raízes nordestinas: artes e movimento no semiárido sergipano

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Raízes Nordestinas: Arte e Movimento Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1997 Fevereiro/2015 Poço Redondo/SE “Nós temos como prática levar o teatro, a música, a poesia, o cinema para as comunidades”. Militância que se concretiza através da arte. É desse modo que a Associação Cultural Raízes Nordestinas (Acrane) organiza a juventude do semiárido de Poço Redondo, Sergipe. Trabalho rico e desafiador encabeçado por pessoas igualmente jovens que partilham sonhos e têm a realidade como fonte de resistência. no semiárido sergipano. Foi em 2001 que a história começou, quase 40 jovens da igreja católica das comunidades Maranduba e Queimados juntaram-se com o objetivo de contar para o mundo as experiências de resistência do povo sertanejo. A partir do teatro, o grupo se emaranhou nas questões ligadas à convivência com o semiárido. O que era tido como desafio e assustava pela novidade logo foi percebido como possibilidade de narrar a vida da própria região. O curioso é que as fontes de inspiração do grupo contribuíam em outros aspectos. O projeto experimental e sem qualquer recurso contou com a ajuda da vizinhança até para a montagem dos figurinos. Um chapéu emprestado de um, um sapato emprestado de outra... Assim a identidade camponesa foi retratada fielmente durante apresentações. O Rei do Baião dava o tom do espetáculo, que traduzia a resistência de mulheres e homens do campesinato. A peça intitulada A cabra e o consórcio do Bode baseada na trajetória da Associação Sertaneja de Caprinocultura (ASCA) situada na cidade vizinha, Nossa Senhora da Glória, deu visibilidade ao grupo. Com linguagem simples e interpretações irreverentes, anunciavam através da arte teatral as vantagens da criação de caprinos. Animais que se adaptam com facilidade ao clima local por serem de pequeno porte, consumir menos alimentos e assegurarem uma boa produção de leite, além de ser curto o ciclo reprodutivo. Um semiárido de oportunidades Com muito suor, trabalho voluntário e ousadia, as raízes fincadas no sertão também vão se espalhando, hoje a Acrane mantém um núcleo de teatro na sede do município e outro no povoado Sítios Novos. Essas meninas e meninos conquistaram o campo e passaram a ocupar os espaços da cidade com humildade e maestria. O Grupo já apresentou espetáculos de teatro em vários estados brasileiros e tem participado dos principais eventos culturais realizados em Sergipe. Participações que contaram com a direção de grandes figuras do teatro sergipano, como Isaac Galvão, Raimundo Venâncio, Luiz Carlos Reis e Virginia da Fonseca Menezes. Sede do Grupo de Teatro raízes Nordestinas Seus últimos trabalhos produzidos foram: A Ida ao Juazeiro, uma produção coletiva do grupo; A Megera Domada, uma adaptação de Virginia Lucia do clássico Willian Shakespeare; Os Corumbas, uma adaptação de Valfran de Brito do romance homônimo de Amando Fontes e A Água Dividida uma adaptação de Eduardo Montagnari da obra “A Exceção e a Regra” de Bertolt Brecht.

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Foi em 2001 que a história do Grupo raízes Nordestinas começou. Quase 40 jovens da igreja católica das comunidades Maranduba e Queimados juntaram-se com o objetivo de contar para o mundo as experiências de resistência do povo sertanejo. A partir do teatro, o grupo se emaranhou nas questões ligadas à convivência com o Semiárido.

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Page 1: Raízes Nordestinas: Artes e Movimento no Semiárido Sergipano

Raízes Nordestinas: Arte e Movimento

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1997

Fevereiro/2015

Poço Redondo/SE

“Nós temos como prática levar o teatro, a música, a poesia, o cinema para as comunidades”.

Militância que se concretiza através da arte. É desse modo que a Associação Cultural Raízes Nordestinas (Acrane)

organiza a juventude do semiárido de Poço Redondo, Sergipe. Trabalho rico e desafiador encabeçado por pessoas

igualmente jovens que partilham sonhos e têm a realidade como fonte de resistência.

no semiárido sergipano.

Foi em 2001 que a história começou, quase 40 jovens da igreja católica das comunidades Maranduba e Queimados

juntaram-se com o objetivo de contar para o mundo as experiências de resistência do povo sertanejo. A partir do

teatro, o grupo se emaranhou nas questões ligadas à convivência com o semiárido.

O que era tido como desafio e assustava pela novidade logo foi percebido como possibilidade de narrar a vida da

própria região. O curioso é que as fontes de inspiração do grupo contribuíam em outros aspectos. O projeto

experimental e sem qualquer recurso contou com a ajuda da vizinhança até para a montagem dos figurinos. Um

chapéu emprestado de um, um sapato emprestado de outra... Assim a identidade camponesa foi retratada fielmente

durante apresentações. O Rei do Baião dava o tom do espetáculo, que traduzia a resistência de mulheres e homens do

campesinato.

A peça intitulada A cabra e o consórcio do Bode baseada na trajetória da Associação Sertaneja de Caprinocultura

(ASCA) situada na cidade vizinha, Nossa Senhora da Glória, deu visibilidade ao grupo. Com linguagem simples e

interpretações irreverentes, anunciavam através da arte teatral as vantagens da criação de caprinos. Animais que se

adaptam com facilidade ao clima local por serem de pequeno porte, consumir menos alimentos e assegurarem uma

boa produção de leite, além de ser curto o ciclo reprodutivo.

Um semiárido de oportunidadesCom muito suor, trabalho voluntário e ousadia, as raízes fincadas no sertão também vão se espalhando, hoje a Acrane mantém um núcleo de teatro na sede do município e outro no povoado Sítios Novos. Essas meninas e meninos conquistaram o campo e passaram a ocupar os espaços da cidade com humildade e maestria.O Grupo já apresentou espetáculos de teatro em vários estados brasileiros e tem participado dos principais eventos culturais realizados em Sergipe. Participações que contaram com a direção de grandes figuras do teatro sergipano, como Isaac Galvão, Raimundo Venâncio, Luiz Carlos Reis e Virginia da Fonseca Menezes.

Sede do Grupo de Teatro raízes Nordestinas

Seus últimos trabalhos produzidos foram: A Ida ao Juazeiro, uma produção coletiva do grupo; A Megera Domada, uma adaptação de Virginia Lucia do clássico Willian Shakespeare; Os Corumbas, uma adaptação de Valfran de Brito do romance homônimo de Amando Fontes e A Água Dividida uma adaptação de Eduardo Montagnari da obra “A Exceção e a Regra” de Bertolt Brecht.

Page 2: Raízes Nordestinas: Artes e Movimento no Semiárido Sergipano

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Sergipe

Hoje a Acrane funciona como um Ponto de Cultura, coordenando o Projeto Rendar a Arte com os Fios da Cultura, conquista que chegou depois de muito trabalho e a partir de uma busca cotidiana por oportunidades. Além disso, criaram a Escola Popular de Música “Recanto Musical do Sertão”, que tem possibilitado a realização de um trabalho de formação permanente com adolescentes e jovens da região. A sede da Associação é casa onde as portas e janelas se abrem para cultura entrar. Nas paredes, retratos de uma história costurada por muitas mãos e que continua a correr livre como o rio. Do teatro à música, o grupo conta uma história coletiva e ensina aos que virão que é sempre tempo de resistir.A aposta na educação e cultura populares ajuda a manter viva a identidade cultural da população e da juventude caatingueira e tem motivado o surgimento de novos grupos nas cidades vizinhas. É o caso do grupo de percussão Afro no Quilombo Mocambo de Porto da Folha, do grupo Oiteros Arte Viva em Gararu e dos grupos Mistura Nordestina e Raízes Mirim, em Poço Redondo.“Nós sempre sonhamos muito, é a esperança e o sonho que bota a gente na estrada, pé na frente e vamos lá! Acaba que tudo dá muito certo e dialogamos com a luta dos trabalhadores. Nós sempre procuramos ter uma perspectiva coletiva do trabalho, da produção e das ideias. Temos uma diretoria da Associação no papel, mas não seguimos essa hierarquia e cada um vai ajudando com o que tem de melhor”, arremata Rafaela.

Realização Apoio

Para que a caminhada continue dando certo, uma das prioridades do grupo é o processo de formação profissional e política. Foi desse modo que estreitaram os laços com os movimentos sociais e passaram a integrar o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). “Nós fomos nos envolvendo aos poucos. Fazendo apresentações nos encontros e hoje nós militamos no Movimento, o que possibilitou o contato com a questão da água. A gente começou a entender que aqui não faltava água, na verdade, tínhamos que buscar formas de armazenar a água que existe, isso foi fruto desse envolvimento”, explica José Messias, coordenador executivo da Acrane. Com o Projeto Arte em Movimento que a juventude idealizadora do Raízes testou na prática o uso da arte como forma de conhecimento e transformação social. “Nós ficávamos três dias em cada comunidade, e durante o dia nós fazíamos formação política com a juventude, com os camponeses, as crianças. Na primeira noite apresentávamos uma peça de teatro, na segunda uma peça do Teatro do Oprimido - debatendo algum problema da realidade deles. A comunidade também se apresentava nas noites. Se tinha sanfoneiro tocava forró, se tinha um grupo de reisado, eles dançavam. Foi um intercâmbio de saberes e fazeres através da arte e da cultura popular”, relata Rafaela Ales, integrante do grupo.

Espetáculo A Megera Domada Escola Popular de música

Filhas e filhos de família agricultora carregam consigo a resiliência típica das pessoas do sertão, fazem da arte, movimento, ferramenta para a transformação. Para Rosana Costa, que se iniciou nas Artes a partir do Raízes Nordestinas, o grupo é uma irmandade. “Costumo dizer que metade do que eu sei aprendi na escola e a outra metade aprendi aqui no teatro. Nós nunca deixamos nossas raízes de agricultor, a gente sempre afirmou isso em todos os eventos que participamos. Aqui nós aprendemos a compartilhar, o que é pra um é pra todos, nós aprendemos a valorizar a vida em comunidade”.Ao longo dos anos são muitos os projetos: Ser Tão Cidadão, Formação pela Experimentação em Manejo da Caatinga, Recriando o Mundo Mágico dos Brinquedos de Tradição Popular Nordestina, Feira Agroecológica, Cenários do São Francisco Espetáculos de Vidas Ribeirinhas, Mostra Cultural “70 Anos de Morte do Cangaço, Memória de um Povo”, são algumas das crias dessa juventude.