radioquimioterapia com cisplatina, etoposido e ifosfamida associada a ácido valpróico em pacientes...

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Radioquimioterapia com cisplatina, etoposido e ifosfamida associada a ácido valpróico em pacientes com glioma pontino intrínseco difuso Francisco Hélder Cavalcante Félix 1 , Juvenia Bezerra Fontenele 2 1 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará 2 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará [email protected] XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica SOBOPE 2014 Introdução C rianças com glioma pontino intrínseco difuso (DIPG) têm prognóstico muito reservado. Este subgrupo es- pecífico de tumores cerebrais ocorre em 15-20% dos pa- cientes pediátricos com tumores cerebrais, sendo subesti- mado na maioria das séries [1]. No Brasil, carecemos de estudos populacionais. Um estudo retrospectivo de um grande serviço relatou 33/735 (4, 5%) de DIPG [2]. Em nosso serviço, observamos cerca de 14% de pacientes com DIPG [3]. A sobreviva em 2 anos costuma ser da ordem de 5-20% e virtualmente nenhum paciente tem sobrevida prolongada [4]. Os únicos fatores prognósticos reconheci- dos são a idade, o tempo de sintomatologia antes do diag- nóstico e o tratamento com quimoterapia e radioterapia [5]. Apenas a radioterapia é amplamente aceita como efi- caz, embora rotineiramente a quimioterapia seja utilizada durante e/ou após a radioterapia. Recentemente, um en- saio clínico fase II do GPOH relatou resultados que indi- caram eficácia de radioquimioterapia baseada em cispla- tina, etoposido e ifosfamida, seguida de uma manutenção baseada no ensaio CCG-934 do COG (HIT-GBM-D) [6]. Desde 2012, temos indicado o tratamento de pacientes com DIPG as per o protocolo HIT-GBM-D do GPOH, adaptado. Além disso, os pacientes fazem uso de ácido valpróico (VPA) off-label, 10-15 mg/kg/dia q8-12h. Re- centemente, um ensaio clínico fase I mostrou a segurança e possível atividade do VPA em pacientes pediátricos com tumores cerebrais recorrentes [7]. Nosso grupo publicou séries retrospectivas mostrando o possível efeito do VPA em pacientes com DIPG e outros tumores cerebrais de alto risco [8, 9]. Material e Métodos Uma análise retrospectiva de prontuários de pacientes que receberam este tratamento para DIPG em nosso centro, entre 2012 e 2014 foi realizada, após aprovação do pro- jeto pela Comissão de Ética em Pesquisa. O tratamento off-label com radioquimioterapia foi iniciado após con- sentimento informado dos responsáveis pelos pacientes. A sobrevida global foi calculada entre o diagnóstico e o óbito. A distribuição da probabilidade de sobrevida foi calculada com o método de Kaplan-Meier [10]. Obtive- mos a mediana de sobrevida e a mediana de seguimento da mesma forma. Todos os cálculos estatísticos foram re- alizados usando a linguagem R para Mac OSX 3.0 (R Foundation for Statistical Computing, 2010) Resultados e Discussão Ao todo, 9 pacientes com DIPG receberam tratamento “as per” HIT-GBM-D adaptado associado a ácido val- próico oral. Destes, 6 ainda estão vivos, com seguimento de 16, 13, 6, 5, 4 e 3 meses. A sobrevida em 6 meses para o grupo é de 86%, e a sobrevida em 12 meses é de 64%. Todos os pacientes demonstraram melhora clínica impor- tante. Até a última atualização do seguimento, apenas um dos pacientes sobreviventes havia apresentado progressão após o tratamento inicial. A mediana de sobrevida livre de progressão para o grupo é de 7 meses. A mediana de seguimento para todo o grupo é de 12 meses. Meses 0 4 8 12 16 20 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Figura 1: Pacientes com DIPG tratados com radioquimioterapia e ácido valpróico. Probabilidade de sobrevida calculada pelo método de kaplan-Meier. Sobrevida global (±IC 95%). Figura 2: Imagem representativa de paciente com DIPG do grupo. Ressonância magnética, sequência ponderada em T2, mostrando alargamento típico da ponte, mais ventral, com sinal patognomônico do englobamento da artéria basilar e alteração de sinal em T2 em praticamente toda a extensão pontina. Conclusão Nesta pequena série retrospectiva, a radioquimioterapia com cisplatina, etoposido, ifosfamida, associada a ácido valpróico demonstrou potencial no tratamento de pacien- tes com DIPG. Um ensaio clínico fase II “prova de con- ceito” seria o ideal para testar essa hipótese. Referências [1] RINEER J, Schreiber D, Choi K, Rotman M. Characterization and out- comes of infratentorial malignant glioma: a population-based study using the Surveillance Epidemiology and End-Results database. Radiother Oncol. 2010;95(3):321-6. [2] PINHO RS, Andreoni S, Silva NS, Cappellano AM, Masruha MR, Cavalheiro S, Vilanova LC. Pediatric central nervous system tumors: a single-center ex- perience from 1989 to 2009. J Pediatr Hematol Oncol. 2011;33(8):605-9. [3]ARAUJO OL, Trindade KM, Trompieri NM, Fontenele JB, Felix FH. Analy- sis of survival and prognostic factors of pediatric patients with brain tumor. J Pediatr (Rio J). 2011 Sep-Oct;87(5):425-32. [4] HARGRAVE D, Bartels U, Bouffet E. Diffuse brainstem glioma in children: critical review of clinical trials. Lancet Oncol. 2006 Mar;7(3):241-8. [5] JANSEN MH, Veldhuijzen van Zanten SE, Sanchez Aliaga E, et al. Survival prediction model of children with diffuse intrinsic pontine glioma based on clinical and radiological criteria. Neuro Oncol. 2014 Jun 5. pii: nou104. [Epub ahead of print]. [6]WOLFF JE, Kortmann RD, Wolff B, Pietsch T, Peters O, Schmid HJ, Rut- kowski S, Warmuth-Metz M, Kramm C. High dose methotrexate for pediatric high grade glioma: results of the HIT-GBM-D pilot study. J Neurooncol. 2011 May;102(3):433-42. [7] SU JM, Li XN, Thompson P et al Phase 1 study of valproic acid in pedia- tric patients with refractory solid or CNS tumors: a children’s oncology group report. Clin Cancer Res 2011;17(3):589–597 [8]FELIX FH, Trompieri NM, de Araujo OL, da Trindade KM, Fontenele JB. Potential role for valproate in the treatment of high- risk brain tumors of childhood-results from a retrospective observational cohort study. Pediatr He- matol Oncol 2011:28:556–570. [9] FELIX FH, de Araujo OL, da Trindade KM, Trompieri NM, Fontenele JB. Re- trospective evaluation of the outcomes of children with diffuse intrinsic pontine glioma treated with radiochemotherapy and valproic acid in a single center. J Neurooncol. 2014;116(2):261-6. [10] KAPLAN EL, Meier P. Nonparametric estimation from incomplete observati- ons. J Amer Stat Assoc 1958;53(282):457-81. Agradecimentos SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica

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Page 1: Radioquimioterapia com cisplatina, etoposido e ifosfamida associada a ácido valpróico em pacientes com glioma pontino intrínseco difuso

Radioquimioterapia com cisplatina, etoposido e ifosfamida associada aácido valpróico em pacientes com glioma pontino intrínseco difuso

Francisco Hélder Cavalcante Félix1, Juvenia Bezerra Fontenele21 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará

2 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará[email protected]

XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica — SOBOPE 2014

Introdução

Crianças com glioma pontino intrínseco difuso (DIPG)têm prognóstico muito reservado. Este subgrupo es-

pecífico de tumores cerebrais ocorre em 15-20% dos pa-cientes pediátricos com tumores cerebrais, sendo subesti-mado na maioria das séries [1]. No Brasil, carecemos deestudos populacionais. Um estudo retrospectivo de umgrande serviço relatou 33/735 (4, 5%) de DIPG [2]. Emnosso serviço, observamos cerca de 14% de pacientes comDIPG [3]. A sobreviva em 2 anos costuma ser da ordemde 5-20% e virtualmente nenhum paciente tem sobrevidaprolongada [4]. Os únicos fatores prognósticos reconheci-dos são a idade, o tempo de sintomatologia antes do diag-nóstico e o tratamento com quimoterapia e radioterapia[5]. Apenas a radioterapia é amplamente aceita como efi-caz, embora rotineiramente a quimioterapia seja utilizadadurante e/ou após a radioterapia. Recentemente, um en-saio clínico fase II do GPOH relatou resultados que indi-caram eficácia de radioquimioterapia baseada em cispla-tina, etoposido e ifosfamida, seguida de uma manutençãobaseada no ensaio CCG-934 do COG (HIT-GBM-D) [6].Desde 2012, temos indicado o tratamento de pacientescom DIPG as per o protocolo HIT-GBM-D do GPOH,adaptado. Além disso, os pacientes fazem uso de ácidovalpróico (VPA) off-label, 10-15 mg/kg/dia q8-12h. Re-centemente, um ensaio clínico fase I mostrou a segurançae possível atividade do VPA em pacientes pediátricos comtumores cerebrais recorrentes [7]. Nosso grupo publicouséries retrospectivas mostrando o possível efeito do VPAem pacientes com DIPG e outros tumores cerebrais dealto risco [8, 9].

Material e MétodosUma análise retrospectiva de prontuários de pacientes quereceberam este tratamento para DIPG em nosso centro,entre 2012 e 2014 foi realizada, após aprovação do pro-jeto pela Comissão de Ética em Pesquisa. O tratamentooff-label com radioquimioterapia foi iniciado após con-sentimento informado dos responsáveis pelos pacientes.A sobrevida global foi calculada entre o diagnóstico e oóbito. A distribuição da probabilidade de sobrevida foicalculada com o método de Kaplan-Meier [10]. Obtive-mos a mediana de sobrevida e a mediana de seguimentoda mesma forma. Todos os cálculos estatísticos foram re-alizados usando a linguagem R para Mac OSX 3.0 (RFoundation for Statistical Computing, 2010)

Resultados e Discussão

Ao todo, 9 pacientes com DIPG receberam tratamento“as per” HIT-GBM-D adaptado associado a ácido val-próico oral. Destes, 6 ainda estão vivos, com seguimentode 16, 13, 6, 5, 4 e 3 meses. A sobrevida em 6 meses parao grupo é de 86%, e a sobrevida em 12 meses é de 64%.Todos os pacientes demonstraram melhora clínica impor-tante. Até a última atualização do seguimento, apenas umdos pacientes sobreviventes havia apresentado progressãoapós o tratamento inicial. A mediana de sobrevida livrede progressão para o grupo é de 7 meses. A mediana deseguimento para todo o grupo é de 12 meses.

Meses

0 4 8 12 16 20

00,

20,

40,

60,

81

Figura 1: Pacientes com DIPG tratados com radioquimioterapia e ácido

valpróico. Probabilidade de sobrevida calculada pelo método de kaplan-Meier.

Sobrevida global (±IC95%).

Figura 2: Imagem representativa de paciente com DIPG do grupo. Ressonância

magnética, sequência ponderada em T2, mostrando alargamento típico da ponte,

mais ventral, com sinal patognomônico do englobamento da artéria basilar e

alteração de sinal em T2 em praticamente toda a extensão pontina.

ConclusãoNesta pequena série retrospectiva, a radioquimioterapiacom cisplatina, etoposido, ifosfamida, associada a ácidovalpróico demonstrou potencial no tratamento de pacien-tes com DIPG. Um ensaio clínico fase II “prova de con-ceito” seria o ideal para testar essa hipótese.

Referências

[1] RINEER J, Schreiber D, Choi K, Rotman M. Characterization and out-comes of infratentorial malignant glioma: a population-based study usingthe Surveillance Epidemiology and End-Results database. Radiother Oncol.2010;95(3):321-6.

[2] PINHO RS, Andreoni S, Silva NS, Cappellano AM, Masruha MR, CavalheiroS, Vilanova LC. Pediatric central nervous system tumors: a single-center ex-perience from 1989 to 2009. J Pediatr Hematol Oncol. 2011;33(8):605-9.

[3] ARAUJO OL, Trindade KM, Trompieri NM, Fontenele JB, Felix FH. Analy-sis of survival and prognostic factors of pediatric patients with brain tumor. JPediatr (Rio J). 2011 Sep-Oct;87(5):425-32.

[4] HARGRAVE D, Bartels U, Bouffet E. Diffuse brainstem glioma in children:critical review of clinical trials. Lancet Oncol. 2006 Mar;7(3):241-8.

[5] JANSEN MH, Veldhuijzen van Zanten SE, Sanchez Aliaga E, et al. Survivalprediction model of children with diffuse intrinsic pontine glioma based onclinical and radiological criteria. Neuro Oncol. 2014 Jun 5. pii: nou104. [Epubahead of print].

[6] WOLFF JE, Kortmann RD, Wolff B, Pietsch T, Peters O, Schmid HJ, Rut-kowski S, Warmuth-Metz M, Kramm C. High dose methotrexate for pediatrichigh grade glioma: results of the HIT-GBM-D pilot study. J Neurooncol. 2011May;102(3):433-42.

[7] SU JM, Li XN, Thompson P et al Phase 1 study of valproic acid in pedia-tric patients with refractory solid or CNS tumors: a children’s oncology groupreport. Clin Cancer Res 2011;17(3):589–597

[8] FELIX FH, Trompieri NM, de Araujo OL, da Trindade KM, Fontenele JB.Potential role for valproate in the treatment of high- risk brain tumors ofchildhood-results from a retrospective observational cohort study. Pediatr He-matol Oncol 2011:28:556–570.

[9] FELIX FH, de Araujo OL, da Trindade KM, Trompieri NM, Fontenele JB. Re-trospective evaluation of the outcomes of children with diffuse intrinsic pontineglioma treated with radiochemotherapy and valproic acid in a single center. JNeurooncol. 2014;116(2):261-6.

[10] KAPLAN EL, Meier P. Nonparametric estimation from incomplete observati-ons. J Amer Stat Assoc 1958;53(282):457-81.

Agradecimentos

SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica