qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

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Guia do profissional em treinamento Qualificação de gestores públicos em saneamento Transversal Nível 3

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Page 1: Qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

Guia do profi ssional em treinamentoGuia do profi ssional em treinamento

Qualifi cação de gestorespúblicos em saneamento

Transversal

Nível 3

Page 2: Qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

Promoção Rede de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental - ReCESA

Realização Núcleo Sudeste de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental - Nucase

Instituições integrantes do Nucase Universidade Federal de Minas Gerais (líder) | Universidade Federal do Espírito Santo | Universidade Federal do Rio de Janeiro | Universidade Estadual de Campinas

Financiamento Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia | Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde | Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades

Apoio organizacional Programa de Modernização do Setor Saneamento-PMSS

Comitê consultivo da ReCESA

· Associação Brasileira de Captação E Manejo de Água de Chuva – ABCMAC · Associação Brasileira de Engenharia Sanitária E Ambiental – ABES · Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH · Associação Brasileira de Resíduos Sólidos E Limpeza Pública – ABLP · Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – AESBE · Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – ASSEMAE · Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica – Concefet · Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura E Agronomia – CONFEA · Federação de Órgão Para A Assistência Social E Educacional – FASE · Federação Nacional dos Urbanitários – FNU · Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográfi cas – Fncbhs · Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras

– Forproex · Fórum Nacional Lixo E Cidadania – L&C · Frente Nacional Pelo Saneamento Ambiental – FNSA · Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM · Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS · Programa Nacional de Conservação de Energia – Procel · Rede Brasileira de Capacitação Em Recursos Hídricos – Cap-Net Brasil

Comitê gestor da ReCESA

· Ministério das Cidades · Ministério da Ciência e Tecnologia · Ministério do Meio Ambiente · Ministério da Educação · Ministério da Integração Nacional · Ministério da Saúde · Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico Social (BNDES) · Caixa Econômica Federal (CAIXA)

Parceiros do Nucase

· Cedae/RJ - Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro · Cesan/ES - Companhia Espírito Santense de Saneamento · Comlurb/RJ - Companhia Municipal de Limpeza Urbana · Copasa – Companhia de Saneamento de Minas Gerais · DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo · DLU/Campinas - Departamento de Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal de Campinas · Fundação Rio-Águas · Incaper/Es - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural · IPT/SP - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo · PCJ - Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí · SAAE/Itabira - Sistema Autônomo de Água e Esgoto de Itabira – MG · SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo · SANASA/Campinas - Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. · SLU/PBH - Serviço de Limpeza Urbana da prefeitura de Belo Horizonte · Sudecap/PBH - Superintendência de desenvolvimento da capital da prefeitura de Belo Horizonte · UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto · UFSCar - Universidade Federal de São Carlos · UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce

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Guia do profi ssional em treinamentoGuia do profi ssional em treinamento

Qualifi cação de gestorespúblicos em saneamento

Transversal

Nível 3

Page 4: Qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

Conselho Editorial Temático

Léo Heller - UFMGSérvio Túlio Cassini - UFES

Emília Wanda Rutkowski- UNICAMP

Profi ssionais que participaram da elaboração deste guia

Consultores Berenice de Souza Cordeiro (conteudista) | Sonaly Cristina Rezende (conteudista) Ana Paula Barbosa Vitor (conteudista) | Izabel Chiodi Freitas (validadora).

Bolsistas Christiny Schuery Amaral | João Gilberto de Souza Ribeiro

Créditos Consultoria pedagógica

Cátedra da Unesco de Educação a Distância – FaE/UFMGJuliane Corrêa | Sara Shirley Belo Lança

Projeto Gráfi co e Diagramação Marco Severo | Rachel Barreto | Romero Ronconi

É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.

Catalogação da Fonte : Ricardo Miranda – CRB/6-1598

T772 Transversal : qualifi cação de gestores públicos em saneamento : guia do profi ssional em treinamento : nível 3 / Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (org.). – Brasília : Ministério das Cidades, 2008. 172 p.

Nota: Realização do NUCASE – Núcleo Sudeste de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental e coordenação de Carlos Augusto de Lemos Chernicharo, Emília Wanda Rutkowski, Isaac Volschan Junior e Sérvio Túlio Alves Cassini.

1. Administração pública – Formação profi ssional. 2. Abastecimento de água – Brasil. 3. Saneamento – Administração – Brasil. 4. Saneamento – Legislação – Brasil. 5. Saneamento – Política governamental – Brasil. 7. Prestação de serviço. 8. Controle social. I. Brasil. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. II. Núcleo Sudeste de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental. CDD – 628.081

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Apresentação da ReCESA

A criação do Ministério das Cidades no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, permitiu que os imensos desafi os urbanos passassem a ser encarados como política de Estado. Nesse contexto, a Secretaria Nacional

de Saneamento Ambiental (SNSA) inaugurou um paradigma que inscreve o saneamento como política pública, com dimensão urbana e ambiental, promotora de desenvolvimento e da redução das desigualdades sociais. Uma concepção de saneamento em que a técnica e a tecnologia são colocadas a favor da prestação de um serviço público e essencial.

A missão da SNSA ganhou maior relevância e efetividade com a agenda do saneamento para o quadriênio 2007-2010, haja vista a decisão do Governo Federal de destinar, dos recursos reservados ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, 40 bilhões de reais para investimentos em saneamento.

Nesse novo cenário, a SNSA conduz ações em capacitação como um dos instrumentos estratégicos para a modifi cação de paradigmas, o alcance de melhorias de desempenho e da qualidade na prestação dos serviços e a integração de políticas setoriais. O projeto

de estruturação da Rede de Capacitação

e Extensão Tecnológica em Saneamento

Ambiental – ReCESA constitui importante iniciativa nesta direção.

A ReCESA tem o propósito de reunir um conjunto de instituições e entidades com o objetivo de coordenar o desenvolvimento de propostas pedagógicas e de material didático, bem como promover ações de intercâmbio e de extensão tecnológica que levem em consideração as peculiaridades regionais e as diferentes políticas, técnicas e tecnologias visando capacitar profi ssionais para a operação, manutenção e gestão dos sistemas de saneamento. Para a estruturação da ReCESA foram formados Núcleos Regionais e um Comitê Gestor, em nível nacional.

Por fi m, cabe destacar que este projeto ReCESA tem sido bastante desafi ador para todos nós. Um grupo, predominantemente formado por profi ssionais da engenharia, mas, que compreendeu a necessidade de agregar outros olhares e saberes, ainda que para isso tenha sido necessário “contornar todos os meandros do rio, antes de chegar ao seu curso principal”.

Comitê gestor da ReCESA

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O Núcleo Sudeste de Capacitação e Extensão

Tecnológica em Saneamento Ambiental

– Nucase tem por objetivo o desenvolvimento de atividades de capacitação de profi ssionais da área de saneamento, nos quatro estados da região sudeste do Brasil.

O Nucase é coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, tendo como instituições co-executoras a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atendendo aos requisitos de abrangência temática e de capilaridade regional, as universidades que integram o Nucase têm como parceiros, em seus estados, prestadores de serviços de saneamento e entidades específi cas do setor.

Coordenadores institucionais do Nucase

A coletânea de materiais didáticos produzidos pelo Nucase é composta de 42 guias que serão utilizados em ofi cinas de capacitação para profi ssionais que atuam na área do saneamento. São seis guias que versam sobre o manejo de águas pluviais urbanas, doze relacionados aos sistemas de abastecimento de água, doze sobre sistemas de esgotamento sanitário, nove que contemplam os resíduos sólidos urbanos e três terão por objeto temas que perpassam todas as dimensões do saneamento, denominados temas transversais.

Dentre as diversas metas estabelecidas pelo Nucase, merece destaque a produção dos Guias dos profi ssionais em treinamento, que servirão de apoio às oficinas de capacitação de operadores em saneamento que possuem grau de escolaridade variando do semi-alfabetizado ao terceiro grau. Os guias têm uma identidade visual e uma abordagem pedagógica que visa estabelecer um diálogo e a troca de conhecimentos entre os profi ssionais em treinamento e os instrutores. Para isso, foram tomados cuidados especiais com a forma de abordagem dos conteúdos, tipos de linguagem e recursos de interatividade.

Equipe da central de produção de material didático – CPMD

Nucase Os guias

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A concepção da série sob a denominação de Temas Transversais partiu do pressuposto que enxergar a integralidade do saneamento requer abordar todos os seus componentes de uma forma conjunta, alterando a lógica de setori-zação, pois vislumbrar o específi co difi culta a visão do todo.

Os temas que compõem a série foram defi -nidos por meio de consulta aos serviços de saneamento, prefeituras, instituições de ensino e pesquisa e profi ssionais da área da Região Sudeste, buscando apreender aqueles mais relevantes para o desenvolvimento do projeto Nucase na região. Os temas abordados nesta série dedicada aos temas transversais incluem: Qualificação de gestores públicos em saneamen-

to; Uso de geoprocessamento em saneamento; Saneamento básico integrado às comunidades

rurais e populações tradicionais.

Certamente há muitos outros temas impor-tantes a serem abordados, mas considera-se que este é um primeiro e importante passo para que se tenha material didático, produzido no Brasil, destinado aos profi ssionais da área de saneamento, que raramente têm oportu-nidade de receber treinamento e atualização profi ssional.

Coordenadores da área temática temas transversais

Apresentação da área temática: Temas transversais

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Introdução ..................................................................................10Evolução das ações voltadas para abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil .............................................. 20 A formação da identidade sanitária nacional ..................... 20 A coletivização do bem-estar............................................ 23 Dicotomia entre saneamento e saúde e o Plano Nacional de Saneamento - Planasa .................................................. 33Estado, políticas públicas e legislação ........................................ 38 Estado e políticas públicas ................................................ 38 Legislação: Lei das Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico e a Lei de Consórcios Públicos ...................................39Intersetorialidade ....................................................................... 65 Intersetorialidade: aportes conceituais e metodológicos para a gestão pública ........................................................ 65 O retrato do saneamento no Brasil: perfi l do défi cit e a falta de foco na gestão integrada ................................ 73 Principais interfaces setoriais do saneamento ................... 81Planejamento e plano de saneamento básico ............................. 91 Planejamento: origem e vertentes ..................................... 91 Planejamento e método .................................................... 99 Planejamento em saneamento no Brasil: a novidade dos Planos Municipais de Saneamento Básico ...................107Organização e prestação dos serviços de saneamento ..............123 Organização e prestação dos serviços de saneamento no Brasil: quadro em 2008 ................................................123 Capacidade de gestão do prestador: alguns avanços e principais gargalos ........................................................132 Prestação dos serviços de saneamento no Brasil: as novas regras ...............................................................145Controle Social .........................................................................154 Controle social: noção de direito e instrumentos legais .......154 Algumas pinceladas teórico-conceituais sobre controle social .................................................................161Referências bibliográfi cas .........................................................168

Sumário

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10 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Introdução

Caro Profi ssional,

Você já parou para pensar como, geralmente, é realizada a gestão no setor de saneamento básico?

Usualmente, lançamos mão de práticas convencionais, que adiam a solução realmente defi -nitiva, restringindo-se à remediação dos problemas, práticas essas que se limitam a ações pontuais e isoladas, não pensadas em um conjunto articulado e integrado.

Em geral, o usuário, principal interessado nos serviços prestados, tem sido mantido alienado das principais decisões que envolvem essa prestação de serviço público. Outra questão, que também sempre esteve presente, é a setorização dos serviços, com diversos responsáveis, inclusive de entes governamentais distintos. Por exemplo, um município que concede o abas-tecimento de água a uma companhia estadual de saneamento tem os serviços de esgotamento sanitário – em geral só a coleta dos esgotos – prestados por uma organização federal através de um serviço associado, como um SAAE, e a coleta dos resíduos sólidos – também, em geral, só a coleta – efetuada por um departamento de limpeza pública não necessariamente preparado para um serviço de tal importância sob o ponto de vista sanitário. Também o manejo das águas pluviais urbanas – em geral tratadas por um setor da prefeitura que lida com todas as obras – é um serviço sempre questionado quando, em épocas de chuva, as enchentes tomam conta das cidades, ocasionando as “trágicas” perdas, inclusive de vida humana.

Essa situação é facilmente verifi cada quando contemplamos os índices sanitários de nosso País e podemos confi rmar que os serviços de saneamento por nós prestados ainda são segregadores, ou seja, estão de fato efetivamente disponibilizados no meio urbano, nas regiões mais ricas e para as pessoas com renda sufi ciente para custeá-los. E, vez por outra, tomam as manchetes dos principais meios de comunicação quando, “de repente”, milhares de pessoas em uma grande cidade brasileira começam a padecer de um mal que já está extinto dos compêndios da medicina nos países mais desenvolvidos, como a dengue ou a leptospirose.

Propomos, neste guia, privilegiar a gestão como principal estratégia do poder público e da sociedade para alteração desse quadro. Queremos abrir oportunidades a você, Profi ssional,

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 11

de apreender novos paradigmas de gestão que, baseados no planejamento integrado, na regulação e no controle social, nos levem à universalização do acesso ao saneamento e à melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.

Para cumprirmos esse objetivo, organizamos este guia em seis conceitos-chave:

Evolução das ações voltadas para o abastecimento de água e o esgotamento sanitário no BrasilEstado, políticas públicas e legislaçãoIntersetorialidadePlanejamento e plano de saneamento básicoOrganização e prestação dos serviços de saneamentoControle social

Desejamos-lhes bons estudos, muitas e frutíferas trocas de experiências e debates que lancem luzes ao seu cotidiano de trabalho no saneamento! E, para iniciarmos, sugerimos que você faça a atividade a seguir, demonstrando seus conhecimentos prévios sobre o tema deste guia.

∙∙∙∙∙

Atividade

Na sua atividade profi ssional, você tem de tomar várias decisões em face da problemática diagnosticada no seu município. O objetivo desta atividade é que você trabalhe as diversas situações apresen-tadas em dois cenários de municípios fi ctícios e proponha soluções para resolvê-los.

Os cenários podem ser visualizados na mídia educativa da Bacia Hidrográfi ca Virtual (BHV), onde estão descritos os vários aspectos relacionados às cidades, inclusive as principais informações sobre os serviços de saneamento básico existentes. Cada cenário propõe um roteiro de atividade que o grupo deverá realizar.

Por fi m, cabe esclarecer que esta atividade introdutória da ofi cina será retomada pelo mesmo grupo ao fi nal da capacitação, como atividade fi nal de avaliação e aprendizado. Assim, o grupo poderá comparar as respostas e a forma de apreensão antes e depois da ofi cina, aferindo por si mesmo o nível de conhecimento agregado durante o processo.

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12 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

O município de Andorinha se encontra mais a

montante da bacia. O entorno do território do

município é bem preservado, com presença

de parques fl orestais e margens do Córrego

Maxacali vegetadas. O município tem popu-

lação total de 27.000 habitantes. Na área ur-

bana a ocupação do solo é esparsa e predomi-

nantemente horizontalizada. Os lotes não são

adensados, possuem ótimo índice de área não

construída, com quintais de árvores frutíferas, e

áreas livres não impermeabilizadas. A economia

local da cidade é baseada principalmente na

atividade comercial, que depende, em larga me-

dida, da capacidade de consumo interno sus-

tentada principalmente pela Prefeitura Municipal,

como principal agente empregador da cidade.

A área rural do município concentra 60% dos

habitantes. São vilarejos, remanescentes de

áreas de quilombos, que têm na produção de

farinha o principal meio de trabalho e de sus-

tento das famílias, que convivem com grandes

fazendas de criação de gado. A Associação de

Produtores Rurais da região possui um abat-

edouro próprio, que funciona às margens do

Córrego Maxacali e atende aos fazendeiros as-

sociados.

Várias pessoas dos vilarejos, antes ocupadas

com a lida nas casas de farinha, foram trabal-

har nas fazendas e algumas no matadouro. As

mulheres que tinham o costume de se reunir

em grupo, muitas vezes em família, para re-

alizar as tarefas na produção da farinha e que

podiam acompanhar suas crianças de perto,

que estudavam na escola rural bem próxima,

foram as que mais sofreram os impactos dessa

mudança quando passaram a se ocupar, cada

uma por si, da cozinha, da casa e da família

dos fazendeiros.

O abastecimento de água do município é fei-

to por captação no próprio córrego que cor-

ta a região, a cerca de 5 km a montante da

área urbana da cidade. A grande maioria dos

domicílios urbanos mantém a fossa séptica

como solução individual, em alguns casos,

coletiva, para os esgotos sanitários. No bairro

central, onde existem domicílios comerciais e

residenciais, a Prefeitura implantou o sistema

condominial de esgotamento sanitário, com re-

cursos do Governo Federal em parceria com

uma escola técnica do município de Ararajuba

(município de maior porte e mais urbanizado da

bacia, situado a 150 km de Andorinha. A Pre-

feitura é também a responsável pelos serviços

de coleta de lixo e de limpeza pública. Os

resíduos são levados para um lixão, instalado

às margens do Córrego Maxacali. Até bem

recentemente a Prefeitura, em parceria com

a Associação de Produtores Rurais, mantinha

um trator de esteiras no local para fazer o reco-

brimento do lixo duas vezes por semana. Con-

tudo, logo depois da posse do novo diretor da

Associação, ex-prefeito do município, o trator

foi retirado do lixão e, eventualmente, a Pre-

feitura ou algumas pessoas que catam lixo no

local verifi cam ossadas de animais despejadas

clandestinamente no lixão.

Há três meses, a Prefeitura foi selecionada

para acessar um fi nanciamento “a fundo per-

Cenário I - Município de Andorinha

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 13

dido” do Governo Federal, proveniente da

carteira do chamado PAC Funasa (Programa

de Aceleração do Crescimento da Fundação

Nacional de Saúde). Os recursos são para

investimentos no saneamento básico do mu-

nicípio, contemplando a implantação de uma

Estação de Tratamento de Água, um sistema

descentralizado de esgotamento sanitário para

os lugarejos rurais onde existem as fábricas de

farinha e a transformação do lixão em um aterro

sanitário simplifi cado.

Contudo, em contrapartida, a Prefeitura terá a

obrigação de passar a cobrar pelos serviços

prestados, principalmente a tarifa de água

nunca antes aplicada. Também no rol da con-

trapartida da Prefeitura, o município terá de

implantar um programa de acompanhamento

e de avaliação dos resultados obtidos com o

novo empreendimento com relação aos impac-

tos para a saúde pública da população, que

vem apresentando índices preocupantes de

diarréias, alguns casos diagnosticados como

esquistossomose e outros de doença de cha-

gas na área rural.

Diante desse quadro, o Prefeito convocou a

população do município para uma reunião pú-

blica, na Câmara dos Vereadores, que contaria

com a participação de um técnico da Funasa.

Grande parte dos moradores, tanto da cidade

quanto da área rural, marcou presença na re-

união. No entanto, a Associação de Produtores

Rurais não enviou sequer um representante.

Mas lá estavam grupos de mulheres que trabal-

ham no comando das casas de farinha, com-

erciantes, professores das escolas, agentes

de saúde que tentam implantar o conselho mu-

nicipal de saúde, grupos de jovens que atuam

na igreja, além da vereadora e presidente da

Câmara Municipal e demais vereadores. Com

o salão lotado, o Prefeito abriu a reunião.

Roteiro

A partir do cenário descrito, o grupo deverá eleger, entre seus parti-cipantes, quem irá representar os seguintes papéis na reunião:

o Prefeito Municipal: que terá a função de abrir a reunião apresentando o projeto de saneamento para Andorinha;o técnico da Funasa: que terá a função de explicar os objetivos que se pretende atingir com a implantação do projeto e as obrigações que o Município deverá arcar em contrapartida, de acordo com os critérios estabelecidos no programa de fi nanciamento;um representante dos moradores da área urbana do município (um comerciante ou uma pessoa ligada ao movimento da igreja);

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14 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

um representante dos moradores da área rural do município (uma das mulheres que trabalham nas casas de farinha)um vereador que também é fazendeiro na região, mas que não se apresentou como representante da Associação dos Produtores Rurais.

Cada ator, ao assumir seu personagem, deverá montar a sua fala para participar da reunião. Nessa tarefa, algumas perguntas devem ser respondidas de acordo com cada personagem.

No caso do Prefeito: Qual a proposta que ele apresentará para atender aos dois condicionantes do fi nanciamento que o município deverá cumprir a título de contrapartida?

No caso do Técnico da Funasa:Que tipo de recomendação este técnico pode fazer na reunião para ajudar o município a encontrar formas para cumprir os requisitos da contrapartida e a levar a implementação do projeto a bom termo?

No caso das falas dos representantes do povo:Quais os confl itos que se revelaram em relação ao projeto apresentado e às soluções propostas pelo prefeito e pelo técnico da Funasa?

No caso do Vereador:quais as questões que a reunião colocará para a Associação de Produtores Rurais, uma vez que todos o vêem como um representante dos fazendeiros da região?

O grupo acrescentaria algum aspecto que lhe parece fundamental para a descrição do cenário? Em caso afi rmativo, esse aspecto implicaria alguma mudança no roteiro proposto para se trabalhar a solução da problemática apresentada?

Alguns insumos sobre o cenário:

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 15

Abatedouro: um abatedouro, mesmo de pequeno porte, é grande consumidor de água, se comparado a outras categorias de usuários de água de municípios de pequeno porte. Além do consumo de água, o abatedouro também usa energia elétrica para o aquecimento da caldeira e para a câmara de refrigeração. Essa atividade é altamente poluidora se não houver o adequado tratamento dos dejetos de grande concentração orgânica. Além da carne, seu produto de maior valor, muitos outros materiais são vendidos pelos abatedouros, como o couro, o sangue usado como insumo em indústrias químicas, o sebo, retirado em digestores de restos de ossos e gordura, a farinha de ossos, que enriquece rações, os miúdos, vendidos também como alimento.

Casa de Farinha: No período colonial, a farinha de mandioca era usada para a alimentação dos escravos, dos criados das fazendas e engenhos. O processo de produção da farinha começa no plantio das manivas. Depois da colheita da raiz (tubérculo), a mandioca é levada direto da roça para a casa de farinha, onde é descascada e colocada na água para amole-cer e fermentar ou pubar. Em seguida, é triturada ou ralada em pilão (caititu). A mandioca ralada vai caindo em um cocho, depois prensada no tipiti (tipi = espremer e ti = líquido, na língua tupi) para retirar um líquido venenoso chamado manipueira. Depois de peneirada e torrada, a farinha está pronta para o consumo. O líquido que sobra da pubagem tem um alto teor alcoólico. Nas casas de farinha mais rudimentares, a manipueira escorre sem tratamento, infi ltrando-se no solo. Rica em ácido cianídrico, a manipueira pode envenenar os animais, além de diminuir o oxigênio da terra e da água. Existe a possibilidade de se transformar a manipueira em biogás (metano) para aquecer os fornos das casas de farinha, em substituição à retirada da fl oresta nativa. Assim, a fábrica se realimentará de seus próprios resíduos. A massa da mandioca é utiliza-da como goma para engomar roupa ou para a fabricação de alimentos (mingau, papa, sequilho, bolo, tapioca). A casa de farinha ajudou a fi xar o homem à terra, transformando a mandioca num importante alimento, responsável pela diminuição da fome em algumas regiões brasileiras. Atualmente é também importante referência de patrimônio histórico e turístico em algumas regiões do país.

Esgoto Condominial: um tipo de sistema que requer mobilização e determinado nível de pactuação dos moradores benefi ciados, tanto na implantação do projeto quanto na operação e manutenção do sistema.

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16 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

O município de Colibri está localizado entre os

municípios de Taruíra e de Manati. Dos três é o

município de maior porte e o mais urbanizado

da bacia. A população total é de 140.000 habit-

antes, sendo que 75% dos moradores moram na

área urbana da cidade. O Córrego Xavante corta

a cidade e, na área central, tem o seu trecho em

canalização aberta, recebendo grande parte do

esgoto sanitário produzido na cidade. A área ur-

bana apresenta elevado índice de verticalização,

resultando em alta densidade demográfi ca e alto

nível de impermeabilização do solo. Em época de

chuvas fortes, a cidade sofre com as enchentes

que ocorrem principalmente na área central, em

função do estrangulamento do curso d’água e da

excessiva impermeabilização do solo. Soma-se a

esses agravantes, o alto teor de sedimentos que

escoam com as grandes chuvas em função do

Garimpo Água Preta que funciona a menos de

5 km a montante do município. Nesse percurso

do Córrego Xavante, as margens apresentam

erosão bem avançada e mata ciliar esparsa. Co-

libri também enfrenta problemas sérios relaciona-

dos à moradia.

No trecho mais a jusante, o território apre-

senta um relevo mais acidentado. Já se ob-

serva a ocupação de morros acima da cota

60. Neste “loteamento popular”, conhecido

como Comunidade Morro das Mangueiras,

cuja ocupação foi induzida na gestão pas-

sada da Prefeitura Municipal, moram cerca

de 2.000 famílias. O morro não é urbanizado,

falta todo tipo de infra-estrutura, os moradores

convivem com esgoto a céu aberto, o lixo não

é recolhido com a periodicidade adequada, e

são freqüentes os casos de desabamento e

desmoronamento de encostas, algumas vez-

es com perdas humanas. Essa população é

abastecida por um reservatório de água insta-

lado no topo do morro, à época da ocupação.

Por outro lado, no lado oeste da cidade, ob-

servam-se vazios urbanos infra-estruturados

e sinais de expansão urbana, nos mesmos

moldes da urbanização verifi cada no centro

da cidade. Também desse lado da cidade,

em frente ao morro da Comunidade Morro

das Mangueiras, foi construída uma Estação

de Tratamento de Esgotos (ETE), que recebe

apenas 30% do esgoto produzido na cidade,

pois não foram instalados os interceptores

ao longo do Córrego Xavante. Quando a ETE

funciona, o lodo proveniente do tratamento é

lançado diretamente no curso d’água, sem

qualquer tratamento.

Existe uma Usina de Tratamento de Resíduos

implantada na cidade há mais de dez anos, e

atualmente operada por uma empresa privada,

também responsável pela coleta e limpeza

pública. O lixo coletado em caminhões com-

pactadores segue para a usina, onde passa

por um processo mecanizado de triagem. A

mesma empresa que opera a usina comerciali-

za os materiais reciclados e transporta o rejeito

(praticamente 90% do total) para o município

de Jaguatirica, onde também é contratada pela

Prefeitura para prestar os serviços de limpeza

urbana. Nesse município, de menor porte, o

que no início era um aterro controlado, hoje é

um grande lixão, com todos os problemas am-

bientais e sociais associados.

Cenário II - Município de Colibri

Page 17: Qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 17

Recentemente, o Ministério Público Estadual

criou uma Coordenadoria Regional da Bacia do

Rio dos Índios, da qual faz parte o Córrego Xa-

vante. A sede dessa coordenadoria foi implanta-

da no Município de Colibri. O fator gerador disso

foi o funcionamento irregular do Garimpo Água

Preta a montante desse município. No entanto,

a chegada de uma promotora de justiça espe-

cializada em meio ambiente, porém com uma

visão ampla da questão urbana, tem instaurado

uma outra dinâmica na cidade em relação a tudo

e a qualquer atividade que se relaciona com a

questão ambiental. Moradores que antes atu-

avam pontualmente agora se reúnem em Organi-

zações Não Governamentais (ONGs), os poucos

conselhos municipais existentes começam a pa-

utar os problemas relacionados com a Usina de

Lixo, o esgoto que corre a céu aberto na Comuni-

dade Morro das Mangueiras. Passam a observar,

também, o que ocorre fora do município conhe-

cendo tipos de atividades que ocorrem em seu

entorno e o que disso resulta. Em decorrência

dessa movimentação, foi criado um Fórum Mu-

nicipal de Desenvolvimento. Nesse fórum, a pop-

ulação tem-se reunido para apresentar suas pre-

ocupações, reivindicar informações e prestação

de contas da Prefeitura, organizar campanhas

nas escolas, entre outras atividades.

No início deste verão, esse cotidiano foi atro-

pelado por uma catástrofe: uma família inteira

foi vítima de um desabamento na Comunidade

Morro das Mangueiras enquanto o centro com-

ercial contabilizava signifi cativas perdas em

seus estabelecimentos totalmente inundados

pela enchente do Córrego Xavante. Passados

os primeiros dias de susto e de remediação

desse quadro de calamidade, a mobilização

dos moradores no Fórum assumiu um outro

tom: com o apoio da Promotora de Justiça,

o Fórum convocou o prefeito e os secretários

municipais para uma audiência pública. Nessa

audiência, as autoridades deveriam apresentar

suas propostas para evitar que outra tragédia

daquela proporção se repetisse no município.

Compareceram ao evento o Prefeito Munici-

pal, o Secretário de Obras, que gerencia os

contratos com a empresa da Usina de Trata-

mento de Lixo, o Secretário de Saúde e o di-

retor da Companhia Estadual de Saneamento

Básico, responsável pelo abastecimento de

água no município e parte do sistema de es-

gotamento sanitário (apenas o que cobre a

área central e a operação da ETE). Também

estavam presentes na audiência autoridades

dos municípios vizinhos, convidados pela Pro-

motora de Justiça.

Roteiro

O trabalho do grupo consiste em avaliar as propostas apresentadas pela Prefeitura e outras surgidas durante a audiência. Com base em informações específi cas para cada alternativa (inclusive sobre recursos), os participantes devem escolher a mais adequada para equacionar os problemas sanitários e ambientais do município de Colibri.

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18 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Alternativa 1: “Obras já”O Secretário de Obras apresentou um estudo, em nível de projeto básico, para implantar a canalização fechada do Córrego Xavante, no trecho que corta a área central da cidade. O estudo também inclui a implantação de obras de emergência na Comunidade Morro das Mangueiras, como escadarias para acesso dos moradores e contenção tipo gabião das encostas mais comprometidas pelo desabamento.

Alternativa 2: “O problema maior não é da Prefeitura”O Prefeito alegou que o principal problema não está dentro da cida-de e nem mesmo sob a responsabilidade da Prefeitura. Ele atribui à atividade do Garimpo Água Preta a principal causa das recorrentes enchentes que trazem prejuízos de toda ordem para a população de Colibri. O nível de sedimentos carreados pelo curso d’água e o estágio avançado de devastação da mata ciliar seriam os principais fatores que levam o município à situação de calamidade pública, tal como a ocorrida no último verão. Alerta a representante do Ministério Público que o Garimpo funciona em situação irregular, na medida em que não implantou todas as medidas compensatórias previstas no licenciamento ambiental desse empreendimento. Contudo, reconhece que isso pouco tem a ver com a situação da Comunidade Morro das Mangueiras. Sobre esta área, o Prefeito informa aos participantes da audiência que solicitou à concessionária estadual de saneamento básico um projeto emergencial para resolver o problema do esgoto naquela área. E acrescenta que essa alternativa pode complementar as propostas apresentadas pelo Secretário de Obras na alternativa 1.

Alternativa 3: “Planejar já, remediar o possível e obras só no futuro”O Prefeito do Município de Jaguatirica também estava presente na audiência. Conhecedor da realidade de Colibri e muito conhecido na cidade por ter sido secretário de planejamento desse município em gestões anteriores, pediu a palavra e consultou aos presentes se poderia ele também colocar uma proposta em debate. Alegou que o problema de Colibri já havia extrapolado os limites locais: por falta de área em Colibri o seu lixo é depositado no lixão de Jaguatirica, atualmente desproporcional à população daquele município e com problemas que não se resolvem na ausência de uma estrutura geren-cial adequada. E não é só o problema do lixo que impõe aos dois municípios a obrigação de pensar em soluções integradas e compar-

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 19

tilhadas. A Estação de Tratamento de Água (ETA) de Jaguatirica tem trabalhado sobrecarregada porque a qualidade da água do Córrego Xavante, que também abastece este município, piorou muito nos últimos anos. E acrescentou: ao escutar as alternativas 1 e 2 apresen-tadas pela Prefeitura de Colibri, em nenhuma delas viu a possibilidade de minimizar os problemas de Jaguatirica. Com isso, sugeriu que o Fórum refl etisse se o momento não seria mais adequado para investir em um plano de saneamento para as duas cidades, em vez de partir para a realização de obras que jogam a sujeira para baixo do tapete por algum tempo. Ao concordar com as medidas emergenciais para a Comunidade Morro das Mangueiras, perguntou ao Prefeito se ali também não seria necessário pensar em medidas mais estratégicas em face do crescente movimento de construção de novos barracos no morro, enquanto a cidade tem áreas que dispõem de infra-estrutura ainda desocupadas.

Após a apresentação das soluções propostas por você e seus colegas, vamos aprofundar as questões que envolvem a tomada de decisão e aprimorar ainda mais nossos conhecimentos.

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20 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Evolução das ações voltadas

para abastecimento de água e

esgotamento sanitário no Brasil

- Abordar o

processo de desen-

volvimento das

ações voltadas para

o abastecimento de

água e o esgota-

mento sanitário no

Brasil, sob a pers-

pectiva da formação

de uma identidade

sanitária nacional.

- Refl etir sobre a

criação e consoli-

dação das ações

coletivas de sane-

amento e de saúde

pública, a partir da

conscientização da

interdependência

sanitária por parte

das elites políticas e

intelectuais do País.

- Compreender

a nova visão do

saneamento,

que se instalou

defi nitivamente no

País, a partir de

meados do Século

XX, privilegiando

nesse contexto a

bipolarização das

ações de saúde e

de saneamento e o

Planasa.

OBJETIVOS:

Você já parou para pensar nos fundamentos da constituição do sanea-mento brasileiro? Refl ita e procure imaginar as causas que embasaram a evolução de cada uma das áreas que compõem o setor. Certamente, você, Profi ssional, perceberá que a evolução das áreas do saneamen-to não ocorreu de maneira integrada. Vamos conhecer um pouco da história do saneamento brasileiro para entendermos o panorama atual do setor.

A formação da identidade sanitária nacional

Caro Profi ssional, descrever uma possível identidade sanitária nacional é mais que traduzir a visão dos fragmentos que vêm compondo o mosaico das ações de saneamento no cotidiano das famílias e das comunidades no território brasileiro, ao longo da evolução histórica do País. A interpre-tação de práticas sanitárias exercidas pelas diferentes etnias – indígena, branca e negra – no contexto do processo de povoamento e explora-ção colonial, ajuda na caracterização da origem das ações coletivas de saneamento no País. Assim, convidamos você para uma refl exão acerca da contribuição de cada uma das referidas etnias na formação de uma identidade sanitária para o brasileiro através da atividade a seguir.

Atividade

As charges e a imagem mostradas a seguir representam três cenas do cotidiano brasileiro durante o período colonial. Observe-as com atenção e descreva para os colegas de grupo o que cada uma delas quer evidenciar quanto aos hábitos das comunidades representadas nas mesmas. Refl ita sobre as contribuições de cada etnia no proces-so de assimilação da identidade sanitária nacional. O representante escolhido pelo grupo deverá relatar para toda a turma quais foram as impressões do grupo.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 21

Passemos à leitura do texto a seguir, que trata das diferenças étnicas que formam a iden-tidade sanitária brasileira. Na seqüência, vamos comparar o conteúdo desse texto com as respostas dadas por você, Profi ssional, na interpretação das charges.

Charge, Raquel Conde in Rezende e Heller, 2002

Charge, Revista O Arlequim, 1867 Os tigres. Revista A Semana Ilustrada, 1861.

A miscigenação étnica no Brasil é um aspecto de grande relevância para a composição das ações individuais e coletivas, voltadas para a higiene pessoal e o saneamento domiciliar. Nas ações de saneamento existentes durante o período colonial, as contribuições da cultura indígena foram muito importantes, pois as populações nativas sempre se guiaram por um forte senso de preservação do ambiente e da saúde, com hábitos salutares como os banhos diários e a utilização de fontes de água pura.

Os Jesuítas vangloriavam-se de não se darem ao luxo de lavar os pés, enquanto os indígenas tinham como hábitos o banho diário e o contato e o respeito à natureza. O excesso de roupa utilizado pelos europeus nos trópicos, era um fator agravante para as doenças pulmona-res e de pele, já comuns nesses povos. No Brasil, as doenças trazidas pelos europeus se alastravam entre os indígenas causando um verdadeiro massacre, visto que não possuíam imunidade e resistência às mazelas trazidas de fora.

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22 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Negros de ganho carregando pipas d agua. Debret, 1820.

De fato, as ações de saneamento realizadas nas cidades começaram a se tornar públicas quando da construção de chafarizes e aquedutos, a partir do ciclo do ouro. Esses locais, além de garantirem a provisão de água dos domicílios, constituíam espaços de convivência, onde normas e valores exigiam um comportamento coletivo adequado.

A abolição da escravatura no Brasil forçou as elites a se mobilizarem em favor da organização das ações coletivas pelo poder público, para que soluções fossem dadas aos problemas relativos ao transporte de água e à coleta dos esgotos.

Tudo que corre, grita,

trabalha, tudo que

transporta e carrega

é negro

Avé-Lallemant, 1859/1980:22

O ideário colonialista do explorador europeu era pautado pela “transitoriedade, provisoriedade e precariedade” do modo de vida (Novais, 1997) o que infl uenciou fortemente sua conduta sanitária. A maioria da população vivia sem nenhuma comodidade ou conforto, sendo as ativi-dades domésticas voltadas para a alimentação e a higiene realizadas no exterior da casa.

A imundície das vias públicas das cidades brasileiras do século XIX além de favorecer a proliferação das doenças, causava constrangimento aos transeuntes. Em algumas áreas urbanas ocupadas pelas camadas mais populares, a expressão “água vai” era proferida antes do lançamento de águas servidas para fora dos domicílios, o que revela o descaso da população e do poder político com as questões de higiene (Costa, 1994).

Nas casas-grandes, sobrados e vivendas, erguidos sob a égide da diversifi cação econômica e do tímido crescimento urbano do período colonial, aos escravos era conferida a responsa-bilidade do saneamento domiciliar, sendo deles as atribuições de trazer água para o interior das casas e levar os dejetos para lugares afastados. Os “negros de ganho”, que entre outras funções transportavam água, eram chamados “aguadeiros”, e os que transportavam os dejetos domésticos eram chamados de “tigres”, por causa das manchas acobreadas deixadas em seus corpos e vestes pelas fezes.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 23

Como pudemos perceber, as etnias – indígena, branca e negra – agregaram hábitos diversos trazendo contribuições para a formação da identidade sanitária no Brasil. Veremos, agora, como as ações de saneamento começaram a ser organizadas nas cidades brasileiras.

A coletivização do bem-estar

Nesta seção, buscaremos compreender os paradigmas da coletivização das ações de saneamento no Brasil e como essas ações se tornaram públicas. Para isso, iniciaremos as nossas refl exões com a leitura do texto de Meihy e Bertolli Filho, caracterizando a ação do governo no início da República brasileira; e do texto de Monteiro Lobato, ilustrado pelo seu famoso personagem, o Jeca Tatu. Perceba como era o saneamento brasileiro, como tiveram início as mudanças e a participação da sociedade frente aos problemas sanitários.

Paradigma: é a representação

do padrão de modelos a serem

seguidos. É um pressuposto

fi losófi co matriz, ou seja, uma

teoria, um conhecimento que

origina o estudo de um campo

científi co; uma referência inicial

como base de modelo para

estudos e pesquisas. (Wikipédia)

A proclamação da República mudou a posição

do Estado diante da questão sanitária nacional.

Os novos dirigentes falavam em elevar o Brasil à

condição de potência internacional. Com isso, o

governo passou a empenhar-se mais e mudar a

péssima reputação que o Brasil tinha no exterior.

Os primeiros governos republicanos procura-

ram tornar realmente obrigatórias as leis que

exigiam a vacinação das crianças. Procuraram

também criar serviços efi cientes de limpeza

pública, instalar redes de esgoto e canalizar a

água usada pela população.

(...) Oswaldo Cruz foi encarregado pelo gover-

no de recuperar a saúde pública do Rio de Ja-

neiro e, posteriormente, de algumas regiões da

Amazônia. Em pouco tempo, devido a sua ação

como higienista, Oswaldo Cruz tornou-se co-

nhecido em todo o País.

Oswaldo Cruz aparece nesta caricatura publicada pela revista francesa Chanteclair, em 1911, numa postura de guerra contra os transmissores da febre amarela e da peste bubônica, doenças que grassavam nas cidades brasileiras no início do século XX.Meihy e Bertolli Filho, 1995: 13-14.

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24 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Os textos mostraram um pouco dos graves problemas relacionados à questão sanitária que o Brasil enfrentava até meados do século XX. Vamos realizar a atividade a seguir com o intuito de discutir os principais temas dos dois textos que acabamos de ler.

Jeca Tatu, imagem permanente do caipira ignorante e doente do interior brasileiro. Capa da 17ª edição do livro de Monteiro Lobato, distribuído como propaganda do laboratório Fontoura.

(Lobato,1959:54-55).

Quem do alto olha para o Brasil

vê um complexo sistema de

parasitismo em repouso sobre um

larguíssimo pedestal de escravos

andrajosos e roídos de todas as

doenças endêmicas: o homem rural

(...). Sobre a miséria infi nita desses

desgraçados está acocorada a

nossa ‘civilização’, isto é, o sistema

de parasitismo que come, veste-

se, mora, e traz a cabeça sob a

asa para evitar o conhecimento da

realidade.

Atividade

Coletivamente responda e discuta as questões a seguir.

Quais ideais nortearam as ações de saneamento a partir do período republicano no Brasil, refl etindo-se na sua ampliação?Relacione as idéias expostas no texto de Lobato acerca do habitante das áreas rurais do País com o quadro observado para uma parcela signifi cativa da população residente nas grandes cidades brasileiras da atualidade. Desde a instituição da República, a promessa ofi cial de todos os presidentes tem sido proteger a saúde da população. Por que isso não tem ocorrido?

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 25

Após essa discussão das questões sanitárias e sua correlação com os dias atuais, vamos aprofundar um pouco mais e conhecer como aconteceu a evolução do saneamento no sécu-lo XX e algumas personalidades que tiveram destaque nesse cenário, fazendo a leitura do texto a seguir.

Nas cidades brasileiras do início do século XX, sobretudo as mais populosas e estratégicas para a economia do País, os problemas relacionados ao crescimento e adensamento popula-cional se multiplicavam. O Brasil, caracterizado por Belisário Pena como “um imenso hospital”, tinha suas cidades freqüentemente assoladas pelas epidemias de varíola, febre amarela e peste bubônica, e em suas áreas rurais reinava a tríade epidemiológica, representada pela ancilostomíase, tripanossomíase e esquistossomose.

As poucas ações voltadas para as coletividades, organizadas pelas entidades paroquiais e por iniciativas particulares, resultaram na construção de chafarizes públicos. Com a aboli-ção da escravatura, as cidades brasileiras deixaram de contar com seus agentes sanitários primitivos, o que obrigou as autoridades a atentarem para a importância do desenvolvimento tecnológico na viabilização de sistemas de abastecimento de água e de coleta de esgotos.

A institucionalização de uma política nacional de saneamento processou-se após uma fracas-sada experiência das companhias privadas, no início do século XX. Uma corrente nacionalista abrangendo as elites política e intelectual do País se encarregou de chamar a atenção para os problemas de saúde pública oriundos das precárias condições de saneamento das cidades brasileiras e de suas áreas rurais, que representavam um entrave ao desenvolvimento. Foi a partir da compreensão de que as epidemias atingiam a todas as camadas da população que as elites brasileiras atentaram para necessidade da coletivização dos cuidados com a saúde. Tal percepção trouxe a apreensão de que a vida em coletividade exigiria a manutenção de hábitos de higiene e cuidados com a provisão de água e alimento, além da destinação dos resíduos, aspectos imprescindíveis ao desenvolvimento comum (De Swaan, 1990).

A precariedade e o abandono em que vivia a grande maioria da população, residente nas áreas rurais do país, causou indignação nos sanitaristas, que, nas primeiras décadas do século XX, participaram de expedições ao interior do Brasil. Esses expedicionários funda-ram em 1918, na capital Rio de Janeiro, a Liga Pró-Saneamento do Brasil, cujos ideais eram voltados para a valorização da vocação agrícola do País. Esse movimento defendia as ações promotoras do desenvolvimento regional, que trariam efeitos benéfi cos para a saúde da população dos “sertões”, resultando em mão-de-obra local para as principais ativida-des econômicas. É preciso destacar que, nesse período, os técnicos norte-americanos da Fundação Rockfeller, instituição fi lantrópica voltada para o controle das endemias rurais, eram parceiros dos sanitaristas brasileiros no controle das endemias rurais e ajudaram a

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26 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

orientar as ações empreendidas para as áreas de maior interesse econômico, como no Vale do Rio Doce e do Amazonas.

Charge publicada na Revista O Malho em outubro de 1904.

Você sabia?

O episódio conhecido como “Revolta da Vacina” representa uma das mais impor-tantes manifestações populares ocorridas no País. Os revoltosos lutavam contra o autoritarismo da polícia sanitária e a obri-gatoriedade da vacina antivariólica. Apesar de ter sido contida, essa revolta mostrou a força da opinião pública às autoridades sanitárias, e a obrigatoriedade da vacina foi revogada em 1904, apenas alguns meses depois de ter sido instituída.

Para atender às crescentes demandas sani-tárias das cidades brasileiras, as autoridades focalizaram o controle das doenças, insti-tuindo a polícia sanitária e a vacinação obrigatória, e criaram a Comissão Federal de Saneamento, que elaborava e executava proje-tos de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário em vários municípios. Após a implantação dos sistemas, estes eram entregues às administrações municipais, que se tornaram titulares da gestão dos serviços de saneamento.

Após a execução dos sistemas, a Comissão Federal de Saneamento os transferiam à competência dos poderes locais, que os administravam diretamente. Já em meados do século XX, o modelo de gestão do saneamen-to vigente, a administração direta municipal, tornou-se alvo de críticas relativas à burocra-cia do poder centralizado, à política tarifária inadequada, às difi culdades de arrecadação e à dependência de recursos freqüentemente sujeitos ao clientelismo, aspectos que contras-tavam com a nova realidade urbana do País.

Saturnino de Brito, considerado o pai da Engenharia Sanitária Brasileira, esteve à frente da Comissão Federal de Saneamento entre os anos de 1893 e 1929, tendo sido o maior defensor da utilização de tecnologias apropriadas à realidade do País. Ele participou da elaboração de projetos e construção de sistemas de água e esgotos das capitais dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Pará, Paraíba e Pernambuco, além de uma dezena de outras cidades do Sudeste e Sul do País.

Para saber um pouco mais sobre as obras de Saturnino de Brito, é interessante fazer a leitura do texto “O saneamento de Santos”.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 27

A cidade de Santos se tornou ao fi nal do século

XIX, a principal porta de entrada dos imigrantes

subvencionados que, em sua maioria, iriam

para as lavouras de café do Estado de São

Paulo. Com tamanha visibilidade, essa cidade

passou a merecer a atenção das autoridades

daquele estado, tendo sido alvo de um grande

plano de saneamento, elaborado e executado

pela equipe do Engenheiro Saturnino de Brito.

Em 1917, após a conclusão das obras, a

gestão do serviço de abastecimento de água

da antiga Cia. de Melhoramentos de Santos é

transferida para a The City of Santos Improve-

ments Co. Mas a mudança determinante para

a melhoria da saúde pública foi a alteração,

em 1917, da captação de água dos antigos

mananciais já poluídos para a Cachoeira dos

Pilões, no alto da Serra do Mar, em Cubatão.

A City forneceu água para Santos, São Vicente

e Cubatão até 1953, quando o serviço foi en-

campado pelo Estado.

A planta da cidade de Santos em 1921 mostra

como o traçado da Avenida Afonso Pena acom-

panha o canal do estuário. O sistema de canais

projetado por Saturnino de Brito é constituído

por canais que ligam o estuário ao mar, permitin-

do a renovação das águas nas grandes marés

e evitando aspecto e cheiro ruins. A instalação

de adufas para represar as águas de preamar

e descarregá-las em baixa-mar garantia a reno-

vação das águas impedindo o acúmulo de areia

do mar e a obstrução das descargas.

O saneamento de SantosFo

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28 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Como vimos, Saturnino de Brito teve uma fundamental importância para o desenvolvimento de ações sanitárias, principalmente no que tange à modernização e realização de obras voltadas para as áreas de água e esgoto. Essas ações marcaram o século XX e imprimiram características ao saneamento brasileiro. Agora, realizaremos uma atividade para correla-cionar a falta de água e esgoto com o modo de vida das pessoas.

O sistema de saneamento que Saturnino cal-

culava ser sufi ciente até o ano de 1940 foi

tão bem feito que suportou o crescimento da

população até meados dos anos 60, quando

a explosão turística e o aumento populacional

nas temporadas de férias saturaram o sistema.

O projeto inicial de Saturnino de Brito foi então

ampliado e atualizado. Das estações elevatóri-

as iniciais, a Sabesp manteve algumas e con-

struiu outras, totalizando 12 estações.

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Ribeirão dos Soldados. Fotos de José Marques Pereira, 1907.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 29

Atividade

No ano de 1952, os compositores Luís Antônio e J. Júnior, na época capitães do Exército brasileiro, servindo na Escola Especializada da Academia Militar, caminhavam diariamente por um morro da cidade do Rio de Janeiro e presenciavam a rotina do abastecimento de água de seus moradores em uma bica existente. Da visão de uma mulher equilibrando uma lata na cabeça, enquanto levava uma criança, teria surgido a inspiração para a composição de “Lata d´água”, samba de sucesso entoado pela cantora Marlene.

Assista ao vídeo e acompanhe a letra da música que se encontra a seguir, buscando identifi car, na ausência do saneamento, o contraste entre a dura realidade da favela e o sonho de uma vida melhor no asfalto.

Agora, refl ita e discuta com seus colegas:De que maneiras a ausência de canalização interna de água nos domicílios infl uencia o modo de vida das pessoas, sobretudo das mulheres?Esta ainda é uma música atual?

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A pintura “Lata d’água na cabeça”, de Gersion de Castro, retrata o cotidiano da extinta Vila Paranoá, situada na capital federal durante sua construção.

Lata d’águaLuís Antônio e J. Júnior

Lata d’água na cabeça

Lá vai Maria,

Lá vai Maria

Sobe o morro e não se cansa

Pela mão leva a criança

Lá vai Maria

Maria lava a roupa lá no alto

Lutando pelo pão de cada dia

Sonhando com a vida do asfalto

Que acaba onde o morro principia

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30 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Até aqui vimos um pouco da história do saneamento brasileiro até meados do século XX, algu-mas ações que infl uenciaram a sua constituição e as interferências causadas no modo de vida da população. No próximo tópico, veremos as mudanças introduzidas após essa época e os modelos de gestão que fi zeram parte da história do saneamento no País.

A dicotomia entre as ações de saneamento e saúde

e o Plano Nacional de Saneamento (Planasa)

Nesta seção, iremos buscar uma nova visão do saneamento, assentada nos ditames do capitalismo mundial vigente no País, desde meados do século XX, quando se verifi ca o afastamento entre as áreas de saneamento e de saúde e o aparecimento de uma nova lógica para o empreendimento das ações de saneamento.

Os modelos de gestão mais fl exíveis e de feições mais empresariais passam a se destacar como alternativa à administração direta municipal e, a partir da década de 1970, com a implantação do Plano Nacional de Saneamento, fi ca evidente a opção pelas companhias estaduais, eleitas pelos agentes fi nanciadores do Planasa para serem as únicas contempladas com os recursos destinados ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário.

O texto seguinte aborda, de maneira geral, a migração interna no Brasil. Perceba como o movimento populacional infl uenciou diretamente os problemas pertinentes ao saneamento no País. Faça a leitura do texto.

A redistribuição espacial da população: novos e velhos desafi os para o saneamento

As migrações internas foram as maiores responsáveis pelo acelerado crescimento popula-cional urbano verifi cado a partir da década de 1960. As conseqüências desse crescimento tornaram-se negativas no Brasil, cujas cidades não estavam preparadas para absorvê-lo. Se, por um lado, o desemprego, a falta de moradias dignas, a miséria e a fome atingiram em cheio os imigrantes pobres, que rumavam para a cidade em busca de uma vida melhor; por outro, o impacto do crescimento populacional urbano sobre o ambiente, causando a degradação e a escassez dos recursos naturais, além da violência urbana, atinge toda a sociedade, transformando a cidade em um caos.

Apesar do desenvolvimento de ações de caráter coletivo, a partir do início do século XX, as ações individuais de saneamento predominaram no Brasil até a primeira metade

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 31

daquele século, quando as migrações inter-nas começaram a ditar um novo panorama demográfi co para o País. O êxodo rural provocado pela modernização dos meios de produção agrícola, pela expropriação da terra e pela atração urbana foi intenso entre as décadas de 1940 e 1970, contribuindo substancialmente para o processo de urba-nização acelerada do País.

Também o declínio da mortalidade em um regime de fecundidade elevada, fenômeno observado desde a década de 1940 até a de 1960, contribuiu para o crescimento da popu-lação urbana. Nesse cenário, a difi culdade do poder público em atender às crescentes demandas de saneamento foi preponderan-te para a reprodução das ações individuais. Paralelamente, as ações de saúde foram caminhando rumo à privatização, com um perfi l cada vez mais curativista, fi cando a saúde pública focada na atenção às questões previdenciárias.

Os retirantes

Você sabia?

As remoções das populações das fave-las cariocas e paulistanas tornaram-se comuns com o crescimento destas cida-des e a valorização econômica de áreas centrais. Os “removidos” engrossa-ram, juntamente com os imigrantes, as periferias urbanas, que cresciam desor-denadamente e sem a atuação do poder público, durante as décadas de 1970 e 1980. Apenas na década de 1990, as auto-ridades se voltaram para as demandas da massa de excluídos.

Remoção da população residente na Favela do Esqueleto, Rio de Janeiro, 1965.

Você sabia?

As migrações internas tornaram-se cena típica no cotidiano do homem rural, sendo retratadas por vários ceramistas nordes-tinos em sua arte. Um dos mais famosos artistas de cerâmica fi gureira popular foi Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino. Nascido no distri-to de Ribeira dos Campos, nas cercanias de Caruaru, Pernambuco, em 1909, foi o pioneiro em registrar, nas suas produções, cenas do cotidiano sertanejo em que vivia: sua gente, usos e costumes.

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32 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Atividade

O gráfi co traz, para o ano 2000, a distribuição dos serviços relati-vos ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário no Brasil, segundo os modelos de gestão. Observe os percentuais de partici-pação de cada modelo de gestão, para ambos os serviços, e descreva quais aspectos, em sua opinião, são preponderantes para explicar a confi guração da gestão do saneamento no País.

Histórico dos modelos de gestão no saneamento do País

Antes de iniciarmos a apresentação da história dos modelos de gestão para o saneamento brasileiro, vamos fazer uma atividade sobre a confi guração da gestão para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para o ano de 2000.

Vimos, no texto anterior, as conseqüências da migração para o crescimento desordenado nos centros urbanos, sem infra-estrutura adequada para suportar esses fl uxos migratórios. Sabemos que o crescimento desordenado desencadeou uma série de problemas rela-cionados ao saneamento e, conseqüentemente, à saúde da população residente nessas áreas.

Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2000 (PNSB 2000).

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 33

Refl ita sobre esses problemas. Quais seriam as melhores ações para solucioná-los.

Após a nossa refl exão sobre as possíveis ações para o saneamento, veremos, no próximo texto, através do histórico dos modelos de gestão no saneamento brasileiro, como essas ações começaram a ser estruturadas Será possível perceber a sucessão desses diferenciados modelos e quais deles foram decisivos para o atual quadro do saneamento no País.

A partir dos anos 1950, os principais organismos fi nanciadores passaram a condicionar a concessão de empréstimos à completa autonomia dos serviços de saneamento. Também ganharam destaque os estudos de viabilidade econômica com previsão de amortização dos recursos investidos por meio de cobrança de tarifa. Nesse contexto, desenvolveram-se os modelos de gestão constituídos pelas autarquias municipais, ainda na década de 1940, e pelas Sociedades de Economia Mista, a partir de 1954.

Os primeiros passos rumo a um modelo de gestão mais fl exível e capaz de superar os proble-mas relacionados à administração direta e de atender à crescente demanda foram dados pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com a constituição das autarquias municipais, que se desenvolveram a partir de experiências bem-sucedidas de gestão de sistemas de água e esgotos por essa entidade. O SESP foi criado em 1942, com o objetivo de promover o desen-volvimento das ações de saneamento em áreas específi cas do País, no Vale do Rio Doce e do Amazonas, e contou com o auxílio técnico e fi nanceiro do governo norte-americano para a criação dos Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs), que serviram de modelo na reorientação da gestão dos serviços até a década de 1960, por envolverem soluções adequa-das e de baixo custo às demandas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Os SAAEs foram os precursores da implantação de programas de fi nanciamento com previsão de retorno dos investimentos, introduzindo a cobrança de taxas progressivas

As mudanças processadas nas diretrizes das ações de saneamento no País, em função da industrialização e do rápido crescimento populacional urbano, aconteceram em meio a perí-odos de expansão acelerada, seguidos de forte retração na economia nacional. A década de 70 é marcada pelo “Milagre Econômico”, período de notável crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), quando se viveu um momento de grande euforia no País, em meio a muitas promessas de estabilidade monetária e distribuição de renda. Entretanto, a concentração de renda tornou-se cada vez maior e, em meio ao crescimento populacional acelerado das cidades, teve refl exos signifi cativos no aumento das desigualdades sociais. Nesse contexto, a tendência de declínio nos níveis de mortalidade observados desde cedo nos anos 1940 começa a ser revertida, virando motivo de preocupação entre as autoridades que assistiam ao espetáculo do crescimento, preocupadas com a dramática realidade sanitária vivenciada pela classe média e pelos pobres.

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34 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Para prover soluções às crescentes demandas urbanas de saneamento, idealizou-se um grande plano de abrangência nacional, o Planasa ou Plano Nacional de Saneamento, marco do desenvolvimento em saneamento urbano no País, que estabeleceu novas bases insti-tucionais, políticas e fi nanceiras para o setor. As metas iniciais desse plano eram voltadas, sobretudo, para a ampliação da cobertura de redes de água, prevendo também um aumento bem menor na cobertura de redes de esgotos.

O Banco Nacional da Habitação (BNH), entidade fundada em 1967, fi cou encarregado de orientar as diretrizes do setor de saneamento e da área de habitação. Os mecanismos de fi nanciamento do Planasa foram viabilizados a partir da autorização do uso de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), por meio do Sistema Financeiro de Saneamento (SFS). Esses recursos não foram concedidos aos municípios com gestão própria dos serviços, sendo quase exclusivamente direcionados às municipalidades cuja concessão estivesse sob a responsabili-dade das companhias estaduais. A tradicional estruturação local na gestão do abastecimento de água foi rapidamente desmobilizada e, em grande parte, substituída pelas companhias estaduais. Sem acesso aos recursos e sem perspectivas de realização de novos empréstimos, uma grande parcela dos municípios brasileiros aderiu ao Planasa, abrindo mão da gestão em prol do crescimento da cobertura de redes de água e esgotos.

As CESBs evoluíram das experiências das Sociedades de Economia Mista (SEM) criadas em meados do século XX. A Sanesa, vinculada à Prefeitura de Campina Grande, no Estado da Paraíba, foi a primeira a ser constituída, em 1954. Esse modelo de gestão também foi estruturado segundo o princípio da auto-sustentação tarifária, prevendo a adoção de taxas progressivas com o consu-mo, como nas autarquias municipais. Essas companhias passaram a substituir uma signifi cativa parcela da gestão municipal do abastecimento de água, a partir da década de 1960.

Alguns municípios não transferiram a gestão dos serviços às companhias estaduais e, por isso, não tiveram acesso aos recursos daquele plano, enfrentando difi culdades para a ampliação de seus sistemas. As autarquias municipais que haviam surgido nos anos 1940, estabelecendo-se como uma alternativa viável à gestão do saneamento pelas administrações diretas municipais, também fi caram alijadas do fi nanciamento.

Os sucessivos choques do petróleo criaram um desequilíbrio na economia mundial, estando o Brasil, no início dos anos 80, mergulhado em uma grave crise econômica e social, marcada pelo desemprego, pela infl ação galopante e pelo endividamento externo e interno. A saída encontrada pelos governantes foi adotar programas emergenciais de curto prazo, incluindo cartas de intenções com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o estabelecimento de linhas de crédito. As diretri-zes assumidas foram recessivas em relação aos recursos do BNH, que já amargava com a brusca redução nos recursos do FGTS, por causa das crescentes taxas de desemprego e do crescimento

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 35

da economia informal. Também houve redução nos investimentos públicos e privados e elevação nos custos do endividamento externo de períodos anteriores. Todas essas mazelas enfraqueceram o Planasa e colocaram o saneamento em um estágio de indefi nição e estagnação, que apenas teve fi m no período atual, com a criação da Lei 11405/2007, que defi ne diretrizes para o setor.

Com base nas informações adquiridas no texto anterior, observe se foi possível descrever, na última atividade, os principais aspectos dos modelos de gestão para o abastecimento de água e o esgotamento sanitário.

E então? Será que esses modelos de gestão infl uenciaram o percentual de redes de água ou esgoto? Para sabermos a resposta, vamos fazer a próxima atividade e, em seguida, ler o texto que elucidará esse questionamento.

Atividade

Observe o gráfi co a seguir, no qual são apresentados os percentuais de coberturas domiciliares de redes de água e esgotos nas áreas urbanas do Brasil entre os anos de 1972 e 2002.

Fonte: IBGE, Censo Demográfi co de 1970 e PNADs 1977, 82, 87, 92, 97 e 2002.

Agora, pense e responda:A evolução da cobertura de redes de água e esgotos ocorreu de forma desigual, tanto temporalmente quanto no que diz respeito à distribuição das coberturas por ambos os serviços. A quais fatores você atribui essas diferenças?

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36 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

A proposta da atividade anterior foi elucidar a condição diferenciada entre a distribuição de redes de água e esgoto. O texto a seguir explicará os principais fatores que levaram a essa conjuntura.

Na década de 1970, a oferta elevada de redes de abastecimento de água nas áreas urbanas brasileiras tornou-as mais acessíveis aos domicílios, mesmo àqueles com status socioeconô-mico baixo. A ampla cobertura domiciliar de redes de água verifi cada no ano 2002 deve-se, em grande medida, à manutenção e ampliação dos sistemas de abastecimento de água implantados na primeira década de existência do Planasa. O mesmo não aconteceu com a cobertura de redes de esgotos, que, durante a década de 1980, permaneceu praticamente inalterada, só esboçando uma reação na década de 90.

Nos anos 90, enfatizou-se a ampliação da cobertura de saneamento por meio da implemen-tação de programas federais voltados para a redução das desigualdades socioeconômicas, que privilegiavam sistemas sem viabilidade econômico-fi nanceira, como o Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos (PRONURB), o Pró-Saneamento e o Programa de Ação Social em Saneamento (PASS), e também programas de modernização e desenvolvimento institucional de sistemas, como o Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS) e o Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água (PNCDA).

Este impulso na criação de novos sistemas de coleta de esgotos e na ampliação dos sistemas pré-existentes processou-se quando a ausência daqueles serviços passou a adquirir maior relevância numa perspectiva social e ambiental, pois, por um lado, as populações mais carentes que ocupavam favelas e periferias não tinham acesso às ações coletivas, pagando o ônus da concentração urbana. Por outro lado, a degradação dos espaços ocupados pelos mais pobres, causada pela disposição inadequada de esgotos e de lixo, era o prenúncio de uma situação que viria a se tornar corriqueira em função da desigualdade gerada pela despreocupação com as conseqüências do aumento no consumo doméstico de água, sem a devida instalação de sistemas de coleta de esgotos.

O atual cenário das ações coletivas e individuais de saneamento no País foi determinado pela evolução dessas ações ao longo do processo de ocupação do território, no âmbito das políticas econômica e desenvolvimentista empreendidas desde a exploração colonial. As desigualdades historicamente verifi cadas no nível regional e em sua dimensão social vêm-se refl etindo nas ações de saneamento, visto que a extensão do território e, conseqüentemente, suas diversidades naturais, culturais e nas formas de ocupação têm-se apresentado como fatores relevantes para os diferenciais no acesso dos brasileiros aos sistemas de abasteci-mento de água e esgotamento sanitário.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 37

Os refl exos da nova lei de saneamento ainda não começaram a ser sentidos, e os desafi os na busca pela universalização do saneamento são imensos, pois, apesar de colher os louros pelo reconhecido aumento da cobertura de saneamento no País, o Planasa, além de contri-buir para a ausência de integralidade nas ações voltadas para o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, também teve grande responsabilidade sobre o aumento das desi-gualdades no acesso a esses serviços.

Profi ssional, chegamos ao fi m do nosso primeiro conceito-chave. O objetivo desta unidade foi

entender o quadro atual do saneamento no Brasil através da apresentação histórico-conceitual do

setor. Retomaremos aqui as principais abordagens que nos guiaram nesse estudo. Começamos

pelo processo de formação da identidade sanitária nacional e vimos que as diferenças étnicas

(indígena, branca e negra) tiveram contribuição relevante para iniciar as ações coletivas no setor

de saneamento no País. Vimos, ainda, que a transição dessas ações foi difi cultada em parte pela

inexperiência do governo em lidar com a questão da coletividade e, por outro lado, pela falta

de entendimento por parte da população, que não via tais ações como benéfi cas à sua saúde.

Ao debater os ideais que nortearam as ações de saneamento e se refl etiram na sua ampliação,

constatamos que, no início do século XX, prevaleceu a interdependência entre o saneamento

e a saúde pública. Porém, em meados do século XX, esses dois setores se distanciaram. No

desenvolvimento do capítulo, discutimos a infl uência dos vários modelos de gestão no setor

e vimos que vários programas federais foram criados na tentativa de resolver os problemas

sanitários. Nessa perspectiva, houve a preocupação em ampliar os sistemas preexistentes de

água e esgoto; no entanto, as populações periféricas não foram contempladas com as políticas

públicas no campo do saneamento. Um arcabouço político e legal é primordial para a melhoria

dos serviços públicos. Assim, na próxima unidade, serão expostas leis e outras políticas públicas

concernentes ao saneamento básico.

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38 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Neste conceito-chave, vamos avaliar as principais leis que demar-cam o saneamento básico no Brasil. Iremos discutir, portanto, a Lei dos Consórcios Públicos e a Lei do Saneamento Básico. Pretendemos, também, compreender o papel dos atores que compõem o quadro do saneamento. Para isso, valemo-nos de alguns textos e atividades eluci-dadoras. Versaremos ainda sobre a questão do Estado e outras políticas públicas que tangem o universo sanitário, apresentando, sucintamente, o contexto histórico e político que antecederam essas novas leis.

Estado e políticas públicas

Para compreender como as políticas públicas são formuladas e imple-mentadas, e de que maneira afetam a vida das pessoas, é preciso entender qual é o papel do Estado. Para isso, devemos considerar, nessa refl exão, o contexto histórico em que este Estado atua, seus determinantes políticos, econômicos, sociais e culturais.

A natureza da relacão que é estabelecida entre a sociedade e o Estado resulta nas políticas públicas. Nessa conjectura vamos trabalhar com a idéia de que o Estado, assim como os diversos atores que repre-sentam a sociedade organizada (os movimentos populares, o setor privado, as organizações não governamentais, os partidos políticos, os trabalhadores, a igreja, entre outros), representa interesses, não se colocando, portanto, como um agente neutro.

O lugar onde esses atores se encontram para manifestar os seus inte-resses, que, muitas vezes, são confl itantes e, em algumas situações, se complementam, é chamado de arena política. A formulação de políticas públicas é, portanto, resultado da interação dessa complexa rede de atores sociais, que se movimentam entre o estatal, o público e o privado. Sem dúvida, nessa rede, o Estado é um ator importante

Estado, políticas públicas

e legislação- Adquirir conhe-

cimento sobre o

novo arcabouço

legal e jurídico que

regulamenta o setor

saneamento no

Brasil.

- Identifi car, nas

leis estudadas, as

oportunidades de

melhoria da gestão

dos serviços públi-

cos de saneamento

básico em seu

município.

- Analisar o atual

momento do sane-

amento brasileiro,

identifi cando sob a

retrospectiva histó-

rica do setor, os

principais avanços

e os desafi os que

ainda se colocam.

OBJETIVOS:

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 39

porque assume a função de mediador de confl itos, de promotor de pactos e consensos. Mas, ainda assim, não é neutro e não está acima da sociedade. Além de não ser neutro, o Estado é necessariamente contraditório.

O Brasil vivenciou, nos anos de 1980, um amplo processo de redemocratização, que, entre outras medidas, afi rmou a autonomia do poder local. A Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988 consagrou o Município como um ente da Federação, atribuindo-lhe competência tributária própria, capacidade política eletiva e de auto-organização. O desenho político-administrativo da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Nesse modelo, existe, em particular, uma responsabilidade de Estado que remete à comple-mentação do desenho federativo decorrente da Constituição Federal de 1988, especialmente nos aspectos cooperativos do federalismo. Nesse sentido, cabe ao Estado implementar instrumentos de coordenação de políticas públicas de responsabilidade da União, em espe-cial aquelas executadas de forma conjunta com estados e municípios, contribuindo para o aumento da efetividade dessas políticas e da aplicação de recursos públicos, atribuindo maior racionalidade às ações cooperadas e ampliando os benefícios que podem ser gerados para o conjunto da sociedade.

Vamos ver, na próxima seção, de que maneira esses instrumentos de cooperação foram explorados no atual ordenamento jurídico do setor saneamento no Brasil. Para isso, abor-daremos as principais leis pertinentes ao tema.

Legislação: Lei das Diretrizes Nacionais de Saneamento

Básico e a Lei dos Consórcios Públicos

A história da ausência do marco regulatório como um dos percalços do desenvolvimento do setor saneamento no Brasil não pode mais ser colocada. Essa etapa está superada!

O ano de 2007 consolida esforços em conquistas importantes para o saneamento. A promul-gação da Lei das Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico (11.445/2007), o Decreto no. 6.017/2007 que regulamenta a Lei dos Consórcios Público (11.107/2005), sobre Consórcios Públicos e Gestão Associada de Serviços Públicos, de 6 de abril de 2005, conformam o novo arcabouço jurídico do setor. É nesse ambiente de estabilidade institucional e legal que o Governo Federal anunciou a decisão de destinar, dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 40 bilhões para investimentos em saneamento para o quadriênio 2007-2010.

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Mas ainda são muitos os desafi os! Todas essas conquistas, no campo político-institucional e de investimentos, requisitam nossa capacidade de planejamento e de execução. Para isso, é preciso garantir uma gestão que dê respostas a esse novo quadro do setor e à sociedade.

Não bastam boa vontade e entusiasmo! É preciso estudar as leis, compreender o rebatimento das diretrizes nacionais do saneamento para o nosso cotidiano. A partir dessa compreen-são, é preciso saber aproveitar as oportunidades que se abrem no campo do planejamento integrado, da qualifi cação do controle social e da novidade que a regulação ainda representa para a maioria dos que atuam no setor.

Para facilitar nossos estudos, apresentaremos, inicialmente, um comentário a respeito da Lei dos Consórcios Públicos e de Gestão Associada, realizando, em seguida, uma atividade. Posteriormente, versaremos sobre a Lei das Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico e realizaremos, ao término da leitura, outra atividade.

Sobre a Lei de Consórcios Públicos e de Gestão Associada

Vamos voltar ao ano de 1998, mais especifi camente à Emenda Constitucional no 19, para entendermos a origem da Lei de Consórcios e de Gestão Pública.

Esta emenda que integrou a Reforma Administrativa, expressa no artigo 241 da Constituição Federal, estabelece como se deve dar a cooperação federativa entre União, Estados e Municípios do ponto de vista da organização de Consórcios Públicos e daquilo que a Constituição deno-mina gestão associada de serviços públicos.

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei

os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre entes federados, autorizando a

gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos,

serviços, pessoal e bens essenciais aos serviços transferidos.

Uma leitura cuidadosa deste artigo nos informa como os três níveis de governo, ou seja, os entes federados (União, Estados e Municípios) devem se articular para organizar e prestar serviços públicos de forma associada.

Estava dado, portanto, o mote, ou, se preferir, a oportunidade para a criação da atual Lei

11.107, de 06 de abril de 2005, que dispõe sobre as normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 41

Esta lei, mais conhecida como Lei dos Consórcios Públicos e da Gestão Associada, foi regulamentada pelo Decreto no. 6.017,

de 17 de janeiro de 2007.

Mais adiante, ao tratarmos das funções da gestão, como o planejamento, a regulação, a fi scalização e a própria prestação dos serviços de saneamento básico, nos apoiaremos prin-cipalmente no texto do Decreto 6.017/2007.

Voltemos ao ponto central desta seção: a Lei de Consórcios Públicos e de Gestão Associada.

Para que serve um decreto de regulamentação?

Um decreto de regulamentação de uma lei tem por objetivo maior esclarecer dúvidas que porventura o texto da lei apresenta. No caso do decreto da Lei de Consórcios Públicos, os resultados são bastante satis-fatórios, porque os conceitos norteadores da Lei foram exaustivamente explicados, visando à melhor compreensão dos prin-cipais pontos dessa legislação.

Sabemos que grande parte dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sani-tário se dá hoje, principalmente, através de um contrato entre o Município e a Companhia Estadual de Saneamento Básico (CESB). Esse contrato, até aqui, sempre foi denominado contrato de concessão.

Contudo, sabemos que este contrato fi rmado entre o Município e a CESB é bem diferente daqueles contratos de concessão, por exemplo, que um Município faz com uma empresa privada, pois este certamente é precedido de licitação, exigência da própria Constituição Federal, conforme estabelecido no art. 175 - Incumbe ao Poder público, na forma da lei, dire-

tamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação

de serviços públicos. A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, dispõe sobre normas gerais de licitação e contratação para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Nos casos de “concessão” dos serviços às CESBs, em praticamente todo o País, desde o Planasa, nunca houve licitação. Em outras palavras, as CESBs não competiam com outras empresas nem mesmo entre si para obter a concessão para prestar os serviços de saneamento em um dado município.

Compreendido o histórico dessa situação, cabe registrar que, na Lei 11.107/2005, esse ponto está pacifi cado. Quando o Município fi rma diretamente um contrato com uma CESB, temos um contrato que não é decorrente de um ambiente de competição, de concorrência entre empresas que queiram prestar os serviços de saneamento em determinado município que abriu um processo licitatório para essa fi nalidade.

O que temos nessa situação é um contrato decorrente de um ambiente de cooperação entre entes federados, no caso, entre Estado e Município.

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Observe que o conceito “cooperação” remete ao entendimento da noção de “federalismo brasileiro” e de “pacto federativo”, que vimos brevemente no início desta unidade.

Contudo, é preciso esclarecer que o titular também pode contratar uma CESB mediante um contrato de concessão, desde que precedido de licitação. Ou seja, a companhia estadual participa, nesse caso, de um processo licitatório entre outros concorrentes interessados em prestar os serviços de saneamento em determinado município.

De acordo com a Constituição Federal e a Lei 11.107/2005, existem três modalidades de prestação de serviços públicos:

1. o titular organiza e presta diretamente os serviços: de forma centralizada, ou seja, algum órgão de governo da sua administração direta (uma secretaria municipal, um departamento de uma secretaria...); ou de forma descentralizada, ou seja, algum órgão de governo da sua administração indireta (uma autarquia municipal, uma empresa pública municipal...);

2. o titular se responsabiliza pela organização dos serviços e delega a

prestação, também chamada prestação indireta:

neste caso, a delegação tem de ser feita com base em um contrato de

concessão, precedido de licitação (por exemplo, quando o Município realiza uma licitação para delegar a prestação dos serviços a uma empresa privada, situação bem comum no campo da limpeza pública);

3. os serviços públicos são organizados e/ou prestados em regime de

gestão associada: esta modalidade se dá, necessariamente, em um ambiente de cooperação entre entes públicos, e o serviço é contratado por meio de um contrato

de programa. Neste caso, não há a licitação prévia, desde que respeitada a exigência de que os dois pólos (partes do contrato) sejam da administração pública, isto é, constituam entes federados ou seus órgãos descentralizados.

A partir desse quadro legal, mais precisamente a partir de abril de 2005, um contrato de concessão só será feito dentro de um contexto de licitação, e o contrato de programa passa a ser a forma de organizar os serviços no contexto da gestão associada entre entes federativos.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 43

O esquema apresentado em seguida pode ajudar a entender melhor esse arranjo.

Atividade

Com base no esquema apresentado a seguir, o grupo deve identifi car o que a Lei 11.107/2005 traz de novo, o que altera e o que é preser-vado, comparativamente ao ambiente que vigorava no setor, antes da promulgação da Lei dos Consórcios Públicos e da Gestão Associada.

Modalidades de Prestação de Serviços Públicos

Aspectos novos Aspectos alterados Aspectos preservados

Contrato de concessão

LicitaçãoIndireta

(delegação)

CentralizadaÓrgão da

administração direta

Direta

Descentralizada

Autarquia

Empresa pública

Sociedade de economia mista

Fundação

Consórciopúblico

Convênio de cooperação

Contrato de programa

Gestão associadaP

resta

ção d

e S

erv

iços P

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lico

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44 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Após realizarmos a atividade sobre as modalidades de prestação de serviços públicos e analisarmos comparativamente os aspectos relacionados à evolução trazida pela Lei dos Consórcios, vamos agora entender o contrato de programa e se essa ferramenta apresenta-se como uma boa solução.

Os contratos de programa, celebrados em um ambiente de cooperação federativa, podem cumprir papel muito importante, por exemplo, para a gestão sustentável de resíduos sólidos. Um conjunto de municípios, em comum acordo com o respectivo governo estadual (ou não), pode constituir um órgão regional ou intermunicipal, sob a forma de Consórcio Público, com a função de gerenciar o conjunto dos serviços que atendem a vários municípios, atribuindo escala à organização e à prestação dos serviços. E o mais importante, ao reunir esforços e habilidades, proporciona-se gestão técnica qualifi cada.

Além do atributo escala, essa forma de gestão associada, muitas vezes, também proporciona ganhos de escopo. Em outras palavras, se um único órgão se responsabiliza por ofere-cer um conjunto de serviços em manejo de resíduos sólidos, desde o gerenciamento até a prestação, acreditamos que as etapas desse processo estarão mais interligadas e, portanto, executadas com maior efi ciência e produtividade.

Nesse campo específi co do manejo de resíduos sólidos, que inclui, entre outros, coleta seletiva de materiais recicláveis, soluções para reaproveitamento e reciclagem e aterros sanitários para disposição fi nal dos rejeitos, a conexão desse sistema com os demais fl uxos e circuitos econômicos locais e regionais é fator preponderante para a sustentabilidade do arranjo como um todo.Um outro exemplo no campo mais geral da regulação associa a Lei 11.445/2007 e a Lei 11.107/2005. Aqui, um conjunto de municípios pode constituir um órgão regional, sob a forma de Consórcio Público, para prestar os serviços de regulação dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

Há muito que se explorar, pois são variadas as possibilidades de arranjos de cooperação que esse novo arcabouço legal oferece. A nossa inventividade deve ser colocada a postos!

Aproveite a refl exão feita no grupo e acrescente novos exemplos de como o contrato de programa pode se apresentar como uma opção adequada.

Sobre a Lei das Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico

A Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e também a política federal para o setor e está em vigor desde 22 de fevereiro de 2007.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 45

Primeiramente, é preciso entender a quem se aplica essa lei. Quando estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, estas são válidas para a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios.

Já a política federal é a política que a União deve seguir. Em geral, a União não organiza e não opera o serviço. Na maioria das vezes, a União desenvolve programas articulada com Estados e Municípios mediante repasse de recursos para fi nanciamento de ações em sane-amento. Dessa forma, a política federal é implementada pela União, mas com refl exos em Estados e Municípios.

Do que trata essa legislação e como encontrar os assuntos no corpo geral do texto legal?

1 - Dos princípios fundamentais2 - Do exercício da titularidade3 - Da prestação regionalizada de serviços

públicos de saneamento básico4 - Do planejamento5 - Da regulação

6 - Dos aspectos econômicos e sociais7 - Dos aspectos técnicos8 - Da participação de órgãos colegiados

no controle social9 - Da política federal de saneamento

básico10 - Disposições fi nais

A Lei 11.445/2007 está organizada em 10 capítulos que tratam especifi camente dos seguintes assuntos:

A partir daqui, vamos analisar os principais pontos de cada capítulo. Antes, porém, a turma se organizará para uma atividade em grupo.

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46 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Atividade

Em cada grupo, os integrantes escolhem, entre as experiências rela-tadas por cada um, uma para servir de referência neste exercício, de forma a que tenhamos na turma o seguinte arranjo:

1º grupo: prestador público tipo CESB para serviços de abaste- cimento de água e esgotamento sanitário;2º grupo: prestador público municipal tipo Empresa Pública, responsável pelos quatro serviços de saneamento básico (ou pelo menos os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, incluindo os de manejo de águas pluviais urbanas);3º grupo: prestador tipo autarquia (SAAE) para serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário;4º grupo: prestador municipal tipo administração direta (Prefeitura) para os serviços de resíduos sólidos e limpeza urbana, com participação de empresa privada na coleta e na destinação fi nal.5° grupo: o prestador dos serviços é privado.

Para a experiência selecionada, e com base na experiência de cada profi ssional em seu cotidiano de trabalho, o grupo deverá construir um cenário sobre as condições de organização e prestação dos serviços de saneamento básico, contemplando as seguintes questões.

Quadro Atual:

a) Caracterização da modalidade de organização e prestação dos serviços de saneamento:

Houve delegação (para que e para quem)?Existe contrato?Que tipo de contrato?Houve licitação?Quem defi niu os termos do contrato?Com base em quê?

∙∙∙∙∙∙

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 47

b) Descrição das condições de prestação dos serviços de saneamento:Quais os níveis de cobertura?A que partes da cidade atendem?Quem define as metas a serem atingidas com investimentos em expansão dos sistemas?Os serviços são remunerados?Quem determina o valor a ser cobrado dos usuários?São fi scalizados? Por quem?

c) Identifi cação dos canais de participação e de controle social:Onde os usuários reclamam de eventuais problemas com regularidade, qualidade e custo dos serviços que lhes são prestados?Os conselhos existentes participaram da decisão de delegar os serviços e da defi nição dos termos do contrato?Foram realizadas conferências, audiências públicas sobre esse tema?Quem aprova o reajuste do valor cobrado (tarifa ou taxa)?

∙∙∙

∙∙∙

Os cenários construídos aqui serão retomados como base para a atividade de encerramento deste conceito-chave. Mas, para realizar esta próxima atividade, precisaremos apreender um pouco sobre a Lei 11.445/2007. Então, daremos prosseguimento à leitura do texto a seguir, que esclarece os capítulos dessa Lei.

Os princípios tratados no Capítulo 1 são todos eles fundamentais para o saneamento básico. Não caberia, portanto, destacar um ou outro à revelia. Contudo, sob o prisma da novidade, podemos fazer este exercício, sem incorrer em grandes imprecisões.

O princípio que defi ne saneamento básico é inovador. Primeiro, porque apresenta ao setor uma defi nição e, sob o aspecto legal, encerra o vazio ou a polêmica a respeito disso. Segundo, porque é uma defi nição precisa e que representa um avançoconceitual.

Nesta Lei, saneamento básico compreende abastecimento de água, esgotamento sanitá-rio, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais, realizados de forma adequada à saúde pública, à proteção do meio ambiente, à segurança da vida e do patrimônio público e privado.

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Art.2º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes prin-

cípios fundamentais:

III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos

sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;

IV – disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas

pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado.

Nos termos da Lei:

A Lei não inclui a atividade de controle de vetores, que fi gura em alguns textos técnicos, mas tampouco impede que um serviço de saneamento a inclua entre suas atribuições.

A leitura cuidadosa desse artigo também revela algumas nuances sobre o conceito de sane-amento. Podemos dizer que:

legalmente, foi superada a discussão do que é saneamento básico. Pode haver outras leituras, do ponto de vista conceitual, acadêmico, que agreguem outros signifi cados ao conceito;contudo, para o profi ssional que quiser se apoiar no texto legal, a referência está dada;sobre o conceito de saneamento ambiental, a discussão ainda está em aberto.

Cabe, também, observar a terminologia adotada pela Lei para resíduos e águas pluviais:comparativamente a projetos de lei anteriores, que tratavam esses dois componentes do saneamento como “manejo de resíduos sólidos” e “manejo de águas pluviais”, o texto aprovado e sancionado adota os termos: “limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos” e “drenagem e manejo de águas pluviais”;apenas um trabalho aprofundado de investigação seria capaz de revelar qual a intenção do legislador com essas alterações;contudo, o que importa para o objetivo da nossa ofi cina é o conhecimento sobre a conceituação adotada e seu rebatimento no nosso trabalho como gestores públicos do saneamento.

Para fi nalizar, podemos observar que comparativamente ao Planasa e a alguns projetos de lei que veremos mais adiante, que reduziam o conceito de saneamento básico ao conjunto dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, não há nenhum exagero em reconhecer que a Lei 11.445/2007 é melhor, ao adotar um conceito mais integral para

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 49

o saneamento, abrindo possibilidades para a universalização e melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo setor. Vejamos as defi nições constantes na referida Lei, em seu artigo 3º, inciso I.

Aliás, esta é uma boa oportunidade para comentarmos o princípio fundamental da integralidade.

Nos termos da Lei, em seu artigo 2º, inciso II:

Seria, no mínimo, difícil falar de integralidade fora do contexto do saneamento básico defi -nido de forma abrangente. Em outras palavras, o conceito de saneamento básico adotado no Planasa e capitaneado por alguns projetos anteriores (a exemplo do PL 4147, do PLS 266 e ainda e do PLS 155 em sua forma original) restringia o setor aos componentes de abaste-cimento de água e esgotamento sanitário.

Como tratar esgotamento sanitário sem considerar as implicações que esse serviço tem com o manejo de resíduos sólidos? Como tratar do aspecto da qualidade da água sem considerar

Integralidade compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um

dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade

de suas necessidades e maximizando a efi cácia das ações e dos resultados.

I - Saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações

necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais

e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacio-

nais de coleta, transporte, tratamento e disposição fi nal adequados dos esgotos sanitários, desde

as ligações prediais até o seu lançamento fi nal no meio ambiente;

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas

e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino fi nal do lixo

doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;

d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas

e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou

retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição fi nal das águas

pluviais drenadas nas áreas urbanas;

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os efeitos de um solo urbano praticamente impermeabilizado e sob o impacto de inunda-ções e cheias recorrentes? Ou ainda, como dissociar os serviços de esgotamento sanitário e os de drenagem?

É dessa forma que o conceito de integralidade necessariamente se associa ao conceito mais amplo de saneamento básico e propicia as condições para o acesso universalizado, em conformidade com as necessidades da população.

Outras defi nições também merecem destaque, por sua relevância ou por oferecerem uma chave de leitura e de análise para o conjunto do texto legal, que nem sempre se apóia na própria defi nição adotada. Este é, por exemplo, o caso do controle social.

Vejamos: a defi nição de controle social estabelecida no artigo 3º da Lei é ampla e abrangen-te o sufi ciente para dialogar bem com a realidade democrática em que vivemos. Controle social como direito à informação e também à participação no processo de planejamento, formulação e avaliação da política pública.

Estamos, portanto, diante de um conceito que trabalha a democratização das relações de poder na arena política onde se defi ne como os serviços públicos de saneamento devem ser planejados, organizados e prestados à sociedade. E ainda mais, garante o acesso irrestrito à informação como estratégia de qualifi cação dessa participação (técnica ou social).

Contudo, como veremos mais adiante, na unidade específi ca sobre controle social, esse conceito amplo e abrangente não é operacionalizado em toda sua dimensão. Para aqueles que acreditam que o caminho da universalização do saneamento passa necessariamente pela democratização do processo decisório do setor, o artigo 3º da Lei oferece as armas necessárias para travar essa boa luta.

O mesmo não ocorre, por exemplo, com a defi nição de universalização. Sem sombra de dúvidas, a universalização é o princípio fundamental para o saneamento, sem o qual a realização dos demais nunca será plena.

IV – Controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade in-

formações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas,

de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços de saneamento básico.

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Optamos por trazer a defi nição de universalização que havia no Projeto de Lei 5296/2005, proposta original do Executivo Federal para a política nacional de saneamento básico, para que você compare as duas conceitualizações e refl ita sobre elas.

Para você, qual a principal diferença que se pode observar nessas duas formas de se concei-tuar universalização?

O capítulo II da Lei 11.445/2007 trata da titularidade.

Para o saneamento brasileiro, titularidade deixou de ser um conceito, um tema, e se tornou a grande questão polêmica do setor, tendo constituído um campo de confl itos entre dife-rentes segmentos.

A maneira como, historicamente, o setor discutiu a questão da titularidade não foi proposi-tiva. Podemos dizer que esse debate, tal como realizado, em um ambiente de disputa e de concorrência, impediu o setor de avançar mais rápido e construtivamente.

Somente a partir da decisão de excluir essa questão da pauta político-institucional do setor e remetê-la para a instância do Supremo Tribunal Federal (STF), foi possível avançar na regulamentação do nível infralegal, adequado para se estabelecerem diretrizes nacionais para o setor e a política federal para o saneamento básico.

Não é demais reafi rmar que uma lei complementar, como é o caso da Lei 11.445/2007, não pode interpretar a Constituição Federal. Apenas o STF ou uma emenda constitucional podem fazê-lo.

Art. 6º São diretrizes básicas dos serviços públicos de saneamento básico:

I - a universalização, consistente na garantia a todos de acesso aos serviços, indistintamente

e em menor prazo, observado o gradualismo planejado da efi cácia das soluções, sem prejuízo

da adequação às características locais, da saúde pública e de outros interesses coletivos (grifos

nossos);

No texto legal, a universalização do acesso aparece como princípio fundamental e sua defi -nição está dada no artigo 3º, nos seguintes termos:

III – Universalização: ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao

saneamento básico.

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Sob essa ótica, a Lei 11.445/2007 não trata da titularidade em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, espa-ços onde se trava uma acirrada e histórica disputa entre Estados e Municípios. Essa matéria está sob julgamento no STF, mate-rializado em dois processos de ADINs (ações diretas de inconstitucionalidade).

No julgamento ainda em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) de duas ações diretas de inconstitucionalidade, o resultado contabiliza quatro votos no sentido de que a titularidade nunca é esta-dual, podendo ser municipal (a regra) ou intermunicipal (regiões metropolitanas).

Contudo, é importante informar que, fora do contexto de regiões metropolitanas, não existem dúvidas e disputa em torno da titularidade. O Município é o titular dos serviços de saneamento básico.

Mas a Lei não se furtou de tratar das responsabilidades do titular, ou seja, do Poder público que tem a competência de organizar e prestar os serviços públicos de saneamento básico, indiferentemente de qual ente federativo assuma essa posição.

Vamos, então, conhecer essas responsabilidades e também aqui fazer o exercício da abstração sobre quem é o titular e nos concentrarmos no entendimento de quais são suas responsabilida-des, sem tomar partido de quem venha a assumir a titularidade nessas regiões de confl ito.

A Lei impõe, como primeira responsabilidade do titular, a competência de estabelecer uma política e o seu principal instrumento, que é o Plano de Saneamento Básico.

Ao tratar da prestação dos serviços como responsabilidade originária do titular, a Lei esta-belece que:

i) o titular pode prestar os serviços diretamente (de forma centralizada ou descentralizada, como vimos no esquema “Modalidades de prestação de serviços públicos”), ou

ii) o titular pode delegar a prestação dos serviços, por meio de um contrato de concessão, necessariamente precedido de uma licitação, ou por meio de um contrato de programa, no ambiente da gestão associada.

O ponto principal que devemos assimilar disso, e que a lei deixa explícito, é que a delegação

exige contrato, sendo este um contrato de concessão ou um contrato de programa.

De acordo com a Lei 11.445/2007, os convênios estão vedados e os chamados contratos precários (ou seja, que não se enquadram nas duas situações relatadas) só terão validade até a data de seu término.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 53

Nos casos de convênios, também entendidos como instrumentos precários porque podem ser rescindidos unilateralmente, a Lei admite apenas duas exceções:

No primeiro caso, podemos observar que se trata de serviço de pequeno porte e em situação de características especiais.

No segundo caso, a Lei autoriza a prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular por meio de algum instrumento de natureza precária apenas para atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005.

Também para esses casos, a autorização para usuários organizados em cooperativas ou associações prestarem os serviços públicos de saneamento básico - desde que se limitem a determinado condomínio ou localidade de pequeno porte (inciso I do § 1º do artigo 10) - deverá prever a obrigação de transferir ao titular os bens vinculados aos serviços por meio de termo específi co, com os respectivos cadastros técnicos.

Dessa forma, fi cam asseguradas as condições para que o titular possa exercer sua respon-sabilidade sobre o planejamento, a organização e a prestação dos serviços públicos de saneamento básico.Se a obrigatoriedade do Plano de Saneamento Básico é a pedra de toque da Lei 11.445/2007, a exigência de fi rmar contrato no caso de delegação dos serviços é o mote para a boa regulação dos serviços prestados à população.

Você sabia?

A pedra de toque é um mineral rico em compostos silicosos, escuro, usado para testar ligas de metais preciosos. O teste consiste em comparar dois traços feitos sobre a superfície da pedra de toque: um do metal que se quer testar e outro com uma amostra padrão de composição conhecida. A capacidade de poder testar e diferenciar ligas de ouro e prata com a pedra de toque, devido à sua simplicidade, maravilhou de tal forma o homem, ao longo da história, que a expressão “pedra de toque” passou a ser usada como sinônimo de coisa fundamental, imprescindível (sine qua non) para se obter um resultado esperado.

I - Para usuários organizados em cooperativas e associações, desde que se limite a:

a) determinado condomínio;

b) localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda,

onde outras formas de prestação apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis

com a capacidade de pagamento dos usuários.

II – Para os casos de convênios e outros atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005.

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O artigo 11 elenca uma série de exigências que devem ser cumpridas pelo titular e pelo pres-tador para validar os contratos de delegação. Destacamos alguns pontos fundamentais:

Os contratos que regulamentam a delegação dos serviços têm de se apoiar no Plano, preparado previamente.

De forma bastante clara, é como se o titular falasse ao prestador: “Estou delegando a pres-

tação dos serviços para a execução/implementação deste Plano”;

A Lei se apóia no pressuposto de que o Plano deve ser preparado de forma democrática, com participação da sociedade, realização de consultas e audiências públicas.

Além do Plano, a Lei estabelece como condições de validade dos contratos:

a existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-fi nanceira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo Plano;a existência de normas de regulação e de fi scalização, incluindo a designação da entidade responsável para execução dessas atividades;a realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.

Nos casos de serviços prestados mediante contratos de concessão ou de programa, as normas de regulação deverão prever:

a autorização para a contratação dos serviços, indicando os respectivos prazos e a área a ser atendida;a inclusão das metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, de qualidade, de efi ciência e de uso racional da água e energia e de outros recursos naturais, em conformidade com os serviços a serem prestados;as prioridades de ação, compatíveis com as metas estabelecidas;as condições de sustentabilidade econômico-fi nanceira da prestação dos serviços, em regime de efi ciência, incluindo: o sistema de cobrança e a composição de taxas e tarifas; a sistemática de reajustes e de revisões; a política de subsídios;os mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação, fi scalização e prestação dos serviços;as hipóteses de intervenção e de retomada dos serviços.

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Ainda sobre os tipos de Contratos:

A Lei prevê ainda um terceiro tipo de contrato (além do contrato de concessão e do contrato de programa). Trata-se do contrato fi rmado em um ambiente de prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico.

Nos termos da Lei 11.445/2007, os requisitos para confi gurar uma situação de prestação

regionalizada são defi nidos no artigo 14, da seguinte forma:

I - um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não;

II - uniformidade de fi scalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração;

III - compatibilidade de planejamento.

O inciso I contempla a situação encontrada em vários municípios brasileiros onde os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário são prestados por uma companhia estadual de saneamento básico (CESB). O que a Lei traz de novidade a esse quadro é a neces-sidade de se regularem os serviços, possibilitando, inclusive, instrumentos de controle social, o que permite uma maior transparência e a criação de uma contabilidade própria para cada sistema atendido, além da necessidade de compatibilizar o planejamento.

Sobre este último quesito, a Lei prevê, para os casos em que mais de um prestador execu-te atividade interdependente com outra, que a relação entre elas deverá ser regulada por contrato. Ou seja, o titular deverá celebrar um contrato regulamentando as interfaces que existem na prestação desses serviços, executadas por agentes diferentes.

Pode ser o caso, por exemplo, de um prestador X, que faz a coleta de esgotos no município A, e um prestador Y que faz o tratamento dos esgotos nesse mesmo município. Ou ainda, um prestador W fornece água no atacado para o abastecimento de um município B, e um prestador Z faz a distribuição local.

O conceito de integralidade que vimos no início desta seção ganha, no âmbito desse tipo de contrato, um terreno bem propício para ser operacionalizado. As diretrizes para a defi nição das regras sobre as interfaces advêm necessariamente do Plano.

O plano de saneamento básico, em situações de prestação regionalizada, pode ser regional e o órgão regulador pode ser vinculado ao Estado, ou a um dos municípios atendidos pelo prestador regional ou, ainda, a um consórcio público.

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O prestador regional poderá ser um órgão público, uma empresa pública ou uma empresa privada. Em qualquer situação, a relação do prestador regional com os municípios para os quais presta os serviços deverá ser estabelecida com base em contrato, sob a forma de contrato de concessão ou de contrato de programa.

Se comparada à prestação regionalizada com o que existiu até os dias de hoje, o que diferen-cia é a exigência legal de que a contabilidade e a apropriação de custos, receitas e despesas seja necessariamente individualizada por município. Vale lembrar que esta é uma prática pouco usual no sistema atual que caracteriza a relação Município – CESB.

Recapitulando os três tipos de contratos estabelecidos pelo novo arcabouço legal do sanea-mento brasileiro, podemos afi rmar, sem exagero, que estão dadas as condições para qualifi car a relação Município – CESB, tão desgastada desde os tempos do Planasa. O estudo minucioso e o aprofundamento dessa sistemática de gestão oferecida na Lei 11.107/2005, em seu respectivo Decreto 6.017/2007 e na Lei 11.445/2007, deve se dar apoiando-se nos conceitos que fundamentam o planejamento, a regulação, a fi scalização, a prestação dos serviços e o exercício democrático do controle social.

A Lei traz um capítulo específi co sobre planejamento. Já comentamos que o Plano é a pedra de toque desta Lei. Não é demais reafi rmar, constitui o principal instrumento do planejamento.

Além da obrigatoriedade de o titular formular o Plano para balizar a própria organização e prestação dos serviços públicos de saneamento básico e particularmente para, se for o caso, validar a delegação, a Lei trabalha com a intencionalidade de promover um planejamento integrado e pautado na participação e no controle social.

Antes, é preciso deixar claro que o planejamento é uma função indelegável. Segundo a Lei, somente o titular dos serviços públicos de saneamento básico pode e deve exercer essa função, sendo o Plano parte substancial dessa responsabilidade.

A perspectiva do planejamento integrado e participativo se revela principalmente no escopo mínimo do Plano, conforme defi nido no artigo 19 da Lei 11.445/2007. Entretanto, a Lei abre a possibilidade de que a prestação de serviços ocorra com base em um plano específi co, ou seja, para o serviço de água e esgoto, por exemplo, ou apenas de manejo de resíduos sólidos. Essa possibilidade, se não for bem administrada para o conjunto dos serviços de saneamento básico, pode comprometer a integralidade tão importante para romper com a lógica do planejamento fragmentado por tipo de serviço.

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Há, contudo, uma ressalva. Segundo a Lei, a consolidação e a compatibilização dos planos, quando específi cos de cada serviço, serão efetuadas pelos respectivos titulares. Em outras palavras, se há um quadro de urgência em se delegar a prestação dos serviços de abastecimento de água, faz-se o plano específi co com a perspec-tiva de integrá-lo depois ao Plano Municipal de Saneamento Básico.

Você sabia?

O projeto original, preparado pela SNSA (o PL 5296/2005), aprovado no Conselho Nacional das Cidades e no Conselho Nacional de Saúde, e também por diversas entidades do setor, trabalhava com a idéia de um Plano (Municipal) de Saneamento Básico, em que a abordagem integrada entre os quatro componentes era imprescindível, tanto quanto o seu caráter participativo nas etapas de formulação, implementação e revisão.

Outras características do Plano dizem respeito a: o titular tem a responsabilidade de editar o Plano e poderá apoiar-se em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço;o Plano deverá ser revisado a cada quatro anos (anteriormente à elaboração do PPA – plano plurianual e coincidente com a mudança de governo a cada quatro anos);a possibilidade de o Plano ter abrangência regional, nos casos, por exemplo, de prestação regionalizada ou em um ambiente de gestão associada, o que não retira a possibilidade de cada município e o Estado ter o seu próprio plano na abrangência estrita do seu território, porém balizado por um olhar regional, supra-local;nessa mesma linha, o Plano deverá ser compatível com os planos das bacias hidrográfi cas em que o município estiver inserido;o Plano deverá ter abrangência do território do ente que o elaborou; se municipal deverá abranger a sede e distritos, área urbana e área rural; será assegurada ampla divulgação das propostas do Plano e dos estudos que o fundamentam, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas.

O capítulo 5 da Lei 11.445/2007 trata da Regulação.

De acordo com o Decreto 6.017/2007, regulação é defi nida como:

“todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize um determinado serviço público,

incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto sócio-ambiental, direitos e obriga-

ções dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fi xação e revisão do valor de

tarifas e outros preços públicos”.

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Ao órgão de regulação, a Lei impõe as características de:independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e fi nanceira;transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade nas decisões.

Segundo a Lei 11.445/2007, a regulação pode ser delegada, diferentemente do planejamen-to que é indelegável, inerente à responsabilidade do titular pela organização dos serviços públicos de saneamento básico.

No entanto, a Lei faz uma exigência fundamental: a regulação tem de ser exercida obriga-toriamente por órgão público.

Além disso, esse órgão público tem de, necessariamente, integrar o Estado em que o municí-pio titular se localiza. Ou seja, uma agência reguladora de um Estado X não poderia assumir a regulação de um município que integre o Estado Y. Em linhas gerais, a Lei defi ne que o órgão regulador pode ser do próprio município, ou de um município vizinho ou do estado ao qual pertence como ente da federação.

A Lei 11.445/2007 dedica o capítulo 6 aos aspectos econômicos e sociais, relativos à remuneração dos serviços prestados. Recomendamos uma leitura comentada desse capí-tulo, mas adiantamos alguns pontos que nos parecem fundamentais para a compreensão da política tarifária defi nida na Lei. Para os serviços de água e esgotos, a cobrança será feita, preferencialmente, por meio de tarifa ou outro preço público. A Lei estabelece “preferencialmente” porque cabe ao titular defi nir a forma de cobrança e porque também abre a possibilidade de cobrar via taxa.

Para não fi car nenhuma dúvida sobre essa matéria, é bom lembrarmos os conceitos de tarifa, preço público, taxa e outras formas de tributo.

A Administração Pública trabalha com dois conceitos para a recuperação dos custos com a prestação de determinado serviço público. São eles:

tributo: que é sempre matéria de lei e só pode ser alterado mediante lei; Taxa corresponde a um tipo de tributo – como o que se aplica normalmente para cobrança dos serviços de limpeza urbana – bem como a denominada contribuição de melhoria, adotada recentemente por alguns municípios para a remuneração dos serviços de manejo de águas pluviais urbanas. É também um tipo de tributo.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 59

preço público: é competência do Executivo e pode ser alterado por decreto.Tarifa é uma forma de preço público.

Relembrados esses conceitos, voltemos ao texto legal.

A remuneração dos serviços de limpeza pública e de manejo de resíduos sólidos pode ser feita mediante cobrança de taxa ou de tarifa, ou mesmo de outro preço público.

A novidade da Lei nesse campo é a possibilidade de generalizar para o conjunto dos municípios brasileiros a cobrança pelo serviço de manejo de águas pluviais urbanas, por meio de tributo, inclusive por taxa, que poderá ser lançada com base no índice de impermeabilização do solo urbano e considerada a existência no imóvel de dispositivo de amortecimento e retenção.

Sobre os aspectos técnicos tratados na Lei 11.445/2007, temos a destacar:

Quanto à qualidade da água e dos impactos para a saúde pública:

A regulamentação sobre a potabilidade da água para consumo humano continua sob a responsabilidade da União, sendo mantido o enfoque de saúde pública.

Quanto ao licenciamento ambiental de empreendimentos em saneamento:

A Lei trata do licenciamento ambiental de estação de tratamento de água – ETA (resíduos do processo de tratamento da água) e de estação de tratamento de esgoto – ETE (incluindo o processo em si do tratamento de esgotos e também dos lodos). Considera etapas de efi ciência a fi m de alcançar progressivamente os padrões estabelecidos pela legislação ambiental, em função da capacidade de pagamento dos usuários.

Um exemplo para se compreender melhor a dita progressividade, tal como prevista na Lei: o licenciamento admitiria que um corpo receptor classifi cado para receber efl uentes decorrentes de um tratamento terciário, durante a primeira etapa de funcionamento de uma ETE, receba efl uente correspondente ao tratamento primário, em seguida um de tratamento secundário, até que se alcancem os parâmetros exigidos em lei, por etapas sucessivas, estabelecidas previamente no projeto do empreendimento. É o chamado gradualismo.

Contudo, esse dispositivo legal depende ainda de compatibilização com a legislação ambiental e concordância do Ministério do Meio Ambiente, sobretudo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Sendo assim, o espírito da Lei é licenciar etapas dos empreendimentos de saneamento quando ainda não se encontram em sua fase fi nal.

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Quanto à interligação à rede pública e quanto aos casos de interrupção do fornecimento do serviço:

A Lei determina exigência de conexão à rede pública de água e de esgoto sempre que estes estejam disponíveis para o usuário. Somente lei local poderá determinar exceções.

As instalações hidráulicas prediais ligadas à rede pública não podem ser abastecidas por outras fontes de água, por exemplo, poços. Se a água de outra fonte abastece o mesmo reservatório domiciliar (seja de uma residência ou de um condomínio) que recebe água da rede pública, não será possível saber sobre a qualidade da água oferecida pelo serviço público.

Esse dispositivo legal trará impactos para diversas cidades que desenvolveram esse sistema paralelo por motivos de escassez e, por isso, talvez venha a ser objeto de regulamentação por legislação local. No entanto, é preciso considerar que, muitas vezes, o sistema paralelo de abastecimento por poços compete com o serviço público por mera prática de inadimplência ou ainda pela insistência de alguns moradores que preferem o poço a pagar pela água consumida, mesmo que essa opção inviabilize o efetivo controle da potabilidade dessa água.

Para que o município adote as melhores medidas, é preciso compreender que a intencio-nalidade da Lei Federal, nesse aspecto, refere-se, sobretudo, ao controle da qualidade da água. Dessa forma, sempre há de se ter o cuidado de não misturar em um mesmo reserva-tório águas de fontes diversas. Por outro lado, essas medidas não podem inibir iniciativas sustentáveis como a de reaproveitamento da água de chuva.

A Lei também trata das situações nas quais se aplicam tarifas de contingência: contexto de escassez ou de contaminação da água para gerenciar demanda.

A Lei 11.445/2007 foi bastante tímida no que se refere à participação dos órgãos cole-

giados no controle social. A despeito da adequada defi nição de controle social, a nosso ver a lei não operacionaliza bem esse conceito ao determinar que o controle social pode incluir a participação de órgãos colegiados, quando deveria garantir esse exercício pelos conselhos, conferências e outras instâncias coletivas.

Portanto, os gestores, os profi ssionais, os militantes que querem um saneamento partici-pativo e democrático não podem se restringir ao texto da Lei, mas se apoiar nele e insistir na luta social que se trava nas diversas arenas políticas para transformar a possibilidade em realidade.

O capítulo 9 da Lei 11.445/2007 trata da política federal de saneamento básico.

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Recapitulando: no início desta unidade esclarecemos que a Lei determina a política federal e as diretrizes nacionais para os serviços públicos de saneamento básico. A política federal cabe à União, e as diretrizes nacionais se aplicam a todos os entes federados (governo federal, distrito federal, estados e municípios) envolvidos com os serviços públicos de saneamento básico.

As diretrizes e os objetivos que norteiam a política da União para o saneamento básico interessam muito aos que desenvolvem programas do Governo Federal. Apresentamos, em seguida, as diretrizes defi nidas no artigo 48, sendo destacado em negrito a idéia central de cada uma delas:

I - prioridade para as ações que promovam a eqüidade social e territorial no acesso ao

saneamento básico;

II - aplicação dos recursos fi nanceiros por ela administrados de modo a promover o desenvol-

vimento sustentável, a efi ciência e a efi cácia;

III - estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços;

IV - utilização de indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planeja-

mento, implementação e avaliação das suas ações de saneamento básico;

V - melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública;

VI - colaboração para o desenvolvimento urbano e regional;

VII - garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive

mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais

peculiares;

VIII - fomento ao desenvolvimento científi co e tecnológico, à adoção de tecnologias apro-

priadas e à difusão dos conhecimentos gerados;

IX - adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, levando em consideração fatores

como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional,

disponibilidade hídrica, riscos sanitários, epidemiológicos e ambientais;

X - adoção da bacia hidrográfi ca como unidade de referência para o planejamento de suas ações;

XI - estímulo à implementação de infra-estruturas e serviços comuns a Municípios, me-

diante mecanismos de cooperação entre entes federados.

Parágrafo único. As políticas e ações da União de desenvolvimento urbano e regional, de habitação,

de combate e erradicação da pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras

de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida devem considerar a

necessária articulação, inclusive no que se refere ao fi nanciamento, com o saneamento básico.

Sob a observância dessas diretrizes, a Lei determina a necessidade de um Plano Nacional

de Saneamento Básico (PNSB).

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62 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

O PNSB tem o papel de explicitar a estratégia da União para que o país avance na meta de universalização e de melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. A elaboração do PNSB é de responsabilidade da União, sob a coordenação do Ministério das Cidades.

Segundo a Lei, o plano nacional deve ter como escopo mínimo: a) os objetivos e metas nacionais e regionalizadas, de curto, médio e longo prazos; b) as diretrizes para o equacionamento dos condicionantes de natureza político-institucional, legal e jurídica, econômico-fi nanceira, administrativa, cultural e tecnológica; c) a proposição de progra-mas, projetos e ações com identifi cação das respectivas fontes de fi nanciamento; d) as diretrizes para o planejamento das ações de saneamento básico em áreas de especial interesse turístico; e) os procedimentos para a avaliação sistemática da efi ciência e efi cácia das ações executadas.

Sobre a abrangência do PNSB, a Lei determina que ele deve contemplar o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos, o manejo de águas pluviais e outras ações de saneamento básico de interesse para a melhoria da salubridade ambiental, incluindo o provimento de banheiros e unidades hidrossanitárias para populações de baixa renda.

Deve também tratar especifi camente das ações da União relativas ao saneamento básico nas áreas indígenas, nas reservas extrativistas da União e nas comunidades quilombolas. O horizonte do PNSB é de 20 (vinte) anos, avaliados anualmente e revisados a cada 4 (quatro) anos, preferencialmente em períodos coincidentes com os de vigência dos planos plurianuais. Ainda, segundo a Lei, para as regiões integradas de desenvolvimento econômico ou nas que haja a participação de órgão ou entidade federal na prestação de serviço público de sane-amento básico, os planos regionais de saneamento básico serão elaborados e executados em articulação com os Estados, Distrito Federal e Municípios envolvidos.

Como instrumento da política federal de saneamento básico, o atual Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) passa a ser denominado Sinisa.

Por fi m, a Lei 11.445/2007 traz disposições fi nais que alteram algumas leis existentes, as quais têm clara interface com a Lei do saneamento.

Na perspectiva da inclusão social, essa Lei altera a Lei 8.666/1993 para incluir a dispensa de licitação a fi m de que municípios contratem associações/cooperativas de catadores que trabalham em programas de coleta seletiva.

Também altera a Lei 8.987/1995, de concessões, para prever o equacionamento de situa-ções nas quais haja delegação a terceiros sem prazo de vencimento ou sem o instrumento

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 63

formal do contrato. No caso do saneamento, aplica-se à situação na qual a CESB presta o serviço sem contrato ou sem o prazo defi nido contratualmente.

Ainda sobre os casos de delegação com prazo vencido ou por vencer, as disposições fi nais estabelecidas no art.58 da Lei 11.445/2007 determinam prazos e condições para se equacionarem situações dessa natureza. No entanto, o decreto de regulamentação da Lei 11.445/2007, ainda não expedido (pelo menos até janeiro de 2008), é o instrumento que deverá estabelecer defi nitivamente esses prazos e condições.

Para fi nalizar o capítulo, realizaremos agora a próxima atividade, cujo objetivo é aplicar o conteúdo apresentado sobre a Lei 11.445/2007, bem como fazer um exercício de projeção futura com base nas experiências por você relatadas na atividade de construção de cenários sobre as condições de organização e prestação dos serviços de saneamento básico.

Atividade

A turma deve retomar os grupos formados no início desta Unidade para complementar a atividade. Agora, o grupo deve tomar como referência os conceitos e as determinações das leis estudadas e, sob a perspectiva do cenário futuro, refl etir e responder às seguintes questões:

Situação Futura:

d) Avaliando essa experiência com relação à Lei 11.107/2005 e à Lei 11.445/2007, quais são as principais situações do quadro atual que o grupo classifi ca como não conformidade legal?

e) Também tendo como base a Lei 11.107/2007 e a Lei 11.445/2005, quais as oportunidades que o grupo identifi ca, visando à melho-ria do quadro atual de organização e de prestação dos serviços de saneamento na experiência estudada?

Conformidade legal: atendimento às exigências estipuladas em legisla-

ção específi ca. Tem caráter obrigatório, sendo, portanto, pressuposto bá-

sico da ação pública ou privada. Diferente da conformidade normativa, que

corresponde ao atendimento voluntário às exigências estabelecidas em

normas técnicas. Termo muito utilizado no campo da gestão ambiental.

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64 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Neste capítulo, vimos as diretrizes e as principais ações políticas existentes no âmbito do

saneamento básico no Brasil. Acreditamos que, com esse novo arcabouço legal e jurídico, você

tenha vislumbrado oportunidades de melhoria da gestão pública do seu município. Lembre-se

de que a lei dos Consórcios possibilita arranjos variados que podem ser pensados em conjunto

com outras administrações municipais. Além disso, comentamos a Lei das Diretrizes Nacionais de

Saneamento Básico e vimos as questões que essa Lei contempla, destacando as idéias centrais

de cada capítulo da Lei. Esperamos que as atividades realizadas para o quadro atual e para uma

possível situação futura tenham conseguido fomentar discussões pertinentes à resolução dos

problemas municipais do setor de saneamento embasadas na Lei. Para ampliar ainda mais as

possibilidades de integração e de políticas territoriais, no próximo capítulo, refl etiremos sobre uma

nova forma de gestão pública, a intersetorialidade.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 65

Na unidade anterior, vimos a importância da questão legal, inclusive como ela pode ser uma grande auxiliar nas ações de saneamento, e que o entendimento desse arcabouço legal pode ajudar seu município. Neste conceito-chave, será mostrada a importância dos setores que fazem interface com o saneamento, e a integração de temas variados pode ser vislumbrada em uma nova forma de gestão. Nessa perspectiva, vamos visualizar as ações intersetoriais e a dificuldade de soluções isoladas, conside-rando uma gestão pública de saneamento que propicie atuações integradas e integradoras, promovendo melhoria nas condições sanitárias das localidades. Vamos, então, começar nossa leitura sobre intersetorialidade.

Intersetorialidade: aportes conceituais

e metodológicos para a gestão pública

Por que falamos em intersetorialidade como uma nova forma de gestão pública? Sabemos que o Estado, até então, sempre se organi-zou de maneira setorializada, compartimentada em áreas e serviços que não conversam entre si, geralmente comandados por gestores, administradores e técnicos, formados profi ssionalmente segundo a mesma lógica. Contudo, a realidade em que vivemos não reconhece tais limites e barreiras e se apresenta como um todo não fragmen-tado. E é justamente sobre essa realidade que o Estado precisa atuar, assim como o conjunto da sociedade.

Estamos falando, portanto, de uma mudança de comportamento do Poder público e também da sociedade que forma seus profi ssionais e cidadãos. Com isso, fi ca claro que a idéia de intersetorialidade não pode ser usada de maneira banalizada, tornando seu signifi -cado vago e retórico. Para não fi carmos nesse lugar comum, vamos

Intersetorialidade- Refl etir sobre a

intersetorialidade

como uma nova

forma de gestão

pública, que busca

promover uma

intervenção integra-

da no território, que

potencializa recur-

sos e que requer

a qualifi cação do

aparato institucional

do Estado.

- Analisar como

o saneamento se

realiza em nossas

cidades, sob quais

condições gera

benefícios sociais,

ambientais e

oportunidades de

desenvolvimento.

- Inferir as necessi-

dades de mudança

na prática dos ges-

tores públicos para

que passem a atuar

sob o marco da

intersetorialidade.

OBJETIVOS:

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66 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

estudar esse conceito a partir de algumas fontes, para então capturarmos o seu signifi cado transformador.

Podemos dizer que é consenso no setor a compreensão de que a tradicional abordagem setorial em saneamento, a exemplo de outros setores das políticas públicas, tem sido insu-fi ciente na resolução dos problemas que afl igem a população, os próprios gestores e, em geral, também implica desperdício de recursos públicos.

Essa crítica se refere, principalmente, ao fato de que esses problemas são considerados apenas de acordo com a especialização dos profi ssionais responsáveis pelo serviço em si sem envolvimento de outros setores, que aduzem outros olhares, outras idéias sobre como buscar soluções e implementá-las.

Pensando no que foi dito no texto que acabamos de ler, realizaremos agora a atividade inicial com o intuito de aproveitar os nossos conhecimentos acerca do conceito-chave deste capítulo.

Atividade

Dinâmica em grupo, do tipo “tempestade de idéias” para fomentar as seguintes refl exões:

a) O que é intersetorialidade?b) Que setores têm interface ou se relacionam de alguma

forma com o saneamento?c) Como, no seu trabalho, você pratica a integração? Quando

isso ocorre, com quais órgãos você se articula?d) Que medidas o Estado e a sociedade precisam tomar a fi m de se prepararem para atuar de forma integrada?

Provavelmente, devido à experiência prática e observações, você, Profi ssional, deve ter constatado os princípios básicos que acercam a Intersetorialidade. Na seqüência veremos, então, estes e outros assuntos relacionados ao tema.

Fazendo um paralelo com outros temas que desafi am a gestão pública, a intersetorialidade assume, no campo das políticas públicas, o mesmo signifi cado da noção de interdisciplina-ridade (Inojosa, 2001). Esta autora defi ne esse termo como:

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 67

Intersetorialidade: “a articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a

realização e avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados

sinérgicos em situações complexas”.

Algumas cidades já contam com programas que vêem a intersetorialidade como princípio e estratégia para a resolução efetiva dos anseios e necessidades da população que o Poder público deve atender.

A abordagem intersetorial em políticas públicas, contudo, é algo recente. E enfrenta resistências cristalizadas em estruturas governamentais bastante departamentalizadas e burocratizadas, conferindo ao desafi o problemas gerenciais a serem equacionados.

É justamente por essa complexidade que demarca o tema, é que, antes de tratar da interseto-rialidade na área do saneamento, estamos buscando apreendê-lo em seu contexto mais amplo, das políticas públicas em geral. Para isso, estamos impelidos a entender que planejar, formular, implementar e avaliar políticas públicas, programas e projetos sob o marco da intersetoria-lidade está diretamente relacionado à capacidade do Estado de mobilizar recursos técnicos, institucionais, fi nanceiros e políticos, que são exigidos para execução de suas decisões.

Para tal, é necessário que os recursos estejam disponíveis ou devam ser criados, levando-se em conta as habilidades e competências do quadro técnico e administrativo. Mas essa capacidade não se encerra no papel do Poder público. A sociedade como um todo e, em especial os seus segmentos organizados, também é co-responsável nessa tarefa. Além desses aspectos, é importante garantir as condições de sustentação política das decisões. Nesse sentido, pautar a ação governamental pelo marco da intersetorialidade também exige uma estratégia de manutenção de canais abertos com a sociedade.

Então, se até aqui discorremos sobre as principais características desse conceito novo, que é a intersetorialidade, a que ele se opõe? O que existia antes no campo da gestão gover-namental? Ou melhor, que tipo de mudança a intersetorialidade pode promover?

Você, como vários de nós que estamos aqui nesta ofi cina, tem o costume de se referir ao saneamento como “o setor saneamento”, não é mesmo? Sim ou não?! Esta parece ser uma questão menor, mas conferir ao saneamento a idéia de “área” pode atribuir ao campo dois signifi cados importantes:

um que demonstra avanço, pois é uma estratégia de retirar o saneamento do campo estrito da infra-estrutura urbana, restrito às suas características de

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obra e inscrevê-lo em seu lugar de excelência, como política pública que tem como principal resultante a prestação de serviços públicos à população;

contudo, mesmo com este avanço, a denominação setor o posiciona no campo das políticas públicas básicas, via de regra, organizadas e implementadas de forma setorial, estanques em si mesmas.

Buscamos em Bourguignon (2001) uma abordagem mais conceitual e ampla dessa questão. O modelo tradicional por meio do qual as políticas públicas são gerenciadas refl ete o modelo burocrático de gestão das políticas públicas. Segundo esse autor, o que se tem são políticas públicas básicas (educação, saúde, assistência social, cultura, habitação, saneamento...), que são implementadas de forma setorial.

Setor aqui é entendido como uma forma de organização pública que atua em determinado campo de intervenção através de profi ssionais que interpretam essa realidade apenas sob a perspectiva do seu olhar, resultante da sua área de formação e prática profi ssional. É um olhar que, sem dúvidas, refl ete conhecimento, saber especializado. No entanto, esse olhar, ao ver o problema e refl etir sobre maneiras de equacioná-lo, não faz o exercício de enxergar a partir de outros olhos, que podem pertencer a um outro campo do saber.

Podemos, então, a partir desse entendimento conceitual, reunir os elementos para uma análise dos impactos que esse modelo fragmentado traz para o dia-a-dia da gestão pública e, em particular, para a organização e forma de funcionamento do Estado, em qualquer um dos seus níveis de governo e, principalmente, da relação entre eles, imprescindível no contexto do federalismo brasileiro.

Cada nível de governo (o federal, o estadual e o municipal) conta com instituições e serviços próprios, via de regra, estanques em si mesmos. Essa lógica institucional gera fragmentação no tratamento das demandas sociais, paralelismo e sobreposição de ações, centralização de deci-sões, de recursos e de informações, divergências de objetivos e funções de cada área, além do fortalecimento de poderes políticos e hierarquias, em detrimento do cidadão e da sociedade.

Como bem nos alerta Inojosa (1998), “tais estruturas difi cultam a prática de direitos e o controle social, já que os problemas vivenciados pelos cidadãos contam com diversas causas, o que os impede de cobrar mudanças de um único setor”.

E mais, leva os cidadãos a fazer uma verdadeira via crucis em diversos órgãos, que não dialogam entre si e – ainda mais grave – fazem, muitas vezes, um jogo de “empurra-empurra” que a organização política e administrativa tradicional permite.

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A estrutura governamental, nesse contexto, possui um caráter competitivo. Nega a coope-ração e, às vezes, até o compromisso com a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. A lógica de competição leva, inclusive, à disputa entre grupos de interesses que extrapolam o interesse público, como ainda ocorre em alguns casos, na hora de dividir o orçamento. No entanto, a população, principalmente se organizada, tem por prática apresentar ao Poder público demandas que não são em si isoladas, justamente porque expressam as necessida-des que vivenciam no dia-a-dia:

a água que chega de forma intermitente em seu domicílio e, por isso, desorganiza a dinâmica doméstica, penalizando principalmente a mulher já sobrecarregada por diversas jornadas de trabalho e – cada vez mais comum – também como chefe de família; o esgoto a céu aberto e o lixo não coletado que colocam suas crianças em recorrente estado de doença; a falta de iluminação pública que ajuda a tornar ainda mais grave o quadro de violência e de falta de segurança no local de moradia e de deslocamento ao trabalho; a precariedade e o perigo de se viver em um barraco na encosta ou às margens de rios e córregos, que expõe a todos à situação de risco, inclusive de vida.

Não é o caso de pintar apenas com cores harmoniosas as reivindicações da população. Existe também aquele morador que reivindica do Poder público apenas melhorias pontuais, que, no máximo, alcançam a calçada da sua casa. Mas, convenhamos, esse tipo de comportamento não resume todas as formas de a população reivindicar, que, às vezes, consegue se organizar de maneira mais articulada para se instituir na relação com o Estado. As experiências de orçamento participativo e de conferências de saneamento, de saúde, de meio ambiente e de cidades são bons exemplos dessa questão. Pena que não tenhamos espaço para explorar esses assuntos aqui...

Para exemplifi car a relação População e Poder Público, vamos, então, realizar mais uma atividade que tem a fi nalidade de representar os problemas e soluções dessa relação.

Atividade

A turma pode se organizar em dois grupos para fazer uma encenação dessas duas situações: um deles, o jogo de “empurra-empurra”, muitas vezes protagonizados entre secretarias, ou entre a Prefeitura e o Governo Estadual ou entre este e a União sobre algum problema apresentado por um morador ou comunidade; o outro grupo encena um problema reivindicado pela população e resolvido mediante intervenção de um conselho municipal.

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Esperamos que a atividade tenha contribuído para você perceber as possíveis difi culdades e soluções existentes no âmbito dessa relação. Para esclarecer ainda mais essa questão, vamos continuar os nossos estudos com a leitura do texto que aborda o assunto.

O modelo burocrático de gestão pública impede que os problemas vivenciados pelo cidadão sejam abordados de forma intersetorial. É justamente para contrapor esse modelo, que surge a idéia de intersetorialidade como uma forma de tratar as necessidades dos cidadãos, levando em conta como elas se apresentam na realidade, ou seja, interligadas e interdependentes.

Estamos, portanto, nos reportando à necessidade de diálogo intragovernamental e intersetorial e, sobretudo, ao diálogo com a comunidade como sujeito social relevante do processo de formu-lação e de implementação de políticas públicas, programas, projetos e ações. Nesse contexto, o enfoque do município permite uma maior proximidade com o cidadão e pode fazer com que fi que mais fácil a percepção de seus problemas e de como eles se apresentam no cotidiano.

É nesse sentido que o conceito de descentralização de políticas públicas também se relaciona ao de intersetorialidade e ganha atenção como sendo uma das possíveis estratégias para superação do modo centralizado e fragmentado. A intersetorialidade traz em si contradições e, portanto, também não deve ser vista como uma panacéia.

Nesse processo de implementação e utilização da lógica intersetorial, podem surgir alguns problemas (Bogason, 2000), os quais, se observarmos as nossas experiências como gestores públicos, muitos deles desafi am o nosso dia-a-dia.

Podemos correlacionar, em um quadro, os principais problemas com que nos deparamos e os conceitos aos quais se associam.

Conceito Problemas

Articulação (institucional e setorial)

- gera maior complexidade do processo de trabalho, pois exige das organizações uma nova maneira de atuar que passa pela mobilização de diferentes setores na resolução de um mesmo problema;- explicita diferentes saberes e olhares com que cada um dos profi ssionais se referencia quanto às prioridades da região e/ou de cada área, podendo ocorrer divergências entre os profi ssionais e, no limite, confl itos.

Descentralização da ação governamental

- submete o uso dos recursos públicos aos interesses dos responsáveis pelas unidades descentralizadas, sejam políticos ou burocratas, em detrimento do interesse público;- surgem difi culdades do diálogo entre funcionários das unidades descen-tralizadas com as demais, caso eles não tenham formação adequada nas suas respectivas áreas de atuação e conteúdo teórico sufi ciente para a execução de suas tarefas, enfraquecendo a abordagem intersetorial.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 71

Nesse sentido, o saneamento básico tratado sob a ótica da intersetorialidade é capaz de se tornar vetor de:

Desenvolvimento, por se tratar de uma área intensiva em mão-de-obra e geradora de oportunidades de emprego, trabalho e renda nas mais diversas atividades econômicas;

Redução das desigualdades sociais e promoção da inclusão social, por meio de uma distribuição mais justa dos benefícios do processo de urbanização mediante universalização do acesso aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta e disposição fi nal adequada de resíduos sólidos e drenagem urbana/controle de inundações;

Promoção e proteção da saúde da população, contribuindo para a inversão dos gastos em ações curativas de doenças causadas por veiculação hídrica e para a melhoria dos indicadores de morbidade e de mortalidade relacionados à falta ou precariedade dos serviços de saneamento;

Garantia da salubridade ambiental nas cidades e nas áreas rurais, entendendo o saneamento como um intensivo usuário dos recursos naturais e, conseqüentemente, indutor da redução dos níveis de degradação do meio ambiente, em especial da qualidade dos mananciais e recursos hídricos em geral, favorecendo melhores condições de bem-estar e o pleno gozo da saúde;

Desenvolvimento urbano, constituindo importante vetor para a expansão urbana, para a recuperação de áreas degradadas por ocupação irregular e revitalização dos fundos de vale;

Melhoria da qualidade de vida da população motivada por externalidades positivas, que são geradas a partir da universalização dos serviços de saneamento ambiental atribuindo sustentabilidade ao desenvolvimento.

