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Quarta Turma

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Quarta Turma

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

ESPECIAL N. 737.860-PR (2005/0049322-1)

Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira

Agravante: GEAP Fundação de Seguridade Social

Advogados: Chrystian Junqueira Rossato e outro(s)

Rafael D’alessandro Calaf

Agravado: Ademar José Pamplona e outros

Advogados: Karine Saggin e outro(s)

Wilton Vicente Paese e outro(s)

EMENTA

Direito Civil. Plano de Pecúlio Facultativo – evento morte.

Rescisão do contrato. Ação ordinária para restituição de todas as

prestações pagas. Obrigação de natureza pessoal. Prescrição vintenária

(art. 177 do CC/1916).

1. Prescreve em 20 (vinte) anos, nos termos do art. 177 do

CC/1916 (fatos e ajuizamento da ação ocorridos na vigência do

Código revogado), ação ordinária na qual se postula, em decorrência

da rescisão do contrato com a ré por vontade dos autores, a restituição de

todas as parcelas pagas ao longo da relação contratual. Isso porque

se discutem as consequências obrigacionais, de natureza pessoal, da

mencionada rescisão contratual. Precedentes.

2. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo

regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente) e Maria Isabel

Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator

DJe 3.12.2013

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de agravo regimental

interposto pela Fundação de Seguridade Social – GEAP (e-STJ fl s. 1.134-1.140)

contra decisão desta relatoria que, reconsiderando decisão anterior apenas

relativamente ao tema da prescrição, negou provimento integralmente ao recurso

especial da ora agravante “para declarar que o prazo prescricional é de 20 (vinte)

anos, na forma do art. 177 do CC/1916” (e-STJ fl . 1.130).

Alega ser aplicável a prescrição quinquenal, pois se trata de Plano de

Pecúlio Facultativo, cujo benefício decorre do evento morte. “Logo, a qualquer

momento em que ocorresse o evento morte, os benefi ciários receberiam o pecúlio

delimitado por força contratual. Por isso, a Geap vem cumprindo sua obrigação

em relação aos associados. Trata-se de cumprimento contratual e faz menção à

Estabilidade das Relações Jurídicas” (fl . 1.139). Acrescenta que as diretrizes

definidas legalmente “compõem as premissas atuariais dos planos, sendo

componentes fundamentais dos cálculos de equilíbrio. Guardam ainda, relação

com a preservação do propósito previdenciário dos planos, ou seja, se todo

cancelamento de inscrição possibilitasse o resgate de contribuições, as entidades teriam

caráter meramente depositário e nenhum plano suportaria arcar com os compromissos

prometidos” (e-STJ fl . 1.139).

Conclui que, “nessa conformidade, a ação pretende cobrar as contribuições

vertidas ao PPF, sendo que estas são as únicas fontes de custeio deste. É dizer:

pretendem os Agravantes parcelas devidas por planos de previdência privada”

(e-STJ fl . 1.139). A prescrição seria, então quinquenal.

Cita o acórdão proferido no julgamento do REsp n. 450.352-RS, Relator

Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ de 3.2.2004.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): A insurgência não

merece ser acolhida.

A agravante apresentou razões pertinentes ao mérito da ação, informando

que a pretensão deduzida não teria respaldo nenhum. Entretanto, o que se

decidiu na decisão agravada foi, apenas, o prazo prescricional para a demanda.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 451

Ademais, o precedente indicado no regimental (REsp n. 450.352-RS)

aplicou o prazo prescricional de 5 (cinco) anos porque, naquela hipótese,

postulou-se judicialmente a revisão de pensão decorrente de previdência privada

e o recebimento das respectivas diferenças pretéritas, o que, evidentemente, não

ocorre no caso presente.

Enfi m, a agravante não trouxe nenhum argumento capaz de afastar os

termos da decisão agravada, razão pela qual deve ser mantida por seus próprios

fundamentos:

Agravo regimental interposto por Ademar José Pamplona e outros contra

apenas parte da decisão de fl s. 1.085-1.089, especifi camente no ponto em que

proveu o recurso especial da ora agravada para aplicar a Súmula n. 291 do STJ,

declarando “que o prazo prescricional é de cinco anos”, não de vinte anos.

Alegam os agravantes que o acórdão do Tribunal de origem deve ser mantido,

“uma vez que trata a presente demanda de ação visando à restituição de parcelas

que os ora Agravantes pagaram ao Plano de Pecúlio Facultativo mantido pela

Agravada, o prazo a ser aplicado é o vintenário, nos termos do artigo 177, caput,

do Código Civil de 1916, já que se trata de ação de âmbito de direito pessoal” (fl .

1.111).

Citam precedentes e impugnam a Súmula n. 291 do STJ e os julgados referidos

na decisão agravada, os quais, segundo os recorrentes, não servem para o caso

dos autos.

É o relatório.

Decido.

Com efeito, não se postulam, neste processo, parcelas ou diferenças de

complementação de aposentadoria nem saldos de reservas de poupança pagas

em valor menor que o devido, no âmbito da vigente relação contratual.

A ação ordinária foi proposta pelos agravantes contra a agravada requerendo

a restituição dos “valores de parcelas de contribuição ao Plano de Pecúlio

Facultativo-PPF” (fl . 11). Para tanto, narram na petição inicial que “os Autores são

funcionários autárquicos aposentados na função de Auditor-Fiscal da Previdência

Social, e como funcionários públicos têm direito aos benefícios previstos nos

Planos instituídos pela GEAP, a qual tem por fi nalidade promover a melhoria

da qualidade de vida dos Participantes, mediante a administração de planos

solidários de Previdência Complementar, Saúde e Assistência Social” – grifos

meus (fl . 7). Explicam os autores, igualmente, que, “desde quando os Autores se

associaram ao referido Plano de Pecúlio Facultativo-PPF, têm recolhido através de

desconto em folha o percentual em espécie do valor referente ao pagamento do

prêmio, estabelecido com relação ao valor do pecúlio instituído” (fl . 8).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Ainda na petição inicial, alegam que, após encerrados os contratos de trabalho

em decorrência de aposentadorias, “os Autores requereram o desligamento em

caráter defi nitivo do referido Plano de Pecúlio Facultativo-PPF, com a expectativa

de receber em devolução o valor das contribuições pagas mediante desconto em

folha” (fl . 8). Entretanto, “em resposta aos requerimentos [...] receberam da GEAP a

comunicação de que o pleito de resgate das contribuições pagas não poderia ser

atendido, porque o cancelamento voluntário implicaria na perda do benefício” (fl .

8).

A ré, por sua vez, na sua contestação, confi rmou que o efetuado cancelamento

de inscrição no plano de pecúlio “decorrente da volição do próprio participante

não autoriza a devolução das contribuições suportadas para tal plano” (fl s. 306-

307).

Resumidamente, pede-se na inicial, em decorrência da rescisão do contrato com

a ré, a restituição de todas as parcelas pagas ao longo da relação contratual, agora

extinta por vontade dos autores. Com isso, tem-se que debater, não o contrato

propriamente dito, mas as consequências obrigacionais, de natureza pessoal, da

mencionada rescisão por vontade de apenas uma das partes.

O prazo prescricional, assim, não é o quinquenal previsto na Súmula n. 291 do

STJ, mas vintenário, na forma do art. 177 do CC/1916 (considerando que a ação foi

ajuizada em 21.11.2000).

Nesse sentido, os seguintes precedentes das Turmas de Direito Privado:

Agravo regimental no recurso especial. Previdência privada. Ação de

rescisão contratual. Prescrição. Relação obrigacional. Aplicação do art. 177

do Código Civil de 1916 vigente à época dos fatos.

1. A prescrição da ação de cobrança de parcelas devidas por planos de

previdência privada é quinquenal, consoante entendimento cristalizado na

Súmula n. 291-STJ.

2. Na hipótese de ação de rescisão do contrato fi rmado com a entidade

de previdência privada, uma vez configurada relação obrigacional de

natureza pessoal, incide a prescrição vintenária, prevista no art. 177 do

Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos.

3. O participante do plano de previdência privada tem direito à

restituição da totalidade das contribuições pessoais vertidas ao plano,

atualizado monetariamente, quando do seu desligamento, sob pena de

enriquecimento ilícito da entidade contratada.

4. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp n. 623.855-RS, Relator

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 13.3.2013).

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Previdência privada.

Ação de rescisão contratual c/ devolução de valores pagos. Violação aos

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 453

artigos 165, 458 e 535 do CPC. Inocorrência. Prescrição. Súmula n. 83 do

STJ. Reexame fático-probatório e interpretação de cláusulas contratuais.

Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ. Agravo a que se nega provimento.

1. Não há que se cogitar e ofensa aos artigos 165, 458 e 535, do CPC,

quando o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes à solução

da lide e declinou os fundamentos nos quais suportou as conclusões

assumidas, de forma lógica e coerente.

2. Estando o acórdão recorrido em harmonia com a orientação fi rmada

nesta Corte Superior, o recurso especial não merece ser conhecido, ante a

incidência da Súmula n. 83 do STJ.

3. Alterar a conclusão da Corte local, acerca da restituição das parcelas

pagas, demandaria reexame do acervo fático-probatório e interpretação

de cláusulas contratuais, o que atrai a incidência das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ,

impedindo o conhecimento do recurso.

4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp n.

104.452-MS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de

20.9.2013).

Agravo regimental. Previdência privada. Restituição de valores referentes

a contribuições pagas à entidade de previdência privada. Prescrição. Não

ocorrência. Precedentes. Recurso improvido (AgRg no Ag n. 1.376.456-MS,

Relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe de 13.9.2012).

Agravo regimental no agravo de instrumento. Recurso que deixa de

impugnar especifi camente todos os fundamentos da decisão agravada.

Incidência, por analogia, da Súmula n. 182 do STJ. Precedentes. Ausência de

prequestionamento de dispositivo legal. Incidência da Súmula n. 282-STF. O

CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e

seus participantes. Súmula n. 321-STJ. Não pretende o agravado a anulação

do contrato mas sim a sua rescisão. Não violação das Súmulas n. 291 e n.

427-STJ. O agravado não se enquadra na situação de ex-contratante ou de

atual segurado da entidade previdenciária. Inaplicabilidade da prescrição

quinquenal. Pretensão de rescisão contratual. Possibilidade. Restituição da

totalidade das contribuições pessoais vertidas ao plano.

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 692.959-RS, Relator

Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 31.8.2010).

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Previdência privada.

Devolução integral do montante. Rescisão de contrato de trabalho.

Prescrição. Prazo vintenário. Divergência jurisprudencial. Não

demonstração. Fixação dos honorários advocatícios. Súmula n. 7-STJ.

1 - Tratando-se de ação na qual os associados a plano de previdência

privada, em razão da rescisão do contrato, buscam a restituição de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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montante pago antes da implementação do termo, esta ação possui

natureza obrigacional, cujo prazo de prescrição é vintenário, a teor do art.

177 do Código Civil. Precedentes.

2 - Impossível aferir, em recurso especial, percentuais e valores da

condenação para concluir ou não pela sucumbência em parte mínima do

pedido, tampouco há espaço para fi xação minuciosa do quantum de custas

e de honorários advocatícios, pois são intentos que demandam inegável

incursão na seara fático-probatória de cada demanda, vedada pela Súmula

n. 7-STJ.

3 - Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante

das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do

Código de Processo Civil, c.c. o art. 255 do RISTJ), de confronto entre o

acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como divergentes,

mencionando-se as circunstâncias que identifi quem ou assemelhem os

casos confrontados - indispensável inclusive nas hipóteses de divergência

notória. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide a censura

Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.

4 - Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag n. 685.136-RS, Relator

Ministro Fernando Gonçalves, DJe de 31.8.2009).

Previdência privada. Previ. Restituição das contribuições a ex-

empregado. Prescrição vintenária. Artigo 177 do Código Civil de 1916.

Atualização monetária. Inclusão dos expurgos infl acionários. Cabimento.

Termo inicial. Março de 1980.

I – Nos casos em que os associados, em razão da rescisão do contrato,

buscam a restituição dos valores pagos, antes da implementação do termo,

revela a ação relação obrigacional de natureza pessoal, sujeita, portanto,

à prescrição vintenária, em consonância com o artigo 177 do Código

Civil de 1916; não a qüinqüenal, nos termos do artigo 178, § 10, II, desse

mesmo diploma legal, cuja aplicação está adstrita à percepção das parcelas

oriundas de planos de previdência privada, assim entendidas as prestações

de trato sucessivo, representadas por rendas vitalícias ou temporárias.

II – A restituição das contribuições destinadas às entidades de

previdência privada deve se dar de forma plena, utilizando-se no cálculo da

atualização monetária índice que refl ita a real desvalorização da moeda no

período, ainda que outro tenha sido avençado.

III - À mingua de determinação legal obrigando a devolução das

contribuições efetivadas enquanto custeado o sistema sob a forma de

repartição de capital de cobertura e levando-se em conta que o atual

estatuto somente passou a viger quando de sua aprovação pela Portaria n.

2.033, de 4.3.1980, esta é a data a partir da qual deverão ser devolvidas as

contribuições do ex-associado.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 455

Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 665.300-RS, Relator

Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJe de 23.5.2005).

Para afastar qualquer dúvida, os Recursos Especiais n. 1.110.561-SP e n.

1.111.973-SP, Relator Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, DJe de 6.11.2009,

julgados na mesma sessão sob o regime dos recursos repetitivos, firmaram

jurisprudência, tão somente, no sentido de que “a prescrição quinquenal

prevista na Súmula do STJ n. 291 incide não apenas na cobrança de parcelas de

complementação de aposentadoria, mas, também, por aplicação analógica, na

pretensão a diferenças de correção monetária incidentes, sobre restituição da

reserva de poupança, cujo termo inicial é a data em que houver a devolução

a menor das contribuições pessoais recolhidas pelo associado ao plano

previdenciário”.

O caso dos repetitivos acima referidos, sem dúvida, não guarda semelhança

com o presente feito.

Diante do exposto, reconsidero a decisão agravada apenas na parte relativa

à prescrição – única objeto deste regimental –, para declarar que o prazo

prescricional é de 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do CC/1916, conforme

reconhecido pelo Tribunal de origem, e negar provimento integralmente ao

recurso especial da GEAP.

Publique-se e intimem-se (e-STJ fl s. 1.127-1.131).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 169.172-SP (2010/0067246-5)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Impetrante: Daniel Adolpho Daltin Assis

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: R A A C (internado)

EMENTA

Habeas corpus. Ação civil de interdição cumulada com internação

compulsória. Possibilidade. Necessidade de parecer médico e

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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fundamentação na Lei n. 10.216/2001. Existência na espécie.

Exigência de submeter o paciente a recursos extra-hospitalares antes

da medida de internação. Dispensa em hipóteses excepcionais

1. A internação compulsória deve ser evitada, quando possível,

e somente adotada como última opção, em defesa do internado

e, secundariamente, da própria sociedade. É claro, portanto, o seu

caráter excepcional, exigindo-se, para sua imposição, laudo médico

circunstanciado que comprove a necessidade de tal medida.

2. A interdição civil com internação compulsória, tal como

determinada pelas instâncias inferiores, encontra fundamento jurídico

tanto na Lei n. 10.216/2001 quanto no artigo 1.777 do Código Civil.

No caso, foi cumprido o requisito legal para a imposição da medida de

internação compulsória, tendo em vista que a internação do paciente

está lastreada em laudos médicos.

3. Diante do quadro até então apresentado pelos laudos já

apreciados pelas instâncias inferiores, entender de modo diverso, no

caso concreto, seria pretender que o Poder Público se portasse como

mero espectador, fazendo prevalecer o direito de ir e vir do paciente,

em prejuízo de seu próprio direito à vida.

4. O art. 4º da Lei n. 10.216/2001 dispõe: “A internação, em

qualquer de suas modalidades, só será iniciada quando os recursos extra-

hospitalares se mostrarem insufi cientes.” Tal dispositivo contém ressalva

em sua parte final, dispensando a aplicação dos recursos extra-

hospitalares se houver demonstração efetiva da insufi ciência de tais

medidas. Essa é exatamente a situação dos autos, haja vista ser notória

a insufi ciência de medidas extra-hospitalares, conforme se extrai dos

laudos invocados no acórdão impugnado.

5. É cediço não caber na angusta via do habeas corpus, em razão de

seu rito célere e desprovido de dilação probatória, exame aprofundado

de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as

instâncias inferiores formaram sua convicção.

6. O documento novo consistente em relatório do Subcomitê

de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,

Desumanos ou Degradantes - (SPT) da Organização das Nações

Unidas (ONU) não pode ser apreciado por esta Corte sob pena de

supressão de instância.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 457

7. A internação compulsória em sede de ação de interdição,

como é o caso dos autos, não tem caráter penal, não devendo ser

comparada à medida de segurança ou à medida socioeducativa à que

esteve submetido no passado o paciente em face do cometimento de

atos infracionais análogos a homicídio e estupro. Não se ambiciona

nos presentes autos aplicar sanção ao ora paciente, seja na espécie de

pena, seja na forma de medida de segurança. Por meio da interdição

civil com internação compulsória resguarda-se a vida do próprio

interditando e, secundariamente, a segurança da sociedade.

8. Não foi apreciada pela Corte de origem suspeição ou

impedimento em relação à perícia, questionamento a respeito da

periodicidade das avaliações periciais, bem como o pedido de inserção

do paciente no programa federal De Volta Para Casa. A jurisprudência

do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que

não se conhece de habeas corpus cuja matéria não foi objeto de decisão

pela Corte de Justiça estadual, sob pena de indevida supressão de

instância. (HC n. 165.236-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta

Turma, julgado em 5.11.2013, DJe 11.11.2013; HC n. 228.848-SP,

Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em

24.10.2013, DJe 4.11.2013).

9. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de “habeas corpus”,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo

(Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 5.2.2014

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Cuida-se de writ impetrado pelo

advogado Daniel Adolpho Dantin Assis a favor de RAAC, decorrente de ação

de interdição cumulada com determinação de internação hospitalar compulsória

proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face do paciente.

Na inicial da ação de interdição o Parquet narra que o réu, ora paciente,

praticou delito grave e de grande repercussão nacional - quando ainda menor

-, alegando ainda que este possui transtorno orgânico de personalidade e

retardamento leve; intensa agressividade latente, impulsividade, irritabilidade

e periculosidade, não estando apto ao retorno ao convívio social, carecendo de

tratamento em regime de internação compulsória, em local adequado, o que

o impediria de praticar por si os atos da vida civil, bem como de conviver em

sociedade.

O magistrado de piso decretou a interdição de RAAC, declarando-o

absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, bem

como determinou sua internação compulsória em estabelecimento psiquiátrico

compatível e seguro (fl s. 33-41).

Sobreveio habeas corpus no Tribunal de origem, que manteve a decisão do r.

Juízo a quo, nos termos da seguinte ementa (fl s. 43-54):

Habeas corpus. Interdição. Internação compulsória. Jovem adulto que, quando

adolescente, participou de duplo latrocínio praticado com requintes de extrema

crueldade, violência sexual e demonstração de frieza. Vários diagnósticos,

omitidos no writ de mal psicológico que o torna perigoso para si e para outrem.

Necessidade da internação para conter a tendência violenta do jovem. Medida

terapêutica necessária na tentativa de recuperação de doente mental.

Irresignado, Daniel Adolpho Daltin Assis impetrou o presente habeas

corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, em favor

de RAAC, aduzindo que o paciente se encontra atualmente privado de sua

liberdade em razão de ordem manifestamente ilegal, em estabelecimento

absolutamente desconforme denominado Unidade Experimental de Saúde, e

que a medida não encontra guarida em qualquer diploma legal.

Sustenta que a contenção experimentada pelo paciente é

fundamentadamente distinta de internação psiquiátrica compulsória,

preconizada pela Lei n. 10.216/2001.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 459

Afi rma que o acórdão recorrido buscou fundamento no procedimento

para apuração de ato infracional que resultou na internação socioeducativa do

paciente - provas não trazidas por nenhuma das partes -, o que é descabido por

não haver em tal procedimento administrativo nada acerca do comportamento

clínico do paciente que evidencie a necessidade de internação psiquiátrica.

Aduz não ter havido a produção de laudo médico circunstanciado

recomendando a internação, nos termos do art. 6º da Lei n. 10.216/2001.

Assevera ser o caso de concessão da ordem ao menos para se outorgar um

modelo de desinternação progressiva, a exemplo do programa federal De Volta

Para Casa.

Pretende, pois, a decretação da nulidade do acórdão impugnado e a

cassação da sentença na parte em que determina a internação compulsória do

paciente. Subsidiariamente, requer seja determinada a imediata transferência do

paciente para hospital psiquiátrico, com duas ressalvas: a) não poderá aguardar

sua transferência por mais de cinco dias no local onde se encontra, de modo

que, superado o prazo, poderá aguardar a vaga em liberdade; b) assim que

encaminhado para um hospital psiquiátrico fi cará a critério do corpo clínico do

referido equipamento decidir se o caso é de internação ou não, segundo critérios

exclusivamente médicos, independentemente de alvará judicial.

Subsidiariamente, ainda, pleiteia que seja concedida a ordem para

determinar reavaliações sobre a necessidade da custódia a cada três meses, no

máximo, por equipe multiprofi ssional da qual não participem os peritos que já

avaliaram o caso.

Por fi m, requer seja o paciente incluído no programa federal De Volta Para

Casa, nos termos da Lei n. 10.708/2003, bem como seja o causídico intimado

para sustentação oral.

A liminar foi indeferida pelo então relator originário, Ministro Arnaldo

Esteves Lima (fl . 71).

Informações prestadas às fl s. 79-178, 198-203, 207-246, 250-255, 256-

451, 529-530, 533-535, 536-705, 708-710 e 711-714.

Nos autos da ação de interdição com determinação de internação

compulsória, após o julgamento da apelação, foram interpostos recursos especial

e extraordinário, denegados na origem. O agravo de instrumento ao Superior

Tribunal de Justiça (Ag n. 1.320.086) não foi conhecido, com trânsito em

julgado em 13.9.2011. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, proferiu

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decisão em 18.10.2011 dando provimento ao Agravo de Instrumento n. 810.193

e determinando sua conversão em recurso extraordinário, reautuado como RE n.

667.307, com vista ao Ministério Público Federal desde 6.6.2013.

Outrossim, o Juízo informou que foi agendada perícia no interditado na

data de 28.11.2013 (fl . 709).

O Ministério Público Federal ofertou parecer nos seguintes termos (fl s.

182-188):

Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente: medida socioeducativa.

Interdição: internação hospitalar

1) A medida de internação compulsória decorrente de interdição (art. 1.777

do CC), ainda que não tenha caráter penal, pode ser questionada por meio de

habeas corpus, pois implica privação ou restrição da liberdade de locomoção do

internado.

2) No caso em análise, foram elaborados laudos psicológicos e psiquiátricos, os

quais são unânimes e coerentes em afi rmar a inaptidão do paciente/interdito ao

convívio social.

3) Embora a Lei n. 10.216/2001 (dispõe sobre a proteção e os direitos das

pessoas portadores de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial

em saúde mental) contenha a previsão de que a internação só será indicada

quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insufi cientes (art. 4º), no caso

em análise, é notória a insufi ciência de medidas extra-hospitalares, conforme se

extrai dos laudos psicológicos e psiquiátricos. Não se pode olvidar também o ato

infracional praticado pelo adolescente, ora paciente, o qual deu ensejo à aplicação

da medida socioeducativa de internação (estupro e homicídio de um casal de

jovens). Assim, ao cabo do cumprimento da medida socioeducativa de internação

pelo prazo de três anos, torna-se desnecessário e temerário experimentar-se

outro recurso terapêutico, extra-hospitalar, que lhe propicie o convívio social que

os peritos desacolheram.

4) A internação decorrente da interdição tem natureza diversa daquela a

que o paciente estava sujeito. A primeira, de natureza socioeducativa, tinha

também aspecto retributivo, pelo ato infracional por ele praticado. A presente, é

de natureza civil e tem fi nalidade médica, além de proteção da sociedade.

Parecer pela concessão parcial da ordem, apenas para que o paciente seja

recolhido em estabelecimento correcional onde se encontra, mas isolado de outros

adolescentes que cumprem medida socioeducativa por ato infracional.

O impetrante peticionou sustentando a existência de fato novo consistente

em relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e

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RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 461

outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tecendo

comentários a respeito da Unidade Experimental de Saúde (fl s. 467-504).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A controvérsia em

exame é quanto à possibilidade ou não de internação compulsória, no âmbito

de ação de interdição, quando escoado o prazo de cumprimento de medida

socioeducativa de internação.

O paciente, quando adolescente, em 1º de novembro de 2003, esteve

envolvido em crime bárbaro (estupro e homicídio), com ampla repercussão

nacional, tendo-lhe sido aplicada a medida socioeducativa de internação. Ocorre

que, em data próxima à extinção do cumprimento de 3 anos de internação,

o Ministério Público ingressou com ação de interdição, cumulada com

determinação de internação psiquiátrica compulsória.

A sentença, após rejeitar as preliminares, dispôs (fl s. 33-41):

[...]

Do Merito Os pedidos formulados são procedentes. Da interdição “A ação e a

sentença de interdição tem por fi to organizar a defesa do incapaz e assegurar a

efi cácia erga omnes.” (Pontes de Miranda - Comentários ao Código de Processo

Civil, Tomo XVI. Forense. RJ. 1977. p. 368). Durante o cumprimento da medida

sócio educativa na Fundação do Bem Estar do Menor, o interditando foi submetido

a avaliações psicológicas e sociais (fls. 115-122; 144-147) que apuraram uma

deficiência no jovem que deveria ser melhor apreciada por uma junta de

profi ssionais da área, bem como submetê-lo a exames. Nesta fase inicial chamou

a atenção o histórico familiar do interditando, que mostrou difi culdade em se

expressar; difi culdade na escola, destacando que foi reprovado cinco vezes na

terceira série primária até que desistiu; fez uso de drogas, tem uma avó com

problemas psiquiátricos; familiares com antecedentes criminais, aos quinze anos

submeteu-se à exame neurológico com eletroencefalograma e usou

medicamento com prescrição médica (fl s. 122). O médico psiquiatra da Febem Dr.

Paulo Sérgio Calvo, em dezembro de 2003 (fls. 123), concluiu que o jovem

apresentava desenvolvimento mental retardado de grau moderado, demonstrando

comprometimento das capacidades de discernimento, entendimento e

determinação. O médico Dr. Merval Marques Figueiredo Junior (fl s. 146) avaliou o

jovem destacou o desenvolvimento intelectivo e a tendência anti-social do

interditando, suspeitando na oportunidade da deficiência mental, em razão de

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desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente. Submetido a exames na

Sociedade Rorschach (fl s. 174-180) no resultado dos exames a que o jovem se

submeteu consta: A) quanto ao pensamento: “No protocolo em exame verifi camos

a ausência de fatores determinantes indicativos da intervenção no pensamento

de processos cognitivos racionais (...), prevalecendo os determinantes que

traduzem imaturidade psíquica (...). Apesar da intervenção de concepções

irracionais no pensamento lógico, o examinando mostra-se capaz de voltar a sua

atenção para o que ocorre no ambiente, e mesmo de aprender com experiências

concretas (...), mobilizando sua memória e seu recursos subjetivos ao enfrentar

situações novas (...).” “O nível de elaboração e integração das experiências

apresenta-se demasiadamente rebaixado em ambos os conjuntos de estímulos,

indicando que as concepções do examinando pautam-se em impressões

imediatas, com elaboração mínima do signifi cado das situações.” (grifo nosso). B)

Faixa de interesse e categorização verbal: “A comunicação verbal do examinando

é precária, ele tem difi culdade em expressar suas idéias e de nomear os objetos

percebidos durante a prova. O ritmo de suas verbalizações é instável -

demasiadamente lento, com intervalos longos entre as frases, ou mais rápido,

quando a sua voz se eleva ligeiramente e as palavras se atropelam.” (...) “O

examinando não foi capaz de expressar qualquer interesse socialmente mais

diferenciado (arte, cultura, paisagem, abstração, ciêncía=O) e apenas elaborou

uma imagem humana integral, prevalecendo apenas as imagens parciais de mãos,

braços, olhos, tronco sem cabeça (...). Tal fato indica extrema pobreza de

conhecimentos culturalmente mais diferenciados mas sobretudo difi culdade em

compreender a complexidade do comportamento humano - tanto em relação a si

próprio (...) como no que se refere no comportamento alheio (...). A elaboração da

única fi gura humana percebida foi distorcida e sem qualquer recurso ao processo

de abstração: Uma mulher que cortou um braço, perdeu uma perna e só tem a outra.

E mulher porque usa tamanco” (III) - conteúdo mórbido que ressalta a deformidade

da imagem. A fragmentação da imagem humana em partes isoladas (...) indica no

caso, percepção imatura e parcial do comportamento alheio.” (grifo nosso). C)

Processo de adaptação à realidade: (...) O examinando não consegue adaptar-se

às condições da realidade de modo racional e fl exível, embora mantenha ligação

emocional e interesse pelo que ocorre no ambiente (...)”. “Adaptação à realidade

não deve ser confundida com noção de realidade. O examinando tem noção de

realidade, porém, concebe os fatos de modo pueril e imaturo, reagindo segundo

impulsos afetivos primários em detrimento do julgamento de realidade e afasta-

se de valores e normas sociais em circunstâncias onde diminui a consciência

refletida e prevalece o impacto afetivo. Apenas em condições afetivamente

neutras é que o examinando consegue expressar sociabilidade adequada, porém,

submete-se à elas de modo rígido, sem qualquer auto afi rmação ou criatividade.”

D) - Disposições conativas: “(..) A instabilidade conativa e a reduzida capacidade

de planejamento afetam a adaptação criadora e produtiva ao ambiente, o que

provoca uma discrepância entre as aspirações do examinando e a auto-confi ança

para realizá-las” E) - Condições afetivo emocionais - “O examinando não dispõe de

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recursos subjetivos sufi cientemente amadurecidos e racionais para controlar a

sua impulsividade quando se encontra sob tensão emocional. Ainda que em

experiências da vida cotidiana quando o estímulo afetivo se limita à mobilização

do interesse pelos eventos externos (conjunto monocromátíco), o examinando

atue de modo concreto estereotipado, submetendo sua conduta às regras sociais

de convívio com os demais, quando baixa a sua consciência (cansaço; tensão ou

sob ação de drogas) e sob impacto de provocações afetivas ele perde o controle

de seus impulsos agressivos.” O interditando foi, novamente, submetido à

avaliação médica e a conclusão foi no sentido da existência de distúrbio de

personalidade, retardo mental leve, conduta anti-social, ausência de crítica e

julgamento (fl s. 197-200). Já com dezessete anos e nove meses novo relatório (fl s.

228-241) foi feito à respeito do jovem cuja conclusão foi “Roberto é um jovem com

limitações na complexidade em desenvolver-se enquanto pessoa de direito.” Outros

relatórios da Febem instituição que nos últimos anos está em contato direto com

o interditando foram redigidos como o mesmo resultado. Entretanto, já com 20

(vinte) anos de idade Roberto foi submetido a exames por psicólogos e psiquiatras

do Hospital das Clínicas que apuraram que o Interditando não apresenta

transtornos mentais que determinem necessidade de internação e tratamento

(fl s. 1.229-1.235), destacaram que ele tem defi ciência intelectual, mas que não

tem benefícios a auferir de qualquer medida de internação, na fundação casa, ou

outra instituição para transtornos mentais. Estes mesmos profissionais que

concluíram a assertiva acima deixaram expresso no laudo que: No período em

que foi acompanhado pela nossa equipe, Roberto demonstrou interesse em sua

situação, e ao longo do acompanhamento não revelou resposta signifi cativa de

abstração que sugerisse indicativos de uma melhor adaptação, já que por suas

limitações intelectuais e personalidade imatura, ele carece de habilidade para

julgar adequadamente situações sociais, tendendo agir conforme as orientações

que recebe. (grifo nosso)” Vale dizer, mesmo da avaliação feita pelos profi ssionais

do Hospital das Clínicas de São Paulo é possível aferir que Roberto, por si só, não

consegue gerir sua vida, pois “ele carece de habilidade para julgar adequadamente

situações sociais.” Por derradeiro, Roberto foi submetido à equipe do Instituto de

Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo, doravante designado

apenas de IMESC que realizou a perícia no Interditando para este processo (fl s.

1.263-1.266). Este exame, que observa os ditames legais, levou em consideração

todos os já realizados, contato pessoal com o interditando e concluiu (fl s. 1.266):

“O examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história objetiva,

subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental de Leve

para Moderado (CID F70/71) e Transtorna de Personalidade Dissocial (CID F 60.2),

piorado pelo uso de alcoólicos e drogas, tendo sua capacidade de entendimento

reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem mental, absolutamente

incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos, neste caso, estritamente

sob o ponto de vista médíco legal, á doença mental. É sob o ponto de vista médico

legal, absoluta e permanentemente incapaz de reger sua vida e administrar seus bens

e interesses.” Pois bem, as provas são sufi cientes a indicarem que o interditando é

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absolutamente incapaz, pois, por enfermidade e defi ciência mental, não tem o

necessário discernimento para os atos da vida civil (artigo 1.767, inciso I do CPC).

De efeito, conforme classifi cação do Código Internacional de Doenças (CID) F60

transtorno de personalidade, trata-se de distúrbios graves da constituição

caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, não diretamente

imputáveis a uma doença, lesão ou outra afecção cerebral ou a um outro

transtorno psiquiátrico. Estes distúrbios compreendem habitualmente vários

elementos da personalidade, acompanham-se em geral a angústia pessoal e

desorganização social; aparecem habitualmerute durante a infância ou a

adolescência e persistem de modo duradouro na idade adulta. Segundo a perícia

do IMESC, Roberto é portador de personalidade anti-social (fl s. 1.307), que segundo

CID - F60.2 consiste na personalidade dissocial, isto é: “Transtorno de

personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de

empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento

e as normas sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio

considerável, entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O

comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas,

inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e a um baixo

limiar de descarga de agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a

culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um

comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

Personalidade (transtorno da): amoral; anti-social; associal; psicopática,

sociopática. A interdição civil abrange as pessoas dotadas de sociopatia

(personalidade dissocial) como no vertente caso, porque, conforme a legislação

vigente, dar-se-á curatela aos que sofrem de enfermidade ou defi ciência mental

grave que os privem completamente da razão, “nessa situação os portadores de

alguma anomalia psíquica, como os alienados mentais e os psicopatas. (nesse

sentido: professor Militon Paulo de Arvalho Filho - Código Civil Comentado. São

Paulo, Manole. 2007. coordenador Ministro Cezar Peluso, p. 1.752).

Insofi smavelmente, a compreensão dos problemas da mente é complexa para a

Medicina e para o Direito, visto existir uma variação de pequenos distúrbios, até a

completa alienação. Porém, quando o legislador tratou do absolutamente

incapaz, os que por enfermidade ou defi ciência mental, não tiverem o necessário

discernimento para a prática desses atos (artigo 3, inciso II do Código Civil) quis na

verdade abranger a qualquer distúrbio mental que comprometa a vida civil do

sujeito; ora, “Tanto na expressão do texto revogado como, no texto atual, a lei

refere-se a qualquer distúrbio mental que possa afetar a vida civil do indivíduo. A

expressão abrange desde os vícios mentais congênitos até aqueles adquiridos do

decorrer da vida, por qualquer causa. Por essa razão, era muita criticada a expresso

loucos de todo gênero. De qualquer forma a intenção do legislador sempre foi a

de estabelecer uma incapacidade em razão do estado mental. Uma vez fi xada a

anomalia mental, o que é feito com a auxílio da Psiquiatria, o individuo pode ser

considerado incapaz para os atos da vida civil.” (Sílvio de Salvo Venosa -Direito

Civil. Parte Geral. 4 edição. Atlas. P. 177). Portanto, no vertente caso, uma vez

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constatada a enfermidade e o transtorno dissocial, que inviabiliza o interditando de

gerir a si próprio, outras pessoas, seus bens, manifestar validamente seu

consentimento decreto a interdição do mesmo. Dos limites da interdição A

interdição, no caso é ampla e plena. O jovem encontra-se em estabelecimento

diverso do convívio doméstico, segundo o perito oficial, ele: “Necessita de

estímulos na área psico-pedagógica, bem como acompanhamento psicológico,

avaliação neurológica e acompanhamento psiquiátrico em local especializado,

conforme preconizado pela psicóloga da Febem-SP. (fl s.32). O acompanhamento

psicológico e psiquiátrico mencionado deverá ser realizado em regime fechado já que

o periciando não reúne ainda condições de ser reengajado ao meio social.” Os laudos

deixaram claros que o interditando revela periculosidade e personalidade voltada

a delitos, impondo-se sua internação compulsória, o fato dos profissionais do

Hospital das Clinicas terem uma opinião diversa dos profi ssionais do IMESC e da

EDEN sobre a efetividade ou não da internação, não gera dúvida que o interditando

tenha deficiêcias que comprometam a gestão de sua vida e o seu convívio em

sociedade, bem como não comprometem neste juízo a escolha da medida que seja a

mais adequada, por ora, já que não foi apresentada outra medida apta a defender o

próprio interditando e a sociedade da sua incapacidade. Não obstante, a medicina

não forneça ainda solução às patologias da personalidade, chegando o perito à

conclusão de que “Não existe tratamento para o Transtorno de Personalidade já

que não se trata de doença mental.” (fl s. 1.307), que a própria medicina abandone

as pessoas dotadas desta patologia, ou que o direito ignore esta situação.

Cumprindo o artigo 1.771 do Código Civil, este juízo, pessoalmente argüiu o

jovem, colheu detalhes de personalidade e comportamento que, embora não sob

o aspecto médico, trazem elementos de convicção (fls. 1.209-1.213) e as

impressões que deixou neste juízo foi insensibilidade e frieza ao responder as

perguntas formuladas. Por estes fundamentos entendo nos termos do artigo

1.777 do Código Civil e artigo 60, parágrafo único, inciso III da Lei n. 10.216/2001

deva o interditando ser recolhido em estabelecimento adequado, distinto do

convívio doméstico e social, em hospital psiquiátrico ou similar compulsoriamente,

com a segurança que o caso requer. Insta expor, “Como ensinava Carnelutti, na

interdição o juiz não decide frente a duas partes, com interesse em confl ito, senão

em face de interesse do próprio incapaz.” (Humberto Theodoro Junior. Curso de

Direito Processual Civil. 32 edição. Forense. P. 399). Do exposto, decreto a

interdição de Roberto Aparecido Alves Cardoso, declarando-o absolutamente

incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, na forma do artigo 3º, II, do

Código Civil; decreto sua internação, compulsória em estabelecimento psiquiátrico

compatível e seguro face à debilidade do interditado, nos termos do artigo 1.777

do Código Civil e art. 9º da Lei n. 10.216/2001 e nomeio-lhe Curadora a Sra. Maria

as Graças Figueiredo Cardoso, intimando-a para prestar compromisso em cinco

dias, bem como para Informar se Roberto herdou bens e, em caso positivo,

proceda à especialização da hipoteca legal em bens de sua propriedade. Em

obediência ao Imposto no artigo 1.184 do Código de Processo Civil e no artigo 12,

inciso, III, do Código Civil, inscreva-se a presente no Registro Civil e publique-se na

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imprensa local e no Órgão ofi cial, 03 vezes, com intervalo de 10 dias. Ofi cie-se à

Secretaria de Saúde com urgência para que providencie local apropriado ao

interditado, isto é, estabelecimento psiquiátrico compatível com o tratamento

necessário, com contenção e segurança apropriada, informando que o interditando é

atualmente maior e incapaz. Mantenho tutela antecipada de fl s. 1.063-10.641, não

obstante eventual recurso de apelação tenha apenas efeitos devolutivos.

Expeçam-se ofícios via fax, para comunicação do DEIJ desta sentença, bem como

para requisitar à Febem que o jovem seja transferido apenas para o

estabelecimento indicado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, não

podendo ser liberado sem que haja estabelecimento apropriado, eis que, é

absolutamente incapaz e atualmente, encontra-se já separado dos adolescentes,

recebendo tratamento por esta instituição. P.R.I.C. Embu-Guaçu, 28 de novembro

de 2007. Patricia Padilha Juíza de Direito.

O acórdão mantenedor da decisão de primeira instância asseverou (fl s. 43-

54):

[...]

A questão em exame é objeto também da Apelação Cível n. 560.901-4/1-00,

à qual foi negado provimento, por votação unânime, para manter a interdição e

a internação. Trata-se do então menor participante de estupro e homicídio, no

qual foi brutalmente assassinado um casal de jovens que resolveram acampar

num sítio, no Município de Embu-Guaçu, no final do ano de 2003, fato esse

que teve repercussão ao menos nacional e provocou forte comoção pública,

dada a extrema crueldade com que foi praticado e a torpeza do motivo do seu

cometimento.

Peço venia para transcrever o relatório do Inquérito Policial, constante dos

autos da Apelação Cível n. 560.901-4/1-00, porque, embora ausente dos autos, de

relevância indiscutível para fundamentar o julgamento deste writ.

“Durante as investigações, procederam-se à exaustivas oitivas tanto de

familiares como de possíveis testemunhas da eventual localização das vítimas,

acerca dos locais em que possivelmente teriam transitado ou sido visualizadas,

como até mesmo a hipótese de terem sido vítimas de alguma ação criminosa,

momento em que foram mobilizados também equipes da Delegacia Seccional de

Policia de Taboão da Serra e do Município de Juquitiba.

No curso dessas mesmas investigações, foram inquiridos diversos moradores

daquela região, dentre os quais Antonio Caitano da Silva, que preliminarmente

em declarações prestadas em data de 10.11.2003, afi rmou ter visto o adolescente

Roberto Aparecido Alves Cardoso, vulgo “Champinha”, na companhia de

uma jovem, com os traços fisionômicos da vitima Liana. Realizado auto de

reconhecimento fotográfi co Antonio Caitano da Silva apontou com certeza e

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RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 467

fi rmeza de convicção ser a pessoa de Liana Bei Friedenbach a jovem que estaria na

companhia de “Champinha”, na oportunidade em que os avistara.

Foram determinadas ainda naquele mesmo dia, diligências com a fi nalidade

precípua de localizar e apresentar nesta Unidade o adolescente Paulo Roberto

Alves Cardoso o qual encontrava-se ausente de sua residência há vários dias

segundo seus familiares sendo posteriormente localizado no município de

Itapecerica da Serra-SP, onde encontrava-se escondido.

Conduzido a esta Unidade Policial Roberto Aparecido Alves Cardoso,

vulgo “Champinha” confessou sua participação no homicídio perpetrado em

relação à vitima Felipe Silva Caff é, atribuindo a autoria ao indivíduo de alcunha

“Pernambuco”, todavia, alegara a princípio que a vítima Liana Bei Friedenbach

estaria sob o domínio desse último, que exigiria o pagamento de resgate por sua

libertação.

Realizadas diligências com o adolescente, infrator, fora apontado pelo mesmo

o local em que o corpo da vítima Felipe Silva Caff é, jazia oculto no interior da mata

nativa, já em adiantado estado de putrefação, razão pela qual representou-se a

custódia do menor ao r. Juízo de Direito da Comarca de Embu-Guaçu-SP, tendo a

pretensão sido deferida.

Face à inconsistência das declarações apresentadas pelo adolescente em

relação à localização da vítima Liana, bem como das divergências apontadas em

seus depoimento, foram empreendidas novas diligências naquela noite, onde o

menor acabou confessando a morte de Liana, apontando inclusive o local em que

o corpo encontrava-se escondido, também no interior da mata.

Apurou-se através das declarações prestadas pelo adolescente infrator, que

o arrebatamento das vitimas ocorrera em data de 1º.11.2003, Sábado, no local

do acampamento, tendo as mesmas sido conduzidas à residência de Antonio

Caitano da Silva, onde pernoitaram, tendo sido a vítima Liana, neste ínterim,

submetida à prática de conjunção carnal, enquanto Felipe era mantido em outro

cômodo.

Pela vitima Felipe haver alegado aos autores não ser pessoa detentora de

posses, os autores “Pernambuco” e “Champinha”, com (...) desígnios e fi nalidade

de propósitos, decidiram na manhã de 2.11.2003, Domingo, em retirar sua vida,

conduzindo as vítimas até una trilha no interior da mata, onde Champinha

permaneceu com Liana, enquanto Pernambuco desferiu um disparo

com a espingarda calibre 28 que portava, na nuca de Felipe, matando-o

instantaneamente.

Após a ação criminosa, Pernambuco evadiu-se do local, devolvendo a arma do

crime ao adolescente infrator, enquanto a vítima Liana fora por este conduzida

novamente ao local de cativeiro, onde permaneceu durante todo aquele dia,

sendo obrigada a manter com aquele conjunção carnal.

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468

Apurou-se ainda, que em data de 3º.11.2003, Segunda-feira, os autores

Antonio Caitano da Silva e Agnaldo Pires retomaram àquela casa, por volta das

l4hs00min, deparando-se com o adolescente infrator “Champinha” e a vitima

Liana completamente nua, tendo aquele oferecido a vitima a ambos, a fi m de

como ele, satisfazerem sua lascívia, oportunidade em que o segundo aceitou a

oferta, passando também a mante conjunção carnal com aquela jovem. Destaca-

se que apesar de recusar-se a participar das sevícias sexuais, Antonio Caitano da

Silva quedou-se inerte, concordando com a prática daquele crime, no interior de

sua residência.

No dia seguinte, 4.11.2003, Terça- feira, por volta das 12hs00nin, o grupo

integrado por Agnado Pires, Antonio Caitano da Silva, vitima Liana e o adolescente

“Champinha”, compareceram à residência de Antonio Matias de Barros, onde

passaram a pescar junto a uma pequena represa, tendo permanecido naquele

local por aproximadamente quatro horas, sendo que ali compareceu o irmão

de “Champinha”, de nome Gilberto Alves Cardoso, o qual lhe entregava uma

notifi cação da Delegacia de Policial de Emba-Guaçu-SP, a fi m de comparecer

naquela Unidade, no dia seguinte, visando prestar esclarecimentos a respeito do

desaparecimento das vitimas uma vez que todo os moradores daquela região

estavam sendo inquirido acerca dos fatos, tendo dali se retirado em seguida,

acreditando que a jovem que acompanha seu irmão seria sua namorada.

O grupo retornou para a casa do autor Antonio Matias de Barros, onde

enquanto este preparava o jantar para todos, Antonio Caitano da Silva, ausentou-

se daquela, indo embora para sua residência. A vitima permaneceu no interior

de um dos quartos, onde assistia televisão, sendo posteriormente submetida à

conjunção carnal tanto com o adolescente “Champinha” como com Agnaldo Pires,

fatos estes presenciados pelo proprietário do imóvel, Antonio Matias de Barros.

Na madrugada do dia 5º.11.203, Quarta-feira, por volta das 2hs00min,

Champinha solicitou a seu comparsa Antonio Matias para que guardasse a

arma de fogo calibre 28, e o acompanhasse juntamente com Liana à residência

de Antonio Caitano, enquanto Agnaldo Pires, permaneceria naquele imóvel,

dormindo. Segundo o adolescente, Agnaldo Pires teria sido noticiado da

pretensão de eliminar a vitima Liana.

Em comparecendo na residência de Antonio Caitano, Antonio Matias

permaneceu em sua companhia, enquanto o adolescente Champinha, alegando

a ambos que levaria Liana para o ponto de ônibus, com a fi nalidade de retornar

para sua residência, retirou-se com ela daquele local.

Caminhando pela denominada “Estrada do Pai”, a qual permite o acesso até

um ponto de ônibus, de maneira dissimulada Champinha adentrou com a vítima

Liana no interior da mata, onde de maneira cruel, sem qualquer possibilidade

de defesa por parte desta, passou a desferir golpes de faca contra seu pescoço,

peito, cabeça, braços e costas, extinguindo sua vida impiedosamente, deixando

seu cadáver ocultado naquela vegetação fechada.” (Fls. 794-798, dos autos da

Apelação Cível n. 560.901-4/1-00).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 469

Também não consta dos autos a conclusão do exame realizado no IMESC que

assim concluiu:

“0 examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história

objetiva, subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental

de Leve para Moderado (CID F 70/71) e transtorno de Personalidade Dissocial (CID F

60.2), piorado pelo uso de alcoólicos e drogas tendo sua capacidade de entendimento

reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem mental, absolutamente

Incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos, neste caso, estritamente

sob o ponto de vista médico legal, à Doença Mental

É, sob o ponto de vista médico legal, absoluta e permanentemente incapaz de

reger sua vida e administrar seus bens e interesses. (fl s. 1.226, dos autos da Apelação

Cível n. 560.901-4/1-00).

Por óbvio que também não constam deste writ as conclusões dos vários exames

realizados na Febem-SP, na Sociedae Roscach, todos conclusivos para o diagnóstico

de Doença mental e necessidade de medidas protetivas ao paciente e à sociedade.

O paciente, comprovadamente padecente de doença mental agravada por

alcoolismo e toxicomania e que concretamente o levou a prática de crime de

extrema violência e crueldade, se liberado de qualquer tipo de confi nameno fi caria

evidentemente sujeito a cometer inclusive suicídio, ou novo ataque físico a qualquer

pessoa do qual poderia resultar inclusive em novo homicídio ou, se confi nado em local

inadequadamente estruturado geraria esse mesmos riscos, não havendo portanto

outra alternativa senão o seu confi namento em estabelecimento apropriado para

o tratamento do seu mal psíquico até que esteja defi nitivamente curado e deixe de

representar perigo à sociedade.

O paciente, através de atitudes concretas, exauriu as sua tendências

comportamentais nocivas a si próprio e às pessoas em geral, demonstrou que é

realmente capaz de praticar as maiores atrocidades contra quem sequer conhecia,

nenhum mal lhe fez, apenas teve a infelicidade de estar vulnerável em local

desprotegido e ao seu alcance, ou seja, representa o paciente perigo iminente erga

omnes e também corre o risco de acabar sendo gravemente ferido, ou morto através

de eventual reação bem sucedida de alguma de suas futuras vítimas.

A realidade do comportamento do interditando no caso concreto se

compatibiliza com as condições psiquiátricas no sentido da sua internação em

estabelecimento apropriado que evidentemente não é o comumente utilizado

em casos de menor gravidade de patologia psíquica.

A Secretaria de Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que

todas as providências necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial

estão sendo observadas (cf. fl s. 73-75).

Destaco tratar-se de caso gravíssimo que resultou em crime praticado com

inaceitáveis requintes de frieza, brutalidade, crueldade e barbaridade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

470

Não há afronta ou desconformidade à disposições contidas na Lei n.

10.216/2001. Entretanto, prevalece e se aplica à espécie o imperioso princípio da

igualdade que proclama o tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais

na proporção de suas desigualdades.

Inexiste amparo legal para a liberdade do paciente que represente perigo a si

próprio e à sociedade.

Ademais, como assinalado anteriormente, a questão já foi decidida por esta

Corte no apelo, consolidando o farto conjunto probatório e a estrita observância

da simetria processual.

Não há ilegalidade ou abuso de poder.

Diante do exposto, voto pela denegação da ordem.

Releva notar que o agravo de instrumento ao Superior Tribunal de Justiça

(Ag n. 1.320.086) não foi conhecido, com trânsito em julgado em 13.9.2011.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, proferiu decisão em 18.10.2011

dando provimento ao Agravo de Instrumento n. 810.193 e determinando sua

conversão em recurso extraordinário, reautuado como RE n. 667.307, com vista

ao Ministério Público Federal desde 6.6.2013.

3. É bem de ver que a internação compulsória deve ser evitada, quando

possível, e somente adotada como última opção, em defesa do internado

e, secundariamente, da própria sociedade. É claro, portanto, o seu caráter

excepcional, exigindo-se, para sua imposição, laudo médico circunstanciado que

comprove a necessidade de tal medida.

O art. 6º da Lei n. 10.216/2001 - que dispõe acerca da proteção e

direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais estabelece: “A internação

psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que

caracterize os seus motivos”.

No que concerne à internação compulsória, o artigo 9º estabelece, ainda,

que esta é determinada segundo a legislação vigente, pelo juiz competente, que

deverá examinar, também, as condições de segurança do estabelecimento quanto

à salvaguarda do paciente, dos demais internados e dos funcionários.

Diante desse quadro, observo que a Juíza de piso discorreu de forma

exaustiva sobre as avaliações psicológicas e psiquiátricas pelas quais foi

submetido o paciente, afi rmando que, por meio delas, foi atestada a inaptidão do

paciente para reger a própria vida, bem como para o convívio social.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 471

Ademais, observo também que, tanto no corpo da sentença quanto

do acórdão, foi feito menção ao laudo do Instituto de Medicina Social e de

Criminologia do Estado de São Paulo - IMESC, no qual fi cou consignado que

“O examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história objetiva,

subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental de

Leve para Moderado (CID F70/71) e Transtorna de Personalidade Dissocial

(CID F 60.2), piorado pelo uso de alcoólicos e drogas, tendo sua capacidade de

entendimento reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem

mental, absolutamente incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos,

neste caso, estritamente sob o ponto de vista médico legal, à Doença Mental. É, sob

o ponto de vista médico legal, absoluta e permanentemente incapaz de reger sua

vida e administrar seus bens e interesses.”

Além desse laudo, a Juíza de piso fez menção a inúmeros outros laudos

médicos que juntamente com a oitiva do paciente foram sufi cientes para fi rmar

e balizar o seu convencimento.

4. Nesse passo, a interdição civil com internação compulsória, tal como

determinada pelas instâncias inferiores, encontra fundamento jurídico tanto

na mencionada Lei n. 10.216/2001 (antes referida), quanto no artigo 1.777 do

Código Civil:

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão

recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao

convívio doméstico.

James Eduardo Oliveira comenta o dispositivo:

Entre as pessoas que estão sujeitas à curatela (art. 1.767), esse artigo trata

dos enfermos ou defi cientes mentais, dos ébrios habituais e viciados em tóxicos,

dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental, editando que, na

hipótese de eles não se adaptarem ao convívio doméstico, sendo impossível

ou inseguro mantê-los no seio da família, serão recolhidos em estabelecimento

adequado (casas de saúde, estabelecimentos psiquiátricos, clínicas ou centros de

recuperação, etc.)

(OLIVEIRA, James Eduardo. Código civil anotado e comentado: doutrina e

jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1.620-1.621).

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Junior sobre o mesmo

artigo:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

472

Interdição por doença mental com internamento. Sua admissibilidade,

independentemente da extinção da punibilidade, pelo cumprimento da pena, de

crimes cometidos pelo interdito;

(NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1.286).

Fabrício Zamprogna Matiello, em seu Código Civil comentado, leciona:

A permanência do incapaz na residência própria ou do curador nem sempre

será possível e recomendável, seja como decorrência do estado mental em que

se encontra ou das necessidades de recuperação em estabelecimento adequado.

Os curatelados agressivos, furiosos ou cuja inserção no convívio familiar não se

mostre viável em determinado momento, deverão ser encaminhados a locais

especializados no tratamento dos males que os acometem.

(MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. 4a ed. São Paulo: LTr,

2011. p. 1.167-1.168).

Assim, tenho que, ao contrário do que afi rma o impetrante, foi cumprido o

requisito legal para a imposição da medida de internação compulsória, tendo em

vista que a internação do paciente está lastreada em laudos médicos, conforme

preceitua a Lei n. 10.216/2001 e o Código Civil.

Nesse contexto, diante do quadro até então apresentado pelos laudos

já apreciados pelas instâncias inferiores, entender de modo diverso, no caso

concreto, seria pretender que o Poder Público se portasse como mero espectador,

fazendo prevalecer o direito de ir e vir do paciente, em prejuízo de seu próprio

direito à vida.

Gabriel Figueiredo, professor titular de psiquiatria da faculdade de

medicina da PUC-Campinas pondera:

Às vezes, hesitamos diante de uma necessária internação. Pior ainda que

a hesitação é a radicalização de alguns profi ssionais da saúde mental que se

recusam terminantemente a qualquer tipo de internação, interpretando-a como

uma regressão ao Estado autoritário.

(FIGUEIREDO, Gabriel. Políticas de saúde mental no Brasil. Revista Jurídica

Consulex. Ano XIV. N. 320-15 de maio de 2010).

5. Quanto à argumentação do impetrante de que não houve priorização de

recursos extra-hospitalares, não lhe socorre melhor sorte.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 473

O art. 4º da Lei n. 10.216/2001 dispõe: “A internação, em qualquer de suas

modalidades, só será iniciada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem

insufi cientes.”

Tal dispositivo contém ressalva em sua parte fi nal, dispensando a aplicação

dos recursos extra-hospitalares se houver demonstração efetiva da insufi ciência

de tais medidas.

Essa é exatamente a situação dos autos, haja vista ser notória a insufi ciência

de medidas extra-hospitalares, conforme se extrai dos laudos acima mencionados

e invocados no acórdão impugnado.

Nesse contexto, o acórdão denegatório da ordem asseverou (fl s. 52-53):

[...]

O paciente, comprovadamente padecente de doença mental agravada por

alcoolismo e toxicomania e que concretamente o levou a prática de crime de

extrema violência e crueldade, se liberado de qualquer tipo de confi namento fi caria

evidentemente sujeito a cometer inclusive suicídio, ou novo ataque físico a qualquer

pessoa do qual poderia resultar inclusive em novo homicídio ou, se confi nado em local

inadequadamente estruturado geraria esse mesmos riscos, não havendo portanto

outra alternativa senão o seu confi namento em estabelecimento apropriado para

o tratamento do seu mal psíquico até que esteja defi nitivamente curado e deixe de

representar perigo à sociedade.

O paciente, através de atitudes concretas, exauriu as sua tendências

comportamentais nocivas a si próprio e às pessoas em geral, demonstrou que é

realmente capaz de praticar as maiores atrocidades contra quem sequer conhecia,

nenhum mal lhe fez, apenas teve a infelicidade de estar vulnerável em local

desprotegido e ao seu alcance, ou seja, representa o paciente perigo iminente erga

omnes e também corre o risco de acabar sendo gravemente ferido, ou morto através

de eventual reação bem sucedida de alguma de suas futuras vítimas.

A realidade do comportamento do interditando no caso concreto se compatibiliza

com as condições psiquiátricas no sentido da sua internação em estabelecimento

apropriado que evidentemente não é o comumente utilizado em casos de menor

gravidade de patologia psíquica.

A Secretaria de Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que

todas as providências necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial

estão sendo observadas (cf. fl s. 73-75).

Destaco tratar-se de caso gravíssimo que resultou em crime praticado com

inaceitáveis requintes de frieza, brutalidade, crueldade e barbaridade.

Não há afronta ou desconformidade à disposições contidas na Lei n.

10.216/2001.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

474

Diante do exposto, não vislumbro constrangimento ilegal apto a justifi car

a concessão da presente ordem. Ademais, é cediço não caber na angusta via do

habeas corpus, em razão de seu rito célere e desprovido de dilação probatória,

exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos

quais as instâncias inferiores formaram sua convicção.

Em situação análoga esta Corte já decidiu:

Habeas corpus. Ação civil de interdição cumulada com internação compulsória.

Competência das Turmas da Segunda Seção. Verifi cação. Internação compulsória.

Possibilidade. Necessidade de parecer médico e fundamentação na Lei n.

10.216/2001. Existência, na espécie. Exigência de submeter o paciente a Recursos

extra-hospitalares antes da medida de internação. Dispensa em hipóteses

excepcionais. Exame de periculosidade e inexistência de crime implicam dilação

probatória. Vedação pela via do presente remédio heroico. Habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário conhecido para denegar a ordem.

I - A questão jurídica relativa à possibilidade de internação compulsória, no

âmbito da Ação Civil de Interdição, submete-se a julgamento perante os órgãos

fracionários da Segunda Seção desta a. Corte;

II - A internação compulsória, qualquer que seja o estabelecimento escolhido

ou indicado, deve ser, sempre que possível, evitada e somente empregada como

último recurso, na defesa do internado e, secundariamente, da própria sociedade.

III - São modalidades de internação psiquiátrica: a voluntária, que é aquela

que se dá a pedido ou com o consentimento do paciente (mediante declaração

assinada no momento da internação); a involuntária, que é a que se dá sem

o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e, por fim, a internação

compulsória, determinada por ordem judicial.

IV - Não há constrangimento ilegal na imposição de internação compulsória,

no âmbito da Ação de Interdição, desde que baseada em parecer médico e

fundamentada na Lei n. 10.216/2001. Observância, na espécie.

V - O art. 4º da Lei n. 10.216/2001, fruto de uma concepção humanística, traduz

modifi cação na forma de tratamento daqueles que são acometidos de transtornos

mentais, evitando-se que se entregue, de plano, aquele, já doente, ao sistema de

saúde mental.

VI - Todavia, a ressalva da parte fi nal do art. 4º da Lei n. 10.216/2001, dispensa

a aplicação dos recursos extra-hospitalares se houver demonstração efetiva da

insufi ciência de tais medidas.

Hipótese dos autos, ocorrência de agressividade excessiva do paciente.

VII - A via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória, exame

aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos elementos de prova.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 475

VIII - Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário conhecido para denegar

a ordem.

(HC n. 130.155-SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em

4.5.2010, DJe 14.5.2010).

6. Sustenta o impetrante, ainda, ilegalidade na manutenção do paciente na

Unidade Experimental de Saúde de São Paulo desde maio de 2007.

Em reforço a seu argumento, colaciona aos autos documento novo

consistente em relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT) da

Organizações das Nações Unidas (ONU) (fl s. 467-504).

De início, este Tribunal Superior tem entendimento no sentido de que

“Alegações formuladas e documentos novos, apresentados apenas perante o STJ, não

podem ser apreciados por esta Corte, sob pena de supressão de instância.” (HC n.

195.988-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Ministra

Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 27.8.2013, DJe 10.10.2013).

Nesse sentido, a via estreita do habeas corpus não comporta dilação

probatória. Ademais, quando proferido o acórdão combatido em setembro de

2008, o paciente já se encontrava na Unidade Experimental de Saúde de São

Paulo, e foi dito pelo Tribunal de origem que: “A realidade do comportamento

do interditando no caso concreto se compatibiliza com as condições psiquiátricas no

sentido da sua internação em estabelecimento apropriado que evidentemente não é o

comumente utilizado em casos de menor gravidade de patologia psíquica. A Secretaria

da Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que todas as providências

necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial estão sendo observadas.”

(fl s. 53-54).

Outrossim, a internação compulsória determinada pelas instâncias

inferiores está vinculada à sua interdição civil, nos termos do art. 1.777 do

Código Civil e da Lei n. 10.216/2001, não tendo qualquer relação com o

Estatuto da Criança e do Adolescente, como faz parecer o dito documento.

Vale lembrar que a internação compulsória em sede de ação de interdição,

como é o caso dos autos, não tem caráter penal, não devendo ser comparada à

medida de segurança ou à medida socioeducativa à que esteve submetido no

passado o paciente em face do cometimento de atos infracionais análogos a

homicídio e estupro.

Não se ambiciona nos presentes autos aplicar sanção ao ora paciente, seja

na espécie de pena, seja na forma de medida de segurança.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

476

Por meio da interdição civil com internação compulsória resguarda-se a

vida do próprio interditando e, secundariamente, a segurança da sociedade.

7. Quanto ao pleito do impetrante para que sejam determinadas

reavaliações sobre a necessidade da custódia do paciente a cada 3 meses, por

equipe multiprofi ssional da qual não participem os peritos que já avaliaram o

caso, observo do acórdão que não foi apreciada pela Corte de origem suspeição

ou impedimento em relação à perícia, bem como qualquer questionamento a

respeito da periodicidade das avaliações periciais.

Igualmente, não há apreciação no acórdão combatido - proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - quanto ao pedido de inserção do

paciente no programa federal De Volta Para Casa.

Em informações prestadas pelo Juízo de piso foi esclarecido que, sobre o

programa de inclusão social em questão, o advogado do interditando deixou

de trazer à colação qualquer informação acerca do endereço e qualifi cação

dos parentes interessados e aptos a receber o paciente (fl . 537). O Ministério

Público estadual alertou para que fosse realizada nova avaliação médica antes

da próxima audiência (fl s. 691) e que nova perícia foi agendada para o dia

28.11.2013 (fl . 709).

Sobre tais pontos, conforme já esclarecido, a jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que não se conhece de habeas

corpus cuja matéria não foi objeto de decisão pela Corte de Justiça estadual, sob

pena de indevida supressão de instância. (HC n. 165.236-SP, Rel. Ministro

Moura Ribeiro, Quinta Turma, julgado em 5.11.2013, DJe 11.11.2013; HC n.

228.848-SP, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado

em 24.10.2013, DJe 4.11.2013).

8. Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 512.406-SP (2003/0018532-5)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Banco do Brasil S/A

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 477

Advogados: Carlos Jose Marcieri e outro(s)

Patrícia Netto Leão e outro(s)

Recorrido: Empresa de Transportes Pantera Ltda. - Massa falida

Advogado: Cláudio Ghirardelo Gonzaga - Síndico

EMENTA

Recurso especial. Falência. Decreto Lei n. 7.661/1945.

Habilitação retardatária de crédito. Movimentação da máquina

judiciária. Necessidade de recolhimento de custas iniciais (DL n.

7.661/1945, arts. 23, 82, § 1º, e 98; Lei n. 11.101/2005, art. 10).

Recurso desprovido.

1. Embora os arts. 82 e 98 da anterior Lei de Falências, que

disciplinavam o procedimento de habilitação de créditos, não fi zessem

menção expressa ao recolhimento de custas processuais, pela leitura

do art. 23 do mesmo diploma legal constata-se que, em algumas

situações, havia a necessidade de recolhimento.

2. A análise do art. 98 da anterior Lei de Falências demonstra

que, em razão da inércia do credor que não se habilitou no prazo

determinado, toda máquina judiciária é novamente movimentada para

o processamento da habilitação retardatária.

3. Confi rmando o entendimento acima, a nova Lei de Falências

e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005), em seu art. 10,

expressamente prevê que, na falência, os créditos retardatários

perderão o direito a rateios eventualmente realizados e fi carão sujeitos

ao pagamento de custas.

4. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

A Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti,

Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr.

Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

478

Brasília (DF), 27 de agosto de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 14.2.2014

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Nos autos da habilitação de crédito

quirografário que o Banco do Brasil S/A ajuizou contra Massa Falida de Empresa

de Transportes Pantera Ltda., o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca

de Santo André-SP determinou o recolhimento das custas iniciais, em despacho

assim fundamentado:

A distribuição do presente feito se deu por ocasião de se tratar a presente de

Habilitação de Crédito intempestiva (art. 98 e seus incisos, da Lei n. 7.661/1945(LF),

por não atendido no prazo fi xado no art. 82 da referida lei.

Assim, este é um processo autônomo apesar de sua distribuição por

dependência ao processo original, por não atendidos no prazo fi xado nos artigos

acima mencionados.

Prazo para recolhimento: 5(cinco) dias. (fl . 111)

Inconformado, o Banco habilitante interpôs agravo de instrumento perante

o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo que, por unanimidade de votos, manteve

o entendimento acima exarado, em aresto que guarda a seguinte ementa:

Falência. Habilitação retardatária de crédito. Credor que não se habilitou

no prazo assinalado pela sentença declaratória de quebra. Procedimento

autônomo que transcende a economia do próprio processo falimentar. Sujeição

ao recolhimento da taxa judiciária. Recurso improvido. (fl . 153)

Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados (fl s. 175-178).

Banco do Brasil S/A interpôs, então, recurso especial, com fundamento na

alínea a do permissivo constitucional, sustentando, preliminarmente, violação

aos arts. 458, II e 535, I, do CPC, sob o entendimento de que o v. aresto

recorrido carece de fundamentação legal, o que não teria sido suprido mesmo

com a apresentação do recurso declaratório.

No mérito, sustenta ofensa aos arts. 82, § 1º, 98 e 208, todos da Lei de

Falências - DL n. 7.661/1945 - defendendo o seguinte, verbis:

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 479

O v. acórdão recorrido, sem qualquer motivação legal, determinou o

recolhimento das custas judiciais e paralisou inadvertidamente o processamento

da habilitação retardatária.

Entretanto, constata-se que o v. acórdão, embora sem fundamentação,

acompanhou os termos da manifestação da D. Procuradora de Justiça, juntada às

fl s. 123-125.

Como foi destacado pela D. Procuradora de Justiça, fl s. 124, “o procedimento

das declarações de crédito é regido pelo princípio da informalidade, não sendo

devido o pagamento de custas. Tampouco há honorários de advogado”.

Também a D. Procuradora de Justiça ponderou, nas razões de sua manifestação,

que “O artigo 98 do Decreto-Lei n. 7.661/1945 não faz qualquer menção ao

recolhimento de custas processuais.” Concluiu, assim, que estão isentas de custas

as declarações de crédito formuladas no prazo do edital de convocação de

credores.

Após, manifestou seu entendimento sobre a necessidade de recolhimento

de custas nas habilitações retardatárias, fundamentando tais considerações nos

dizeres de Pontes de Miranda, apontando que tais petições têm de satisfazer as

exigências dos artigos 158/160 do Código de Processo Civil, além do que diz no

artigo 82 § 1º do Decreto-Lei n. 7.661.

Ocorre, porém, que os artigos 158 a 160 não prevêem a necessidade do

recolhimento de custas nas habilitações de crédito, uma vez que, tão somente,

regulamentam dos atos da parte. Tampouco o artigo 82 §1º pressupõe essa

necessidade.

Também não pode servir de amparo para o recolhimento de custas o artigo 19

do CPC, mencionado no parecer da i. Procuradora da República, haja vista que tal

dispositivo, eventualmente, poderia ser interpretado harmonicamente com lei de

custas que exigisse o recolhimento judicial dessas.

A lei de custas do Estado de São Paulo, por seu turno, não previu a necessidade

do recolhimento de custas em casos de habilitação de crédito de falência. Os

artigos lº e 4º da Lei n. 4.952/1985 delimitam a incidência da taxa de juros para os

processos judiciais, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares

e nos processos não contenciosos, onde existe uma causa, no sentido processual.

Assim, restou demonstrado que não há parâmetros legais capazes de exigir

o recolhimento de custas em casos de habilitação de crédito em falência, sejam

aqueles habilitados tempestivamente, sejam os que foram habilitados na forma

retardatária.

Vale notar que a pena imposta ao credor que não se habilita tempestivamente,

isto é, no prazo determinado pelo juiz na sentença declaratória da falência, consta

da própria lei de falências e consiste no fato de que os credores retardatários não

terão direito aos rateios anteriormente distribuídos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

480

Assim, além de omisso quanto ao fundamento legal, o v. aresto foi contraditório

ao determinar o pagamento de custas, tão somente, das habilitações de crédito

retardatárias, sendo que tanto a retardatária quanto a tempestiva tem o mesmo

tratamento legal, exceto pelo rateio já mencionado. (fl s. 210-211)

(...)

Outro ponto que não se pode desconsiderar é que o trânsito da habilitação

ficou obstado pelo decisum, violando, flagrantemente, o art. 208 da Lei n.

7.661/1945 (Lei de Falências). (fl . 216)

Sem contrarrazões (fl. 227), o recurso foi admitido (fls. 249-252) e

encaminhado a esta Corte.

A d. Subprocuradoria Geral da República opinou pelo não conhecimento

do recurso, em parecer assim sumariado:

Recurso especial. Art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal. Alegada

violação aos arts. 458, II, 535, I, do Código de Processo Civil, e 82 § 1º, 98 e 208

do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Decisão recorrida que não infi rma os dispositivos

legais apontados por malferidos.

Pagamento de custas. Habilitação de crédito intempestiva.

1 - O acórdão recorrido analisou a matéria debatida em toda a sua extensão,

não havendo obscuridade ou contradição que devessem ser supridas pela via

dos declaratórios. Inexistência de infração aos arts. 458, II e 535, I, do Código de

Processo Civil.

2 - O pagamento das despesas processuais pela parte é a regra geral que

impera no Processo Civil Brasileiro (art. 19), sendo a justiça gratuita exceção que

somente se aplica aos casos taxativamente ressalvados.

3 - A habilitação retardatária de crédito na falência é procedimento autônomo,

que movimenta extraordinariamente a máquina judiciária, razão pela qual se

justifi ca a cobrança de custas.

4 - Parecer pelo não conhecimento do recurso especial. (fl . 269)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): De início, não procedem as

alegações do recorrente de que o v. aresto recorrido seria obscuro e omisso, em

face de apresentar fundamentação insatisfatória para determinar o recolhimento

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 481

de custas em casos de declarações ou habilitações retardatárias de crédito em

concurso universal de credores.

Com efeito, todas as questões postas a debate foram efetivamente decididas,

com a devida fundamentação e clareza, nos limites necessários ao desate do

feito, ainda que contrariamente aos interesses do recorrente.

A jurisprudência desta Casa é pacífi ca ao proclamar que, se os fundamentos

adotados bastam para justifi car o concluído na decisão, o julgador não está

obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte, nem se lhe é

exigido que se reporte de modo específi co a determinados preceitos legais.

Nesse contexto, impende ressaltar, em companhia da tradicional doutrina

e do maciço entendimento pretoriano, que o julgado apenas se apresenta como

omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial, ou

mesmo promovendo o necessário debate, deixa, entretanto, num caso ou no

outro, de ministrar a solução reclamada, o que não ocorre na espécie.

Outrossim, não se constata a alegada violação do art. 458, II, do CPC,

estando mantida a pertinência entre a fundamentação adotada e a conclusão

jurídica alcançada no acórdão recorrido, sendo possível inferir que o Tribunal

local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que

lhes foram submetidas, atendendo satisfatoriamente ao princípio da motivação

das decisões judiciais e ao princípio da correlação entre pedido, causa de pedir e

decisão judicial, razão pela qual a insurgência, no ponto, não prospera.

Quanto ao art. 208 da antiga Lei de Falências, que estabelecia que os

processos de falência e de concordata preventiva não deverim parar por falta de

preparo, não serviu o dispositivo de fundamento à conclusão adotada pela Corte

local, mesmo porque não houve discussão acerca da paralisação do processo

de falência. Não tem, assim, o mencionado artigo o alcance pretendido pelo

recorrente, já que seu pedido de habilitação retardatária de crédito constitui

incidente processado em apenso ao processo de falência.

Quanto ao mérito, sustenta o Banco do Brasil que não há comando legal

que exija o recolhimento de custas nos casos de falência e, por se tratar de

habilitação retardatária de crédito, seria desnecessário o recolhimento imediato

das custas iniciais “vez que poderia onerar ainda mais a massa falida” (fl . 205).

Os dispositivos legais que disciplinavam a habilitação de créditos na

anterior Lei de Falências eram os seguintes:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

482

Art. 82. Dentro do prazo marcado pelo juiz, os credores comerciais e civis do

falido e, em se tratando de sociedade, os particulares dos sócios solidariamente

responsáveis, são obrigados a apresentar, em cartório, declarações por escrito,

em duas vias, com a fi rma reconhecida na primeira, que mencionem as suas

residências ou as dos seus representantes ou procuradores no lugar da falência,

a importância exata do crédito, a sua origem, a classifi cação que, por direito,

lhes cabe, as garantias que lhes tiverem sido dadas, e as respectivas datas, e

que especifi que, minuciosamente, os bens e títulos do falido em seu poder, os

pagamentos recebidos por conta e o saldo defi nitivo na data da declaração da

falência, observando-se o disposto no art. 25.

§ 1º À primeira via da declaração, o credor juntará o título ou títulos do crédito,

em original, ou quaisquer documentos. Se os títulos comprobatórios do crédito

estiverem juntos a outro processo, poderão ser substituídos por certidões de

inteiro teor, extraídas dos respectivos autos.

Art. 98. O credor que se não habilitar no prazo determinado pelo juiz, pode

declarar o seu crédito por petição em que atenderá às exigências do artigo 82,

instruindo-a com os documentos referidos no parágrafo 1º do mesmo artigo.

§ 1º O juiz determinará a intimação pessoal do falido e do síndico, os quais,

com observância do disposto no art. 84 e no prazo de três dias para cada um,

se manifestarão sobre o pedido, em seguida ao que o escrivão fará publicar

aviso para que os interessados apresentem, dentro do prazo de dez dias, as

impugnações que entenderem.

§ 2º Decorrido o prazo para impugnação dos interessados, o escrivão fará vista

dos autos ao representante do Ministério Público, que, no prazo de três dias, dará

o seu parecer.

§ 3º Com o parecer do representante do Ministério Público, os autos serão

conclusos ao juiz para os fi ns previstos no artigo 92, cabendo, da sentença que

julgar o crédito, recurso de apelação, que não terá efeito suspensivo. (Redação

dada pela Lei n. 6.014, de 27.12.1973).

§ 4º Os credores retardatários não têm direitos aos rateios anteriormente

distribuídos.

Ocorre que, embora os dispositivos acima elencados não fi zessem menção

expressa ao recolhimento de custas processuais, não se pode olvidar que o

art. 23 do mesmo decreto-lei estabelecia que, em algumas situações, haveria a

necessidade de recolhimento de custas judiciais:

Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor

comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 483

Parágrafo único. Não podem ser reclamados na falência:

I - as obrigações a título gratuito e as prestações alimentícias;

II - as despesas que os credores individualmente fizerem para tomar parte na

falência, salvo custas judiciais em litígio com a massa;

III - as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas.

Ademais, como acertadamente ressaltado no d. parecer ministerial, da lavra

do il. Subprocurador, Dr. Henrique Fagundes, às fl s. 271-274:

Nesse contexto, observa-se ser a habilitação tardia do crédito na falência não

apenas um incidente no processo, mas sim um procedimento autônomo, que

se inicia por petição, seguida da intimação pessoal do falido e do síndico, além

de aviso destinado a terceiros eventualmente interessados, para a apresentação

de impugnações, abrindo-se novamente vista ao representante do Ministério

Público para apresentar parecer, vindo a ser proferida, então, somente após todo

esse iter, outra decisão pelo juízo, tudo nos moldes descritos no artigo 98 de

parágrafos, da Lei de Falências.

Percebe-se, pois, que ante a inércia do credor, que perdera o prazo inicial

conferido para a declaração de seu crédito, toda máquina judiciária é novamente

movimentada para a análise e o processamento da habilitação intempestiva.

Esse, de resto, é o entendimento pontifi cado por Pontes de Miranda in Tratado

de Direito Privado, ed. Borsoi, 1960, Tomo 29, p. 207:

Os credores retardatários são credores que foram convidados e não

compareceram. Em vez de as suas declarações de crédito serem simples

comunicações de conhecimento que se entregam à periferia da relação

jurídica processual falencial, são elementos da postulação, são petições e

têm de satisfazer as exigências dos arts. 158/160 do CPC, além do que se diz

no art. 82 e § 1º do Decreto Lei n. 4.661.

Por outro lado, a título comparativo, enquanto nas habilitações de crédito,

formuladas no prazo do edital de convocação de credores, impera a isenção de

custas, em razão de se tratar, então, de mero incidente processual, regido pelo

princípio da informalidade, em obséquio ao qual se prestigiam, de ordinário,

atos independentemente de intimações, valendo notar, em arremate, que, aos

credores, sequer se exige a representação por advogado, conforme se observa

do procedimento enumerado pelos artigos 82 a 86 do DL n. 7.661/1945, nas

habilitações retardatárias o regime é diverso, face as razões que acabam de ser

expendidas. A prestação jurisdicional oferecida ao negligente não pode ser a

mesma posta à disposição do credor atento e expedito.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

484

Confi rmando esse entendimento, a nova Lei de Falências e Recuperação

de Empresas (Lei n. 11.101/2005), em seu art. 10 expressamente prevê o

seguinte:

Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as

habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.

§ 1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados

os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto

nas deliberações da assembléia-geral de credores.

§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo ao processo de falência, salvo se,

na data da realização da assembléia-geral, já houver sido homologado o quadro-

geral de credores contendo o crédito retardatário.

§ 3º Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios

eventualmente realizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se

computando os acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do

pedido de habilitação.

§ 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o credor poderá requerer a

reserva de valor para satisfação de seu crédito.

§ 5º As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da

homologação do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e

processadas na forma dos arts. 13 a 15 desta Lei.

§ 6º Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não

habilitaram seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento

ordinário previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou

da recuperação judicial a retifi cação do quadro-geral para inclusão do respectivo

crédito.

Comentando o dispositivo acima, Paulo F. C. Salles de Toledo afi rma:

No mesmo dispositivo lê-se, ainda, que os credores retardatários, também só

na falência, “fi carão sujeitos ao pagamento de custas”, o que faz todo o sentido,

uma vez que eles é que terão dado causa às despesas com a efetivação dos atos

processuais da habilitação (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e

Falência, ed. Saraiva, 2ª ed., p. 34).

Pelo exposto, não tendo ocorrido violação aos mencionados dispositivos

legais apontados no recurso especial, nego-lhe provimento.

É como voto.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 485

RECURSO ESPECIAL N. 620.610-DF (2003/0230194-7)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Paulo César Gontijo

Advogado: Paulo César Gontijo (em causa própria) e outros

Recorrido: Lygia de Souza e Oliveira Lima e outro

Advogado: Cassiano Pereira Viana e outro

Recorrido: Marcos de Souza Dias e outro

Recorrido: João Carlos Sette Rocha e outro

Advogado: Lincoln de Oliveira e outro

Recorrido: Marina da Costa Carvalho

Advogado: José Eugênio Moraes Latorre

Recorrido: Nivalda Cossich Furtado

Advogados: Rodolfo José Marques

Vinicius de Figueiredo Teixeira e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Hipoteca judicial de gleba de terras. Posterior

procedência de ação de usucapião de parte das terras hipotecadas.

Participação do credor hipotecário na ação de usucapião como

assistente do réu. Ausência de cerceamento de defesa. Prevalência da

usucapião. Efeitos ex tunc da sentença declaratória. Cancelamento

parcial da hipoteca judicial. Recurso desprovido.

1 - Assegurada ao primitivo credor hipotecário participação na

posterior ação de usucapião, não se pode ter como ilegal a decisão

que reconhece ser a usucapião modo originário de aquisição da

propriedade e, portanto, prevalente sobre os direitos reais de garantia

que anteriormente gravavam a coisa. Precedentes.

2 - Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti,

Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 3 de setembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 19.2.2014

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Em 1987, houve sentença de procedência

de ação sumaríssima de cobrança de honorários advocatícios que Paulo César

Gontijo moveu contra Lygia de Souza e outros. Em decorrência do comando

sentencial condenatório de prestação em dinheiro, transitado em julgado,

procedeu-se ao registro imobiliário de hipoteca judicial (CPC, art. 466) de gleba

de terras da Fazenda Paranoazinho, de propriedade dos réus (fl . 70), seguindo-se

execução por liquidação de sentença.

Nesse ínterim, processou-se ação de usucapião ajuizada por João Carlos

Sette Rocha em desfavor de José Cândido Souza, posteriormente falecido (de

quem Lygia de Souza e outros são herdeiros), tendo por objeto justamente parte

daquelas terras objeto da mencionada hipoteca judicial. Saliente-se que o credor

hipotecário não foi citado para a ação de usucapião, porém, como se constata da

leitura da sentença da ação de usucapião (fl . 74), Paulo César Gontijo ingressou

no feito e ali atuou na qualidade de assistente do réu, sendo seu direito referido

e considerado na sentença que julgou a usucapião.

Em 1997, a ação de usucapião foi julgada procedente (fl s. 72-90).

Com isso, o autor da usucapião pleiteou, nos autos daquela referida ação

de cobrança de honorários, agora já na fase de liquidação, o cancelamento da

hipoteca judicial sobre as áreas usucapidas, o que foi deferido pelo Juízo de

Direito da Vara Cível de Brazlândia-DF, com base nas seguintes razões, verbis:

Na hipótese dos autos, considerando o pedido transcrito às fl s. 1.898-1.899,

ocorreu o reconhecimento judicial de prescrição aquisitiva transferindo aos

requerentes (aqui, terceiros interessados) parte da propriedade que, neste

processo, servia de garantia real para o pagamento da dívida ora em liquidação

contra os réus.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 487

Atento a isso e às considerações jurídicas acima esposadas quanto à natureza

originária da aquisição ad usucapione, não há como ressalvar integralmente a

hipoteca judicial deferida nos autos, sem que se exclua do gravame as novas

propriedades e domínios declarados judicialmente em sentença declaratória

de usucapião. A hipoteca constituída para garantia de pagamento de dívida do

antigo proprietário não alcança nem ultrapassa a via da prescrição aquisitiva. (fl s.

94-96)

Contra tal decisão Paulo César Gontijo, credor da hipoteca judicial excluída,

interpôs agravo de instrumento, que, entretanto, foi desprovido pela 3ª Turma

Cível do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em aresto

assim ementado:

Agravo de instrumento. Hipoteca judicial. Exclusão. Prescrição aquisitiva. Ações

de usucapião trânsitas em julgado. Terras usucapidas. Pretendido cancelamento

da hipoteca judicial. Forma de aquisição originária. Recurso improvido. Unânime.

O reconhecimento da posse ad usucapionem confere ao seu titular os direitos

inerentes ao domínio, dentre os quais o de perseguir a integralidade de sua

propriedade sem eivas que possam maculá-la como a hipoteca judicial. O

usucapião é meio originário de se adquirir a propriedade, pois surge quando

a posse é mansa, pacífi ca e ostentada por sujeito que aparente a condição de

dominus do bem. (fl . 155)

Interpondo embargos de declaração, o credor hipotecário requereu

pronunciamento acerca dos seguintes dispositivos legais: a) art. 463 do CPC, por

ser incabível a modifi cação da sentença na ação sumaríssima, após seu trânsito

em julgado; b) arts. 56 a 80 do CPC, que tratam das formas de intervenção

de terceiros; c) art. 251 da Lei n. 6.015/1973, acerca das hipóteses em que a

hipoteca pode ser cancelada; d) art. 472 do CPC, sobre a sentença na ação

de usucapião só operar efeitos entre as partes (fl s. 176-182). Os embargos de

declaração foram rejeitados.

Ainda inconformado, o credor hipotecário interpôs este recurso especial,

com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Alega violação

aos arts. 128, 131, 458, II, 460, 515, 516 e 535, II do CPC. Afi rma, em síntese,

que o Tribunal de origem permaneceu omisso quanto à análise dos dispositivos

legais ditos por violados e respectivas fundamentações. Neste contexto, requer,

preliminarmente, a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal local em

decorrência da falta de fundamentação e análise de todas as questões levantadas

nas razões recursais.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

488

Ademais, sustenta afronta aos arts. 56 a 80 e 463 do CPC, aduzindo que:

a) “A intervenção de terceiros há de se fazer mediante comprovação de seu

legítimo interesse, segundo o processo previsto nos arts. 56 a 80 do CPC, e só

após sua admissão, mediante decisão do Juiz da causa, poderá peticionar” (fl .

211); b) “É inadmissível a intervenção de terceiros após o trânsito em julgado da

sentença” (fl . 211). Afi rma, ainda, que a jurisprudência já se pacifi cou no sentido

de não admitir o oferecimento de oposição após a sentença.

Quanto ao mérito, aponta violação aos arts. 677, 756, 809 a 851 do Código

Civil de 1916, arts. 46, 47, 466, 472, 615, II, 619, 698 e 1.047, II do CPC e

art. 251 da Lei n. 6.015/1973. Aduz, que: a) “o ônus hipotecário judicial não

se equipara à hipoteca consensual para efeitos da aquisição por usucapião” (fl .

187); b) “O art. 815 do CC diz que ao adquirente do imóvel hipotecado cabe

igualmente o direito de remi-lo, vale dizer, o adquirente não fi ca imune do ônus

que pesava sobre o imóvel” (fl . 213); c) “se o imóvel usucapido estava gravado

com hipoteca, sua aquisição fi cou onerada com o mesmo ônus” (fl . 214); d) não

existe no ordenamento jurídico pátrio legislação que determine que a aquisição

originária afaste a garantia contida no art. 466 do CPC; e) na ação de usucapião

deve ser formado litisconsórcio necessário com citação de todos os indicados no

art. 942 do CPC.

Aduz, ainda, violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, da

Constituição Federal e aos respectivos princípios.

Sem contrarrazões, o recurso foi admitido (fl s. 597-599) e encaminhado a

esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): De início, no tocante à alegada

ofensa aos artigos 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal

e aos princípios da legalidade, da inafastabilidade da tutela jurisdicional e do

devido processo legal e seus consectários do contraditório, da ampla defesa e

da motivação, observa-se não ser cabível a análise de contrariedade direta a

dispositivos constitucionais, nesta via recursal, o que implicaria em usurpação

de competência constitucionalmente atribuída ao eg. Supremo Tribunal Federal

(CF, art. 102).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 489

Quanto à violação à norma do art. 535, II, do CPC, as razões

recursais não procedem, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu,

fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas. De fato, inexiste

qualquer omissão no aresto recorrido, porquanto o Tribunal local, malgrado

não ter acolhido os argumentos suscitados pelo ora recorrente, manifestou-se

expressamente acerca do tema necessário à integral solução da lide.

Com efeito, ao afi rmar o acórdão recorrido que “o reconhecimento da posse

ad usucapionem confere ao seu titular os direitos inerentes ao domínio, dentre os

quais o de perseguir a integralidade de sua propriedade sem eivas que possam

maculá-la como a hipoteca judicial”, adotou o julgado o fundamento, sufi ciente

à solução da questão, de que a hipoteca judicial sucumbe à prescrição aquisitiva.

Esse fundamento mostra-se suficiente inclusive para sustentar a

legitimidade de João Carlos Sette Rocha, vencedor da ação de usucapião, para

postular a exclusão da hipoteca nos autos da ação de cobrança de honorários.

Confi ra-se:

Sobre a falta de legitimidade dos agravados para postularem a exclusão da

hipoteca judicial nos autos da ação de cobrança de honorários advocatícios, insta

vincar que o reconhecimento da posse ad usucapionem confere ao seu titular

os direito inerentes ao domínio, dentre os quais o de perseguir a integralidade

de sua propriedade sem eivas que possam maculá-la, tal qual a hipoteca em

comento. (fl . 159)

Impende ressaltar que “se os fundamentos do acórdão recorrido não se

mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer

que eles não existam. Não se pode confundir ausência de motivação com

fundamentação contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP,

Relator o eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 12.12.1994). Nesse

sentido, confi ram-se os seguintes julgados: REsp n. 209.345-SC, Relator o

eminente Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 16.5.2005; REsp n. 685.168-

RS, Relator o eminente Ministro José Delgado, DJ de 2.5.2005.

Ademais, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o

magistrado não está obrigado a se pronunciar sobre todos os pontos abordados

pelas partes, mormente quando já tiver decidido a controvérsia sob outros

fundamentos (EDcl no REsp n. 202.056-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho,

DJ de 21.10.2001).

Outrossim, não se constata a alegada violação do art. 458, II, do CPC,

estando mantida a pertinência entre a fundamentação adotada e a conclusão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

490

jurídica alcançada no acórdão recorrido, sendo possível inferir que o Tribunal

local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que

lhes foram submetidas, atendendo satisfatoriamente ao princípio da motivação

das decisões judiciais e ao princípio da correlação entre pedido, causa de pedir e

decisão judicial, razão pela qual a insurgência, no ponto, não prospera.

Quanto ao mérito, ressalte-se que os únicos dispositivos legais efetivamente

prequestionados foram os que se referem à tese defendida no recurso especial,

de prevalência do primitivo ônus hipotecário sobre o imóvel adquirido através

da procedência da ação de usucapião. Quanto aos demais, ressentem-se do

requisito do prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula n. 211-STJ,

segundo a qual “é inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito

da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.”

Saliente-se que não configura contradição afirmar-se a falta de

prequestionamento e, ao mesmo tempo, afastar-se a afronta ao artigo 535 do

Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possível o julgado se

encontrar devidamente fundamentado sem, no entanto, ter decidido a causa à

luz dos preceitos jurídicos colacionados pelo recorrente.

Merece apreciação a tese defendida no recurso especial, de prevalência do

primitivo ônus hipotecário sobre o imóvel adquirido através da procedência da

ação de usucapião.

Ocorre que, como se viu do relatório supra, o ora recorrente Paulo César

Contijo apresentou contestação naquela ação de usucapião, tendo sua participação

sido discutida inclusive em agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça

(v. fl . 80 e-STJ). Assim, embora não tenha sido citado, ingressou no feito e ali foi

admitido e atuou na qualidade de assistente do réu, tendo seu direito referido e

considerado na sentença que julgou procedente a usucapião.

Então, não pode agora alegar cerceamento de defesa, pois as questões

atinentes aos seus direitos de ver prevalecer a hipoteca judicial sobre a decretação

da usucapião fi caram alcançadas pela decisão de procedência da usucapião, ação

da qual participou.

No mais, uma vez assegurada ao ora recorrente participação na ação de

usucapião, não se pode ter como ilegal a decisão que reconhece ser a usucapião

modo originário de aquisição da propriedade e, portanto, prevalente sobre os

direitos reais de garantia que anteriormente gravavam a coisa. Esta eg. Corte,

inclusive, já se pronunciou no sentido de considerar que “com a declaração de

aquisição de domínio por usucapião, deve desaparecer o gravame real hipotecário

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 491

constituído pelo antigo proprietário, antes ou depois do início da posse ad

usucapionem, seja porque a sentença apenas declara a usucapião com efeitos ex

tunc, seja porque a usucapião é forma originária de aquisição de propriedade, não

decorrente da antiga e não guardando com ela relação de continuidade.” (REsp

n. 941.464-SC, Relator em. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 29.6.2012).

Confi ram-se, ainda, os seguintes precedentes:

Agravo regimental em recurso especial. Usucapião. Modo originário de

aquisição da propriedade. Hipoteca. Não subsistência. Violação do art. 535 do

CPC. Alegação genérica. Súmula n. 284-STF. Prequestionamento. Ausência.

Súmulas n. 211-STJ e n. 282-STF.

1. O recurso especial que indica violação do artigo 535 do Código de Processo

Civil, mas traz somente alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional,

é defi ciente em sua fundamentação, o que atrai o óbice da Súmula n. 284 do

Supremo Tribunal Federal.

2. Ausente o prequestionamento de dispositivos apontados como violados no

recurso especial, sequer de modo implícito, incide o disposto nas Súmulas n. 211-

STJ e n. 282-STF.

3. A usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, de modo que não

permanecem os ônus que gravavam o imóvel antes da sua declaração.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 647.240-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira

Turma, julgado em 7.2.2013, DJe 18.2.2013).

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ação de usucapião modo

originário de aquisição de propriedade. Extinção da hipoteca sobre o bem

usucapido. Súmula n. 83 desta Corte. Reexame do quadro probatório. Súmula n. 7

do STJ. Divergência não demonstrada. Decisão agravada mantida. Improvimento.

I - Consumada a prescrição aquisitiva, a titularidade do imóvel é concebida

ao possuidor desde o início de sua posse, presentes os efeitos ex tunc da sentença

declaratória, não havendo de prevalecer contra ele eventuais ônus constituídos pelo

anterior proprietário.

II - A Agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a

conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

Incidência da Súmula n. 7 desta Corte.

III - Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.319.516-MG, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,

julgado em 28.9.2010, DJe 13.10.2010).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

492

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.045.258-MA (2008/0071046-8)

Relator: Ministro Marco Buzzi

Recorrente: Antonio Carlos Bringel Machado e outro

Advogado: Carlos Seabra de Carvalho Coelho e outro(s)

Recorrente: Rosa Maria Melo Vasconcelos e outro

Advogado: Edgard Carvalho Sales Neto

Recorrido: Braga Diniz Arquitetura Engenharia Indústria e Comércio

Ltda.

Advogado: Gleyson Gadelha Melo e outro(s)

Interessado: Klima Comércio e Representações Ltda.

Advogado: Luiz Augusto Calmon Nogueira da Gama e outro(s)

EMENTA

Recursos especiais. Ação ordinária de nulidade de registros

imobiliários. Imóvel penhorado e arrematado em execução fi nda,

sem o registro dos respectivos atos. Posterior penhora e arrematação

do mesmo bem em outro processo executivo, com as correlatas

transcrições no assentamento imobiliário. Transmissão a terceiros de

boa-fé. Sentença de procedência mantida pelo Tribunal de origem no

sentido de haver fraude na segunda arrematação. Motivos elencados

pelas instâncias ordinárias inidôneos. Fraude afastada. Prevalência da

segunda penhora e arrematação por estarem devidamente registradas

no cartório imobiliário. Transmissão do bem a terceiros de boa-fé.

Manutenção do negócio jurídico. Recursos especiais parcialmente

providos.

Hipótese em que a ação ordinária é promovida pelo primeiro

arrematante, a fi m de reconhecer a nulidade da segunda arrematação

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 493

e, por conseguinte, a invalidade da transmissão da propriedade a

terceiros.

Sentença de procedência confi rmada pelo Tribunal de origem,

ao fundamento de que a segunda arrematação foi realizada em fraude,

a considerar a discrepância das avaliações e valores de arrematação,

bem como pelo fato de o bem não mais pertencer ao devedor comum,

quando da segunda alienação judicial.

1. Quanto à alegada negativa de prestação jurisdicional, nos casos

em que a arguição é genérica, não se conhece do recurso especial pela

alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Incide, na

hipótese, o óbice da Súmula n. 284-STF.

2. Os motivos elencados pelas instâncias ordinárias para sustentar

a ocorrência de fraude são insubsistentes, razão pela qual esta deve

ser afastada. Como é cediço, a boa-fé se presume, logo a má-fé deve

ser devidamente evidenciada nos autos. Da análise da sentença e do

acórdão impugnado não se encontram circunstâncias que possam

assinalar a má-fé da segunda arrematante ou dos ora recorrentes,

todos co-réus na presente ação.

2.1. Não se pode imputar como irregular a segunda arrematação,

porque o descaso da primeira arrematante em não registrar a penhora,

bem como a sua carta de arrematação possibilitou o processamento de

posterior procedimento executivo sobre o mesmo bem, no qual foram

observadas todas as cautelas registrais.

2.2. Sendo assim, é a segunda arrematante a legítima proprietária

do bem, pois ela procedeu ao registro de sua carta de arrematação

(expedida no dia 5.11.1998), na data de 15.12.1998, enquanto a

primeira arrematante, possuindo semelhante documento desde o dia

30.1.1996, não efetuou o devido registro.

2.3. Portanto, os recorrentes, terceiros adquirentes de boa-fé,

confi antes no registro imobiliário, não podem ser prejudicados por

nulidade, ainda que eventual, ocorrida no anterior título aquisitivo de

propriedade, mormente, quando a cadeia dominial se mostra hígida.

3. Da análise dos autos, forçosa é a conclusão de inexistir fraude,

porquanto os motivos elencados pela Corte precedente para justifi car

a sua ocorrência são inidôneos. Muito pelo contrário, ressai evidente

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

494

que a segunda arrematante não detinha conhecimento sobre a primeira

penhora e a arrematação promovida pela autora da ação, ora recorrida,

porque tais atos não foram averbados na matrícula do imóvel.

4. Caberia à primeira arrematante ter no mínimo inscrito a

penhora no registro imobiliário, a fi m de que terceiros tomassem

ciência da existência do ato constritivo judicial. Ao se descurar de

sua obrigação, a primeira arrematante, em verdade, dispensou a

correspondente proteção legal, dando azo a que outro, legitimamente,

penhorasse e arrematasse o aludido bem.

5. Penhora. Direito de prelação. Inaplicabilidade, ante

a inexistência de concurso especial de credores. Na hipótese em

análise, não se divisa a concomitância de execuções ao tempo da

primeira penhora; mas, sim, a realização da segunda penhora após o

pagamento do preço e do término da primeira ação executiva, razão

pela qual não há como se invocar o direito de prelação para solucionar

a controvérsia dos autos, sobretudo, por não constituir a penhora, de

per si, direito de propriedade sobre a coisa penhorada, mas, apenas,

preferência no recebimento do produto de sua expropriação, quando

verifi cada a existência de execuções concomitantes sobre o mesmo

bem, circunstância ausente na espécie.

6. A arrematação, como dito no art. 694, caput, do Código de

Processo Civil, após a assinatura do auto, será considerada “perfeita,

acabada e irretratável”, contudo a efi cácia destinada pelo referido

dispositivo não pode se sobrepor a lógica posta pelo sistema registral

brasileiro. Ou seja, pela matrícula do bem é que se toma conhecimento

de eventuais gravames incidentes sobre ele e pelo registro do título é

que se opera a transmissão da propriedade. Dar efi cácia erga omnes

a primeira arrematação não registrada desprestígia a confi ança no

registro e a boa-fé daqueles que nele confi am.

6.1. A estabilidade outorgada ao auto de arrematação pela fórmula

“perfeita, acabada e irretratável” não é infensa ao tratamento ordinário

dado aos negócios jurídicos, pois “aperfeiçoada a arrematação, com

a lavratura do auto, resta materializada causa de transferência da

propriedade com todos os direitos que lhe são inerentes, ressalvados

aqueles que dependem, por lei, de forma especial para aquisição.” (REsp

n. 833.036-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

18.11.2010, DJe 28.3.2011)

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 495

7. O registro imobiliário é o meio adequado para a transmissão da

propriedade no sistema jurídico brasileiro. Não obstante a realização

de negócio jurídico subjacente, somente por meio do registro se

alcança a titularidade da propriedade. Assim o é porque o sistema

registral constitui mecanismo de proteção da fé-pública e garantia da

estabilidade do tráfi co jurídico negocial. Precedentes.

7.1. A carta de arrematação é título hábil a promover a alteração

da titularidade do registro imobiliário, nos termos dos arts. 532, III, do

Código Civil de 1916, 167, I, n. 26, da Lei n. 6.015/1973.

7.2. Dormientibus non sucurrit jus. O comportamento descuidado

da primeira arrematante não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário,

pois existindo duas cartas de arrematação sobre o mesmo imóvel, há

de prevalecer aquela em que o exequente foi diligente na busca de seu

direito, em detrimento do comportamento desatendo do outro credor.

7.3. Na hipótese em foco, a efetividade da primeira arrematação

não é afastada em razão de equivoco judiciário ou ato de terceiro, mas

por incúria da própria arrematante que deixou de efetuar o registro da

penhora, bem como da carta de arrematação no cartório imobiliário.

Assim, a prevalência da segunda arrematação não depõe contra a

higidez do sistema, o qual se mostra efi caz na proteção dos direitos

dos credores, desde que sejam observados os regramentos próprios.

8. Ademais, não se pode esquecer que os ora recorrentes, co-

réus na ação ordinária, adquiriram o imóvel da segunda arrematante

confi antes no registro imobiliário, logo são terceiros de boa-fé, pois,

como já dito, a boa-fé se presume e não há nos autos elemento a

evidenciar a má-fé destes.

9. Recursos especiais providos em parte, para julgar improcedente

o pedido contido na exordial, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar parcial provimento aos recursos especiais, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

496

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e

Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 26 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Presidente

Ministro Marco Buzzi, Relator

DJe 10.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de dois recursos especiais, o

primeiro, interposto por Antonio Carlos Bringel Machado e outro, e o segundo, por

Rosa Maria Melo Vasconcelos e outro, ambos fundamentados no art. 105, inciso

III, alíneas a e c, da Constituição Federal, desafi ando acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Na origem, Braga Diniz Arquitetura, Engenharia, Indústria e Comércio

Ltda. promoveu ação ordinária contra Klima Comércio e Representações Ltda.,

Rosa Maria Melo Vasconcelos, José Helder Vasconcelos Filho, Antonio Carlos Bringel

Machado e Sebastião Porfírio da Silva, tendo por desiderato anular a arrematação

e, por conseguinte, todos os demais atos subsequentes a ela, ao fundamento de

que também arrematou o bem em litigio em hasta pública, inclusive em data

anterior ao procedimento expropriatório impugnado.

Narra na exordial que procedeu à execução de sentença contra Ozimar

Almeida Machado, sendo penhorado o imóvel da propriedade deste em 23.1.1992.

Frustrada a primeira praça, por ausência de interessados, o bem foi arrematado

por ela - autora da ação -, em segunda hasta, no dia 30.1.1996, sendo imitida

na posse do imóvel em 13.3.1996. Permanecendo lacradas as portas do bem, a

autora expõe ter sido surpreendida pela ocupação do imóvel por um grupo de

profi ssionais liberais, os quais alegam ser proprietários, em razão de contrato de

compra e venda celebrado com a empresa Klima Comércio e Representações Ltda.,

em 26.5.1999, que, por sua vez, sustenta ter adquirido a propriedade do bem em

arrematação datada de 5.11.1998, em sede de execução forçada proposta contra

Ozimar Almeida Machado.

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RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 497

Nesse passo, defende a nulidade da segunda arrematação, bem como dos

demais atos posteriores a ela, porquanto, ao tempo da segunda alienação judicial,

o bem já não mais pertencia a Ozimar Almeida Machado, mas, sim, à Braga

Diniz Arquitetura, Engenharia, Indústria e Comércio Ltda. - autora da ação.

A sentença de primeiro grau acolheu o pedido e declarou inválida a

segunda arrematação e, por conseguinte, a compra e venda realizada entre

os co-réus, ao fundamento de que o imóvel jamais poderia ter sido alienado

judicialmente pela segunda vez, já que era, na data da segunda arrematação, de

propriedade da autora da ação.

Irresignados, os réus apelaram para o Tribunal de Justiça do Estado do

Maranhão, que manteve a sentença, nos termos da seguinte ementa (fl s. 461-

462, e-STJ):

Processual Civil. Carência de ação. Inexistência. Presença das condições da

ação. Acolhimento por fundamento diverso. Julgamento extra petita. Inocorrência.

Bem arrematado por duas vezes. Inexistência de registro da primeira arrematação.

Boa-fé do primeiro arrematante. Fraude em relação a segunda arrematação.

Recursos não providos.

I - Não há carência de ação quando presentes todas as condições necessárias

ao desenvolvimento válido do processo.

II - Não há que se falar em julgamento extra petita quando o juiz, adstrito às

circunstâncias fáticas trazidas aos autos e ao pedido deduzido na inicial, aplica o

direito ‘com fundamentos diversos daqueles apresentados pelo autor.

III - Tendo o bem sido novamente arrematado em segunda execução, é de

se constatar a fraude, não sendo sufi ciente o fato de não ter havido registro da

primeira arrematação para descaracterizar sua legalidade, sobretudo diante da

evidente boa-fé do primeiro arrematante - circunstância dos autos.

IV - Recursos não providos.

Opostos aclaratórios (fl s. 473-485; 488-499, e-STJ), restaram rejeitados

(fl s. 502-511, e-STJ).

Daí os presentes recursos especiais.

Antonio Carlos Bringel Machado e outro, nas razões de seu apelo nobre,

apontam ofensa aos arts. 531, 532, II, do Código Civil de 1916, 458, II, 535, II,

659, § 4º do Estatuto Processual Civil, além de dissídio jurisprudencial.

Aduzem negativa de prestação jurisdicional.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

498

Sustentam ter a recorrida inobservado o dever de registro da arrematação

no Cartório de Registro de Imóveis, razão pela qual a segunda arrematação

merece prevalecer.

Afi rmam inexistir fraude à execução, pois a empresa Klima Comércio e

Representações Ltda. não tinha conhecimento da anterior demanda promovida

pela recorrida contra o antigo proprietário do bem - Ozimar Almeida Machado.

Argumentam que, na data da segunda arrematação, o imóvel não era

registrado no nome da recorrida, mas, sim, do executado, logo não há se falar

em fraude por parte da empresa Klima Comércio Representações Ltda. - segunda

arrematante do bem.

Declaram ser adquirentes de boa-fé, razão pela qual devem ser declarados

como legítimos proprietários.

Apontam que o valor de aquisição do imóvel é regular, sendo a descrição

do imóvel no edital de praça igual a realizada na matrícula do bem datada de

27.1.1981, circunstância que revela o abandono do bem pela recorrida, após a

arrematação.

Rosa Maria Melo Vasconcelos e outro, além de dissenso pretoriano, alegam

violação dos arts. 531, 532, II, do Código Civil de 1916, 458, II, 535, II, 659, §

4º do Estatuto Processual Civil.

Agitam carência de manifestação judicial.

Mencionam que, nos autos, “jamais foi alegado que os Recorrentes e os

co-réus tinham, pelo menos, conhecimento da existência da demanda proposta

pela Recorrida, [com efeito] a matéria sequer foi objeto de prova. Ao contrário,

a própria exordial confessa que a penhora e a arrematação da Recorrida nunca

haviam sido levadas a registro na matrícula do imóvel, apesar de praticadas antes

da penhora e arrematação - devidamente registradas - por Klima Comércio e

[posterior] venda (também registrada) aos demais requeridos [ora recorrentes].”

(fl . 541, e-STJ)

Proclamam não ter conhecimento prévio da demanda instaurada entre

o proprietário original do imóvel - Ozimar Almeida Machado - e a recorrida,

circunstância que deveria ser provada por esta, mas não o foi.

Declaram que, “ao contrário do que [fora] dito no v. acórdão, não se

presta à comprovação da má-fé ou da ciência prévia dos adquirentes eventual

divergência entre as duas avaliações judiciais do mesmo bem, levadas a cabo em

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 499

processos distintos, que corriam perante Varas Cíveis diferentes, e ocorridos em

épocas diversas.” (fl . 544, e-STJ).

Sustentam equívoco na comparação dos editais, pois o “Edital de Praça

(datado de 21.10.1998), em que está contida a avaliação do imóvel (de 2.9.1998)

simplesmente transcreve a descrição datada de 21.7.1981, presente na averbação

n. 1 do imóvel, conforme se verifi ca da Certidão de fl s. 54. Ou seja, apesar de

ser posterior ao mandado de imissão (datado de 21.5.1997, fl . 33), o Edital

em questão descreve o estado do imóvel como ele era há 16 (dezesseis) anos

antes da própria imissão de posse. Basta confrontar do dois textos do Edital

e da Averbação: as palavras são as mesmas, a ordem da descrição materiais

encontradas idem. Até mesmo a expressão ‘todo acabamento com material de

primeira’ é comum ao textos.” (fl . 546, e-STJ)

Mencionam o comportamento desidioso da recorrida, haja vista o não

registro da penhora e da arrematação na matrícula do imóvel. Expressam,

assim, ter a empresa Klima agido de boa-fé, já que penhorou e registrou o bem,

procedendo aos competentes registros, sem ter conhecimento da lide travada

entre a recorrida e o proprietário original.

Contrarrazões às fls. 599-610; 611-622, e-STJ; e, após decisão de

admissibilidade do recurso especial, os autos ascenderam a esta egrégia Corte

de Justiça.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do

inconformismo (fl s. 638-644, e-STJ).

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): 1. Tendo em vista a identidade

de alegações entre os dois recursos especiais, passo a análise conjunta das teses

expostas em suas razões.

2. Inicialmente, quanto à alegada negativa de prestação jurisdicional,

nos casos em que a arguição é genérica, não se conhece do recurso especial

pela alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Incide, na

hipótese, o óbice da Súmula n. 284-STF, assim redigida: “É inadmissível o recurso

extraordinário, quando a defi ciência na sua fundamentação não permitir a exata

compreensão da controvérsia”. Dentre os vários precedentes a respeito, destaca-

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500

se: REsp n. 870.626-RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de

26.3.2007.

Na verdade os recorrentes limitaram-se a transcrever as razões dos

embargos de declaração, bem como os fundamentos do aresto que os apreciou.

Tal medida é insufi ciente para demonstrar a suposta violação ao art. 535 do

Código de Processo Civil, já que o recurso especial é meio impugnativo técnico,

onde as questões suscitadas devem ser expostas de forma clara e congruente,

requisito não atendido na espécie.

3. No mérito, busca-se afastar a existência de fraude e ver reconhecida a

validade da transferência imobiliária efetuada em favor dos recorrentes, em razão

de contrato de compra e venda celebrado com a segunda arrematante do imóvel,

alegando-se, para tanto, a inexistência de registro da primeira arrematação,

ao passo que a segunda arrematação sobre o mesmo bem foi devidamente

registrada no competente cartório de registro de imóveis.

Os motivos elencados pelas instâncias ordinárias para sustentar a ocorrência

de fraude são insubsistentes, razão pela qual esta deve ser afastada. Como é

cediço, a boa-fé se presume, logo a má-fé deve ser devidamente evidenciada

nos autos. Da análise da sentença e do acórdão impugnado não se encontram

circunstâncias que possam assinalar a má-fé da segunda arrematante ou dos ora

recorrentes, todos co-réus na presente ação.

Não se pode reputar como irregular a segunda arrematação, porque o

descaso da primeira arrematante, consubstanciado na inobservância de

formalidade indispensável para a efetividade do ato, ao não registrar a penhora,

bem como a sua carta de arrematação possibilitou o processamento de posterior

procedimento executivo sobre o mesmo bem, no qual fora observada todas as

cautelas registrais.

Sendo assim, não restando inquinada a validade do ato cometido pela

segunda arrematante, é ela a legítima proprietária do bem, pois ela procedeu

ao registro de sua carta de arrematação (expedida no dia 5.11.1998) na data

de 15.12.1998 (fl . 165, e-STJ), enquanto a primeira arrematante, possuindo

semelhante documento desde o dia 30.1.1996 (fl . 43, e-STJ), não efetuou o

devido registro, de sorte a validar o ato expropriatório e legitimar a titularidade

do bem arrematado.

O sistema registral brasileiro é baseado, por evidente, na literalidade

material dos atos, cuja higidez objetiva dessa forma constituir e tutelar as

práticas cometidas segundo as suas fórmulas, ciência, segurança, efi ciência,

higidez e efi cácia erga omnes.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 501

Portanto, os recorrentes, terceiros adquirentes de boa-fé, confi antes no

registro imobiliário, não podem ser prejudicados por eventual nulidade ocorrida

no anterior título aquisitivo de propriedade, sobretudo, quando a cadeia dominial

se mostra hígida.

4. Primeiramente, mostra-se necessário delimitar certos aspectos da

controvérsia, para, então, identifi car o direito aplicável à hipótese em apreço.

Originariamente, Braga Diniz Arquitetura, Engenharia, Indústria e

Comércio Ltda. ajuizou ação executiva contra Ozimar Almeida Machado, que foi

distribuída à 4ª Vara Cível da Comarca de São Luís. Recaindo a penhora sobre

imóvel do devedor em 24.1.1992, após a realização da segunda praça, o bem

foi arrematado pela referida exequente no dia 29.1.1996 (fl s. 43-44, e-STJ) e

expedida a competente carta de arrematação em 30.1.1996. Assinale-se que a

aludida penhora e o mencionado auto de arrematação não foram registrados na

matrícula do imóvel pela exequente/arrematante.

Posteriormente (em 29.4.1997), Klima Comércio e Representações Ltda.

também promoveu execução contra Ozimar Almeida Machado, sendo distribuída

à 1ª Vara Cível da Comarca de São Luís. O mesmo imóvel, sobre o qual

recaiu os referidos atos executivos na ação promovida por Braga Diniz, restou,

nesta execução, penhorado em 3.6.1997 e arrematado pela exequente - Klima

Comércio e Representações Ltda. - no dia 5.11.1998. Anote-se ter a segunda

arrematante procedido ao registro de sua carta de arrematação no cartório de

registro de imóveis, ressaltando-se, ainda, que nos assentamentos registrais do

referido bem consta apenas a averbação da segunda penhora data de 18.8.1997

(fl s. 184-185, e-STJ).

Aponte-se, ainda, que o imóvel em litígio foi alienado por Klima Comércio

e Representações Ltda., segunda arrematante do bem, para Rosa Maria Melo

Vasconcelos, José Helder Vasconcelos Filho, Antonio Carlos Bringel Machado e

Sebastião Porfírio da Silva, co-réus na presente ação, mediante contrato de

compra e venda, que deu azo à lavratura de escritura pública de compra e venda,

a qual foi devidamente registrada no competente cartório de registro de imóveis,

constando, atualmente, no registro imobiliário os referidos compradores como

proprietários do bem (fl s. 184-185, e-STJ).

A par destas circunstâncias, o Tribunal de origem, chancelando a sentença

de primeiro grau, entendeu nula a segunda arrematação e, por conseguinte, a

alienação do bem aos co-réus, ora recorrentes, alegando a existência de fraude

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por parte da segunda arrematante - Klima Comércio e Representações Ltda. -, bem

como a inexistência de propriedade a ser transmitida.

Todavia, afi guram-se insubsistentes os fundamentos adotados pela Corte

local para sustentar o seu convencimento.

5. Não se vislumbra a ocorrência de fraude pelo simples fato de o bem, no

segundo processo executivo, ter sido avaliado em valor menor (R$ 80.000,00) do

que aquele obtido na primeira avaliação (R$ 180.000,00), sendo certo que, entre

a expedição do primeiro laudo avaliativo, que lastreou a primeira arrematação, e

o segundo, que embasou a segunda arrematação, se passaram quase 3 (três) anos

(fl s. 101-105; 30-31, e-STJ).

Na verdade, a diferença entre os valores constantes nos laudos de avaliação

confeccionados em tempo e em processos distintos, por si só, não evidencia

a caracterização de fraude, que pressupõe a ciência, por parte do segundo

arrematante e dos posteriores adquirentes, de que o imóvel fora anteriormente

alienado a outrem, circunstância que refletiria, em tese, comportamento

deliberado a prejudicar o primeiro arrematante. De acordo com a moldura fática

delineada pelas instâncias ordinárias, não há, em absoluto, qualquer elemento

que aponte para essa conclusão.

Assim, o fundamento principal utilizado pelo Tribunal de origem,

consistente, segundo seu entendimento, na existência de substancial diferença

entre os valores pelos quais o bem foi, em duas oportunidades, arrematado, não

se afi gura, por si só, idôneo a provar a ocorrência de fraude.

Nessa linha intelectiva, a diferença entre os preços pagos na primeira (R$

114.741,00) e na segunda (R$ 65.000,00) execução, também, não é justifi cativa

sufi ciente para se reconhecer fraude, já que estes guardam correspondência com

os respectivos valores de avaliação (R$ 180.000,00 para a 1ª e R$ 80.000,00

para a 2ª), não se divisando, portanto, qualquer indicativo de ardil ou de engodo,

ou sequer a mera ocorrência de preço vil.

No ponto, não é demasiado anotar que ambas as avaliações foram efetuadas

por avaliador judicial, dos respectivos juízos, razão pela qual qualquer vício na

expedição do segundo laudo não pode ser imputada à segunda arrematante -

Klima Comércio e Representações Ltda. -, já que esta não interveio para a formação

do preço, sendo a conclusão sobre o valor do bem de exclusiva responsabilidade

do serventuário da justiça e, portanto, do próprio aparelho judicial. Desse modo,

ainda que houvesse erro sobre o preço do imóvel, tal circunstância não pode recair

sobre a segunda arrematante, sob pena de se transverter a responsabilidade do

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 503

autor do ato para terceiro não interveniente na cadeia causal. Não se olvide que o

valor da avaliação pode sofrer impugnação por qualquer das partes da execução,

entretanto no caso em apreço não houveram objeções, sequer do próprio juízo.

Ademais, não se pode conceber que a ocupação do imóvel pela segunda

arrematante e, posteriormente, pelos demais co-réus, ora recorrentes, tenha

se dado de forma clandestina, como indicado no aresto hostilizado, pois

houve carta de arrematação, expedida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível

da Comarca de São Luís, a justifi car o ingresso destes no imóvel, o qual se

encontrava lacrado, como confessado pela recorrida (fl . 8, e-STJ). Desta forma, a

suposta clandestinidade apontada pela instância ordinária, com fi m de justifi car

a ocorrência de fraude, mostra-se insubsistente, sendo tal fundamento inidôneo

para inquinar a segunda arrematação e o ingresso no imóvel que se dera sob o

pálio do Poder Judiciário.

Forçosa, portanto, é a conclusão de inexistir fraude, porquanto os motivos

elencados pela Corte originária para justifi car a sua ocorrência são inidôneos.

Muito pelo contrário, ressai evidente que a segunda arrematante - Klima

Comércio e Representações Ltda. não detinha conhecimento sobre a primeira

penhora e a arrematação promovida pela autora da ação, ora recorrida, - Braga

Diniz Arquitetura, Engenharia, Indústria e Comércio Ltda., sobretudo, por não

terem sido averbados tais atos na matrícula do imóvel.

Como é cediço, a boa-fé se presume, logo a má-fé deve ser devidamente

demonstrada nos autos. Da análise da sentença e do acórdão impugnado não se

denota circunstâncias que possam assinalar a má-fé da segunda arrematante ou

dos ora recorrentes, senão aquelas já rechaçadas por serem inidôneas a justifi car

a fraude apontada.

Efetivamente, não se identifi ca, seja por parte dos insurgentes, seja em relação

à recorrida, a existência de má-fé ou comportamento doloso destinado a prejudicar

a quem quer que seja. Ao contrário. Ambos os litigantes, cada qual em sua ação,

levaram a cabo os atos constritivos e de alienação. A primeira exequente, ao

fi nal, deixou de se acautelar quanto a terceiros, ao não efetuar o registro de sua

penhora e, posteriormente, de sua carta de arrematação. A segunda exequente,

por sua vez, sem ter conhecimento de anterior penhora e arrematação que

recaíra sobre o mesmo bem, efetuou os correspondentes registros, transferindo-o

a terceiros, também de boa-fé.

Assim, a solução da controvérsia perpassa pelo enfrentamento do direito

de prelação, da efi cácia das arrematações, do modo aquisitivo da propriedade de

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bem imóvel e da proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, tendo como norte

a segurança jurídica inerente ao sistema registral e própria das alienações feitas

sob o pálio do Poder Judiciário.

6. Se um bem chegou a ser arrematado é porque este, em momento anterior,

foi penhorado, pois, dentro do processo executivo, a penhora é antecedente

lógico da arrematação. A par disso, verifi ca-se que o exequente tem o dever de

providenciar a averbação da penhora no registro imobiliário, para que se opere a

presunção absoluta de conhecimento por parte da coletividade.

Veja-se, o parágrafo 4º do art. 659 do Código de Processo Civil:

§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de

penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação

do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de

conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário,

mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente

de mandado judicial. (Redação dada pela Lei n. 11.382, de 2006).

Confi ra-se a redação do referido dispositivo ao tempo dos fatos:

§ 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de

penhora, e inscrição no respectivo registro. (Incluído pela Lei n. 8.953, de

13.12.1994).

Uma vez registrada a penhora, posterior alienação judicial do bem

promovida por outro credor que não seja o registrante não tem o condão de

elidir a penhora já inscrita, mas, sim, declarar inefi caz a arrematação em relação

ao direito do credor que primeiro penhorou o imóvel.

Vejam-se os seguintes precedentes deste Tribunal Superior:

Execução. Arrematação. Existência de penhora anterior, realizada em outro

processo e registrada anteriormente à penhora de que se originou a arrematação.

Cancelamento da penhora anterior, indeferimento, dada a inefi cácia relativamente

ao credor-penhorante, que não intimado para a hasta pública em que ocorreu a

arrematação. Recurso especial improvido.

1. - A averbação da penhora registrada com anterioridade não se cancela no

caso de arrematação cuja hasta pública tenha se realizado sem intimação do

anterior credor-penhorante;

2. - Ineficácia da arrematação relativamente ao credor-penhorante com

penhora anteriormente inscrita não intimado para a hasta pública em que

adquirida a propriedade pelo arrematante.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 505

3. - Possibilidade de opção, pelo credor-penhorante não intimado, pela

preferência no recebimento do crédito, em concurso de preferências, ou pelo

novo praceamento do bem em hasta pública que providencie, conquanto

transcrito o bem em nome do arrematante, dada a ineficácia da aquisição

relativamente ao aludido credor-penhorante, com penhora anterior averbada no

Registro de Imóveis.

4. - Recurso Especial, que visou ao cancelamento da averbação da penhora,

improvido. (REsp n. 1.122.533-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,

julgado em 15.5.2012, DJe 11.6.2012).

Recurso especial (CF, art. 105, III, c). Processual Civil. Execução. Concurso de

credores. Marco temporal do direito de preferência de credor. Anterioridade

da penhora ou do registro (averbação) do ato constritivo. Direito de prelação

decorrente da mera formalização da penhora no processo. Relevância do registro

para fi m diverso.

1. Havendo pluralidade de credores com penhora sobre o mesmo imóvel, o

direito de preferência se estabelece pela anterioridade da penhora, conforme os

arts. 612, 613, 711 e 712 do CPC, que expressamente referem à penhora como o

“título de preferência” do credor.

2. A precedência da data da averbação da penhora no registro imobiliário,

nos termos da regra do art. 659, § 4º, do CPC, tem relevância para efeito de dar

publicidade ao ato de constrição, gerando presunção absoluta de conhecimento por

terceiros, prevenindo fraudes, mas não constitui marco temporal defi nidor do direito

de prelação entre credores.

3. Nos termos do art. 664 do CPC, “considerar-se-á feita a penhora mediante

a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências

forem concluídas no mesmo dia”. Assim, o registro ou a averbação não são atos

constitutivos da penhora, que se formaliza mediante a lavratura do respectivo

auto ou termo no processo. Não há exigência de averbação imobiliária ou

referência legal a tal registro da penhora como condição para defi nição do direito

de preferência, o qual dispensa essas formalidades.

4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 1.209.807-MS, Rel. Ministro

Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15.12.2011, DJe 15.2.2012) (grifo deste

subscritor).

Entretanto, na hipótese em apreço, a primeira arrematação não foi

precedida do registro da penhora no competente cartório de imóveis, muito

menos a própria carta de arrematação, razão pela qual o segundo arrematante,

o qual procedeu à inscrição de sua penhora no registro imobiliário, arrematou

o bem sem o conhecimento da existência de anterior alienação judicial sobre o

mesmo imóvel.

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Caberia à primeira arrematante ter no mínimo inscrito a penhora no

registro imobiliário, a fi m de que terceiros tomassem ciência da existência do

ato constritivo judicial. Ao se descurar de sua obrigação, a primeira arrematante,

em verdade, dispensou a correspondente proteção legal, dando azo a que outro,

legitimamente, penhorasse e arrematasse o aludido bem.

À vista disso, não se pode imputar como irregular a segunda arrematação,

porque o descaso da primeira arrematante em não registrar a penhora, bem

como a sua carta de arrematação possibilitou o processamento de posterior

procedimento executivo sobre o mesmo bem, no qual fora observada todas as

cautelas registrais.

7. Não se desconhece o direito de prelação conferido ao credor que primeiro

penhorar o bem a ser executado. Contudo, tal instituto não se aplica à hipótese

em foco, por não se tratar de concurso especial ou particular de credores.

O certame especial estabelece-se quando diversos credores pretendem,

cada um para si, o objeto da expropriação judicial - o preço - e se encontra

disciplinado nos arts. 612, 613, 709, II, 711, 712 e 713 do Código de Processo

Civil, não se confundindo com o concurso universal, quando constatada a

insolvência civil do devedor - arts. 748 e seguintes do Estatuto Processual

Civil. Naquele (especial), os credores que detenham título legal de preferência/

privilégio (v.g. hipoteca, anticrese etc) sobre o bem alienado judicialmente ou

possuam prioridade pela anterioridade da penhora discutirão a primazia sobre

o produto da alienação judicial. Já no concurso universal, diversamente, todos

os credores do devedor, seja a qual título for, pleitearão a satisfação de seus

créditos pelo rateio da venda dos bens do devedor, respeitada a ordem legal de

preferência.

Desse modo, sendo o devedor solvente e existindo pluralidade de credores

objetivando o produto da expropriação judicial de certo bem, deve ser instaurado

o concurso especial de credores, a fi m de se estabelecer o direito de prelação sobre o

preço obtido pela venda da coisa, que se verifi cará em razão da primazia entre as

penhoras, caso não se verifi que a existência de título de privilégio ou preferência.

Isto é, será instalado incidente processual no bojo da execução, tendo em vista a

pluralidade de exequentes concorrentes entre si por melhor posição na ordem de

recebimento do preço.

Sobre o tema, elucidativo é o escólio de Cândido Rangel Dinamarco:

Se antes da entrega do dinheiro ao exeqüente algum credor se apresentar

no processo executivo com a pretensão a recebê-lo, entre eles instaurar-

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RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 507

se-á um concurso de preferência destinado a fazer prevalecer o crédito que

gozar de prelação entre os demais. Esse é um incidente do processo executivo,

não um processo novo e autônomo; cada um dos terceiros que comparecem com

suas pretensões à preferência é um interveniente e, para os fins limitados dessa

intervenção, torna-se parte no processo pendente e não autor de um processo novo

[...]. A instauração desse incidente do processo executivo tem o efeito de impedir

que a entrega seja feita a quem quer que seja até quando for proferida a decisão

a respeito [...].

Essa paralização não chega ao ponto de ser uma prestação do processo,

sequer imprópria. O que se deixa de realizar é somente a entrega do dinheiro

disputado, sem embargo de poder o procedimento executivo prosseguir, inclusive

para que seja entregue outra importância que eventualmente exista; isso poderá

ocorrer se houver sido penhorado um outro bem, distinto daquele em relação ao

qual um terceiro estiver no processo afi rmando sua preferência [...].

O concurso de preferência não se instaura de-ofício mas só por iniciativa do credor

ou credores que intervierem com pretensão a receber (“concorrendo vários credores

(...)” - art.. 711). Diferentemente do processo de insolvência civil (art. 748 ss. -

infra, nn, 1.863 ss), esse concurso versa exclusivamente as bens penhorados no

processo em que se instaura e envolve apenas o exeqüente e os credores que se

apresentarem voluntariamente, não se convocando os demais possíveis credores

do executado nem se arrecadando todo o patrimônio do executado.

Não se trata de discutir ou decidir sobre a existência de crédito dessas pessoas,

nem o seu valor, mas exclusivamente de defi nir “a preferência e a anterioridade

da penhora” (art. 712, parte final); [...]. O concurso de preferências pode ser

instaurado em duas situações bem tipifi cadas no Código de Processo Civil, a

saber: a) em caso de duplicidade ou pluralidade de penhoras sobre o bem cujo

produto pecuniário então se disputará e (b) se for alegada a preexistência de

“título legal à preferência” (arts. 613, 709, inc. II e 711),

Comparecendo um credor com direito real de garantia sobre o bem expropriado,

sua é a preferência e ele receberá em primeiro lugar, cabendo ao exeqüente e outros

eventuais credores quirografários somente as sobras que houver; a anterioridade

da penhora não prejudica as garantias reais constituídas antes. Entre credores

quirografários, prevalece o crédito daquele que houver obtido a penhora em primeiro

lugar - ainda que não se trate do credor que fi gure como exeqüente no processo em

que houve sido instaurado o incide. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de

direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, v. IV, p. 588-590) (grifo

deste subscritor)

Sendo assim, o concurso especial de credores, incidente instaurado em

processo executivo que não chegou ao seu f im, tendo em vista a pendência do

pagamento ao credor exequente, requer a pluralidade de execuções, todas estas

objetivando, ao mesmo tempo, a solvibilidade dos créditos excutidos pelo produto

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oriundo da expropriação judicial promovida pelo credor exequente. Assim o é

porque o certame especial de credores justifi ca-se pela existência de concorrência

sobre o preço. Caso não se verifi que a disputa pelo produto da alienação judicial,

a razão de ser do concurso especial não se mostra presente. E mais, havendo

pagamento integral do preço ao credor promovente da alienação judicial, não há

se falar no concurso especial, já que, nesta última medida, o processo executivo

já teria se fi ndado, não se justifi cando, portanto, a instauração do incidente

processual.

A respeito, veja-se a lição de Cledi de Fátima Manica Moscon:

Para que se estabeleça o concurso especial de preferências, é preciso que existam

execuções pendentes. A prioridade da execução com a penhora pioneira fi xa a

competência do juízo, ante o qual correrá o incidente de preferência na execução

contra o devedor solvente, mesmo que a preferência posta em causa diga

respeito não à ordem das penhoras, mas ao direito preferencial do crédito em si.

(MOSCON, Cledi de Fátima Manica. Direitos de preferência e privilégios no concurso

particular de credores na execução. In:Revista de processo,v. 31, n. 131, jan. 2006, p.

131) (grifo deste subscritor)

Igualmente, com a percuciência que lhe é peculiar, o estudo de Cassio

Scapinella Bueno:

O entendimento majoritário é no sentido de que, para concorrer ao concurso

singular, é mister que os credores tenham já em curso suas respectivas execuções

nas quais o bem alienado tenha sido penhorado. É insuficiente que o executado

seja simultaneamente devedor de mais de um credor, sem que haja uma execução

já em curso. Para os fi ns do concurso de que trata o art. 711, é indispensável que os

diversos credores tenham suas execuções em curso e que um mesmo bem tenha

sido penhorado. Tratando-se de bens diversos, embora de propriedade do

mesmo devedor, não tem aplicação o incidente em análise. Não se trata, aqui,

de concurso coletivo, a exemplo do que ocorre na falência (Lei n. 11.101/2005) e

na insolvência civil (art. 751). (BUENO, Cassio Scaprinella. Curso sistematizado de

direito processual civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 343-344)

Ademais, a ratio essendi dos arts. 612, 613, 709, II, 711, 712 e 713 do

Código de Processo Civil é de premiar o credor predecessor na realização da

penhora em detrimento daqueles outros que não demonstraram o mesmo afi nco

na consecução de seus direitos. Nesse passo, a exegese a ser extraída dos aludidos

dispositivos é no sentido de se permitir a preferência sobre os bens penhorados,

ou melhor, sobre o produto da expropriação, uma vez que a simples penhora

do bem não confere a propriedade ao exequente sobre a coisa penhorada, mas,

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RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 509

apenas, marcará/reservará, em garantia, aquele bem para posterior expropriação

judicial, a qual, se levada a efeito, satisfará o crédito perseguido em juízo.

Resta, portanto, evidenciada a impertinência da aplicação do direito de

prelação ao caso vertente, porque, ao tempo da primeira execução que culminou

com a primeva penhora - 23.1.1992 - e arrematação - 30.1.1996 -, ainda não

havia sido instaurada a segunda execução - 29.4.1997 -, que gerou a segunda

penhora - 3.6.1997, a qual fora realizada muito depois do encerramento do

primeiro processo executivo - 21.5.1996.

Na hipótese em análise, não se divisa a concomitância de execuções ao

tempo da primeira penhora. A realização da penhora no segundo processo

executivo deu-se após o pagamento do preço e do término da primeira ação

executiva, razão pela qual não há como se invocar o direito de prelação para

solucionar a controvérsia dos autos, sobretudo por não constituir a penhora, de

per si, direito de propriedade sobre a coisa penhorada, mas, apenas, preferência

no recebimento do produto de sua expropriação, quando verifi cada a existência

de execuções concomitantes sobre o mesmo bem, circunstância ausente na

espécie.

Assinale-se o entendimento pacifi co nesta Corte Superior sobre o direito

de prelação conferido ao primeiro exequente que promoveu a penhora. Vejam-

se: REsp n. 1.209.807-MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado

em 15.12.2011, DJe 15.2.2012; REsp n. 829.980-SP, Rel. Ministro Sidnei

Beneti, Terceira Turma, julgado em 1º.6.2010, DJe 18.6.2010; REsp n. 976.522-

SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2.2.2010, DJe

25.2.2010; AgRg nos EDcl no REsp n. 775.723-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti,

Terceira Turma, julgado em 20.5.2010, DJe 9.6.2010.

Todavia, do inteiro teor dos julgados deste Tribunal Superior, não se verifi ca

a existência da aplicação do direito de prelação quando já fi nda a execução, mas

sempre enquando pendente o pagamento do preço da expropriação judicial.

Reitere-se, portanto, a inaplicabilidade do direito de prelação à hipótese

em foco, tendo em vista o encerramento do primeiro processo executivo, em

que houve o pagamento do preço, antes mesmo do ajuizamento da segunda

ação executiva, sobretudo por não ser o referido instituto capaz de conferir

direito de propriedade ao exequente promovedor da penhora, mas, tão somente,

preferência sobre o preço da expropriação judicial, quando ocorrente o concurso

especial de credores.

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8. Anote-se, ainda, que a primeira arrematação não pode subsistir em

prejuízo da segunda, haja vista a ausência de sólido fundamento jurídico apto a

embasar tal posicionamento. A referida ordem de prevalência só se justifi caria

pela aplicação equivocada do direito de prelação ou pela concessão de efi cácia

erga omnes à arrematação sem registro. Prevalecendo esta perspectiva, o sistema

executivo encontrar-se-ia subvertido, porquanto o adquirente do imóvel

praceado passará a exigir do Poder Judiciário ou do próprio exequente a dura

tarefa de instruir o edital de praça com certidões negativas de todas as comarcas

do País informando a inexistência de anterior penhora ou arrematação do bem

que está sendo levado a hasta pública. Se assim não proceder, o arrematante

poderá ser privado da coisa adquirida em procedimento judicial, tendo em vista

a ocorrência de anterior penhora ou arrematação não registradas, mesmo que

tenham ocorridas em processos executivos fi ndos, não competindo ao Estado

promover os atos de inscrição e traslativos de propriedade.

Nesta medida, a força coercitiva do Poder Judiciário não gozará mais

de prestígio perante a sociedade, já que o adquirente de imóvel alienado

judicialmente, ante o infactível cumprimento da aludida exigência, poderá

perder a propriedade do bem, tendo em vista a existência de anterior penhora

ou arrematação não registrada. Por isso, não se mostra correta a prevalência da

primeira arrematação sobre a segunda, como na hipótese dos autos.

A arrematação, como dito no art. 694, caput, do Código de Processo Civil,

após a assinatura do auto, será considerada “perfeita, acabada e irretratável”,

contudo a efi cácia destinada pelo referido dispositivo não pode se sobrepor a

lógica posta pelo sistema registral brasileiro. Ou seja, pela matrícula do bem é

que se toma conhecimento de eventuais gravames incidentes sobre ele e pelo

registro do título é que se opera a transmissão da propriedade. Dar efi cácia

erga omnes a primeira arrematação ou a penhora não registrada desprestígia a

confi ança no registro e a boa-fé daqueles que nele confi am.

A estabilidade outorgada ao auto de arrematação pela fórmula “perfeita,

acabada e irretratável” não é infensa ao tratamento ordinário dado aos negócios

jurídicos, pois “aperfeiçoada a arrematação, com a lavratura do auto, resta

materializada causa de transferência da propriedade com todos os direitos que

lhe são inerentes, ressalvados aqueles que dependem, por lei, de forma especial para

aquisição.” (REsp n. 833.036-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma,

julgado em 18.11.2010, DJe 28.3.2011).

A expressão “perfeita, acabada e irretratável” destina-se a dar estabilidade

ao negócio jurídico intermediado pelo Poder Judiciário, evitando a sua

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desconstituição por eventuais vícios/falhas em seu trâmite ou, até mesmo,

arrependimento por algumas das partes. Assim, a referida fórmula não confere

eficácia erga omnes ao auto de arrematação, mas dá segurança jurídica e

idoneidade ao negócio jurídico realizado por meio de intervenção judicial.

A propósito, pertinente são os comentários de Arruda Alvim, Araken de

Assis e Eduardo Arruda Alvim:

Conforme estabelece o art. 694, caput, assinado o auto de arrematação, o

negócio se considera perfeito, acabado e irretratável. “Perfeita” a arrematação

porque obtido consenso quando os termos do negócio, tendo o juiz aceito o

lanço (art. 692, caput); “acabada”, porque ultimado o procedimento licitatório,

antes disto sujeito a alterações (p. ex., remição pelo executado, art. 651); e,

fi nalmente, “irretratável”, porque o arrematante (salvo perante embargos, art. 746,

§ 1º) não pode mais, efi cazmente, arrepender-se. (ARRUDA ALVIM; AREKEN DE

ASSIS; EDUARDO ARRUDA ALVIM. Comentários ao código de processo civil. 1ªed.

Rio de Janeiro: GZ, 2012, p. 1.126).

Convém rememorar que o registro da penhora não é requisito para se

estabelecer o direito de prelação, conforme orienta a jurisprudência e a doutrina,

contudo é elemento essencial para se opor a penhora contra terceiros. No caso

em testilha, não há como afastar a condição de terceiro do segundo arrematante,

já que em nenhum momento fez parte da relação jurídica de direito material ou

processual travada entre o primeiro arrematante e o devedor comum.

Importa salientar, ainda, ser o registro imobiliário o meio adequado para

a transmissão da propriedade no sistema jurídico brasileiro. Não obstante a

realização de negócio jurídico subjacente, somente por meio do registro se

alcança a titularidade da propriedade. A título ilustrativo, a compra e venda de

imóvel entre particulares, levada a efeito por escritura pública, por si só, não tem

o condão de transferir a propriedade ao adquirente, em que pese a indiscutível fé

pública do título lavrado em cartório, afi gurando-se imprescindível, para tanto, a

sua transcrição no registro de imóveis.

Assim o é porque o sistema registral constitui mecanismo de proteção

da fé-pública e garantia da estabilidade do tráfi co jurídico negocial. Este tem

sido o entendimento reiterado da jurisprudência desta Corte Superior: REsp

n. 254.875-SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em

5.8.2004, DJ 30.8.2004, p. 289; RO n. 10-DF, Rel. Ministro Castro Filho,

Terceira Turma, julgado em 3.6.2003, DJ 25.8.2003, p. 294; REsp n. 2.250-

SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 4.10.1993,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

512

DJ 8.11.1993, p. 23.515; REsp n. 12.546-RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes

de Barros, Primeira Turma, julgado em 21.10.1992, DJ 30.11.1992, p. 22.559;

REsp n. 38.032-SP, Rel. Ministro Assis Toledo, Quinta Turma, julgado em

1º.12.1993, DJ 21.2.1994, p. 2.181; REsp n. 848.070-GO, Rel. Ministro Luiz

Fux, Primeira Turma, julgado em 3.3.2009, DJe 25.3.2009; AR n. 2.830-SP, Rel.

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 14.12.2011, DJe

1º.2.2012.

Portanto, a carta de arrematação, embora constitua título hábil a promover

a alteração da titularidade do bem imóvel, esta somente atingirá tal desiderato

se devidamente registrada no assento imobiliário, nos termos dos arts. 532, III,

do Código Civil de 1916, 167, I, n. 26, da Lei n. 6.015/1973, aplicáveis ao caso

concreto.

Neste sentido, sobreleva apontar o escólio de Araken de Assis:

Expedir-se-á, ao cabo do procedimento da praça, carta de arrematação, que

representa o “traslado do auto de arrematação mais os elementos históricos”,

indispensáveis ao registro, porque, conforme já se assinalou, o arrematante adquire

o imóvel através da transcrição (retro, 275.2). O registro ensejará, por outro lado,

a imissão na posse (retro, 275.2). Os elementos catalogados no art. 703 servem à

“comodidade do adquirente e à segurança da circulação dos bens.”

A carta de arrematação constitui o título formal da aquisição. O acordo de

transmissão consta do auto de arrematação.

O título formal habilita o arrematante à aquisição do domínio mediante a

transcrição ou registro (art. 167, I, n. 26, da Lei n. 6.015/1973). Diversamente do que

ocorria no direito antigo, a carta não abriga “sentença” de nenhuma espécie. De

modo implícito, é claro, o órgão judiciário proveu acerca dos pressupostos do

remate, aceitando o lanço, mas, exceção feita a entendimentos isolados, para

difícil localizar, aí, conteúdo compatível com a natureza sentencial.

[...]

A simples expedição de carta, guarnecida dos elementos arrolados no art. 703, não

importa, ipso facto, o registro do título. Implícito se encontra apenas o cancelamento

dos direitos reais de garantia (retro, 275.11).

O negócio jurídico de arrematação se mostra incapaz de transmitir efi cazmente

ao arrematante o domínio senão dos bens integrantes do patrimônio do executado.

Desse modo, o registro do título é tema estranho à execução em si, a despeito

dos esforços em penhorar bens realmente pertencentes ao devedor, interessando

unicamente ao arrematante obter o registro. É ônus seu, p. ex., retifi car o registro (art.

213 da Lei n. 6.015/1973) ou, se insubsistente a exigência, provocar a instauração de

dúvida (art. 198 da Lei n. 6.015/1973). A competência do juiz da execução cessa

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 513

com a expedição regular da carta. (ASSIS. Araken de. Manual de execução. 15ª ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 893 e 895) (grifo deste subscritor)

Sendo assim, é o adquirente da segunda execução o legítimo proprietário

do bem, pois ele procedeu ao registro de sua carta de arrematação (expedida

no dia 5.11.1998) na data de 15.12.1998 (fl . 165, e-STJ), enquanto a primeira

arrematante, possuindo semelhante documento desde o dia 30.1.1996 (fl . 43,

e-STJ), não efetuou a devida transcrição no assentamento imobiliário.

9. Dormientibus non sucurrit jus, a máxima latina é aplicável ao

comportamento descuidado da primeira arrematante, pois existindo duas

cartas de arrematação sobre o mesmo imóvel, há de prevalecer aquela em

que o exequente foi diligente na busca de seu direito, em detrimento do

comportamento negligente do outro credor.

Entendimento contrário colocaria em xeque, indubitavelmente, a

credibilidade do registro imobiliário, bem como de sua fi nalidade precípua de

conferir segurança jurídica nas relações negociais alusivas à bens imóveis, eis que

haveria a consolidação da propriedade em favor do exequente não cumpridor

das formalidades registrais (primeiro arrematante), em prejuízo daqueloutro

que, confi ando no registro imobiliário, procedeu à inscrição dos atos judiciais

(penhora e segunda arrematação), em observância às normas de transmissão de

domínio.

Cumpre destacar que o ordenamento jurídico considera ser a arrematação

um ato de alienação processado sob a garantia do Poder Judiciário. Sendo

assim, atribui-se a este tipo de aquisição a máxima segurança, a fi m de que o

procedimento não seja desprestigiado, fato que comprometeria a efetividade das

decisões judiciais.

Na hipótese em foco, a efi cácia da primeira arrematação não é afastada

em razão de equivoco judiciário ou ato de terceiro, mas por incúria da própria

arrematante que deixou de proceder ao registro de carta de arrematação no cartório

imobiliário.

Assim, a prevalência da segunda arrematação não depõe contra a higidez

do sistema, o qual se mostra efi caz na proteção dos direitos dos credores, desde

que sejam observados os regramentos próprios.

10. Ademais, não se pode esquecer que os ora recorrentes, co-réus na

ação ordinária, adquiriram o imóvel da segunda arrematante, que, conforme

exaustivamente demonstrado, constava da matrícula do imóvel sob comento

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

514

como a legítima proprietária do bem, então adquirido por meio de arrematação

judicial (precedida de penhora igualmente averbada no registro imobiliário,

ressalta-se). Resta, por conseguinte, evidenciada a boa-fé dos ora recorrentes que

adquiriram o bem em tela, sobre o qual inexistia qualquer gravame, revelando-

se desarrazoado presumir que poderiam deter ciência de anterior penhora e

arrematação não levadas a registro, a considerar que os elementos dos autos,

inegavelmente, não conduzem a esta conclusão.

Dessa forma, na esteira de precedentes do Superior Tribunal de Justiça,

“o terceiro adquirente de boa-fé, que confi ou no registro e hoje é titular do

domínio, não é atingido pelos efeitos da extinção da primitiva relação de direito

obrigacional que existia entre o primeiro proprietário e o que vendeu o terreno

[imóvel] aos réus.” (REsp n. 101.571-MG, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar,

Quarta Turma, julgado em 14.5.2002, DJ 5.8.2002, p. 343).

A propósito:

Direito Civil e Processual Civil. Julgamento ultra petita. Não ocorrência. Matéria

de ordem pública cognoscível de ofício. Compra e venda de imóvel. Outorga

de escritura definitiva. Inadimplência da compradora. Rescisão contratual.

Cancelamento do registro imobiliário. Impossibilidade. Terceiros adquirentes de

boa-fé.

[...]

2. No caso, pretende-se o cancelamento do registro imobiliário - este

decorrente de escritura pública translativa defi nitiva -, em razão da procedência

do pedido de rescisão contratual por inadimplência e indenização por perdas e

danos em desfavor da incorporadora, que revendera as unidades imobiliárias a

terceiros.

3. Ocorre que a compra e venda gera, em regra, apenas efeitos obrigacionais, de

sorte que o desfazimento do contrato por inadimplência do comprador não tem o

condão de cancelar o registro imobiliário decorrente de escritura pública defi nitiva,

máxime quando terceiros de boa-fé tenham readquirido o imóvel, com base na

adequação da cadeia registral.

4. Recurso especial improvido. (REsp n. 687.087-SP, Rel. Ministro Luis Felipe

Salomão, Quarta Turma, julgado em 5.5.2011, DJe 13.5.2011) (grifo deste

subscritor).

Agravo regimental no recurso especial. Fundamentos insuficientes para

reformar a decisão agravada. Embargos de terceiro. Súmula n. 375-STJ. Ausência

do registro da penhora. Alienações sucessivas. Presunção de boa-fé do terceiro

adquirente. Lei n. 8.953/1994. Aplicação.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 515

1. A agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os

fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de

provimento ao agravo regimental.

2. A teor da Súmula n. 375 do STJ, “O reconhecimento da fraude à execução

depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do

terceiro adquirente”.

3. A presunção de boa-fé se estende aos posteriores adquirentes, se houver

alienações sucessivas. Precedentes.

4. “Sem o registro da penhora não se podia, mesmo antes da vigência da Lei n.

8.953/1994, afi rmar, desde logo, a má-fé do adquirente do imóvel penhorado” (REsp

n. 494.545-RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em

14.9.2004, DJ 27.9.2004, p. 214).

5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 329.923-SP,

Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira

Turma, julgado em 2.12.2010, DJe 17.12.2010) (grifo deste subscritor).

Portanto, os recorrentes, adquirentes de boa-fé, confi antes no registro

imobiliário, não podem ser prejudicados por eventual nulidade ocorrida no

anterior título aquisitivo de propriedade, sobretudo quando a cadeia dominial se

mostra hígida (fl s. 164-165, e-STJ).

11. Do exposto, dou parcial provimento aos recursos especiais, para

julgar improcedente o pedido contido na exordial, invertendo-se os ônus

sucumbenciais.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.068.355-PR (2008/0133023-5)

Relator: Ministro Marco Buzzi

Recorrente: Cerealista Palotinense Ltda. e outros

Advogado: Enimar Pizzatto e outro(s)

Recorrente: Genésio Neilôr Finger - Espólio (recurso adesivo)

Representado por: Maria de Lourdes Casarotto Finger - Inventariante

Advogado: Ana Cláudia Finger e outro(s)

Recorrido: Os mesmos

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516

EMENTA

Recurso especial. Execução de honorários advocatícios

sucumbenciais promovida pelo advogado substabelecido, com reserva

de poderes, sem a anuência do procurador substabelecente. Exceção

de pré-executividade acolhida pelo magistrado de primeiro grau.

Sentença reformada pelo Tribunal de origem. Acordo celebrado

entre as partes originárias. Impossibilidade de alcançar os honorários

sucumbenciais. Insurgência dos executados. Recurso especial provido

em parte.

Hipótese em que a ação executiva é promovida pelo advogado

substabelecido, com reserva de poderes, sem a anuência do procurador

substabelecente, com o intuito de receber honorários advocatícios

sucumbenciais.

Sentença reformada pelo Tribunal de origem, afastando a

declaração de inexistência de pressuposto de desenvolvimento válido

do processo, bem como considerando inoponível ao exequente a

celebração de transação fi rmada entre as a partes originárias.

1. O art. 26 da Lei n. 8.906/1994 é claro em vedar qualquer

cobrança de honorários advocatícios por parte do advogado

substabelecido, com reserva de poderes, sem a anuência do procurador

substabelecente. Incide, portanto, a clássica a regra de hermenêutica,

segundo a qual onde a lei não distingue, não pode o intérprete

distinguir.

1.1. Ademais, pouco importa tratar-se de execução de honorários

sucumbenciais, pois não se divisa a existência de peculiaridade a

justifi car a não aplicação da jurisprudência desta Corte Superior, que

exige a observância do referido preceptivo legal, porque, embora o

título executado seja certo e líquido, ainda se faz necessário aquilatar a

existência de eventual acordo entre os procuradores representantes da

parte vencedora a respeito da verba executada.

1.2. Tratando-se de um litisconsórcio necessário, curial a

intervenção do procurador substabelecente, para, nos termos do

parágrafo único do artigo 47 do Código de Processo Civil, determinar-

se a citação deste.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 517

2. “A verba honorária constitui direito autônomo do advogado,

integra o seu patrimônio, não podendo ser objeto de transação entre as

partes sem a sua aquiescência.” (REsp n. 468.949-MA, Rel. Ministro

Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 18.2.2003, DJ 14.4.2003,

p. 231).

3. O art. 26 da Lei n. 8.906/1994 visa impedir o locupletamento

ilícito por parte do advogado substabelecido, pois a aquiescência do

procurador substabelecente mostra-se fundamental para o escorreito

cumprimento do pacto celebrado entre os causídicos, a fi m de que

o patrono substabelecido, ao cobrar os honorários advocatícios, não

o faça sem dar saber ao outro profi ssional que manteve reserva de

poderes.

4. Independente da razão pela qual o advogado substabelecente

não tenha composto inicialmente o polo ativo da demanda, sua

ausência não enseja a imediata extinção do feito, sem julgamento de

mérito. Nos termos do parágrafo único do artigo 47 do Código de

Processo Civil, deve o juiz, ainda que de ofício, determinar a citação

daquele (Precedentes).

5. Ademais, não se afigura correta a extinção da presente

execução, como requerido pelos ora recorrentes, eis que a formalidade

exigida pelo o art. 26 da Lei n. 8.906/1994 é facilmente atendida pelo

retorno dos autos à origem, para que o exequente promova a citação

do procurador substabelecente, a fi m de que este tome ciência a

respeito do processo executivo. Tal solução do caso atende a fi nalidade

ética da norma em análise, bem como preserva os atos processuais até

então praticados, em atenção aos princípios da instrumentalidade do

processo e da inafastabilidade da jurisdição.

6. Recurso especial adesivo interposto por Genésio Neilôr Finger -

Espólio não conhecido. Apelo extremo aviado por Cerealista Palotinense

Ltda. e outros provido parcialmente, a fi m de determinar o retorno dos

autos ao Juízo de Direito de origem, para se intimar o exequente, no

intuito de que este promova a citação do procurador substabelecente

em 20 (vinte) dias, nos termos do parágrafo único do art. 47 do

Código de Processo Civil.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de Cerealista Palotinense Ltda.

e outros e não conhecer do recurso especial adesivo, interposto por Genésio

Neilôr Finger - Espólio, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente), Maria

Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 15 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Presidente

Ministro Marco Buzzi, Relator

DJe 6.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de dois recursos especiais, o primeiro

interposto por Cerealista Palotinense Ltda. e outros e o segundo, de modo adesivo,

por Genésio Neilôr Finger - Espólio, ambos, com fundamento no art. 105, inciso

III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná.

Na origem, em 2.3.2000, Genésio Neilôr Finger propôs ação executiva

de título judicial contra Cerealista Palotinense Ltda., Joarcy Pedro Spessatto e

Vitélio Rubert, a fi m de receber honorários advocatícios sucumbenciais, no importe

de R$ 196.095,01 (cento e noventa e seis mil, noventa e cinco reais e um

centavo), decorrentes do êxito obtido em 3 (três) ações judiciais em favor de seu

constituinte - Unibanco - União de Bancos Brasileiros.

Proposta exceção de pré-executividade pelos executados (fl s. 500-515,

e-STJ), foram deduzidas as seguintes matérias defensivas: a) impossibilidade de

cobrança dos honorários advocatícios pelo exequente - advogado substabelecido

- sem a anuência do procurador substabelecente; b) responsabilidade do

Unibanco pela dívida, tendo em vista a existência de acordo fi rmando entre os

executados e a instituição bancária, que assumiu o ônus pelo pagamento dos

honorários advocatícios de seus causídicos.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 519

Em resposta, o exequente afirmou ter legitimidade para promover a

execução dos honorários sucumbenciais, bem como declarou hígido o seu

direito, já que não opôs a sua anuência na transação fi rmada pelos executados e

o Unibanco.

Conclusos os autos, o magistrado de piso, acolhendo exceção de pré-

executividade oferecida pelos executados, extinguiu o feito ao fundamento de

inexistir pressuposto necessário para o processamento regular da demanda,

pois, sendo o exequente procurador substabelecido, com reserva de poderes,

é necessária a anuência do advogado substabelecente para a cobrança de

honorários, nos termos do art. 26 da Lei n. 8.906/1994.

É o que se denota do seguinte excerto da sentença (fl s. 692-963, e-STJ):

Compulsando os autos verifi ca-se que, efetivamente, o exeqüente, recebeu

poderes para atuar no feito através de substabelecimento e, em lugar algum é

possível encontrar autorização de quem lhe conferiu o substabelecimento para a

cobrança dos honorários.

O substabelecimento, ainda, inclui a reserva de poderes (vide fl . 409-410, 439-

441, 449).

Esses são os fatos relevantes.

O artigo 26, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil é claro:

[...]

Ora, não há qualquer exceção na norma legal em debate, de modo que, não

é relevante o fato de os advogados substabelecentes não terem participado do

processo.

Falta, portanto, à execução, requisito necessário ao seu desenvolvimento

válido, isto é, a intervenção daqueles que lhes conferiu o substabelecimento para

a cobrança dos honorários.

Deve, portanto, se acolhida a preliminar levantada, com imediata extinção da

execução.

Pelo exposto, acolho a, exceção de pré-executividade motivo pelo. qual,

com fundamento: no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, julgo extinta a

execução.

Irresignado, o espólio de Genésio Neilôr Finger intentou recurso de

apelação perante Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o qual concedeu

parcial provimento à insurgência, a fi m de reconhecer a legitimidade ativa do

exequente - advogado substabelecido -, para promover a execução de honorários

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

sucumbenciais, sem a intervenção do procurador substabelecente. O decisum

restou assim ementado (fl . 791, e-STJ):

Exceção de pré-executividade. Título judicial. Acolhimento. Cabimento do

recurso de apelação. Carência de ação. Matéria de ordem pública que pode ser

suscitada em qualquer tempo e grau de jurisdição. Inocorrência de ofensa à coisa

julgada. Execução de honorários advocatícios. Substabelecimento. Legitimidade

ativa ad causam do advogado substabelecido, sem intervenção do advogado

substabelecente. Acordo celebrado entre as partes sem anuência do advogado

não alcança os honorários. Possibilidade de execução. Sucumbência recíproca.

Custas processuais e verba honorária proporcionais. Apelação parcialmente

provida.

Daí, o recurso especial interposto por Cerealista Palotinense Ltda. e outros,

em que se aponta ofensa ao art. 26 da Lei n. 8.906/1994, além de dissídio

jurisprudencial.

Nas razões do apelo nobre, os recorrentes sustentam a imprescindibilidade

da autorização do procurador substabelecente para a cobrança de honorários

advocatícios promovida pelo advogado substabelecido, como preceituado no art.

26 da Lei n. 8.906/1994.

Aduzem a validade do acordo fi rmado por eles e o Unibanco, razão pela

qual a cobrança de honorários é descabida, já que pela referida avença, a casa

bancária se responsabilizou pelo pagamento de seus procuradores, motivo pelo

qual o recorrido não tem legitimidade para cobrar qualquer valor.

Explicam que o recorrido era advogado substabelecido, com reserva de

poderes, constituído para a defesa dos interesses do Unibanco, sendo assim,

mesmo que não tenha assinado o termo de transação fi rmado entre a instituição

fi nanceira e os recorrentes, não tem ele interesse de defl agrar a presente execução,

já que o banco assumiu expressamente a obrigação pelo pagamento de seus

honorários.

Vistas ao recorrido, foram apresentadas contrarrazões (fl s. 822-841, e-STJ)

e interposto recurso especial adesivo por Genésio Neilôr Finger - Espólio, no qual

aponta ofensa aos arts. 17 e 600 do Código de Processo Civil, além de dissídio

jurisprudencial.

Em suma, o apelo extremo adesivo traz alegações de extemporaneidade da

exceção de pré-executividade, litigância de má-fé e comportamento atentatório

contra a Justiça perpetrado pela parte ex adversa.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 521

Contrarrazões à via excepcional adesiva oferecidas às fl s. 932-941, e-STJ;

e, após decisão de admissibilidade dos recursos especiais, aos autos ascenderam a

esta egrégia Corte de Justiça.

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): 1. Inicialmente, não conheço do

recurso especial adesivo interposto por Genésio Neilôr Finger - Espólio, tendo em

vista a sua deserção.

A jurisprudência desta Corte Superior é iterativa no sentido de que, à

luz do disposto no art. 511, do Código de Processo Civil, o recorrente deve

comprovar a realização do preparo no ato de interposição do reclamo, dando

ensejo à deserção quando deixar de recolher ou o fi zer em momento posterior.

Compulsando-se os autos, não se verifi ca o comprovante de pagamento

das custas judiciais e, também, do porte de remessa e retorno dos autos. Assim,

impositiva, na hipótese, a aplicação da Súmula n. 187 desta Corte Superior: “É

deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente

não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos”.

Assim, inviável o conhecimento do recurso adesivo intentado pelo Espólio

de Genésio Neilôr Finger.

2. Passa-se, doravante, à análise do apelo nobre manejado por Cerealista

Palotinense Ltda. e outros.

A irresignação merece prosperar.

Com efeito, a controvérsia instaurada na presente insurgência recursal

cinge-se em saber se o advogado substabelecido (Genésio Neilôr Finger), com

reserva de poderes, pode promover a execução de honorários sucumbenciais

(fixados em sentença transitada em julgado, ressalta-se) em face da parte

sucumbente, sem a intervenção do advogado substabelecente. A hipótese dos

autos conta com a peculiaridade de que os litigantes (Cerealista Palotinense

Ltda. e Outros, de um lado, e Unibanco, de outro), quando da execução da

sentença (transitada em julgado), celebraram transação que pôs fi m ao litígio,

estipulando-se incumbir à cada parte os honorários advocatícios de seus

patronos (acordo, é certo, que não contou com a aquiescência dos advogados).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

522

Assim delimitada a controvérsia, sobreleva deixar assente que, nos termos

do § 4º, do artigo 24, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, “o acordo

feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profi ssional,

não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por

sentença”.

Efetivamente, a verba honorária consubstancia direito autônomo do

causídico, de forma a integrar seu patrimônio jurídico, não se afi gurando possível

às partes transacionarem sobre referido direito, sem a anuência do titular (o

próprio advogado).

Desse modo, na esteira da remansosa jurisprudência deste Superior

Tribunal de Justiça, o acordo celebrado entre as partes, no qual o advogado

não tenha exarado sua anuência, não o impede de fazer jus aos honorários

advocatícios convencionados, ou advindos de sentença judicial, independente do

teor expendido na transação.

A propósito:

Processual Civil. Honorários advocatícios. Transação entre as partes. Direito

autônomo do advogado. Interpretação de cláusula. Contratual.

I - Nos termos do artigo 24, § 4º, do EOAB, “o acordo feito pelo cliente do

advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profi ssional, não lhe prejudica os

honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença”.

II - A “aquiescência do profissional” a que faz referência o texto legal não se

confi gura com a mera participação do advogado no acordo celebrado entre as partes

do processo, sendo necessário investigar, em cada caso, o sentido e o alcance da

cláusula avençada.

III - Na hipótese concreta, o Tribunal de origem afi rmou que o advogado não

consentiu em abdicar dos honorários sucumbenciais, pois a cláusula “cada um

suportará os honorários advocatícios de seus respectivos advogados” inserida no

termo de acordo e a qual aderiram os advogados que também o subscreveram, deve

ser interpretada restritivamente de modo a não alcançar os honorários devidos em

razão da sucumbência.

IV - O exame da pretensão recursal demanda, portanto, interpretação da

referida cláusula contratual, merecendo aplicação a Súmula n. 5 desta Corte

Superior. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.008.025-AL, Relator

Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 9.3.2009).

Recurso especial. Ação de cobrança de honorários advocatícios. Negativa de

prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Prequestionamento.

Ausência. Súmula n. 282-STF. Reconhecimento jurídico do pedido. Transação.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 523

Distinções e semelhanças. Consequências com relação aos honorários

advocatícios. Reexame de cláusulas contratuais e de provas. Inviabilidade.

Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. Transação celebrada após a réplica. Ausência de

pronunciamento judicial fi xando honorários advocatícios. Direito autônomo do

advogado. Não infringência. Divergência não demonstrada. Súmula n. 13-STJ.

Ausência de similitude fática.

[...]

4. A transação é negócio jurídico bilateral, realizado entre as partes, caracterizada

por concessões mútuas a fi m de pôr fi m ao litígio e, se realizada sem a participação

do advogado, não pode prejudicar a verba honorária fi xada a seu favor em sentença

judicial.

[...]

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (REsp n.

1.133.638-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em

6.8.2013, DJe 20.8.2013) (grifo deste subscritor).

Processual Civil. Administrativo. Servidor. Reajuste de 28,86%. Execução.

Transação firmada sem participação do advogado. Honorários advocatícios

devidos. Incidência dos artigos 23 e 24, § 4º, da Lei n. 8.906/1994.

1. [...]

2. No caso vertente, devem prevalecer as normas constantes dos arts. 23 e 24, §

4º, da Lei n. 8.906/1994, de sorte que o advogado tem direito autônomo de executar

a sentença quanto à verba de sucumbência, uma vez que a transação fi rmada pelas

partes, sem a sua aquiescência, não prejudica os honorários, tanto os convencionados

como os de sucumbência.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.247.115-MG, Rel.

Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 7.2.2012, DJe 16.2.2012) (grifo

deste subscritor).

Agravo regimental no recurso especial. Previdenciário. Processual Civil.

Transação firmada entre os litigantes. Honorários sucumbenciais. Direito

autônomo do advogado. Impossibilidade de afastamento. Agravo desprovido.

I. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é uníssona no sentido de ter

o advogado direito autônomo de executar a sentença na parte que lhe caiba, qual

seja, os honorários de sucumbência.

II. A transação fi rmada pelas partes, sem a aquiescência do causídico, não tem, nos

termos elencados nos arts. 23 e 24, § 4º, da Lei n. 8.906/1994, o condão de prejudicar

a verba honorária que lhe é devida, vez que essa, tendo natureza remuneratória,

pertencente ao advogado pela sua atuação no processo.

III. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.214.899-PR, Rel. Ministro

Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 13.9.2011, DJe 28.9.2011). E ainda: REsp n.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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468.949-MA, Rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 18.2.2003,

DJ 14.4.2003, p. 231).

Como bem assinalado pela Corte local, o advogado substabelecido, com

reserva de poderes, ora recorrido, não anuiu com a transação entabulada

pelos recorrentes - Cerealista Palotinense Ltda. e outros - e o Unibanco, partes

originárias nas ações judiciais, em que se formaram os títulos exequendos

(honorários sucumbenciais).

No ponto, oportuno destacar que o acordo entabulado entre as partes,

que pôs fi m ao litígio, deu-se em sede de execução de sentença (em que se

reconheceram os honorários sucumbenciais, ora exequendos), transitada em

julgado.

Assim, não tendo o advogado anuído com a transação celebrada entre

as partes, e, encontrando-se devidamente constituído título executivo judicial

(atinente aos honorários sucumbenciais), cabível, em tese, o manejo de execução

em face da parte sucumbente, e não, em face do mandante Unibanco, como

sustentado pelos ora recorrentes.

Destaca-se esse matiz hermenêutico dos seguintes precedentes:

Direito Processual Civil. Processo de execução. Honorários advocatícios.

Transação realizada diretamente pelas partes, em execução por título executivo

extrajudicial, sem assistência de advogado, não dispondo sobre honorários.

Execução movida por advogados da exequente contra o executado. Título

executivo inexistente. Execução extinta por falta de interesse de agir pela forma

executiva.

Movida execução por advogados do exequente contra o executado, ante a

extinção do processo de execução devido a transação realizada diretamente

pelas partes, sem intervenção dos Advogados e sem disposição a respeito dos

honorários destes, tem-se que reconhecer a inexistência de título executivo,

devendo a matéria remeter-se às vias ordinárias. Impossível a conclusão, nestes

autos, de que os honorários advocatícios fi cassem sob a responsabilidade cada

qual de seus constituintes, porque assim não pactuado e porque assim não

há bases conclusivas no caso, de modo que pretensões a honorários devem

ser formuladas em ação própria, mediante petição inicial dirigida a partes

entendidas adequadas e que contenha causa de pedir e pedido claros, de modo

a ensejar instauração de contraditório válido e decisão fi nal que avalie todas as

circunstâncias do caso. Recurso Especial provido. Processo de Execução extinto.

Sucumbência a cargo dos exequentes. (REsp n. 1.075.429, Relator Ministro Sidnei

Beneti, Terceira Turma, DJe 16.3.2009). E ainda: AgRg no Ag n. 810.876-PR, Relatora

Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 4.11.2010).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 525

Portanto, neste ponto, não se pode acolher a argumentação expendida nas

razões do especial, pois, além de o advogado substabelecido, com reserva de

poderes, não ter assentido com a transação realizada entre os recorrentes e o seu

mandante - Unibanco -, motivo pelo qual os efeitos jurídicos daquela avença

não lhe atinge, possui ele, inegavelmente, a seu favor título executivo judicial,

alusivo aos honorários sucumbenciais, a cargo da parte sucumbente, e, reitere-se,

tudo o que foi fi xado em comando judicial já transitado em julgado.

3. Remanesce, contudo, a questão atinente ao ajuizamento de ação executiva

de título judicial, no intuito de receber honorários advocatícios sucumbenciais,

pelo advogado substabelecido, com reserva de poderes, sem a anuência do

procurador substabelecente.

O art. 26 da Lei n. 8.906/1994 é claro em vedar qualquer cobrança de

honorários advocatícios por parte do advogado substabelecido, com reserva de

poderes, sem a anuência do procurador substabelecente.

Pela pertinência ao deslinde da controvérsia, transcreve-se o teor do

dispositivo legal sob comento:

Art. 26. o advogado substabelecido, com reserva de poderes, não pode cobrar

honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu o substabelecimento.

Sobressai evidente a fi nalidade da norma, destinada a coibir possíveis

atitudes antiéticas cometidas por um causídico contra outro, pois, levando-

se em conta que ambos os advogados - substabelecente e substabelecido -

encontram-se atuantes no feito, a considerar a extensão do substabelecimento

(com reserva de poderes), eventual cobrança de honorários deve ser efetivada,

necessariamente, em conjunto pelos procuradores, ou, ao menos, mediante

a demonstração da inequívoca ciência dessa providência pelo causídico que

substabeleceu.

No ponto, oportunas as considerações exaradas pelo eminente Min.

Eduardo Ribeiro, por ocasião do julgamento do REsp n. 65.942-SP, sobre a

aplicação do art. 101 da Lei n. 4.215/1963, cujo conteúdo normativo assemelha-

se ao do art. 26 da Lei n. 8.906/1994:

As razões recursais baseiam-se em violação ao art. 101 da Lei n. 4.215/1963,

que dispõe: “O advogado ou provisionado, substabelecido com reserva de

poderes, não pode cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu

o substabelecimento.”

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

A solução do presente caso, passa pela interpretação sistemática e teleológica

da norma, segundo a qual o mandamento se apresenta como protetor dos valores

éticos da profi ssão, visando a disciplinar o relacionamento entre substabelecente

e substabelecido, tendo como objeto de preocupação a ética profi ssional e não o

vínculo de cada um, em separado, com o mandante. Como salienta o recorrido,

o fim da norma invocada ajusta-se ao disposto no antigo Código de Ética

Profi ssional, seção VIII, inciso IV:

O advogado substabelecido com reserva de poderes deve ajustar sua

remuneração com o colega que lhos outorgou. (grifo deste subscritor)

Desta forma, buscou o Legislador impedir o locupletamento ilícito

por parte do advogado substabelecido, pois a intervenção do procurador

substabelecente mostra-se fundamental para o escorreito cumprimento do pacto

celebrado entre os causídicos.

Ao afastar o referido mecanismo de controle, os interesses do procurador

substabelecente restariam desguarnecidos, porquanto o possível pagamento ao

advogado substabelecido, inclusive em quantia acima da convencionada entre os

causídicos, só poderia ser revertida em outra demanda judicial promovida pelo

patrono substabelecente prejudicado.

A respeito do tema, importa mencionar o entendimento de Marco Tulio

de Rose:

O substabelecimento com reservas cria um autêntico litisconsórcio necessário

entre os advogados que atuaram na causa, para fi ns de cobrança dos honorários. O

juiz da causa, em que se discutirem ou executarem os honorários, não poderá dar

prosseguimento ao processo sem que sejam chamados a integrar o pólo processual

ativo da demanda todos os advogados que estejam nesta condição, sob pena de

nulidade do próprio feito. (ROSE, Marco Tulio de, Comentários ao estatuto da

advocacia e da ordem dos advogados do brasil - oab. Org: CORRÊA, Orlando de

Assis. Rio de Janeiro: Aide, 1997, p. 113.) (grifo deste subscritor)

Na mesma linha, encontra-se o escólio de Paulo Lôbo:

O advogado que receber substabelecimento com reserva de poderes não

pode cobrar os honorários diretamente do cliente nem estabelecer com este

qualquer tipo de acordo de recebimento. Exige-se a intervenção necessária do

colega que substabeleceu, porque o substabelecimento se deu em caráter de

confi ança, mantendo-se aquele no patrocínio e direção principal da causa ou

questão. É regra de natureza ética, cuja infração está sujeita a pena disciplinar.

Conseqüentemente, o advogado que recebeu o substabelecimento não pode

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 527

executar isoladamente os honorários, devendo fazê-lo sempre em conjunto

com o outro. (LÔBO, Paulo. Comentários ao estatuto da advocacia e da oab. 4ª ed.

São Paulo: Saraiva, 2007, p. 152.) (grifo deste subscritor)

Em atenção ao supracitado regramento legal, destaca-se precedentes desta

Quarta Turma, nos quais se reconheceram a imprescindibilidade da intervenção

do procurador substabelecente para que haja a cobrança de honorários

advocatícios por parte do advogado substabelecido, com reserva de poderes.

A propósito:

Agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no

recurso especial. Recurso especial da Warner Brothers South Incorporation.

Alegação de ilegitimidade ativa. Fato incontroverso.

Condição da ação. Matéria de ordem pública. Extinção do processo nos termos

do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil. A hipótese em exame não

enseja o reexame de questão de prova, o que é vedado pela Súmula n. 7-STJ, mas

sim a revaloração da prova.

Inexistência de contrato firmado entre as partes. Substabelecimento com

reservas de poderes. O advogado substabelecido, com reserva de poderes, não pode

cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu o substabelecimento.

Artigo 26 do Estatuto da OAB.

Precedentes. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no AgRg no REsp

n. 1.122.461-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em

22.6.2010, DJe 30.6.2010) (grifo deste subscritor).

Honorários advocatícios. Substabelecimento. Ação de arbitramento. Divisão.

Substabelecidos. Impropriedade.

1 - Na ação de arbitramento, quando não houver contrato formal e

escrito convencionando honorários advocatícios, o destinatário do quantum

encontrado é o advogado contratado (verbalmente). A relação entre ele e os

colegas substabelecidos é pessoal e, portanto, o valor que cabe a cada um depende

da estipulação entre os causídicos e não se inscreve no âmbito do arbitramento.

Interpretação do art. 26 da Lei n. 8.906/1994.

2 - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para

assegurar ao recorrente o recebimento do valor total dos honorários advocatícios

arbitrados. (REsp n. 525.671-RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma,

julgado em 13.5.2008, DJe 26.5.2008).

Civil e Processual. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ação

indenizatória. Ressarcimento de verba decorrente de demanda procedente.

Mandato judicial. Contrato. Legitimidade passiva.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

528

Intenção de compensar honorários de sucumbência pelo substabelecido.

Art. 26 do EOAB. Revisão. Reexame de provas e contrato. Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.

Agravo desprovido. (AgRg no Ag 1.367.310-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho

Junior, Quarta Turma, julgado em 15.3.2011, DJe 18.3.2011).

Na hipótese dos autos, não se divisa a existência de peculiaridade a justifi car

a não aplicação da jurisprudência desta Corte Superior, que exige a observância

do aludido preceptivo legal, pois a aquiescência do procurador substabelecente

mostra-se fundamental para o escorreito cumprimento do pacto celebrado entre

os causídicos, a fi m de que o patrono substabelecido, ao cobrar os honorários

advocatícios, não o faça sem dar saber ao outro profi ssional que manteve reserva

de poderes. Incide, portanto, a clássica a regra de hermenêutica, segundo a qual

onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete tecer qualquer discriminação.

Desse modo, a intervenção do procurador substabelecente é imprescindível

para a instauração do processo executivo, razão pela qual a sua ausência constitui

óbice intransponível a impedir o prosseguimento da execução ajuizada pelo

advogado substabelecido, com reserva de poderes.

4. Entretanto, não se afi gura correta a extinção da presente execução, como

requerido pelos ora recorrentes.

É que, em se tratando de um litisconsórcio necessário, curial a intervenção

do procurador substabelecente, para, nos termos do parágrafo único do artigo

47 do Código de Processo Civil, determinar-se a citação deste.

Não se olvida a existência de divergência doutrinária e jurisprudencial

quanto à admissibilidade de formação de litisconsórcio necessário no pólo

ativo da demanda, especialmente por tangenciar interesses constitucionalmente

controvertidos, o direito de agir (de acionar), de um lado, e a liberdade de não

demandar, do outro.

Efetivamente, na hipótese em que o exercício de determinando direito

de alguém encontre-se condicionado ao ingresso no Poder Judiciário por

outrem, seja em virtude de lei, ou em razão da relação jurídica material existente

entre os litisconsortes, é de se admitir, em caráter excepcional, a formação de

litisconsórcio ativo necessário.

Nessa linha de entendimento, extrai-se do voto condutor proferido pelo

eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, exarado por ocasião do

julgamento REsp n. 141.172-RJ, DJ. 13.12.1999, as seguintes considerações:

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 529

o tema da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo necessário envolve

limitação ao direito constitucional de agir, que se norteia pela liberdade de

demandar, devendo-se admiti-lo apenas em situações excepcionais. Não se pode

excluir completamente a possibilidade de alguém integrar o pólo ativo da relação

processual, contra a sua vontade, sob pena de restringir-se o direito de agir da

outra parte, dado que o legitimado que pretendesse demandar não poderia fazê-

lo sozinho, nem poderia obrigar o co-legitimado a litigar conjuntamente com ele.

Fora das hipóteses expressamente contempladas na lei (verbi gratia, art. 10, CPC),

a inclusão necessária de demandantes no pólo ativo depende da relação de direito

material estabelecida entre as partes. Antes de tudo, todavia, é preciso ter em conta a

excepcionalidade em admiti-la, à vista do direito constitucional de ação.

Conforme anteriormente assinalado, o artigo 26 do EAOB exige, para a

cobrança de honorários advocatícios efetivada pelo advogado substabelecido,

com reserva de poderes, a intervenção daquele que lhe conferiu o estabelecimento,

necessariamente.

Por determinação legal, portanto, afi gura-se imprescindível a ciência do

advogado substabelecente para viabilizar a execução dos honorários advocatícios

promovida pelo procurador substabelecido, com reserva de poderes, sob pena de

carência da ação.

O regramento legal, nestes termos postos, a pretexto de preservar

o comportamento ético entre os causídicos quanto ao recebimento dos

honorários, não pode importar, simultaneamente, em desmedida subordinação

do substabelecido em relação ao substabelecente, de forma, inclusive, a obstar

o exercício daquele direito (percepção de honorários sucumbenciais, como

contraprestação do labor desempenhado pelo causídico), indistintamente.

Na hipótese ora em foco, o procurador substabelecente não fi gurou, de

início, no polo ativo da demanda, tampouco foi instado, pelo magistrado, de

ofício, a integrá-lo.

Aliás, no contexto dos autos, não é desarrazoado antever, possivelmente,

a própria falta de interesse daquele em compor a lide, pois mantém vínculo

empregatício com o seu mandante - Unibanco (fl s. 519-521, e-STJ). Como já

dito anteriormente, houve transação entre os recorrentes - Cerealista Palotinense

Ltda. e outros - e o Unibanco, partes originárias nas ações judiciais, que foram

sentenciadas em favor da instituição fi nanceira, a fi m de pôr termo ao processo

executivo e declarar satisfeito o crédito da casa bancária decorrente das referidas

ações judiciais (fl s. 357-358, e-STJ). No termo de transação fi rmado pelos

recorrentes - Cerealista Palotinense Ltda. e outros - e o Unibanco (fl s. 357-358,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

530

e-STJ), este assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos honorários de

seus causídicos. Ainda que esta circunstância, como asseverado no tópico

próprio, afigure-se irrelevante para a execução sob comento, é duvidoso o

interesse do referido advogado em ingressar na lide, nos termos do art. 26 da

Lei n. 8.906/1994, já que a sua adesão confl itaria com a declaração de vontade

assumida por seu empregador.

Não obstante, independente da razão pela qual o advogado substabelecente

não tenha composto inicialmente o polo ativo da demanda, sua ausência não

enseja a imediata extinção do feito, sem julgamento de mérito. Nos termos do

parágrafo único do artigo 47 do Código de Processo Civil, deve o juiz, ainda que

de ofício, determinar a citação daquele, para cientifi cá-lo da existência da lide,

oportunizando eventual integração no polo ativo da demanda, posicionando-se

de acordo com os seus interesses.

Sobre o tema, destaca-se o escólio de Cassio Scarpinella Bueno:

Diante da ausência de um dos litisconsortes necessários, portanto, toda a

atividade jurisdicional a ser produzida tende à inutilidade do ponto de vista de

sua efi cácia, sendo, no particular, bastante clara a regra do parágrafo único do art.

47 do Código de Processo Civil.

Para evitar este desperdício de forças e de tempo, deve o juiz determinar, com

fundamento no art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil, a sanção

das irregularidades que entender ocorrentes no prazo a fi xar: “o princípio do

aproveitamente, ligado ao da economia processual, tem orientado decisões no

sentido de não dever, em caso de ausência de litisconsorte necessário, ser extinto

o processo. Cabe o juiz mandar citar o litisconsorte faltante.”

[...]

Muito se discute em doutrina se o parágrafo único aplica-se também aos casos

em que o litisconsórcio faltante pertence ao pólo ativo da relação processual. A

grande preocupação identifi cada pelos autores é no sentido de que ninguém

pode obrigar ninguém a litigar em juízo e, mais ainda, porque o dispositivo refere-

se à citação do litisconsorte, realidade inconcebível para um autor.

A razão parece estar com aqueles que entendem que também para o litisconsórcio

necessário ativo a “convocação” do autor faltante faz-se necessária sob as penas

do parágrafo único. A “citação” a que a lei se refere pode ser entendida como mera

integração de alguém à relação processual, sem que isto signifi que qualquer prejuízo

para o sistema. É sufi ciente que a alguém seja dada ciência de que há uma ação

pende para que esteja a ela vinculado. Basta esta providência para que a relação

processual fi que completa a isenta de qualquer espécie de vício ou defeito (parte

plúrima). O agir em juízo deste autor, o litisconsorte necessário faltante, ademais, é,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 531

como todo agir, ônus, faculdade, nunca obrigatoriedade. Neste sentido, afasta-se a

queixa de que alguém estaria sendo obrigado a efetiva e concretamente litigar em

juízo. Eventuais prejuízos que aquele que vai a juízo causar para o litisconsorte que,

não obstante “citado”, deixou de atuar é questão que, eventualmente, pode ensejar a

propositura de outra ação entre os litisconsortes.

A extinção do processo, medida extrema reservada para a hipótese pelo fi nal do

parágrafo único do art. 47, só será decretada na inércia do autor quando a promover

a “citação” dos litisconsortes necessários. (BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e

terceiros no processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo:Saraiva, 2006, p. 141-142.)

Percuciente mostra-se a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

Há realmente casos nos quais o respeito à garantia da ação impede a exigência

do litisconsórcio ativo apesar da incidibilidade das situações compartilhadas por

vários sujeitos; mas outros há também nos quais o resultado a ser pleiteado mediante

o processo há de ser necessariamente querido por todos, sob pena de não poder ser

obtido por nenhum. Nesses casos o consenso é indispensável. Ou seja: há casos em

que o litisconsórcio ativo unitário e facultativo mas isso não signifi ca que não

sobre espaço algum para o litisconsórcio unitário e necessário.

Essa afirmação é feita em virtude de existirem, no plano do direito material,

situações em que é de duas ou várias pessoas, em conjunto e não isoladamente, a

legitimidade para realizar certos atos que serão relevantes para todas elas. Sirvam

como exemplos de litisconsórcio ativo realmente necessário:

[...]

Como é notório e está no parágrafo do art. 47 do Código de Processo Civil,

quando o litisconsórcio for necessário o provimento jurisdicional demandado só

poderá ser proferido se estiverem na relação processual todos os colegitimados,

extinguindo-se o processo se faltarem e sua inclusão não for adequadamente

providenciada. A satisfação da exigência litisconsorcial pode acontecer quase

imperceptivelmente e sem incidente algum, se a demanda for ajuizada por todos

os legitimados ativos, abrangendo também todos os passivos: citados estes e

pouco importando que venham a responder ou não, a exigência estará satisfeita e

por esse aspecto nada haverá a corrigir ou providenciar no processo.

Incidentes surgirão quando a petição inicial não satisfi zer por inteiro os ditames

do litisconsórcio necessário – quer ativo ou passivo.

Dando pela manifesta ilegitimidade de parte, caracterizada pela falta de um

litisconsorte necessário (supra, n. 81), haveria o juiz, em princípio, de indeferir a

petição inicial (CPC, art. 295, inc. II). Não o fará desde logo, porém. Já nessa fase ele

dará a solução indicada pelo parágrafo do art. 47, ordenando “ao autor que promova

a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo a citação de todos os

litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

532

o processo” [...]. Se não o tiver feito assim liminarmente, fá-lo-á a qualquer tempo do

processo.

[...]

Ocorre mais frequentemente, no entanto, que a petição inicial é deferida e o

réu citado, apesar da inobservância da regra da necessariedade (a intervenção

voluntária do colegitimado omisso é fato de extrema raridade). Às vezes o

demandado apercebe-se do vício da demanda e, convindo-lhe denunciá-lo,

faz a alegação ao contestar: tal é a excpetio plurium listisconsortium, de que fala

a doutrina. E sucede também que outras vezes o réu não faz essa alegação e

o próprio juiz, espontaneamente, dá pela falta do litisconsorte. Em ambas as

hipóteses, teremos chegado à fase ordinatória do procedimento ordinário.

Entre os vícios capazes de impedir o julgamento do mérito está o de que

tratamos, como defl ui da interpretação conjugada do art. 327 (“irregularidades ou

nulidades sanáveis”) com o art. 267, inc. VI (extinção do processo sem julgamento

do mérito, em virtude da carência de ação) e ainda do que dispõe o parágrafo

do art. 47. Se o réu tiver feito a alegação, cumprirá o juiz dar ao autor o prazo de

dez dias para dizer, “permitindo-lhe a produção de prova documental” (art. 327).

Após isso, ou sem alegação do réu, convencendo-se o juiz da necessariedade

do litisconsórcio, dará então ordem que o parágrafo do art. 47 determina; estará

determinando, em outros termos, que se supra uma nulidade sanável (art.

327), pois de outra natureza não é a que decorre da ausência de litisconsortes

necessários.

[...]

Foi em atenção à natureza cogente das normas de exigência do litisconsórcio

necessário que acima se disse que essa determinação é uma daquelas que a

lei qualifi ca como providências preliminares; embora específi ca e determinada

em específico dispositivo legal fora do capítulo reservado a estas (arts. 323-

328), tal determinação partilha de sua natureza e do espaço de impedir que o

processo caminhe eivado de vício. Seja lembrada a inquisitividade que preside às

providências preliminares em geral, a qual se liga justamente ao caráter cogente

das normas cuja efetividade se visa a preservar.

Não determinado a integração do litisconsórcio, o que deverá fazer a requerimento

ou de-ofício, incorrerá o juiz em grave error in procedendo e permitirá que o processo

leve consigo uma nulidade que depois poderá pô-lo a perder (infra, nn. 115 ss).

(DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

258-285) (grifo deste subscritor).

Igualmente, veja-se o posicionamento de Luiz Guilherme Marinioni:

A obrigatoriedade da formação de litisconsórcio diz respeito à legitimação

para agir em juízo, dependendo da citação de todos os consortes para a causa

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 533

a efi cácia da sentença. Estando ausente litisconsorte necessário ativo, tem o juiz

de determinar a sua citação de ofício (intervenção iussu iudicis). (MARINONI, Luiz

Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por

artigo. 2º ed. São Paulo: RT, 2010, p. 133.)

Desta sorte, a extinção da execução pela inobservância do art. 26 da Lei n.

8.906/1994 deixará a pretensão do advogado substabelecido desguarnecida de

tutela jurisdicional; porque, impedido de cobrar os honorários sucumbenciais dos

recorrentes, ante a inobservância do comando legal, o causídico substabelecido,

também, não poderá fazê-lo contra o mandante ou o procurador substabelecente,

já que estes não suportaram nenhum ônus sucumbencial. Ocorrerá, assim,

um enriquecimento indevido dos recorrentes, pois deixarão de pagar verba de

caráter alimentar àquele causídico que efetivamente labutou na condução do

processo.

Em observância ao parágrafo único do artigo 47 do Código de Processo

Civil, destaca-se os seguintes precedentes:

Embargos de divergência. Mandado de segurança. Litisconsórcio passivo

necessário. Citação. Necessidade. Nulidade do processo. Intimação do autor para

suprir a balda.

Para decretar-se a extinção do processo há de preceder-se à providência de

que trata o parágrafo único, do art. 47, do CPC.

Inerte o autor, impõe-se a extinção do feito.

Prejudicado o agravo regimental.

Embargos conhecidos e desprovidos. (EREsp n. 209.111-MG, Rel. Ministro José

Arnaldo da Fonseca, Corte Especial, julgado em 28.11.2002, DJ 19.12.2002). E

ainda: AgRg no RMS n. 15.939-PR, Relator Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 6.10.2003;

AgRg no RMS n. 39.040-TO, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira

Turma, DJe 14.12.2012; AgRg na AR n. 4.429-MG, Relator Ministro Benedito

Gonçalves, Primeira Seção, DJe 1º.2.2012; REsp n. 1.159.791-RJ, Relator Ministro

Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25.2.2011.

Ademais, não se afi gura correta a extinção da presente execução, como

requerido pelos ora recorrentes, tendo em vista os princípios da economia dos

atos processuais, da instrumentalidade do processo e de sua duração razoável,

bem como da inafastabilidade da jurisdição.

Cuida-se de execução que tramita há mais de 13 (treze) anos, na qual o

exequente faleceu ao longo de seu curso, sendo o polo ativo ocupado atualmente

pelo seu espólio.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

534

A par disso, cumpre destacar que os atos processuais devem ser praticados

de modo a propiciar o alcance da marcha processual na consecução de uma

prestação jurisdicional efetiva e justa. Nesta medida, as formalidades regentes do

processo civil não podem ser concebidas como fi ns em si mesmo, pois o direito

material das partes não pode ser relegado, em exacerbado destaque da liturgia

destinada a disciplinar o caminho jurídico do exercício da jurisdição.

Desse modo, a repetição de atos processuais que já alcançaram a sua

finalidade é veementemente repudiada tanto pela doutrina quanto pela

jurisprudência, pois, além de afl igir a parte com a repetição de atos de conteúdo

vazio, estende desarrazoadamente o fi m do processo, sobrecarregando o sistema

jurídico e enfraquecendo a sua credibilidade perante a sociedade.

Na hipótese em foco, a dívida requerida se refere a honorários

sucumbenciais, executados pelo advogado substabelecido, com reserva de poderes,

que, segundo o acórdão hostilizado, atuou exclusivamente nas ações judiciais das

quais se extraem os títulos judiciais ora executados, sem qualquer participação do

procurador substabelecente (fl . 794, e-STJ).

Portanto, a formalidade requerida pelo o art. 26 da Lei n. 8.906/1994

é facilmente atendida pelo retorno dos autos à origem, para que o exequente

promova a citação do procurador substabelecente, a fi m de que este tome ciência

a respeito do processo executivo. Neste ponto, poderá o patrono substabelecente

ingressar na lide, caso assim queira e as suas circunstâncias profissionais

permitam, ou apenas se abster de fazê-lo (caso em que sequer responderia por

eventuais verbas sucumbenciais, por não ter dado causa à demanda).

Tal solução do caso atende a finalidade ética da norma em análise,

bem como preserva os atos processuais até então praticados, em atenção aos

princípios da instrumentalidade do processo e da inafastabilidade da jurisdição.

5. Do exposto, não conheço do recurso especial adesivo interposto por

Genésio Neilôr Finger - Espólio e dou parcial provimento ao apelo nobre aviado

por Cerealista Palotinense Ltda. e outros, a fi m de determinar o retorno dos autos

ao Juízo de Direito de origem, para se intimar o exequente, no intuito de que

este promova a citação do procurador substabelecente em 20 (vinte) dias, nos

termos do parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil.

É como voto.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 535

RECURSO ESPECIAL N. 1.163.267-RS (2009/0206097-0)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Luiz Camilo Teixeira

Advogado: Claudio Gonsiorocki Mombru e outro(s)

Recorrido: Fundação BrTPREV

Advogado: Fabrício Zir Bothomé e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Ação rescisória. Sentença rescindenda.

Julgamento contrário a entendimento sumulado no STJ (Súmula n.

289). Dissídio jurisprudencial superado. Súmula n. 343-STF. Não

incidência. Segurança jurídica. Uniformidade e previsibilidade da

prestação jurisdicional. Necessidade.

1. A principiologia subjacente à Súmula n. 343-STF é

consentânea com o propósito de estabilização das relações sociais e,

mediante a acomodação da jurisprudência, rende homenagens diretas

à segurança jurídica, a qual é progressivamente corroída quando a

coisa julgada é relativizada.

2. Porém, o desalinho da jurisprudência - sobretudo o deliberado,

recalcitrante e, quando menos, vaidoso - também atenta, no mínimo,

contra três valores fundamentais do Estado Democrático de Direito:

a) segurança jurídica, b) isonomia e c) efetividade da prestação

jurisdicional.

3. A Súmula n. 343-STF teve como escopo a estabilização da

jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição,

para que entendimentos fi rmados de forma majoritária não sofressem

investidas de teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas.

Com essa providência, protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica

em sua vertente judiciária, conferindo-se previsibilidade e estabilidade

aos pronunciamentos da Corte.

4. Todavia, definitivamente, não constitui propósito do

mencionado verbete a chancela da rebeldia judiciária. A solução oposta,

a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças e, muito

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por

reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e

de baixa efetividade.

5. Assim, a Súmula n. 343-STF não obsta o ajuizamento de ação

rescisória quando, muito embora tenha havido dissídio jurisprudencial

no passado sobre o tema, a sentença rescindenda foi proferida já sob

a égide de súmula do STJ que superou o mencionado dissenso e se

fi rmou em sentido contrário ao que se decidiu na sentença primeva.

6. Recurso especial provido para, removendo-se o óbice da

Súmula n. 343-STF, determinar o retorno dos autos à Corte Estadual

para que se prossiga no julgamento da ação rescisória.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho,

Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Brasília (DF), 19 de setembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 10.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Luiz Camilo Teixeira, inicialmente,

ajuizou em 2004 ação em face de BrTPREV, objetivando recebimento da

diferença de reserva de poupança segundo índices de correção monetária que

contemplassem a real infl ação do período, bem como as contribuições patronais.

O Juízo sentenciante, em agosto de 2005, julgou improcedente o pedido

deduzido pelo autor, por entender cabível a restituição dos valores pagos

aos associados segundo os índices previstos nos estatutos e regulamentos da

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 537

entidade, tendo sido rejeitado também o pedido de devolução das contribuições

do empregador. O autor afi rmou que, em razão de erro na publicação, a sentença

acabou transitando em julgado.

Por isso, ajuizou então a presente ação rescisória perante o Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), objetivando o reconhecimento

de violação a literal disposição de lei (art. 485, inciso V, do CPC), notadamente:

art. 31, inciso VIII e § 2º, do Decreto n. 81.240/1978; arts. 14, 17 e 19 da LC

n. 109/2001; MP n. 2.159/2001; arts. 421, 422 e 884 do Código Civil; arts. 3º,

inciso IV, 5º, caput, e inciso XXXVI, e 150, inciso IV, da Constituição Federal. O

autor sustentou que, à época em que a sentença de improcedência foi proferida,

já havia jurisprudência sólida do Superior Tribunal de Justiça a acolher sua

pretensão (Súmula n. 289).

O TJRS, invocando a Súmula n. 343-STF, julgou improcedente o pedido

deduzido na ação rescisória nos termos da seguinte ementa:

Ação rescisória. Violação à literal dispositivo de lei. Inocorrência. Inépcia da

inicial e trânsito em julgado. Preliminares rejeitadas.

Verificando-se que a decisão rescindenda pautou-se pela legalidade, em

que pese tenha firmado posição contrária à atual jurisprudência acerca do

alegado direito de receber o associado as diferenças da correção monetária plena

incidente sobre o resgate das contribuições vertidas ao plano, não há falar em

literal violação a dispositivos legais a ensejar a desconstituição da autoridade da

coisa julgada, com fundamento no art. 485, V, do CPC.

Preliminares rejeitadas.

Ação rescisória julgada improcedente (fl . 845).

Opostos embargos de declaração (fl s. 858-862), foram rejeitados (fl s. 864-

869).

Sobreveio então recurso especial apoiado na alínea a do permissivo

constitucional, no qual se alegou, preliminarmente, ofensa aos arts. 126, 131 e

535 do Código de Processo Civil, e, no mérito, ao art. 485, inciso V, do mesmo

diploma, sustentando-se inaplicabilidade da Súmula n. 343-STF e, ademais, a

ocorrência de ofensa literal aos dispositivos de lei apontados na exordial.

Contra-arrazoado (fl s. 893-907), o especial foi admitido (fl s. 910-913).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Não há ofensa aos

arts. 126 e 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as

questões pertinentes ao litígio, afi gurando-se dispensável que o órgão julgador

venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas

partes, bastando-lhe que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão,

sem necessidade de que se reporte de modo específi co a determinados preceitos

legais. No caso, o julgamento dos embargos de declaração apenas se revelou

contrário aos interesses do recorrente, circunstância que não confi gura omissão,

contradição ou obscuridade.

No mais, a tutela jurisdicional foi efetivamente prestada, apenas em

desconformidade com os interesses do recorrente, circunstância que não revela

nenhuma irregularidade no julgamento a quo.

3. Quanto ao cerne do recurso, a controvérsia diz respeito ao cabimento

de ação rescisória contra sentença que julgou improcedente pedido deduzido

pelo ora recorrente, dos quais se destaca aquele referente a devolução de sua

reserva de poupança com correção plena, segundo índices que refl itam a real

desvalorização da moeda. No fundo, o cerne da controvérsia é quanto ao real

sentido e alcance da Súmula n. 343-STF.

A sentença rescindenda, proferida em agosto de 2005, na parte que

interessa, está assim fundamentada:

Não obstante o dissídio jurisprudencial que grassa a respeito do tema, o que

se reconhece, fi lio-me à corrente que entende estarem os fundos de previdência

privada fechada obrigados a restituir a seus associados apenas e exclusivamente

o que de seus estatutos e regulamentos se encontrar previsto. Especialmente

quando se considera o caráter voluntário, isto é, não compulsório, de adesão a tais

planos pelos funcionários, nos termos do art. 11 do aludido diploma.

Solução que enveredasse por outros caminhos, concedendo índices de

reajustes não previstos, certamente causaria desequilíbrio nas contas da FCRT e, a

médio prazo, levaria-a à insolvência, por desequilíbrio atuarial.

Os índices de correção monetária adotados obedeceram, o que a demandante,

aliás, não questiona, ao que dispõe o Estatuto da FCRT (art. 127, § 1º), ou seja,

OTN, BTN e TR. Lícito não lhe era, portanto, adotar IGPM, IPC ou outro qualquer,

como pretendido pelo suplicante (fl . 424).

O magistrado de piso também transcreveu ementas de julgados dos anos

de 1997 a 2000.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 539

No julgamento da ação rescisória, por sua vez, o Tribunal a quo, em essência,

acolheu o parecer do Ministério Público, que obstava o pleito rescisório com

fulcro na Súmula n. 343-STF:

Da análise dos autos infere-se que o Magistrado de origem, ao julgar

improcedente a ação ordinária movida pelo autor, afi rmou que, “não obstante o

dissídio jurisprudencial que grassa a respeito do tema, o que se reconhece, fi lio-

me à corrente que entende estarem os fundos de previdência fechada obrigados

a restituir a seus associados apenas e exclusivamente o que de seus estatutos e

regulamento se encontrar previsto. Especialmente quando se considera o caráter

voluntário, isto é, não compulsório, de adesão a tais planos pelos funcionários,

nos termos do art. 11 do aludido diploma.” Logo, verifi ca-se que, acerca do tema,

há divergência na jurisprudência, tanto que foram colacionados à sentença

julgados que corroboram o entendimento adotado.

Portanto, estando a decisão rescindenda baseada em texto de lei com

interpretação controvertida em nossas cortes, não há que se falar em violação à

literal disposição de lei. Nesse sentido é o entendimento sumulado do Colendo

Supremo Tribunal Federal, segundo o Verbete n. 343, in verbis:

Súmula n. 343. Não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição

de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de

interpretação controvertida nos Tribunais.

Ademais, pretende o demandante, em verdade, a discussão, em ação rescisória,

de matéria já discutida na ação ordinária, na qual, após intimado da decisão que

rejeitou os embargos declaratórios opostos, não interpôs recurso, deixando

transcorre in albis o prazo contra-recursal. Contudo, é incabível a rediscussão de

matéria em ação rescisória, sob pena de ampliar-se, em demasiado, o objeto do

juízo rescindendo, transformando-se a ação rescisória em sucedâneo recursal.

Outrossim, a interpretação dos fatos e do direito contrariamente aos interesses

do autor, consubstanciada em entendimento jurisprudencial divergente, o

que efetivamente ocorreu quando da prolação da sentença rescindenda, não

confi gura violação à literal disposição de lei, sendo, portanto, inadmissível, ante

as hipóteses taxativamente elencadas na lei processual civil, o manejo da ação

rescisória. Nesse sentido é a lição trazida por Theotônio Negrão e José Roberto F.

Gouvêa na obra Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 38 ed.,

Ed. Saraiva, p. 567-568, item 20, em comentário ao art. 485, inciso V, do Código de

Processo Civil, citando julgado do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é

necessário que a interpretação dada pelo “decisum” rescindendo seja de

tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao

contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

540

ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena

de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos (RSTJ

93/146),

Em face do exposto, opina o Ministério Público de Segundo Grau seja julgada

improcedente a presente ação rescisória, nos termos deste parecer. (fl s. 851-853).

Percebe-se, portanto, que a controvérsia de fundo, ao que tudo indica,

conduziria a solução favorável ao recorrente, sendo matéria sumulada que “[a]

restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de

correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda”

(Súmula n. 289), contrariamente ao que entendeu o Juízo de primeiro grau, que

abraçou entendimento segundo o qual seria possível aplicar os índices previstos

no estatuto da entidade, muito embora em descompasso com a infl ação.

4. Primeiramente, embora não seja nem o cerne da controvérsia nem o

fundamento principal desenvolvido na origem, houve no julgamento a quo

uma insinuação de que a ausência de interposição de recurso de apelação

consubstanciaria - no mínimo como reforço de argumentação - um óbice ao

ajuizamento da ação rescisória, tese essa que há tempos é rechaçada no âmbito

desta Corte, na esteira da Súmula n. 514-STF: “Admite-se ação rescisória

contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha

esgotado todos os recursos”.

No âmbito interno, confi ram-se os seguintes precedentes: AR n. 2.845-RS,

Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14.9.2011; REsp n.

1.095.436-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28.2.2012;

AgRg no REsp n. 1.059.945-MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,

Segunda Turma, julgado em 18.12.2008, DJe 16.2.2009.

5. Cumpre destacar que a sentença rescindenda - que colaciona paradigmas

julgados entre os anos de 1997 e 2000, a maioria do próprio TJRS - foi prolatada

em agosto de 2005, depois de já consolidada a jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça em sentido contrário, inclusive com a edição da Súmula n.

289, que ocorreu em abril de 2004. Ou seja, o magistrado manteve entendimento

contrário, a despeito de matéria já sumulada no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça.

Nesse passo, parece certo que a estabilização dos litígios é providência

útil e absolutamente necessária à própria convivência social e à manutenção da

segurança jurídica, que é valor essencial a todo sistema jurídico minimamente

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 541

desenvolvido, sob pena de o passado estar sempre a comparecer com uma

coleção de surpresas desestabilizadoras das relações humanas. Contra isso, o

Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por instrumentos

bem conhecidos de todos, entre os quais se encontra o respeito ao direito

adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

Revela-se claro, portanto, que a principiologia subjacente à Súmula n.

343-STF é consentânea com esse propósito de estabilização das relações sociais

e, mediante a acomodação da jurisprudência, rende homenagens diretas à

segurança jurídica, a qual é progressivamente corroída quando a coisa julgada é

relativizada, em não raras vezes.

O citado verbete tem a seguinte redação:

Súmula n. 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de

lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais.

Roberto Rosas, no reconhecido Direito Sumular, expõe que o motivo

determinante da edição da Súmula n. 343-STF foi a necessidade de preservar o

entendimento adotado pelo Tribunal contra oscilações decorrentes de maiorias

episódicas, de modo que a composição transitória da Corte não ocasionasse, por

repetidas vezes, a alteração também de sua jurisprudência.

Eis a notícia histórica trazida na mencionada obra:

A orientação tomada pelo Min. Gonçalves de Oliveira nos EAR n. 602 deu

motivo a essa Súmula: “Entendo que não é possível, em rescisória, alterar o

julgamento proferido em grau de embargos ao recurso extraordinário, com

amplo debate, sem que se possa dizer que o julgamento é nulo por violação

de lei. O Tribunal tomou, após ampla discussão, uma interpretação razoável da

lei, fi rmada, de resto, de acordo com os precedentes. Destarte, não caberia ação

rescisória para anular a sentença anterior do Supremo Tribunal, porque, em favor

do mesmo, da tranquilidade pública, da tranquilidade jurídica, em razão mesmo

da eficácia da coisa julgada, terminou o julgamento, ainda que tomado por

maioria ocasional” (ROSAS, Roberto. Direito sumular. 13 ed. Malheiros: São Paulo,

2006, p. 149).

Esse entendimento, deveras, espelha algo por vezes esquecido, que é a

refl exão acerca da real importância dos julgamentos das Cortes Superiores e

onde, exatamente, reside sua força.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

542

Nunca é ocioso relembrar, quanto ao tema, o magistério de Benjamin N.

Cardozo, o qual, ainda no alvorecer do século XX, ressaltava que a importância

e a força do julgamento colegiado não se hospedavam exatamente na aventada

superioridade intelectual dos juízes de Cortes colegiadas, mas na circunstância

de que, nas Cortes de justiça, ocorre o chamado “temperamento judicial”, que

emancipa o jurisdicionado do “poder sugestivo das aversões e predisposições

individuais”, de modo que a jurisprudência refl ita um vetor resultante cujo valor

sempre supere as forças singulares que o compõem:

As excentricidades dos juízes se equilibram. Um juiz examina os problemas do

ponto de vista da história; outro, do ponto de vista da fi losofi a; um terceiro, do

ponto de vista da utilidade social; um é formalista; outro, tolerante; um tem medo

de mudanças; outro está insatisfeito com o presente. Do atrito entre diversas

mentes cria-se algo que tem uma constância, uma uniformidade e um valor

médio maiores do que seus elementos componentes (CARDOZO, Benjamin N.. A

natureza do processo judicial. Tradução: Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes,

2004, p. 131).

Todavia, se é assim, o respeito à coisa julgada, que é valor de elevada

grandeza e que foi, efetivamente, contemplado pela Súmula n. 343-STF, é

apenas uma - e não necessariamente a mais importante - manifestação da

segurança jurídica, conceito indeterminado de maior amplitude, cuja realização,

ao fi m e ao cabo, também constituiu desígnio último do mencionado verbete.

Vale dizer, com o Enunciado n. 343, o Supremo Tribunal Federal, a

propósito de proteger, de forma mediata, a segurança jurídica, acabou por

resguardar, de forma imediata, a coisa julgada.

Nessa ordem de ideias, para que a segurança jurídica não se transforme

em mero ingrediente vulgar de peculiar versatilidade, cumpre traçar - mesmo

que de modo não exauriente - o conteúdo mínimo de sua manifestação (e de

outras categorias jurídicas a ela correlatas) e aferir se, no caso concreto, esse

valor essencial estaria menos ou mais protegido se se fi zer incidir a Súmula n.

343-STF para obstar o cabimento da ação rescisória.

6. Quanto ao ponto, Ingo Wolfgang Sarlet afi rma com propriedade que,

no sistema constitucional atual, a segurança jurídica passa a ter o status de

“subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado

de Direito. Assim, para além de assumir a condição de direito fundamental

da pessoa humana, a segurança jurídica constitui simultaneamente princípio

fundamental da ordem jurídica estatal” (SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 543

do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos

fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro.

In. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 14, n. 57, outubro-

dezembro de 2006. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional

– IBDC p. 10-11).

Na mesma direção, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o eminente

Ministro Gilmar Mendes asseverou que, “em verdade, a segurança jurídica,

como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema

jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça

material” (Pet n. 2.900 Q.O. –RS. Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes,

julgado em 27.11.2003).

Canotilho, na mesma linha que, de resto, é a da maciça doutrina, também

noticia que o Estado de Direito possui como princípios constitutivos a segurança

jurídica e o princípio da confi ança do cidadão, ambos instrumentos de condução,

planifi cação e conformação autônoma e responsável da vida (CANOTILHO,

J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 375-

376).

No que concerne especifi camente à segurança jurídica, o mestre português

entende que tal princípio reconduz-se a dois outros princípios materiais

concretizadores do princípio geral de segurança, quais sejam, o princípio da

determinabilidade das leis (exigência de leis claras e densas) e o princípio da

proteção da confi ança, consubstanciado na exigência de que as ações emanadas

do Estado e dirigidas aos administrados sejam estáveis, ou, ao menos, “não

lesivas de previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus

efeitos jurídicos” (idem, ibidem).

Diante dessa força irradiante para todo o sistema jurídico, parece

claro que, para além do respeito à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e ao

direito adquirido - aos quais se pode somar a necessidade de leis de aplicação

prospectiva, claras e relativamente estáveis -, há mais a se descortinar.

Nesse passo, a postura do Poder Judiciário é de elevada importância

na concretização da segurança jurídica, notadamente pela entrega de uma

prestação jurisdicional previsível que não atente contra a confi ança legítima

do jurisdicionado (NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula

vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010 [Série IDP], passim).

Deveras, parece não haver dúvida de que, se a ideia de previsibilidade e

de estabilidade está intrínseca à de coisa julgada, direito adquirido, ato jurídico

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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perfeito, leis de aplicação prospectiva, claras e estáveis - ou seja, manifestações

particulares do valor segurança jurídica -, a atividade jurisdicional não

pode extraviar-se desse prumo. Do contrário, causaria grave insegurança ao

jurisdicionado e, em última conta, um signifi cativo desajuste no sistema.

Com efeito, presta elevada reverência à segurança jurídica a jurisprudência

previsível, que efetivamente contribua com a ordenação da sociedade, ou,

nas palavras de Canotilho, uma jurisprudência de “condução, planifi cação e

conformação autônoma e responsável da vida”, qualidade essa que é atingida, em

alguma medida, com a prestação jurisdicional uniforme e relativamente estável -

o que não é sinônimo de imutável.

De fato, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e,

exatamente por isso, tenho afi rmado que, se a divergência de índole doutrinária

é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência

jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável (REsp n.

753.159-MT).

Se bem analisado, o desalinho da jurisprudência - sobretudo o deliberado,

recalcitrante e, quando menos, vaidoso - atenta, no mínimo, contra três valores

fundamentais do Estado Democrático de Direito: a) segurança jurídica, b)

isonomia e c) efetividade da prestação jurisdicional.

Contra a segurança jurídica porque a previsibilidade ínsita ao próprio

Estado de Direito estaria comprometida, instalando-se uma anárquica “loteria

judiciária” a exigir um “dom premonitório do jurisdicionado”, precisamente

na esteira do que afirmou Ovídio Araújo Batista da Silva, no sentido de

ser o processo uma “máquina diabólica de transformação de direitos em

expectativas” (Apud. ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o

modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lúmen

Júris, 2007, p. 206).

Contra a isonomia porque a igualdade perante a lei não se completa com

a edição de leis equânimes, gerais e abstratas, se a iguais jurisdicionados são

entregues prestações jurisdicionais díspares.

E, fi nalmente, contra a efetividade da prestação jurisdicional porque o

processo efetivo há de congregar direito material e celeridade, ou, nos dizeres

da doutrina, “processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores

segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito

material” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2010, p. 49).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 545

Nesse particular, é inegável que a dispersão jurisprudencial acarreta -

quando não o perecimento do próprio direito material -, a desnecessária dilação

recursal, com perdas irreversíveis de toda ordem ao jurisdicionado e ao aparelho

judiciário.

Basta dizer, por exemplo, que, no caso em exame, entre a sentença proferida

em 2005 - graças à recalcitrância em se aplicar a Súmula n. 289-STJ - e a

presente data, já escoaram 8 (oito) anos - até agora.

7. Com efeito, o fundamental valor segurança jurídica que está

subentendido na Súmula n. 343-STF signifi ca bem mais que imutabilidade

da coisa julgada. Agrega-se - entre outros atributos - a qualidade de uma

jurisprudência previsível, capaz de oferecer balizas às relações jurídicas, a cuja

materialização se faz necessária a uniformidade dos pronunciamentos judiciais.

Com base nesse amplo espectro de incidência do valor segurança jurídica,

e à luz dos contornos do caso concreto, não se afi gura cabível a aplicação da

Súmula n. 343-STF, uma vez que, no caso em exame, bem menos que genuíno

dissídio jurisprudencial, houve pura recalcitrância do magistrado singular em

alinhar-se a entendimento consolidado em súmula do STJ.

Consoante aventado, a Súmula n. 343-STF teve como escopo a estabilização

da jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição, para que

entendimentos fi rmados de forma majoritária não sofressem investidas de

teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas. Com essa providência,

protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica em sua vertente judiciária,

conferindo-se previsibilidade e estabilidade aos pronunciamentos da Corte.

Todavia, defi nitivamente, não constitui propósito do mencionado verbete a

chancela da rebeldia judiciária.

A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças

e, muito pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por

reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e de baixa

efetividade - já se vão 8 (oito) anos perdidos, em franca desarmonia com o

direito à duração razoável do processo.

Barbosa Moreira esclarece bem o alcance limitado do enunciado sumular

em apreço:

Deve receber-se com reservas a tese. Sem dúvida, no campo interpretativo,

muitas vezes há que admitir certa fl exibilidade, abandonada a ilusão positivista

de que para toda questão hermenêutica exista uma única solução correta.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

546

Daí a enxergar em qualquer divergência obstáculo irremovível à rescisão vai

considerável distância: não parece razoável afastar a incidência do art. 485,

n. V, só porque dois ou três acórdãos infelizes, ao arrepio do entendimento

preponderante, hajam adotado interpretação absurda, manifestamente contrária

ao sentido da norma (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de

processo Civil. vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 132

Como advertiu Calmon de Passos em ácidas palavras, “infelizmente,

no Brasil pós 1988 se adquiriu a urticária do ‘autonomismo’, e todo mundo é

comandante e ninguém é soldado, todo mundo é malho e ninguém é bigorna”

(CALMON DE PASSOS, J.J.. Súmula vinculante. in Revista do Tribunal

Regional Federal da 1ª Região. 9(1) 163-176, jan.-mar. 1997, p. 176).

Penso, portanto, que a “recalcitrância judiciária” não pode ser referendada

por esta Corte, fechando-se as portas da ação rescisória com base na Súmula n.

343-STF, a qual, como se viu, esconde propósitos bem distintos e, efetivamente,

de inegável juridicidade.

8. No caso em julgamento, a sentença rescindenda simplesmente

desconsiderou a jurisprudência pacifi cada neste Superior Tribunal, inclusive

sedimentada em enunciado de súmula, preferindo, ao reverso, agarrar-se a

precedentes da década de noventa do século passado.

Em caso bastante semelhante, aceitou-se o ajuizamento de ação rescisória:

Processual Civil. Previdência privada. Resgate de contribuições. Prescrição.

Ação rescisória. Divergência de entendimentos. Não cabimento.

1. “Nos termos do Enunciado n. 343 da Súmula do STF, não é cabível ação

rescisória por violação de literal dispositivo de lei quando a matéria era

controvertida nos Tribunais à época do julgamento. A jurisprudência, contudo,

tanto do STF como do STJ evoluiu de modo a considerar que não se pode admitir

que prevaleça um acórdão que adotou uma interpretação inconstitucional (STF) ou

contrária à Lei, conforme interpretada por seu guardião constitucional (STJ). Assim,

nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver

evoluído para sua pacifi cação, a rescisória pode ser ajuizada.” (2ª Seção, AR n. 3.682-

RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 19.10.2011)

2. Recurso especial provido. (REsp n. 1.324.072-DF, Rel. Ministra Maria Isabel

Gallotti, Quarta Turma, julgado em 4.9.2012, DJe 14.9.2012).

Nesse particular, ressalte-se também que há muito tempo foi abandonado

o entendimento segundo o qual a “literal violação” é sinônimo de ofensa

teratológica e aberrante à letra da lei.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 547

Uma vez mais com Barbosa, embora se exija, efetivamente, ofensa de

razoável monta, que não se confunde com a escolha de uma, entre as várias

interpretações possíveis, convenço-me ser mais bem compreendida a locução

do art. 485, inciso V, do CPC como violação de “direito em tese”, porque o

“ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei

revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da

quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem contar

literalmente de texto algum” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 131).

Nesse sentido, confi ra-se o seguinte precedente da Corte Especial:

Direito Tributário. Processual Civil. Embargos de divergência em recurso

especial. Afronta ao art. 475 do CPC. Princípio do non reformatio in pejus em

remessa obrigatória. Ação rescisória. Cabimento. Embargos de divergência

rejeitados.

1. O fundamento para o ajuizamento da ação rescisória, mormente aquele

previsto no inciso V do art. 485 do CPC – violação de literal disposição de lei –, é de

tipifi cação estrita, em respeito à estabilidade das relações jurídicas acobertadas

pela coisa julgada, visando a paz social.

2. A interpretação restrita do art. 485, V, do CPC não importa em sua

interpretação literal, sob pena de não ser possível alcançar seu verdadeiro sentido

e intento, e, por conseguinte, assegurar uma efetiva prestação jurisdicional.

3. É cabível ação rescisória, com amparo no art. 485, V, do CPC, contra provimento

judicial de mérito transitado em julgado que ofende direito em tese, ou seja, o

correto sentido da norma jurídica, assim considerada não apenas aquela

positivada, mas também os princípios gerais do direito que a informam.

Precedente do STJ.

4. A proibição da reformatio in pejus, cujo status principiológico é inegável,

porquanto exprime uma noção primordial do sistema recursal, encontra-

se implicitamente contida na regra do art. 475 do CPC, que trata da remessa

necessária.

5. É cabível ação rescisória contra acórdão transitado em julgado que, em

remessa necessária, houver afrontado o princípio da non reformatio in pejus.

6. Embargos de divergência rejeitados.

(EREsp n. 935.874-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial,

julgado em 17.6.2009, DJe 14.9.2009)

Na mesma linha, são os seguintes precedentes: REsp n. 409.417-RS,

Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17.8.2010, DJe

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

548

24.8.2010; REsp n. 329.267-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,

julgado em 26.8.2002, DJ 14.10.2002.

Em suma, no caso concreto, parece que a segurança jurídica e, de resto, a

higidez e harmonia do próprio sistema estão mais bem resguardadas com a não

incidência da Súmula n. 343-STF, razão pela qual estou a afastar o mencionado

verbete, com a devolução dos autos ao Tribunal a quo.

Não se analisa, já de agora, a concreta ofensa a literal dispositivo legal,

seja porque a matéria não foi efetivamente apreciada pela Corte estadual - que

aplicou, de início, a Súmula n. 343-STF -, seja porque demandaria a análise dos

fatos constitutivos do direito alegado pelo autor, providência incabível neste

momento processual.

9. Diante do exposto, removendo-se o óbice da Súmula n. 343-STF, dou

provimento ao recurso especial para que os autos retornem ao Tribunal a quo e

prossiga-se no julgamento da ação rescisória, como se entender de direito.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Raul Araújo (Presidente): Srs. Ministros, entendo que a

Súmula n. 343, por sua própria natureza, pelo seu enunciado, comporta mesmo

esses temperamentos sempre que se ponderar a esse respeito.

Dou provimento ao recurso especial, acompanhando o voto do Sr. Ministro

Relator.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, também acompanho

o voto do Relator e não faço sequer a ressalva de que a decisão que afronte

súmula ou entendimento pacifi cado da Corte Especial ou da Seção competente

do STJ tenha que ser necessariamente anterior à súmula ou à decisão no

repetitivo. Assim entendo, na linha de evolução que está sendo vista, como bem

relatado no voto do eminente Relator, no Supremo Tribunal Federal e agora no

STJ, no sentido de que, para que se assegure adequada força aos precedentes do

Tribunal e à uniformidade da interpretação do direito federal, que é a missão

constitucional do STJ, e o tratamento isonômico dos jurisdicionados, não deve

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 549

ser obstada ação rescisória, quando houver confronto da decisão rescindenda

com a jurisprudência pacifi cada no STJ em matéria de ofensa à lei federal, assim

como no Supremo Tribunal Federal não se aplica a Súmula n. 343 quando se

trata de interpretação de Constituição.

Dou provimento ao recurso especial, acompanhando o voto do Sr. Ministro

Relator.

RECURSO ESPECIAL N. 1.221.817-PE (2010/0203210-5)

Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti

Recorrente: Nova Pirajuí Administração S/A Nopasa

Advogados: Carlos Augusto Sobral Rolemberg

Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite

Carlos Andrade Lima

Recorrente: Anita Louise Regina Harley

Advogados: Peter de Camargo e outro(s)

José Augusto Pinto Quidute e outro(s)

Recorrido: Robert Bruce Harley Júnior - Espólio e outros

Representado por: Francisca de Paula Tavares da Silva Harley -

Inventariante

Advogados: Eduardo Guimarães Falcone e outro(s)

Luiz Armando Badin

EMENTA

Direito Civil e Processual Civil. Sucessão testamentária.

Fideicomisso. Fideicomissário premoriente. Cláusula do testamento

acerca da substituição do fi deicomissário. Validade. Compatibilidade

entre a instituição fi duciária e a substituição vulgar. Condenação de

terceiro afastada. Efeitos naturais da sentença.

1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo

Tribunal de origem de forma sufi cientemente ampla, fundamentada

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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e sem omissões, deve ser rejeitada a alegação de contrariedade do art.

535 do Código de Processo Civil.

2. A sentença não prejudica direitos de pessoa jurídica que não

foi citada para integrar a relação processual (CPC, art. 472). Como ato

estatal imperativo produz, todavia, efeitos naturais que não pode ser

ignorados por terceiros.

3. O recurso de apelação e a ação cautelar são instrumentos

processuais distintos e visam a diferentes objetivos. O ajuizamento de

ambos para questionar diferentes aspectos do mesmo ato judicial não

confi gura preclusão consumativa a obstar o conhecimento da apelação.

4. De acordo com o art. 1.959 do Código Civil, “são nulos

os fi deicomissos além do segundo grau”. A lei veda a substituição

fi duciária além do segundo grau. O fi deicomissário, porém, pode

ter substituto, que terá posição idêntica a do substituído, pois o que

se proíbe é a sequência de fi duciários, não a substituição vulgar do

fi duciário ou do fi deicomissário.

5. A substituição fi deicomissária é compatível com a substituição

vulgar e ambas podem ser estipuladas na mesma cláusula testamentária.

Dá-se o que a doutrina denomina substituição compendiosa. Assim, é

válida a cláusula testamentária pela qual o testador pode dar substituto

ao fi deicomissário para o caso deste vir a falecer antes do fi duciário ou

de se realizar a condição resolutiva, com o que se impede a caducidade

do fi deicomisso. É o que se depreende do art. 1.958 c.c. 1.955, parte

fi nal, do Código Civil.

6. Recurso especial de Nova Pirajuí Administração S.A. Nopasa

a que se dá parcial provimento.

7. Recurso especial de Anita Louise Regina Harley a que se dá

parcial provimento.

ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos

especiais de Nova Pirajuí Administração S.A. - Nopasa e de Anita Louise

Regina Harley, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros

Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo

(Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 551

Sustentou oralmente Dr. José Diogo Bastos Neto, pela parte Recorrida:

Robert Bruce Harley Júnior.

Sustentou oralmente Dr. José Augusto Pinto Quidute, pela parte

Recorrente: Anita Louise Regina Harley.

Sustentou oralmente Dr. Carlos Augusto Sobral Rolemberg, pela parte

Recorrente: Nova Pirajuí Administração S/A Nopasa.

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora

DJe 18.12.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Trata-se de recursos especiais

interpostos com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição da

República, por Nova Pirajuí Administração S.A. - Nopasa - na qualidade de

terceira interessada - e por Anita Louise Regina Harley.

Consta dos autos que o espólio de Robert Bruce Harley Junior, sua

inventariante Francisca de Paula Tavares da Silva e os herdeiros Ana Paula

Harley, Ana Cecília Harley de Noronha, Robert Bruce Harley, Ana Beatriz

Harley e Hugh Anthony Harley ajuizaram ação declaratória de extinção de

fi deicomisso em face de Anita Louise Regina Harley.

Alegaram que sua avó, a falecida Erenita Helena Groschke Cavalcanti

Lundgren - da qual a ré é fi lha e testamenteira - em disposição de última

vontade distribuiu a parte disponível de seu patrimônio da seguinte forma:

das ações e cotas de que era titular em sociedades mercantis deixou 50% à

testamenteira e, em fi deicomisso, 25% para o fi lho Robert Bruce Harley Junior

(do qual os autores são herdeiros) e 25% para a fi lha Anna Christina Harley,

nomeando fi duciária a própria testamenteira.

Ocorre que o fideicomissário Robert Bruce Harley Junior morreu

anteriormente à própria fi duciária. Os autores, por isso, pretendem a declaração

de extinção do fi deicomisso para que lhes sejam transmitidos os bens que

compunham a cota de seu pai na deixa testamentária. A ré, a seu turno, em

reconvenção, defendeu a tese de que, falecido o fideicomissário antes de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

552

realizado o termo imposto pela fi deicomitente, a propriedade se consolidou em

nome dela, fi duciária.

A sentença foi pelo julgamento de improcedência do pedido e julgamento

de procedência da reconvenção, com revogação da tutela antecipada até então

deferida. O juízo de primeiro grau apoiou-se nas regras dos artigos 1.735, 1.738,

1.739 e 1.740 do Código Civil de 1916, das quais concluiu que o fi deicomisso

caduca quando o fi deicomissário falece antes do fi duciário. Considerou nula

a cláusula do testamento que determinava a substituição dos fi deicomissários

falecidos por seus herdeiros e, assim, impedia a consolidação da propriedade

em nome da fi duciária. Entendeu que a disposição contrariava regras de ordem

pública do Código Civil.

O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco excluiu o espólio de

Robert Bruce Harley Junior e sua inventariante do pólo ativo da lide, pois

considerados partes ilegítimas. Deu provimento à apelação dos outros autores

para julgar procedente o pedido e declarar extinto o fi deicomisso em 7 de

novembro de 2001. Afi rmou que, com a morte do fi deicomissário, os bens que

a este caberiam em razão do fi deicomisso passariam a ser titularizados por seus

herdeiros, a fi m de fazer prevalecer a vontade expressa da testadora. Considerou

que esta, a par de instituir o fi deicomisso, dispôs também sobre a substituição

em caso de morte do fi deicomissário, o que está de acordo com as regras

pertinentes do Código Civil.

O acórdão foi assim ementado (e-STJ fl . 348):

Direito Civil. Sucessão. Testamento público. Fideicomisso. Extinção. Discussão.

Interpretação de cláusulas. Adoção daquela que melhor prestigia a vontade do

testador. Ação declaratória de extinção do fi deicomisso provida à unanimidade

de votos. Reconvenção não acolhida indiscrepantemente. Cautelar prejudicada.

Preliminarmente excluem-se a viúva Francisca de Paula Tavares da Silva Harley

e o Espólio de Robert Bruce Harley Junior do Pólo Ativo da Ação Declaratória de

Extinção de Fideicomisso por carecerem de legitimidade e de interesse processual

para fi gurarem no litígio. Decisão unânime.

Mérito - Sentença de 1º grau que, interpretando cláusula testamentária, se

inclinou pela improcedência da ação, sob o fundamento de que havia caducado

o fi deicomisso em face do falecimento precoce do fi deicomissário, enquadrando-

se assim nas hipóteses legais previstas nos artigos 1.738 e 1.739 do Código Civil

Brasileiro de 1916, sobretudo ao afi rmar que não seria possível admitir-se que o

fi deicomisso fosse além do segundo grau, confundindo a substituição fi duciária

com a substituição vulgar do fi deicomissário.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 553

- Inaplicabilidade, no caso concreto, das hipóteses legais previstas nos artigos

1.738 e 1.739, do Código Civil Brasileiro de 1916, diante da prevalência da vontade

do Testador (inteligência dos Artigos 1.738 “in fi ne”, 1.735 e 1.666, do Código Civil

Brasileiro de 1916).

- Aplicação incompleta do artigo 1.738 do Código Civil Brasileiro de 1916, pelo

Juízo de 1º grau e dissociada do artigo 1.735 do mesmo Diploma legal, que estão

intrinsecamente ligados, para considerar indevidamente caduco o fi deicomisso

diante do falecimento prematuro do fi deicomissário Robert Bruce Harley Junior.

- É plenamente possível ao Testador dar substituto ao fi deicomissário, caso

venha o mesmo a falecer antes do fiduciário ou de se alcançar à condição

resolutiva do fi deicomisso, impedindo, com tal determinação, a caducidade do

fi deicomisso (Cláusula XXIV, do Testamento).

- Ao instituir o fideicomisso a Testadora designou a sua filha Anita Louise

Regina Harley como fi duciária e responsável pela administração e conseqüente

devolução do patrimônio fi deicomitido, incluindo os acréscimos decorrentes dos

rendimentos e frutos deles proveniente, sendo a mesma precisa e contundente,

ao assinalar, na Cláusula XXIV do Testamento, a possibilidade de ocorrer à

substituição vulgar/compendiosa dos fi deicomissários, pois assim fazendo não

estará indo além do segundo grau da instituição/vocação, já que o substituído

terá idêntica e igual posição do substituto, sem que se possa afi rmar a existência

da sucessão fi duciária além do segundo grau de instituição.

- Prevalência da vontade do Testador ao expressar que no caso de morte dos

fi deicomissários ou de um deles, as ações e quotas legadas não se consolidarão no

fi duciário, devendo ser administrados pela Fiduciária em nome dos descendentes

dos fideicomissários ou pelo tempo que restar do prazo estabelecido de 20

(vinte) anos ou até a idade de 21 (vinte e um) anos de cada descendente, se

essa condição testamentária ocorrer antes de 20 (vinte) anos (Cláusula XXIV, do

Testamento).

- Ademais, pelas disposições expressas nas cláusulas XXII e XXIV do

Testamento, verifi ca-se que a Testadora fi xou termo, tempo e condição resolutiva

para a extinção do fi deicomisso, de modo que em nenhuma hipótese os bens

fideicometidos viessem a se consolidar na pessoa da fiduciária, devendo,

portanto, se buscar ao máximo prestigiar a declaração de última vontade do

testador, conforme estipulado no artigo 1.666 do então Código Civil Brasileiro.

Assim, alcançada a condição resolutiva em 7 de novembro de 2001, faz

cessar o fideicomisso e obriga a administradora/fiduciária a proceder com a

respectiva devolução dos bens legados, com os devidos acréscimos resultantes

dos rendimentos e frutos dos referidos bens, bem como o pagamento dos

dividendos, vantagens ou quaisquer outros rendimentos, sem apego a quaisquer

formalidades ou dúvidas ou interpretações que possa servir de apanágio para

deixar de cumprir a soberana vontade da Testadora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

554

- Feitos em pauta, julgados por convocação extraordinária do Exmo.

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, quando me encontrava

de férias, em face da desconstituição temporária da Câmara, por ausência do

núimero legal de Desembargadores para a sua composição.

- Apelos providos - Reconvenção julgada improcedente - Cautelar não

conhecida, tudo à unanimidade de votos.

Além de declarar extinto o fi deicomisso em 7.11.2001, determinou que

os descendentes do fideicomissário Robert Bruce Harley Junior passem à

condição de proprietários de 25% das cotas e ações das empresas Zodiac

Empreendimentos e Participações Ltda. e Nopasa - Nova Pirajuí Administração

S/A e que as referidas empresas paguem aos autores dividendos, vantagens e

quaisquer outros rendimentos decorrentes dos bens que integram o fi deicomisso,

com efeitos a partir de 7.11.2001.

Foram opostos embargos de declaração, rejeitados.

Nova Pirajuí Administração S.A. Nopasa alega violação dos arts. 267, VI,

301, X, e 472 do Código de Processo Civil. Sustenta ser parte ilegítima para a

causa, porque nesta se discute questão sucessória afeta somente aos recorridos.

Além disso, não foi parte no processo, motivo pelo qual não poderia ter sido

condenada ao pagamento de rendimentos referentes à participação societária

aos autores vencedores.

Anita Louise Regina Harley aponta negativa de vigência dos arts. 155,

267, VI, 301, X, 472, 513, 535, II, 554 e 560 do CPC; 119, 1.580, 1.666, 1.721,

1.733, 1.734, 1.735, 1.738, 1.739 e 1.740 do Código Civil de 1916. Afi rma

negativa de prestação jurisdicional, pois rejeitados seus embargos de declaração

sem exame da matéria neles suscitada (CPC, art. 535, II).

Alega, também, não ter sido dada publicidade aos atos processuais, pois

não teria tido informação de que o relator do acórdão recorrido reassumiu a

atividade jurisdicional para participar do julgamento no dia em que ele estaria

em gozo de férias, o que fez com o que os advogados dela, recorrente, estivessem

ausentes e não fi zessem sustentação oral (CPC, arts. 155 e 554).

Afi rma que as pessoas jurídicas Nova Pirajuí Administração S.A. Nopasa

e Zodiac Empreendimentos e Participações Ltda. não poderiam ter sido

condenadas, pois não participaram formalmente da relação processual (CPC,

arts. 267, VI, 301, X, 472).

Além disso, afi rma ter-se operado preclusão consumativa e lógica, que

deveria ter sido reconhecida pelo acórdão. Os recorridos ajuizaram apelação

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 555

mesmo depois de ter impugnado a sentença por meio de ação cautelar (CPC,

arts. 513 e 560).

Discorre sobre a indivisibilidade da herança, parte da qual não poderia ser

deferida aos herdeiros antes de efetuada a partilha (CC, art. 1.580).

Pondera que o percentual deferido pelo acórdão aos recorridos é excessivo

e invade a parte que a ela mesmo coube tanto na sucessão testamentária quanto

na legítima (CC, art. 1.721).

Argumenta, por fi m, sobre a substituição fi duciária e a impossibilidade de

instituição desta além do segundo grau, o que teria sido permitido pelo acórdão

em contrariedade a disposição expressa da lei (CC, arts. 119, 1.666, 1.733,

1.734, 1.735, 1.738, 1.739).

Foram apresentadas as contrarrazões de fl s. 571-599 e 601-617.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Inicialmente, destaco

que o juízo de origem autuou em separado a ação declaratória e a reconvenção,

embora tenham sido julgadas pela mesma sentença e, em grau de recurso, pelo

mesmo acórdão.

O presente feito, Recurso Especial n. 1.221.817-PE, refere-se aos autos

que foram formados para a reconvenção. Os autos da ação declaratória foram

recebidos nesta Corte Superior e catalogados como Recurso Especial n.

1.215.953-PE.

Conforme relatado, a questão que se discute neste processo é relacionada

à validade de cláusula testamentária que determina a substituição do

fi deicomissário por seus dependentes no caso de vir este a falecer antes do

fi duciário. Os autores da ação sustentam a validade da cláusula com base na

parte fi nal do art. 1.735 do Código Civil de 1916. No entendimento da ré

reconvinte, ao contrário, com o falecimento do fi deicomissário, caducou o

fi deicomisso, tendo a propriedade plena se consolidado na pessoa da fi duciária,

na forma do disposto no art. 1.738 do Código Civil de 1916, regra legal que

sustenta ser de ordem pública e ter sido violada pela cláusula testamentária, a

qual seria, pois, nula.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

556

O que se pretendia com a ação, portanto, era a declaração da extinção

do fi deicomisso, pois o mais jovem herdeiro do fi deicomissário morto atingiu

a maioridade, termo imposto pela fi deicomitente para que os substitutos do

fi deicomissário recebessem os bens fi deicometidos.

No pólo ativo da ação estavam os herdeiros do fi deicomissário e no pólo

passivo a irmã deste, testamenteira de Erenita Helena Groschke Cavalcanti

Lundgren e por esta escolhida para ser a fi duciária. Era o que bastava para a

triangularização da relação processual, dados o confl ito apresentado em juízo e o

tema posto em debate.

Nova Pirajuí Administração S.A., todavia, foi condenada a distribuir

dividendos aos autores retroativos à data de extinção do fi deicomisso (7.11.2001).

Não integrou - nem era o caso - nenhum dos pólos da ação, mas está submetida

aos efeitos do acórdão recorrido, que emitiu provimento desfavorável a ela.

Nesse contexto, por não ser parte do processo - já que não era parte na

relação jurídica material descrita na causa de pedir - a recorrente Nopasa não

pode sofrer condenação.

Não foi o que ocorreu, porquanto o acórdão recorrido não observou os

limites subjetivos que lhe foram impostos. A relação jurídica processual estava

regularmente formada entre herdeiros do fi deicomissário e a fi duciária; as partes

discutiam a validade e efi cácia das cláusulas da instituição do fi deicomisso.

Sujeitos alheios a essa relação não poderiam sofrer os efeitos da sentença. O

acórdão recorrido, então, não pode ter efi cácia contra Nopasa, embora válido e

efi caz entre as partes.

Violado foi, portanto, o art. 472 do Código de Processo Civil. É o sufi ciente

para se afastar a condenação de Nova Pirajuí Administração S.A. - Nopasa. São

oportunas, todavia, algumas outras considerações.

Como se verifi ca dos autos, os autores, apesar de indicarem como ré apenas

Anita Louise, pediram a condenação de Nopasa (fl . 387) ao pagamento de

verbas referentes a dividendos e distribuição de lucros.

E, tal como já consagrado pela jurisprudência consolidada desta Corte, a

petição inicial deve ser interpretada como um todo harmônico. Consideram-se

como pedidos não só os requerimentos formulados em tópico expressamente

intitulado “pedidos” ou algo semelhante, mas também o que como tal se possa

facilmente inferir do teor da petição.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 557

No caso concreto, todavia, o pedido de condenação de Nopasa destoa do

conteúdo da petição inicial. A causa de pedir descreve relação travada entre

membros de uma família que não chegaram a um acordo sobre como deveria ser

cumprido o testamento que instituiu o fi deicomisso. Trata-se de típica relação

de família e confl ito sucessório e o que se pede, coerentemente, é a declaração de

extinção do fi deicomisso. O pleito de condenação de pessoa jurídica estranha à

relação material apresentada não está em harmonia com o texto apresentado em

toda a peça inicial e Nopasa, nesse contexto, é parte passiva ilegítima.

Embora o nome dado à ação pelos autores não vincule o provimento

judicial que se requer e que, ao fi nal, pode ser deferido, certo é que a narração

dos fatos e a argumentação por eles desenvolvida deve ser coerente e compatível

com os pedidos feitos. No caso, o nome dado à ação é mesmo indicativo de sua

real intenção de ser declarados benefi ciários do fi deicomisso instituído.

Não é, portanto, o caso de se anular o processo para que se faça a citação de

Nopasa. É o bastante considerar válido o acórdão e efi caz contra os sujeitos que

efetivamente participaram do processo, mas inefi caz contra aquela sociedade

anônima, mesmo porque sua condenação, pelos motivos expostos, foi inusitada e

desbordou dos limites da lide subjacentes.

Atente-se, também, para as considerações feitas na decisão proferida na

Reclamação n. 8.573, ajuizada pela sociedade. É certo que, embora não sendo

parte, submete-se a Nopasa aos efeitos naturais da decisão judicial sobre a

propriedade das cotas acionárias e, assim, não pode se opor ao pagamento

de rendimentos acionários a serem distribuídos nos exercícios posteriores ao

acórdão recorrido e vindouros a quem de direito.

Da doutrina, colhe-se o seguinte:

“Por alguns efeitos refl exos da sentença, todavia, são legitimamente atingidos

certos sujeitos que não hajam sido partes no processo. Trata-se de terceiros que,

embora não sejam sujeitos ativos ou passivos da própria relação jurídico-substancial

versada no litígio, são titulares de outras relações jurídicas que de alguma forma se

relacionam com esta ou dela são dependentes.

(...)

A projeção ultra partes dos efeitos refl exos da sentença é consequência da

efi cácia natural desta, que a todos se impõe na medida do objeto do julgamento

proferido e sem incluir a disciplina imperativa de relações jurídicas cujo titular

não haja sido parte (Liebman). A sentença que priva meu devedor de uma

propriedade, julgando procedente a demanda reivindicatória que alguém lhe

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

558

moveu, repercute economicamente em meu patrimônio porque já não disporei

do bem para futura penhora, sendo esse um legítimo efeito refl exo que não

posso evitar; mas a sentença que anula a compra-e-venda de um imóvel não

implica anulação de alienações subsequentes, realizadas antes da instauração do

processo, porque a isso se opõem as garantias constitucionais do contraditório

e do devido processo legal. (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito

Processual Civil, volume III, Malheiros, 6ª edição, p. 215)

A sentença, do mesmo modo que todo ato jurídico - diz Chiovenda - existe e vale

em relação a todos (...). Mas afi rmar que a sentença, e, pois, a coisa julgada, vale em

relação a terceiros, não quer dizer que possa prejudicar terceiros. Apenas quer dizer

que terceiros não podem deconhecê-la, não que por ela podem ser prejudicados

(AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, 3º volume,

21ª ed., SP: Saraiva, 2003, p. 75-76)

A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não benefi ciando

nem prejudicando terceiros’. Não quer dizer isto que os estranhos possam ignorar

a coisa julgada. “Como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais

intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos” [Chiovenda, Instituições

de Direito Processual Civil, 3ª ed., v. I, n. 133, p. 414]. Não é certo, portanto, dizer

que a sentença só prevalece ou somente vale entre as partes. O que ocorre é que

apenas a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença não podem prejudicar,

nem benefi ciar, estranhos ao processo em que foi preferida a decisão trânsita em

julgado (...). Assim, um estranho pode rebelar-se contra aquilo que foi julgado

entre as partes e que se ache sob autoridade da coisa julgada, em outro processo,

desde que tenha sofrido prejuízo jurídico. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso

de Direito Processual Civil, vol. I, 51ª ed., RJ: Forense, 2010, p. 557)

Sobre o mesmo tema, assim já se manifestou este Tribunal Superior:

Processual Civil. Recurso especial. Mandado de segurança. Terceiro interessado.

Efi cácia natural e imutabilidade da sentença. Distinções. Efeitos perante terceiros.

Art. 472 do CPC. Súmula n. 202-STJ.

1. Não há dúvida de que a coisa julgada, assim considerada “a efi cácia que

torna imutável e indiscutível a sentença” (CPC, art. 467), embora tenha efeitos

restritos “às partes entre as quais é dada” (art. 472 do CPC, primeira parte), não

inibe que essa sentença produza, como todo ato estatal, efeitos naturais de

amplitude subjetiva mais alargada.

2. Todavia, conforme estabelece o mesmo art. 472 do CPC, a eficácia

expansiva da sentença não pode prejudicar terceiros. A esses é assegurado, em

demanda própria (inclusive por mandado de segurança), defender seus direitos

eventualmente atingidos por ato judicial produzido em demanda inter alios.

Aplicação da Súmula n. 202-STJ.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 559

3. Precedente: REsp n. 1.251.064-DF, 1ª Turma, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de

27.3.2012.

4. Recurso improvido.

(REsp n. 1.281.863-DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,

julgado em 10.4.2012, DJe 16.4.2012).

Por essas razões, observa-se que a Nopasa, pessoa jurídica não integrante

da relação processual, não pode ser prejudicada com a condenação ao pagamento

aos autores, retroativo a 7.11.2001, de dividendos e outros rendimentos já

distribuídos nas épocas próprias aos acionistas então constantes de seus registros

societários.

Isso, todavia, em nada infi rma as providências determinadas pela decisão

objeto da Reclamação n. 8.573 no sentido de determinar o depósito à disposição

do juízo sucessório dos dividendos vindouros relativos às ações cuja propriedade

é controvertida.

O decidido nos presentes autos a propósito da extinção do fi deicomisso,

e a partilha das ações e cotas societárias no inventário, não poderá deixar de

ser observado pela Nopasa, à qual não é dado ignorar a sentença como ato

estatal e imperativo. O asserto judicial a propósito da propriedade das ações e

consequente distribuição dos respectivos dividendos e rendimentos outros entre

os sócios litigantes são efeitos naturais da sentença, cuja observância se impõe à

sociedade anônima, sem lhe afetar o patrimônio e a estrutura societária, e nem

nada prejudicar a situação jurídica da empresa.

Passa-se agora ao exame do recurso especial de Anita Louise Regina

Harley. Cumpre observar inicialmente que o acórdão recorrido se manifestou

de forma sufi ciente e motivada sobre o tema em discussão nos autos. Ademais,

não está o órgão julgador obrigado a se pronunciar sobre todos os argumentos

apontados pelas partes, a fim de expressar o seu convencimento. No caso

em exame, o pronunciamento acerca dos fatos controvertidos, a que está o

magistrado obrigado, encontra-se objetivamente fi xado nas razões do acórdão

recorrido. Afasto, pois, a alegada violação do art. 535 do CPC.

No que se refere aos arts. 267, VI, 301, X, 472 do CPC, verifi ca-se que

a recorrente busca defender interesse de pessoas que não representa nestes

autos. Afirma que Nova Pirajuí Administração S.A. Nopasa e Zodiac

Empreendimentos e Participações Ltda. não poderiam ter sido condenadas,

pois não participaram formalmente da relação processual. Ocorre que não cabe

Page 114: Quarta Turma · Na hipótese de ação de rescisão do contrato fi rmado com a entidade ... Ação de rescisão contratual c/ devolução de valores pagos. Violação aos

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

560

à recorrente pedir provimento judicial a respeito, já que lhe é vedado em nome

próprio pleitear direito alheio (CPC, art. 6º).

Também não há como acolher a alegação de que não foi dada a devida

publicidade aos atos processuais, tendo o processo sido julgado sem que fosse

concedida aos advogados da recorrente a oportunidade de sustentação oral.

Consta dos autos que, desde a inclusão dos feitos em pauta de julgamento,

houve publicação desta no Diário da Justiça. A análise desse fato é inviável em

recurso especial, segundo dispõe a Súmula n. 7-STJ.

Os arts. 513 e 560 do CPC, a seu turno, são indicados pela recorrente como

violados porque, segundo ela, teria havido preclusão lógica e consumativa não

reconhecida pelo acórdão recorrido. Argumenta que a apelação dos recorridos

não deveria ter sido conhecida, pois versa a mesma matéria discutida na ação

cautelar ajuizada contra os efeitos da mesma sentença.

A argumentação, todavia, não procede. Com efeito, a apelação e a ação

cautelar são instrumentos processuais bem distintos e visam a diferentes

objetivos. A cautelar não é meio de impugnação de decisões judiciais com vistas

a sua reforma, ao passo que a apelação, sim, é recurso e objetiva nova decisão.

E assim esses meios processuais foram usados no caso concreto. Os recorridos

ajuizaram a cautelar a fi m de suspender os efeitos da sentença e fazer prevalecer

a tutela deferida antecipadamente. A apelação, por sua vez, foi interposta para

que a sentença fosse reformada. Não há que se falar, portanto, em ato repetido

que devesse ser desconsiderado em razão de preclusão lógica ou consumativa.

Os demais dispositivos versam sobre a questão principal resolvida pelo

acórdão recorrido, qual seja, a validade de disposições testamentárias referentes à

instituição fi deicomissária.

Transcrevo a seguir os dispositivos do Código de 1916 relevantes para a

solução da controvérsia:

Art. 1.729. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro, ou legatário,

nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança,

ou o legado. Presume-se que a substituição foi determinada para as duas

alternativas, ainda que o testador só a uma se refi ra.

Art. 1.733. Pode também o testador instituir herdeiros ou legatários por meio

de fi deicomisso, impondo a um deles, o gravado ou fi duciário, a obrigação de,

por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, transmitir ao outro, que se

qualifi ca de fi deicomissário, a herança, ou o legado.”

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 561

Art. 1.734. O fi duciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e

resolúvel.”

Art. 1.735. O fi deicomissário pode renunciar à herança, ou legado, e, neste

caso, o fi deicomisso caduca, fi cando os bens propriedade pura do fi duciário, se

não houver disposição contrária do testador.

Art. 1.738. Caduca o fideicomisso, se o fideicomissário morrer antes do

fi duciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito deste último.

Neste caso a propriedade consolida-se no fi duciário nos termos do art. 1.735.

Art. 1.739. São nulos os fi deicomissos além do segundo grau.

Mostram-se oportunas, neste passo, algumas considerações sobre o

fi deicomisso.

Segundo a doutrina, “o fi deicomisso constitui modalidade importante de

substituição, que repercute com frequência nas sucessões testamentárias. Consiste

na instituição de herdeiro ou legatário, com o encargo de transmitir os bens a

uma outra pessoa a certo tempo, por morte, ou sob condição preestabelecida.

O herdeiro ou legatário instituído denomina-se fi duciário ou gravado, e o

substituto ou destinatário remoto dos bens chama-se fi deicomissário.” (Caio

Mário da Silva Pereira, “Instituições de Direito Civil”, vol. VI, Direito das

Sucessões, Forense, 16ª edição, p. 325).

Constituem deveres do fiduciário inventariar os bens fideicometidos,

administrá-los, conservá-los e restituí-los.

No caso concreto, como visto, tem-se por testadora a Sra. Erenita Helena

Groschke Cavalcanti Lundgren, a fi duciária é a recorrente e o fi deicomissário

é o já falecido Robert Bruce Harley Junior, pai dos recorridos. Controverte-se,

então, se os recorridos devem receber os bens fi deicomitidos.

Estabelecia o então vigente art. 1.739 do Código Civil de 1916 (art. 1.959

do CC atual), tido por violado, que os fi deicomissos além do segundo grau são

nulos. De fato, não é possível nomear alguém como fi duciário a fi m de que,

depois de certo termo ou condição, transfi ra bens a outrem que, também, deve

cumprir aqueles deveres de fi duciário para, por sua vez e depois de outro termo

ou condição, novamente transferir os bens a outros e assim sucessivamente.

Evita-se, dessa maneira, concentrar na mesma pessoa a fi gura de fi deicomissário

e de fi duciário e impedir a livre circulação de bens.

Não é o que ocorre no caso concreto. Como já enfatizado, há apenas um

fi duciário (a recorrente) e um grau de fi deicomissário. Em nenhum momento se

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

562

falou em fi duciários sucessivos, nem em benefi ciários (fi deicomissários) que se

tornassem fi duciários de bens a serem transmitidos a outros benefi ciários.

O que houve, isso sim, foi a regular substituição de um dos sujeitos (no

caso, o fi deicomissário) em razão de sua morte, o que foi feito em conformidade

com o art. 1.729 do Código Civil de 1916 (atual art. 1.947), acima transcrito.

Ao contrário do que argumenta a recorrente, o acórdão recorrido não criou

tipo híbrido de fi deicomisso. Reconheceu, apenas, que a par da substituição

fideicomissária, operou-se a substituição vulgar do fideicomissário. Como

lecionava Caio Mário:

Não é, porém, vedado conciliar o fideicomisso com a substituição vulgar,

designando um substituto para o caso de o fi deicomissário não poder ou não

querer aceitar. Esta conjugação das duas espécies (vulgar e fideicomissária)

é o que na linguagem dos autores se designava, e ainda pode denominar-se

substituição compendiosa, por encerrar num só ato o resumo ou compêndio da

ambas. (ob. cit., p. 330).

A previsão testamentária, como se vê, é válida e não repugna o que se

entende sobre a matéria:

A substituição compendiosa constitui um misto de substituição vulgar e de

substituição fi deicomissária. É o que se verifi ca na hipótese em que o testador

dá substituto ao fi duciário ou ao fi deicomissário, prevendo que um ou outro não

queira ou não possa aceitar a herança ou o legado, hipótese essa que não viola

o Código Civil, art. 1.960, visto que tal substituição continua sendo de segundo

grau. (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Sucessões,

Saraiva, 26ª edição, p. 402).

Também caduca o fi deicomisso se o fi deicomissário falecer antes do fi duciário,

consolidando-se a propriedade nas mãos deste (art. 1.958). Isso também ocorre

se o fi deicomissário falecer antes do testador. Tais disposições são de caráter

supletivo, e nada impede que o testamento estabeleça substituições vulgares no

caso de pré-falecimento, renúncia ou indignidade do fi deicomissário. (Arnoldo

Wald, Direito Civil, Direito das Sucessões, Saraiva, 15ª edição, p. 303)

Sobre a viabilidade da solução adotada pelo acórdão recorrido, assim

arremata Pontes de Miranda:

Se a verba estatui “lego a A, passando a B aos 30 anos, ou, se B tiver falecido,

ou se já se casou, a C, por morte de A”, vale. A é fi duciário, B e C fi deicomissários

condicionais disjuntivos (ou B ou C), substituindo C a B em caso de morte. (Tratado

de Direito Privado, Tomo 58, Bookseller, 1ª edição, p. 301);

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014 563

O próprio parecer citado pela recorrente, embora seja de conclusão que ela

aponta ser-lhe favorável, contém o seguinte trecho que se harmoniza com o que

dito acima:

Nosso ordenamento jurídico admite a chamada substituição vulgar plúrima,

que consiste na nomeação de vários substitutos para, simultaneamente,

assumirem o lugar do fi duciário e/ou do fi deicomissário, na falta de um deles ou

de ambos, no momento da abertura da sucessão e/ou da substituição.

Em resumo, o que se veda é a substituição fi duciária além do segundo

grau. O fi deicomissário, porém, pode ter substituto, que terá posição idêntica

ao do substituído. O substituto não recebe do fi deicomissário, mas do fi duciário

(continua no segundo grau), pois o que a lei proíbe é a sequência de fi duciários,

não a substituição vulgar do fi duciário ou do fi deicomissário. Assim, não se pode

mandar que o fi deicomissário entregue a terceiros, mas pode ser prevista sua

substituição em caso de sua morte.

Veja-se que o art. 1.738 do Código Civil de 1916 (atual art. 1.958),

que dispõe sobre a caducidade do fi deicomisso em caso de premoriência do

fi deicomissário com relação ao fi duciário, remete ao art. 1.735 (atual art. 1.955).

Este último prevê que, caducando o fi deicomisso, a propriedade do fi duciário

deixa de ser resolúvel, se não houver disposição contrária do testador. Não se

cuida, portanto, de regra legal cogente, mas, ao contrário, dispositiva, segundo

texto expresso de lei.

Conclui-se, portanto, que as disposições testamentárias questionadas pela

recorrente são válidas e atêm-se ao poder de disposição conferido pela lei.

Acrescente-se, ainda, que é dado ao testador regular termos e condições

da deixa testamentária. No caso, foi estabelecido o termo de 20 anos ou, no

caso de morte do fi deicomissário, a data em que o mais jovem sucessor deste

atingisse a maioridade, disposição que também se insere no poder de disposição

do particular.

Uma pequena correção, porém, deve ser feita no dispositivo do acórdão

recorrido. Não se deve entender que 25% das quotas das pessoas jurídicas devam

ser transmitidas aos recorridos, mas que devem ser transmitidas 25% das quotas

e respectivos rendimentos que a testadora possuía em sua parte disponível (e

que vinham sendo administradas pela fi duciária). Não se está aqui a reexaminar

fatos nem a dar nova interpretação a cláusulas contratuais, apenas se aceitam os

fatos tais como descritos no acórdão recorrido (e-STJ 979):

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

564

Na verdade, o testamento em discussão foi lavrado por Erenita Helena

Groschke Cavalcanti Lundgren em favor de seus fi lhos, Anita Louise Regina Harley,

Robert Bruce Harley Junior e Anna Helena Christina Harley Lundgren, quanto à

parte disponível do seu patrimônio, formado por ações e cotas societárias (...)

Não se defi niu, por ora, quantas ações ou quotas societárias compunham

o acervo transmitido. Do acórdão também se colhe o seguinte (e-STJ fl . 988,

grifei):

Naquela ocasião, entendeu a testadora, Sra. Erenita Helena Groschke Cavalcanti

Lundgren, de destinar, quanto à parte disponível de seu patrimônio, formada por

ações e cotas societárias das empresas Nopasa - Nova Pirajuí Administração S/A e

Zodiac Empreendimentos e Participações S/A, da seguinte forma: 50% (cinquenta

por cento) delas à Sra. Anita Louise Regina Harley; 25% (vinte e cinco por cento)

à Robert Bruce Harley Jr., e, fi nalmente, 25% (vinte e cinco por cento) à Anna

Christina Harley Lundgren.

Evidentemente que o resultado desses 25% será defi nido após ultimado o

competente processo de inventário e partilha, quando será apurada a legítima de

cada herdeiro necessário e a parte disponível, na qual se situam as ações e cotas

objeto da disposição testamentária e do fi deicomisso extinto em 7.11.2001. Não

signifi cam, necessariamente, 25% de todas as quotas das sociedades mercantis

em questão, a não ser que se admita, o que não é sequer alegado, que a testadora

detinha 100% das ações e quotas dessas sociedades e que todas elas estivessem

compreendidas na parte disponível de seu patrimônio.

Deve, portanto, ser efetuada a correção do item “b” dos dispositivos do

acórdão recorrido (e-STJ fl . 384), para que, onde se lê “passem à condição de

proprietários de 25% (vinte e cinco por cento) das cotas e ações das empresas”,

leia-se “sejam declarados proprietários de 25% (vinte e cinco por cento) das

cotas e ações que constituíam a parte disponível do patrimônio da testadora,

a serem oportunamente partilhadas, bem como seus respectivos rendimentos

desde a data da extinção do fi deicomisso 7.11.2001”.

Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial de Nova

Pirajuí Administração S.A. - Nopasa - e dou parcial provimento ao recurso

de Anita Louise Regina Harley, tão-somente para ser feita a correção acima

descrita.

É o voto.