que tipo de república - florestan fernandes.pdf

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QuetipodeRepblica? SEBO ALIANA 3107-4809 Av.Brig.Luis Antnio,269- Centro COMPRO-VENDO-USADOS LIVROS- CD'S- DVD'S- LP'S- SOM FITAS- VIDEO- TV ...OBS:........................ .....E-mail:[email protected]. br www.seboalianca.com.br FlorestanFernandes QUE TIPO DE REPBLICA? iP 1 986 Copyright Florestan Fernandes Capa: Moema Cavalcanti Reviso: M. Sylvia Correa Lcio F. Mesquita Filho [p EditoraBrasiliense S.A. R.General Jardim,160 01223- So Paulo- SP Fone (011 I 231-1422 ndice Prefcio - Antonio Candido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Nota explicativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Parte 1 A CONJUNTURA POLTICA A esquerda e a Constituio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 Egosmo,covardia e terror. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 Pacto social brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25 A nova etapa da politica econmica. . . . . . . . . . . . . . . . .29 O dispositivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 Constituio e revoluo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 Q "t"?41uem paga opac o.. ......................... . Congresso Constituinte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44 O cachimbo e a boca. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .48 Quem ganhou?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 Embates eleitorais e luta pela vida. . . . . . . . . . . . . . . . . .56 Aspremissas sociais da democracia. . . . . . . . . . . . . . . . . .60 Novasperspectivas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64 Golpesdentro dosgolpes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .68 Que tipo de Repblica? .. . . . . .. . . . .. . . . .. .. . . . . .. ..74 Ospartidos "ilegais". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .78 FLORESTAN FERNANDES Inquietaes burguesas.......................... . Osazaresda "conciliao pelo alto" ................ . O solo da histria de um partido ................... . O chute ........................................ . Almda mistificao............................ . E dA 0 t?. v1enctasnegatvas.. ........................... . O continusmo mudancista....................... . A luta popular pela Constituio.................. . OBrasil na encruzilhada......................... . Tancredo:no ou sim?........................... . Opacto social dosoprimidos...................... . Novosrumos................................... . Pacto social eNovaRepblica..................... . Que democracia?............................... . Os trabalhadores e ademocracia.................. . Ainda asdiretas................................ . A luta poltica.................................. . Perplexidade e imobilismo........................ . Represso participativa.......................... . Equivalentes polticos............................ . A ditadura semmscara......................... . Osdebaixo.................................... . O movimento burgus........................... . Diretas-j:uma derrota?......................... . O significadodo16de abril....................... . O povonas ruas................................. . Eleiesdiretas e democracia..................... . Significado poltico das eleiesdiretas............. . Desobedincia civil e sufrgio..................... . Parte 2 OSINTELECTUAIS EM PERSPECTIVA 83 87 91 99 103 107 111 115 119 123 127 131 135 139 144 148 152 156 159 163 167 171 175 179 183 188 195 200 206 O escritor e o Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .213 Integridade e grandeza. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .220 A chama queno seapaga. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .225 QUE TIPODEREPBLICA?7 A dor no seca. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .229 Testemunho e solidariedade.......................234 Luta em surdina. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .238 Memriasdocrcere. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .243 Poesia e verdade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .247 Prefcio Antonio Cndido Estacoletneadeartigosparecearmadeluta.Oautor escrevecomtensocombativa,mascanalizadanoslimites rigorososdaanlise polticae sociolgica.- combinaodi-flcilquetodaviaumadasmarcasdeFlorestanFernandes. Asuavidaintelectual pode ser vistadevriosngulos.Inclu- ~ i v e comolongatentativadeusarorigordoconhecimento para intervir lucidamente nos graves problemas do nosso tem-po.Nele,o socilogo,o antroplogo,o pensador construram uma base cientfica slida sobre a qual se ergueua plataforma dorevolucionrio.Como poucos no Brasil,ele capaz de fazer doescritoumatodecombatequesenutrecorretamenteda fora conferida pelo saber rigoroso. Como crtico literrio,me interessa a formaodaprosa polftica de Florestan Fernandes,que neste livro alcana o mais alto teor de expressividade comunicativa.Ele partiu,na moci-dade,daescrita pesada,em dois sentidos: cheiadematriae .wmcomplacnciacomoleitor,como ocorre freqentemente "osque se orientam pela busca daverdadeacimadetudo.A ,e}(uir foi obtendouma formaflexvel,ecreioqueparaisso ctmtrihuiu a combinaocrescente dosintuitos polticoscom os mais propriamente intelectuais.Afinal chegoua umestilo comunicativo e refinado,deextraordinria preciso,sem per-e/tidt.wlidez na informao nem derigorno argumento.Por .wt,ttsescritosnosojornalismo polticohabitual,mas FLORESTAN FERNANDES10 sntese raradecinciae prtica,densidadeintelectualecla-rezadeentendimento.ComelesFlorestanFernandesseali-nha entre os maiores escritores polticos do Brasil. Carregadode paixo e deconvico,eleataca,mostra o que est embaixo daaparncia,localizaemcada problemao ncleoque pede reflexoe passada posiodeluta.Em-bora solitrio,desligadoat bem pouco de partido ou organi-zao,ele orientou a militncia no sentido de mostrar a neces-sidade imperiosa de participao do povo.Este um dosmoti-voscondutoresdoseupensamentonestelivro,queprocura entre outras coisas mostrar como a autntica luta poltica tem devir"dosdebaixo","losdeabajo"queMarianoAzuela descreveuhtantotemponoesfororevolucionriodoM-xico.Da adurezacomquedesmascaraosmecanismosde conluio,pseudo-reforma,cortinadefumaa,acomodao, personalismoqueestonabasedocomportamentopoltico dasclasses possuidorasatravsdosseusrepresentantes.Da tambm a severa anlise da Nova Repblica (que para ele est sempre entre aspas implcitas) naquilo que elatemdedespis-tamento,continuidadeefalsapromessa.Lendo-o,ficaevi-dentequeissodecorredosmecanismosdesubstituio,me-diante os quais os nicos agentes possveis danecessria trans-formaodopas,isto,asgrandesmassasespoliadas,so desviadossistematicamente nocurso da suaao possvel pe-lassoluescontemporizadorase,se forpreciso,cruelmente repressoras. Graas lucidezviril,FlorestanFernandestransformou o presente livro num meio privilegiado para os leitoresconhe-cerema real situao polticae social dopas,e poderemem conseqncia assumir asatitudes compatveis coma lutacon-traa feroziniqidadequetemsidolinhamestraemnossa histria.Comoatodepensamentoecomoexemplodemili-tncia pela palavra,estesescritossoumadasleiturasmais importantes para quem desejeanalisar a realidade eoptar de maneiracorreta pela suatransformao,inseparveldasso-lues socialistas. j Notaexplicativa Este volume colige artigos escritos em um perodorecen-te,na quase totalidade para a Folha deS.Paulo e publicados emsuaseoTendncias/Debates.Ocombatepo/ftico,no s ditadura militar,s forassociaisque a sustentavam e ao quesepoderiachamar,noBrasil,oreacionarismoburgus exacerbado,levou-me a buscar uma formadediscusso e an-lise de nossos problemas polticos que me pusesse em comuni-caocomomaiornmero possveldeinconformistasede dissidentes.No fundo,cadaartigo surgiacomo seeuestivesse escrevendo cartas aos leitores,largando a pele de socilogoem troca do papel de publici'sta,agarrado comtenacidadescau-sas dasclasses oprimidas, tica socialista daluta declasses e difusodadesobedinciacivilcomoopatamarinicialde uma revoluo democrtica decunho proletrio e popular. Solitrioe impotente parair maislonge,dediquei-mea uma espciede jornalismo polticoque partiadaconjuntura para osmovimentosmais fundosdetransformaodasocie-dade,combinandoosabersociolgicoacumuladoaolongo dosanos necessidadedeservir imensamaioriadosespo-liados e queles que,como eu,esto dispostos a tudo para que o Brasil supere para sempre uma degradante tradiodeem-brutecimento e deexclusodosoprimidos.Narotadasrevo-luesburguesassecundrias,que prevaleceramnasnaes deorigemcolonial eque seconservaramsubmissasaoscen-trosimperiaiS,a nossatransformao capitalista fechoua so-ciedade civil aostrabalhadores livres e semilivres,dascidades FLORESTANFERNANDES12 edocampo,econverteuoEstadoemumafortalezaincon-quistvel dosestratos mais poderosos e maisricosdasclasses possuidoras e dominantes. Osescritosquelogrei publicar possuem,por isso,duas faces.Umanegativa,deoposio frontala essasituaohis-trica,reposta com toda a sua crueza em 1964,pela vitriada contra-revoluo e a implantaodaRepblica institucional, um regimerepublicanoditatorial,dosopressoresnacionaise estrangeiros para e pelosopressoresnacionaise estrangeiros. Aoutrafacepositiva.Peemquestoascondieseos meios existentes para colocar um ponto final nesse modo capi-talistaeimperialistadedominaodosdecima.Insisteno aparecimento deuma forma poltica dedemocracianaqual a maioria- no a"maioria eleitoral",mas a maioriadosdes-titudos,oprimidos e excludos- ganhe pesoevoznasocie-dade civil, presena ativa na participao e controle dasestru-turas doEstado,o carter deuma forahistricadecisivana liquidaodonosso execrvel antigoregime(incorporadoao desenvolvimento capitalista e aoregime declasses) e nacons-truo deuma nova sociedade. Huma evidentecontradioentrearealidadedescrita e o futuro previsto.Pode parecer que sonho com umautopia, segundoaqual estariagerminandono fimdestesculoeno incio dosculo XXI essenovotipodesociedade.Afinal,sou "pessimista" ou"otimista"? Nemumanemoutracoisa.O publicista no criaasrealidadesque focaliza,nas formasque elaassume emsuasorigense no seudevir.Vivemosemuma poca na qual se pretende submeter e diluir o curso dahistria atravsdoimpactodaculturaindustrialdecomunicaode massa edafalsa"desideologizao" dahegemoniadeclasse daburguesia. No entanto,essa modalidade extrema debarb-rie,intrnsecacivilizaoindustrialnopresente,esbarra com a resistncia dosoprimidos,quecarregama histriaem outra direo e so portadores de uma mensagem inversa,que traz consigo a civilizao sem barbrie.A est,em sua essn-cia,osignificadodomovimento proletrioedasrevolues proletrias e dos seus vnculos inexorveis com o anarquismo, o socialismo e o comunismo.AHistrianaoestmorta! Pal-pitanocoraodoshomens eiluminasuaimaginao,bem como suasesperanas e exigncias.No fosseisso,aalterna-I t' I 13QUE TIPODEREPBLICA? tiva para a periferiae paraas"Naespobres" seriao suic-diocoletivo,algo semelhante com o queRivers jinterpretou comoofatorpsicolgicododespovoamentodaMelr;msia. Ora,a resposta outra: construir uma novacivilizaoque o capitalismo,comtodooseupoderioe grandeza,serevelou incapaz de atingir.O que quer dizer Histria viva,Histria em processo,produzida pelos homens,eternos portadores dehis-tria. *** Devo q.gradecer a muitas pessoas,especialmente a Otvio FriasFilho,que me convidou paracolaborar naFolhadeS. Paulo e teve pacincia de esperar que euvencesse o sectarismo do"guerrilheiro poltico" isolado;a CludioAbramo;aAn-drSingereSlvioCio/fi(coordenadoressucessivosdeTen-dncias/Debates),a CaioGracodaSilvaPradoto prontoa assumir o papel de editor engajado e a envolver a Editora Bra-silienseemumempreendimentoarriscado.Aocompanheiro de armas,Antonio Candido,que me estimulou como ningum a publicar estevolumee aceitoua responsabilidadedeservir comoseupadrinho,agradeooaltrusmodeumaamizade sem vacilaes.Perseguimos vrios objetivos comuns aolongo denossas vidas e alcanamos somente alguns.Osdemaisno estavam longe de nosso alcance,pois podamosquase toc-los comasnossasmos.Tivemosomritodenodesistirato fimedemanter afirmeesperanadequeeles- eoutros muitomaiores,queosseguiro- acabaropor realizar-se. Da a minha alegria dev-loassociadoaocoroamento de uma tarefaquepossuaduaspontas,odesesperodeumlado,o empenho deno ceder e delutar pela vitria,de outro.Ans amboscouberam papisdifceis,dosquaiselesedesobrigou melhor que eu,arrostando os combates intelectuais dentro dos muros dauniversidade e,portanto,em contatodiretoe cons-tante com os efeitos psicolgicos mais destrutivosdarepresso organizada,que partiam simultaneamente dainstituio e do regime.Agora,palmilhamosdenovoa lutapoltica luzdo sole podemosretomarasesperanasqueforamamordaa-dasousaparentementedestrudas.Oseuprefcio,pois, um liame que exprime o quanto mantivemos asobrigaesda FLORESTANFERNANDES 14 "gerao between" rentes s exigncias da situao histrica e me particularmentegratocomoumatodesolidariedade poltica. So Paulo, 27 de maio de1986. Florestan Fernandes ; I j I ! I I l .I ' Parte1 A conjuntura poltica ' f 1 I AesquerdaeaConstituio* De uma perspectiva formal e utpica, a Constituio "est acima das classes".Ela regularia as relaesde classe atravs denormas "puras", "neutras" e "absolutas". Todavia,isso uma ficoemtodas associedadesquenecessitemdeum or-denamento constitucional.O que torna este ordenamentone-cessrio a existncia de divisesna sociedade,as conseqn-cias de uma desigualdade insupervel dentroda ordemsocial existente.Por conseguinte,o ordenamento constituiummeio que permite conciliar a desigualdade de riqueza,decultura e de poder com um mnimode eqidade nas relaesdeclasses desiguais ou de cidados pertencentes a classes desiguais.Sem o ordenamento constitucional esuaobservncia,acoexistn-ciadasclassessetornariaimpossvel,porqueosconflitose uma guerra civil manifesta ou latente tornariam qualquer con-vvio pacfico e regulado invivel. Issofazcomqueassociedades capitalistas,nasquaiso desenvolvimentomaisoumenosrpidoafetaaeconomia,a ordem sociale o Estado,tenhamderecorrercomfreqncia ouaalteraessucessivasdoordenamentoconstitucionalou a modificaes constantes nos cdigos legais ou aumatecno-logia flexvelnaadequaodoscdigosasituaes concretas em permanente alterao. Em suma,a lei no esttica, e a lei suprema,cnfiguradapelaCartaconstitucional,precisaser ajustadadevriasmaneirasaimposieseconstrangimen-tosquenascemdoprpriodesenvolvimentocapitalista edos (*)Folha de S.Paulo,11.6.1986 18FLORESTAN FERNANDES seusreflexosmais ou menos profundos nosinteressesantag-nicos das classes sociais e nos riscos mais ou menosgravesque eles acarretem para a ruptura da ordem. A sociedade brasileira vive um momento histrico dram-tico a esserespeito.De 1937a1964foiprecisoqueasclasses dominantesrecorressemduasvezesaogolpedeEstadoe ditadura para superar sua incapacidadedeavanaratuma Carta Constitucional efetivamente colada s exigncias histri-casqueograudedesenvolvimentocapitalista alcanadoim-punha srelaesdeclassesantagnicas.Em termosaproxi-mados,tiveramdeburlar asociedadeeusurparaNaona metade de quase seis dcadasque compreendem a histria do pas de 1930 at hoje!Esse um dado fundamental,que ates-ta no s que "a Constituio no est acima das classes".Ele demonstra que vivemos em uma sociedade burguesa na qual a burguesia no aprendeu,noseu todo,a conviver com "a nor-malidade constitucional".Seesta no existe,ademocracia uma ficoou uma mistificao grosseira equalquermodali-dadederegimerepublicanosecorrompeemumfecharde olhos,convertendo-se em tirania indisfarvel, em despotismo dos de cima. sobreissoqueasvriascorrentesda esquerda tmde meditar seriamentenosdiasquecorrem.Seficarem"atrela-das"aosinteressesedominaodeclasseda"burguesia nacional",acabam fazendoparteda"cauda poltica"dessa burguesia e realizando seu jogo deusurpao do poder consti-tucional, que no est investido em uma classe (sob o capitalis-mo),mas em toda a Nao (isto ,em todas as classes,mesmo as que so concebidas como classes excludas ou em embrio). Ao mesmo tempo, assumem a responsabilidade ativa pela per-sistncia da corrupo e debilidade do ordenamento constitu-cional, associando-se a uma inverso de valores: a Constituio, que deveria proteger a liberdade intocvel de todas as minorias, converte-se permanentemente na arma invisvel pela qual o Es-tado subverte a ordem constitucional,em favordeuma nica minoria, formada pela "massa reacionria~ burguesia". Essa situaohistrica endmica na AmricaLatina e mesmopases que sesupunham excees,como o Uruguai,a Argentina eoChile,pagaram umpreoaltssimoporseme-lhante iluso mistificadora. NoBrasil,ela seapresenta na pu-1 QUETIPODEREPBLICA?19 reza histricadeum casoextremo.Onossopaspoderiaser escolhidoparaoestudoexemplardacorrupodoregime constitucional,parlamentarerepublicanonaAmricaLa-tina.Asmesmaselitespolticasdasclassesdominantes,que lanam bravatas deque"no somos uma Repblica debana-nas", fundam a ordem ilegal,quesecorrelaciona existncia deumaordemconstitucionalfictciaouqueintrnsecas ditadurasimplantadas"revolucionariamente",nosfunda-mentos da violncia institucional da repblica bananeira. Dirijoestasreflexesaoscompanheirosda esquerda,de todas ascorrentes poltico-ideolgicas e aosrepresentantes da chamada esquerda parlamentar doradicalismoburgusque, finalmente,comea aemergir,especialmentenoPMDB.Po-rm,meudilogosevoltaparaaCUT,aCGT,aOposio Sindical,a CONTAG, o PT, o PDT, o PSB,o PCB, o PC do B, o MR-8 e os vrios agrupamentos anarquistas, socialistas "de-mocrticos",trotsquistas,comunistas,basistasradicaisou marxistas, etc., ainda abrigados em partidos legais.A esquer-da devoraaesquerda;elanopartedeumequacionamento objetivo dastarefas polticasdasclassestrabalhadorasda ci-dade edocampo,nomomentoatual,masdefantasmasque rondamaimaginaoinfantildosectarismodoutrinrio.Na maioria das vezes,esses fantasmasprocedemdasgrandesre-volues proletrias da nossa poca e das modas que circulam noscentros culturais imperiais.Outras vezes,elesnascemde motivos"tticos",quenopossuem realidadeproletria (so-cialistaoucomunista),deitandosuasrazesemconciliaes com osdecima,quetraem osinteresses dasclassestrabalha-doras.Ora,urgentequeseenterremtaisfantasmaseque umaunioesquerda,aindaque"ttica"e"provisria", prevalea nocampopoltico,particularmenteduranteaelei-odosrepresentantesdosmovimentosoperriosesindicais noprximoCongressoConstituinte e,commaiorrazo,du-rante a elaborao da nova Carta Constitucional. A direita organiza-se em vrias frentes e seus setores mais conservadores e reacionrios financiam abertamente a seleo de"candidatos fiis"representao,senounificada,pelo menosarticulada dosinteressesevaloresdasclassespossui-doras.Almdisso,todasasprovidnciaspolticasquepode-riam castrar ofuturoCongresso Constituinte foramouesto 20FLORESTANFERNANDES sendotomadassemrebuos,apartirdoPlanalto,dodispo-sitivomilitaredospartidosdaordem.Ocontrapesoaessa castraoter devirdasclassestrabalhadorase oprimidase dosseusrepresentantes,aseremeleitosproximamente.Ser impossvel anular o conjunto deinfluncias nocivasqueesto interferindo, desde j, na predeterminaodeuma Constitui-o tpica de uma repblica bananeira,coberta de lantejoulas mas incua. Contudo, est ao alcance de nossasmos impedir o pior,que consiste emdeixar passivamentequeo Congresso Constituinteseconvertaeminstrumentodatopropalada "transio lenta, gradual e segura para a democracia". Astarefaspolticasdasclassestrabalhadoraspossuem uma configurao histrica definida e se expressam atravsda exigncia dedireitos polticose civis,bem comodegarantias sociaisbemconhecidas.Todososconstituintesdeesquerda deveroestaratentosaessastarefaspolticas,cujaobser-vncialhescabedemodoperemptrio;etodoselesdevero superar,nocorpoacorpoqueseroasbatalhasconstitucio-nais,divisesquesoideolgicasousectriase noretirar o seu lastro dascondiesdevidadasclassestrabalhadorasno Brasil.Deoutrolado,oCongressoConstituintepoderser "profissional"eafinadoao"pactoconservador"ousobe-rano emsuas deliberaes.Essa uma matria quenopode serdecididapeloscompromissosquecercaramoapareci-mento da "Nova Repblica". Ela ter de resultar dosembates dasorientaescoletivasdavontadedosconstituintes.Cabe aosdeputadosesenadoresquerepresentaroospartidosde esquerda e oemergente radicalismoburgustornarpblicas as"conciliaes"anti-republicanaseantinacionaiselutar comfirmezacontraausurpaodasoberaniadoCongresso Constituinteporpessoas,gruposeconmicos,partidospol-ticos e instituies-chavesquej desfiguraramaAssemblia Nacional Constituinte. Ascartas esto lanadas.O Congresso Constituintepoder gerar ummonstrengo,tantoquantopo-der produzir uma Constituio altura dasexigncias hist-ricasdopresente.Eissovaidependerdomodopeloqualas esquerdas e osradicais secomportarem diantede taisexign-cias,unindo-secomoumaforasocialfavorvelrevoluo democrticaouenquadrando-sesbandeirastraioeirasda "transao conservadora" e da "Nova Repblica". 1 Egosmo,covardiae terror* A violncia no campo parte das tradies mais fundas e persistentesdoBrasil.Nessaesfera,aindanosamospor completoda fasecoloniale omandonismoserevela,atravs de vrias faces,como um equivalente do despotismo do senhor contra o escravo.Otrabalho livre,comocategoriahistrica, slogroupenetrar erevolucionarparcialmentealgumasre-gies agrrias dopas e a revoluo descolonizadora manteve-se superfcienocampo,favorecendoosestamentossenho-riaiseosseussucessoresburgueses.Nele,adescolonizao est por fazer-se- umlegadoqueosubdesenvolvimento parece ter deixadodefinitivamente a futuras insurreies pro-letrias e socialistas; o mercado de trabalho funcionademodo pervertido; e a lei dos homens a lei dosmais fortes,expulsou a lei de Deus docorao dospoderososeaticadasrelaes sociaiscotidianas.OEstadoeoDireitoforambatidosea Igreja,seserecusa aocompromisso tcitodeque orebotalho vale menosque o gado, estigmatizada,combatida e odiada. Essa asituao,queosestudiosose osestadistastentaram debelar por todos osmeios,j antes daIndependncia,eque se tomou impraticvel nos dias que correm: ela coloca o pas em cima de um vulco e inviabiliza a Nao,pois no h exemplo deordem nacional que possa manter-se sobre taisfundamen-tos depoisdoadvento do Estado nacional,docapitalismo e do trabalho livre. (*)Folha de S.Paulo, 28.5.1986. 22FLORESTAN FERNANDES Ocaso to tristedoassassniodopadreJosimoMoraes Tavaresnoconstituiumcasoisoladoouexemplar.uma repetioqueatestaqueospoderososseunempara praticar todas as espcies de crimesa sangue-frio,calculadamente,as-sinalando que as fronteirasdo capitalismo selvagemno Brasil so postas em relevo pela bestialidade edemarcadaspelo n-mero devtimas que so imoladas "defesa da ordem".Nem se podefalar em"contradies entre civilizao ebarbrie". Os crimes so cometidos em nome da "defesa da civilizao" e da"luta contraabarbrie".Asvtimassoconvertidasem inimigos daordem,em"agentesdoterror":como o escravo, o homem pobre destitudo e os que possuem coragemdealiar-sea elesso concebidos como "inimigospblicos"etratados segundo a concepo de que"o bom inimigo o inimigo mor-to".Portanto,a barbrie sereconhece como civilizao edis-pedetodos osmeiosmodernose ultramodernos,inclusiveo controle do Estado e dosseusaparelhospolicial,militar e ju-diciriopara calaroBrasileconvert-loem"umafrica" do sculo XX. No sou nem militante nem seguidor da Comisso Pasto-ral da Terra.Ela est longedeadvogar solues radicais para o problemada posseeusodaterra.Em doispontosficoem contradiocomsuafilosofiadeao,poiselaacabaado-tando medidas subcapitalistas (e at pr-capitalistas) de equa-cionamentodosproblemasagrriosbrasileiroserende-sea uma no-violncia utpica,que expe a massa dosexpoliados aosriscosda rendio fcil,damorteoudaexpulsocerta. Por sua orientao e princpios catlicos, esses so seus limites por assimdizerhistricos.humanitriaemcondiesnas quaisosde cima repelem a natureza humana do"outro",da massadosoprimidos,e,aoprocederassim,despem-sede qualquer vestgio de humanidade.No entanto,cabe-lhe o m-ritoincontestveldeseranicamanifestaoinstitucional consciente,firmeecorajosadedefesaorganizadadostraba-lhadores semilivresdo campo e dosque so (ou foram)expul-sos da.terra e privadosdeseus meiosdesubsistncia.Enume-rarosnomesdosquesedistinguiramnessalutaincansvel seria uma tarefa difcil e injusta.Embora sejam umaminoria dentrodaIgrejaCatlica,constituemumalegiodeheris. Os grupos de esquerda ficam muito abaixo de seus padresde QUE TIPO DE REPBLICA?23 coragem,desua tenacidade e dosseus exemplosdesolidarie-dadehumanaativanoconfronto comaviolnciasistemtica e com a sanha de vingana dos privilegiados. Nessesentido,o padre Josimo um smbolo.Trata-se de um caso particular que desvenda a totalidade concreta. O "fu-ror sanguinrio"dosricos,civilizadose poderosos;aredede compromissos formaisou informaisque ligam entre siosque cometemviolnciassangrentassombradaleieda ordem, soba indiferena ou com o apoio direto e indireto de todasas redesdepoder (local,municipal,estadual e federal);aimpo-tnciadosoprimidoseoseuisolamentonoseiodacomuni-dade nacional,que s respondeaseusdilemasatravsdeor-ganizaessindicaisedeluta oudepartidosquenoconse-guemcomoveraopiniopblica;oalcancedapresenada CPT e de suas frentesderesistncia passiva ou desuastenta-tivas de abrir meios jurdicos pacficos dealterao da ordem vigente e de combate puramente tico s iniqidades mais gra-ves;a existncia deum Estado dentro do Estado,que confere aosmaispoderososeempedernidosdonosdaterraafacul-dade de armar-se,de arregimentar exrcitosde facnorase de ditar ao Estado legalasleisdo Estado depilhagem,subcolo-nial e antinacional.Ningum pode ignorar o significado desse smbolo e o que ele aponta em um momento no qual asclasses trabalhadoras eamassa popular avanamdecididamentena direodeconquistar paratodos(tambm paraaquelesque confundembanditismocom"defesadaPtria")umasocie-dade civil civilizada. Em nenhum momento desua vida o padre Josimo foito importante para si mesmo,para osoprimidos com osquaisse irmanava e compartilhava um destino comum, para a CPT e a sua causa e para todos ns,que estamos enfiados at asrazes docabelo na vergonhada sua morte eno orgulhodoseual-trusmo,desuahumanidade arrasada.Osassassinosdopa-dreJosimodesvendaramondeficamoslimitesdarevoluo democrticaqueestemprocessoequenolograrodeter por seusmtodos crus e cruisdelutapoltica.Condenamos de baixo e sua luta de classes. E o que colocam no lugar?Uma luta de classes impiedosa e infrutfera,que pretende manter o statusquopor caminhosmafiososepeladifusodoterror. Comsua bondade e addiva detudo que possua,inclusivea 24FLORESTAN FERNANDES vida,opadreJosimomostrouqueosoprimidossdispem deuma sada:aqueterdenascerdesuaauto-emancipa-ocoletivacomotrabalhadores,atravsdesuasolidarie-dade e da luta ofensiva comum pela construo de uma socie-dadenova. Pactosocial brasileira* Em nosso pas no existe democracia.Nemno tope.Que sirvadeexemploograndeatodebravurada"NovaRep-blica": ela cruzou a politica monetria zerandotodos osalia, dos e cupinchas,muito maisqueainflao.Seascoisas fos-sem feitas de outro modo,as inovaes seriam convertidas em um "trem de alegria" daqueles,tamanho Amazonas!Por isso, no de estarrecer a informao de Jnio deFreitas quenem mesmoMariadaConceioTavares,tontegraquefoia nica averter lgrimas deregozijo e de esperanas "ao vivo", estava informadasobreoquesetramavanosmomentosse-cretos da operao.O maior e melhor exemplo decruzado da nova causa nosabiaqueiriadesempenharumpapelcaris-mtico na revoluo heterodoxadocredoedas prticas pol-tico-econmicas oficiadas no Planalto. precisoirporpartes.Primeiro,ocapitalnopossui uma religio.Oseunervo o lucro e asua alavanca,aacu-mulaocapitalista acelerada,movidaporumaorganizao socialqueescondepor trsdamercadoriatrabalholivreo equivalente histrico doboi,do escravooudoservo.Olucro no carece dedemocracia,masdenacionalidadeeconmica. Nocaso,a racionalidadeeconmica impunha o segredo,em-boraatotalidade .daoperaosfossesecretaparaosque estavamforadocircuitodaracionalidadeemquesto,in-(*)Folha de S.Paulo,14.5.1986. 26FLORESTANFERNANDES cluindo-se entre os "bem informados" uma pliade deprogra-madores, de aplicadores,de polticos no poder,deinstituies e agentes econmicosnacionaise estrangeiros,etc.Segundo, a operao foiprojetada e posta emexecuodeacordo com um complexo esquema de logstica poltico-militar, que exacer-bou o elemento segredo e conferiu ao elemento poltico,que lhe eraintrnseco,umcarterultra-"autoritrio"(oatomais ditatorialqueocorreudesdeabrilde1964atosnossos dias ... ).Cabe,ento,apergunta:por qu?A"NovaRep-blica"proclamou-seumademocracia"social",dospobrese necessitados, e buscou a aliana dos trabalhadores,chegando acooptardeformasagazasorganizaesepartidosdees-querda queabsorveramo compromissodeuma "alianade-mocrtica" coma ordemexistente,uma ordemdelusco-fus-co,ultraliberal na retrica e ultracentralizadora no comando poltico, ocultando o seu despotismo por detrs deuma Cons-tituio que no nem republicana nem democrtica,mas di-tatorialeinstrumentodeumatransioquecombinaagil-mente punio e promessa. Oquesepode concluir,depoisdos"fatos consumados", luzdasliesquesetornaramclamorosamenteevidentes? Os trabalhadores negaram ao capital qualquer modalidade de aliana,depacto a la Moncloa.No viram nos sucessores dos generais presidentesedoseuregimedearrochosalarial ede repressopoltica emquemconfiar.Aocontrrio,temeram que iriamser vtimasdeoutrosesbulhosesemantiveram margem,reforando demoto prprio a excluso social e pol-tica aquesempreforamcondenados.Entenderamasmano-brasdossetoresmaisabertosda esquerda,queelesestavam empenhados em servir-se do oportunismo poltico dos de cima, tisnando-seemumpactocomodiaboparaalcanaroque lhes era devido.Mas no saram deuma atitudedefensivade desconfiana e exibiramvriasmodalidadescontundentesde ofensivaagressiva,queincitaramosempresriosrplica (compalavras e decises"duras") e compeliram odispositivo militaramover-seemdefesadatransiolenta,graduale segura com a competncia que um quarto desculo deexerc-ciodopoder polticoconcentrado puseraaoalcancedesuas mos. Enquanto isso,o Congresso e ospartidos brincavam de esconde-esconde e deBranca deNeve,aproveitandoosinter-QUE TIPODE REPBLICA?27 ldios srios para alargar as vantagens doqueagora sechama decooptao,masqueosclssicosdesignariamclaramente como corrupo e caa de vantagens. Poder-se-ia dizerque,aoexcusar-sedopactosocialofe-recidopelaAlianaDemocrtica,pela"NovaRepblica"e sacramentadopor TancredoNevesostrabalhadoresexpuse-ram-se ao pior,deixando deser parte deum processo noqual acabaram setomando objeto debarganha dosdecima.Estes iriam revelar-se compassivos,at, seno por condescendncia ou generosidade,por temor da "exploso social",quenose afastadaimaginaoperversadospoderosos.Ora,naver-dade,tudo o que foifeito- mesmo aquilo deinteressedireto ouindireto. para osproletrioseamassapopular- visava salvar o capital deuma catstrofe econmica ea ordempol-ticadeumacomooviolenta,deconseqnciasimprevis-veis.Participassem ou no deum pactosocialnegociadocor-retamente, os proletrios e a massa popular sficariamcom o quinhoquelhescoube,talvezcomumpratodelentilhasa mais,de sabor muito amargo!Deixando de participar,ospro-letrioseamassa popular semquerer puseramanuanatu-rezadasituaopolticaqueestamosatravessando.Osde cimatocamocarrodeacordocomsuaveneta,interessese convenincias.Noexistedemocracia,pormpalavrriode-mocratizante.Osdecimanopodemofereceraosdebaixo aquilo que eles sequer logram dividir entre si.A regra osque podem mais choram menos (ou mamam mais). Portanto, no foisob a ditadura,mas soba "Nova Rep-blica"que tivemosa maisclara definiopoltica dasimpro-babilidadesda democracia.Tradiotradio.Quandose papagueava sobre"pacto social",o quesepretendia era um mandato pleno e gratuito dosproletrioseda massa popular quiloqueosdecima julgavam imperativofazerpara salvar o Brasil (depois dedirigi-lo runa e degradao).Nopo-dendo contar com esseendosso burlesco (que muitos chamam eufemisticamente de "consenso democrtico"),osmais iguais -com suas elites polticas,econmicas,intelectuais e milita-res- apelaram como decostume para o "jogo bruto" e,com ele,colheram uma chuva copiosa emseuterreno.Na rota da tradioe,dentrodesta,poralgumtempo.Essejogotem ciclos conhecidos e todos sabemos como elesterminam e reco-28FLORESTANFERNANDES meam- equempagaaconta!Porestarmosemumciclo que aparentemente inverte o vezo da ditadura militar,no de-vemos ignorar os nexos que ligam entre si os dois ciclos e como se far,"dentro da ordem", a "retomada do desenvolvimento A'' econom1eo. Quanto aos proletrios e massa popular,parece clars-simo que o Povo aguarda o seu momento.O desmascaramento produzido no penetra largamente em seu horizonte,que no suficientemente intelectualizado para tanto.Contentes com algumas coisas e descontentes com outras,no soa"carnei-rada" do Sarney,isto ,dos manipuladores da ordem e doseu capitalismo selvagem. Esse momento se aproxima commuitas obstrues edificuldadesquesocriadas,orientadas eagra-vadas pelas forasconservadoras,as mesmas que ficaramto alegres com algo que lhes parece um desfecho feliz.Tradio tradio tambm para o Povo.Este pressente,e com freqn-ciasabe,ainda quesobuma"conscinciasocialo p a c ~ em muitosdosseusestratos,comquempodeecomquemno podecontar.E odadoessencialda situaoconsisteemum fato muito simples:a eles caber construir ademocracia com suor,sangueelgrimas,semoauxliode"pactossociais" conspirativos.Commuitaluta,commuitosacrifcio,com muita tenacidade,erguendo a democracia em bases econmi-cas,sociaisepolticasqueosatuaisdonosda"NovaRep-blica" e da "democracia" vigente iro odiar e combater a ferro e fogo.Comotradio tradio,pacincia!Uma classedo-minante que no tem coragem de encarar defrenteediscutir publicamente osproblemas da Naonopode escapardisso e,muito menos, esperar algo melhor.Ahistria dsaltos,ca-minha por saltos.Seasforasqueamovimentamnosoas decimanemasquepoderiamnascerdeumentendimento muito amplo, elas tero deser asde baixo,quando estas pas-sam de bigorna a malho. Anovaetapadapolticaeconmica A economia polticadizrespeitosrelaessociaisreais entre pessoas,instituies(especialmenteempresas,sindica-tos,etc.), classes, governos e naes.Em sua intrincada essn-cia moderna,o plano mais importante o mundial1 oqualse refereinternacionalizaodaseconomiasedosistemade podercapitalistas(ousocialistas).Essarealidadeparecees-quecida no paroquialismo das reaesao chamado "pacoto" eformadesebastianismosalvacionistaqueapropaganda oficialeosprincipaismeiosdecomunicaodemassaforja-ram em torno do assunto. O fato principal temsidoesquecido:asdurasrealidades que tivemos de viver no foramproduzidas somente pela dita-dura;estaencontrou,aquatromos,aspremissasexigidas pela incorporao acelerada s economias capitalistas centrais e pela sedede"desenvolvimento" da grandeburguesiabrasi-leira. A ditadura no estimulou apenas obras faranicas,pro-pciascorrupo gigantescainerenteaocapitalismomono-polista atual; ela desencadeou uma formidvel mudana na in-fra-estrutura de toda a economia, sem a qual nem as "multina-cionais"nemo"capitalfinanceiromundial"teriamseinte-ressadopelaincorporaodoBrasilaoncleodaeconomia mundial.A crise,a recesso,os problemas dopetrleo,apo-ltica da superpotncia de descarregar sobre os ombros de seus aliados subimperiais e perifricos o pesode sua prpriacrise, (*)Folha de S.Paulo,27.4.1986. 30FLORESTANFERNANDES o "endividamento" como roubo colonial,etc.,converteram os milagres recentes da imperializao dos pases estratgicos da periferia em um focode gravssimos riscos potenciais edere-criminaes azedas contra a burguesia internacional. Algunspasesda periferiaseviramnaiminnciadere-correrarevoluespeloalto,dosestratosnacionaisdabur-guesiacontraoscentrosimperiaissecundrioseasuperpo-tncia. E percebia-se claramente que essas exploses seriam o ponto departida de eclosespopulares,queno seriamcon-trolveis facilmente e levariam a um ciclo de revolues sociais dedesfechosimprevisveis.Namedidaemqueosistemade produoedepoderdocapitalismomundialganhounovos alentos,iniciandosua recuperao,e comeouasuperar sua prolongada crise,eles prprios abriram novasavenidas pas-sagemdeexignciasduras,ditadaspeloFMI,paraarran-jos mais flexveis e inteligentes. nesse contexto que foram ge-radososdoxosmaisoumenosheteros,fortementeampara-dospororganizaessupranacionaiseuropias,poradapta-esseletivasdogoverno norte-americano,por economistase tecnocratasdessasinstituies- e principalmentepelaelite de banqueiros, que no pretendia ver o sistema de poder capi-talista ir pelos ares em uma erade paz (oude pequenasguer-ras localizadas). Umaperspectivaanlogaabria-seapartirdedentro (muitoclaraquandosetoma oBrasilcomofocoderefern-cia).O arranque do capitalismo financeiroobedeceu,aqui,a parmetros aventureiros e se fundou na fora dofuzil (o nico meio acessvel,nosdiasque correm,para desencadearaacu-mulaocapitalista"avanada"combasenofamosotrip). Essa soluo compeliu vrios setores da burguesia a comparti-lhardemododesigualosfrutosdo"desenvolvimentoecon-mico acelerado"e,emparticular,convertia osgrandesespe-culadores eosbancosna versoatualdos"robber barons". Amassadoslucrosescapavapelosdedosdessessetoresda burguesia,indo emgrossopara o exterior oupara oscofres-fortes dos especuladores e banqueiros. Por isso,aditadura viu sua base social diluir-se e oscilar;e o movimento burgus pro-curl>ualternativas pelo tope,quegarantissemacontinuidade dodesenvolvimentocomsegurana".Oseconomistas,al-guns com a cabea colonizada, j moldada pelas combinaes QUETIPO DEREPBLICA?31 entre doxos e heteros que entraram na moda entre os scholars, outrossadosdequadrosdemocrtico-nacionalistasda"es-querda",constituramosquadrosintelectuaisda"recupe-raoeconmica".Desacerdotesdaburguesiaderamum ~ l t o notvel,que osrevelou como coveirosdas aspiraesso-cialistas e comunistasdosgruposmaisorganizadosdoprole-tariadoedoradicalismolarvardasmassaspopularesdesti-tudas. Aevoluoqueseestavapreparandoaguardavauma-oportunidade histrica.Osfatospolticos,porm,precipita-ram o deslanche.Premidoporsua fraquezacongnita epela fragmentao de sua base de sustentao poltica e parlamen-tar,ogovernodeuumgolpedemestre.Antecipou-se,se-guindo as trilhas eaherana legadas peladitadura eusando todasasfacilidadesaoalcancedeumpresidencialismorudi-mentar,permanentemente livre de controles democrticos in-ternos ou inexistentes em uma sociedade de classes desprovida de cultura cvica.Assistimos,pois,quilo que o fatalismo po-pular batizou como chegar a fins certos por vias tortas. No havia outra sada.Cedo ou tarde o sistema de poder teriadedar essepassocomousemo aparatodeguerrapsi-colgica manejada militarmente (como o caso).Ou issoou a precipitao deciclos de inquietao popular,a derrocadado desenvolvimentocapitalista montado e oadventodeinsurrei-6es verdadeiramente revolucionrias.O governo avanouat ondedeviairparatirarosinteressesdeclassesdagrande burguesia e das naescapitalistas centraisda beiradoabis-mo.Sque,aofazerisso,engendrouecolocouemprtica uma polticaeconmicadura(melhorseriadizerdurssima) para todos osque no sejamgrandes proprietrios (mesmo os que sejam to somente pequenos e mdios proprietrios). Essa poltica no corresponde aoinversodapoltica econmicada ditadura.Constituiumanovaetapa,adaconsolidaodo "arranque",produzidopelocasamentodointervencionismo estatal eda iniciativa privada maispoderosa comoimperia-lismo.Porm, amesmapolitica soboutra face,que sedes-venda (eseimpe)peloamadurecimentodosaltoeconmico epeladefesaativadosinteressesvitaisdocapitalemnossa situao histrica. Oque espanta otriunfalismodoministroFunaroea -32FLORESTANFERNANDES falta de conscincia objetiva do presidente Sarney - um,ape-gando-se a um voluntarismo deopereta;outro,ousando afir-maesextravagantes(comoa"inflaoacabou",o"Brasil mudou para sempre",etc.).Seusassessoresdeeconomia po-deriam explicar-lhes facilmente que a economia poltica no adurindana deD 'Artagnan;e oquenela pareceumacoisa, em sua substncia, outra inteiramente oposta.Por enquan-to,quase nada mudou. Possui razo Prsio Arida quando con-fessa redonda e honestamente:" claro que do ponto de vista tico seria at justo converter o salrio pelo pico deseu poder aquisitivo.Masissosignificariaintroduzirumcustomuito alto para asempresas,precisamente nomomentoemquese congelamospreos"(Veja,n?913,S/3/1986,p.29.Reco-mendo tambm que se leia atentamente o pargrafo seguinte, ultra-revelador). A nova poltica econmica dispe deimediato desacrif-ciosa exigir e de esperanasaoferecer.Temsidoprdiga na proposio das esperanas,ocultando assim os sacrifciosdos assalariados,dospobresedospequenosempresrios.Elas no custam nada.Retricaretricaequandosec:lescobrir o quanto de retrica est sendo servido massa pobre e traba-lhadoradapopulao,outrosproblemasexigiroaateno dosque foramiludidos em sua boa f.Nemmesmo se poder afirmar que a inflao est extinta (ouprestesaextinguir-se) equeadeflaoumfantasmasuperado.Desencadeadaa novapolticaeconmica,asintenesdosprogramadorese dos senhores do poder contaro cada vezmenos e as possibili-dadesdopassefarosentircadavezmais.Senofosse a.ssim,os economistas seriam osprofetasda utopia eafelici-dadereinariaemtodaaparte,j queasforaseconmicas no contariam com sua frrea lgica histrica. Quanto a ns,que temos de enfrentar os frutos das boas e das ms polticas econmicas,devemos estar preparados para conviver com asnossaspossibilidades.A massadepobreza e de desigualdade to grande e as exigncias constrangedoras da acumulao capitalista to imperiosas,que seria uma lou-cura esperar docapitalismo a soluo dosnossos problemas e dilemashumanos.A reformacapitalistadocapitalismoest fora de nosso alcance, digam o que disserem os donos da ordem e os seus mais fiis servidores da intelligentsia e da tecnocracia. O dispositivo* Passamos da "fase" do Sistemapara a"fase"do Dispo-sitivo, em matria de tutela militar do poder politico e do fun-cionamento do governo. Essa mudana de"fases" no consti-tuiumproblema histrico.umfenmenodesubdesenvol-vimento politico. Uma burguesia fraca precisa de um governo forte.A falta deste,necessita de um governo seguro,capaz de garantirotronoede"assegurarapazsocial".Quemfala atrs dotrono?Pouco importa,desde que asturbulncias es-tejam sob controle e a instabilidade politica seja removidado cenrio. Os comentaristas daFolhadeS.Pauloescrevemdiaria-mentesobreasvriasfacetasdoassuntoeseriavopreten-der-se originalidade emseu comentrio.Porm,no seria de-mais lembrar alguns tpicos que soinspirativos e chocantes. A tese da Assemblia Nacional Constituinte exclusiva foi posta deladopor clara e escandalosa interfernciamilitar.Alguns governadores chegaram a mobilizar-se emsua defesa,corres-pondendo, alis, ao clamor popular. Vrios deputados e sena-dores avanaram na mesma direo.As"pressesdoPlanal-to" (umeufemismodelicado,que exprime oquedecidemos chefes militares) apagaram o fachocvico,dobrando os poli-ticos profissionais verdadeira voz do dono! (*)Oartigo foiescritonoiniciode outubro de1985.Somente foipublicado pela FolhadeS.Pauloem13.3.1986,"desoutubrizado".Aversioaproveitadafoi naturalmente esta ltima. -34FLORESTAN FERNANDES Nomenosnotriaseestarrecedorasforamduasoutras intervenes brancas.Guardando a ordem:primeiro,aques-to da reforma agrria.Equacionada pelo governo em termos ambguos,aindaassimelaespicaouosmandesmilitares, que a remeteram aombitodedecises doConselho deSegu-rana;segundo,oministrodaGuerra julgouquelhecabia inverterarelaonormaldeministroePresidente,adian-tando opinies que conferem sua fala a condiode equiva-lente poltico de um cumpra-se! ao ltimo pacoto econmico. At o discretssimo chefe do SNI chega a ser to visvelquanto o Presidente,comoa atestar que o presente governo de conci-liaoconservadora possuicomoncleocentral osguardies militares da ordem. Hnumerosasoutrasintervenesdo"quartopoder", registradas pela imprensa etambm pelasrevistassemanais. Escolhi ao acaso,spara chocar o leitor,para for-loa ir do cotidianoaohistrico.Os jornalistas, hoje,semedemcomos fatos,fazemtrabalhodecientistasocialedecrtico"enga-jado".Noentanto,esseesforointelectual epolticoquase sempreperdido.A"massa deinformaes"engole-o,esteri-lizandoamensagempositiva eanulandoosaltocorajosono sentidododesvendamento,da desmistificao,da descoberta da verdade onde o leitor menos espera. Atransformaodosistemaemdispositivonoalgo que possa causar espanto.Socilogos mais oumenosafoitos e polticosprofissionaisempenhadosemsuavizarasasperezas da "transio democrtica" atriburam aodesengajamento do militar uma velocidade que no correspondeaosritmos hist-ricos reais.A propalada "Nova Repblica" teve trs genitores: polticosprofissionaisquelevaramparaoPMDBotalento pessedista de"tirar leitedepedra";avocaodepoderdos liberais,queinfundiramditaduraumsuperegocivilizado (infelizmente mais visvel na fala quenasaesda Repblica institucional); a capacidade demanobra dosprincipais chefes e lderesmilitares,nopoder ouforadele,quesouberamex-trair todasas vantagens da impotncia da burguesia e condu-zira"transiolenta,gradualesegura"sltimasconse-qncias.Portanto,odesengajamentodomilitarcaminhaa passodetartaruga e permitequeo"brao armado"dabur-guesia desempenhe, na retaguarda do Executivo, o papel pol-QUE TIPODE REPBLICA?35 11codegarante da "transio democrtica"e da consolidao da"Nova Repblica". Um pessimista inveteradodiriaque''oBrasilnoum passrio".Um otimistaesperanoso,porsuavez,repetiria conhecido dito popular,segundo o qual "Deus corrige noite oserroscometidos peloshomensduranteodia".Todavia,o queesperar deum desengajamentomilitarqueestsobcon-troledosmilitares"civilizados"edos"duros"?Antes,a "transiolenta,gradualesegura"estavaincubadanogo-vernoditatorial.Agora,atutelamilitarestincubadana "transiodemocrtica",semtirarnempr.Aretaguarda militaropoder,nopor trsdotrono,masatravsdele! Asambigidadesdasclassespossuidorascriaramesse impassepoltico,naturalmenteaproveitadocominteligncia pelos agentes e manipuladores doquarto Poder.Issoacontece emtudo.A anistia irrestrita dosmilitares esbarra novetomi-litar.Pode parecer que,em tal assunto,a ltima palavraseja doscomandosmilitaressupremos(nodoscivis,mesmo quando a voz destes semanifesta atravs doLegislativo,como ocorriacomaemendadodeputadoJorgeUequedecoma soluoencontradaparaoproblemapelodeputadoFlvio Bierrenbach). Na verdade,aresistncia institucional anistia irrestritadosmilitarescassadosoupunidosapresentava-se como uma questo de casta. O pior, todos sabemos, que essa questo de casta paralisa a Histria e fazabortar a"transio democrtica".E onde a interveno militar uma excrescn-cia,uma exorbitncia, um desafio aos brios cvicos da Nao? Torna-seevidentequea"grandelutapoltica",nomo-mento,coloca-senoterrenodaconvocaodeumaAssem-blia Nacional Constituinte exclusiva e autnoma.um exa-geroqualificar (eassimrestringir)oconceitodeAssemblia Nacional Constituinte.Masisso inevitvel.Eraprecisotra-var com deciso efirmezaessalutapoltica.Ela nosoferecia umanovaoportunidaehistrica.Aprimeirafoimalbara-tada e destruda pelasmaquinaesquesubstituam o sufr-giouniversal pelo ColgioEleitoral.Asegunda nopodia ser perdida- e o foi! bvio que no basta a elaborao de uma "boa" Constituio para resolver todososproblemasdeuma Nao.Porm,devemosnosbaterporela,poiselaabrea 36 FLORESTAN FERNANDES oportunidade histrica para cabar com a confuso entre "pa-pis institucionais"das Foras Armadas e garante militarda ordem,entre umquartopoderdefatoea"transiodemo-crtica".Enfim,elapoderprasForasArmadaseseus poderosos chefes em seu lugar. Constituioe revoluo* Omovimentoburguscindiu-seerevelaoquantoest contaminado pelo "autoritarismo"daditadura.Osseusdois grandes partidos refletem essa situao,que semanifesta com a maior clareza nosalvoseconmicos e polticos essenciaisda grande burguesia (a maneira de compor-secomadominao imperialista, neste momento;e o modo de encaminhar a rees-truturaodaordem).Odesenvolvimentoeconmicoreapa-rece como o nico meiodesalvar as empresas,asinstituies-chaveseosinteressescompsitosdasburguesiasnacionale estrangeira.Nosebuscaalgoadar aosmiserveisdestitu-dos,como uma propaganda delirante pretende difundir; o que se procura superar uma crise profunda,agravada pela irres-ponsabilidadeadministrativaepolticadegovernantesinca-pazesecorruptos,pelosaquemaneiracolonialquevem caracterizandoaacumulaoaceleradadecapitalnoltimo quarto desculoe pelasimposiesdiretase indiretasdain-corporaoaoscentrosdinmicosdocapitalismofinanceiro mundial.Aestabilidadepolticaaqualquerpreo,porsua vez,possuiasmesmascaractersticas negativas.Decomposta aditadura,trata-sedeconseguirosmesmosfinsporoutros meios.Aburguesianotravaumalutapelademocraciae pouco se ,importa com a democratizao do pas.Osseus inte-ressesdominantes,"nacionais" ou "internacionais" (caracte-(*)Folha de S.Paulo, 23.1.1986. -.18FLORESTANFERNANDES rizaesqueperderamqualquervalorhistricoeanaltico), esto empenhadosemmanter osrequisitospolticosdocapi-talismo monopolista,mais complexos e delicados na periferia, sem os quais a internacionalizao da produo,do mercado e dosbancos setorna impraticvel.OEstadonoumscio, maioroumenor:encarnaofatornmeroumdeumcom-plexo industrial-militar sui generis,que no pode crescer ese reproduzir semque o aparato estatal substancialize o sistema capitalista de produo e de poder. Portanto,osestratosmaisricoseesclarecidosdabur-guesia,osverdadeiramentepoderosos,deramascostasde-mocracia erevoluopopulardemocrtica.Estassonoci-vasaoque precisa ser feitocom presteza decirurgio e o san-gue friodo militar em combate.O esmagamento dospartidos earunadasinstituiespolticasfundamentaisnoconsti-tuem obstculoaessa operao.Aocontrrio,amboscriam uma situaoconfusa,na qual ompetorebeldedasmassas populares e aluta polticadostrabalhadores sofrem uma per-manente eroso.Comisso,o conservantismoganhatempoe pode armar o seu jogo no tabuleiro nacional,convertendo um Parlamento pusilnime e um Executivo fraco (alm dedesmo-ralizadopor suas origenspolticaseporcertasqualificaes biogrficas)numa armadilha para a outra Nao,aquela que abrange asmaiorias e selana mobilizao,aoprotestoco-letivoerebeliopolticacomomeiosdeconquistadeuma democracia pluriclassista. Essedelineamentosumriopermiteconstatarduascoi-sas.Primeiro,osdecima simulam partir docentropara che-gar aumaforma"autntica"dedemocracia.Contudo,eles nopartemdocentro,manobramemnomedocentro(um centrofictcio,quedenotaafraquezasubstancialdosdonos do poder:apressa em curar asferidas,emsubstituir oauto-ritarismo ditatorial por um autoritarismo aparentemente civil, emadiarsinedieasconfrontaesdecisivascomamassa dedestitudosecomasvanguardas polticasdasclassestra-balhadoras).Daacompleta ausnciadeidentidadesideol-gicasepolticas,ofisiologismoassustadordoseuassaltos posiescentraisdopoderestatal,franqueadopelacompo-sioarticuladaatravsda"transiotransada",doCol-gioEleitoraledosfavoritismoda"NovaRepublica".Se-QUE TIPODEREPBLICA?39 osdebaixo soosprotagonistas (conscientesouno) dadesobedinciacivil,darebelioemmarcha,dadefesa deumarevoluodemocrticaquetranscendeoslimitesda revoluopoltica emsentidorestrito.Democraciasignifica, paraeles,transformaorevolucionriadasociedadecivile doEstado,oaparecimentodeumaNaoquesesobrepo-nhaavriasnaesconflitantes(massumaefetivamente poderosaenocomandodasociedadeciviledoEstado);em aconstruodeuma novasociedadedeclasses,que esboou em 1930 e de1945a1964,para ser liquidada rapi-damente atravs das conciliaes pelo alto. Esse histricopermitediscernir oqueasevidn-ciasempricas comprovam,quer setome como ponto derefe-rncia asltimas eleiesem SoPaulo,RiodeJaneiro,Re-cife,Fortaleza,Goinia,Curitiba,PortoAlegre,etc.,quer a constestao nocampo.Asclasses burguesas semovimentam por todos osmeios possveis para conquistar uma fortemaio-rianofuturoCongressoConstituinte,comofitoexplcitoe "honestamente"declarado de bloquear a revoluodemocr-tica,esvazi-la de contedos concretos e manter atradiodo "idealismo constitucional". Para elas,uma Constituio nati-morta no sum atrativo, onicomododedar continui-dade contra-revoluo preventiva em um mundo perversode smbolos trocados e deaparncias estreis.Asmassas popula-rese asclassestrabalhadorasremam contraacorrente.Sua percepo da necessidade de alteraes revolucionriasda so-ciedadecivil,doEstadoedarelaodosdestitudoscomo sistema legal de poder confusa,dispersiva e carente deplos organizativos firmes.Todavia,a sua presena macia em sie por simesmouma torrentehistrica esua raiva nemsempre mudavaialmda ameaaempotencial.Elassaturamoes-pao histriconoqual Democracia, Constituio e Revoluo aparecem como asrealidades inexorveisda extino das for-mastradicionaisemodernasdedominaooligrquicaeda instauraodeuma sociedadedeclassescentradanaguerra oculta e aberta dos interesses sociais antagnicos. Aqui est o buslisdaquesto.Ainexistnciadeformas efetivasdoradicalismoburgus- poisestenovaialmda retrica de"esquerda"doPMDB e dos"liberais" doPFL -deixa vazio o ncleo burgus da revoluo dentro da ordem.A 40FLORESTAN FERNANDES predominncia burguesanoCongressoConstituintepromete umaradicalizaoretrica,comocompensaoideolgicae poltica no retraimento diante da revoluo politica que pode-ria cimentar um forte democratismo burgus. Resultado,uma Constituiodelantejoulas,devitrina,formalmente"ou-sada"masefetivamente inerte comofatornormativoda mu-dana social e poltica revolucionria.Em contraste,as foras sociais revolucionrias assinalaro oslimites reais edoutrin-rios de uma Constituio para valer.Porm,ficarosujeitas a doisconstrangimentos:o de uma representaominoritria e o da ventriloquiadopolticoprofissional,aindaquede"es-querda".Elasjogaro,certamente,opapelprovocativode estopimsempreprestesaexplodir,incentivandoaretrica constitucional fcil dos parlamentares constituintes. A reflexolevaaum becosemsada?bvioqueno. Pela primeira vezemnossahistria,Constituio,Democra-cia e Revoluo aparecem como entidadeshistricasemrela-odeinterdependnciaedereciprocidade.Issoquerdizer que a Constituio no ser, apenas,um cenrio ricodoscon-flitosdasclassesedastendnciasdereconstruodasocie-dade.Na medida emqueasforasrevolucionriascresceme se diferenciam, elas prprias se tornam matria da elaborao constitucional e estabelecemasconexesrecprocasdacarta magnacomaconstruodeumasociedadedemocrticana qualarevoluodentroda ordem e arevoluocontra aor-demconstamdaordemdodiaedaspossibilidadesquese mostram no horizonte histrico. Quempaga o"pacto"?* Ottulodestertigoevoca uma piadademaugosto.O quenoeliminaquemaugostoeverdadenoseexcluem. ExistemounonoBrasildehojeaspremissashistricasde um"pacto social"entre ocapital e o trabalho?Aresposta bvia.A idia de um pacto social constitui uma obsesso poli-ticadosestratosmaisconservadoresdaburguesia.Oquese pretende conseguir por a?Um estado dequietao dostraba-lhadores,em geral,e de rendio passiva dosgrupos mais or-ganizados e decididos dos proletrios rurais e urbanos.Trata-se de um "d c" sem um "toma l"correspondente.Depois dese veremesmagadossobopesodamisria,deumataxa impiedosa de explorao dotrabalho,dodesemprego macio, dainflaogalopante,daexportaoliquidaderiqueza,da mais desenfreada corrupo e da dilapidao da renda nacio-nal,etc.,ostrabalhadoressochamados para pagar acon.ta sob a forma de um "pacto social". Seria um bom negcio,se ostrabalhadores consentissem isso.Por astcia poltiCa,h nomovimentosindicalenases-querdasquemavancenessadireo,comopropsitosimu-lado de garantiraestabilidadeda "democracia",a"consoli-daoda NovaRepblica".Noentanto,ostrabalhadoresj descobriramoquelhesreservamosarranjosqueseprocla-mam corretivos e saneadores.Eles socorretivos e saneadores (*)Folha de S.Paulo, 28.12.1986. 42FLORESTANFERNANDES paraograndecapitalnacionaleestrangeiro,especialmente para o capital financeiro,ascorporaesmultinacionaiseos ditos donos do poder,antes, sob a ditadura militar,agora,sob o seu sucedneo degravata e colarinho ...Osparalelos coma Espanha,aSucia,aAlemanha ouo Japo,arrolando-seos mais aventados,so equvocos.Seja porque ospactossociais, sob o capitalismo imperialista da era atual,possuem mo ni-ca,favorecendodesigualmenteo capital eo poder.Sejapor-quenoBrasilascondiesimperantessodeextremacruel-dade e de superexplorao do trabalho:a reproduo do capi-tal no passa somentepela taxa deexploraodamais-valia dosassalariados,exigeo subdesenvolvimentorelativoeoes-magamento global doplo trabalho.Soba ditaduraousoba "democracia" estarealidade no sealtera,oquetransforma emmiragemaidiadeum pactosocialreciprocamentecon-sentido. No obstante,seria preciso avanar um pouco maispara chegar-seaofundodarealidade.Comovetomilitaraoal-cancedamo,asclassesburguesasseobstinamnanecessi-dadehistricadeumpactosocialexatame11:tepararesolver asinquietaes eascontradiesquenascemnocampo bur-guse para submeterademocracia nascenteauma paralisia geral. Os dilemas do governo no poder demonstram isso com a maior clareza. Nas relaes com os operrios industriais e com os trabalhadores rurais o que se busca a sua desmobilizao, a troco de nada! A lei de greve e a reforma agrria evidenciam que no sequer retirar com a mo esquerda o que sed com a mo direita. Literalmente, no surgeuma linha deconcesses reais (note-se: concesses reais) e seo governo interpreta mal o seu alcance de vo,desaba sobre eleo NO! civil emilitar da "conscincia poltica da Nao",isto ,doquererindomvel dos de cima. Comomoldar um pacto social sem reciprocidades,ainda que reciprocidades desiguais,como a regradocapitalismo? Como podem asburguesias superpostas,as dedentroeasde fora,induzir osproletrios a indulgncias suicidas?Como re-solver os problemas das relaes da burguesia com osdiversos proletariados do pas semresolverdeantemo (ouaomesmo tempo)osproblemas dasrelaesdessasburguesiasentresi? Tudoissoquer dizer unicamente uma coisa:atum pacto so-QUETIPODEREPBLICA?43 cial combenefciosecompensaesmirrados edesiguaisim-peburguesia(eaoseugoverno,ditatorialou"democr-tico")a prova deuma revoluo poltica.Semuma revoluo poltica,vindadecima para baixo (comoconsentimento eo apoio dos de baixo), no h como chegar-se a um pacto social, por simesmo uma revoluodentrodaordem,nomelhor es-tilo burgus. O governoatual trocouo fuzilpelaretricadaspalavras ocas.Poranosemuda coisaalguma.precisopassarda retricaaosfatos.Umaimensamaioriadospobreseopri-midosrevelouque est disposta atrilharo caminhodifcilde umademocrtica.Eessa maioria foiiludidadev-rias maneiras atravs deartimanhas polticas pouco recomen-dveis (edesmoralizadoras para o poder sobtodas as suasfa-ces:o declasse,dosvriossetores da burguesia;eogoverna-mental, no ncleo do aparelho do Estado).Em vezde simular um pacto social,emtais condies,osdecima deveriamper-guntar-se:at quando os trabalhadores,osoprimidos eoshu-mildessuportarosemelhanteasfixiadeseusdireitoseobri-gaescvicas?Omedodarevoluodemocrticaeacon-fianaemumpactosocialfictcioeentorpecentenoum conviteparaqueosdebaixofaamjustiapelasprprias mos,j queasinstituies-chaves da sociedade civileda so-ciedade poltica no desatam o n grdio da Histria? Portanto, os trabalhadores, livres e semilivres,no sefas-cinampelocantoda sereia.Travamsuasbatalhaspelacon-quistadascondiesmnimasdeauto-organizaocoletivae de luta poltica de classe. Percebem queo pacto social "conci-liador",almdeumembustegrosseiro,osdesviadoseuca-minhoreal.Avanamcomseriedade,aindaquesobgraves oscilaes,nadireodarevoluopolticaqueassustaas classes possuidoras,especialmenteosseussetoresmaisprivi-legiados e as suas elites.O seu objetivo direto e imediato no um pacto social imobilizador,mas tornar irreversveisarevo-luo dentro da ordem e a participao ativa dosassalariados em todos osprocessos essenciais que sedesenrolem no seioda sociedade civil,do Estado e da Nao. CongressoConstituinte* AdecisodoCongressodeconverter-seemAssemblia Nacional Constituinte mantendo,ao mesmo tempo,suas fun-esnormais,suscita muitasquestespolticas.Est forade dvida que preciso dar um paradeiro ordem ilegal herdada daditadura,aindavigenteinclusivenoplano"constitucio-nal".NewtonRodriguestemmantidoacesaa pertinentedis-cusso do assunto,evidenciandoque essa via melhorqueo estadoatualdascoisas.De outro lado,atradiobrasileira, nessa esfera, consiste em zerar a presena popular em todos os processos cvicos e polticos de alguma magnitude,monopoli-zadospelaselitesculturais e polticas"esclarecidas".uma tradio que conduz,sempre,a um mesmo resultado:manter as rdeas presas, para que a massa popular e asclasses traba-lhadoras sejam perenemente banidas do exerccio do poder.O efeito disso aparece nas constituies "idealistas", elaboradas para "ingls ver e francscheirar",to distantes ficamda efi-cciadaleifundamentaledesuacongrunciacomareali-dade.Por isso,a Constituiode1946,por exemplo,foitida pormuitosanalistascomo"obra bacharelesca",malgradoa participao de constituintes dediferentescortesideolgicos. A situao de fato,que se criou por iniciativa do governo Sarney,endossada por deputadosesenadorespoucoatentos aocarter representativo de sua relao com o corpo decida-(*)Folhade S.Paulo,15.12.1985. QUE TIPO DE REPBLICA?45 dos,exigeagoraquesepenseemcomoatenuarosefeitos desastrosos de mais essa conciliao (e traio)peloalto.Em simesma,ainiciativa traduz asobrigaeseosobjetivosdo pacto conservador, que levou ao Colgio Eleitoral, eleio de Tancredo Neves e ascensoPresidnciadogro-vizir civil daditadura.Elaconstituiumpassodecisivonachamada "transio lenta,gradual esegura"doregimedaRepblica institucionalparaum"Estadodedireito".Aomissodos deputados e senadores,que renegaram amelhor soluo,sig-nifica,claramente,queoCongressoestfirmementeempe-nhado nessa formadetransioe,portanto,na desmobiliza-odoPovona construodademocracia.os interessesdeclassedaburguesianacionaleestrangeiraea valorizao dos partidos da ordem,unidos na Aliana Demo-crtica (PMDB ePFL)edeseusaliadosorgnicos.Tambm predominou o vetomilitar alternativa "radical" de uma As-semblia Nacional Constituinte exclusiva,quesesoltassedos controles institucionais e polticos seja dos partidosda ordem e dos polticos profissionais,seja das classes possuidoras mais privilegiadas e das vrias instncias ultraconservadoras do go-verno da "Nova Repblica". O combate a tal situao de fato ter denascer da oposi-o macia da maioria doscidados, firmesem sua luta pol-tica e conscientesda necessidadedederrotar opacto conser-vador e as manobras turvas do governo,o qual se mostra como sucessorda ditadura eseuequivalente poltico.Nosetrata de um combate fcil,pois o PMDB desertou da oposio ese colocou a servio de um regime pretoriano dissimulado.Sem o PMDBvaiserigualmentedifcil restabelecer ummovimento de massas com fora semelhante aodas diretas j efomentar uma oposiocvicamscula,semcisesirreparveis.Alm disso,as esquerdas do PMDB ou quedeleemergiram,empe-nhadasna defesada legalidaderecm-conquistada,curvam-se ao oficialismo do PMDB e sua vocao de preferir o poder defesaousada da revoluodemocrtica.Na verdade,abs-traindo-se osrebeldes do PMDB,que poderoounorepetir a faanha de marchar sozinhos na direo devitrias limpas, construtivas e de substncia popular revolucionria (como su-cedeu recentemente no Recife) e os contingentesquepodero serativadospeloPT epeloPDT,voltamosscondiesde 4FLORESTANFERNANDES confronto cvico que prevaleceramnocombatesemtrguas ditadura.Os principais agentes daluta so,denovo,organi-zaes da sociedade civil e o setordaIgrejacatlicaquecon-verteuaopo pelospobresemuma formaativistadeindig-nao moral e de desobedincia cvica. Eis a o que conta como o ponto de partida deuma arran-cada mais complexa edemaioresconseqnciasqueomovi-mento pelas diretas j.Deumlado, precisoatrairamassa do povo e asclasses trabalhadoras docampo eda cidade para o entendimento,a valorizao e a defesa semtrguasdeuma Carta Constitucional efetivamente voltadaparaademocrati-zao da sociedade civil,da cultura edocontroledoEstado. De outro,impe-se enraizar osdesenraizados nasfrentesins-titucionais operantes (de organizaes debairros e de favelas a comissesdedefesadondio,decamponesespobresdasv-riascategoriasdeoprimidosemarginalizados,dossindica-tosdostrabalhadores,dospartidosoperrios,etc.)quetero papisdecisivosna batalha por uma Constituiodeesprito igualitrio,democrticoesolidamentenacionalistaeliber-trio.So dois elencos de tarefas gigantescas,a serem cumpri-das em curto prazo e contra a corrente. Dessastarefasresultaumcorolrioprticoessencial.A concentraoda votaoemcandidatosderaizpopular ede identidade proletria. Os ricos e poderosos j mostraram,sem timidez,que mtodos iro usar, financiando candidatos e par-tidosflexveis ao fascniododinheiro e dodespotismo poltico da burguesia. urgente que oshumildesseunampara fazer faceaessa avalanche debarbrie,queseproclamademocr-ticamasapelaparaacorrupoeparaototalitarismode classe.Seuscandidatoseseuspartidosprecisamserescolhi-dos entre os que saem desuas fileiras e os que podem ser segu-ramente contados como companheiros dearmas.Nosedeve exagerar osignificadoda Constituiocomoum valor emsi. Procederdessemodoseriafomentaras"ilusesconstitucio-nais" e abrir caminho para severas frustraes posteriores. Mas recorreraumaconceporealistadequeacartamagnade umasociedade nacional no pode mais ser confundidacomo biombo de um sistema de poder desptico,desumano,anti-so-cial e antinacional,que recorre Constituio como uma ms-carae uma fonte de "legitimao" de toda sorte de ilegalidades. QUE TIPODEREPBLICA?47 Estou recomendando umprocedimento sectrio?claro queno.OBrasildeveescolherentreatransioconserva-dora e a revoluo democrtica.Os caminhosque permitem o fortalecimentodovotoproletrio e a eleiodecongressistas comprometidoscomarevoluodemocrticasoestreitos, espinhosos e difceis.Urgepalmilh-lossempudoresfalsose sem hesitaes! O cachimboea boca* OBrasilofereceumpanoramaestranho:pareceoNir-vana, o mundo do"paraso perdido" ou a"terra sem males", visto pelo retrato oficial do governo central,dosdirigentes dos partidosdaordemedosquadrosconservadoresdasclasses dominantes (nelasincludos,naturalmente,osprceresmili-tares).Partedacivilizaoocidental(negligenciando-seque pelos vnculos coloniais) e da tradio crist (omitindo-seque a selvageria dos"senhores" no se encerrou coma Abolio), empenhada na construo da democracia (descontando-se que aquelesque combatem por ela ou no possuem peso e vozna sociedade civilousocontadoscomoextremistasperigosos e sofremcruisestigmatizaes),oBrasilencarnariaoprot-tipodopas que "deu certo"!. .. O ex-gro-vizir da ditadura e donode uma curul presidencialquefoialcanada peloacaso (ou pela esperteza)repeteo paradigmadoltimopresidente militar,de enriquecer a cultura industrial da (des)informao commanifestaes retricas em choquecomarealidade- e que choque! Seria ocasodesefalarem"continuidadespolticas"? Nemtanto.A "classedominante"perdeu,aoqueparece,o contato efetivo com a realidade.Sempre sedisse que "politica aii.o".Uma classe dominante domada esegura pela argola do beio,a partir defora,e incapaz de"gerar inputs" econ-(*)Folha de S.Paulo, 5.12.1985. QUE TIPO DE REPBLICA?49 micos,culturais e polticos,para dentro (ficando-se na lingua-gemmimetizadaeservildostecnocratascomPhDsnorte-americanos), entrega-se aodelrio.No a primeira vez (nem a ltima)na histriadaHumanidade ...Overboest sempre aoalcancedabocaedascabeasardentes,queocultamdo egosuasfrustraes,transmutando-as emequivalentesorais dossonhosedasfantasias.Nemprecisoociclocompleto, chegar s letras e Academia Brasileira de Letras, ao reconhe-cimentoconspcuodeumacapacidadeinventivaquesedes-dobraemcontos,novelas,poesias,discursosdeocasioou protocolares.Seriaumerrotomarodeliriocomoevidncia objetivada mentira.Ningumquer (nemsevcompelido)a esconder coisaalguma.A transparncia completaenica: as elites (inclusive asculturais)das classesdominantes nose amarram s palavras e pelas palavras. Congregam ossenhores da fala.Sonham em voz alta ... Se o pas no assim,a culpa dele,que seatrasouem relaoaodiscursooficiale Nao sublime,que s existe na imaginao e nas esperanas dos que enfrentam a responsabilidade (irresponsvel)dopoder e pre-cisamdizerqueaNaoimaginria noseraniquiladapor alguns cem milhes de ps-rapados ... Odesvendamentodosltimosvusveiocomaseleies municipais e com asdecisesdoPlanalto,doCongresso e dos partidos da ordem no tocante elaborao da prxima Consti-tuio.Aseleiesdemonstraramoquantoaretricadeli-rante e irresponsvel j se tornou intil e perigosa.Asdecises do Planalto - comoconsta do jargo consagrado- so tam-bm asdecisesdoCongresso.Osdoispoderes secompletam (esemerecem).Fica claroagoraqueningumserviudita-dura contra a vontade.A regrageral,nosplanoscivilemili-tar:aselitesdasclassesdominantesserviram-sedaditadura e doCongresso.Postos na contingnciadenopoderematri-buir ditadura sua miopia poltica e seuafrestaurador,de-putados e senadorescolocaramsuamaioriaserviodoPla-nalto e contra a Nao- e depois pularam decontentes,ba-teram palmas de alegria e fizeramdiscursos eufricos.Enfim, cumpriam a palavra de Tancredo Neves,presenteavam a cole-. tividade com o que lhe era devido e a NovaRepblicaatingia os pncaros da glria.Opereta demau gosto?Repetio enfa-donha de uma comdia da qual no logramos sair por mais de 50FLORESTANFERNANDES vinte anos?Nadadisso!Deputados esenadoresmostraram o queentendemporliberdade,pordemocracia,pordeverc-vico.Sua alegria vinha do fatodequepodiam fazero pior por conta prpria,semsesubmeteremservilmentecoaodas baionetas ...Por queeparaqueprovocar saudadesdaRep-blica institucional?Poderiam at ir almdos limites estabele-cidos e zerar odbito dos polticos aosantigosbodes expiat-rios,que,no obstante,acompanhavam comzelopretoriano essa afinao de vontades eletivas de governantes,congressis-tas e chefes militares no pice do poder... Comocolaboradordeste jornal,nomecai bemfazero elogio reaoda FolhadeS.Paulo.Porm,este jornaldeu amedidacertadodesencantoedafriaquealimentaramo repdiodamaioriaprostraodoCongresso.Ospolticos profissionais comportaram-se corporativamente(nemmesmo "profissionalmente",poistoda profisso possuiuma tica)e infligiramNaoumgolpeaindamaisdolorosoeavitante que o anterior, o qual conduziu sacralizao do Colgio Elei-toral e produo de um governo to esprio (ouainda mais) queassucessivas satrapias militares.Em ummomentohist-ricodecisivo,oCongressorecua etreme,recusandoNao umaautnticaAssembliaNacionalConstituintepopular, soberana eindependente.Aditaduramilitarnopisoteouo Congressoportemor- comprova-se,agora,queissoseria desnecessrio.Pisoteou-oparaqueelecomessenocochoas fatias de poder quelheeram servidas (eno asquepoderia se achar no direito de pleitear).Sem o brido,deputados e sena-dores lanam-se toda no desfrutedesuasregalias,utilizan-do-se de seus privilgios institucionais como o sabreeofuzil: tremei,brasileiros,quelvamosns- chegouanossavez! O diagnstico feito em"Nao Derrotada"(FolhadeS. Paulo,23denovembro de1985) perfeito e completo.Nelese desmascaraeseacusa,dentrodasnormasdomelhorjorna-lismo crtico,ologroNaoquefoiendossadoeampliado pelos congressistas."Aprovada pelo Congressoapsincont-veisdisputasdedetalhe e em meioa todasortedeconfrontos polticopartidrios menores,a emenda convocatria da Cons-tituinte reafirma,em suas linhas bsicas,o mesmo atentado tesequesepropeadefender,amesmainfidelidadeaum compromissoessencial coma Nao eamesmairresponsabi-QUE TIPODEREPBLICA?51 lidadepolticaverificadasdesdeque,pelaprimeiravez,as forasdogovernooptaramporatribuir,aoCongressoaser eleito em 1986, o poder deelaborar a nova Constituio".( ... ) "Reticente ou casustica em seus detalhes,a emenda aprovada no define exclusivamente o interesse corporativo ou asconve-nincias estreitas de um Congresso que insiste emfazer-sein-dignodosqueoelegeram;fosseapenasisto,eacrescentaria pouco aoque j sesabe.Mas define,o que pior,oslimites, as debilidades e as traies aque se vsubmetido o projeto -um dia unnime - deconstruir-se no Brasil uma democracia autntica e duradoura". Transcrevi oincioeofechododiagnstico.Ambosso custicos e,dentrodeumcircuitodepensamento legalede-mocrticopluralista,quenoameaaastradiesqueogo-verno,oscongressistaseospartidosdaordemproclamam cumprir,apontamascontradiesqueseconfiguramcomo "infidelidade", "irresponsabilidade poltica","limites","de-bilidades"e"traies",comumacoernciaexemplar.Con-cordo com esse ataque frontal pusilanimidade dosquedeve-riamseroscampeesdalutademocrticadetodooPovo (embora no acima das classes),maspreferemomtodotor-tuosodemanterascoisascomoelas esto,conferindomaior vitalidade tentativa em processo dedaraparnciasdecons-titucionalidadeedenormalidadedemocrticaaumaRep-blicainstitucionalmodernizada,aumEstadodeSegurana Nacionaldotadodelantejoulasrepublicanasede"iluses constitucionais" inviveis.Por asedescobre oquantoaluta porumaAssembliaNacionalConstituinteindependente revolucionria e como sourgentesastarefasquenoscabem deimpedir um novo golpe branco,peloqual osdonosdopo-derpretendemresguardarofunestoantigoregimequeest implantado no corao do Brasil. r, Quemganhou?* O pessimismo ps-eleitoral dominado pela figura deum vencedorrejeitado(tantopela"maioriaeleitoral",quanto pela massa reacionria da burguesia,que seserviudele faute demieux).Todavia,a objetividadenosaconselha,amimea voc,leitor,quesaiamosdocirculoviciosodomaniquesmo poltico. As eleies seferiram aqui, na cidade de So Paulo,e agora,a quinzeanosdosculoXXI. ..Opopulismonoest enterrado,ainda,masodemagogodevnculostradicionalis-tas e mandonistas j uma "alma morta".Constituium ps-simo hbitoretirar o heridoseu cenrio,aseleiesdoseu contextohistricoeasvitrias(ouasderrotas)polticasda sociedade civil. Oqueindica oquesetementendidocomo"derrotado PMDB"?OsenadorFernandoHenriqueCardosonofoi eleito, o esquema poltico-partidrio que elerepresentava viu-sebatido (e,pelaexguamargemdevotos,batidopor foras internasdeseuprpriopartido)edeterminadacomposio decpulasgovernamentaisacha-seameaada,porque asfa-vasdeixaramdeser"favascontadas".Noentanto,ose-nadortemavidapelafrentee,graassupostaderrota, completou sua aprendizagemsobrea poltica profissional.O PMDBpodecolocar-sesemmscaradiantedoespelho ede-cidir sequercontinuaraserumpartidodaordem,quando deveriaserumpartidode"frente popular".E,porsuavez, (*)Folha de S.Paulo, 25.11.1985. QUE TIPODEREPBLICA?53 a composio das cpulas nasceu condenada pela Nao,que abomina a "transao conservadora" - com tudo que levoua ela e tudo que ela gerou.Desse ngulo,no h derrotas (nem vitrias) a lamentar (ou a celebrar). Mais cedo doque se espe-ravaoPovodemonstrouquenoumamaioriasilenciosa epuniuaquelesquenoentenderamquearevoluoque grassa na sociedade civil no pode ser domada compalavras, programas e gestos vazios. O que atesta a vitria do sr. Jnio Quadros e deseus alia-dos? Que eles cometem os mesmos enganos doPMDB,sque numa escala invertida. No cerne desua vitria est incrustada aprofundidadeincomensurveldacrisedopoderburgus, umacrisequecompeleamassareacionriadaburguesiaa substituiraditaduramilitar"acimadasclasses",primeiro, por uma conciliao pelo alto e,em seguida,por uma aliana com um demagogono-confivel eincerto.Asambigidades da burguesia brasileiraatingiram oapogeu eapropalada vi-triaconstitui,aumtempo,um erroirreparveleumader-rota insupervel. O sr. Jnio Quadros poderia parodiar conhe-cida personagem histrica,dizendo, em linguagematual:de-pois de mim, o fascismo!Clarificam-se, portanto,as forasda Aliana Democrtica e asamarras queasimpedemdemovi-mentar o processo poltico numa direodemocrtica.Osfa-riseusestodentrodotemplo,maseleestpodre.Osvotos colhidos no contaro para nada daqui para a frente.Caber finalmenteaos estratos civisda ditadura responder pelosma-les que nos arrastaram ao caos e runa. Qual o reversoda medalha? Basta olhar para a votao de Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Matarazzo Suplicy para perceber.A ordem ilegal que sobreviveuditadura,seu sistema departidos e adespolitizao da pugna eleitoralpro-duziramuma situaoartificial,inteiramentedesfavorvel manifestao, organizao e participao dosoprimidos e dossetoresradicaismaisfirmesedecididos.Noobstante, eles ergueram o clamordesuascausas,impregnandoaselei-escomsuasexigncisesuaslutaspelatransformaoda sociedade civil e doEstado.OPT simbolizaesseavano,que no,porm,exclusivamentedele.A histriadeuumsalto, embora opreosejaoimpostopeloterrorparanicodosde cima ... rI 54 FLORESTANFERNANDES Oquesedestroou?Ailusodequeumpascomoo Brasilpossaexpungir-sedeiniqidadessecularespormeios pacficos.A Histriano um congelador.Aseleies(eos seus resultados)nos puseram caraacara comosnossosdile-masmaiscrus.Deumlado,aminoriatodo-poderosa,que joga a sangue friona roleta russa,fiando-seque,nofinaldas contas, no ter de pagar por seus equvocos deliberados e por sua m ftransparente.Deoutro,amaioriasubalternadivi-dida por muitas barreiras,queforamcriadas enoreprodu-zidaspelasprprias classesdominantes.A democraciaexige assim uma revoluosocial.Uma revoluosocialrebentade baixo(aocontrriodacontra-revoluo)evaidasociedade para o sistema de poder (ea forma poltica doEstado).Oque as eleies municipais equacionam - no como hiptese,mas como fato - essa realidade histrica. Voltar ditadura militar j no mais o suficiente.Che-gar auma democraciacommltiplaspolarizaesdeclasse, sderrotandoessaminoriaparanica,oquerequercom-plexos e duroscombates,aviadarevoluodemocrtica.S que esta revoluo no possui por base e ponto de partida uma revoluoburguesa vitoriosa,mas uma contra-revoluobur-guesa em retirada e desmoralizada.Por aqui sedesvenda algo essencial:asaparnciasdosresultadoseleitoraisnocondi-zem coma substncia da eleioe das forasque nela secon-frontaram.Umquartodevotosnoformaumacidadelae exprime,aocontrriodoquesepensa,deondepartiroos gritosmaisestridenteseasdissonnciasmaisprofundasna hora doacerto de contas. Neleest a massa mais humilhada e maisressentidadosmiserveisdaterra,plantados noscorti-os,nas favelas e nas conglomeraes despojadas da periferia, p ~ t o s dentro dos muros da cidade para que um dia ela secivi-lize e sehumanize,oquenunca sedar por semelhante"via eleitoral". Esse o dilema poltico nmero um. vista dele,a vitria dosr.JnioQuadros positiva.Ele mostra,sociedade,que os caminhos pacficos esto bloqueados e que as"esquerdas", que "ganharam mas no levaram", precisam aprender a avan-ar revolucionariamentena direodesua organizaoinsti-tucional.Tambm evidenciaqueo campodapolticadestri osingnuos,osquequeremuma coisae fazemoutra.pre-QUE TIPODE REPBLICA?55 ciso enraizar os desenraizados em seus partidos, em suas orga-nizaes de luta, em seus meios ideolgicos e polticos de atua-odefensivaeofensiva.Abatalhaeleitoralumabatalha poltica.Os trabalhadores e osoprimidosprecisampreparar-se para trav-la srio, at o fim e at o fundo! r 1 Embateseleitoraiselutapela vida* Em certo dia da semana passada fuifazeruma confern-cia para operriose lderessindicaisda CUT,emSanto An-dr.Li assombrado um pequeno cartaz,praticamentedede-nncia:confrontavanegativamenteaeleiomunicipaleos interessesdostrabalhadores.Uma coisanoestariaatraves-sando a outra.Oquepensar?Esquerdismo infantil,"imatu-ridade"poltica?Ou,defato,apolitizaoinstitucionale profissional das eleies concentrava a estratgia dos partidos em objetivos estranhos aos problemas e dilemas reais da massa pobreetrabalhadoradapopulao?OPMDBpossuipelo menos trs grupos aguerridos da esquerda,almdeuma "es-querdaparlamentar"muitodinmica.OPTcontmuma identidade proletria que no cobra questionamento.Ficando nesses dois plos,haveria um entendimento perverso dosdois partidosdeque elesdevemcobrir determinadastarefaspol-ticas essenciais para ostrabalhadores eamassadosdestitu-dos de tudo, at de peso e voz,na sociedade civil? Refletindo sobreoquestionamentochegueiconcluso deque ele dolorosamente correto.Amigo e companheirode FernandoHenriqueCardosoemtantaslutaseesperanas mais ou menos perdidas,gostaria que ele levantassepelo me-nosalgumasbandeirasverdadeiramentesocialistasdoenga-jamento poltico da maioria pobre e destitudana soluode (*)Folha de S.Paulo,11.11.1985. I QUE TIPO DE REPBLICA?57 seus problemas maisprementes.Apoiando Eduardo Suplicy, em conseqncia de minha vinculao com o PT,ficariafeliz comumdebate"quente"arespeitodascausaseefeitosdo impactodocapitalismofinanceirosobreaconturbaodas cidadese,especificamente,sobreametropolizaodeSo Paulo.Noentanto,alutaeleitoralvoltaosseustentculos paraaconquistadevotos,noparaarevoluourbanae, menos ainda, para as ligaes recprocasque poderiam existir entre revoluo urbana e revoluo democrtica. So doiscandidatos que permitem separar o presentedo passado.Ambosno contam com raizes oligrquicas e se vol-tamcontraademagogiafalsamentepopulista.Ambosso cientistas sociais competentes,ntegroseradicaisemsua im-pregnao antiautoritria e pr-democrtica.Esuascampa-nhas, malgrado interferncias de uma tradio deausncia de cultura cvicanospartidos enaselitespolticasprofissionais (oquepressupe,tambm,ausnciadeculturacvicanos quadrosdirigentesenasbasespartidrias),contmamarca deuma ruptura com' imperativodaestigmatizaoideol-gica,poltica emoraldosadversrios.Esta ocorrecomores-postaaforaspolticasquenosabemremarcontraacor-rente e se batem pela nivelaopor baixoda linguagem pol-tica edosartifciosda luta interpartidria.Portanto,osdois candidatosestavamtalhadospara escolherrelaesinovado-ras mais ousadas coma massa popular e comademocratiza-o dosprocessos eleitorais.Pois aqui est aquesto:aselei-esno chegaramaser verdadeiramentepolitizadasepoli-tizadasdemocraticamentede1945a1964ousobaditadura militar,que sempre converteu as eleies em farsa poltica e as castrou de suas potencialidades mais criadoras. Ora,So Paulo ostenta,em ponto grande e em escalade intensidade amaznica,todos os problemas,todas asgrande-zas, todos os dilemas,todas as misrias do Brasil de ontem,de hojee deamanh.AquinosedecidesomenteseoPMDB continuar acrescercomo partido da ordem ecomopartido do governo.Aqui tambm no se decide somente seo PT vin-gar:comopartidodosdebaixo,queretiraoshumildes,os destitudos e osproletrios da condio demassa eleitoral su-balterna e passiva.Ospropagandistasda"NovaRepblica" proclamamqueessassoasprimeiraseleieslivresquese Sk FLORESTANFERNANDES realizam no Brasil ps-64. Contudo,a ventriloquia e um esca-pismo refinado demonstramqueasrupturas em processo no estilhaaram velhoshbitos,no sepultaram devezatendn-ciaarraigadadecolocaro"Povo"nocentrodopalco,dei-xando-o,porm,nacondiodeespectador.Asdecisesse fazemforadopalcoeacimaouporcimadavontadedo "Povo" ... Poder-se-ia dizer:aditadura nofoiarrasada completa-mentenoplano institucional,especialmentelegaleadminis-trativo,etc.Deixemosissodeladoeainquiriodasculpas que cabemacada umdenseaoPMDBpesadamente!Fi-quemos rentes s campanhas, sua forma,significados e con-tedos.Oqueseconstata?Ocontra-ataqueaum candidato que retoma em cheio as mazelas domandonismo,dopaterna-lismo,doclientelismo,dopopulsmofajutopermiteumbelo exerccio retrico, com a condenao de velhas artimanhas e a incineraodeprticaspolticasobsoletas(mas,evidente-mente,ainda funcionaisparasetoresda"massareacionria da burguesia"). Tal retrica pura perda detempo e redunda em vantagens circulares crescentes para o referido candidato, que oblitera a razo poltica e o sentido da luta poltica popu-lar eproletria comasuasimplespresena.Elepolarizaas campanhaseconverteosadversriosemseuspropagandis-tas ... Qual seria a alternativa? Travar a luta poltica popular e proletriadentrodoseuprprioterreno,deixandoohomem pregandonodeserto,semhoraesemvez.Issoimplicaen-gatar a campanha eleitoral revoluodemocrtica,empar-tirdeombrosdadoscomosdebaixo,engajando-osdiretae concretamentenasvriasetapasedesdobramentosdaquela campanha. Pressuporia aceit-los como parceiros iguais, como companheiros, e tocar o bonde com eles,segundo um estilo de fazer poltica que forjaria as bases efetivas de uma democracia participativa. Oquesevnosdoispartidosmencionados?Umquer atingir a "massa eleitoral" fazendo-a danar de acordo com os acordos dos governos do municpio,do estado e da Repblica, esbatendo no fundo poltico esperanas e alegrias que sode-cepadaspela evocaoda figuradeumherimorto.Nose trata de uma bota dechumbo.Soquatrobotasdechumbo, quearrastamocandidatoparaumvcuocriadoartificial-1 I I QUE TIPODEREPBLICA? 59 mente!Comseutalento,decisoecapacidadeimaginativa, Fernando Henrique franqueia esses obstculos, mas elesauxi-liamo contendor fatdico,quecolhefrutosqueoutrosplan-taram (bemapropsito)noterrenoda"transiodemocr-tica" ...O outro partido quer decolarcomforaprpria,sus-tentando-sena afirmao coletivadosquesemovemparao centrodopalco como agentesreaisda luta popular e prolet-ria.Porm,adocicaasuapropagandaeleitoral.Torna-a "atraente"e"interessante"- portanto,"mobilizadora"e "eficaz". custa dequepreo?Deuma social-democratiza-o alamoderna e alabrasileira,deconscinciacrticahu-manitria mas irnica,galhofeira e "pluriclassista".O candi-datov-seconvertidoemumequivalentedaKibon.Oque revela no uma ida decidida e firme luta poltica popular e proletria,alturadagarraedalnguaafiadadoLulada campanhapelasdiretas,masumaacomodaosinquieta-esdaclassemdiaedesuadisponibilidadeemnofazer onda,"porque a mar no est para peixe" ...O partido cres-ce,porm no aparece (no sentido dos signos socialistas prole-trios). Seascoisassoassim emSoPaulo,onde osdoisprin-cipais partidosemtermosdedebatepolticoconstrutivoen-contramcandidatosrepresentativos,oquepensardeoutros municpios,quenocombinamasmesmasfacilidadescom anlogosdesafioshumanos e polticos?Nolimiarda elabora-oda prxima Constituioverificamosqueasarmasmais aguadas ficamnas bainhas e queasforasmais vitais fogem aoseuleitonatural.Oquequerdizerqueosestratosmais poderososeconservadoresdaburguesiaganhamabatalha, no por seu candidato,mas graas a um aniquilamento (oua umesvaziamento)docontedolibertrio,emancipatrioe agressivamentedemocrticodosembateseleitorais.Aselei-es deixam de ser um rito.Nem por isso exprimem a vida real da imensa variedade demoradorespobres,destitudosepro-letriosquepoderiam,apartirdelas,estabelecerummarco histrico em sua relao ativa coma construo deuma nova sociedade civil e de um novo Estado capitalista. '1 Aspremissassociaisdademocracia* Ainstauraodademocraciatemsidovistasegundo um visdeformado (poder-se-ia dizer deliberadamentedefor-mado).Osqueusarameabusaramdaditadurahojedeli-ciam-se com os equvocos quedifundem,por todososmodos possveis.Omedopnicodeuma"desforra"dosquesofre-ram mais soba opresso,a massa de explorados e oprimidos, alimenta um mecanismo circular de autodefesa burguesa,que lana para o futuro"democrtico" a soluo de todos os pro-blemas e descarrega sobre o aqui e o agora a "necessidade" do convviopacfico,da unionacionaldetodasasclassesedo pactosocial(ouentendimentoentrepatreseempregados, entreocapitaleotrabalho,entreoexploradoreoexplo-rado). Portanto,asclasses proprietrias no possuemuma uto-pia democrtica,no erguem as bandeiras revolucionriasda democraciacomoumanegaoesuperaodaordemexis-tente.Deumaformaprosaicaeprtica,queremqueapaz socialsejaarespostaguerracivilquefoimovidacontraa maioria,contra a Nao e contra a soberania do Estadoatra-vsdo golpe de 1964 edeseus sucessivos"recrudescimentos". Querema"estabilidadedaordem"aqualquerpreo,con-tudo,sem pagar por ela nenhum custo econmico,cultural ou poltico. O governo exibe vrias concesses,que no tm rela-(*)Folha de S.Paulo, 21.10.1985. 1 I QUE TIPO DE REPBLICA?I> I ocomalteraesprofundasda ordemexistente:comome-diador e artfice principal das elitesdasclassesproprietrias, ele apenas "busca tirar o pais da enrascada",isto,"ganhar tempo" e "acomodar as coisas" ... Sem cair no vciode encarar a democracia,emsimesma (nascondiesdeumasociedadecapitalista)ounasituao concreta em que nos encontramos (como meio para assegurar aos oprimidos vias institucionaisdeorganizaodaluta poli-tica),como equivalente da lmpada deAladim,pensoquese impe refletirsobredadosreaisincmodos.Nofoiodesen-gajamento dosmilitares,que apenas est no inicio,e a demo-cratizaodoEstadoquegeraramumclimaderepresliase de exacerbao das tenses e conflitos sociais entre as classes e as facesdas classes.Ao partir para a guerra civil,o golpede Estado e a contra-revoluo,asclassesproprietriasabriram ocaminhomaissperodasconfrontaesdurasederamo exemplo.As greves no so,pois, produto ocasional do"desa-parecimento da ditadura" ou do "advento da liberdade" (duas coisasqueainda temosdeconquistar).Osdecimaseentre-gam ao recurso fcilda violncia extrema.Aoreceber o troco, deveriamculpar a siprprios easua tradiocompulsivade empregar a violncia concentrada e institucional como um ex-pediente corriqueiro,normal e sagrado de esmagar pela fora todas as manifestaes de auto-defesa e auto-afirmao dos de baixo. A primeira grandetransformao urgente,queossoci-logosconservadoresdesignariamcomo"pr-requisito funcio-nal"da existncia da democracia na sociedadebrasileira,se-ria a da mentalidade edasdisposiesaousocoercitivoere-pressivoda violnciainstitucional pelas classesproprietrias. Essatransformaoprecisaocorrernombitodasociedade civil.O aparecimento de certos movimentos, entidades e orga-nizaes inconformistas,humanitrias e pr-democrticasna sociedade civil (e que presumem falar em seu nome!) no pres-supequetenhatranscorridoumademocratizaorealda sociedadecivil.Indica,to-somente,asbrechasqueseabri-ram entre facesde classes da burguesia e o crescente volume das pressesdosdebaixo,no sentido derevolucionar asocie-dade civil.Trata-sedeum passoimportante.Porm,deum comeoedeumanovaperspectivadeevoluohistrica. I I ., 62 FLORESTANFERNANDES Cumpre,nosdiasquecorrem,abandonarametforadaso-ciedade civil,substituir o coletivo abstrato queescondequem luta contra o que e por qu! A outra premissa, e esta mais incisiva,diz respeito tole-rnciadiantedocomportamentoinconformistadasmassas excludas, dos oprimidos em geral e das classes trabalhadoras em particular.Estes no podem ignorarqueademocracias existe quando violncia e contra-violncia podem cruzar-se na cenahistricae,eventualmente,conduziraconcessesm-tuas, regulamentao dasdisputas violentas e penalizao da violnciadestrutiva,anti-socialeantinacional.Exemplos alarmantes revelamque as classes proprietriaspreferempr o caldeiroaferver,emvezdefacilitara"conciliaoentre aspartes".Osempresriosindustriais,osempresriosagr-colas,osbanqueiros,enfim,todosos"grandes empresrios" fecharamospunhos eergueram ummuro intransponvelnas vrias greves que esto crepitando (eque eles prprios julgam que deveriam crepitar "normalmente",como parteda recon-quistadosnveissalariais"perdidos"sobaditadura!).Em suma,nada deentendimento,poisamelhordefesaoata-que! ...Enquantoisso,ogovernoavanasolues"concilia-trias",quevisamdesmobilizarostrabalhadoreserebaixar suas pretenses. No entanto, como se poderia pensar em democracia numa sociedade na qual ospunhoscerradosdosdonosdo capitale do poder abrem o captulo das negociaes?Os acontecimen-tosqueafetaramaGeneralMotorsdeSo JosdosCampos provocaramumacondenaohipcritados"grevistas-terro-ristas". Ningum tentou descobrir por que,afinal decontas,a dose de contra-violncia precisousertoconcentrada (leia-se Ao eRazo dosTrabalhadoresdaGeneral Motors.AHis-tria Contada Por Quem a Fez,Fundo de Grevedos Metalr-gicosdeSo JosdosCampos,1985