quilombos um legado da escravidão

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Universidade Federal de Mato Grosso Programa de Pós-Graduação em História QUILOMBOS: Um legado da Escravidão Professor SILVÂNIO BARCELOS Aluno doutorado História PPGHis

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Page 1: Quilombos um legado da escravidão

Universidade Federal de Mato Grosso

Programa de Pós-Graduação em História

QUILOMBOS: Um legado da Escravidão

Professor

SILVÂNIO BARCELOS

Aluno doutorado História PPGHis

Page 2: Quilombos um legado da escravidão

Família de quilombolas: Associação de Pequenos

Produtores Rurais de Mata Cavalo de Baixo

Acervo: Prof. Silvânio Barcelos

Page 3: Quilombos um legado da escravidão

.

Page 4: Quilombos um legado da escravidão

Stuart Hall

Cresceu num ambiente marcado pelo movimento de independência de seu país e pelo estigma da II Guerra Mundial.

Adquiriu consciência das contradições da cultura colonial de classe e de cor.

Em 1951 muda-se para a Inglaterra: estudou em Oxford.

Associou-se à 1ª. Geração de inteligência negra anti-colonialista e mais tarde filia-se à “new left inglesa”.

Esteve no centro da discussão sobre desarmamento nuclear e a questão racial britânica.

Page 5: Quilombos um legado da escravidão

Hall: Experiência diaspórica

1492: início da aventura euro-imperial.

No Caribe: Desde a colonização européia e o comércio de escravos.

1960: Rastafarianismo, Reggae.

Similitudes entre diáspora negra e judaica:

História de um povo no exílio dominado por um poder estrangeiro e distante de casa.

Móises liderou seu povo livrando-o do cativeiro.

Page 6: Quilombos um legado da escravidão

Pensando a DIÁSPORA

“Tal qual ocorre comumente às comunidades

transnacionais, a família ampliada – como rede e

local de memória – constitui o canal crucial entre os

dois lugares”. P. 26

DES-LOCAMENTO: Sensação de “não estarmos em

casa”. Jamais podemos voltar à “cena primária”.

Para Hall a única saída possível é:

MAIS UMA QUESTÃO DE BUSCAR ESTAR EM CASA

AQUI, NO ÚNICO MOMENTO E CONTEXTO QUE

TEMOS.

Page 7: Quilombos um legado da escravidão

África retornada

Nem a África dos escravos, nem a África

partilhada:

“A ÁFRICA QUE SE TORNOU NO NOVO MUNDO,

NO TURBILHÃO VIOLENTO DO SINCRETISMO

COLONIAL, REFORJADA NA FORNALHA DO

PANELÃO COLONIAL.”

Movimento Rastafari: representou um retorno à

“nós mesmos” ressignificando a África na

diáspora.

Rastafarianismo: tornou negra definitivamente a

Jamaica, descolonizando as mentes.

Page 8: Quilombos um legado da escravidão

Patrícia de Santana Pinho:

Reinvenções da África na Bahia

• “A África da qual se fala aqui não é o imenso continente africano, que abriga dezenas de diferentes países e centenas de diferentes povos. É uma África que pode até ser muitas Áfricas, mas que permanece una. África que é tribal, vinculada ao passado e aos ancestrais, mas que seria sobretudo fiel aos seus descendentes, quer estes habitem ou não em suas terras, pois o que importa é que a África, possuindo a totalidade indivisível de um signo, resida no campo fértil e criativo dos imaginários afro descendentes”.

Page 9: Quilombos um legado da escravidão

.

Page 10: Quilombos um legado da escravidão

Impacto violento da escravidão na

sociedade moderna

“A novidade que representa o pós-moderno

se oblitera quando analisada sob a luz

histórica inexorável que representou os

encontros entre europeus e aqueles que eles

conquistaram, mataram e escravizaram, de

uma forma brutal e inconseqüente.” (Paul

Gilroy: Atlântico negro)

Page 11: Quilombos um legado da escravidão

“Plantation uma antinomia da

modernidade”

Pequena nação em si mesma.

Sistema atrasado, pré-capitalista

Relações de trabalho análogo à Europa Feudal

“junto ao cristianismo que não fez outra coisa senão servir à causa burguesa, com seus aparatos ideológicos da sujeição escrava, a Plantation significava estagnação, quando não recuo, que encerrava a civilização na parte externa do mundo iluminista.” (Paul Gilroy: Atlântico negro)

Page 12: Quilombos um legado da escravidão

Política de transfiguração

“Aponta especificamente para a

formação de uma comunidade de

necessidades e solidariedades, que é

magicamente tornada audível na

música em si e palpável nas relações

sociais de sua utilidade e reprodução

cultural” (Atlântico Negro, p. 96)

Page 13: Quilombos um legado da escravidão

Contradições da

modernidade

Trabalho escravo:

Formação do capitalismo ocidental

Forte influência nas culturas do ocidente

Idéias disseminadas pela música negra

e pelas práticas culturais africanas

ESFORÇO NO SENTIDO DE APAGAR

A MEMÓRIA DA ESCRAVIDÃO

Page 14: Quilombos um legado da escravidão

Escravidão no Brasil

Luís Felipe de Alencastro (cientista político e

historiador, professor titular da cátedra de

História do Brasil na Sorbonne):

História da escravidão atlântica não privilegia

o Atlântico Sul (eurocentrismo)

Comércio triangular: História EUA

Comércio bi-angular: História Brasil

Page 15: Quilombos um legado da escravidão

Escravidão no Brasil

Mary del Priore

Prefácio obra: Escravidão e Universo Cultural na Colônia (Eduardo França Paiva):

Metáfora do “buraco negro”: Vazio na História da Humanidade (em relação à escravidão racial) del Priore

Paiva: CRÍTICA: A idéia do africano escravizado desprovido de qualquer conhecimento e de capacidade intelectual, totalmente impregnado por crendices e costumes degenerados

Page 16: Quilombos um legado da escravidão

Escravidão no Brasil

Novos conceitos

Robert Slenes: Família escrava “uma

realidade”

João José Reis e Eduardo Silva:

negociação e conflito (resistência ao

regime: a brecha camponesa)

Manolo Florentino: Paz nas senzalas =

famílias escravas

Page 17: Quilombos um legado da escravidão

Escravidão em Mato Grosso (pouco estudado)

Luíza Rios Ricci Volpato: Cativos do

sertão: vida cotidiana e escravidão em

Cuiabá: 1850 / 1888.

Israel Faria de Figueiredo: “As negras

de tabuleiro” – Cuiabá

Cristiane dos Santos Silva: Irmãos de

fé, irmãos no poder: A irmandade de

Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

Carlos Alberto Rosa: “Escravos

urbanos na Cuiabá do século XVIII”

Page 18: Quilombos um legado da escravidão

QUILOMBO: Conceitos

Senso comum:

Espaço de fuga, local de difícil acesso, sertão, deserto.

Segundo Kabengele Munanga:

“Kilombo”: palavra de origem Bantu, refere-se à povos que habitaram a região entre o Zaire e Angola.

Origem mitológica no Império Luba

Kilombo = Sociedade guerreira

Forças de expansão e conquistas territoriais

Page 19: Quilombos um legado da escravidão

Continuação...

Definição de quilombo de acordo com a ABA – Associação Brasileira de Antropologia:

“Grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.

Processos de fuga com ocupação de terras isoladas ou não.

Heranças

Doações

Recebimento de terras em pagamento por serviços prestados ao Estado

Permanência em locais distintos onde trabalhavam os escravos.

Simples compra das terras, pelos escravos.

Page 20: Quilombos um legado da escravidão

Estudo de caso

Breve histórico da cadeia dominial do Imóvel

da Sesmaria Boa Vida que originou a área

pertencente à Comunidade de

Remanescentes do Quilombo Mata Cavalo,

localizada no Município de Livramento, em

Mato Grosso, Brasil.

Page 21: Quilombos um legado da escravidão

D. Tereza (presidente do quilombo) e o Sr. Antonio Mulato (patriarca honorário da comunidade), à

direita. (Acervo: Prof. Silvânio Barcelos)

Page 22: Quilombos um legado da escravidão

Cadeia dominial do Imóvel da Sesmaria Boa Vida: Origem do Mata Cavalo

1751: José Paes Falcão requere à D. Antonio Rolim de Moura uma sesmaria entre os córregos: Estiva, Mata Cavalo e Mutuca.

1788: Alferes Antônio Xavier de Siqueira, filho de José Paes Falcão, realiza a medição da terra colocando os quatro marcos de aroeira roliça. OFICIALIZAÇÃO DA POSSE.

1804: Morre Antônio Xavier de Siqueira: A propriedade é dividia em duas e repassadas aos membros de sua família.

Page 23: Quilombos um legado da escravidão

Continuação...

1850: D. Custódia de Arruda e Silva arremata a Sesmaria

Boa Vida (uma parte da herança) que logo após é colocada

à disposição da justiça por questões financeiras.

Ricardo José Alves Bastos arremata em leilão a Sesmaria

Boa Vida por 1 conto de réis.

5/Dezembro/1874: acometido por grave doença, o Sr.

Ricardo José Alves Bastos institui um fideicomisso com

sua esposa, D. Ana da Silva Tavares (fiduciária), tendo

como fideicomissário seu vizinho Francisco José da Silva.

De acordo com o fideicomisso a propriedade seria

transferida ao Sr. Francisco após a morte de D. Ana.

Page 24: Quilombos um legado da escravidão

Continuação...

O fideicomisso foi extinto devido à morte do Sr.

Francisco José da Silva, em 19/Março/1883.

A propriedade da Sesmaria Boa Vida é

transferida para D. Ana da Silva Tavares.

15/Setembro/1883: D. Ana convoca para a sede

do Engenho Boa Vida o Escrivão de Paz e Nota

de Livramento – MT, Sr. Manoel Antonio Ferraz, e

determina o assento no Livro nº 49 três

vontades:

Page 25: Quilombos um legado da escravidão

Continuação...

A) Confirmação da doação de parte da Sesmaria Boa Vida para os herdeiros de Francisco José da Silva.

B) Doação do Ribeirão Mutuca, por parte de D. Ana da Silva Tavares para Leopoldino Alves da Costa.

C) Doação feita para seus escravos de parte da Sesmaria Boa Vida, assinando à rodo de D. Ana, José Paes de Proença na presença de duas testemunhas: Joaquim Leite de Medeiros e Mateus Antonio da Costa. Folhas 110 à 112 do translado do Livro da Câmara de Livramento, sob guarda do INTERMAT.

O LIVRO NO. 49 DESAPARECEU EM CIRCUNSTÂNCIAS MISTERIOSAS.

Page 26: Quilombos um legado da escravidão

Continuação...

Em 1896: O ex-escravo Vicente Ferreira

Mendes compra do herdeiro Leopoldino

Alves da Costa a área conhecida como

Ribeirão Mutuca.

Questão Jurídica: legitimidade da

propriedade

Realidade fundiária: quilombolas da

Associação dos Pequenos Produtores

Rurais do Mutuca ocupam a região desde

1883.

Page 27: Quilombos um legado da escravidão

Desestruturação do Quilombo

• Marcha para Oeste (1930):

• Sonho do eldorado: pauperização

• Terras passam a ter valor

• Desestruturação do Mata Cavalo:

Vendas de terras, invasões, grilagem

e engodo

Page 28: Quilombos um legado da escravidão

A fênix negra

• Década de 1950/60: o difícil retorno

• Compra: Fazenda de Antonio Mulato

• Processos de re(ocupação) das áreas

devolutas do quilombo

• Chegada dos sem terras

• Violência e conflito: Fazendeiros também

reclamam o direito à terra

Page 29: Quilombos um legado da escravidão

Depoimento de D. Tereza: Nov./ 2009:

Acervo: Prof. Silvânio Barcelos

• “Teve uma vez que nos fizemos uma reunião [...] lá no Centro Familiar, na casa do Padre lá no Livramento, aí veio muita gente, o defensor público veio lá. Aí tinha fazendeiro tinha remanescente foi tudo. O pessoal de Livramento quando viu nós descendo do ônibus parado lá perguntou: o que que morreu aí no centro familiar que urubu ta montoado? Era nós que tava descendo! o que que morreu aí que urubu ta comendo? Ta montoado ai.... o povo gritava, apedrejava. Jogava pedra, mandava as crianças jogar pedra. Negrada do Mata Cavalo! negrada do Mata Cavalo! Tem um mercado aí, o dono do mercado falou assim (compra gado que cria no pasto dos negros) : Se fosse eu que fosse o seu Titito eu tinha posto veneno em todas carnes dessas vacas e repartido por todos esses negros do Mata Cavalo pra morrer tudo. Ou então comprar uma bomba e pagar um helicóptero e soltar a bomba no meio desses negros aí do Mata Cavalo. O que nós temos escutado meu Deus do céu, só Deus. Ainda tamos escutando.”

Page 30: Quilombos um legado da escravidão

• .

Page 31: Quilombos um legado da escravidão

IDENTIDADE QUILOMBOLA: Novas

formas de lutas

Constituição Federal de 1988

A MEMÓRIA DA ESCRAVIDÃO:

Memória dos antepassados

Recuperação e, também, invenção das

tradições

Identidade afro-referenciada: suposta

“essência africana”

Page 32: Quilombos um legado da escravidão

Resistência negra

Consciência do ser-no-mundo

Movimentos negros: “ideais da negritude”

Comissão Pastoral da Terra

Conexão com os movimentos negros

mundiais.

Visão crítica do mundo

Page 33: Quilombos um legado da escravidão

Bibliografia consultada

BARCELOS, Silvânio. Quilombo Mata Cavalo: Terra, conflito e os caminhos da identidade negra. Dissertação de Mestrado, UFMT. 2011

Florentino, Manolo. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 C. 1850 / Manolo Florentino, José Roberto Góes. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

Gilroy, Paul, 1956. O Atlântico Negro : Modernidade e dupla consciência. São Paulo; Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

Page 34: Quilombos um legado da escravidão

continuação

Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; tradução Adelaine La Guardia Resende... [et. al.]. – Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

Munanga, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. São Paulo: Revista USP, edição Dezembro/Fevereiro 1995-96.

Paiva, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

PINHO, Patrícia de Santana. Reinvenções da África na Bahia/ Patrícia de Santana Pinho – São Paulo : Annablume, 2004.

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continuação

Slenes, Robert. Família escrava e trabalho. Artigo publicado na Revista Tempo (Departamento de história da UFF), vol. 3, número 6 de dezembro de 1998.

Silva, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.