dos durante 17.000 anos.

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Já vemos que o nosso “cepticismo” não é novo... e tãopouco a nossa ignorância.

Voltando directamente ao nosso tema, as tradições falam--nos desse Continente Atlante que albergou uma etapa anteri-or do ciclo de Civilizações e de Idades da Pedra, equivalentesàs Idades Médias entre duas Civilizações. Há uns 850.000anos enormes cataclismos (que algumas fontes atribuíram emparte à descontrolada utilização do Marmash ou energiaatómica que partia da conversão da energia em matéria,processo inverso ao que hoje conhecemos) alteraram profun-damente a face do planeta e a inclinação do seu eixo emrelação ao plano da Eclíptica. A Grande Atlântida partiu-seem dois sub-continentes, Ruta e Daitya para os hindus. Omovimento geossinclinal fez surgir a Cordilheira dos Andes,América e parte da Europa tal qual as conhecemos hoje.

A Humanidade ficou quase totalmente destruída. Desseresto muitos caíram num “primitivismo” barbárico e outroshabitaram os restos das cidades altas. Após um longo perío-do, que não vem ao propósito referir, encontramo-nos com oúltimo resto da Atlântida, cerca de setecentos séculos atrás,sob a forma da Ilha de Poseidonis que descreve Platão e que,segundo parece, teria colónias noutras partes do mundo. Asua avançada cultura e civilização afirmou-se em África noque então seria o actual Alto Egipto quando o Nilo, menosextenso do que agora, desembocava sem delta nas proximi-dades da actual Asyut, no desaparecido Mar do Sahara, doqual sobressaía numa espécie de ilha sagrada a que hoje co-nhecemos como meseta de Gizeh.

Estes atlantes radicaram-se na área de Tebas em doisgrandes centros: um administrativo e religioso no mesmolocal da cidade que depois os gregos chamariam Tebas; e ooutro no lugar de Abydos, de um tipo mais iniciático e ondese congregaram os misteriosos cultores de um Santo Sepulcroque depois foi chamado de Osíris.

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Na meseta levantaram pelo menos uma Grande Pirâmide(segundo outras versões, duas) trazendo materiais do Sul e deoutras ilhas, sobre uma das quais está hoje construída parte dacidade do Cairo. Esta Pirâmide jamais foi uma tumba, antessim um complexo sintético de conhecimentos expressosatravés das medidas e suas relações.

Com o correr dos milénios construíram, aproveitando ummontículo sagrado natural, outra grande obra: a GrandeEsfinge que então tinha asas e um disco de ouro polido sobrea fronte para reflectir os primeiros raios de Sol entre as suaspatas, depois mil vezes reconstruídas e que naquela épocaassomava as suas garras sobre o pequeno alcantilado mari-nho. Representaram neste monumento os Quatro Elementossob a forma de Touro, Leão, Águia e Homem. Deste monu-mento partiam numerosos labirintos subterrâneos. Toda ameseta estava escavada com passadiços e criptas e diz-se queum destes passadiços chegava até ao que hoje é o MarVermelho, então fértil vale que depois foi dedicado à invo-cação da Mãe do Mundo, conhecida na época especifica-mente egípcia como Hathor ou Casa de Horus, o Espaço côn-cavo que tudo contém, com os seus dois Princípios: Nur é oEspaço e Nut o Céu Estrelado ou manifestado.

O rosto da Esfinge, tantas vezes restaurado, representouno início um dos grandes Reis-Magos de Atlantis.

Novas convulsões e cataclismos levantaram o leito doMar do Sahara (que chamamos assim para situar o leitor) esubmergiram importantes terras no Norte da Europa. A desin-tegração progressiva de Atlantis e as transformações no con-tinente da América do Norte foram separando cada vez maisas partes outrora unidas e afundaram numerosas ilhas. O RioNilo desaguava em marismas insalubres e por milénios ameseta de Gizeh foi abandonada. Mas a poderosa corrente deágua foi construindo com o seu próprio lodo um leito atravésdas marismas que, já secas, tinham-se convertido num deser-

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to, e levou prosperidade às suas margens. Por isso, desde tem-pos remotos, chamaram-lhe Hapi, Felicidade ou O que trazfelicidade.

Há uns 12.000 anos ou pouco menos, a última fracção doContinente Atlante desapareceu no meio de um cataclismonão sem antes ter transferido grande parte das suas bibliote-cas e alguns objectos à Colónia Africana: Egipto.

Uma corrente migratória da também afectada região Sulasiática chegou ao Egipto, então chamado País de Kem (oobscuro, o queimado) revitalizando a já grande cidade de On,depois chamada Was e finalmente Tebas. Da mesma formafloresceram os seus arredores e muitas cidades ao longo doNilo. A cobra asiática entra na África e será o símbolo danova unificação, o Oureus ou Uras.

O Culto ao Sol (Ra) e à Luz Espiritual (Amon) estendeu--se pela já independente ex-colónia Atlante e construíram-semais uma ou duas Pirâmides, Santuários e Templos. OsCaminhos Sagrados ligaram os primitivos Santuários que seforam convertendo em complexos teológicos, como o quedepois existiu em Tebas com cerca de 11 km de comprimentoe que ligava o hoje chamado Templo de Luxor com o de, tam-bém hoje chamado, Templo de Karnak e os dedicados aSekmeth. Completou-se a parte subterrânea do Santo Sepulcrode Osíris com os seus Osíriões profundamente escavados narocha e em galerias onde se mostravam os 99 Nomes de Deus,tradição recolhida em época recente pela religião islâmica.Assim como o Olho de Alá que outra coisa não é senão ovelho Olho de Horus, eficaz contra os encantamentos.

Sucedeu-se uma longa série de “Dinastias Míticas”, comoa do Rei Oxirrinco, a do Rei Escorpião, etc. De modo que nomomento do afundamento da Ilha de Poseidonis, que é da quefala em concreto Platão, já o País de Kem estava altamenteorganizado e preparado para recolher o Fogo Civilizatório.

Depois da Mítica Dinastia do Rei Horus, entre o IX e oVII milénio a.C., tendo-se o fundo do Mediterrâneo Oriental

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emergido em várias zonas e quando as águas converteram ofértil vale no Mar Vermelho, aparece a Dinastia de Menes ouNarmer, que vai dar a forma “moderna” ao Império Egípcio.

Entretanto existiam tribos em redor com diferentes está-dios de cultura, e entre esses focos podemos encontrar aque-les que hoje se supõe terem dado origem ao Egipto. Essas tri-bos ou foram sendo assimiladas ao Império, ou desaparece-ram, ou emigraram para a África Central onde algumas per-manecem no mesmo estado ou em involução.

Sobre um velho Santuário dedicado ao Pássaro Sagradoedificou-se a cidade de Mênfis, mas há que ter em atençãoque a representação de Menes ou Narmer, na famosa paleta,tem a Coroa Branca do Alto Egipto. Pois a nova unificaçãosurgiu a partir de Tebas ainda que a Cidade do Muro Branco,Mênfis, passasse a ocupar um lugar preponderante nosmilénios seguintes unindo à Branca a sua Coroa Vermelha.

Tratámos de extrair das referências astronómicas e astroló-gicas o que se relaciona estritamente com o que poderíamoschamar “História”, se houvessem suficientes provas de quetudo isto é certo. Depois surgem as comummente conhecidascomo “Dinastias Históricas” que já referimos ainda que, emhonra da verdade, nessas ainda exista muito de mítico ou sim-bólico; especialmente no que se aceitou chamar PeríodoArcaico no qual um dos Faraós tem o misterioso nome de Kahou O Duplo (hoje chamaríamos Astral), e no Período doImpério Antigo (Dinastia III), em que outro se chama Kabah,parecido mas não de igual significado.

O chamado Pai da História, Heródoto, que melhor seria oprimeiro “jornalista” conhecido, transmitiu-nos dados reaiscomo o da existência de pigmeus e também fantasias como ados homens com um olho no meio do peito. Das suas refe-rências sobre o Egipto, às vezes francamente graciosas, osactuais especialistas tomaram, infelizmente, as suas asseve-rações como dogmas de fé.

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Demos este conciso panorama do que conta a tradiçãosobre a origem do Egipto e de Tebas, seu coração unificadornos primeiros tempos, para contrabalançar a versão anterior-mente referida, extraída do comum denominador dos histori-adores actuais.

Agora o leitor tem as duas versões.Ambas não poderão ser verdadeiras pois contradizem-se

em muitos pontos. Ambas poderão ser mentira ainda que hajaelementos comuns que fazem suspeitar o contrário. O maisprovável é que nas duas haja algo de verdade e algo de fanta-sia... como em todas as coisas da vida. Escolha cada um o quea sua cultura, a sua imaginação e a sua intuição lhe ditem.

Diziam os sábios da antiguidade que nada é totalmentecerto nem totalmente incerto e que isso faz mover a Roda dosMundos.

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UNIDADE POR DETRÁS DAPLURALIDADE

Segundo Platão, o Império de Atlantis tinha, para além dasua capital, colónias que ele menciona em número de nove. Oseu imperador recebia o nome genérico de Atlas e com osseus Reis associados constituíam entre todos um Impérioregido pelas Leis de Poseidon, mas no entanto mantinhamuma certa independência. Cada cinco, seis ou sete anos reu-niam-se, eles ou os seus representantes, para coordenar o con-junto. Vimos como o primitivo Egipto, unificado pelaTeocracia de Tebas, foi uma parte desse todo.

Quando se destruiu o Império Atlante, o que hojechamamos Egipto preservou esse estilo de pluralidade forte-mente impregnado por um sentido de Unidade Transcendente.

O homem actual, com a sua visão dialéctica do Universoe de si mesmo, tem dificuldade em conceber essa pluralidade--unidade pois percebe estes conceitos como opostos. Por esteúltimo caminho jamais chegaríamos a entender o fenómenoegípcio, nem no material nem no espiritual, com todos osseus matizes intermédios.

Mas a concepção egípcia não era, tão-pouco, caótica.Baseava-se em relações harmónicas entre as partes e numa

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Reconstrução hipotética, segundo Elliot Scott, das costas marinhas na época im

ediatamente anterior à últim

a submer-

são da Atlântida (9.650 a. C. aproxim

adamente segundo Platão).

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Harmonia que as justificava e que estava antes, agora edepois de toda a diferenciação.

O seu mundo não era estereotipado mas sim perfeitamentebalanceado, num equilíbrio dinâmico e por sua vez imutável,pelo menos dentro de um grande ciclo de espaço-tempo.

O exemplo mais básico disso é a própria situação deTebas. A cidade - assim lhe chamavam, como logo se fez emAtenas, Alexandria, Roma ou Constantinopla - era a imagem,simultaneamente, do pequeno e íntimo, dos limites que o serhumano necessita sentir para não cair na angústia de umadifusão no cosmos e da grandeza e universalidade que a tudoalcança, com o pressentimento seguro de um mais além queestá muito acima da morte e da vida. De tudo o que nós,humanos, possamos raciocinar.

Tebas estava assente nos dois lados do Nilo, estendia-sesobre as suas duas margens fazendo de uma a mansão dosvivos e da outra o lugar dos mortos.

Por sua vez, o Nilo percorria-a quase exactamente de Sula Norte e o Sol passava por cima dela, com o percurso do seudisco luminoso, de Este a Oeste. No lugar onde se via ama-nhecer ouvia-se o tumulto de uma megalópole com as suasdistintas expressões que iam desde a mãe que abanava umberço novo, feito recentemente para o seu rebento, até aosmercados e às praças sempre cheias do fatigado andar dosviajantes e funcionários. No complexo arquitectónico reli-gioso, afastado e por sua vez encravado nessa sociedadehumana de gente jovem - já que costumavam morrer poucodepois dos trinta anos de idade - outros homens e mulheres,também jovens na sua maioria, trabalhavam para O Invisívele para o visível no mais grandioso conjunto de enormes edifí-cios policromos jamais erguidos, que saibamos.

O aspecto “funerário” que apresentam hoje as ruínas des-ses Templos e Construções, quando são observadas rapida-

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mente por um turismo que julga suficientes três ou quatrodias para visitá-las, não existia. Hoje vemos os ossos do quefoi um belo corpo cheio de vida, onde a arte e as ciências ti-nham chegado a tão altos cumes que os estudiosos se assom-brarão delas quando finalmente as interpretarem; pois aindaque agora as tenham à vista, não as vêm.

O Faraó não era chamado pelo seu nome mas sim por esseapelativo que podemos traduzir aproximadamente como Ohabitante da Grande Casa, assim como Horus, o Deus--Falcão, é o habitante da Grande Casa Cósmica de Hathor.

Mas esta Grande Casa em nada se compara com a quehoje podemos conceber de um Imperador Sacralizado, eacreditava-se e sentia-se - e talvez fosse - descendente san-guíneo, ou melhor, espiritual dos Deuses que habitaram aTerra nos Primeiros Tempos. Tratava-se apenas de uma man-são confortável, de amplas salas e grandes jardins e lagos.Toldos multicolores velavam até aos pássaros a sua miste-riosa e, por sua vez, feliz intimidade.

Assistido como um Deus por uma Confraria especial sacer-dotal que o vestia ritualmente à medida que o Sol se erguia nohorizonte, facilitando-lhe assim reproduzir todos os fenómenosnaturais e astronómicos, era Senhor da Vida e Morte sobretodos. Mas, por sua vez, Ele próprio era o mais escravo dosseus súbditos na sujeição a um ritual que, sendo milenário, setinha tornado natural e que se realizava alegremente.

É curioso examinar o pasmo que sentem hoje os que apro-fundam o pouco que podemos saber sobre o Antigo Egipto edeparam com os estritos rituais. Vêm-nos como uma meca-nização artificial da vida, como uma forma de tortura absur-da... E seguidamente mastigam os seus alimentos, fecham osolhos ao dormir, fazem o amor ou choram e riem exactamenteda mesma forma que os seus antecessores de há milhões deanos, seguindo um cerimonial ancestral inamovível. Porque

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tudo há-de mudar? Esta hipótese nascida nos séculos XVIII -XIX é absurda. Quando se chegou à perfeição possível, todaa mudança é decadência e ineficácia.

O chamado Harém de Amon nada tinha a ver com o actu-al conceito, mescla de poligamia islâmica e bordel europeu.A poligamia aceite por muitos povos do mundo deve-se aque, fundamentalmente naqueles povos guerreiros, a pro-porção de varões torna-se escassa em relação às mulheres ese não fosse legal e até obrigatório cada um ter várias esposase concubinas, estas estariam condenadas a ficar sem a básicaprotecção do núcleo familiar. Por outro lado, a prostituição noOcidente dá-se por razões económico-sociais perante adestruição da família, o desemprego ou o trabalho mal remu-nerado. Uma prostituta contente com a sua profissão é umcaso excepcional.

O Harém de Amon estava formado por Princesas desangue real e pela Rainha oficial. A vida que levavam eramais parecida à das Sacerdotisas que a outra coisa. Nas suasmisteriosas meditações deviam compenetrar-se com oEspírito da Mãe do Mundo para que Aquele-que-move-os--leques - o Vento Espiritual de Amon - pudesse numa UniãoSagrada, na qual se diz que até os ceptros e os móveis rituaisadquiriam vida, efectuar a fecundação da Rainha ou das suasPrincesas por parte do Faraó. Isto assegurava a perpetuaçãofísica da herança do Reino por uma via genética que, naque-les tempos, era veículo de toda a continuidade legal e factualdo Poder.

Logicamente tinham considerado alternativas para osmuito raros casos de infecundidade. Nos gonzos históricos ourevoluções que sacudiram o Egipto nos seus muitos milharesde anos de permanência aplicava-se por analogia o Mito deHorus - que substituiu o seu Pai morto para gerar com a Mãeo Mundo manifestado e dar à vida uma imagem de Si mesmo

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que amparasse os homens - e procedia-se à renovação daDinastia ou à substituição por outra.

Mas o encontro que daria à luz o Herdeiro apenas tinhaum só momento no ano para efectuar-se, aproveitando asmelhores condições astrológicas e tendo os Sacerdotes evoca-do a Alma que deveria reencarnar como aquele que logo seriaFaraó, Senhor do Alto e do Baixo Egipto, chamado peloprimeiro apelativo de Filho-do-Sol. Em caso de necessidaderecorria-se a outros momentos mas nunca fora das normas ri-tuais milenares que demonstraram, as poucas vezes queforam quebradas, manter a sua eficácia.

A Grande Casa do Faraó era quase toda de madeira, e estamadeira era seleccionada e abençoada. Algumas pertenciamao Império e outras vinham dos confins mais remotos comoos cedros do Líbano. Ou as pedras, como pedra vermelha daSíria. Portas, tectos, paredes, tanques, mobiliário, tudo, abso-lutamente tudo tinha um nome ritual e o habitante da GrandeCasa e os seus assistentes deviam conhecer o nome secreto detudo aquilo que manejavam.

O Faraó devia passar boa parte do ano percorrendo o seuImpério e, às vezes, com aparato de guerra rodeado de leõese abutres amestrados, fazer guerra à frente dos seus exércitos.Igualmente, rodeado pelos seus babuínos domesticados,recolher a mandrágora, símbolo de certa magia curativa, oucom os seus gatos adestrados (hoje essa raça de gatos desa-pareceu, sendo os mais parecidos os de Sião) caçar o ganso,símbolo da matéria e dos inimigos vencidos. A sua guarda,como a dos grandes templos dedicados a Amon, não era ape-nas feita por homens mas também por leões durante o dia epanteras negras durante a noite.

De entre todas as Festividades Sagradas às quais o Faraódevia assistir, a que melhor podemos entender nesta época deeuforia social, é aquela onde se apresentavam enormes pães

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redondos nos quais estavam gravadas cruzes ansatas ouchaves da vida. Durante umas 24 horas o Faraó partia os pãese os funcionários reduziam-nos logo a pedaços... tantos quan-tos tinha de habitantes o Império, segundo o último censo quelhe tinham apresentado os seus sacerdotes especializados.Depois, por barcas e caminhos, distribuíam-se a todos os súb-ditos esses pedacinhos de pão que tinham tocado as mãos doFaraó. Até o mais distante tinha direito a um e o facto dealguém ficar sem o seu pedaço de pão sacralizado podia cus-tar-lhe a vida, mesmo aos mais altos funcionários daAdministração.

Esta Festividade fazia-se, como todas as outras, uma vezpor ano. E, como a União Sagrada que referimos anterior-mente, efectuava-se num Templo.

Pelo lógico segredo que os rodeava é muito pouco o quese pode dizer acerca dos verdadeiros Regentes do Egipto, osSacerdotes. Não nos referimos aos humildes sacerdotes quetinha cada povoação e que davam assistência a doentes emoribundos, aos nascimentos e enterros. E sabiam desdemedicina básica até fundamentos dos ciclos das colheitas e daconstrução das barcas e dos talismãs domésticos. Antes refe-rimo-nos aos do cume da Pirâmide Teocrática.

É útil esclarecer que, devido ao alto nível de religiosidadedo povo egípcio, à sua não mistura com estrangeiros e aindaa certos anticonceptivos mecânicos e químicos, a populaçãodo Império manteve-se mais ou menos estável durante mi-lhares de anos. Podemos calculá-la em uns doze milhões dealmas. Efectuavam-se rigorosos censos cada cinco ou seteanos, conforme as épocas.

Enquanto Tebas foi a Capital, daí saíam todos os anos bar-cas com os Pendões de Amon que percorriam todo o Niloconhecido e colonizado, transportando um Sacerdote de altagraduação. Ao passar por cada povoação, se os augúrios

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assim o aconselhassem, atracava a barca dourada e descia oSacerdote ou um seu alto assistente e escolhia entre as crian-ças nascidas nesse ano um, pelo menos, que levava para abarca a fim de que, após o regresso a Tebas, pudesse ingres-sar nos primeiros degraus da Escola Sacerdotal. O povoassim honrado entrava em festa e a família do eleito ganhavauma grande importância social.

Os eleitos começavam em Tebas uma longa “carreira deselecção” segundo as aptidões eduzidas. A maioria entrava aoserviço dos Templos ou dos Palácios dos Nobres e do Faraó.Os restantes, segundo as suas inclinações naturais, eram envi-ados a um Centro Iniciático onde se especializavam comomédicos, escribas, guardiães dos arquivos, militares, etc. Osmais capacitados eram promovidos à própria Escola deAmon. Muito poucos chegavam a ser Sacerdotes ouSacerdotisas do Deus, assumindo os lugares livres na cúspideda Pirâmide Teocrática, que como Conselho do Império eColégio de Magos mantinham a União Sagrada entre oEgipto terrestre e o Celeste.

Pelo que sabemos, a carreira do discipulado era férrea, osacrifício da vida material pela espiritual total. Em trocadisso, em determinado momento gravava-se-lhes a fogo noombro esquerdo (não confundir com as tatuagens rituais queaparecem na pele das múmias) pela frente e por detrás, comumas tenazes rituais, o símbolo da Serpente Oureus que ostornava imunes a qualquer ataque e lhes garantia plena segu-rança dentro do Império, fossem quais fossem as condiçõesem que se encontrassem. Quando morriam, este pequenotroço de pele era retirado para ser cuidadosamente guardadonuns arquivos especiais que às vezes faziam de “baterias” quecarregavam magicamente as criptas secretas dos templos.

A vida em Tebas, A Cidade, era rica e exultante mas noentanto aprazível. É muito difícil de conceber para uma pes-44

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soa do século XX como ali se vivia pois as alienaçõespróprias da nossa época impedem, à maneira de um espessovéu, entender uma forma de vida tão diferente. Talvez omais notável que possamos destacar é a falta de ressenti-mento dos cidadãos já que, apesar do seu grande número(Tebas poderá ter atingido mais de 90.000 habitantes), nãodeixavam de constituir todos uma grande família, com aespecial psicologia desse núcleo social perdurável que é afamília. Gente má e gente boa existiram em todas as épocase não há sistema que possa refrear as naturezas perversasnem corromper as bondosas; mas uma disciplina simultane-amente natural e prática e sumamente expedita mantinhauma ordem harmónica que fazia com que os roubos, assas-sinatos e atentados fossem verdadeiras excepções que con-firmavam a regra da boa convivência.

Longe dos “clichés” que nos apresentam os nossos livrosde História, o tebano era pessoa alegre e pouco conflituosa.Muito hábil e eficiente em tudo o que fazia, a alegria acom-panhava-o ou, caso contrário, a tristeza ou o desespero masmuito francamente expressos. O perturbado intelectual, ocrítico de tudo o que os outros pensam e fazem teria sidovisto como um fenómeno atípico e até gracioso.

Para esses antigos habitantes de A Cidade, a vida e a mortetal como agora se concebem não existia, e a dor que experi-mentavam perante o falecimento dos seus seres amados erasemelhante à que hoje poderíamos sentir ante a partida semregresso de um ser querido que empreendesse uma longaviagem. A fé em que Deus e os Deuses tinham feito o Mundoda melhor maneira possível resgatava-os de toda a angústiaexistencial, ainda que isso não diminua a sensibilidade, o ca-rinho e a nostalgia, sempre penetrados pela ulterior segurançanum destino amparado por uma Ordem Universal, justa e boa.

No Egipto não havia escravos; quanto muito prisioneirosde guerra condenados a trabalhos fora das cidades e fre-

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quentemente repatriados. Os que trabalhavam na erecção deum Obelisco faziam-no como o cristão o fez na plasmação deuma Catedral ou um muçulmano na de uma Mesquita.

Uma crítica actual que costuma fazer-se aos antigos egípciosé a de que estavam aferrados à carne mortal pois efectuavam umcomplexo rito de mumificação para preservar os corpos.

Quem conhece o clima do Egipto sabe que tais operaçõesfunerárias não estavam destinadas a manter inteiro o cadáverpois para isso bastava simplesmente enterrá-lo na ressequidamargem ocidental para que este se mantivesse - tal qual cons-tatou a moderna Arqueologia - em melhores condições que asobtidas no processo de mumificação. Por outro lado o proces-so psicopômpico estava unicamente reservado aos Faraós,aos Nobres, aos Sacerdotes e àqueles que se tinham destaca-do no serviço à comunidade. Apenas em tempos de decadên-cia, com o advento da Plutocracia que finalmente corrompeua primitiva Teocracia, as operações funerárias ficaram aoalcance de qualquer um que as pudesse pagar, à margem dasua condição espiritual. Mas isso foi um dos tantos subprodu-tos da infiltração estrangeira e da perda dos velhos costumes.Assim como o Egipto demorou a nascer também tardou amorrer, e o País da Magia por excelência acabou por ser, emépocas romanas, o principal celeiro da Europa. Ao desinte-grar-se esse imenso Estado Teocrático, os seus monumentosjá em ruínas e o seu conhecimento da Natureza e da Almaespantaram o mundo e foram estímulos para novas aventurasespirituais, desde a grega até ao Islão. Mas os GrandesMistérios retornaram à Fonte de Graça de onde tinham vindo,à espera de tempos mais propícios.

Já referimos que à medida que o Novo Império perdia oseu impulso, depois dos Raméssidas, os séculos foramempregues pelos últimos Sacerdotes Magos a guardar eesconder desde os seus conhecimentos até aos objectos ritu-ais, salvo aqueles que pelos seus grandes tamanhos tiveram

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que ser abandonados à sua sorte, depois de os terem desacti-vado quase todos. E os que não foram desactivados esperam,como o mítico Grande Dormente, resguardados da curiosi-dade dos estranhos às coisas misteriosas (ainda que algunsestejam fisicamente à vista de milhões de visitantes), omomento da inexorável ressurreição cíclica dos TemposSagrados.

Escrevemos algo sobre a Tebas dos Vivos e agora fazemo--lo sobre essa outra Tebas, a dos Mortos, que floresceu naMargem Ocidental, a do Sol Poente, Maamon, no período“histórico” de Tebas. Não era a sua antítese mas sim o seu com-plemento (ou vice-versa) do outro lado do Rio da Vida Visível:Hapi, Felicidade, o Azul, o Rio-que-desce-do-Céu, a correntede Alento Divino carregada de dádivas, que une os afastadospovos e reflecte na Terra outro rio de estrelas que corre no Céue que o Sol deve cruzar, como os Deuses, como o Homem.

No Oeste, a uns oito quilómetros do rio, por detrás doscerros de Deir-El-Bahari, está o chamado Vale dos Reis,cabeceira de um longo desfiladeiro ou depressão que osnativos actuais definem como Wadi-Biban-El-Moluk, isto é,o Vale das Portas dos Reis. Este Vale tem duas entradas, a deEste e a de Oeste e é hoje um deserto ainda que na antigui-dade não o fosse, quando o Mar Vermelho era um fértil vale.Então este e outros vales semelhantes que estão próximoseram férteis, e caçadores pré-históricos deixaram nas suasrochas desenhos que os representam perseguindo elefantes eavestruzes. Para além deste Vale elevam-se os grandes cerrosda Montanha Ocidental e o Gurn, pico que constitui o pontomais alto. Se cruzarmos estas pregas geológicas, tão alteradashoje pelas erosões e pela acção humana, encontramo-nos comum deserto imenso, o antigo leito do mar pré-histórico.

Nas proximidades do Vale dos Reis estão os tambémchamados Vale das Rainhas e Vale dos Nobres.

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Toda a zona forma anfiteatros naturais onde o desapieda-do Sol se reflecte e faz subir a temperatura convertendo-anum dos lugares mais quentes do planeta. Custa a acreditarque há uma dezena de milhares de anos, e menos ainda,saltavam as cascatas de água entre os bosques, a temperaturaera agradável e habitavam uma infinidade de seres vivos.

O nome árabe que se refere às Portas dos Reis sugere-noso que os mais inteligentes historiadores estão comprovando:que o actual ambiente de desolação, acentuado pelas sucessi-vas escavações que em certos lugares mostram um aspecto deterem sido fortemente bombardeados com morteiros, não cor-responde ao que o Vale tivera na XVIII ou XX Dinastias.Vários indícios já percebidos pelo titânico escavador Belzoninos princípios do século XIX assinalam que as tumbas esca-vadas na rocha, cujas bocas estão hoje nuas, tiveram faus-tosas decorações e portas de leves folhas de madeira abertasdurante o dia, tal como sucede com os nossos actuaiscemitérios. Ou também, noutras épocas do ano, permaneciamfechadas por motivos rituais.

Em síntese, na outra Tebas, a dos Mortos, as Confrarias sobo Pendão do chacal deitado, que também se vê nos carimboscomo representação do muito esotérico Deus Anubis, viviamem determinados lugares dessa Cidade dos Mortos e regiam osguardas armados e os animais amestrados que protegiam ostesouros dos sempre ávidos bandidos do deserto. É possívelque, como fizeram outros velhos povos, os egípcios ali sereunissem periodicamente para levar oferendas aos seus fami-liares e aos Faraós, Nobres e Sacerdotes cujos corposrepousavam no fundo inacessível desses Templos subterrâ-neos, “rampas de lançamento” das Almas benéficas cujasrelíquias tinham sido sacralizadas da mesma maneira quemilénios mais tarde outras religiões o fariam com os seus “san-tos”, aos quais se atribuíram também prodígios e “milagres”.

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Desta forma uma unicidade transcendente uniu as duasTebas numa harmonia complementar.

Alguns Templos funerários foram erguidos na própriaMargem Ocidental como o demonstram as colossais ruínasdo Ramesseum e as de Hatshepsut. Também ali estão os enig-máticos Colossos de Memnon, dedicados ao Sol doAmanhecer. O nascimento, esplendor e declínio do Sol rece-biam os nomes de Memnon, Amon e Maamon e a morte énascimento e amanhecer na outra margem da Vida.

Segundo os actuais arqueólogos, estas figuras de gigantessentados nos seus tronos rituais precediam o Templofunerário de Amenofis III, do qual eram o único testemunho.A Tradição Esotérica pretende que sejam muito mais antigosque qualquer edificação dedicada a um Faraó “histórico” eque estiveram oferendados ao Sol Nascente, tal como a nemsempre torpe ingenuidade popular os continua a chamar.

A sua actual altura é de uns dezoito metros mas é prová-vel que com as suas coroas e adornos tenham atingido maisalguns metros. Foram restaurados e regravados infinitasvezes. Muito famosos na antiguidade clássica, houve músicosda Grécia que peregrinavam até aqui para conseguir captar ossete sons primordiais que, ao amanhecer, um deles emitiaclaramente. Na época romana falava-se de uma nota em con-creto correspondente ao fá da nossa escala de dó. Os restau-ros do Imperador Septimio Severo, no ano 199, emudecerampara sempre o Colosso que emitia esse som, situado ao Norte.Um dos inumeráveis exploradores do século XIX assegurounuma tertúlia em Londres que tinha de novo ouvido essa notamusical, mas não há provas disso, nem tão pouco o provaramas exaustivas experiências feitas no século XX sem nenhumresultado positivo. A ciência oficial explica o fenómeno (jásabemos que a alienação actual consiste em explicar tudo,saiba-se ou não a verdade) atribuindo-o à expansão de algu-

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ma rocha ao aquecer-se ante o primeiro raio de Sol depois dosfrios da noite no deserto. Não podemos asseverar isto pois aimponente massa do Colosso em questão faz com que o Solnão possa, nem sequer sobre uma pedra superficial, produziruma mudança de temperatura apreciável nas frescas alvo-radas. Pensamos que o enigma continua de pé, como os doiscolossais monumentos, ainda que, como eles, pervertido pelaviolenta ignorância e a vaidade dos homens.

Não é sem grande esforço que conseguiremos imaginarcomo era essa Tebas dos Mortos há 3.000 ou mais anos pois,ao destruir-se a quase totalidade da Tebas dos Vivos, com osseus jardins e lagos, o clima alterou-se. Também os saques,rebentamentos de pólvora e escavações antigas e modernas,somados aos aluviões naturais e ao traçado dos caminhosturísticos, alteraram o aspecto da Tebas Ocidental de formaradical e exaustiva. Os desenhos efectuados nos séculosXVIII e XIX e ainda as fotografias do começo do século XXmostram-nos as últimas grandes alterações. Quais terão sidoas anteriores? A sua dimensão escapa-se-nos e cada umpoderá deixar voar a sua fantasia como quiser.

Talvez pela tentação devida à lenda dos enormes tesourosaí sepultados temos, comparativamente, mais dados históri-cos da Tebas Ocidental que da Oriental. A sua atracção má-gica prendeu milhões de pessoas desde as épocas clássicas atéaos nossos dias. Em Mênfis existiu outro Vale dos Reis mascomo a Cidade do Muro Branco estava construída em grandeparte com tijolos e a abundância de pedra era menor, muitopouco chegou até aos nossos dias. Pensemos que na épocaclássica já tudo estava sepultado pelas novas construçõesvisto que Mênfis esteve habitada até ao final do ImpérioRomano e de certa forma nunca deixou de estar. Pelo con-trário, Tebas foi abandonada e a povoação de Luxor, deorigem árabe, fixou-se tardiamente quando muitas cons-

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truções da Margem Oriental já estavam protegidas pela areia,como o demonstra a Mesquita construída sobre o telhado doTemplo de Luxor e as marcas deixadas a grande altura pelasfacas árabes ao serem afiadas nas rochas das muralhas dosTemplos de quase todo o Alto Egipto.

Apesar de muitas tumbas puderem ter estado abertas naépoca de gregos e romanos, estes limitaram-se a deixar algumgraffiti superficial sobre os estuques e pinturas originais.Recentemente encontraram-se graffiti na escrita demótica oque significa que, apesar dos cuidados dos Sacerdotes dosfinais do Império Novo em selar e dissimular a maioria dastumbas, algumas permaneceram abertas à devoção popularaté às últimas épocas, desde a XXV à XXX Dinastias.

Diodoro Sículo, no século I a.C., na sua História Geral,inclui este relato que diz ter escutado em Tebas: “OsSacerdotes disseram-me que nos seus registos encontramquarenta e sete tumbas de Reis, mas nos tempos de Ptolomeu,filho de Lagos, dizem que já só restavam dezassete, muitasdas quais já tinham sido destruídas quando nós visitámosestas regiões”.

Estrabão, na época do Imperador Augusto, uns setentaanos mais tarde, visitou o Vale dos Mortos com o seu amigo,o Governador do Egipto, Elio Galo. Diz-nos: “Mais acima doMemnonio (o Ramesseum ou os Colossos?), em grutas, estãoas tumbas dos Reis, escavadas na rocha. São umas quarentaem número, estão maravilhosamente construídas e cons-tituem um espectáculo digno de ver-se”.

Os gregos já tinham dado aos corredores funerários onome de siringas pois recordavam-lhes o instrumento musi-cal. E também acreditavam que no Vale ou nas suas proxi-midades estava a Tumba de Memnon, talvez relacionada comos Colossos. Historiadores actuais crêem que se referiam àgrande tumba de Ramsés VI mas não temos evidências disso.

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Conservam-se mais de duas mil breves inscrições de tu-ristas das épocas romana e bizantina. Há poemas e frases lau-datórias de todo o tipo. As últimas correspondem ao séculoVI. Todas as inscrições registadas estão nas grandes tumbasdas XIX e XX Dinastias pelo que se deduz que estavam aber-tas e eram de fácil acesso. É provável que no entanto existammuitos milhares de inscrições que não observamos, istoporque se nos escapam à vista ou porque ainda estão sepul-tadas. É curioso comprovar que os actuais turistas que obser-vam os muros dessas tumbas jamais reparam nelas. Tambémé estranho que as convulsões religiosas que se sucederamapós a queda do Império Romano e o surgimento de milharesde seitas cristãs, algumas das quais tinham caído em ver-dadeira loucura (como aquela de Afú o Búfalo que andava aquatro patas no meio desses animais, ou Maria a Egipcíacaque morreu enclausurada numa mastaba ou tumba egípciadepois de branqueá-la e rodear o seu habitáculo com os seuspróprios detritos, ou Simeão o Estilita que fazia com que osseus seguidores lhe chegassem os seus próprios vermes até aoalto capitel que habitava para estar mais próximo de Deus, etantas outras que se dedicavam “como acto piedoso” a per-correr as margens do Nilo com escopros e martelos paramutilar tudo o que fosse “pagão”), quase não tenham influí-do nas tumbas do Vale. Sabe-se de comunidades cristãs queviveram nas ditas tumbas mostrando ingenuamente aos seusvisitantes as soberbas pinturas como representações do infer-no feitas pelo Diabo em pessoa, mas não as danificaram elimitaram-se a escrever piedosas e ternas preces de maneirarápida e espontânea.

Estas comunidades ou comunidade cristã primitiva deixourastos da sua existência no que hoje são restos de pequenasigrejas junto às tumbas de Ramsés IV, reutilizando materialantigo. Também há restos de cerâmicas de cozinha com

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orações gravadas e um detalhe que ainda não foi estudado:cascas do fruto da planta balinites que é um alucinogénio.Recorriam estes sinceros crentes em Cristo à droga paraalcançar estados de auto-hipnose que os permitissem obtervisões ou alucinações próprias à sua fé? Não o sabemos masa onda de “loucura religiosa” que se estendeu pelo Egiptocom o advento dos primeiros cristãos poderia dar lugar ainsuspeitas manifestações e excessos, misturados com umagrande ingenuidade e infantil ternura. A expedição de JohnRomer, excelente arqueólogo e escritor de fina sensibilidade,descobriu que a tumba de Ramsés XI tinha sido convertidaem estábulo e também em dormitório e cozinha; o poço ritu-al foi usado como lixeira e apareceu uma moeda bizantina,assim como restos de comida que mostravam que estes pací-ficos invasores não observavam nenhum regime ritual, ali-mentando-se com carnes vermelhas, peixe, verduras e cereaisassim como pão de centeio.

Todo o Egipto tinha passado a depender do ImpérioRomano do Oriente, mas Bizâncio era ainda débil e estavamuito distante. Assim, aquando da invasão árabe do ano 639,apesar das forças do nascente Islão serem numericamenteescassas e pouco organizadas, não encontraram maiorresistência que as distâncias. Pois “o renomeado general ecônsul, o mais magnífico Patrício do Império, Teodósio”,nesse momento Governador do Egipto, arrecadou os impos-tos e escapou com uma pequena frota que partiu deAlexandria, cidade que seria definitivamente abandonada em642. O general árabe Amr Ibn-Al-As escreveria imediata-mente ao Califa Omar, que estava em Meca, dizendo quetinha tomado a imensa cidade sem resistência e que anexavatodo o Egipto ao seu Império.

Num século as comunidades cristãs desapareceram, con-verteram-se ou emigraram para lugares mais distantes. Os na-

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turais do Egipto estavam moral e fisicamente aniquiladosdesde há vários séculos e assim entraram os novos amos nadupla Tebas, ficando o Vale dos Reis abandonado às forças daNatureza. A Cidade passou a ser canteira de mesquitas e, pri-vada de todo o cuidado, foi desaparecendo debaixo das areias.

Talvez não se tenha suficientemente explicado que noAntigo Egipto as únicas construções imponentes e de sólidaedificação eram os Templos e Pirâmides. Como vimos,mesmo os Palácios, sem excluir o do Faraó, eram de materi-ais preciosos mas ligeiros e facilmente destrutíveis; e quantoàs casas e cabanas do povo eram de tijolo cru ou apenas debarro e canas. Sabe-se que nas cheias anuais do Nilo muitascasas eram destruídas e, com grande regozijo, os seus habi-tantes erguiam outras novas no meio de uma Festividade querenovava o ciclo da vida, sempre igual e no entanto sempredistinta. As forças do Espírito e da Natureza tinham-se conju-gado para fazer do Antigo Egipto um Império único, comonão sabemos que tenha existido outro sobre a Terra; ainda quesuspeitemos que os Mayas, na outra vertente da expansãoAtlante, tivessem características semelhantes a julgar peloque deles nos restou: tão só Templos e Pirâmides.

Assim, as mudanças que é necessário que mencionemospara entender este fenómeno singular da Civilização doAntigo Egipto promoveram no seu povo uma resignação ale-gre e vital perante todo o girar do pêndulo da História.

Tribos de beduínos e outros nómadas do deserto acer-caram-se às férteis terras do Nilo e aí, sob a forma de vidamuçulmana, foi-se formando uma nova ordem e um novodespertar, ainda que comparativamente tíbio.

Para os europeus Tebas passou a juntar-se às cidadesremotas e pertencentes aos tempos desaparecidos, como ofora Tróia. A Bíblia e as obras de Homero e dos clássicosromanos eram os únicos sobreviventes desses heróicos tem-

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pos e, de alguma forma, a profecia que arvoraram os cristãossobre o fim do mundo tinha-se realizado. Enquanto aosmuçulmanos, em plena expansão e erroneamente tambémcolocados na Idade Média - já que para eles não o era - reac-tivaram o comércio, inicialmente surgido dos saques. Asestradas lajeadas do Império Egípcio desapareceram para darlugar às rotas das caravanas e o Nilo continuou a ser o maiormeio de comunicação.

Na época das Cruzadas alguns cristãos confundiram asgrandes Pirâmides com os Celeiros de Abraão, enquanto queo Farol de Alexandria, uma das Sete Maravilhas do MundoAntigo, tinha-se derrubado por causa de um terramoto e dasescavações efectuadas junto aos seus alicerces por aven-tureiros de toda a espécie na busca de tesouros. Como já dis-semos, o Califa Omar tinha mandado queimar os últimosrestos da Biblioteca de Alexandria e a grande urbe manteve--se como porto comercial e militar, e os seus palácios foramdesmantelados para construir o Cairo, assim como mesquitase novos palácios, ali mesmo ou em distantes cidades. Várioscanais e ramificações do Nilo secaram e abriram-se outros,ampliando-se o Delta que perdeu quase totalmente a sua anti-ga vegetação e fauna.

Tebas, cujo enorme quadrilátero ainda se distingue a par-tir de um avião que a sobrevoe a mais de 5.000 metros dealtura, reduziu-se à cidadela de Luxor. O Vale foi esquecido,excepto por saqueadores embora já não tivessem acesso àstumbas devido aos aluviões e desmoronamentos. MuitosTemplos das proximidades de Tebas foram reutilizados,entrecruzando vigas de madeira nas suas colunas - coisa quecausou grandes danos -, como estábulos e estalagens para ascaravanas. O fumo das fogueiras e o produzido pelas gor-duras queimadas das carnes assadas foram obscurecendo osmulticolores tectos e paredes. Como referimos, os muros que

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sobressaíam das areias e montanhas de detritos serviram paraafiar facas ou para assentar as mesquitas.

Não faltaram ambiciosos que esburacaram Pirâmides eque sempre estiveram em busca de tesouros, destruindo ospreciosos sarcófagos de sicómoro e cedro ao descobrirem quenão eram de ouro; aqueles que tinham algum metal preciosotambém foram destroçados para fundir essas riquezas. Comas múmias adubou-se a terra, não só no Egipto como também,até ao século XIX, importavam-se a partir da Europa parafazer medicamentos mágicos, e as de gatos e peixes foramempregues como fertilizantes na Grã-Bretanha.

Com a queda de Constantinopla e com a regressão dosárabes em toda a bacia do Mediterrâneo a partir da famosabatalha de Lepanto, alguns eruditos viajantes muçulmanos edepois cristãos visitaram as ruínas de Tebas. Mas mesmo noséculo XVII poucos eram os que reconheciam algo daquiloque viam. Façamos uma justa excepção relativamente aosjesuítas pois sabemos que os padres Protias e François per-correram Tebas e fizeram desenhos e medições meritórias.Também visitaram o Vale dos Reis embora no final nãosoubessem relacionar o material acumulado e não pudessemafirmar que se tratava da antiga Tebas, a das Cem Portas.Mais tarde, em 1707, o jesuíta Claude Sicard, destinado auma Missão no Cairo, foi enviado pelo próprio Rei de Françaa subir o Rio Nilo e desenhar plantas referenciadas sobretodas as grandes ruínas. Parece que chegou até Assuão ePhilae e, com os livros de Estrabão e Diodoro de Sicília nasua posse, pôde certamente identificar Tebas e a suaNecrópole, da qual deixou uma belíssima descrição contandodez tumbas acessíveis que o impressionaram. Muitos dosseus papéis chegaram a França e foram publicados extractosem jornais jesuítas. Morreu no Cairo durante a peste do ano1726 perdendo-se parte do seu valioso material, pois pode-

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mo-lo considerar como o descobridor de Tebas após ummilénio de incertezas.

A sua obra despertou a curiosidade dos seus contemporâ-neos. Segundo uma inscrição hoje desaparecida e gravadanuma tumba, outro clérigo, Richard Pococke, estivera no Valedos Reis em 16 de Setembro de 1739. A obra publicada dePococke tem a grande novidade de incluir um mapa detalhadodo Vale e da localização das suas tumbas, ainda que algumasjamais se encontrassem. De James Bruce publicaram-se, em1790, cinco grossos volumes com um trabalho extraordináriosobre o Egipto. Tinha realizado a viagem em 1768 e no seulivro incluía-se a velha Tebas com os seus dois assentamentos,em ambas as margens do rio. Da tumba de Ramsés III tinhapintado uma lâmina com dois harpistas, provavelmente cegos,que emocionou os amantes das aventuras de tal forma quelogo ficou conhecida como A Tumba de Bruce.

Nos finais do século XVIII realizaram-se algumas esca-vações que já não podemos precisar mas que na sua épocareceberam o nome genérico de as escavações turcas visto queo Egipto tinha passado a ser uma parte, se bem algo distante,dos restos do Império Turco.

Teremos de esperar a misteriosa campanha de Napoleão(nos inícios do século XIX) com o seu exército acompanhadode numerosos cientistas, desenhadores e letrados para ter umafonte segura do que então restava do Antigo Egipto. E atrevo--me a denominar esta campanha militar do Grande Corsocomo “misteriosa” pois, para além dos objectivos militares decortar as comunicações da Grã-Bretanha com a Índia, desco-bre-se uma enigmática inclinação no futuro Imperador daEuropa para com o Egipto, que chegou a confessar que nãoera a primeira vez que ali estava? Por acaso queria referir-sea alguma encarnação anterior? Ou simplesmente a uma poucoprovável viagem secreta? Jamais o saberemos com certeza

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Denon no Museu do Louvre.

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mas as suas crenças e os seus poderes parapsicológicos, ma-nifestados nalgumas batalhas nas quais chegou a ser vistosimultaneamente em sete lugares distintos, fazem-nos sus-peitar que vivia inquietado por certas reminiscências. Eranotável o seu respeito e atracção pelos Lugares Sagrados,tanto que chegou a visitar Belém com muito risco.

Mal foram depostos os mamelucos, nos aproximadamentetrês anos que durou a ocupação francesa do Cairo, produziu--se uma enorme transformação no velho País de Kem.Segundo as próprias palavras de Napoleão, ele estava ali para“ajudar o Egipto a ir até à luz”. E na verdade conseguiu-o,pois fundou institutos científicos, mandou levantar mapas,desenhar de forma magistral as colossais ruínas, desenterrouuma vez mais a Esfinge das areias e até mandou perfurar umdos ombros na busca dos passadiços citados antigamente. EmDenderah teve a atitude, nunca mais repetida por um conquis-tador, de deixar uma réplica exacta da grande pedra doZodíaco antes de fazer transportar o original para Paris. Osseus cientistas reconheceram a importância da pedra trilinguede Roseta que por pactos de guerra passou para a Grã--Bretanha, ainda que depois fosse o francês Champollion que,trabalhando sobre os decalques, descobriu a forma de ler osvelhos hieróglifos.

Foi de tal intensidade a obra de Napoleão no Egipto queabarcou desde a modernização de hospitais até ao desenho edescrição das flores da Núbia. A presença francesa no campocientífico perdurou para além do domínio britânico e ainda senota nestas décadas finais do século XX.

Um dos grandes cientistas de Napoleão, Denon, fez aprimeira descrição “científica” do Vale dos Reis e de umpequeno povoado aí estabelecido que chamou Gurna; eratanto o seu entusiasmo que geralmente se adiantava aoexército de ocupação apesar de ser já quase ancião e obeso. O

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Giovanni Battista Belzoni nascido em Pádua no ano de 1778, foi um dos grandes viajantese exploradores do Egipto. Foi o primeiro a efectuar um estudo completo das pinturas muraisde uma tumba do Vale dos Reis.

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Vale que ele viu já não é o mesmo que vemos agora pois asescavações e ampliações para caminhos que utilizam os mi-lhões de turistas mudaram-no totalmente. Mas as suas nar-rações dão-nos uma ideia do impulso quase sagrado quemovia esses homens e o muito próximo que eles estavam dosantigos egípcios, com o seu sacralizado Napoleão, com assuas leituras dos clássicos em grego e latim, com os seuslonguíssimos percursos em barcos, cavalos ou a pé, com oseu dormir em tendas ou em vetustos palácios árabes, mais doque podemos estar nós, os investigadores de finais do séculoXX. As coloridas tropas, o soar rítmico dos tambores, a vidaaltamente hierarquizada mas por sua vez profundamentehumana, o conhecimento dos clássicos em primeira-mão,punha-os num contacto especial com o velho Egipto.

Hoje as nossas câmaras fotografam ou filmam em poucossegundos o que a um bom desenhador demoraria dias; mas anossa pressa para não chegar a nenhum lado ou simplesmenteporque temos que contar as notas ou bilhetes de viagem quetemos nos bolsos; o nosso sentido “democrático” que nos fazparecer normal que as pessoas se passeiem de calções pelosSantuários; o nosso temor à Natureza que faz com que assimque o Sol se ponha nos refugiemos, no melhor dos casos, noshotéis da actual Luxor; tudo isto inevitavelmente nos privadesse contacto. Seria bom reflectir sobre este tema antes decomeçar a criticar as falhas compreensíveis daqueles pioneiros.

Não há muito visitei em Londres, num pequeno Museuque até há pouco foi particular, o sarcófago de Seti I, umafenomenal peça de alabastro à qual infelizmente o clima deLondres deteriorou os seus hieróglifos gravados com tintaazul-cobalto que os preenchia. Trouxe-o para a Europa, comotantas outras obras-mestras, o quase sobre-humano Belzonique também fez extraordinários desenhos coloridos da tumbade Seti I, hoje deteriorada, que superam as actuais possibili-

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Desenho realizado por Joseph Bonomi. Fundo do ataúde de alabastro de Seti I.

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dades fotográficas. Publicamos, para melhor exemplo dovalor destas velhas técnicas, o desenho do fundo do sarcófa-go feito por Bonomi (ver pág. ant.). Além disso, em 1821, emPiccadilly (Londres), Belzoni reproduzira a tumba de Seti Inum esforço arqueológico-artístico que ainda hoje nosassombra.

Muitas outras obras e descobertas realizou este pioneirohoje tão criticado pelos arqueólogos pois os seus métodos,como os de Schliemann em Tróia, não eram totalmente ade-quados nem “científicos”. Mas não esqueçamos que, graças aesses “traficantes de antiguidades” que encontraram enormestesouros históricos “por casualidade”, possuímos os mais belosexemplares dos nossos Museus e muitas descrições minu-ciosas, feitas à custa de impensáveis sacrifícios, de pinturas doVale dos Reis que já desapareceram às mãos dos buscadores desouvenirs ou de traficantes de todas as nacionalidades.

Que muitos desses restos foram parar a colecções emuseus privados que não possuem os meios de conservaçãoadequados? Certo. Mas também é certo que nos depósitos dosgrandes “Museus Oficiais” apodrecem e amachucam-se mi-lhares de objectos preciosos, e que há muitíssimas vitrinas nopróprio Museu do Cairo que não foram abertas nem limpasem mais de 50 anos, e que insubstituíveis papiros se desfazempor estarem expostos sob vetustos vidros da época deMaspero, hoje desencaixados, e expostos ao sol que entrapelas janelas que não têm cortinas, não funcionam ou esque-cem-se de as fechar.

Noutros lugares do mundo, por exemplo em Lima, Peru, éabsolutamente proibido levar do país a mais pequena peça debarro da época pré-colombiana, com base na protecção do“Património Nacional”... mas em cada novo tremor de terrarebentam em pedaços centenas de vasos que se acumulamuns sobre os outros no Museu Larco Herrera, ou também, por

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Alto relevo de Anubis no Templo de Abydos.

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Paleta de Narmer, do chamado “Depósito Principal” em Hierankonpolis. De um lado (esquerda) Nardo Baixo Egipto. Pré-dinástico, c. 3000 a.C.

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rmer, usando a coroa do Alto Egipto, submete um estrangeiro. Do outro lado (direita) ele usa a coroa

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Avenida de carneiros do Templo de K

arnak.

“Representam

o físico, as coisas imóveis m

as atentas que sugerem com

a sua atitude o caminho que conduz ao Tem

plo propri-am

ente dito.”

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Colossos de Memnon. Tebas, margem ocidental.“Muito famosos na antiguidade clássica, houve músicos da Grécia que peregri-navam até aqui para conseguir captar os sete sons primordiais que, ao ama-nhecer, um deles emitia claramente.”

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Pente com o nome de Djet, Rei Serpente. I Dinastia (2920 - 2770 a.C.)

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Estátua do Ka do rei Awibra Hor, descoberta numa tumba a norte da pirâmide de AmenemhatIII em Dashur. XIII Dinastia, c. 1700 a.C.Museu do Cairo.

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Estátua de Kaaper, Sacerdote-leitor Chefe, V Dinastia, reinado de Userkaf (2465 - 2458a.C.). Madeira de sicómoro. Museu do Cairo.

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Cartaz comemorativo do centenário da campanha de Napoleão, realizado por EugéneGrosset.

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Estátua de escriba da necrópole de Sakkara, V Dinastia (séc. XXV a.C.). Museu do Cairo.

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Hieroglífico: Base da estátua de Amenófis, filho de Hapu.

Hierático: fragmento do “Papiro do Grande Harris” em escrita hierática.

Demótico: fragmento do texto demótico da “Pedra de Roseta”.

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Pintura mural do túm

ulo-capela de Nebamun, m

ostrando o falecido com a sua fam

ília a caçar pássaros nos pântanos. XVIII Dinastia, c. 1400 a.C.

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Colosso de Ramsés II em Abu Simbel.

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Papiro “da saida da Alma para a luz do dia” do escriba real Ani. Cena do “peso do coraç

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ção do defunto”, associado ao capítulo 125. XIV Dinastia (c. 1250 a.C.). British Museum.

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Maqueta de um

templo. O

s egípcios apresentavam m

aquetas tridimensionais dos seus projectos arquitectónicos. O

material utilizado foi o

quartzite. XIX Dinastia c. 1290 a.C

. Brooklyn Museum

.

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Pôr do sol no Egipto.

“À distância levantam-se bandos de íbis brancos e a M

ontanha Ocidental tinge-se de verm

elho enquanto se levanta o ventofresco que outrora m

ovia os Leques de Am

on. Talvez não esteja tudo perdido e se possa num futuro viver, num

mundo m

enoscontam

inado, outra vez uma Aventura E

spiritual. Tebas não é um lugar físico: Tebas é um

estado de consciência.”

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eus Anubis mum

ificando o corpo reconstruido de Osíris.

“Porque a primeira m

umificação, segundo conta a tradição, fê-la o próprio A

nubis - Deidade pré-histórica - sobre o cadáver

de Osíris, m

orto e despedaçado por Seth - a diferenciação - operação na qual colabora a Maga Ísis, Irm

ã-Esposa de O

síris.”

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Bracelete da princesa Khnumit, com os hieróglifos “alegria, expansão transbordante do coração.” IB é ocoração, o hieróglifo AUT representa a espinha dorsal e as costelas, com a espinal medula transbordando,significa “alegria, expansão.” Tumba de Khnumit, XII Dinastia, reinado de Amenemhat II (1932 - 1898 a.C.)

“O destino futuro, a possibilidade, é “ib”, coração consciente, cheio de aspiraçõese desejos, onde reside a vontade lúcida e a consciência moral.”

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Colunas em forma de lotus do Templo de Karnak.

“Representam os pórticos que, ao mesmo tempo, unem e separam o mundo humanodo mundo divino. É o acesso ao Sacro, com os seus grandes planos que reflectemvitalmente a Luz Solar e os seus extensíssimos galhardetes que flamejam no alto,em postes adossados aos muros exteriores, como as línguas do Verbo que exprimema vida e o movimento incessante.”

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Deusa Nut em relevo num sarcófago.

“Por dentro abundam as representações dos Deuses, especialmente da Mãe Nut,Senhora da Céu Estrelado e da Luz na Obscuridade; as suas piedosas asas - quea relacionam com a Alma-andorinha - estão colocadas de modo a que, ao fechara caixa, a múmia fique entre elas.”

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Sala da barca do Templo de H

orus de Edfu.“Sala da Barca,onde efectivam

ente se guardava uma barca ritual, às vezes dentro de um

templete brilhante de pedras m

uito po-lidas. É o veículo para a m

udança de dimensão pois já não aparecem

as pesadas e volumosas grandezas da vida m

anifestada.D

ecorada com figuras de D

euses, permite navegar no N

ilo Azul do Céu Estrelado. Estava frequentemente velada por cortinas

semi-transparentes e em

seu redor ardiam incenso e resinas várias nos piveteiros para dar a sensação de águas voláteis im

preg-nadas de m

agia e mistério.”

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Máscara de ouro de Tutankhamon. XVIII Dinastia. Reinado de Tutankhamon (1333 - 1323 a.C.). Museudo Cairo.“Se passamos a vista rapidamente desde o primeiro ataúde até à máscara parecer-nos-á que o Faraó sorri e se rejuvenesce, tendo este efeito, muito habilmente con-seguido, um claro sentido espiritual que coincide com as crenças egípcias de que amorte oferece a oportunidade de enobrecer a Alma e fazê-la continuamente jovem.”

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Barca de Alabastro montada sobre uma pequena arca sob a forma de tanque. Tesouro deTutankhamon. Museu do Cairo.

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Lâmpada de alabastro em forma de cálice. Tumba de Tutankhamon. Museu do Cairo.“...vasos de alabastro com figuras gravadas no interior que apenas são visíveisquando se acende uma lâmpada ou uma vela dentro. Estas imagens do Homemque ao acender a sua Luz Espiritual torna-se transparente e mostram os seuspoderes escondidos, os seus Deuses interiores...”

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Jorge Angel Livraga no Egipto.

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tê-los fechados em barracões sem nenhum controlo, desa-pareceram do Museu Nacional de Arqueologia nos últimoslustros 10.000 huacos de prata, ouro e ligas metálicas.

Com isto não queremos justificar a ambição mais ou menosestúpida de traficantes e “novos-ricos” que anseiam ter no seuquarto uma peça arqueológica; simplesmente aproveitamospara assinalar que às vezes os tão louvados “museus oficiais”não têm direito moral para criticar ninguém nem dogmatizarsobre coisa alguma. Às vezes o carinho pelas antiguidades substi-tui com vantagens os pomposos títulos e titulares. E as grandesdescobertas, tanto no Vale dos Reis como noutros sítios domundo, obtiveram-se por via do que, em nossa ignorância,chamamos “casualidade” ou pela informação de um camponêsanalfabeto. Não poderão os sisudos cientistas atribuírem a sipróprios achados que apenas conseguiram fazer aproveitando aajuda dos humildes habitantes do deserto (desde a Vénus deMilo ao Tesouro de Tutankhamon, pois Carter, previamente aoseu trabalho científico e ao seu trabalho de resgate que é umaobra prima, recebeu informação de pistas que o levaram àdescoberta), esses cujos nomes jamais conheceremos nem fi-gurarão em nenhum livro.

Precisamente a tumba do jovem Monarca da XVIIIDinastia foi o último achado importante do Vale dos Reis.Esperam-nos no futuro novos descobrimentos? É muito pos-sível pois o chamado Vale dos Reis e seus adjuntos dasRainhas e dos Nobres jamais constituíram um “cemitério” noactual sentido do termo, mas sim A Outra Tebas, a grandeNecrópole outrora frequentada e maravilhosa que, junto àMontanha Ocidental, recolheu grande parte do esplendor daúltima época histórica da Cidade das Cem Portas. E oMistério Final dos Ritos Secretos.

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O MISTÉRIO DA CONSTITUIÇÃOINTERNA DA NATUREZA E DO HOMEM

Todos os povos da antiguidade regeram-se por umaInstrução Esotérica sobre a constituição interna, visível einvisível, do Universo e do Homem.

Se entre as distintas opções que temos para interpretar oporquê da grande semelhança que subjaz em todas essas anti-gas Civilizações escolhermos um Ensinamento Tradicionalque refere uma origem comum da Humanidade e umaInstrução comum a todos os povos, encontramo-nos com ofacto de que todos consideraram o Homem como uma parteda Natureza - e por parte não entendemos um fragmento massim algo constitutivo que a integra e a explica. Assimpodemos pôr um pouco de luz no que, de outra maneira, nospareceria um absurdo teológico.

Da velha Tebas e do Egipto em geral vamos extrair algunselementos simples mas esclarecedores.

Primeiramente queremos deixar bem claro que os antigosMistérios jamais foram do domínio público, antes sim, a suaadministração estava a cargo de Confrarias Sacerdotais quetinham compreendido que o homem comum necessita dereligiões exotéricas, com fáceis ensinamentos sobre prémios

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e castigos que recompensam e penalizam as suas acções. OsEnsinamentos Secretos são altamente perigosos se se enca-ram com uma visão simplista; portanto foram “traduzidas”para a compreensão popular segundo as necessidadesgeopolíticas e espirituais de cada momento da Humanidade.

De modo que, salvo um denominador comum ético-espi-ritual, são distintas as concepções formais de um grego das deum chinês, as de um maya das de um egípcio. Tão pouco sãoas mesmas nas religiões que permanecem na actualidade; nãosão totalmente iguais as recomendações de um hebreu, de umcristão, de um budista ou de um muçulmano. Mas se aprofun-darmos vamos encontrar uns Valores Permanentes, podere-mos assim chamar, que são iguais em todas elas. Estes nãodiferem daqueles que possuíam os povos antigos nem dosque, provavelmente, alentarão os povos futuros. O que se re-nova é a apresentação pois, sendo os homens criaturasvolúveis que ainda estão numa fase de infância espiritual,necessitam de mudanças periódicas nas formas e nas corespara continuar o jogo da vida.

Mal poderia um Moisés, se quisesse converter uma tribonómada num foco irradiante de cultural espiritual, dar umamensagem eclética pois o tribal primava entre os israelitas enecessitavam sentirem-se separados dos outros povos paraunirem-se entre si. Se Jesus Cristo quis formar uma novaforma de vida - o que os primitivos Padres da Igreja chama-ram um Homem Novo - teve que promover um rechaço aoaumento dos poderes efectivos do Império Romano que, jáembriagado de glória, tinha chegado a adorar-se a si mesmonão como meio - à maneira augusta de um “Pelo Império atéDeus” que sintetizou no seu próprio apelido de Augusto, atéentão apenas reservado a Júpiter - mas sim como cultomaquinal dos atributos acima do Ser. Assim, os seusseguidores ajudaram à desintegração de um mundo para que

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nascesse outro. E um Maomé, para terminarmos com osmuitos exemplos, teve que infundir no explosivo povo árabeo culto à Guerra Santa, a conquista de um espaço vital comoexpressão do espiritual, ao mesmo tempo que evitavadoenças como a triquinose convencendo-o de que o porco éum animal impuro.

As religiões exotéricas ou populares têm essa dupla vir-tude: a de elevar espiritualmente o homem para além dosmeios empregues e a de obter uma higiene nas suas mentes enos seus corpos.

O esotérico é diferente, não naqueles mencionados ValoresPermanentes, mas sim nas suas preocupações; pois trabalha-secom pequenos grupos de elite naturalmente preparados (querse aceite a reencarnação ou a simples Graça de Deus) paraabordar temas profundos sem que as mentes se desengoncemcom a visão e entendimento dos chamados Mistérios.

No Egipto em geral, e em Tebas em especial, existiam osdois extremos: uma religião exotérica para o povo que, semproblematizar, oferecia a felicidade aos bons e a infelicidadeou a destruição aos maus e um Colégio Sacerdotal que sededicava à Investigação Sagrada. O que é verdadeiramentenotável é que no velho Kem conseguiu-se manter durantemilénios de maneira aceitável ambos os sistemas sincroniza-dos através de inumeráveis matizes. Salvo a “heresia” deAkhenaton, jamais existiram confrontos importantes, emesmo esta foi passageira.

Vejamos como se reflectiam estes Mistérios externamente.Tomaremos como exemplo a Constituição Septenária daNatureza e do Homem.

Se aceitarmos o velho princípio de que o Homem é achave da Natureza, como recolheu acertadamente o aforismode Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”,vamos começar pela concepção da Escola de Tebas acerca daconstituição do Homem.

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Do comummente denominado Livro dos Mortos (por ter--se encontrado associado às múmias, em pinturas murais,vendas de linho real e papiros) e cujo nome mais correctoseria Livro da Oculta Morada, reproduzimos a versão doPapiro de Ani, afortunadamente depositado e magnifica-mente exposto no British Museum, numa das suas tardias masmais claras versões. Aí, a figura central é constituída por umabalança junto à qual o Deus de cabeça de chacal, Anubis,guardião e protector dos mortos dedica-se a pesar o Coraçãodo defunto para comprovar se é tão leve como a Pluma deMaat, a Justiça, que aparece no prato oposto. No extremodireito aparece o Deus Thot, que representa a Lei Universal,a Sabedoria e a Arte de Curar os vivos e os mortos, sob aforma de um homem com cabeça de pássaro íbis; numatabuinha de cores e com um pincel vulgar anota os por-menores do Juízo. Junto a ele está o Monstro-que-devora--corações, uma representação do Caos onde caiem os perver-sos. À extrema esquerda, uma figura de mulher com o Sistrode Ísis, a Deusa Mãe, acompanha a outra figura que simbolizao próprio Espírito daquele que é julgado e que, na sua prísti-na Presença, tem o tamanho dos Deuses.

Seguidamente descrevemos as “partes” integrantes doHomem, aqui representadas com pedagógica claridade.

1) Imediatamente debaixo da barra horizontal da ba-lança vê-se uma pedra quadrilátera, na realidade um cuboachatado, coroada apenas por uma cabeça humana. É oCHAT ou KHAT, a matéria do corpo físico que em vidaesteve coroada pela cabeça ou inteligência, com aparênciahumana. É inerte, um simples troço de matéria, um “tijolo”do Universo ao qual retorna sob essa forma como simplesmatéria-prima que um dia teve aparência humana. É a PedraCúbica cuja descrição chegaria até aos Alquimistas doRenascimento europeu, numa das suas chaves.

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2) Pendendo do extremo esquerdo da vara horizontalda balança, sob as cordas que formam um triângulo ascen-dente, vê-se uma Tinalha vermelha ou um Coração. É a re-presentação da energia vital que dá movimento ao corpo físi-co ou simplesmente a vida que o defunto viveu. Entre os seusnomes seleccionamos o de ANKH que se corresponde tam-bém com a Chave da Vida, figura esquematizada de umhomem com um triângulo invertido por cabeça, que às vezesestá pintada de vermelho para reforçar o seu sentido de por-tal de comunicação entre o visível e o invisível.

3) Entre o mencionado prato da balança que sustém oCoração e a coluna vertical do instrumento vemos uma figu-ra humana que é o Duplo, o KA, sede dos sentimentos, veícu-lo do Espírito feito à sua imagem e que, por sua vez, deuforma ao corpo físico através da vida. Está em atitude decaminhar porque pode andar, trasladar-se como um fantasmaluminoso e pode ainda responder pelo próprio Homem soli-citando justiça. Ele comparece ante os Deuses e também anteos homens quando por suas virtudes não conseguiu osCaminhos do Céu, condenado então a vaguear por um tempona Terra. Iremos ver que na mumificação tomavam-se medi-das para que isto não ocorresse.

4) e 5) Um par de figuras humanas femininas que, entreoutros, recebem o nome de AB e BA. São as que, no papiro,estão situadas à esquerda do prato da balança que sustém oCoração. Costumam mostrar-se uma despida e a outra vesti-da ou então uma com um vestido muito simples e o da outramuito recamado. São as duas partes da Mente Humana: umasuperior, despida de vaidades e a outra inferior, em íntimocontacto com as pluralidades da manifestação. AB é a partede complexas estruturas onde surgem as ideias-desejos, sededa astúcia e do egoísmo especulativo. BA é, pelo contrário, asede das Ideias Puras, as que podem elevar-se por cima das

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CHAT: matéria do corpo físico, “tijo-lo” do Universo ao que volta sob estaforma.

CHEYBI: pássaro, mistura de andori-nha e falcão; representa a Alma, a parteespiritual luminosa. Simboliza aIntuição das Coisas Sagradas.

SAHU ou ATMU:Espírito Osirificado,o Deus-Homem. É oMáximo Mistério, aCausa Espiritual doHomem mesmo.

KA: o Duplo,sede dos senti-mentos, veícu-lo do Espíritofeito à suaimagem, e porsua vez dá aforma ao corpofísico atravésda vida.

AB-BA: São asduas partes daMente Humana:uma superior,nua de vaidadese a outra inferi-or, em contactoíntimo com aspluralidades damanifestação.

IB: coração, representação da ener-gia vital que dá movimento ao corpofísico.

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coisas do mundo terreno; recebe a Luz Superior a partir dasua pequenez humana. É o Eu-mental, a consciência daexistência individual. Mas a imperfeição humana ainda asmantém unidas, uma próxima da outra, como se fossem irmãsgémeas. BA é o Lugar Escondido, a Câmara a partir de ondese espera a Ressurreição Espiritual.

6) Esta Ressurreição Espiritual representa-se por umPássaro - nas figuras tebanas mistura de andorinha e de fal-cão - e com cabeça humana. Em Mênfis era representada peloFénix ou Pássaro da Ressurreição. Um dos seus nomes, emTebas, é AKHU ou CHEYBI e simboliza a Intuição dasCoisas Sagradas. Numa chave é a Alma, a parte EspiritualLuminosa que origina a Magia Branca, a dos Prodígios, a dasSantidades. Tem a propriedade de poder pousar, tal como avemos no papiro, sobre o topo das coisas concretas e também,pela sua condição de pássaro, de deslocar-se e voar até àsalturas da Outra Terra, o Quadrado Mágico alumiado porAmon ou a Luz Espiritual. Essa Outra Terra é a Mansão dosBem-Aventurados, o Amen-Ti, literalmente A Terra de Amon,ou melhor, O País de Amon ou A Grande Casa de Amon queé perfeita e estável.

7) Finalmente está a grande figura da esquerda, àfrente da representação isíaca, a Grande Mãe: é o EspíritoOsirificado, ATMU ou SAHU. É o Homem com possibili-dade de recuperar a sua perdida estatura de Deus, de serOsíris-Ani, o Deus-Homem. É o Máximo Mistério, a CausaEspiritual do próprio Homem. É o que permanece invariávelatravés das reencarnações e das diferentes formas que aMagia Natural obriga o Homem a ter ao longo do seu cami-nho humano e cósmico.

No plano superior aparecem vários Deuses sentados nosseus Cubos Perfeitos, com os seus atributos, todos eles provi-dos do WAS ou bastão para andar no Invisível, que para os

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humanos é a “obscuridade”. Este bastão é um atributo rela-cionado com Anubis e está rematado com uma esquematiza-ção da sua cabeça; a sua base abre-se em duas partes que re-presentam as patas do Ganso, as que podem caminhar sobrea lama, vencer o barro do caos, os Inimigos, a Necessidade deAlimento.

Em Tebas, como em todo o Egipto, estes Sete Princípiosestavam também representados nas características gerais dosTemplos. E visto que os Templos eram simultaneamente asmansões dos Deuses e dos homens que queriam chegar nova-mente a ser Deuses, o esquema é semelhante. Os Temploscumpriam outra função nas suas secções mais externas; eramlugares de reunião dos paroquianos e, segundo as festivi-dades, variava a participação do povo.

Tentaremos deixar claro - ou pelo menos dar a nossa ver-são recolhida de fontes antigas e sem mais interpretações -que no Egipto, ao contrário do que hoje se crê, os Sacerdotes,fossem de grau que fossem e descontando as falhas humanasque sempre existiram, existem e existirão até ao final dotempo, não eram pais-opressores do povo mas sim Pais noverdadeiro sentido da palavra e no seu aspecto espiritual. Achamada “luta de classes” é uma invenção intelectualizadados séculos XVIII-XIX e que no XX converteu-se numdogma. Não existem as “classes”, existem as diferenças comoas que há entre uma criança, um ancião, um homem, umamulher. E de uma forma, que por ser humana há-de ser sem-pre imperfeita, existem o Amor e a Religiosidade, a MísticaViva que os relaciona a todos potenciando-os entre si. Para oEgipto, o Mundo não estava imóvel mas sim em movimentoe procurava-se que essa movimento fosse adiante, para cima,oferecendo a todos uma maior capacidade de cada um perce-ber o seu próprio Eu e fazendo com que todos participassemda melhor maneira nesta aventura maravilhosa e tragicómicaque é a vida na Terra.

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Quando um homem se ajoelhava ante um Sacerdote oupunha a fronte no pó diante de um Faraó não o fazia como pes-soas poderosas mas sim àquilo que representavam... ulterior-mente Deus, a Coroa Sagrada dos mesmos que se ajoelhavamou prostravam. Em tudo isso existia coisas que hoje já quase seesqueceram: Devoção, Humildade, Bondade, Amor.

Como entre os incas e tantos outros povos do passado, noEgipto “histórico” tudo o que se produzia dividia-se em trêspartes: uma para o próprio produtor, a outra para o Estado--Faraó e uma terceira para o Estado-Sacerdócio. O que nosimpacta primeiro é o facto de alguém poder viver com umterço do que produz... mas nos anos em que isto se escrevenão teria que espantar ninguém pois há milhões de homensque vivem comodamente sem produzir nada. Por outro ladonão é justo inventar pobrezas ao povo egípcio pois possuíamtudo o que fosse basicamente necessário, coisa que hoje nãopodem dizer cerca de mil milhões de pessoas. Mas quandochegavam os anos de seca ou as guerras de fronteira impedi-am os homens de semear ou colher a tempo... então, comopor arte mágica, conectavam-se enormes receptáculos deágua ao Nilo, ou repartia-se o acumulado no Celeiros deAmon. Assim, a anterior dádiva tinha-se convertido numaforma de aforro, salvo as riquezas empregues em obras públi-cas ou na manutenção dos mecanismos do Estado, coisa quetão pouco deve espantar demasiado os que vivem nos finaisdo século XX. Ao reafirmar que no Antigo Egipto não existi-am escravos queremos dar uma imagem mais aproximada darealidade do que a fantasia, mais ou menos “cinematográfi-ca”, que se tornou popular sobre a exploração feita por umaminoritária elite que aproveitava a superstição e ignorânciade um povo que obedecia rangendo os dentes e sonhandoreivindicações sociais. Lamentamos se estes esclarecimentosatingem as crenças de alguns leitores... mas é lógico que

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algum dia se diga às crianças que não nasceram de um repo-lho. As mentiras, às vezes necessárias, têm como todas ascoisas um tempo limitado de vida.

Não podemos usar em concreto um Templo para explicaro simbolismo das suas partes, pois as ampliações e asreparações que sofreram essas colossais obras através dosmilénios tornam-nas confusas para a simples observação queagora pretendemos, pelo que exemplificamos com um tem-plo-tipo de Tebas, simplificando as suas estruturas ao essen-cial e original.

O Templo, imagem do Universo nesta e noutras crenças,tinha deste modo sete partes fundamentais.

1) O Caminho de acesso, que às vezes é uma avenidaornada de esfinges e outras de carneiros solares ou de simplesmonólitos. Representam o físico, as coisas imóveis mas aten-tas que sugerem com a sua atitude o caminho que conduz aoTemplo propriamente dito.

2) O ou os Pilões: representam os pórticos que, aomesmo tempo, unem e separam o mundo humano do mundodivino. É o acesso ao Sacro, com os seus grandes planos quereflectem vitalmente a Luz Solar e os seus extensíssimos ga-lhardetes que flamejam no alto, em postes adossados aosmuros exteriores, como as línguas do Verbo que exprimem avida e o movimento incessante.

3) O Pátio aberto ao ar livre rodeado por numerosascolunas que contêm nas suas talhas e cores as diferentescenas da vida com as suas emoções, os seus triunfos e as suasderrotas.

4) A Sala Hipóstila, geralmente pequena e recolhida,com jogos de luz e sombras que exprimem a duplicidade deuma ponte entre o exterior e o interior. Ao fundo é fechadapor um muro com uma porta comparativamente estreita. Paraalém está o Mundo do Mistério.

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5) A Sala da Barca, onde efectivamente se guardavauma barca ritual, às vezes dentro de um templete brilhante depedras muito polidas. É o veículo para a mudança de dimensãopois já não aparecem as pesadas e volumosas grandezas davida manifestada. Decorada com figuras de Deuses, permitenavegar no Nilo Azul do Céu Estrelado. Estava frequentementevelada por cortinas semi-transparentes e em seu redor ardiamincenso e resinas várias nos piveteiros para dar a sensação deáguas voláteis impregnadas de magia e mistério. Na realidade,num lugar subterrâneo do Templo guardava-se outra barca,mas por agora não é ocasião de falar sobre ela.

6) Aquele que poderíamos chamar Santuário, lugar pos-terior, escondido, como uma cripta iniciática banhada pela LuzSolar. É o Lugar Santo onde se realizavam os RecônditosRitos. Como complemento, ao fundo e lateralmente tinhacapelas relacionadas com diferentes cerimónias, com a sacra-lização dos objectos consagrados e com os compromissos deServir a Deus. A partir daí, a Alma mesmo que estivesse encer-rada num corpo, ou melhor, nele aprisionada, elevava-se livree poderosa na plenitude da sua imortalidade consciente.

7) As Aberturas no tecto, geralmente tronco-cónicasnegativas, deixavam passar os raios do Sol em determinadosmomentos e tinham o poder, dado a sua colocação, de ilumi-nar em distintas horas as imagens de diferentes Deuses oulugares específicos no solo, tal como os trabalhos quemilénios mais tarde se fariam nos vitrais das catedrais góticaspara iluminar signos escondidos nos pisos.

Este esquema básico complementava-se com diferentescapelas e templetes. O Faraó e os seus dignitários nãoentravam no Templo pela porta de pilones mas sim pelolado esquerdo do Templo, directamente na Sala ou Pátiopara receber a devoção e carinho do seu povo sumido emreverente silêncio.

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Também existiam os subterrâneos e outros templetes nosterraços da parte posterior do Templo.

O Templo, geralmente, quando estava em harmonia comesta disposição tipicamente tebana, apresentava os seus tectoscada vez mais baixos à medida que se avançava, à seme-lhança da Caverna Primordial. Salvo os Sumos Sacerdotesque viviam nos subterrâneos, os Sacerdotes faziam-no emconstruções próximas do Templo, em habitações semelhantesa celas. Lagos sagrados, jardins encantados e obeliscos cober-tos no topo com “capas” de oricalco (electrum chamaram osgregos a esta liga que hoje nos parece impossível pelas suasproporções entre o ouro e a prata com mais algum metalultra-pesado) que deixavam ver mais abaixo do piramidoncertos hieróglifos, completavam o conjunto.

Os Templos, como as pessoas, viviam em famílias. Assim,estavam unidos uns aos outros por avenidas, como no caso doTemplo de Karnak com o chamado de Luxor, ou por “cami-nhos” na água do Nilo. Também existiam passadiços subter-râneos dos quais quase nenhum se conservou pois foram emgrande parte tapados pelos últimos Sacerdotes, e os restantespermaneceram sepultados entre os escombros ou sob asareias e aluviões de cascalho.

Visto que as casas eram de um só piso e excepcionalmentede dois e não tinham mais ornamentos exteriores, estes colos-sos arquitectónicos poderiam ser vistos de muito longe, comas suas pedras tão polidas e coloridas, os seus galhardetes eas suas portas de madeiras e materiais preciosos.

Está em projecto uma interpretação geodésica das loca-lizações das famílias de Templos egípcios tal como já se fezcom as dos mayas.

Outro elemento a referir são as Bibliotecas que também seencontravam nos Templos e nas suas dependências. Aí, empedras, tabuinhas e papiros guardavam-se não só histórias

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mas também meticulosos registos de todos os fenómenos na-turais. Os mesmos muros e tectos dos Templos costumamguardar enormes quantidades de dados astronómicos, históri-cos, teológicos, mágicos, etc.

Os papiros são relativamente tardios. Fabricavam-se arte-sanalmente a partir do talo de secção triangular de uma plan-ta, seleccionadas as suas fibras, macerando-as e entrecruzan-do-as até transformar o conjunto numa espécie de papelmuito forte e rugoso, óptimo para a escrita e o desenho a pin-cel fino. Ainda hoje, nos arredores do Cairo, mostra-se aquem queira vê-lo como se fabrica um papiro, no entanto osmodernos não competem em qualidade com os antigos,alguns dos quais, inclusive, estavam tratados com cera deabelhas e pó de talco finíssimo.

Os papiros mais importantes guardavam-se, inclusive emépocas da Biblioteca de Alexandria - como se comprovou noprimeiro incêndio - sob cobertores de um material incom-bustível que poderia ser fibra de pedra de asbesto. A própriaCleópatra chegou a queixar-se de que os seus antepassados(referia-se na realidade aos egípcios e não aos gregos) nãotinham protegido todos os papiros com essas capas pois se otivessem feito o incêndio não os teria afectado... Um segredomais que o Egipto levou consigo pois não chegaram até nósou não sabemos hoje reconhecer esses formidáveis protec-tores. E dos papiros ficaram milhares de fragmentos apesarde muito poucos inteiros ou que não tivessem sido reutiliza-dos em tempos muito tardios para as tarefas quotidianas decontabilidade e correspondência.

Julgamos necessário dizer que, relativamente aos antigospapiros importantes que se guardavam nos Templos, nãoservem para a sua leitura unicamente os variados tipos dehieróglifos (muitos dos quais não se podem ler) mas sim tam-bém as cores em que estão pintados. Também existiam

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numerosas chaves baseadas nas leituras de grupos salteadosou de progressão inversa. Mesmo nos simples selos dosescaravelhos existem frases e ensinamentos secretos com quese torturam, geralmente em vão, os especialistas.

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SENTIDO ESOTÉRICO DA MUMIFICAÇÃOE DAS OFERENDAS FUNERÁRIAS

Já antes abordámos este ponto muito sucintamente.Faremo-lo agora com maior amplitude.

A mumificação no Egipto não é um caso único na História;praticaram-na outros povos antigos ainda que com distintastécnicas. Também não é a mesma através dos séculos nopróprio Egipto e repetimos que, no início do que poderemoschamar “tempo histórico”, apenas se praticava nos corpossacralizados dos Faraós ou de Grandes Sacerdotes.

Renovamos igualmente a nossa afirmação de que, para osegípcios, a morte e a vida não eram mais do que duas facesde uma mesma moeda, como mais tarde dirá o refrão. Há umasó Vida... que desliza sobre os seus dois pés, a vida e amorte... para repetir o ciclo enquanto houver caminho a per-correr e no final fundir-se com a Alma do Mundo, o EspíritoSolar, Amon-Ra, onde mora o Rei do Mundo, no Cósmico:Osíris-o-que-tem-um-só-pé. Porque a primeira mumificação,segundo conta a tradição, fê-la o próprio Anubis - Deidadepré-histórica - sobre o cadáver de Osíris, morto e despedaça-do por Seth - a diferenciação - operação na qual colabora aMaga Ísis, Irmã-Esposa de Osíris. No entanto a parte sexual

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de Osíris não pôde ser encontrada (é esta a explicação de cer-tas mutilações encontradas em múmias) e é Horus o Maior, oGrande Pássaro do Espírito que a encontra e, levando-a nassuas garras, toca com uma asa o ombro da Virgem Ísis o quea deixa grávida de Horus o Menor. O falo de Osíris desapare-ceu no Nilo (identificou-se com o Rio), Horus o Maior voltouà sua morada cósmica e Ísis dotou o nascente filho (que comotodos os Filhos de Deus nasce de uma Virgem) com PoderesExtraordinários para unir a Terra e o Céu, segundo o sentidodo próprio nome de Ísis: Degrau-degrau, ou seja, Escada.Horus o Menor combate o assassino do seu Pai - por sua vezirmão de Osíris - Seth; fá-lo retroceder e esconder-se nos pân-tanos sob a forma de Sebeck, o Deus-Crocodilo. Horus perdeum olho no combate mas esse olho adquire vida própria eserá daí em diante Uadjed, o Olho Protector com a sua eternalágrima de compaixão pelos viventes.

Este Rito Mistérico seria depois reproduzido na Terra.O corpo do Faraó, Príncipe, Princesa, Sacerdote ou per-

sonagem que morria era submetido, através dos ritos queajudavam a sua Alma “colocando-a” às vezes dentro de umaestatueta ou de uma vaso (virá daí o conto do Génio encerra-do numa garrafa de origem árabe?), a um longo e muito com-plexo processo que não interessa aqui relatar em detalhe.Habilmente recebia lavagens rituais ao mesmo tempo queanti-sépticos, exteriores e interiores, através de todos osorifícios excepto pela boca, pelo dois olhos e pelos doisouvidos. Através do nariz, levantada com toda a perícia aparte carnosa, extraía-se a pouco e pouco o cérebro com umaespécie de gancho. Do ventre, pela parte esquerda, tiravam--se as vísceras incluindo o coração e os pulmões. Apósmuitos banhos e tratamentos, os restos extraídos, perfeita-mente limpos e submersos em essências aromáticas, intro-duziam-se em quatro vasos chamados canópicos pelos gre-

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gos cujas tampas representam os quatro Filhos de Horus (osQuatro Elementos, as Quatro Forças): um com cabeça deChacal, Duamutef; outro com cabeça de Pássaro, Quebsenuf;outro com cabeça de Mono do tipo Cinocéfalo, Hapi; e oúltimo com cabeça Humana, Amset. Este último, em finaisdo Reino Novo, costumava representar a pessoa morta, talcomo a peça nº 3610 do Museu do Cairo encontrada natumba de Tutankhamon, cujo rosto está provavelmente adap-tado para Smenkarhé visto que nessa tumba se acumularam,por motivos que veremos, muitos objectos que não tinhamconexão directa com o Faraó enterrado.

Estes quatro vasos colocavam-se numa arqueta especialque os mantinha verticais e separados. O morto, como Ra, erasecundado por cinco Génios, quatro encerrados nos vasos e oque no féretro se fixava à múmia. O sexto Génio, relaciona-do com Osíris, era o “Duplo”, o Ka, a escapar do encerroatravés da porta falsa da tumba, às vezes potenciada porescritos; e num caso, pessoalmente comprovado, com frag-mentos altamente magnéticos de um aerólito. O sétimo Génioera o mais esotérico, jamais era nomeado e tinha uma missãoespecífica no Peso do Coração.

O corpo assim preparado vendava-se muito cuidadosa-mente com faixas de linho real incrivelmente longas entre-cruzadas cerimonialmente. Sobre elas e em dois capuchos emortalhas de rede cerâmica colocavam-se frases mágicas eamuletos para evitar que o corpo seguisse a Alma. A suasduas pernas eram por fim atadas como se fossem uma, adop-tando a posição osiriana. A pele das palmas dos pés era reti-rada e substituída por sandálias de papiro ou de linho real, àsvezes com olhos para que não desse nenhum passo em falsonem voltasse a andar na Terra. O coração carnal substituía-sepor um de cerâmica, de pedra ou outro material consagradopara que aí existisse um símbolo não carnal de ressurreição.

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ia colocada em pé para a oferta de água, que era um

a parte da cerimónia da Abertura da Boca. Túm

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Os braços cruzavam-se em diversas posições consoante ograu, sexo e época em que tivesse sido feito o embalsama-mento que, como a palavra indica, é apenas “introduzir embálsamos”.

O facto da pessoa defunta levar no seu corpo signos deressurreição e que ao seu lado se colocassem armas, móveis,comidas e bebidas criou a falsa imagem de que os egípciospreparavam o corpo para que, chegado o Dia Final, se levan-tasse como um robot e gozasse dos prazeres da vida carnal.Tal concepção teria horrorizado os egípcios: ao povo pela suasuperstição e aos Sacerdotes pela sua sabedoria. Somentenuma forma cultural materialista como a que nós estamos aviver se pode pretender hibernar a velhos doentes com aesperança de, uma vez descobertos os remédios para os seusmales, trazê-los de novo a uma vida completamentedesconectada do seu meio natural e além disso efémera.Também não acolhiam a crença dos cristãos numa ressur-reição da carne pois a sua profunda observação da Naturezatinha-os ensinado a lei dos ciclos e as renovações ou reencar-nações de uma mesma Alma através de veículos carnaisnovos, sãos e jovens.

Este ritual, feito na Terra, tinha a missão de reflectir-sena Outra Terra ou Amenti. As suas formas mentais não setinham limitado apenas a plasmar Templos e Caminhosnesta Terra mas sim também na outra, como podemos vernos Planos do Amenti reproduzidos em tantos féretros e nosseus Livros Sagrados nos quais se dão conselhos para que aAlma possa passar os portais da adversidade nesta e naoutra vida.

Como exemplo para esta vida extraímos a formidávelConfissão negativa, um monumento de guia espiritual paraqualquer Aspirante à Realização.

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A CONFISSÃO NEGATIVA (Papiro Nu)

Salve, Deus grande, Senhor da Verdade e da Justiça,Amo poderoso: cheguei até ti.Permite-me contemplar a tua radiante beleza!Sei o teu Nome mágico e também o das quarenta e duas

Dignidades(1)que te rodeiam na grande Sala da Verdade-Justiça;o dia em que se presta contas dos pecados ante Osíris;o sangue dos pecadores serve-lhe de alimento.O Teu Nome é: “O-Senhor-da-Ordem-do-Universo--cujos-dois-Olhos-são-as-duas-Deusas-irmãs”.(2)É assim que eu trago no meu Coração a Verdade e a

Justiça,porque dele retirei todo o Mal...Eu não fiz mal aos homens.Eu não empreguei a violência com os meus parentes.Eu não substituí a Justiça pela Injustiça.Eu não frequentei os maus.Eu não cometi crimes.Eu não fiz trabalhar em excesso para o meu benefício.Eu não intriguei por ambição.Eu não dei maus-tratos aos meus servidores.Eu não blasfemei os Deuses.Eu não privei o pobre do seu alimento.Não cometi actos execrados pelos Deuses.Eu não permiti que um amo maltratasse o seu criado.Eu não fiz sofrer outrem.Eu não provoquei a fome.Não fiz chorar os homens, meus semelhantes.(1) As quarenta e duas Divindades integravam o Jurado quando uma

alma era julgada ante Osíris. Noutro aspecto são “os 99 Nomes”.(2) Ísis-Nephtis e noutra chave Nur-Nut (há mais cinco chaves sobre o

mesmo tema).

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Eu não matei nem mandei matar.Eu não provoquei doenças entre os homens.Eu não subtraí as oferendas dos Templos.Eu não roubei os pães dos Deuses.Eu não me apoderei das oferendas destinadas aos

Espíritos santificados.Eu não cometi acções vergonhosas no recinto sagrado dos

Templos.Eu não diminuí a porção das oferendas.Eu não procurei aumentar os meus domínios utilizando meios ilícitos nem usurpando os campos dos outros.Eu não manipulei os pesos da balança nem a sua haste.Eu não tirei o leite da boca da criança.Eu não me apoderei do gado nos campos.Eu não apanhei com o laço as aves que estavam destinadas

aos Deuses.Eu não pesquei peixes com peixes mortos.Eu não pus obstáculos às águas que deviam correr.Eu não apaguei no fogo no momento em que devia arder.Eu não violei as regras das oferendas de carne.Eu não me apoderei do gado que pertencia aos Templos

dos Deuses.Eu não impedi que um Deus se manifestasse.Eu Sou puro! Sou puro! Sou puro! Sou puro!Fui purificado tal como o grande Fénix de Heracleópolis.Porque eu sou o Senhor da Respiração que dá vida a todos os Iniciados no solene dia em que o Olho de Horus, na presença do Senhor divino desta Terra, culmina em Heliópolis.Já que vi culminar em Heliópolis o Olho de Horus, não me sucederá nenhum mal nesta Região, oh Deuses!,

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nem tão pouco na vossa Sala da Verdade-Justiça.Porque eu sei o Nome dos Deuses que rodeiam Maat,a grande divindade da Verdade-Justiça.

E para a Alma, os seguintes fragmentos do mesmo livrocomummente chamado Dos Mortos, que se combina com oDas Portas.

A SAÍDA DA ALMA PARA A LUZ DO DIA

As Portas do Céu abrem-se para mime as Portas da Terra já não impedem o meu passo...Tirai os Ferrolhos do Portal de Keb!(1)Deixa-me entrar na Primeira Região!Certamente, os braços invisíveis que me rodeavam e me protegiam na Terrae que guiavam os meus passosafastaram-se de mim.(2)A região dos Canais e das Correntes mostra-se ao meu

olhare posso percorrê-la a meu gosto...Certamente, sou o Amo do meu Coração “ib”(3)e do meu Coração “hati”.O Amo dos meus braços, das minhas pernas, da minha

boca,

(1) Keb, Deus da Terra, tem um papel importante no Mais Além pro-tegendo os primeiros passos do defunto.

(2) Alusão à liberdade e responsabilidade assumida pelo Iniciado. (3) “Hati” é o passado, o Karma fixo, o coração físico, a vida subcons-

ciente e instintiva. O destino futuro, a possibilidade, é “ib”,coração consciente, cheio de aspirações e desejos, onde reside avontade lúcida e a consciência moral.

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o Amo de todo o meu Corpo,o Amo das oferendas sepulcrais,o Amo da Água, do Ar, dos Canais, dos Rios,o Amo da Terra e dos seus Sulcos,o Amo dos Seres mágicos(1) que obrarão para mim no Mundo Inferior.Eu tenho total podersobre tudo quanto podia ser-me ordenado na Terra.Oh vós, Espíritos divinos!Haveis pronunciado ante mim estas palavras?:“Que participe na Vida eternacomungando com o Pão consagrado de Keb!”Apartai de mim as coisas que detesto!O meu Pão de comunhão será feito com Trigo branco, (2) a minha bebida de comunhão será extraída do Trigo

vermelho,viverei no lugar puro e santificado,debaixo dos ramos da Palmeira,árvore sagrada de Hathor, princesa do Disco Solar.Ei-la aqui que se dirige a Heliópolis (3)com o Livro das divinas Palavras de Thot (4) nos seus

braços.Certamente, eu sou o Amo do meu Coração “ib”e do meu Coração “hati”,(1) Figurinhas encontradas nas tumbas com forma de homens, animais,

etc., conhecidas pelo nome de ushapti (“os que respondem àschamadas”). Por meio da magia encarregavam-se de todos os tra-balhos impostos ao defunto no Mais Além, no Mundo Inferior.

(2) A comunhão das duas espécies (sólida e liquida) expressava-seatravés dos símbolos das cores correspondentes ao Sol (vermelho)e à Lua (branco).

(3) As indicações dos lugares geográficos não se referem ao conheci-do Egipto terrestre mas sim aos seus protótipos no Mais Além deonde se reflectem.

(4) Deus da Palavra criadora e mágica (Logos) e também da Palavraescrita.

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O Amo dos meus braços, das minhas pernas, e da minha boca,

o Amo da Água, dos Canais e dos Rios,o Amo dos Seres mágicos que obram para mim no Mundo

Inferior.Tenho eu total podersobre tudo quanto poderia ser-me ordenadotanto na Terra como no Mundo Inferior.Se se me coloca à direita, dirijo-me à esquerda;Se se me coloca à esquerda, dirijo-me à direita.Sentado ou de pé, suspiro mediante o Hálito vivificante do

Ar.Certamente, a minha Boca e a minha Língua... Eis aqui os

meus guias! (1)

A esperança, o anseio máximo da Alma era, evidente-mente, não retornar à Terra por um muito longo tempo aindaque se soubesse que, excepto para os Seres Superiores, oregresso era inexorável pois a Alma não estava suficiente-mente aperfeiçoada para converter-se em Pura Luz Espiritual.

As oferendas, fossem de que género fossem, não eramcolocadas para a sua utilização física. Como os egípciosacreditavam que todas as coisas tinham um Duplo, colo-cavam-se para que os seus Duplos acompanhassem a Alma elhe servissem no longo Caminho que, à semelhança do SolSubterrâneo, ou melhor Oculto, devia realizar nas trevas. Porisso, durante os cortejos funerários e durante as preparaçõespsicopômpicas, efectuavam-se oferendas à Alma em formade comidas que, na sua parte material, eram logo

(1) A boca e a língua (também a laringe) são os órgãos da Palavra má-gica, instrumento aperfeiçoado e legado por Thot; é a arma de com-bate, por excelência, do defunto.

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aproveitadas pelos próprios assistentes, como numaComunhão. Apenas não se tocava no que se guardava na parteinacessível das tumbas. Mas sabemos que nos Templosfunerários e nas complexas tumbas do Vale dos Mortos daOutra Tebas, os Sacerdotes da Corporação de Anubis organi-zavam procissões com oferendas de flores, perfumes,bebidas, comidas e cânticos para os Faraós mumificados,usando as primeiras câmaras como se fossem Templos. Umavez cumprida a cerimónia, retiravam-se os objectos materiaisque se consideravam “descarregados” do seu duplo edestruíam-nos ritualmente enterrando-os nuns poços perto(os actuais arqueólogos encontraram vários deles) ou, se fos-sem víveres, ofereciam-nos àqueles que tinham participadona procissão e aos esforçados guardiães do Vale. Apesar dacuidadosa recolha de “prendas” para a Alma, cujo corpojazia no fundo do longo corredor funerário, os primeirosarqueólogos encontraram ainda pequenos testemunhos,sendo os mais emocionantes umas pequenas coroas de floresà maneira das que ainda usam os muçulmanos nasFestividades Sagradas do Ramadão.

Enquanto às litanias e encantamentos de que se serviam osSacerdotes nos Festivais Funerários, ou sobre a instrução quepossuíam sobre o que ocorre à Alma quando desencarna,perdeu-se quase tudo; quer por ocultação voluntária do que seconsiderava sagrado e secreto, quer pela necedade humanaque chegou ao ponto de aquecer as termas de Alexandria, porexemplo, fazendo fogo com milhões de papiros. Algo nosficou, como pudemos ver, sobre a passagem simbólica daAlma-Sol pelas Doze Portas ou horas nocturnas. Isto estáreflectido, para citar apenas o que nos é de fácil acesso, nochamado Livro dos Mortos, Da Oculta Morada ou Do Aduat,com instruções para esta e para a outra vida, sinalização dasrotas ocultas, etc., conhecido a partir da época de Tutmosis I.

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O Livro das Portas que instrui sobre como passar através dosDoze Portais conhece-se desde Horemheb. Além disso exis-tem o Livro das Litanias ao Sol onde o Deus-Sol é invocadosob setenta e cinco nomes diferentes; e o Livro da Aberturada Boca que descreve operações mágicas sobre a estátua e ocorpo de uma pessoa falecida.

Estes Livros, que são os principais no momento em queisto escrevemos, apenas são conhecidos por versões da épocado Império Novo e ainda mais tardias. Nada sabemos de ou-tras versões anteriores, salvo por troços de papiros que, geral-mente, os especialistas não conseguem nem sequer relacionarcom Os Livros. De qualquer forma o secreto continuarásendo-o e é bom recordar que as principais chaves jamaisforam escritas passando da boca do Iniciador ao ouvido doIniciado. Ou, quanto muito, sob efémeras séries de figurasgeométricas de uma Linguagem Universal e algumas destasformas foram recolhidas pelos hieróglifos de escrita hierática.

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SIGNIFICADO OCULTO DOSSARCÓFAGOS

Sob o nome genérico de sarcófago o simples apaixonadodo Antigo Egipto costuma designar indistintamente aquiloque os especialistas costumam diferenciar.

Na verdade, esta denominação tem origem grega e signifi-ca “comedor de carne”, quer porque a observação demons-trara a esse curioso povo que um cadáver depositado numacaixa costuma ficar em ossos em poucos anos, quer porquenaquele tempo acreditava-se na existência de uma determina-da pedra de origem asiática que tinha a particularidade deconsumir a carne, e no caso das caixas funerárias, a humana.

Assim, no caso egípcio, teríamos que chamar sarcófagoapenas ao féretro que usualmente estava em contacto directocom a múmia. Nos casos de enterramentos sumptuosos, esteféretro estava perfeitamente encaixado em várias caixas quese encastravam umas nas outras. Dito féretro costumava serde madeira e ainda de cartão grosso nos tempos tardios.Apenas a caixa mais externa era de pedra e já não mantinhaforma humana mas sim tendendo para uma forma quadrangu-lar. Em casos excepcionais, por exemplo de Faraós, costuma-va-se encaixar o féretro noutros maiores e, no final, todo oconjunto numa ou várias capelas.

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Câm

ara funerária do hipogeu de Tutankhamon. XVIII D

inastia.

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Em casos mais raros, que infelizmente ainda não chama-ram devidamente a atenção dos arqueólogos, o féretro era demetal, não forçosamente ouro como no caso deTutankhamon, mas sim no que os gregos chamaram electrum.Uma destas esotéricas caixas acaba de receber um lugardigno e resguardado no Museu do Cairo depois de estar muitotempo misturada com objectos de menor valor. A sua formanão é exactamente humana mas sim uma misteriosa combi-nação entre os aspectos sacramentais do Falcão Horus e ahumana. Tinham pertencido a Grandes Sacerdotes e estavammuito especialmente preparadas, pelo que o seu manejo deveser esmerado e cuidadoso, evitando tudo aquilo que possadiminuir ou ameaçar a Forma Mágica plasmada na ligametálica. É provável que a muitos leitores isto lhes soe asuperstição e lhes pareça impróprio do trabalho de um univer-sitário; mas somos nós, precisamente, os universitários quesabemos, se nos despojarmos das inúteis vaidades, o poucoou nada que as Universidades do século XX ensinam sobreestas coisas. Não nos devemos escandalizar nem perder ooptimismo. Também as Universidades antes do século XVnão ensinavam que a Terra era redonda, nem que se traslada-va à volta do Sol antes do século XVII, nem que os fenó-menos parapsicológicos são reais antes do século XX. Comocorrer do tempo também se tomarão como boas muitascoisas que hoje se depreciam ou se negam sem a suficientefundamentação, pelo simples facto de não dar cabimento aqualquer hipótese contrária à moda.

Se para simplificar tomamos o exemplo de um féretro oude um sarcófago antropomorfo veremos que está normal-mente recoberto, tanto externa como internamente, dehieróglifos e signos mágicos. Por dentro abundam as repre-sentações dos Deuses, especialmente da Mãe Nut, Senhora doCéu Estrelado e da Luz na Obscuridade; as suas piedosas asas

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- que a relacionam com a Alma-andorinha - estão colocadas demodo a que, ao fechar a caixa, a múmia fique entre elas.Outras vezes, como no caso do famoso sarcófago de alabastrotransportado a Londres por Belzoni, a figura da Deusa apareceno fundo para que a múmia descanse sobre Ela.

O féretro ou sarcófago é como uma nave para sulcar osespaços psíquicos que separam a vida da morte. É uma caixade protecção contra os ventos do chamado pelos actuais“ocultistas” Mundo Astral, evitando o contacto com larvas emaus espíritos. Devemos considerar que para os egípcios,assim como para os esoteristas de todas as épocas, a Almaenquanto é humana não se separa facilmente do corpo físiconem do conjunto de sensações, afectos, recordações, entu-siasmos e desditas que a vida terrestre pôde engendrar; énecessário ajudá-la a elevar-se com o fim de evitar-lhe, namedida do possível, dores e trabalhos. Nessa Oculta Ciênciatinham-se especializado os Sacerdotes de Tebas.

Que uma pessoa culta e inteligente não entenda nemacredite necessários os planos do Aduat que se desenharamno fundo dos féretros e sarcófagos não tem nada de estranho.Se de alguma ignorada forma pudéssemos trazer ao séculoXX uma pessoa culta e inteligente do Egipto que temos vindoa referir e lhe mostrássemos um circuito impresso de umrádio-transistor, também nada entenderia; se depois opuséssemos a tocar, acreditaria que mantínhamos músicosescondidos atrás de alguma falsa porta... Da mesma forma,muitos fenómenos “estranhos” que ocorrem nos Museus rela-cionados com múmias e estátuas atribuem-se hoje a alte-rações violentas da temperatura, picadas de mosquitos,jamais descobertos venenos que impregnavam os objectos oua microorganismos indeterminados. Acreditamos honrada-mente que vale a pena fazer um esforço eclético e sem pre-conceitos, neste como em tantos outros temas, se com ele

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aumentamos as nossas possibilidades de aceder à verdadepara além das inevitáveis alienações que qualquer época, anossa ou outra, encerram.

É muito provável, a julgar por achados isolados - inclusiveno mercado clandestino de antiguidades - que os antigosFaraós, Príncipes e Sacerdotes, sem descontar os altos fun-cionários do Estado, receberam ritos funerários de extremacomplexidade e baseados em preciosas construções, querpela sua arte ou pelos elementos com que estavam realizados.Mas os saques já ocorridos em pleno Império Novo e osdespojos que sofreram as tumbas às mãos de estrangeiros ebandidos do deserto, não mais nos deixaram que um exem-plo, ainda que extraordinário, dos esplendores funeráriosdaqueles tempos. Referimo-nos, pois, à descoberta por Carter(nos inícios dos anos vinte e financiado pelo infeliz LordCarnavon) do enterramento de Tutankhamon.

Este Faraó da XVIII Dinastia governou pouco mais de dezanos, depois da desastrosa experiência de Akhenaton e suatirânica ordem de adorar, não a um Deus único como preten-dem alguns dos seus defensores, mas sim a uma das formasdo Deus-Sol, Aton, colocando fora da lei os Mistériosmilenários que nesse então se apoiavam nos Iniciados deAmon, de Tebas. Amenofis, (Amon-está-contente) IV, que aosurgir a sua loucura religiosa se fez chamar Akhenaton(Espírito-de-Aton), abandonou Tebas com toda a sua corte atéuma cidade que começou a construir em Tel-El-Amarna.

O certo é que Akhenaton não reinava sozinho mas sim quetinha a seu lado um co-regente que suscitou um enigmahistórico. Chamava-se Smenkarhé e vivia tão inseparável doFaraó que muitos opinam que Nefertiti era apenas um símbo-lo oficial. Hoje, tendo-se descoberto o enterramento deSmenkarhé e não o de Nefertiti, há investigadores quechegam a duvidar que a Imperatriz, cujo busto real ou atribuí-

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Disposição dos ataúdes e capelas do túmulo de Tutankhamon.

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do é famoso pela sua estilizada beleza, tenha existido.Encontramo-nos perante uma versão milenar do que hoje sedenomina vulgarmente por “travesti”? O certo é que a múmiade Smenkarhé foi colocada em postura feminina e com atri-butos femininos, ainda que os estudos anatómicos confirmemque se trata dos despojos de um moço.

Seja qual for o detalhe íntimo, em tempos de grandesanomalias o menino Tutankhaton (imagem vivente de Aton)sucedeu no trono da Dupla Coroa ao seu enlouquecido paiadoptivo que foi provavelmente envenenado ou que se suici-dou bebendo vinho empeçonhado. Sob a tutela dos repostosSacerdotes de Tebas que contavam com o apoio do povo,mudou o seu nome para o que hoje conhecemos. Morreu deforma repentina pois teve que ser enterrado numa tumbasecundária preparada para um funcionário chamado Ai(Olho) e discute-se sobre se deixou filhos. Foi precedido,aparentemente durante muito pouco tempo, porAnkhkheperure Smenkahra e sucedido, também fugazmente,pelo mencionado Kheperpherure Ai. Mas nada sabemos comcerteza até ao advento do caudilho chamado DjeserepheruraHoremheb, que foi quem reordenou o Egipto e abriu-lhe ca-minho à sua última etapa de esplendor com os Raméssidas.

A tumba de Tutankhamon é tão pequena que os desprendi-mentos aluviais taparam a sua boca em menos de um séculode construção. Não sabemos tão pouco se o jovem Faraó rea-lizou alguma proeza; mas os Sacerdotes de Tebas quiseram,através dele, restaurar com todo o esplendor o seu PoderEspiritual ao mesmo tempo que o super-protegeram num ver-dadeiro alarde de riqueza e de conhecimentos mágicos. Aacumulação de objectos de diferentes épocas e naturezasdemonstra que não se trata de um enterramento “normal” e oenigmático Destino quis que chegasse até nós praticamenteintacta; pois os saqueadores ou últimas hordas revolu-

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cionárias apenas puderam penetrar no corredor e na primeirasala. Talvez a inesperada quantidade de objectos os demo-rasse e alguma patrulha da “Polícia do Vale” os tenha sur-preendido, repondo as coisas rapidamente e chamando umSacerdote de Anubis para que colocasse os Selos do Chacalsobre os falsos muros que às vezes faziam de portas.

A Carter devemos, com o duvidoso financiamento de LordCarnavon (este dedicava-se, entre outras coisas, ao tráfico ile-gal de antiguidades: as mais pequenas apreciava convertê-lasem jóias modernamente engranzadas antes de vendê-las ouconservá-las) e também por o achado ter sido num bommomento económico e psicológico mundial, o facto de tantostesouros terem chegado a ser expostos no Museu do Cairo, edepois em muitos outros países, com muito pouca perda.

Deste achado surgiu uma estranha lenda negra, que aquinão vem ao caso detalhar, que começa com a morte de LordCarnavon no Cairo à mesma hora que o seu cão preferido naGrã-Bretanha; lenda que ainda não terminou pois o mais oumenos subconsciente pavor que despertou o chamadoTesouro de Tutankhamon impediu a correcta manutenção demuitos objectos. Inclusive a múmia do jovem Imperador nãoestá, como as outras encontradas, na Câmara das Múmias doMuseu do Cairo mas sim foi trasladada para a sua tumba ori-ginal junto ao sarcófago exterior que a recobre e também aoféretro exterior que o turista apenas consegue ver através deespelhos às vezes cedidos por alguns guardas árabes... quejamais passam para o interior. É a única múmia conhecidaque repousa no Vale dos Mortos de Tebas, entre as suas pare-des pintadas, rápida mas belamente, num estilo que reflecteainda certas deformações da arte de Amarna.

No desenho adjunto podemos ver como estavam encastra-dos entre si e, por sua vez, estes nas capelas. Carter e oshábeis ajudantes tiveram enormes dificuldades para mani-

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Howard Carter trabalhando no túmulo de Tutankhamon.

Capelas e sarcófagos contendo a múmia de Tutankhamon.

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pulá-los num espaço tão reduzido. Mas os artesãos do AntigoEgipto tinham deixado valiosas inscrições e marcas nosencaixes... inexplicáveis se não se tivesse previsto que odescomunal puzzle iria ser desmontado e voltado a armar.

Todas as obras são maravilhosas pelo seu simbolismo,arte, artesanato e acabamento, assim como pelos materiaisempregues, entre eles o ouro como em nenhum outro casoconhecido. Claro que a adaga “favorita” do Faraó tinha folhade ferro meteórico... mas isso é parte de uma valorizaçãomágica que ao observador actual lhe parecerá absurda (aindaque os E.U.A. tenham presenteado muitos Chefes de Estadoamigos com um pedacito de pedra lunar).

No nosso presente trabalho podemos unicamente mostrara harmonia cósmica que reflectem os sarcófagos ou como selhes chame já que, por serem atípicos, escapam à classifi-cação erudita.

Se bem que nos enterramentos típicos de outros Faraóshavia que introduzir na Câmara da Ressurreição - para lá devários corredores e criptas - a quantidade de quatro capelas etrês ataúdes, ou pelo menos um sarcófago, um ataúde e amúmia propriamente dita, isto não ocorre com o recheiofunerário de Tutankhamon. Em parte por ter sido, como jádissemos, enterrado apressadamente numa tumba muitopequena e por outro lado pelas circunstâncias político-reli-giosas singulares que o Império atravessava, que fizeram comque sobre ele recaíssem complicações ritualistas cujo signifi-cado escapa-se-nos.

Os continentes da múmia estavam assim dispostos:1) Uma enorme capela de madeira revestida de

estuque e ouro martelado sobre símbolos mágicos em relevo.2) Outra semelhante que encaixava na primeira. Há

alusão à Barca de Milhões de Anos, ou seja, o Sol que leva osBem-Aventurados.

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3) Outra semelhante que encaixava dentro da segunda.4) Esta capela é sensivelmente mais pequena e sóbria.Estas quatro estão normalmente depositadas no Museu do

Cairo. É provável que representem os Quatro Elementos ouDimensões Cósmicas.

5) Dentro da última capela encontrava-se o preciososarcófago de quartzite avermelhada com as suas esquinascustodiadas por Quatro Deusas aladas relacionadas nos seusperfeitos alto-relevos com as Quatro Guardiãs das Esquinas ecom o Olho de Horus, Protector. É a que hoje está na tumbamas a sua tampa, originalmente de granito de Tebas, foi subs-tituída por um grosso vidro protector. A tampa original estátambém no Museu do Cairo. Uma cama dourada funeráriaestava no interior e custa a entender como suportou durantetanto tempo o enorme peso que tinha em cima.

6) No primeiro ataúde propriamente dito, de madeiradourada, devemo-nos deter num detalhe: pela primeira vezaparece o rosto do Faraó representado de maneira austera.Permanece na tumba de Tebas.

7) No segundo ataúde, também de madeira laminada aouro, o rosto tem uma expressão menos rígida.

8) O primeiro ataúde, composto de ouro puro, tem umpeso superior aos 200 kg, já que se utilizou esse metal parauma moldagem maciça que frequentemente supera os 2 cmde espessura. Tem incrustações de pedras semi-preciosas,pasta de vidro e pequenas quantidades de outros metais. Orosto aparece muito mais doce e tranquilo. Inclusive parecede uma pessoa mais jovem. Dissimuladamente tem empu-nhaduras para manejá-lo e levantar a sua tampa.

9) A múmia foi encontrada completamente deteriora-da e em pedaços por efeito dos unguentos e resinas que prati-camente a tinham carbonizado, coisa que avaliza a teoria deque não se procurou preservá-la mas sim de purificá-la.

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10) Outro objecto importante é a máscara oucapacete de ouro de confecção parecida ou, se se quiser, aindamais fina do que a do ataúde de ouro; tem as suas própriascaracterísticas e no rosto nota-se um sorriso e feições muitojuvenis. Se passamos a vista rapidamente desde o primeiroataúde até à máscara parecer-nos-á que o Faraó sorri e se reju-venesce, tendo este efeito, muito habilmente conseguido, umclaro sentido espiritual que coincide com as crenças egípciasde que a morte oferece a oportunidade de enobrecer a Alma efazê-la continuamente jovem.

A destroçada múmia estava guarnecida de muitíssimosobjectos rituais, amuletos, manoplas, anéis, colares, estatue-tas que representam a Alma-andorinha...

Encontraram-se peças de tecidos à maneira de véus, comoo branco que cobria a grande imagem de Anubis sobre aCaixa do Mistério. Mas apenas se teve tempo de fotografá-lasporque se desfizeram em contacto com o ar em movimento,ainda que não saibamos se todos pois, por incrível quepareça, não existe inventário detalhado dos objectos, salvo alista feita pelo próprio Carter e que também não foi conve-nientemente estudada. Os véus que cobriam ou envolviamalguns féretros eram de cor negra, embora saibamos quantopodem mudar os pigmentos. Salvo o linho na sua cor naturalbranco-leitoso, todas as outras cores possivelmente variaram.

Não nos cabe destacar a grande quantidade de pregos,cabos, placas de metais preciosos que tornavam possíveis osencaixes. Antes sim que em muitos cartuchos onde se lê onome de Tutankhamon verifica-se que foram retocados, o queconfirma a reutilização de muitos objectos, além da própriatumba que se acredita ter sido rapidamente ampliada para darguarida aos tesouros. Ainda que não se pudesse efectuar umenterramento de um Faraó antes dos sete meses, aproximada-mente, do Ciclo Shotérico é lícito pensar que os Sacerdotes

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Cofre para vasos canópicos, em alabastro. Tumba de Tutankhamon. XVIII Dinastia,1333 - 1323 a.C.

