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Tratamento de pacientes pediátricos com tumores cerebrais multiplamente recorrentes com temozolomida e ácido valpróico Francisco Hélder Cavalcante Félix 1 , Orlandira Leite de Araújo 1 , Nádia Mendonça Trompieri 1 , Kelly Kaliana dos Santos 2 , Juvenia Bezerra Fontenele 2 1 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará 2 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará [email protected] XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica SOBOPE 2014 Introdução O tratamento de tumores cerebrais pediátricos evoluiu consideravelmente nos últimos 20 anos. A sobrevida livre de doença tem aumentado significantemente para as doenças mais frequentes. No entanto, ainda existem vá- rios desafios. O prognóstico de pacientes pediátricos com tumores cerebrais malignos recorrentes costuma ser extre- mamente sombrio. Invariavelmente, a mediana de sobre- vida não passa de 3-4 meses [1, 2]. Crianças com gliomas de baixo grau com recorrência após múltiplos esquemas de QT/RT também constituem um desafio terapêutico [3]. A temozolomida é hoje utilizada no mundo inteiro como agente ativo em pacientes com tumores cerebrais recor- rentes. Recentemente, um ensaio clínico fase II mostrou a possível atividade da temozolomida em pacientes pe- diátricos com tumores cerebrais recorrentes [2]. Em nosso serviço hospitalar, usamos valproato profilático de rotina. Recentemente, um ensaio clínico fase I mostrou a segu- rança e possível atividade do ácido valpróico em pacien- tes pediátricos com tumores cerebrais recorrentes [4]. Um estudo observacional sugeriu que pacientes com glioblas- toma têm melhor sobrevida ao receberem temozolomida, radioterapia (RT) e valproato [5]. Material e Métodos Uma análise retrospectiva de prontuários foi realizada, após aprovação do projeto pela Comissão de Ética em Pesquisa. O tratamento off-label com temozolomida e ácido valpróico foi iniciado após consentimento informado dos responsáveis pelos pacientes. A sobrevida livre de eventos foi calculada entre a data da recidiva e a pro- gressão da doença ou até o óbito. A distribuição da pro- babilidade de sobrevida foi calculada com o método de Kaplan-Meier [6]. Obtivemos a mediana de sobrevida e a mediana de seguimento da mesma forma. Todos os cál- culos estatísticos foram realizados usando a linguagem R para Mac OSX 3.0 (R Foundation for Statistical Compu- ting, 2010). Resultados e Discussão Quatorze pacientes foram tratados com temozolomida e valproato. A mediana de idade foi 10,4 anos. Seis do sexo masculino. Pacientes com doença multiplamente recor- rente (2 ou mais esquemas prévios de QT) tinham glioma de baixo grau (3), tumor pontino difuso (1), glioblastoma (1), ependimoma anaplásico (1) e meduloepitelioma (1). Pacientes com doença recorrente (1 esquema prévio de QT) tinham tumor pontino difuso (2), glioblastoma (1), meduloblastoma (1), ependimoma anaplásico (1), tumor de pineal metastático (1) e tumor de tronco cerebral fo- cal (1). A mediana de seguimento foi de 14 meses e a mediana até a progressão ou óbito foi de 9 meses. Até o final deste estudo, 6 pacientes da série não haviam pro- gredido, com 10, 13, 14, 18, 21, 21 e 73 meses de segui- mento. Destes, 4 têm tumores de tronco focais (2 astro- citomas de baixo grau), 1 tem astrocitoma pilomixóide do diencéfalo multiplamente recorrente e 1 tem glioblas- toma. Adicionalmente, outros 2 pacientes estão vivos com 5 e 10 meses de seguimento, apesar de terem apresentado progressão (tumor pontino difuso e ependimoma anaplá- sico multiplamente recorrente). Até o fim deste estudo, a paciente com glioblastoma recorrente (radiologicamente confirmado) estava sem progressão com seguimento de 13 meses. A Meses 0 12 24 36 48 60 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 B Meses 0 12 24 36 48 60 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Figura 1: Pacientes com tumor cerebral recorrente tratados com temozolomida. Probabilidade de sobrevida calculada pelo método de kaplan-Meier. (A) Sobrevida global (±IC 95%). (B) Sobrevida livre de eventos (±IC 95%). Figura 2: Melhor resposta RECIST da paciente com glioblastoma recorrente tratada com temozolomida e ácido valpróico. (A) RM (T1 contrastada) realizada logo após a recidiva, em uso do esquema. (B) Melhor resposta sustentada, 20% de redução, imagem 6 meses após a anterior. Conclusão Nesta pequena série retrospectiva, a temozolomida asso- ciada ao ácido valpróico mostrou atividade no controle de tumores cerebrais malignos recorrentes em crianças. Um paciente com glioblastoma recorrente apresentou uma so- brevida livre de progressão prolongada. Referências [1]GAJJAR A, Packer RJ, Foreman NK, Cohen K, Haas-Kogan D, Merchant TE; COG Brain Tumor Committee. Children’s Oncology Group’s 2013 blu- eprint for research: central nervous system tumors. Pediatr Blood Cancer. 2013;60(6):1022-6. [2] NICHOLSON HS, Kretschmar CS, Krailo M, Bernstein M, Kadota R, Fort D, Friedman H, Harris MB, Tedeschi-Blok N, Mazewski C, Sato J, Reaman GH. Phase 2 study of temozolomide in children and adolescents with recurrent central nervous system tumors: a report from the Children’s Oncology Group. Cancer. 2007;110(7):1542-50. [3] HWANG EI, Jakacki RI, Fisher MJ, Kilburn LB, Horn M, Vezina G, Rood BR, Packer RJ. Long-term efficacy and toxicity of bevacizumab-based the- rapy in children with recurrent low-grade gliomas. Pediatr Blood Cancer. 2013;60(5):776-82. [4] SU JM, Li XN, Thompson P et al Phase 1 study of valproic acid in pedia- tric patients with refractory solid or CNS tumors: a children’s oncology group report. Clin Cancer Res 2011;17(3):589–597 [5] WELLER M, Gorlia T, Cairncross JG et al Prolonged survival with valproic acid use in the EORTC/NCIC temozolomide trial for glioblastoma. Neurology 2011;77:1156–1164 [6] KAPLAN EL, Meier P. Nonparametric estimation from incomplete observati- ons. J Amer Stat Assoc 1958;53(282):457-81. Agradecimentos SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica

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Page 1: Tratamento de pacientes pediátricos com tumores cerebrais multiplamente recorrentes com temozolomida e ácido valpróico

Tratamento de pacientes pediátricos com tumores cerebraismultiplamente recorrentes com temozolomida e ácido valpróico

Francisco Hélder Cavalcante Félix1, Orlandira Leite deAraújo1, Nádia Mendonça Trompieri1, Kelly Kaliana dos

Santos2, Juvenia Bezerra Fontenele21 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará

2 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará[email protected]

XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica — SOBOPE 2014

Introdução

Otratamento de tumores cerebrais pediátricos evoluiuconsideravelmente nos últimos 20 anos. A sobrevida

livre de doença tem aumentado significantemente para asdoenças mais frequentes. No entanto, ainda existem vá-rios desafios. O prognóstico de pacientes pediátricos comtumores cerebrais malignos recorrentes costuma ser extre-mamente sombrio. Invariavelmente, a mediana de sobre-vida não passa de 3-4 meses [1, 2]. Crianças com gliomasde baixo grau com recorrência após múltiplos esquemas deQT/RT também constituem um desafio terapêutico [3].A temozolomida é hoje utilizada no mundo inteiro comoagente ativo em pacientes com tumores cerebrais recor-rentes. Recentemente, um ensaio clínico fase II mostroua possível atividade da temozolomida em pacientes pe-diátricos com tumores cerebrais recorrentes [2]. Em nossoserviço hospitalar, usamos valproato profilático de rotina.Recentemente, um ensaio clínico fase I mostrou a segu-rança e possível atividade do ácido valpróico em pacien-tes pediátricos com tumores cerebrais recorrentes [4]. Umestudo observacional sugeriu que pacientes com glioblas-toma têm melhor sobrevida ao receberem temozolomida,radioterapia (RT) e valproato [5].

Material e MétodosUma análise retrospectiva de prontuários foi realizada,após aprovação do projeto pela Comissão de Ética emPesquisa. O tratamento off-label com temozolomida eácido valpróico foi iniciado após consentimento informadodos responsáveis pelos pacientes. A sobrevida livre deeventos foi calculada entre a data da recidiva e a pro-gressão da doença ou até o óbito. A distribuição da pro-babilidade de sobrevida foi calculada com o método deKaplan-Meier [6]. Obtivemos a mediana de sobrevida e amediana de seguimento da mesma forma. Todos os cál-culos estatísticos foram realizados usando a linguagem Rpara Mac OSX 3.0 (R Foundation for Statistical Compu-ting, 2010).

Resultados e DiscussãoQuatorze pacientes foram tratados com temozolomida evalproato. A mediana de idade foi 10,4 anos. Seis do sexomasculino. Pacientes com doença multiplamente recor-rente (2 ou mais esquemas prévios de QT) tinham gliomade baixo grau (3), tumor pontino difuso (1), glioblastoma(1), ependimoma anaplásico (1) e meduloepitelioma (1).Pacientes com doença recorrente (1 esquema prévio de

QT) tinham tumor pontino difuso (2), glioblastoma (1),meduloblastoma (1), ependimoma anaplásico (1), tumorde pineal metastático (1) e tumor de tronco cerebral fo-cal (1). A mediana de seguimento foi de 14 meses e amediana até a progressão ou óbito foi de 9 meses. Até ofinal deste estudo, 6 pacientes da série não haviam pro-gredido, com 10, 13, 14, 18, 21, 21 e 73 meses de segui-mento. Destes, 4 têm tumores de tronco focais (2 astro-citomas de baixo grau), 1 tem astrocitoma pilomixóidedo diencéfalo multiplamente recorrente e 1 tem glioblas-toma. Adicionalmente, outros 2 pacientes estão vivos com5 e 10 meses de seguimento, apesar de terem apresentadoprogressão (tumor pontino difuso e ependimoma anaplá-sico multiplamente recorrente). Até o fim deste estudo, apaciente com glioblastoma recorrente (radiologicamenteconfirmado) estava sem progressão com seguimento de 13meses.

A

Meses

0 12 24 36 48 60

00,2

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0,8

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B

Meses

0 12 24 36 48 60

00,2

0,4

0,6

0,8

1

Figura 1: Pacientes com tumor cerebral recorrente tratados com temozolomida.

Probabilidade de sobrevida calculada pelo método de kaplan-Meier. (A)

Sobrevida global (±IC95%). (B) Sobrevida livre de eventos (±IC95%).

Figura 2: Melhor resposta RECIST da paciente com glioblastoma recorrente

tratada com temozolomida e ácido valpróico. (A) RM (T1 contrastada) realizada

logo após a recidiva, em uso do esquema. (B) Melhor resposta sustentada, 20%

de redução, imagem 6 meses após a anterior.

ConclusãoNesta pequena série retrospectiva, a temozolomida asso-ciada ao ácido valpróico mostrou atividade no controle detumores cerebrais malignos recorrentes em crianças. Umpaciente com glioblastoma recorrente apresentou uma so-brevida livre de progressão prolongada.

Referências

[1] GAJJAR A, Packer RJ, Foreman NK, Cohen K, Haas-Kogan D, MerchantTE; COG Brain Tumor Committee. Children’s Oncology Group’s 2013 blu-eprint for research: central nervous system tumors. Pediatr Blood Cancer.2013;60(6):1022-6.

[2] NICHOLSON HS, Kretschmar CS, Krailo M, Bernstein M, Kadota R, FortD, Friedman H, Harris MB, Tedeschi-Blok N, Mazewski C, Sato J, ReamanGH. Phase 2 study of temozolomide in children and adolescents with recurrentcentral nervous system tumors: a report from the Children’s Oncology Group.Cancer. 2007;110(7):1542-50.

[3] HWANG EI, Jakacki RI, Fisher MJ, Kilburn LB, Horn M, Vezina G, RoodBR, Packer RJ. Long-term efficacy and toxicity of bevacizumab-based the-rapy in children with recurrent low-grade gliomas. Pediatr Blood Cancer.2013;60(5):776-82.

[4] SU JM, Li XN, Thompson P et al Phase 1 study of valproic acid in pedia-tric patients with refractory solid or CNS tumors: a children’s oncology groupreport. Clin Cancer Res 2011;17(3):589–597

[5] WELLER M, Gorlia T, Cairncross JG et al Prolonged survival with valproicacid use in the EORTC/NCIC temozolomide trial for glioblastoma. Neurology2011;77:1156–1164

[6] KAPLAN EL, Meier P. Nonparametric estimation from incomplete observati-ons. J Amer Stat Assoc 1958;53(282):457-81.

Agradecimentos

SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica