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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 CIBERESPAÇO: REVOLUÇÃO OU GOLPE CIVIL - MILITAR DE 1964 Luzimary dos Santos Rocha 1 RESUMO: A internet tornou-se um dos meios de comunicação mais importantes na sociedade contemporânea, ao acessá-la o homem se depara com uma infinidade de informações e concepções políticas divergentes. Foi em torno desses ideais políticos, que se construiu este artigo que tem por finalidade retratar o uso do Ciberespaço como ferramenta de disseminação das visões de correntes partidárias de direita e esquerda em protesto ou em defesa da Ditadura Civil-Militar de 1964 no momento atual. Dessa forma, buscou-se fazer uma breve retrospectiva da formação do golpe de 1964, apresentando os conceitos de esquerda e direita e as visões partidárias sobre o governo militar. Em seguida analisa-se a formação do ciberespaço e os sites Tortura Nunca Mais (esquerda) e Terrorismo Nunca Mais (direita), procurando assim explicitar a ideologia e objetivo de cada site e como estes servem como lugares de memória. Palavras-chave: ciberespaço, esquerda, direita. I-INTRODUÇÃO 1 Graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Mestranda do Programa de Pós Graduação em História (PROHIS) na mesma universidade. E-mail: [email protected]

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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

CIBERESPAÇO: REVOLUÇÃO OU GOLPE CIVIL - MILITAR DE 1964

Luzimary dos Santos Rocha1

RESUMO:

A internet tornou-se um dos meios de comunicação mais importantes na

sociedade contemporânea, ao acessá-la o homem se depara com uma infinidade de

informações e concepções políticas divergentes. Foi em torno desses ideais políticos,

que se construiu este artigo que tem por finalidade retratar o uso do Ciberespaço como

ferramenta de disseminação das visões de correntes partidárias de direita e esquerda em

protesto ou em defesa da Ditadura Civil-Militar de 1964 no momento atual. Dessa

forma, buscou-se fazer uma breve retrospectiva da formação do golpe de 1964,

apresentando os conceitos de esquerda e direita e as visões partidárias sobre o governo

militar. Em seguida analisa-se a formação do ciberespaço e os sites Tortura Nunca Mais

(esquerda) e Terrorismo Nunca Mais (direita), procurando assim explicitar a ideologia e

objetivo de cada site e como estes servem como lugares de memória.

Palavras-chave: ciberespaço, esquerda, direita.

I-INTRODUÇÃO

1 Graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Mestranda do Programa de Pós

Graduação em História (PROHIS) na mesma universidade. E-mail: [email protected]

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

A história política do Brasil está amplamente marcada pela atuação das forças

armadas, fato que podemos observar desde a proclamação da República no país.

Segundo Nilson Borges (2007:16), o domínio militar no Brasil divide-se em dois

momentos, anterior e posterior ao golpe civil-militar de 1964. No primeiro momento,

nota-se que eles participaram e intervieram na politica para reestruturar a ordem e

passavam a condução do Estado aos civis. No momento seguinte e posterior a 1964,

agiram com total poder, não transferindo o poder público a sociedade brasileira que

ficou à margem da situação, atuando como meros coadjuvantes, no sentido de dar ao

regime uma fachada de democracia e legitimidade.

A tomada do poder político pelas forças armadas no Brasil em 1964 não ocorreu

de um dia para o outro. Construiu-se bem antes da renúncia de Jânio Quadros à

presidência da República em 1961, quando o seu vice João Goulart, que naquele

momento encontrava-se em viagem a China, assumiu como seu sucessor depois de

muitas disputas políticas. A posse de Goulart não agradava os militares que

pressionaram para tentar impedir o vice de desembarcar e tomar posse da presidência do

Brasil, mas mediante manifestação popular, Goulart tornou-se presidente. Alguns meses

depois começava a ser acusado pelos partidos da oposição, como a União Democrática

Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD) de planejar um golpe de estado,

bem como de ser o responsável pelos problemas sociais e econômicos vividos no Brasil

naquele momento.

Toda essa situação culminou nos 21 anos de ditadura iniciada no dia 31 de

março de 1964. Os militares, associados aos interesses da grande burguesia nacional e

internacional, incentivados e respaldados pelo governo norte- americano, justificaram o

golpe como “defesa da ordem e das instituições contra o perigo comunista”. (HABERT,

200:8). Assim, a “revolução militar” causou a deposição de Goulart, que deixou a nação

brasileira refugiando-se no Uruguai.

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

A atuação do Exército em 1964 foi e ainda é considerada por alguns grupos de

direita vinculados a grupos militares como uma “revolução”2 que libertou o Brasil das

aspirações comunistas e possibilitou o desenvolvimento econômico do país. Porém, os

grupos oposicionistas, representados por forças progressistas e de esquerda, denominam

a atuação dos militares de golpe de estado3 que retirou da população brasileira o direito

da democracia. E foi em torno desses projetos políticos e sociais divergentes que se

construiu essa pesquisa que tem como principal objetivo abordar a utilização atual do

Ciberespaço para divulgar ideias que permanecem vivas a respeito de 1964, sejam à

favor ou contrárias a atuação dos militares no poder. Para tal construção abordou-se o

uso Ciberespaço, fenômeno contemporâneo utilizado como ferramenta de divulgação de

ideias em defesa ou em protesto à ditadura, buscando assim procurar entender o que é

esse fenômeno tecnológico, sua importância para o mundo atual e como se deu sua

construção no Brasil. O trabalho busca ainda, analisar e explicitar a ideologia dos

grupos políticos, partidários ou não, ditos de “esquerda” e “direita” na leitura atual do

golpe de 1964 através da internet. Como base para construção da pesquisa, foram

analisados sites filiados a grupos de “esquerda” ou “direita”, pretendendo assim,

abordar e discutir os ideais defendidos por ambos na tentativa de compreender como

estes contribuíram para o não esquecimento do passado ao divulgarem opiniões e

memórias dos defensores e de oposicionistas da ditadura. E para tal análise foram

selecionados dois sites reveladores de projetos políticos e sociais distintos. O site

2 E a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de

substituí-las com o objetivo de realizar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento

jurídico- constitucional e na esfera sócio- econômica. (BOBBIO, 1998: 1121) 3 Violação da Constituição legal do Estado, geralmente através do uso da violência por parte dos

detentores do poder político. O Golpe poder se realizado por um soberano; por um titular ou titulares do

poder político legal e no último por militares. Este se tornou a forma mais frequente de Golpe de Estado

no período contemporâneo. (BOBBIO, 1998: 545-546)

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

construído pelo Grupo Tortura Nunca Mais que apresenta uma posição politica em

defesa da esquerda e que busca a denúncia e apuração dos crimes cometidos pela

ditadura no Brasil e o site do Grupo Terrorismo Nunca Mais, este defende um discurso

pautado na direita com ideologia em defesa do governo militar de 1964.

O trabalho consiste em analisar esses sites e explicitar o que ambos defendem e

através disto levantar alguns questionamentos: os termos esquerda e direita política

atualmente caíram no desuso, mas por que no Ciberespaço as ideologias de direita e

esquerda ainda são utilizadas? E até onde é possível o uso do Ciberespaço como

disseminador de ideias políticas? Esses sites podem ser considerados lugares de

memória?

II- CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA: DIREITA x ESQUERDA NO MEIO

DIGITAL

O surgimento das novas tecnologias é tido por alguns teóricos como um produto

do sistema social e do processo histórico, atrelado a isso a tecnologia estaria tornando o

cotidianos mais libertário transformando-se em suporte criador de relações sociais, ou

melhor, tornando-se geradora de novas práticas sociais. Uma vez que, o homem

moderno está habituado em ter em seu cotidiano as mass medias e um dos mais

relevantes é a internet que se constituiu em um meio de entretenimento, comunicação,

divulgador de ideias e um novo espaço social. O computador e a internet permitiram a

criação da Cibercultura: “Ela nasce nos anos 50 com a informática e a cibernética,

começa a se tornar popular na década de 70 com o surgimento do microcomputador e se

estabelece completamente nos anos 80 e 90: em 80 com a informática de massa e em 90

com as redes telemáticas, principalmente com boom da internet”. (LEMOS, 2002:16 )

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O computador é uma invenção norte-americana, surgida em meados da II Guerra

Mundial e inventada inicialmente para o uso militar com a finalidade de processar

cálculos matemáticos e decifração de códigos criptografados. Com a Guerra Fria o

computador será utilizado como meio de comunicação e controle de informações entre

os militares. No início da década de 60 o Departamento de Defesa dos Estados Unidos

criou uma agência militar de pesquisa de ciência e tecnologia, a ARPA (Advanced

Research Projects Agency), que tinha como objetivo proteger a informações políticas

americanas da URSS. Mais tarde a ARPA cria um projeto de redes que permitira a

interligação dos computares das instituições do governo americano. Essa interconexão

se daria através do uso de linhas telefônicas, nascendo assim a ARPANET.

Na década de 70 a ARPANET foi conectada as universidades americanas e

estrangeiras o projeto teve um bom resultado permitindo assim, a iniciativa de expansão

da nova tecnologia que inicialmente será utilizada pelas empresas e instituições

acadêmicas. Anos mais tarde a ARPANET ampliará seu desenvolvimento a partir do

TCP/IP (Transfer Control Protocol/Internet Protocol) este proporcionaria o crescimento

ilimitado da rede. Assim, na década de noventa a internet estará disponível para

praticamente todos os computadores dos Estados Unidos o que possibilitará sua

disseminação entre a população.

No Brasil, a internet surgirá no final dos oitenta tendo sua consolidação no

decorrer dos noventa, inicialmente será restrita as universidades e instituições de

pesquisas, mas será também utilizada pelas instituições governamentais e privadas. O

marco da internet no Brasil decorrerá no ano de 1995, período em que o Ministério das

Telecomunicações e da Ciência e Tecnologia permitirão o acesso privado à internet,

sendo assim liberada sua comercialização para a população brasileira. Os primeiros sites

a surgirem no Brasil foram os de notícias posteriormente entretenimento, pesquisa,

compras, salas de bate papo e as tão acessadas redes sociais.

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Cibercultura é um termo complexo, mas partindo para uma definição desse

fenômeno pode ser compreendido como uma nova cultura surgida a partir de uma

ligação entre informação, novas tecnologias e cultura surgida a partir da década de 1970

com a informatização e telecomunicação. Partindo disso, podemos dizer que o termo

nada mais é que uma nova relação entre tecnologia e sociabilidade, representando

assim, a cultura contemporânea. (LEMOS, 2010)

De acordo com Pierre Lévy (1999), a Cibercultura terá seu ponto de partida no

Ciberespaço, espaço onde circulam variadas formas de informação permitindo a

sociedade se relacionar virtualmente constituindo-se em um espaço formador de novas

sociabilidades.

O ciberespaço (que também chamarei de rede) é o novo meio de

comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O

termo especifica não apenas a infra estrutura material da comunicação

digital, mas também o universo oceânico de informações que ela

abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse

universo. Quanto ao neologismo “cibercultura” especifica aqui o

conjunto de técnicas (materiais e intelectuais) de práticas, de atitudes

de modos de pensamentos e valores que se desenvolvem juntamente

com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999:17)

O homem moderno pode interagir com várias ideologias e dentre essas está a

disseminação no Ciberespaço de ideais políticos, cotidianamente o homem é

bombardeado por uma infinidade de noticias de cunho político é nesse meio que aparece

uma forte disseminação de ideias de “esquerda” e “direita” partidária no Brasil , a

utilização de tais conceitos ocorre quando nos referimos a Ditadura Civil-Militar e são

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sites em defesa ou em protesto do mesmo que circulam na internet atualmente. Muito se

tem discutido sobre o desuso desses termos e o desaparecimento de tais ideologias, mas

virtualmente essas correntes políticas estão ganhando força. Segundo Norberto Bobbio

(2001), esquerda e direita são termos opostos empregados para explicar ideologias

distintas pertencentes às ações políticas e existentes em toda sociedade.

Esses termos derivam do processo revolucionário Francês do século XVIII onde

as tendências políticas que defendiam os interesses do Rei junto a Assembléia nacional

sentavam-se a sua direita e as tendências que eram opostas a ele sentavam-se a sua

esquerda. Dessa forma, os políticos de “esquerda” apresentavam uma atuação reformista

que buscava a conquista de direitos para as classes menos privilegiadas e os políticos de

“direita” buscavam os interesses das classes dominantes. Em suma, aplicando essa

situação na história do Brasil podemos observar que durante o regime militar os

chamados partidos de “esquerda” eram aqueles contrários aos ideais militares.

Durante a ditadura, a esquerda brasileira era formada por diversas organizações

políticas, dentre os quais estava o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que caiu na

clandestinidade após o golpe, além de pequenos grupos de militantes oriundos do

Partido Comunista do Brasil (PC do B), que seguia uma vertente mais radical e

defendiam a tomada do poder dos militares através da luta armada. O PC do B teve sua

origem, a partir das mudanças ocorridas no Partido Comunista da União Soviética

(PCUS) que denunciou no XX Congresso os crimes cometidos por Stálin e propôs

mudanças profundas nos rumos da política internacional soviética. Com isso, o PCB

decidiu modificar o estatuto partidário, retirando do programa as referências ao

marxismo-leninismo, tal atitude causou um protesto do grupo oposicionista, que foi

expulso. Em 1962, o PCB dividiu-se em dois Partidos Comunistas: PCB e PC do B,

formado por dissidentes do denominado “partidão”. Esses grupos políticos pretendiam

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fazer uma revolução que mudaria toda a estrutura política brasileira e se levantaria um

novo governo baseado no socialismo:

A luta das esquerdas revolucionárias nos anos 1960 e 1970 pelo

fim da ditadura não visava a restaurar a realidade do período anterior a

1964. Embora buscasse se legitimar na defesa da democracia estava

comprometida, sim, com a construção de um futuro radicalmente

novo, no qual o sentido da democracia era outro. (ROLLEMBERG,

2007:48)

Conservadores de direita e radicais de esquerda pregavam uma “revolução”, mas

qual o sentido de revolução para esses partidos? Ambos defendiam revoluções com

sentidos distintos. Para os partidos conservadores, a revolução dos militares estava

defendendo o país dos interesses comunistas e prevenindo a nação de uma futura guerra

civil ou de um golpe de estado que seria realizado por Jango, que presidia o Estado em

um regime comunista. Desse modo, ao tomarem o poder estavam realizando a “vontade

do povo” que se oporia a João Goulart e qualificava as Forças Armadas para representa-

los na luta contra corrupção, subversão e defesa da democracia. “O Estado, então, passa

a encarnar a vontade da nação e do povo, estar a serviço do bem comum, e, portanto,

situa-se acima dos interesses particulares de grupos ou de classes sociais, definindo seus

fins e adaptando seus meios.” (CARDOSO, 2011:20).

Para a esquerda brasileira, a revolução seria pautada em reformas sociais e o ano

de 1964 foi marcado por um golpe que instaurou uma ditadura no país. De acordo com

Florestan Fernandes (1984), os militares foram contra revolucionários de se utilizarem

da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática que estava

ocorrendo do Brasil no governo de João Goulart. Assim, para a esquerda em 1964

ocorreu um golpe de estado, pois retirou o direito tanto à democracia quanto a

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possibilidade do povo brasileiro de se manifestar, sendo que a verdadeira revolução é

aquela que permite a participação das massas. Bobbio (1998) difere revolução de golpe

no estado no sentido que o golpe se configura numa tomada de poder das autoridades

políticas sem nada ou quase nada mudar nos mecanismos políticos ou sócios

econômicos e a revolução só se consolida com profundas mudanças no sistema político,

social e econômico.

As divergências e guerra que se travou entre as vertentes de direita e esquerda

nos anos de 1960 repercutem até os dias atuais. Defensores do governo militar ainda se

manifestam para rememorar a “revolução” e buscar justiça por atos realizados pelas

esquerdas tidas como “terroristas”. E os defensores das esquerdas lutam por justiça

contra as torturas e os crimes cometidos por uma parte dos militares durante a ditadura.

E um meio divulgador desses ideais, tanto de esquerda quanto de direita, será o

ciberespaço. Contudo, falar de esquerda e direita atualmente torna-se um pouco

complexo. Muitos defendem que a divisão do universo político em duas partes opostas

não tem mais nenhuma razão para ser utilizada, pois em um país democrático não há

duas vertentes políticas, mas existem vários grupos que ora se opõem, ora se

sobrepõem. Outro fator para o desaparecimento dessa classificação seria a crise das

ideologias e de acordo com Bobbio, não há nada mais ideológico que a afirmação de

que as ideologias estão em crise:

E depois, “esquerda” e “direita” não indicam apenas ideologias.

Reduzi-las a pura expressão de pensamento ideológico seria uma

indevida simplificação. “Esquerda” e “direta” indicam programas

contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence

habitualmente à ação política, contraste não só de ideias, mas de

interesses e valorações a respeito da direção a ser seguida pela

sociedade e que não vejo como possam simplesmente desaparecer.

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Pode-se naturalmente replicar os contrastes existem, mas não são mais

os tempo em que nasceu a distinção; modificaram-se tanto que

tornaram anacrônicos e inadequados os velhos nomes (BOBBIO,

2001:51).

Os termos direita e esquerda se completam onde há uma também existe a outra,

da mesma forma que se uma não mais existe a outra também desaparecerá. Vivemos em

um mundo de constantes transformações onde há muitas esquerdas e direitas e com o

fim da união soviética pode-se observar o fim de uma esquerda bem delimitada no

tempo. Atualmente pode-se afirma que o uso dos termos caíram em desuso e no caso

no Brasil existem uma aglutinação de partidos que em um momento estão se

contrapondo e em outro se completam e alguns partidos são defensores do governo

militar, assim como os opositores que atuaram durante o regime militar continuam

atuantes ainda hoje. Assim, é importante evidenciar que esquerdas e direitas políticas

não desapareceram apenas se transformaram e se adequaram as novas condições

políticas.

III- HISTÓRIA, MEMÓRIA E DISCURSO: TERNUMA X TORTURA NUNCA

MAIS

Quando optamos por entender tais sites e suas ideologias politicas não podemos

deixar de levar em conta os usos da Memória no hipertexto. Uma vez que, com os

avanços tecnológicos das sociedades temos ampliação dos lugares de memória e o

ciberespaço torna-se um ambiente de preservação da mesma. Assim, os sites utilizam

como ponto de partida para suas defesas ideológicas o golpe civil militar de 1964, ou

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seja, resgatam os fatos ocorridos durante o período militar para a defesa de seus

posicionamentos políticos atuais. A memória constituiu-se com o passar do tempo

como um documento, uma fonte histórica que se tornou semelhante e distinta da

história, mas ao mesmo tempo unidas pelo passado.

Segundo Andreas Huyssen (2000), a sociedade moderna está obcecada pela

memória e tomada pelo medo do esquecimento e esse medo articula-se com as questões

sociais e politicas, mais precisamente, com questões sobre o holocausto na Europa e nos

Estados Unidos, ou dos presos políticos desaparecidos na América Latina. Esta

característica pode ser observada tanto nos sites de “esquerda” como de “direita”. O

autor ainda defende a ideia de que não podemos discutir memória pessoal, geracional ou

politica sem considerar a relevante influência das novas tecnologias de mídia como

veículos para todas as formas de memória, sejam elas filmes documentários, sites entre

outro.

A memória consiste numa operação coletiva de acontecimentos e das

interpretações do passado que se quer salvaguardar. Servindo como um fator

fortalecedor do sentimento de pertencimento ao um determinado grupo e fronteira

sociais. Assim, defende-se que a referência ao passado serve para manter a coesão dos

grupos e das instituições que compõe uma sociedade para definir seu lugar respectivo.

Mas, a defesa da memória também implica em problemas que é o da credibilidade e de

sua aceitação em uma determinada sociedade (POLLAK, 1989).

De acordo com essa definição nota-se que os Ternuma e o Tortura Nunca Mais,

pretendem abordar em suas páginas o que de fato para ambos é considerado

“verdadeiro” à medida que explicitam e defendem seus discursos eles fortalecem seu

sentimento de pertencimento aquele grupo sejam eles representantes dos militares que

defendem a ditadura ou “revolução”, como também os representantes dos militantes de

esquerda que buscam justiça pelos crimes cometidos por militares durante a ditadura.

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Nesse ponto, teremos o que Pollak (1989) define como um enquadramento da memória,

ou seja, toda instituição ou organização politica relaciona seu passado a uma imagem

que ela própria criou para si mesma.

O resgate da memória é um fenômeno contemporâneo em que homem

transfere seu olhar que antes focava no futuro, para o presente, buscando o resgate do

passado como forma de preservar ou construir identidades, cultura e também buscar

justiça. É nesse último que teremos o uso da memória como debate político quando se

propõe o seu resgate para trazer à tona a situação de presos políticos desaparecidos

levantando questões como a violação dos direitos humanos.

Assim, o uso da memória como um dever posterior à ditadura na maioria dos

países da América Latina e foi o seu uso que possibilitou a condenação de crimes

cometidos pelo Estado, assim os atos da memória foram fundamentais na transição

democrática, pois sem ele nenhuma condenação seria possível. (SARLO, 2007)

Ao abordar os sites e suas ideias, ficam evidentes os discursos travados por

ambos. Segundo Foucault (1971), o discurso não é um produto que traduz lutas ou

sistemas de dominação, mas o objetivo pelo que se luta e o poder do qual queremos no

apoderar, ou seja, na defesa de um discurso estará sua ligação com desejo e com o

poder. “O poder não está, pois, fora do discurso. O poder não é nem a fonte nem a

origem do discurso. O poder é algo que funciona através do discurso, porque o discurso

é ele mesmo, elemento em um dispositivo estratégico de relações de poder”

(FOUCALT, apud CASTRO, 2009: 120).

Assim, os sites ao defenderem suas ideias deixam explícito o objetivo de seus

discursos e suas relações com jogo de poderes. Ao fazer isso expelem seu maior desejo

que é a “vontade de verdade”, pois cada um apresenta suas ideologias em forma de

verdade, através do discurso o sujeito transforma-o na verdade de si mesmo. Dessa

maneira, o que veremos não será apenas um conjunto de palavras, mas um enunciado

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

organizado e formado por conhecimentos carregados de visões ideológicas, ou melhor,

visões políticas distintas que se pretendem ser tomadas como verdadeiras para um

determinado grupo.

José Luiz Fiorin (1988) defende que o discurso politico é persuasivo, e no

contexto politico de 1964, teremos um discurso por parte dos militares, regido pela

transformação do “caos” em “ordem” e englobando esse “caos”, estaria: desordem,

desgoverno, inflação, a anarquia e na “ordem”: disciplina, desenvolvimento,

honestidade. Simplificando as palavras de Fiorin, esse caos, seria as atitudes tomadas

pela esquerda brasileira como, por exemplo, a reformas políticas e como produto de tal

desordem surge a “revolução” feita por eles como uma forma de trazer “ordem” ao

Brasil e sufocar o “grande caos”, este seria por sua vez o comunismo. Esse discurso será

estabelecido pela oposição entre “nós” e “eles”. Assim, todo oposicionista será visto

pelo governo como traidor, essa interpretação desencadeou e justificou a repressão

contra a oposição. O “outro”, nesse caso a esquerda, será o responsável pelas ações

repressivas do governo sendo possível devido sua radicalização de ações. Essa ideologia

construída pelos militares em 1964 é fortemente explicitada ainda hoje nas páginas dos

sites de direita. Já o discurso travado pela esquerda em 1964 apresentará mudanças nos

tempos atuais antes se observa uma ideologia que almejava a implantação dos ideais

socialistas no Brasil, porém atualmente nota-se um ideal de buscar por justiça em

relação aos crimes cometidos por alguns militares na época da ditadura.

Terrorismo Nunca Mais

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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Fonte: imagem retirada da pagina da rede social do TERNUMA.

Fonte: imagem retirada da pagina inicial do TERNUMA

O site possui uma ideologia de direita em defesa dos militares tem como patrono

o General Emilio Garrastazu Médici e como presidente o General Valmir Fonseca

Azevedo Pereira, pertencente à Brigada reformado do Exercito Brasileiro. O grupo tem

sede na cidade de Brasília e em seu estatuto elaborado no ano de 2011 a entidade

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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

denomina-se como uma sociedade civil formada por civis e militares fundado no ano de

1998 com o objetivo de mostrar o que segundo eles é a “verdadeira versão da revolução

de 1964”. Em seu estatuto o grupo estabelece seus objetivos que serão: esclarecer e

denunciar os atos políticos realizados pelos terroristas (grupo de esquerda) durante o

regime militar com a finalidade de extinguir os privilégios concedidos a esquerda,

combater ideologias que ameacem os princípios democratas, promover e incentivar

manifestações patrióticas e discussão de assuntos nacionais de alta relevância e

mediante tais objetivos pretendem apoiar a assegurar as vitimas e familiares dos atos

cometidos pelos chamados terroristas e estimular a criação de regionais em todo o

território nacional. O site faz duras críticas aos grupos de esquerda afirmando que a

conduta dos “terroristas” hoje é aplaudida pela sociedade invertendo a história e

deturpando os ideais do Governo Militar.

Hoje, enquanto o comunismo jaz destroçado em quase todo o

mundo - inclusive em seu berço -, no Brasil, quintal das ideologias

extremistas, seus seguidores posam, capciosamente, como

"defensores" de uma democracia que tentaram e ainda tentam acabar.

Continuam com suas mesmas ideias retrógradas, buscando, mais uma

vez, iludir o povo brasileiro. (TERNUMA).

Segundo o TERNUMA, mesmo após o decreto da anistia que permitiu a volta

dos “comunistas” ao país como a sua integração na vida política, muitos deles ainda

hoje perseguem os que defenderam a ditadura essa ação praticada pela esquerda é

intitulada pelo site de revanchismo. Um dos seus links é o Justiçamentos o que de

acordo com TERNUMA, eram assassinatos praticados pelos revolucionários de

esquerda, ou seja, o assassinato dos próprios comunistas considerados traidores e os

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seus inimigos, os integrantes das forças legais de segurança e todos aqueles que com

elas colaboravam.

Fonte: imagem retirada da rede social do TERNUMA.

O grupo apresenta também uma lista de alguns revolucionários que lutaram

contra a ditadura militar. Estes são colocados por eles como “criminosos” que

receberam a anistia política e foram transformados em heróis. Logos após essa lista

encontra-se um link denominado Memorial que relata as possíveis vitimas do

movimento de esquerda.

O TERNUMA apresenta um “Baú da verdade” que tem como objetivo mostrar a

verdadeira história que não foi contada pelos chamados “comunistas”. Observe a

seguinte citação na qual o site explicita seu objetivo:

Nosso propósito é mostrar a chave do empoeirado baú que a

esquerda teima em não querer que seja aberto. Mostraremos fatos que,

por serem a expressão da verdade, contrapõem-se à visão

esquerdopata do que eles entendem por "abertura do submundo da

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ditadura”, pois são os primeiros a querer mantê-los fechados.

(TERNUMA)

Nessa citação o autor faz uma crítica à criação da Comissão da Verdade que

segundo ele não mostra verdade nenhuma apenas uma propaganda desenvolvida pela

esquerda brasileira. O site apresenta noticias da política atual brasileira ligada ao

período da ditadura e disponibilizam em seu acervo mais de mil artigos que segundo

seus autores, são “verdades históricas” que a esquerda brasileira escondeu todos esses

anos, um dos seus artigos trata de desmentir que os EUA participaram do golpe de

1964, segundo os militares tal afirmativa é um mito e a participação dos Estados Unidos

teria sido consolidada por documentos forjados pela espionagem tcheca que atuava em

1964 na KGB no Brasil. A operação que forjou tal “mentira” foi batizada de “Operação

Thomas Mem” montada por Lidislav Bittmam que chefiava o serviço secreto da

Tchecoslováquia e em 1985 o próprio Bittmam teria contado toda a historia em seu

livro “The KGB And Soviet Disinformation”, publicado em Washington é interessante

atentar que o livro que conta essa “verdade” foi publicado logo nos EUA.

Outra “mentira” que o TERNUMA desmente em um dos seus textos será sobre o

livro “Memórias de uma guerra suja”, publicado recentemente, a obra traz o

depoimento de um ex-delegado do DOPS chamado de Claúdio Guerra, sobre o período

final da ditadura. Uma das revelações do livro seria sobre a morte do delegado Fleury

que segundo Claudio Guerra, teria sido assassinado pelos próprios militares e que

militantes da esquerda teriam sido incinerados em uma usina. Mas no artigo intitulado

“Um Pedacinho da Historia” o autor desmente as afirmações descritas no livro.

(...) o Fleury era um paradigma do movimento anticomunista e

ainda por cima tinha irmão que era militar e meu conhecido. Ficou

provado que ele estava bêbado, quando caiu do barco. Ele não estava

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sozinho no local e foi retirado da água ainda com vida e socorrido. E

se planejassem a sua morte, desta decisão jamais iria participar este

cara. E muito menos uma decisão tão grave jamais seria tomada

mediante uma eleição para decidir a sua morte, em local público. Esta

é uma das maiores bazófias que ele inventou porque, evidentemente,

quer aparecer e se promover. ( PAULO PEDRO ROCHA

/TERNUMA)

Tortura Nunca Mais- RJ

Fonte: imagem da pagina inicial do GTNM-RJ

A página do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ (GTNM/RJ) foi criada pelo grupo

que possui a mesma denominação. Esse grupo foi formado em 1985 por ex-presos

políticos que sofreram tortura durante o Regime Militar e por familiares de mortos e

desaparecidos políticos desse mesmo período. Atualmente o grupo tem sua sede

localizada em Botafogo, no Rio de Janeiro, e tem como presidente Victória Lavínia

Grabois Olímpio, filha de Mauricio Grabois dirigente do Partido Comunista do Brasil

(PC do B) e desaparecido em 1973 na guerrilha do Araguaia. O GTNM/RJ tem sua base

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na defesa dos direitos humanos, na busca por justiça em nome dos mortos e

desaparecidos durante a Ditadura, desejo que fica explicito conforme citação abaixo:

Desta maneira, tem assumido um claro compromisso na luta

pelos direitos humanos, pelo esclarecimento das circunstâncias de

morte e desaparecimento de militantes políticos, pelo resgate da

memória histórica, pelo afastamento imediato de cargos públicos das

pessoas envolvidas com a tortura, pela formação de uma consciência

ética, convicto de que estas são condições indispensáveis na luta hoje

contra a impunidade e pela justiça. (GTNM/RJ)

Por essa defesa e luta pelos direitos humanos o GTNM/RJ tornou-se referência

nacional no assunto, o grupo também conseguiu o afastamento de profissionais de saúde

que colaboraram com a tortura durante o Governo Militar. Em sua apresentação no site

o GTNM/RJ elenca seus principais objetivos:

Os principais objetivos da entidade são:

- lutar contra toda e qualquer violação dos direitos humanos

- dar apoio e solidariedade às pessoas que lutam pela causa dos

direitos humanos no mundo

- intercambiar experiências e informações com entidades de direitos

humanos nacionais e internacionais

- dar assistência – reabilitação física e psicológica – a pessoas

atingidas pela violência organizada

- trazer a história de nosso país durante o período de ditadura,

esclarecendo as circunstâncias das prisões, torturas, mortes e

desaparecimentos ocorridos naquele período. (GTNM/RJ).

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Assim, o Grupo Tortura Nunca Mais vem lutando há anos para combater todo

tipo de autoritarismo e violência bem como denunciar os fatos ocorridos nas prisões

durante a Ditadura. O site traz um link que apresenta denúncias sobre os dias atuais e

dossiês de pessoas que foram vitimas de tortura e ainda conta com a disponibilidade de

uma equipe Clinico Jurídica que oferece assistência médica e jurídica e psicológica para

pessoas que sofreram alguma tortura durante o período militar e as que também sofrem

algum tipo de violência nos dias atuais, a equipe recebe assistência financeira do Fundo

das Nações Unidas para Tortura e da Comissão Europeia de Anistia Internacional sueca.

“Tem direito à assistência do Projeto Clínico-Jurídico as pessoas que,

comprovadamente, passaram por situações de violência e/ou tortura perpetradas por

agentes do Estado e os seus familiares”. (Projeto Clinico Jurídico GTNM/RJ).

Em suma, o projeto busca dar assistência clínica através de terapias e assistência

jurídica as vítimas da violência do Estado, terapêutica por meio de acompanhamento

psicológico as vitimas e jurídico assistindo no encaminhamento de processos e

buscando minimizar a exposição daqueles que encaminham as denúncias buscando

mediante a isso o apoio de outras entidades de defesa aos direitos humanos. O site

apresenta uma listagem de pessoas (militantes políticos mortos de 1964 a 1983) e de

desaparecidos no Brasil, Chile, Argentina, Bolívia.

Um fator importante que é abordado pela página do Tortura Nunca Mais é a

divulgação de um projeto de pesquisa iniciado em 1979 o chamado Brasil Nunca Mais

(BNM). A pesquisa é baseada no estudo da repressão no período do Governo Militar,

esse levantamento de dados é feito por meio de documentos produzidos pelas próprias

autoridades, dessa forma, foram reunidas cópias de processos políticos que abrangem o

ano de 1964 a 1979 e que transitaram no Supremo Tribunal Militar.

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A construção do projeto está pautada nos conceitos de Michel Foucault sobre o

poder, na qual traz a evolução política do Brasil entre 64 a 79 e a construção da

repressão através da ideologia da Doutrina de Segurança Nacional em seguida explica-

se o aparato teórico metodológico do relatório juntamente com construção das

organizações de esquerda no qual se coletou 10 mil documentos que serviram de

aparato para a pesquisa dos movimentos de esquerda, depois apresenta uma discussão

sobre a elaboração das leis no regime militar e no final apresenta a transcrição de

depoimentos de torturas sofridas no período. “São denúncias firmadas em juízo, com

nomes de torturadores, de centros de sevícias, de presos políticos assassinados, de

“desaparecidos”, de infâmias sem conta”. (Projeto Brasil Nunca Mais)

A finalidade desse projeto foi mostrar ao Brasil a verdade escondida da

repressão no período militar. O GTNM/RJ ainda dispõe em seu site, um jornal que posta

noticias sobre assuntos relacionados à violência e ditadura no Brasil e na América

latina. Além do jornal o Tortura Nunca Mais apresenta uma lista de artigos sobre

assuntos políticos do Brasil e do mundo.

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Fonte: imagem do jornal do GTNM.

Por todos esses aspectos mencionados na análise desses dois sites podemos

observar a divergência de ideais de ambos, pertencentes a correntes partidárias opostas

os dois buscam trazer a tona a “verdadeira” história do Brasil, ou seja, a realidade dos

fatos ocorridos durante a época do Governo Militar. O TERNUMA exibiu os

revolucionários de esquerda como “terroristas” que pretendiam o fim da democracia no

país através de um golpe de estado e que passado os anos ainda hoje cheios de ódio

perseguem os militares. O GTNM/RJ apresenta os militares como repressores e o

governo militar como uma ditadura que torturou e matou muitos entre os quais estão ate

inocentes.

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O Grupo Tortura Nunca Mais luta por meio da defesa dos direitos humanos para

que não se repitam no presente as atrocidades cometidas no passado. São ideais como

estes que busquei explicitar que navegam no ciberespaço, as Forças Armadas que tanto

reprimiu mediante a censura, hoje se utiliza desse meio o ciberespaço para divulgar suas

ideologias e os revolucionários opositores que foram reprimidos hoje podem contar a

sua versão da história.

IV- CONCLUSÃO

Pela observação dos aspectos analisados e pelo o que se procurou mostrar na

pesquisa ficou explícito que a invenção da Internet e do computador, ambas as criações

de militares americanos e contemporâneos a ditadura militar no Brasil, são relevantes

meios de disseminação das ideologias de esquerda e direita. O ciberespaço constitui-se

dessa forma, na base e no elemento chave de divulgação dessas ideias, pois de qualquer

lugar do país a sociedade pode ter acesso às essas fontes. No que se diz a respeito as

“verdades históricas” que os dois lados pretendem mostrar a nação brasileira fica-se a

conclusão de que ambos cometeram erros. O Brasil vive hoje o período mais longo de

democracia, um tempo dito novo. Assim o regime militar no Brasil apesar de extinto

ainda nos deixa muitas lacunas para serem preenchidas e o uso do ciberespaço hoje se

torna uma importante ferramenta na tentativa de buscar compreender esse período tão

movimentado da política brasileira.

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