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de Anubis deitado sobre os Nove Inimigos não excederamesse lapso mínimo. No entanto não se esqueceram de colocardebaixo das, de certa forma, atípicas pinturas das paredes, osamuletos e os metais sagrados assim como os desenhos que--se-vêem-na-obscuridade, à maneira de todas as criptas rela-cionadas com a Sabedoria Tradicional.

É de destacar a grande quantidade de maquetas de barcasque se encontraram na tumba, desde uma que mais não é queum engenhoso brinquedo, provavelmente propriedade doFaraó quando era menino, confeccionada em alabastro sobreum receptáculo que, enchendo-se de água, dá a sensação deque a barquita está flutuando conduzida por dois anões, até ou-tras que pertencem ao Ritual Mágico. Estudados os seus instru-mentos, sabemos que as havia para navegar Nilo acima, contrao fluir da corrente, e também para deixar-se levar por ela. Claroestá que não se referiam ao rio físico mas ao seu Duplo lumi-noso que cruzava as terras do Egipto Oculto, o Amenti.

O outro objecto ritual de ferro, neste caso não sabemos semeteórico ou não, é um pequeno “apoia-cabeças” precisamentecolocado. De resto havia coisas exóticas e desconcertantescomo vasos de alabastro com figuras gravadas no interior queapenas são visíveis quando se acende uma lâmpada ou umavela dentro. Estas imagens do Homem que ao acender a suaLuz Espiritual torna-se transparente e mostram os seus poderesescondidos, os seus Deuses interiores, fizeram com que ofamoso Osbert Lancaster dissesse que o conteúdo da tumbafazia-o recordar “a venda dos objectos pessoais de umacoquete do Segundo Império sustentada por um judeu comgostos de antiquário”... Razão tinha Jesus quando recomenda-va não atirar pérolas aos porcos. Mas os actuais meios decomunicação tornam isto inevitável e os “especialistas” costu-mam ser os mais aberrantes intérpretes de um passado que osdesconcerta e como, por vaidade, não podem reconhecer a sua

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ignorância escarnecem desse passado em termos às vezes nemsequer aproximados à verdade objectiva.

Carter, exemplo do oposto, isto é, um bom arqueólogo eum bom homem, trabalhou desde 1922 até 1929 extraindocuidadosamente todos os objectos com uma equipa de restau-radores e especialistas que embalaram tudo o que foi regista-do e enviaram-no ao Cairo. Os grandes féretros foramtrasladados à capital egípcia em 1931. Carter, já ancião, mor-reu em Londres em 1939.

Com ele terminaram as grandes epopeias arqueológicasno Egipto. O mundo mudou, empobreceu-se, fragmentou-see já quase não restou força económica para dedicar à investi-gação profunda do passado.

Os vulgarmente chamados sarcófagos egípcios, sejacomo for, somam-se milhares e estão em todas as partes domundo, provenientes daquelas velhas escavações do séculoXIX e primeira metade do XX, na sua quase totalidade. Semsaber exactamente porquê, as pessoas amantes do passadoresguardam-nos e sentem por eles uma estranha fascinação.Nos grandes Museus as pessoas andam quase em bico-de--pés nas salas dedicadas ao Egipto e detêm-se ante as miste-riosas naves, absortas, maravilhosamente ignorantes,calorosamente humanas.

Nos seus Duplos luminosos, os seus antigos donos terãonavegado milhares de anos na Luz Astral e a sua finalidade jáestá consumada. Mas, neste momento histórico dessacraliza-do, ainda nos atraem como uma antítese puramente espiritu-al, bela, mágica e ingénua na qual intuímos o mistério donosso próprio Ser Interior, perdurável e impregnado de Fé emDeus, na Natureza e no nosso próprio Destino, ali onde morao porquê e o como da nossa fugaz passagem num determina-do momento do tempo e do espaço.

Um Génio invisível sussurra-nos muito intimamente:“Homem, não receies, a Vida continua”.

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OS RECINTOS DO OESTE

Temos mencionado Tebas como assente nos dois lados doNilo, com uma Cidade dos Vivos e com uma Necrópole. Nãosabemos quando se originou esta última como uma ver-dadeira cidade, com as suas avenidas, templos, quartéis paraos guardas, portos, etc.

Talvez desde sempre se tenha escolhido a costa Ocidentaldo Nilo como lugar de enterramento pois isso está de acordocom os Livros Sagrados que a fazem reger pelos Génios doOcidente, formas menores do pré-histórico Anubis que jáestava na Assembleia dos grandes Deuses Primordiais quan-do Thot fez o Homem com barro do Rio Sagrado sobre umaroda de oleiro, quando as Almas dos Astros tudo regiam e Eleguiava as Formas de Luz entre as Sombras Primordiais.

Os vestígios arqueológicos mais antigos que se encon-traram correspondem à XI Dinastia, ainda que seja noImpério Novo e mais propriamente no seu último período,que os enterramentos se farão em complicados recintosfunerários. Havia para os Reis, Rainhas e os chamados“Nobres”, termo genérico moderno que abarca desde osSacerdotes até destacados artesãos, cantores, músicos, arqui-tectos, militares, médicos, poetas, etc.

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Também, junto à simbólica Montanha Ocidental ouMontanha Vermelha, nos alcantilados muitos quaseinacessíveis, existem milhares de tumbas de todo o tipo evariada antiguidade para todo o género de pessoas, mesmo asmais humildes, incluindo algumas de actuais barqueiros ecamponeses. São conhecidas apenas por esse vestígio dasantigas corporações que é a aldeia de Deir-El-Medineth,ainda que os seus actuais moradores não descendam dos anti-gos pois são beduínos que aí chegaram numa época indeter-minada. No entanto, estes moradores de Grunah conhecemmelhor do que os actuais arqueólogos profissionais ondeestão os velhos enterramentos e às suas informações devemosa quase totalidade dos achados.

Para eles a principal fonte de receitas económicas foi avenda de informação sobre objectos “faraónicos” (como lheschamam) e de uma quantidade inimaginável de réplicas,algumas perfeitas como as três plaquetas nada menos do queadquiridas por Carter e que hoje se supõem falsas. A astúciadestas gentes é, ainda que não queiramos admiti-lo, digna deadmiração. Há uns anos descobriu-se, nas canteiras de alabas-tro próximas, um filão que tinha sido trabalhado em temposantigos e abandonado de modo que parte do material tinhaadquirido a bela pátina que apenas é dada pelos milénios; osactuais artesãos logo fabricaram com esse alabastro tão per-feitos vasos que a sua autenticidade apenas foi posta em dúvi-da ao facto de vermos o grande número que deles havia.Soubemos depois a sua origem contemporânea.

Hoje conhecem-se mais de quatrocentas tumbas, desde asformadas pelo aproveitamento de uma falha natural do ter-reno ou de uma fenda até aos complicados recintos de cente-nas de metros de extensão. As tumbas reproduzem de váriasmaneiras as Doze Horas do Aduat e em geral vão descenden-do, seguindo o texto que começa assim:

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“Os escritos da Câmara Oculta, os lugares onde estão asAlmas, os Deuses e os Espíritos. Os que fazem. O princípiodo Corno do Ocidente, a porta do horizonte ocidental. Este éo conhecimento do poder dos que estão no mundo escondido.Este é o conhecimento do que fazem: o conhecimento dosseus Ritos Sagrados a Ra; conhecimento das forças miste-riosas; conhecimento do que há em todas as Horas, assimcomo nos seus Deuses; conhecimento do que lhes disse aEles; conhecimento das Portas e o Caminho pelo qual passaDeus; conhecimento dos Poderes e os aniquilados.”

Este longo caminho de Ensinamentos Secretos estava re-presentado pictórica e arquitectonicamente nas grandes tum-bas. Também, o Lugar Oculto ou a Cripta Iniciática era re-presentado pelo lugar onde se depositava o sarcófago. Ocadáver era colocado com a cabeça para Oeste e os pés paraEste, para que o seu Duplo Luminoso escutasse mais facil-mente os sussurros dos Deuses e pudesse, erguendo a cabeça,contemplar o Sol de Ressurreição no Amenti, no seuAmanhecer Vitorioso. Constatou-se que, tal como recomen-dam os Livros para as criptas, se enchia de areia fina e limpao solo dos lugares mais sagrados nas tumbas.

Há um detalhe que é bom considerar para a interpretaçãogeral destes prodigiosos subterrâneos: é ter comprovado queo seu traçado não é totalmente ortodoxo, mas sim que osarquitectos variavam alguns trajectos e níveis para assentar aobra na rocha sólida. Isto deve-se a uma motivação funcionale também a que os egípcios entendiam a obra do Homemcomo harmónica com a da Natureza. O seu respeito, que hojechamaríamos ecológico, era imenso. Por isso, mesmo comenormes custos, nos seus maiores Templos os capiteis dassuas colunas representam flores que se abrem se estão no cen-tro da obra e flores em botão, com as pétalas fechadas, seestão num lugar afastado do centro gravitacional cerimonial.

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O tão mencionado - e infelizmente pouco compreendido eaté criticado - sistema de ordem que tinham os egípcios nãoera uma máquina férrea contra natura mas antes o contrário.Percebida a ordem piramidal no Cosmos e na Terra, noHomem e em todas as coisas e o enlace feliz das causas comos efeitos que se convertiam por sua vez em causas de outrosefeitos, aplicaram no possível os Números e as DivinasProporções que regem o Universo às suas próprias obras físi-cas e metafísicas.

Para eles a ressurreição do defunto num mundo que esta-va noutra dimensão, mas que quase não diferia deste, não erauma esperança nem um acto de fé mas sim uma certeza comoa que consegue o matemático. Estamos certos de que na gentesimples das vilas e dos campos a fé substitui esta SabedoriaIntemporal... mas não foram agricultores, pastores nemartesãos os que desenharam e forjaram os Mistérios Egípciose deram os planos para realizá-los neste mundo. O povo tra-balhava nas grandes obras públicas como também o povo tra-balhou nas estradas romanas, nas catedrais góticas, nos ca-minhos-de-ferro do século passado ou nos aviões deste sécu-lo. Uma forçosa elite é sempre quem toma a responsabilidadedirecta de interpretar as leis da Natureza e assinalar demaneira inequívoca como se devem plasmar em obras artifi-ciais, ou seja, feitas pela arte dos homens.

Hoje alguém sobe a uma aeronave porque tem fé em quevai chegar aonde se propôs... Mas aquele que a desenhou, eainda o piloto que a conduz, não têm apenas fé mas tambémconhecimento e experiência.

De modo que ver o Antigo Egipto como uma cultura cons-tituída por um montão de fanáticos e ignorantes que se explo-ravam uns aos outros, ou deduzir pelo comprimento dos corre-dores das tumbas do Vale quanta influência conseguiram ga-nhar os Sacerdotes sobre os Faraós no final da época raméssi-

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da, como querem alguns estudiosos, é pura “sócio-ficção”,algo que jamais sucedeu excepto na fantasia deformada pelaspressões das alienações económico-materialistas actuais.

As grandes tumbas do Vale dividem-se, para a sua melhorcompreensão, em três grupos: dos Reis, das Rainhas e dosNobres, mas todas têm o mesmo desenho básico, com maiorou menor desenvolvimento. Há elementos pictóricos, como ofriso Hecker e as estrelas de cinco pontas no céu, que se man-têm e também os arquitectónicos de um poço ou o seu símbo-lo perpendicular ao caminho, assim como alguma ou muitascapelas laterais. Nalgumas tumbas principais nota-se umcerto desvio para a esquerda, de significado astronómico.

Não daremos demasiada importância à tumba em si deTutankhamon pois, apesar da sua popularidade, não foi feitaapenas para um faraó, e além disso rapidamente se ampliou,como comprovamos no tecto que cobre o sarcófago.

Como se disse, o poço é um dos elementos permanentes e,portanto, temos de vê-lo como necessário e até imprescindí-vel. No sentido físico, para deter ladrões e as pouco frequentesmas perigosas infiltrações de água? No metafísico, como re-presentação do Abismo Primordial e captador das energiastelúricas que chegam desde o centro magnético do Planeta?

Se nos situamos no cânone do pensamento egípcio vere-mos que não existe contradição entre uma coisa e outra;ambas se complementam e é muito provável que esse poço,profundo e cuidadosamente feito, servisse para ambas.Relativamente à sua função concreta sabemos que apenascumpriu metade pois muitos saqueadores, quando o Egiptocaiu, e mesmo antes, à luz das tochas e valendo-se de grossassogas conseguiram atravessá-los e subir com os tesouros. Asarmadilhas mortais e as maldições que, segundo os folhetinsactuais e o cinema, os egípcios empregavam abundantementesão meras fantasias e especulações. Só no fim do seu Ciclo,

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Mapa das tumbas do Vale dos Reis.

Túmulo real no Vale dos Reis.

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ou em épocas de instabilidade política, os arquitectos recor-reram a dispositivos especiais para proteger os locais sagra-dos. Relativamente às maldições simplesmente não as há; oúnico que desde a pré-história até aos tempos de Cleópatraencontramos são advertências, muitas vezes simplesmentesimbolizadas pela serpente Oreus, sobre os perigos de enga-nar-se ou destruir as coisas consagradas. Isto traduzido paraos nossos tempos seria o equivalente aos cartazes que colo-camos para avisar que num lugar há electricidade e pressupõeperigo de morte para as pessoas alheias à profissão e quequeiram manipular os cabos.

Além disso, é bom recordar uma imaginada aventura quealguns atribuem a Paracelso, ainda que o conto em si sejamuito mais antigo, precisamente de raiz egípcia. Diz-se queestando o famoso médico-alquimista na cidade de Alexandriaviu entrar a Peste com um saco vazio ao ombro. Interrogou-ae ela disse que vinha cobrar o seu imposto anual de vidas, queseriam mil. O médico-mago advertiu-a de que não levassenem mais uma do que o Destino lhe outorgou carregar. APeste aceitou o acordo mas pouco meses depois saiu deAlexandria levando não menos de 20.000. Irritado, Paracelsoatirou-lhe à cara o seu engano e a Peste respondeu-lhe quenão rompera o pacto, que levava apenas mil mortos dedoença: os restantes morreram de medo... Não acontecerá omesmo relativamente a muitas mortes misteriosas que seatribuem à “maldição” dos Faraós?

A Ordem Processional que repetiam na pedra e na pinturaos Livros Misteriosos viu-se afectada com a queda doImpério Novo e os Sacerdotes tiveram que desalojar essescomplicados mecanismos mágicos dos seus sacralizadoscadáveres, que foram escondidos noutros lugares, às vezesrapidamente amontoados em esconderijos. O Duplo luminosojá tinha partido através da “porta falsa” e, portanto, apenas

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restava salvar os corpos do manejo das hordas de salteadoresimpossíveis de controlar. Assim, nas XXI e XXII Dinastiascolocaram-se num sítio escondido, por exemplo, as múmiasde: Sekenenrá, Ahmosis, Amenofis I, Tutmosis I, Tutmosis II,Tutmosis III, Seti I, Ramsés II, Ramsés III, Sacerdotes deAmon e outras não identificadas.

Na tumba de Amenofis II encontraram-se a do próprioAmenofis II, Tutmosis IV, Amenofis III, Meneptah, Siptah,Seti II, Ramsés IV, Ramsés V, Ramsés VI, a rainha Tyi, a deduas mulheres e a de um menino não identificados.

Também se usaram pequenas câmaras laterais ou capelaspara ocultar os despojos, como na tumba de Amenhotep IIonde o investigador Loret comprovou fotograficamente aforma como algumas múmias foram atiradas, caíssem ondecaíssem, como a de um Príncipe que caiu sobre uma velhaBarca Ritual do dono original da tumba. É possível que nuncasaibamos o porquê destas extremas pressas e as perseguiçõese crimes que devem tê-las precedido. Mas o que importa àfinalidade deste trabalho é demonstrar que os própriosSacerdotes, sem duvidar do respeito que deviam aos seus anti-gos Reis e sabendo que eles já não habitavam nos seus corposmumificados, apenas cuidaram de que não caíssem em mãosímpias. Isto contradiz o conceito materialista da actual épocaque nos procura convencer de que os egípcios pensavam queas suas múmias iriam “ressuscitar” fisicamente.

Os escribas enquanto puderam, como no caso da múmiade Ramsés II, fizeram uma inscrição sobre as vendas exteri-ores com o fim de que, nalguma outra oportunidade, sepudessem identificar os agora desprovidos das suas vestesreais e até dos seus nomes encerrados em cartuchos.

Infelizmente os saqueadores encontraram os mencionadosesconderijos antes dos arqueólogos que apenas, devido àsinformações dos próprios saqueadores, resgataram as múmias

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já em lamentável estado e despojadas de quase todos os seusamuletos e do Escaravelho-Coração. Do mesmo modo estacircunstância fez com que se perdessem muitos papiros,excepto os escritos em cursiva que, ao não ter desenhos co-loridos, não foram divididos mas sim vendidos completospelos saqueadores.

No restrito percurso turístico ainda se podem ver as ma-ravilhas estéticas e simbólicas de algumas das tumbas. Aindaali se respira o mistério dessas corporizações do percurso daAlma-Sol através das trevas e da matéria, do terror e do caos.

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Plano do túmulo de Tutankhamon.

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EPÍLOGO

Neste pequeno livro, com as limitações próprias da nossaignorância e da época em que nos coube viver, tratámos dedar ao paciente leitor uma série de visões desalinhavadasdaquela fabulosa cidade que os gregos chamaram Tebas.

Aproveitámos o tema para procurar certas raízes e fazercomentários que forçosamente excederam o âmbito geográfi-co dessa cidade para estender-se a todo o Egipto e ainda à suapossível origem atlante.

Não escrevemos para os eruditos; eles sabem demasiado enão lhes faz falta estas pobres referências antes sim irem depu-rando pouco a pouco os seus conhecimentos de todo o lodosopreconceito que os rodeia. Recordo carinhosamente um dosmeus antigos catedráticos de História a quem, na minha incau-ta juventude, me atrevi a perguntar-lhe à luz das então novasdescobertas de fósseis de animais de água doce e de lavas quese tinham condensado em contacto com o ar e que agorajazem a milhares de metros de profundidade no seio doOceano Atlântico, se ele pessoalmente acreditava possível quetivesse existido a Atlântida. Depois de alguns rodeios profis-sionais confessou-me que sim mas que se se formulasse ofi-cialmente tal hipótese e se lhe somasse o facto de que pudesseestar habitada por perdidas civilizações, muitos dosnumerosos livros considerados como faróis do saber teriam

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que ser queimados; e ele apenas queria chegar à reforma semproblemas. Para sua infelicidade um enfarte o impediu poucosdias após a minha conversa, mas sempre admirei a sua íntimafranqueza e o seu verdadeiro espírito científico, ainda que ascircunstâncias do seu tempo o fizessem ocultar.

O fracasso de tantos sistemas sociais e políticos, nestasegunda metade do século XX, permite pôr em dúvida tam-bém a eficácia de conceitos que se têm por infalíveis. Talveza única vantagem do derrube dos muros desta civilizaçãomaterialista é que através das fendas já se começam a vislum-brar novos horizontes. Com uma boa dose de humildadepodemos começar a conceber novas ideias que, como sempreneste espaço e tempo curvos se encontrarão com os seusancestrais milenares.

Da angústia nasce a esperança, como a noite do dia.Temos a segurança de que muitas das coisas que apresen-

támos e que por força hão-de chocar com o critério estabele-cido encontrarão em muitas pessoas o eco necessário para quecada qual recomponha a ideia que desde crianças têm sobre oantigo Egipto. É que, com a aceleração dos tempos que se pro-duz em toda a viragem da História, a meninice ficou muitodistante. Já é tempo de encarar novas possibilidades.

Desde há tempo viajo ao Egipto quase anualmente, nãocomo turista nem como investigador científico-universitário.Procuro esquecer o que sou agora para recordar apenas quesou um filósofo e que a minha Alma talvez tenha existidoantes que se levantassem as Pirâmides e que continuaráexistindo quando de Elas não ficarem rastos. Muitas vezesrodeado dos meus jovens discípulos, a quem dedico estelivro, percorro simplesmente o velho País de Kem procuran-do ver e ouvir. Todavia, nalguns dos seus lugares, o tempoparou e os actuais habitantes continuam a reproduzir deforma igual os velhos costumes. Até os remadores, quandovão contra a corrente, cantam umas poucas palavras

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milenares que não têm tradução em árabe e pintam as suascasas e os remos dos seus barcos com as mesmas cores de hámilhares de anos. Nessa paz, entre os colossais restos do“grande naufrágio” daquela Civilização misteriosa, ainda sepodem entender certas coisas que os livros correntes nãoensinam e, o que é mais importante, pode-se vivê-las.

Eu creio em muitas coisas que os meus contemporâneosnão crêem e, em contra-partida, eles crêem em muitas coisasnas quais eu não creio.

Assim simplesmente.Eles encantam-se com muitas coisas que a mim não me

dão satisfação e eu desfruto de muitas coisas que nada valempara eles. Creio que todos temos o direito natural de nosequivocar ou acertar. E, com Platão, creio também que o queé verdade para uns não o é para outros.

Os meu colegas universitários sabem muitas coisas que euignoro e eu sei muitas coisas que eles não querem saber.

Neste pequeno livro reflectem-se algumas dessas circuns-tâncias. É minha esperança que alguns queiram escalar esseestado filosófico que chamámos NOVA ACRÓPOLE.

A minha Alma inclina-se reverente e bebe as águas do Nilojunto às palmeiras tal qual o aconselhavam os Velhos Livros. Àdistância levantam-se bandos de íbis brancos e a MontanhaOcidental tinge-se de vermelho enquanto se levanta o ventofresco que outrora movia os Leques de Amon. Talvez não este-ja tudo perdido e se possa num futuro viver, num mundo menoscontaminado, outra vez uma Aventura Espiritual. Tebas não éum lugar físico: Tebas é um estado de consciência.

BEM-AVENTURADO AQUELE QUE VIVE, BEM-AVENTURADO AQUELE QUE MORRE EM TEBAS!

Cala Ratjada, Mallorca, EspanhaAgosto 1984

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BIBLIOGRAFIA

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ANEXO

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RELIGIÃO E MAGIA EGÍPCIA

Pelo seu conteúdo espiritual e por ter sido o pai de quasetodas as formas culturais e religiosas do Ocidente, o Egiptosempre foi identificado com o mistério, com o enigma, com aprofundidade espiritual. Tínhamos dito que o mesmo nomedo Egipto significava aproximadamente “o fechado, o secre-to, o enigmático”. Foi baptizado com esse nome pelos gregos,dado que o nome remoto, o nome original do Egipto era Kem,Khemu ou Khum, que significava algo assim como “coisaqueimada” ou “coisa vermelha”.É daí que alguns fazemderivar o termo “alquimia” de al-Kîmiyâ ou “o conhecimen-to de Kem”.

Em virtude de uma série de terramotos e cataclismos aface da Europa e do Norte de África tinha-se transformadocompletamente, sendo que, depois disso, o Egipto se unificousob a forma que todos conhecemos, quer dizer, a dinástica. Apersonagem a quem se atribui essa unificação é Menes. MasMenes não é um Rei nem um Deus. É o equivalente ao Manúindiano, o equivalente ao Minos cretense. Menes é o condu-tor dos povos. É provável que tenham sido várias as figuras

NOTA: conferência-aula proferida no dia 11 de Setembro de 1966 nasede da Nova Acrópole, Junín 683, Buenos Aires, República Argentina.

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que usaram esse nome e que tenham transmitido de um aoutro esse afã que finalmente conseguiria unificar os restosdas velhas culturas numa só civilização, a do Antigo Egipto.

O Caracol de Abydos é esquemático, representa o Tempoe a Intuição, e não é precisamente a concha marinha queaparece nas culturas aztecas. Os maias, por exemplo, pararepresentar o número zero fazem-no por meio de um cortenuma concha marinha. Mas o Deus Caracol de Abydos ou doEgipto é diferente, é uma forma espiralada. Por isso mesmo émuito provável que o caracol que tomaram como modelotenha sido terrestre e não marinho.

Vamos tratar de nos situar em relação ao panteão egípcio.É muito comum pensar-se que os antigos egípcios e muitospovos primitivos eram politeístas. A esse politeísmo, comosinónimo de povo pouco avançado ou materialista, costumacontrapôr-se um suposto monoteísmo das religiões actuais oumodernas. É evidente que nas questões divinas - ainda quecomo disse na minha conferência anterior, o Ocidente gostede etiquetar todas as coisas - não se pode pôr essa estampi-lha, porque muitas religiões que hoje consideramos comomonoteístas apenas o são em termos relativos, ao passo quereconhecendo embora a existência de um só Deus, admitemtambém a existência de uma série de Deidades, deIntercessores ou de Santos, que de alguma maneira formamtodo um panteão acessório. E assim, também nas antigasreligiões o conceito de politeísmo não existia. O que existiaera um conceito de panteísmo. Expliquemos, então, estadiferença entre panteísmo e politeísmo.

As pessoas que vêem toda esta grande variedade deDeuses no Antigo Egipto interrogam-se: “como é possívelque estes homens tivessem um conceito tão materialista daDeidade de tal forma que colocam famílias de Deuses com-pletamente separadas, quer dizer, um Deus fragmentado

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numa série de personagens?” Não! O conceito egípcio deDeidade implica, desde logo, que não era uma pessoa, que éo conceito mais remoto que subjaz sob todas as formas reli-giosas. Evidentemente, a plebe de todas as civilizações e detodos os lugares jamais pôde conceber uma Essência, jamaispôde conceber algo que estivesse para além do mundofenomenal. É evidente que necessitou acreditar num Deus debarba, ou num Deus com báculo na mão, ou num Deus comforma de peixe. De qualquer maneira, sempre se lhe deve terapresentado algo de tão sólido, de tão apreensível como o éeste escritório ou este corrimão. Mas também se percebe quepara as Escolas Sacerdotais, para as Escolas de Filosofia,para as Escolas de Mistérios, sempre existiu algo que estavapara lá das representações; o conceito egípcio é um conceito,portanto, panteísta, querendo com isso dizer-se que, aDeidade está em todas as coisas e que todas as coisas não sãosenão formas ou sombras efémeras dentro da única e sóDeidade. E quando dizemos que se trata de uma mesma eúnica Deidade não nos referimos tão pouco a acreditar numsó Deus como num individual, num sentido monoteísta, masem algo mais metafísico: um só Deus que é ao mesmo tempotodas as coisas.

Se acreditamos que existe um Deus - suponhamos queacreditamos que existe um só Deus - mas que esse Deus nãoestá neste copo, ou não está no esterco de um animal, ou nãoestá em determinada personagem, esse Deus, então, é finito,porque este copo, este esterco ou aquela personagem limi-tam-No. Portanto, para poder conceber um Deus infinito, esseDeus não pode estar limitado em nenhum aspecto; não podeter em absoluto preferências por nada nem por ninguém,porque nada existe fora Dele. Não começou jamais, não ter-minará jamais e não existe de uma maneira fenomenal oufenoménica, apenas existe de uma maneira metafísica e

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essencial. Existe no seio mesmo do Existir, do Existir à grega;ou como diria Aristóteles, o Existir, o Ser por excelência.

Este era o conceito esotérico que tinham os gregos; elesaceitavam que dentro da Natureza existe uma série de escalo-namentos, digamos assim, ou seja, uma série de sub-realidadesque participam, de alguma maneira, da Realidade total einapreensível. Essas sub-realidades compunham todo essecomplexo panteão que eram formas, aspectos dessa única e sóDeidade. O conceito dos Deuses para os antigos egípcios nãoera o de elementos inventados nem tão pouco o de seres extra--naturais, mas o de seres que estavam dentro da Natureza.

Muito mais tarde, um dos directores da EscolaNeoplatónica de Alexandria, Marcião, recolhendo a antigatradição egípcia, passou a chamar aos Deuses Macrobios, ouseja, grandes formas de vida. Marcião chamava Macrobiosaos Deuses; desta maneira o Universo estaria formado porseres vivos na sua totalidade e o Universo constituiria umimenso organismo. Assim como nós temos um corpo que estáconstituído por orgãos e estes por sua vez por células; assimtambém o imenso Cosmos estaria constituído por astros, eestes, povoados por seres mais ou menos inteligentes. Masestes mesmos astros não seriam mais do que o corpo denso oufísico, ou aparente e fenoménico dos Deuses cósmicos, deDeuses tutelares que utilizavam as esferas celestes da mesmamaneira em que o espírito do homem utiliza o seu corpo. Daí,então, que o culto aos astros, que aparentemente é astrolatria,no Antigo Egipto não se assume como tal, mas comoAstrologia, ou seja, o conhecimento profundo do comporta-mento dos astros. Este conhecimento abarcava não somente ocomportamento dos astros no que concerne às suas relaçõesfísicas, mas também no que respeita às suas relações psi-cológicas e aos efeitos psiocológicos que produzem sobre aHumanidade. Por isso mesmo, a mesma Astrologia foi dividi-

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da no Egipto em três grandes formas ou operações: umaAstrologia Secreta Interior que se referia aos grandes astros eaos Grandes Deuses, aos grandes períodos em que está divi-dido o tempo que dura o Universo; outra Astrologia que sereferia às almas dos homens e que se dedicava a pesquisar assuas diversas experiências através de várias encarnações e,por fim, uma Horoscopia ou Astrologia Horoscópica que é aúnica que - muito fragmentada - chegou até aos nossos dias eque seria referente à parte pessoal, ou seja, a nossa casca psi-cofísica, evidentemente efémera, a que pode ter nascido hávinte, trinta ou quarenta anos e que, dentro de vinte, trinta ouquarenta anos vai deixar de ser.

Deste modo, então, esta forma religiosa egípcia, este pan-teão egípcio, constituía uma verdadeira estrutura piramidal,uma estrutura científica onde os diferentes Deuses assumiamdistintas funções na Natureza. Haviam sido identificados, porexemplo, três elementos essenciais dentro de toda a Naturezae a que podemos chamar: Vontade, Amor, Inteligência. Esta éa Tríade tradicional que aparece em todas as religiões e apare-ceu no Egipto sob a forma de Osíris, Ísis e Horus. Horus é ohomem com cabeça de pássaro que representa, fundamental-mente, a Humanidade.

Agora vamos explicitar alguns dos velhos Deuses do pan-teão egípcio, tratando de revelar o seu significado original.

Depois de ter falado desta Tríade (Osíris, Ísis e Horus)temos que falar de um Deus que é sumamente enigmático:Anepu, o Anubis dos gregos. Esta Deidade aparece represen-tada geralmente como um homem com cabeça de chacal oucomo um chacal deitado usando um colar com uma série depedras mágicas. Anepu é uma Deidade psicopômpica, é aDeidade que leva as almas da vida física, depois da morte, atéao Amenti, até ao Céu, até outra dimensão mais elevada. Mashá outra função que geralmente se desconhece de Anubis: não

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só é ele que leva as almas desde esta margem até à outra, mastambém é quem as traz de novo. Por isso aparece, por vezes,inclusivamente associado a Ísis e outras vezes a Hathor.Relaciona-se, portanto, com a série dos nascimentos, com aentrada da nova alma novamente num corpo. Anubis era oencarregado mítico de colocar as vendas sobre as múmias(veremos na última parte desta conferência o significado quetinham as vendas nas múmias). Tinha por missão cuidar queas vendas estivessem bem postas; cuidar que um escaravelhoestivesse colocado no lugar do coração.

Recordarão certamente que o escaravelho é o símbolo daRessurreição, é Kefer. O escaravelho com as asas dobradasrepresenta o homem com potencialidades mas sem acto;enquanto que o escaravelho com as asas abertas representa ohomem que chegou ao acto místico. Assim, o escaravelho -geralmente de esmeralda ou de ouro - era colocado no peitodo defunto no lugar do coração em representação do outrocoração, o metafísico, que seguiria esvoaçando e esvoaçandopara além dos portais da morte.

Diz-se que Anubis habitava numa montanha obscura à quese chamava a Montanha Ocidental, que não é outra coisa queo arquétipo de uma pirâmide, querendo com isso dizer-se,que Anubis habita dentro de uma pirâmide que é a sua man-são, da qual sai na sexta hora da noite para conduzir as almasao vale do Amenti. Anubis, está mesmo, do ponto de vistaastrológico relacionado com a estrela Sírio e o planeta Vénus.A Sírio os egípcios chamavam-lhe Sothis, que era o olho di-reito de Anubis; o olho que - dizia-se - corresponde aocoração de toda a Hierarquia Celeste da nossa galáxia. Alémdisso, Anubis, era invocado através de toda uma série de fi-guras mágicas na areia e de invocações orais que, segundo sedizia, permitiam tirar a alma do corpo. Também o rela-cionavam com a protecção espiritual. Havia uma série de fór-

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mulas para criar corpos ilusórios - o que os indianos actuaischamariam Mâyâvi-rûpa - em forma de pequenos chacais quecuidavam e rondavam aquela pessoa à qual se lhes tinha des-tinado proteger. Representa, então, não somente o Pastor doMortos, mas também a protecção das almas contra os poderesinvisíveis.

Um outro Deus muito importante é Amon. Vêem-noaparecer geralmente como um ovo ou esfera alada queaparece sobre as portas dos templos e representa a esfera quetem a capacidade de voar, a alma que pode voar. Representa,além disso, os guardiães das portas. No rito cerimonial egíp-cio todas as portas estão divididas em quatro elementos bási-cos: um é o umbral, por onde o homem põe o pé para poderavançar. É um elemento terrestre. Outros dois elementos sãoconstituídos pelas ombreiras da direita e esquerda que repre-sentam o Ar e a Água, os dois elementos psicológicos querodeiam a vida do homem. Por último, um elemento ígneosolar que fecha a porta por cima, o lintel, debaixo do qualdevemos passar. Amon é o Deus do bom augúrio, o que acon-selha, digamos assim, aos Deuses do Pórtico, aos Deuses queestão para além desta dimensão que recebam os nossos pen-samentos e actos de vontade. Amon foi alvo de várias trans-formações e é, provavelmente, uma transformação tebana dodeus Khnemu ou Tum, antigo Deus proto-histórico que re-presentava o Som Primordial ou a Luz Primordial, o foco ouo coração do vazio, o foco ou coração do Universo que, desdeque começou a bater, encheu todo o espaço com astros e luz.

Ra é outra das Deidades fundamentais do panteão. Ra estáassociado com Amon como Amon-Ra. Ra é o Deus do Sol,não somente do Sol físico, mas também - como diriam osocultistas orientais - do Prâna do Sol; quer dizer, da energiado Sol. Ra é a matéria solar, a energia solar que, unida comAmon, nos dá uma tríade de Espírito-Energia-Matéria.

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Nut é uma Deidade feminina que representa a luz dasestrelas. Aparece muitas vezes sobre os sarcófagos com asasas abrindo-se sobre os flancos, como se estivesse a protegero corpo dos mortos. Nut é a Luz do Cosmos, é Ísis no seuaspecto luminoso, a Alma Mater, a Luz Psíquica que circulano Universo, o Âkâsa dos teósofos contemporâneos, a LuzAstral dos cabalistas, o Alkahest dos antigos alquimistasmedievais; a Luz Azul. Tem uma irmã obscura que está sem-pre consigo e que é a sua irmã gémea: Nur. Nur é a Deusa dasTrevas, do Espaço vazio. Esta Deusa também está associadacom Nu ou Nun, que é uma espécie de Deidade marinha quereflecte as Águas Primordiais do Espaço. Com ela, constituir--se-ia uma tríade feminina de Luz-Trevas-Espaço.

Existem alguns outros Deuses secundários que em algu-mas épocas tiveram uma principal valia. Por exemplo, con-tam as tradições que Ísis tem uma irmã terrestre coroadacom cornos, que é Hathor ou Hathot, e que alguns rela-cionam com o oposto de Thot, o Deus com cabeça de íbis,Senhor da Escrita, Senhor da Justiça também. É o que pos-sui os papiros onde está escrita a Lei do Universo e é, no“peso do coração” do defunto, o que traz os papiros ondeestão registadas todas as acções do homem. Por isso a Thotse relaciona com a doutrina oriental do Karma, a Lei deCausa e Efeito. Quer dizer, que Thot, o homem com cabeçade íbis, é o equivalente ao Karma das doutrinas orientais,sendo também o equivalente ao Dharma ou Lei; é assim,uma conjugação de Lei e executor psicológico ou mentaldessa Lei. Para a execução dessa Lei aqui na Terra, Thotaparece associado a outras Deidades, geralmente à Deusaque tem cabeça de leoa: Sekhmet, a representação do Karmaem acção, executora na Terra dos desígnios divinos. Osegípcios diziam que as garras de Sekhmet podiam alcançarqualquer homem que tivesse faltado à Lei.

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Por último, Ptah, conhecido em Mênfis, é uma Deidadeque representa o Fogo, a abertura; é também uma espécie deAmon, no que respeita à abertura das portas. É a chamadasolitária que convoca as almas.

Há Deuses que geralmente foram mal compreendidosporque os egípcios, sobretudo o povo egípcio, os identificavacom animais vivos. O mesmo íbis tinha sido relacionado comThot; na realidade, o íbis era o signífero de Thot, como tam-bém o boi Apis se relacionava, em certa maneira, com Ísis eos Mistérios da Vivificação. Por exemplo, o boi Apis era ado-rado popularmente como hoje é adorada a vaca na Índia ecomo popularmente também foram adorados distintos ani-mais em distintas épocas; mas esses animais não são mais doque representações exteriores de mistérios que, evidente-mente, não se podem alcançar vulgarmente porque, comodizíamos, esses animais representam ou encarnam as Forçasou Potências da Natureza.

Há algo que gostaria de esclarecer bem. Com a nossa cul-tura ocidental, com a nossa forma de ver as coisas, com anossa mentalidade ocidental e materialista, apenas vemos osfenómenos, a parte objectiva das coisas. Os antigos tratavamde perceber a energia que tinha motivado os fenómenos; porisso, hoje acreditamos na existência do Sol físico mas nãoacreditamos na existência de Espírito que tenha motivadoesse Sol físico. Perguntamo-nos porque é que os Sacerdotesegípcios não tornavam públicas as dimensões do Sol, a dis-tância da Terra ao Sol, o diâmetro da Lua; é precisamenteporque eles consideravam que isso não era importante, que oimportante era tornar público o Espírito do Sol, o Espírito daLua, o Espírito da Terra. De igual forma, hoje, quando lêemou estudam uma obra de Platão, não vos importa saber sePlatão pesava setenta quilos, não vos interessa absolutamentenada o número de calçado que usava; o que vos importa é a

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Ideia de Platão. Da mesma maneira e não de outra, o antigosimbolista tratava de entender a mensagem da Natureza e nãoo peso e o tamanho dos objectos que formam a parte materi-al do Universo. Daí, então, que os egípcios se preocupassemtanto em tratar de esclarecer um panteão que consituísse umarepresentação, como dissemos, das Forças da Natureza.

Vamos ver agora como esse panteão, que é uma represen-tação da Leis da Natureza, se relaciona com o homem; querdizer, de que maneira estas Deidades se relacionam connoscoe como podemos colocar o homem nesse panteão.

No tomo IV de A Doutrina Secreta de H.P. Blavatsky -que muitos de vocês terão lido - figura precisamente umarelação entre os sete corpos ou componentes do ser humanotal como consideram os orientais e a concepção egípcia. Osegípcios pensavam que nós somos constituídos por algo maisque uma parte estritamente física e objectiva. Primeiro, expli-carei isto em linha gerais e logo explicitaremos os Deusesegípcios correspondentes.

Vedes-me, mas realmente não me vedes; vós acreditaisque me vêem. O que vedes é nada mais do que a parte física,a roupa, o rosto, o cabelo; mas não me vedes a mim nem euvos vejo. Vós vedes de mim a parte física e material, a que sepode tocar. Acerca desta parte física que se pode tocar, dize-mos que é um corpo, mas além desta há algo mais. Se euneste mesmo instante morresse e ficasse nesta posição, aoprincípio vós poderíeis não dar conta. A parte física per-maneceria igual, como agora; mas logo vos daríeis conta, atéporque quando o corpo está vivo tem uma série de interre-lações de calor, de electricidade, magnéticas, de movimento,de coloração que formam o que nós chamamos “vivo”, quetem vitalidade. Os egípcios, então, à parte deste corpo sólidoe rígido que se pode tocar - Sthûla Sharîra para os hindús -,afirmam que existe uma outra parte, que seria o conjunto de

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acções vitais. Mas esse conjunto de acções vitais tem algomais acima de si, por exemplo, posso emocionar-me, possosentir temor, posso participar de uma série de emoções quenascem do meu mundo circundante; e essa série de emoçõesconstituem a esfera do meu corpo psíquico ou corpo emo-cional. Para além disso há uma mente que está registandoessas emoções, uma mente que se verte sobre o mundo, umamente concreta que pode somar, controlar, subtrair... Maispara além desta há uma Mente Pura, a que filosofa, a menteque caminha. Acima dela existe uma Intuição das CoisasSagradas e, por fim, uma Vontade de Permanência.

Este sete elementos haviam já sido identificados pelosantigos Magos egípcios, os antigos Sacerdotes, sob osseguintes nomes: essa Deidade ou Alma Superior correspon-dente ao Espírito ou à Vontade, o Âtmâ dos indianos, chama-ram-no Atmu. À Intuição Espiritual, Suprema, a capacidadede poder conhecer as coisas do futuro, a capacidade de verclaro nas trevas, chamou-se-lhe Akhu ou Cheybi, que é o PaiEspiritual, o que cria espiritualmente. Daí nasce a música, apoesia, a fé... A seguir está Ba que é a Inteligência Pura ouMente Pura. Mais abaixo, Ab, a alma hereditária - o KamaManas dos vedantinos -, a Mente Concreta. De seguida está oKa, a Sombra ou Duplo. Mais abaixo, Ankh que é o alento, oque mantém vivas as coisas, esse Corpo Prânico como diriamos ocidentais. Finalmente, Chat ou Khat, o Corpo, que osegípcios inclusivamente pensavam que não tinha verdadeirarealidade, que era um montão de areia que tinha sido reunidade determinada forma. Esta classificação, volto a insistir,figura em A Doutrina Secreta de H.P. Blavatsky, no tomo IV.

Estes sete corpos ou constituintes do homem correspon-dem a sete constituintes da Natureza; portanto, o corpo sóli-do do homem estaria em relação com o mundo fenomenal esólido da Natureza; da mesma maneira, o corpo vital se rela-

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cionar-se-ia com o corpo vital da Natureza, e assim todos osdemais. Se vós entendeis isto, que é fácil, vós entendeisMagia, vós sabeis qual é a origem da Magia. Se não o enten-deis, se não o podeis ver claro, nunca irão poder explicar oque é Magia, porque Magia é simpatia, é homeopatia, éunião, é simbiose; e isto dá-se unicamente no mesmo planovibratório. Com um elemento físico vós não podeis moverum elemento psicológico; com um elemento psicológico nãopodeis mover um elemento mental. Para poder mover um ele-mento mental necessitais de ter um instrumento mental; parafazer um fenómeno físico necessitam um instrumento físico,visível ou invisível, mas físico. Então, estes sete corpos dohomem, estas sete Deidades que formam o homem, são divi-didos em dois grandes grupos pelos egípcios: um superior outernário, que se fazia representar através do hieróglifo dachama, que é um triângulo equilátero com uma chama dentro,o hieróglifo da lanterna triangular; e um grupo com os quatrocorpos inferiores que estavam representados pelos quatrocanopos funerários ou os quatro Deuses da Morte: Amset,Hapi, Duamutef e Quebsenuf. Estes quatro Deuses eram osguardiães das quatro vísceras fundamentais, bem como osguardiães dos quatro corpos inferiores, que devem ficar reti-dos nas vasilhas para que não sigam com a alma até aoAmenti. O Amenti é o lugar superior, que unicamente podeser visitado pelos três corpos superiores e, de certo modo, porparte do quarto corpo... No Amenti, todavia, há um trigo queé alimento das almas, sete variedades de trigo para alimentarsete corpos; há trigo de um côvado de altura, de dois, de três,etc., até ao trigo de sete côvados de altura que é o único quepode alimentar a alma espiritual. Ao Amenti chegam real-mente só os três corpos superiores, ao passo que os outrosquatro são retidos na Terra. Amenti quer dizer “lugar deAmon”, por Amen-Ti, lugar ou terra de Amon ou Amen.

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Entramos, assim, na parte onde iremos falar do MitoOsiriano para passar logo ao Mistério da Mumificação.

Queria, dentro do possível, elaborar uma ideia clara, postoque o que me importa não é que acumuleis grande quantidadede dados(porque sempre podeis ir a uma biblioteca e reunirtoda a espécie deles) o que me importa é que desta visita àNova Acrópole leveis ideias claras, conceitos claros, que segu-ramente possam ser assimilados por uma mente um poucoegípcia. Por isso vos pedi, na conferência anterior, que, pelomenos, durante este tempo curto dos domingos me fizessem aconcessão de se esquecerem algo do que são e de se tornaremum pouco egípcios; que nos imaginássemos num salão real-mente egípcio, vestidos com as túnicas desse linho áspero queo tacto nunca esquece, e que, de alguma forma, estamos con-versando sobre os Mistérios do Ser, sobre os Mistérios da Vida.Se vós me escutais com mente ocidental, com mente decristãos, de judeus, de comunistas, de materialistas, não idesentender nada. Talvez possais apreciar o que eu digo ou não,mas não aprendereis nada; o que quero que entendais é o queestá por detrás das coisas, o que não ides poder tirar dos livrosainda que os leiais todos, porque há que mudar de mentalidade,de chave, para poder abrir determinadas portas.

Dizem os egípcios que a alma necessita de reencarnar umcerto número de vezes para se aperfeiçoar, ou seja, que a almado homem viria várias vezes à Terra para se aperfeiçoar cadavez mais. A alma humana teria, então, períodos encarnadosnos quais está na Terra e períodos nos quais está no “céu”.Desta forma, a vida celeste, a vida do Amenti, estaria emrelação com a vida terrestre. Tudo isto seria uma continuaçãode experiências. Se eu tomasse um qualquer objecto e tivesseque desferir-lhe dez golpes, posso desferi-los com um ritmodeterminado e demorar um certo tempo; ainda que os des-ferisse mais rapidamente, desferia também dez golpes mas,

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qual seria a diferença? Os golpes em si? Não! Os espaços desilêncio que existiram entre golpe e golpe. Tanto assim quepoderia reduzir a duração dos dez golpes numa fracção detempo muito, muito pequena. Dessa maneira, o queaproveitamos das nossas vida na Terra são todas as experiên-cias dos setenta ou oitenta anos? Não! O que aproveita a alma- segundo pensavam os egípcios - são unicamente as expe-riências positivas, tirando o que há de silêncio entre uma eoutra; ficando assim a experiência positiva pura, o som con-tínuo, o esforço contínuo. A Iniciação é isso; é tirar da vida ossilêncios, os elementos secundários e deixar unicamente osom, o Tum, o Som Primordial que penetra. Então, a Iniciaçãoé resumir a experiência de muitas vidas numa só, na qual sóse estabeleçam experiências positivas.

É uma concentração de tempo, uma concentração dimen-sional do tempo. Não sei se vós sabeis que na Índia ainda hojeexistem alguns homens que podem fazer crescer uma planta,um bambú ou um lótus, em muito pouco tempo. Os viajantesacreditam que isso é artificial e que é contra a Natureza. Narealidade não é assim, não é contra a Natureza; o que se passaé que o operador concentra o tempo psicologicamente de talmaneira que, para a planta, esse tempo é muito mais compri-do ou amplo do que é para nós; ou seja, se a planta devecrescer trinta centímetros num mês, por exemplo, fá-lo numahora, mas o que se passa? Para a planta é um mês. Tambémpara os Sistemas Iniciáticos, para o candidato aos Mistérios,se estabelece uma série de provas e experiências pelas quaispara ele trinta ou quarenta anos se transformam numa somade vinte ou trinta encarnações diferentes. Por isso, naIniciação Osiriana se diz ao candidato que é como Osíris, queOsíris vai nascer nele.

Prestem atenção a isto: o símbolo da Iniciação na Índia eno Egipto era o lótus. Vedes uma semente de lótus; creeis que

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pode nascer a planta se quereis manter a semente sem que serompa? Se quereis manter a semente como está nunca ireis tera planta de lótus; para poder ter a planta é necessário fazercom que a semente apodreça, que deixe de ser, que se rompa,para que dela surja a planta. Dessa mesma forma esta perso-nalidade que temos, esta forma de viver, no animal, no exter-no, deve ser mudada. Nos Mistérios enterrava-se o candida-to, simbolicamente, como uma semente para que da suaforma de vida comum surgisse uma forma de vida divina que,pela dimensão vertical, o levasse directamente ao mundo dosDeuses, o Amenti.

Mas para poder fazer isso o candidato tinha que renunciara toda uma série de coisas. Trouxe-vos a “ConfissãoNegativa” do Livro dos Mortos, onde o candidato se procla-ma puro e diz não ter feito nenhum acto de maldade. O escri-ba triunfal, enquanto vai escrevendo os seus actos, o homem,o candidato, diz:

“...Eu não fiz mal aos homens.Eu não empreguei a violência com os meus parentes.Eu não substituí a Justiça pela Injustiça.Eu não frequentei os maus.Eu não cometi crimes.Eu não fiz trabalhar em excesso para o meu benefício.Eu não intriguei por ambição.Eu não dei maus-tratos aos meus servidores.Eu não blasfemei os Deuses.Eu não privei o pobre do seu alimento.Não cometi actos execrados pelos Deuses.Eu não permiti que um amo maltratasse o seu criado.Eu não fiz sofrer outrem.Eu não provoquei a fome.Não fiz chorar os homens, meus semelhantes.Eu não matei nem mandei matar.

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Eu não provoquei doenças entre os homens.Eu não subtraí as oferendas dos Templos.Eu não roubei os pães dos Deuses.Eu não me apoderei das oferendas destinadas aos

Espíritos santificados.Eu não cometi acções vergonhosas no recinto sagrado dos

Templos.Eu não diminuí a porção das oferendas.Eu não procurei aumentar os meus domínios utilizando meios ilícitos nem usurpando os campos dos outros.Eu não manipulei os pesos da balança nem a sua haste.Eu não tirei o leite da boca da criança.Eu não me apoderei do gado nos campos.Eu não apanhei com o laço as aves que estavam destinadas

aos Deuses.Eu não pesquei peixes com peixes mortos.Eu não pus obstáculos às águas que deviam correr.Eu não apaguei no fogo no momento em que devia arder.Eu não violei as regras das oferendas de carne.Eu não me apoderei do gado que pertencia aos Templos

dos Deuses.Eu não impedi que um Deus se manifestasse.Eu Sou puro! Sou puro! Sou puro! Sou puro!Fui purificado tal como o grande Fénix de Heracleópolis...”

Bom, como darão conta, isto encerra todo um códigomoral e encerra verdadeiramente um longo caminho evoluti-vo que se devia cumprir num processo curto. Sendo assim,então, o candidato que deste modo se aproximava dosMistérios Iniciáticos chegava com essa carga terrestre quetinha que deixar para conseguir entrar nessa dimensão con-tínua. Um desses ritos a que era submetido para a suaOsirificação era o de se colocar dentro de um sarcófago, no

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qual era colocado de costas, sumido num sono hipnótico,geralmente durante sete dias e logo, de maneira hipnótica,juntava-se-lhe a “Confissão Positiva”, quer dizer, não só aparte em que dizia não ter cometido determinadas trans-gressões, mas acrescentava-se-lhe a parte reservada e esotéri-ca; essa parte de afirmações na qual o candidato dizia de quemaneira tinha feito crescer o seu Eu interior e de que maneirapodia sobreviver a essa prova de ter o corpo, a sua menteinferior e os seus instintos adormecidos.

Muitas vezes, o candidato era submetido a estes sonos e aestes despertares, a estas provas de solidão, de tentação, dedúvida, de interpretação de distintos símbolos, de interpre-tação da Natureza, até que, por fim, triunfante chegava aperceber algo de que o homem comum não pode perceber;chegava a perceber o fim do caminho. Esse fim do caminhode que nos fala Platão - como lhes dizia na última vez - quan-do recorda o seu antecessor Solon, e refere de que maneira osegípcios o haviam iniciado nas realidades profundas da vida,o tinham iniciado no porquê último dos fenómenos daNatureza. Nós conhecemos porque é que gira o mundo,porque é que a órbita terrestre tem tal diâmetro, a velocidadeda luz, mas não conhecemos o porquê último de tudo isso.Era a esse porquê último ao qual se dirigia a atenção doIniciado.

Agora vamos expôr o Mito Osiriano e o significado damumificação.

O Mito Osiriano é provavelmente um dos mitos mais anti-gos e com mais versões mesmo dentro do Egipto. O MitoOsiriano é fundamentalmente formado pelas - digamosassim- andanças místicas deste personagem, Osíris. Estasandanças místicas começam com um convite que lhe fez umdos seus irmãos nefastos, Seth, o crocodilo (também Tífon,Seth-Tífon, o hipopótamo). Convidou-o para um grande ban-

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quete, uma grande festa que se celebrava perto do Nilo. Nessamesma festa, onde se falou dos Deuses e se beberam licoresrequintados, diz a tradição que Seth convidou Osíris a ocuparum sarcófago de chumbo que caso lhe ficasse bem, poderialevás-lo como obséquio. Este sarcófago era triplo: por dentroera de chumbo; no meio, de pedra e por fora, de madeiramuito ricamente trabalhada. Osíris experimentou e, aprovei-tando esta oportunidade, o malévolo irmão fechou as tampasdo sarcófago e atirou-o ao Nilo. O cadáver de Osíris, dentrodo sarcófago, começou a percorrer lugares. Primeiro, é arras-tado pela terra; depois, flutua nas águas do Nilo e, por fim,emaranha-se nas costas do Mediterrâneo debaixo de umaárvore sagrada. Alguns dizem que essa árvore era um cedro,outros dizem que era um rododendro, mas trata-se da nossaconhecida Árvore da Vida. enquanto este se encontra sob aÁrvore da Vida, Ísis, que andava a procurá-lo pelo Universo,trata de encontrar o seu cadáver para fazê-lo voltar à vida pormeio de actos mágicos - não esqueçais que Ísis é a GrandeFeiticeira, Senhora do Raio Vermelho, Senhora daVitalização. Mas aquele malévolo irmão havia preparado ascoisas de forma a poder destroçar e desmembrar o cadáver deOsíris. O cadáver, desmembrado em catorze pedaços, é espa-lhado por todo o Universo. Ísis fica desesperada porque nãosabe de que forma poderá trazer ao mundo um filho seu, queé a Vida, e dele, que é o Espírito. Dizem que, então, surgiu umfalcão trazendo um dos fragmentos de Osíris e que apenasante esta visão a virgem Ísis ficou grávida de Horus, o qualvirá a ter as características da Vida e do Espírito.

Este Mito Osiriano, que é contado em muitas versões e demuitas formas, ainda que basicamente traduzido naquilo queacabo de vos contar, representa em si todo o caminho do dis-cípulo, o que equivale a dizer que o Mito Osiriano é oCaminho da Iniciação. O homem comum, o homem vulgar,

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como qualquer um de nós, defronta-se sempre com uma sériede problemas que fazem com que o mesmo tenha alguma vezde se submeter a provas, que tenha de tratar de entrar numdeterminado caminho e fazer a escolha com a sua vida. Masquando faz essa escolha, o homem, de alguma maneira, temque passar por uma série de provas estritamente materiais,símbolo da Terra; de provas psicológicas, relacionadas com aÁgua e com o Ar, e, finalmente, deve passar também porprovas mentais, dúvidas, supremas escolhas espirituais, queestão relacionadas precisamente com esse espalhar dospedaços de Osíris pelo Universo e com ele reencontrar-senovamente.

Para poder atingir o cume da sua evolução, o homem deveencontrar-se a si mesmo; deve encontrar o fragmento quedeixou no outro homem; deve tratar de reencontrar-se nova-mente na Natureza, reencontrar-se uma outra vez em todo essemundo que aparentemente se lhe mostrava distante. Então, deuma maneira mística, a sua natureza inferior pode dar à luzalgo que, sem deixar de estar no mundo, possui todas as carac-terísticas espirituais da sua alma superior. Por isso dizem asantigas tradições que o homem assume cabeça de pássaro, ouseja, que o homem assume a capacidade de recordar que podevoar, e deste modo, pode tornar real esse voo.

Chegamos, assim, à parte que se refere à mumificação.Antes de mais, quero esclarecer-vos acerca de uma coisa. NoEgipto pré-dinástico não era como actualmente, em que noslamentamos com a morte de um ente querido. No Egipto,regra geral, mesmo as pessoas mais comuns aplaudiam eficavam contentes e alegres quando alguém morria porqueconsideravam que o defunto se libertava de todos os malesdeste mundo.

Quando o homem morria, o principal trabalho doSacerdote era separar a sua parte superior da sua parte inferi-

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or. Dividia os seus corpos inferiores e os seus corpos superi-ores. Dado que somente podia chegar a essa Tríade Superiorhavia que fazer algo para manter os quatro corpos inferioresna Terra. Daí que, então, o cadáver era cuidadosamenteesvaziado a fim de extrair do mesmo os símbolos de vitali-dade e era cuidadosamente vendado para o reter na Terra. Porisso, O Livro dos Mortos, O Livro da Morada Oculta, estavacuidadosamente escrito nas suas vendas. Esse livro repete mile uma vezes as fórmulas de encantamento para que os corposinferiores, as sombras, não sigam o Espírito até à região doAmenti. A mumificação não era, como comummente se crê,um sistema para conservar o corpo, mas era antes um sistemapara reter o corpo. Daí o símbolo cuidadosamente gravadoem todos esses sucessivos sarcófagos e daí todas as advertên-cias “Não me abras”, “Não levantes a tampa do meu féretro”.Era precisamente para que as partes inferiores se não inter-relacionassem com as superiores, se não escapassem parapenetrar no Amenti, não molestassem a alma-falcão que seeleva. Daí também as máscaras simbólicas, daí também oselementos com que se rodeavam os cadáveres.

Junto às múmias, por exemplo, colocavam-se cadeiras,pequenas mesas, pequenos símbolos de animais e de pessoasque haviam tornado a sua vida aprazível. Regra geral tambémse crê que era por os egípcios acreditarem que a vida no outromundo era uma vida material como aqui que pensavam igual-mente que o homem necessitaria de ter os seus alimentos, oseu jarro de vinho, ou necessitaria do símbolo de sua esposa... mas não! O que sucede é que se colocavam todos esses ele-mentos junto ao defunto precisamente para que o cadáverfosse retido, para que as potências inferiores, por costume,fossem retidas nessa mastaba e não molestassem a alma quese elevava. É evidente que, quando o homem morre, se é que- como diziam os egípcios - perduramos para além da morte

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física, existem alguns elementos que nos vão reter. A moradaem que vivemos, a nossa família, talvez até a roupa que usá-mos, quiçá o velho livro que tantas vezes abrimos, talvezaquele recanto fracamente iluminado onde nos sentámos averter uma lágrima que ninguém viu. Todos esses pequenoselementos prendem a vida ao aqui e agora; há que deixar paratrás esses elementos para poder sair novo, para poder sairdiferente, para poder sair como um falcão, com uma sócabeça emplumada e duas asas ou como o escaravelho míti-co Kefer que abre as asas e diz “Eu ressuscitei”.

Por isso, o fim de todo o Mito Osiriano era precisamente ovendar do corpo, o vendar físico e o vendar psicológico; aocolocar-lhe máscaras, ao tapá-lo, ao enterrá-lo praticamente sobenormes pedras para que somente pudesse escapar-lhe a alma.

Este costume não é exclusivamente egípcio. Aqui mesmo,na Quebrada de Humahuaca, aquando de investigações rea-lizadas há poucos anos, foram encontrados indígenas cujacultura deriva provavelmente de áreas marginais incas quecostumavam colocar enormes pedras sobre os cadáveres dosseus familiares. Ao ser-lhes perguntado sobre este costume,respondiam de início que estavam a “enterrar” mas, ao apro-fundar um pouco mais a questão, chegaram mesmo a confes-sar que colocavam tais pedras para que o cadáver se não le-vantasse e os perseguisse. Encontramos também esse mesmomito entre os maias e os aztecas, onde uma série de ritos si-mulavam a luta entre o homem e quatro inimigos que repre-sentavam os quatro corpos inferiores. Chamava-se-lhe a“guerra florida” entre os aztecas. A alma devia, por fim,escapar dessa luta com os quatro corpos inferiores, mas uni-camente a alma. Por isso, o sarcófago era salpicado com póvermelho, o pó da ressurreição. Colocavam-se nas mãos dodefunto figuras geométricas que, segundo o simbolismo maiae azteca, asseguravam poder separar a alma do corpo.

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Foi encontrado, nas ruínas de Palenque, um sarcófago detipo pisciforme o qual tem como objectivo representar a almaé como o peixe na água, como algo que pode nadar, que podetrasladar-se, que se não afoga nem se apaga onde todospoderíamos julgar que as coisas se afogam e se apagam.

Então, este é o símbolo fundamental da IniciaçãoOsiriana: o de que todo o homem pode chegar a ser Osíris;que cada um de nós pode chegar, através de um conjunto deesforços, de um conjunto de aprendizagens, de um conjuntode experiências, a renovar-se a si próprio, a transformar-se detal forma que possa chegar à sua dimensão interior, a essanossa dimensão onde Osíris vive em nós, onde vive em nós acapacidade de vencer a morte e de poder Viver eterna e con-tinuamente.

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O que é a Nova Acrópole?

Filosofia à maneira clássica

A Nova Acrópole é uma associação de carácter humanista,filosófico e socio-cultural que desde a sua criação, em 1957,promove a Filosofia como conhecimento global, conjugandoCiências, Artes, Ética e Metafísica, num ideal de realizaçãohumana.

Organização Internacional

Reconhecida como associação internacional pelo RealDecreto de 12 de Fevereiro de 1990 n.º 3/12-941/s, segundoa lei de 25 de Outubro de 1919 do Reino da Bélgica, estáinscrita no Registo Internacional de Associações, reunindo asassociações dos diferentes países que aderem à sua Carta deFundação e aos seus princípios de acção.

Fundada por Jorge Angel Livraga Rizzi (1930-1991) quefoi o seu director internacional, a presidência na actualidadeestá a cargo de Délia Steinberg Guzmán.

Hoje, a Associação Cultural Nova Acrópole está presenteem mais de 40 países e reúne mais de 10.000 membrosactivos e centenas de milhares de simpatizantes, que seexpressam em mais de 15 idiomas e representam uma amplagama de heranças culturais, origens étnicas e crenças numexemplo rotundo de convivência e compreensão.

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Objectivos

Filosofia em acção

A Associação Cultural Nova Acrópole é uma organizaçãosem fins lucrativos e os seus objectivos expressam-se atravésda Filosofia entendida desde um ponto de vista clássico, querdizer, uma Filosofia eminentemente prática e activa, nãosomente intelectual ou teórica.

Daí que a formação e a educação integral em todos oscampos do conhecimento seja a sua base fundamental.

O despertar dos valores humanos essenciais e das quali-dades intemporais, que foram o suporte de todas as culturas ecivilizações, permite ao homem ser mais consciente da suavida interior e ser mais livre para se expressar na sua vidaexterior.

Ao estar integrada por pessoas de todas as idades e níveissociais, a Associação Cultural Nova Acrópole harmoniza princí-pios de união e colaboração para além de todas as diferenças.

A sua participação na vida activa social, docente e profis-sional das distintas comunidades realiza-se através do volun-tariado dos seus integrantes, com completa independência deinteresses políticos, religiosos ou financeiros.

Carta de Fundação

Os princípios da Nova Acrópole são os pilares sobre osquais está edificada a Associação em todo o mundo.

I. Reunir os Homens e Mulheres de todas as crenças,raças e condições sociais em torno de um ideal de frater-nidade universal;

II. Despertar uma visão global através do estudo com-parado da Filosofia, das Ciências, Religiões e Artes;

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III. Desenvolver as capacidades do indivíduo para quepossa integrar-se na Natureza e viver segundo as característi-cas da sua própria personalidade.

Campos de Actividade

Escola de Filosofia

O importante legado da Humanidade deixa-nos uma ricaherança milenária que a Nova Acrópole, como Escola deFilosofia à maneira clássica, adapta e vitaliza na nossa época.Desenvolve-se num Programa de Estudos, comum para todosos países, divididos em níveis sucessivos e cujo seguimento écondição indispensável para ser membro da Nova Acrópole.

Trata-se de uma actualização dos conhecimentos tradi-cionais do Oriente e Ocidente que, de acordo com humanis-mo clássico, relaciona Ciências, Artes, Religiões e Filosofiasde maneira comparada, permitindo unir todos os campos decriatividade e investigação para conhecer melhor as leis daNatureza e do Homem.

Actividades Culturais

As diversas actividades realizadas pela Nova Acrópoletêm um denominador comum: exercer uma missão educativaatravés de uma pedagogia do exemplo, que é, como expres-sou Jorge Angel Livraga, “a única linguagem universal quecompreendem todos os homens”. A cultura não se pode vivernem transmitir sem uma educação integral que active todas asdimensões do indivíduo em benefício do conjunto.

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Voluntariado

A Nova Acrópole promove grupos de voluntários queactuam na sociedade, conciliando a vida individual e colecti-va. Partilhar com os demais e aprender através da prática pro-duz mudanças profundas nos seres humanos.

O espírito de participação em acções comuns imprime àFilosofia um sentido prático e activo e não somente intelectu-al ou contemplativo.

Viver o que se aprende e aprender do que se vive é a baseda formação integral dos jovens.

Programa de Estudos

Desenvolve-se um programa extenso através de aulasteóricas e práticas, apresentadas por professores formadospela Instituição com apoio de documentação bibliográfica eaudiovisual.

Curso de Introdução

1. Filosofia Natural ou Esotérica2. O Homem e o Cosmos3. A Índia Milenar4. Os Mistérios do Tibete5. Filosofia Budista6. Confúcio7. Egipto8. A Tradição Grega9. A Sabedoria em Roma. Os Estóicos10. Os Neoplatónicos: Plotino11. Ciências Herméticas: Astrologia, Alquimia, Yoga

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12. A Antiguidade da Humanidade: História e Mito13. O Homem: os seus ciclos e ritmos14. Filosofia Intemporal15. Práticas de Psicologia

Estudos Superiores

• Psicologia• Sabedoria do Oriente e do Ocidente• Simbologia Teológica• Oratória (Três Níveis)• História da Filosofia (Quatro Níveis)• Religiões Comparadas• Filosofia da Ciência• Estética Metafísica• Antropogénese• Cosmogénese• E Outros...

Investigação

A Nova Acrópole desenvolve um grande campo de activi-dades na área de documentação.

Possui bibliotecas especializadas que reúnem cerca de400.000 volumes, videotecas e departamentos de audiovi-suais de produção própria. Realiza concursos de monografiase trabalhos de investigação que preparam as jovens geraçõespara observar as coisas mais além das aparências, imaginar,comparar e criar símbolos.

Os departamentos de investigação constituídos nos dife-rentes países abordam trabalhos sobre as matérias que inte-gram o plano de estudos, aprofundando com rigor aquelesaspectos em que o foco filosófico da Nova Acrópole podetrazer novas perspectivas.

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Títulos publicados pelas Edições Nova Acrópole

Obras de Jorge Angel Livraga

• Pequenos Segredos Para Engrandecer a Vida• Os Grandes Mitos do Século XX• Ankor, o Discípulo• O Alquimista• A Tragédia Grega• Pensamentos Para a Nova Era• Moassy, o cão• Os Espíritos da Natureza

Outras Obras

• Porque Florescem as Seitas?Jorge Livraga / Délia S. Guzmán

• Vem aí uma Nova Idade Média?Délia S. Guzmán / M. Dolores Figares

• Droga: Perigo!Jorge Livraga / Délia S. Guzmán

• O RacismoJorge Livraga / Délia S. Guzmán / Fernand Schwarz

• Astrologia e a Nova EraFernand Schwarz

• Atlântida: Mito ou Realidade?Jorge Livraga / Fernand Schwarz

• Buda e a Sabedoria do OrienteJorge Livraga / Fernand Schwarz

• Bardo Thödol - O Livro Tibetano dos MortosFernand Schwarz

• Os Mistérios no Antigo EgiptoFernand Schwarz

• O Poder da DeusaFrançoise Terseur

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• A Vida Para Além da MorteJorge Livraga / Délia S. Guzmán

• Pensamentos da Grécia Antiga• Pensamentos da Roma Antiga• A Arte de Triunfar na Vida

Délia S. Guzmán• Lendas do Aqui e do Além

Françoise Terseur

• A Simbólica das Árvores e das Plantas• A Flauta Mágica - Simbolismo da Obra de Mozart• Parsifal - de Wolfram von Eschenbach e de Richard Wagner• Portugal Simbólico

Eduardo Amarante• Páginas Secretas da História de Portugal, vols. I e II

Rainer Daehnhardt• A Missão Templária nos Descobrimentos

Rainer Daehnhardt• Portugal - A Missão que Falta Cumprir

Eduardo Amarante / Rainer Daehnhardt• Egipto - História*Arte*Simbolismo• O Calendário Azteca• Mircea Eliade - O Reencontro com o Sagrado

Fernando Schwarz / Gilbert Durand / Edgar Morin...