Externalidades: podem ser positivas ou negativas e referem-se ao impacto de uma decisão sobre

aqueles que não participaram dessa decisão. Negativa, quando gera custos para os demais agen-

tes, a exemplo de uma fábrica que polui o ar, afetando a comunidade próxima. Positiva, quando os

demais agentes, involuntariamente, benefi ciam-se, a exemplo dos investimentos governamentais

em infra-estrutura e equipamentos públicos (o sentido tratado neste texto). De todo modo, cabe

ao Estado criar ou estimular a instalação de atividades que constituam externalidades positivas, e

impedir ou inibir a geração de externalidades negativas.

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Com base na atividade que o grupo realizou no início desta unidade e na leitura do texto conceitual, desenvolva a atividade a seguir. Ela propõe que você descreva a confi guração do saneamento em seu município, além da sua prática como gestor público.

Morbidade: em epidemiologia, morbidade ou morbilidade é a taxa de portadores de determina-

da doença em relação ao número de habitantes sãos, em determinado local e em determinado

momento.

Mortalidade: é um dado demográfi co do número de óbitos em relação a cada mil habitantes em

uma dada região, em um período de tempo. A taxa de mortalidade pode ser tida como um forte

indicador social, já que, quanto piores as condições de vida, maior a taxa de mortalidade e menor

a esperança de vida. No entanto, pode ser fortemente afetada pela longevidade da população,

perdendo a sensibilidade para acompanhamento demográfi co. A taxa de mortalidade infantil é mais

signifi cativa, pois apresenta forte correlação com as condições de vida em geral.

Atividade

Nesta atividade, você, Profi ssional, vai pensar em sua cidade, no papel que desempenha como gestor público e, com base nessa refl exão, escrever dois parágrafos sobre as seguintes questões:

Como o saneamento básico se realiza em minha cidade? Quais benefícios são gerados pelo saneamento?A quem contempla, quando é visto como uma ação preventiva?Em que circunstâncias se coloca como um impacto negativo?Do que o saneamento depende para se efetivar como melhoria da qualidade de vida da população?

Como descreveria a minha prática profi ssional como gestor público em meu dia-a-dia:

Com quais outros setores da Prefeitura me relaciono?Em que medida esse relacionamento modifi ca o meu modo de agir, de analisar e enfrentar os problemas que preciso ajudar a resolver?Quais as difi culdades que encontro ao buscar agir de forma mais articulada dentro do governo e com a comunidade?Quais as medidas que poderiam ser tomadas pelo conjunto do governo e da sociedade para minimizar essas difi culdades?

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 73

Agora sim, uma vez problematizado o conceito da intersetorialidade em seus aspectos teóri-cos e metodológicos e do seu signifi cado para o campo mais amplo das políticas públicas, a nossa próxima tarefa é a de operar esse princípio no campo específi co do saneamento.

O retrato do saneamento no Brasil: perfi l do défi cit

e a falta de foco na gestão integrada

Você pode constatar que o conceito de intersetorialidade não é encontrado na Lei 11.445/07, pelo menos de forma direta. Certamente, vários instrumentos estabelecidos nessa Lei, a exemplo dos planos de saneamento básico, e a noção de controle social se referenciam no signifi cado da intersetorialidade.

Contudo, o PL 5296/2005, proposta original do Executivo Federal para a Política Nacional de Saneamento, trazia a intersetorialidade como um princípio da política, defi nido nos seguintes termos: a intersetorialidade, compreendendo a integração das ações de saneamento entre si

e com as demais políticas públicas, em especial com as de saúde, meio ambiente, recursos hídri-cos, desenvolvimento urbano e rural, habitação e desenvolvimento regional; (grifos nossos).

Já a Lei 11.445/2007, traz o conceito de integralidade como um dos princípios funda-mentais para a prestação dos serviços públicos. Os grifos feitos no parágrafo anterior são justamente para destacar que é disso que trata a integralidade, tal como defi nido no inciso II do art. 2º da referida Lei:

II – integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de

cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na

conformidade de suas necessidades e maximizando a efi cácia das ações e resultados;

Pretendemos fazer uma refl exão sobre como tratar o saneamento sob a perspectiva de suas interfaces com outros setores e políticas públicas e o quanto essa abordagem depende da integralidade entre os quatro componentes do saneamento em si (abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem urbana e manejo de águas pluviais).

Antes, vamos recapitular alguns dados gerais que nos informam do défi cit brasileiro em saneamento e seus impactos em outras esferas da vida.

Hoje, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad, 2006), do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), a situação mostra a existência de disparidade

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entre os percentuais de domicílios conectados à rede pública de água e esgoto e também o número absoluto de casas sem fornecimento de água pela rede geral e sem esgoto coletado por rede pública, conforme vemos nos gráfi cos a seguir.

A Pnad 2006 também informa que, entre os habitantes das áreas urbanas e os que vivem no campo, o percentual de água tratada é bem maior para o primeiro grupo. Para a coleta de esgoto na área rural, esse percentual é incipiente, lembrando que, nos centros urbanos, a diferença é superior em 13,5 vezes. Ainda assim, ela está longe de atingir percentual próximo ao de águas tratadas. Veja os dados no gráfi co a seguir.

Fonte: IBGE, Pnad, 2006.

Do ponto de vista das desigualdades regionais, o Norte tem apenas 69% de população atendida pela rede de água; nas outras regiões, esse índice está próximo de 90% ou mais. A região Sudeste tem 81% de sua população urbana ligada à rede de esgoto, as demais não chegam perto dos 50%, sendo que o Norte tem apenas 5,9%.

Quanto à renda, que revela uma das faces das desigualdades sociais, os contrastes são ainda mais preocupantes. Dos 34 milhões de pessoas que em todo o País vivem em lares que não estão ligados à rede geral de água, dois terços moram na zona rural e nada menos que 70% têm renda mensal domiciliar de até três salários mínimos. Já dos mais de 100 milhões de pessoas que vivem em casa sem acesso à rede coletora de esgoto, sete em cada dez estão nas áreas urbanas e 61% entre os mais pobres.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 75

Existe ainda uma parcela da população que tem ligação domiciliar, mas que não dispõe de abastecimento de água regular nem mesmo de água em condições adequadas de potabilidade. É preciso destacar também a defi ciência de tratamento do esgoto coletado. Segundo a PNSB (2000, do IBGE), quase 75% de todo esgoto sanitário coletado nas cidades são despejados “in natura”, o que contribui decisivamente para a poluição dos recursos hídricos. Além disso, em 64% dos municípios brasileiros, o lixo domiciliar coletado é depositado em lixões “a céu aberto” e, em muitos municípios pequenos, sequer há serviço de limpeza pública minima-mente organizado. A tudo isso se soma carência na implementação de soluções adequadas ao manejo integrado das águas pluviais urbanas, resultando em alagamentos e enchentes que ocorrem, principalmente, nas áreas de estrangulamento dos cursos d’água e de exces-siva impermeabilização do solo.

No caso dos resíduos sólidos, embora a PNSB (2000, do IBGE) informe que a coleta era realizada em praticamente todos os municípios, mais de 16 milhões de pessoas ainda não contavam com esse serviço.

Nessa área, problemas críticos relacionam-se com a destinação fi nal dos resíduos. A pesquisa do IBGE mostrou que a maior parte dos municípios ainda deposita os resíduos inadequada-mente, a céu aberto. Veja os números no gráfi co a seguir.

Fonte: IBGE, 2000.

Soma-se, também, a esse quadro o fato de ainda existirem crianças envolvidas na catação de lixo nas ruas e nos lixões, a despeito da importante campanha de iniciativa do Unicef, coordenada pelo Fórum Nacional Lixo & Cidadania para erradicar o trabalho infantil nesse tipo de atividade. A pesquisa do IBGE de 2000 indicava a existência de pelo menos 23.340 catadores de lixo, sendo 22% menores de 14 anos (trabalhando na catação nas ruas e nos lixões), ou seja, aproximadamente 43.000 crianças; 7.264 pessoas moravam nos lixões e quase 130 mil pessoas viviam da catação de lixo em condições desumanas.

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As informações sobre drenagem urbana são ainda muito precárias e revelam um quadro não menos preocupante. Segundo o IBGE, quase 1,2 mil municípios brasileiros ainda não contam com esse serviço, os quais correspondem, aproximadamente, ao mesmo número de cidades que informaram terem sido afetadas por enchentes entre 1999 e 2000. Já um relatório do Ministério das Cidades de 2003 informa que 104 municípios sofrem, de forma recorrente, acidentes mórbidos e/ou declaram estado de calamidade pública após fortes chuvas. O mesmo estudo diz que, entre 1993 e 2000, ocorreram 1,5 mil mortes por causa desse tipo de incidente.

Por que falta saneamento? Onde se concentra o défi cit? Para quais grupos populacionais os serviços de saneamento são prestados de forma precária?

A resposta central à primeira pergunta certamente está fundamentada no processo de urbanização, em escala mundial e se reproduz, de forma ainda mais perversa, ao nível das cidades brasileiras.

Os problemas gerados pela urbanização global têm ocupado lugar de destaque na agenda de diversos organismos internacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais da metade da população mundial vive em centros urbanos, mas, nos países não-desenvol-vidos, essa concentração é mais acentuada, principalmente no continente latino-americano, que apresenta um acentuado grau de urbanização, oscilando entre 60% e 85% da população total (Atlas do Censo Demográfi co, 2000).

No Brasil, os índices de urbanização vêm atingindo patamares crescentes. Segundo dados do Censo Demográfi co do IBGE de 2000, 81,25% da população brasileira concentravam-se em áreas urbanas, bem acima da média mundial, da ordem de 50%, também de acordo com a ONU.

Entre os temas centrais da agenda dessas organizações supranacionais, estão os desafi os e compromissos internacionais para o cumprimento das Metas do Milênio (ODM), defi nidas pelas Nações Unidas. O Brasil integra o conjunto de países que se comprometeram a traba-lhar pela melhoria da qualidade de vida nas cidades de todo o mundo. Uma das diretrizes defi nidas pela ONU é a redução, pela metade, até 2015, do número de pessoas sem acesso à água potável e aos serviços básicos de saneamento e, até 2020, a melhoria signifi cativa da situação de, pelo menos, 100 milhões de pessoas que são moradoras de assentamentos precários e não têm acesso à moradia digna.

Dados da ONU indicam que um terço de toda a população urbana mundial vive em assen-tamentos precários e, em todo o mundo, cerca de 900 milhões de pessoas passam por problemas semelhantes aos enfrentados por brasileiros que não têm acesso à moradia digna.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 77

São números que confi rmam, em nível mundial, que o processo de urbanização da pobreza está em pleno vigor. De acordo com dados do Ministério das Cidades, dados de 2004 indicam que existem favelas em cerca de 1.500 dos 5.563 municípios brasileiros.

Perversidade do processo de urbanização no Brasil

No Brasil, o fenômeno da concentração urbana impõe ainda outros desafi os. Um dos agravantes é que 60% do total de moradores que vivem em áreas urbanas se concentram em apenas cerca de 224 municípios dos 5.563 existentes no País. Nesses municípios, a população é superior a 100 mil habitantes e, via de regra, estão localizados nas regiões metropolitanas do País.

O Brasil possui 26 Regiões Metropolitanas (RMs) e três Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDEs) reconhecidas por lei, que hoje agregam mais de 41% da população brasileira, revelando uma forte tendência à concentração territorial da população. De fato, o Censo Demográfi co de 2000 já indicava que as RMs e a RIDE Brasília abrigavam mais de 35% da população brasi-leira (em torno de 68 milhões de habitantes) e aproximadamente 49% da população urbana. Esse incremento demográfi co vem-se fazendo acompanhar de inúmeros problemas sociais, e hoje as RMs são consideradas focos de violência, desemprego, pobreza e de degradação ambiental e urbana.

A rede urbana brasileira é extremamente desigual e concentrada. Enquanto treze municípios, com mais de um milhão de habitantes, respondem por cerca de 20% de toda a população brasileira, temos 4.614 municípios, com menos de 20 mil habitantes, concentrando menos de 30% da população do país. Há também o registro de que o crescimento demográfi co vem apresentando índices menores nas áreas centrais das RMs que nas suas respectivas perife-rias, incremento que se mostra mais acentuado nas cidades médias do País, que constituem pólos regionais de desenvolvimento econômico.

Fonte: IBGE, 2000.

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Para se ter a dimensão da relevância de uma gestão urbana sustentável nessas áreas, é preciso saber que, em apenas onze das maiores RMs brasileiras, temos quase um terço da população do País e, dado mais crítico, parcela signifi cativa desse contingente reside em favelas e áreas degradadas.

O défi cit habitacional qualitativo e quantitativo nessas onze regiões é de 2.192.296 domicílios, e elas concen-tram 82% dos domicílios subnormais do Brasil. Por outro lado, o Censo Demográfi co de 2000 indicou a existência de 1,7 milhões de domicílios e 6,6 milhões de pessoas residentes em assentamentos precários em todo o Brasil, o que representava 3,9% da população brasileira naquele ano. Desse total, 78,5% estavam localizadas nas nove principais regiões metropolitanas.

O país convive com um défi cit habitacional da ordem de 6,6 milhões de moradias. Desse total, 92% correspon-dem à demanda de segmentos da população com renda mensal de até cinco salários mínimos e 83,2% com renda mensal de zero a três salários mínimos. Esse quadro ainda é agravado pelo défi cit qualitativo, situado em torno de 15 milhões de moradias inadequadas.

Ainda segundo dados do Ministério das Cidades, mais de 30% dos cerca de 180 milhões de brasileiros vivem sem acesso à moradia digna e, por isso, vivem em condições desumanas nas nove regiões metropolitanas, além de Brasília e Manaus.

Há também o défi cit de habitabilidade, ou seja, de

infra-estrutura. Atualmente, o défi cit de habitabilidade no Brasil vai além das 12 milhões de unidades, corres-pondendo ao dobro do défi cit de moradia. Esse quadro é resultado do processo de urbanização verifi cado no País, nos últimos 50 anos.

Se esta realidade complexa está dada, por onde devemos atacar o problema?

Domicílios subnormais são

os que possuem características

precárias, seja pelo atributo

locacional (favelas, etc.), seja

pelas características domiciliares

(palafi ta, barraco, número de

habitantes, etc.).

O défi cit de habitação é me-

dido por quem mora em con-

dições inaceitáveis, somados

aos que co-habitam (mais de

uma família na mesma moradia),

além da expectativa de cresci-

mento. Todo mundo mora em

algum lugar, mesmo embaixo

da ponte. O que se mede no

défi cit é quando a situação é

inaceitável.

O défi cit de habitabilidade

compreende a situação em que

uma família ocupa uma moradia

aceitável, mas está em um

terreno ilegal, não tem esgoto

ou transporte ou água de rede

pública.

78 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

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Como vimos, os números do saneamento para o conjunto dos municípios brasileiros apre-sentam enormes desafi os, em variados graus e aspectos, relacionados a problemas da infra-estrutura urbana e à qualidade dos serviços prestados à população. Se o processo de urbanização desordenado explica, em parte, a precariedade do quadro de saneamento no País, por outro, não há como avançar se nós, gestores, não buscarmos compatibilizar os serviços de saneamento com as demais políticas públicas que os tangenciam.

As teses do crescimento populacional e da concentração urbana servem bem para explicar as causas desse quadro de vulnerabilidade urbana e humana. No entanto, não se mostram sufi cientes para apontar soluções de reversão em situações já consolidadas. A aposta que se faz é, portanto, no campo da gestão.

O desafi o nesse campo é a montagem de formas de gestão que, sem esquecer as questões técnicas, políticas e administrativas, operem segundo o princípio da negociação, da cola-boração e da integração e, com isso, resultem em maior capacidade de implementação de decisões sobre políticas públicas e dos chamados serviços de interesse comum (Figueiredo e Marques, 2004).

São situações que requisitam um nível pactuado de gestão para resolver problemas que não ocorrem em um único município ou em um único setor, como transporte, coleta e destinação fi nal do lixo, captação de água, lançamento de efl uentes domésticos e industriais, habitação e uso do solo, tendo, atualmente, um avanço quando a bacia hidrográfi ca é tomada como unidade de planejamento nas questões das cidades.

Um modelo de governança metropolitana ou de gestão associada de serviços públicos baseia-se na defi nição de uma estrutura de incentivos que torne possível superar a inércia e levar à cooperação dos entes federativos e destes com a sociedade, visando à obtenção de bem coletivo. Nesses casos, em função da heterogeneidade política interna dos grupos, a cooperação voluntária, muitas vezes, não é sufi ciente e, por isso, impõe a necessidade de incentivos que incidam de forma seletiva sobre o grupo, levando os seus membros a cooperarem entre si.

Governança: descreve o processo de tomada de decisão e de implementação ou não implemen-

tação das decisões tomadas. Representa a forma como as instituições públicas conduzem suas

ações, administram recursos públicos e buscam garantir a realização dos direitos humanos.

Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 79

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80 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Em termos de participação, essas formas de gestão devem incorporar mecanismos de repre-sentação municipal (individualmente ou através de um conjunto de municípios), dos níveis de governo estadual e federal, de entidades setoriais viáveis naquele âmbito territorial, do setor privado e, principalmente, dos moradores e usuários das cidades. O desenho institucional da cooperação deve emergir da negociação e da adesão desses agentes.

Conclusivamente, avaliamos que a construção de um novo paradigma pressupõe cidades inclusivas, que eliminem barreiras urbanísticas, políticas e simbólicas entre a cidade da classe média e a cidade dos pobres. Além disso, o novo modelo implica no controle social dos processos decisórios relativos à defi nição da divisão dos subsídios e gastos públicos e sobre a distribuição dos bens da urbanização. Particularmente para melhorar a situação de moradores de assentamentos precários, é preciso que a própria sociedade se apresente como sujeito da ação e não apenas objeto das políticas, programas ou projetos.

Além disso, é imperioso o fortalecimento do papel do Estado para liderar, promover e subsi-diar os fi nanciamentos em habitação e saneamento. No marco institucional, o Brasil tem avanços a celebrar! O Estatuto da Cidade, consubstanciado na Lei Federal no. 10.257, de 10 de julho de 2001, constitui importante instrumento de planejamento e regulação urba-nística, para que seja ampliado o acesso à terra formal e urbanizada, a proteção ambiental sobre as áreas de mananciais, o controle da ocupação de áreas com riscos geotécnicos e de inundação, incentivando a cooperação entre cidades e regiões.

Soma-se ao Estatuto da Cidade, o recente arcabouço jurídico-legal do saneamento brasilei-ro, amplamente tratado na Unidade II deste Guia: a Lei de Consórcios Públicos e de Gestão Associada (Lei 11.107/2005 e o Decreto 6.017/2007 que a regulamenta) e a Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes gerais para os serviços de saneamento básico e a política federal de saneamento básico. Acrescente-se a isso o intenso processo de discussão, pactuação e de controle social que permeou todas as etapas e arenas políticas em que esses projetos foram formulados e defi nidos.

Vamos retomar, agora, a refl exão feita por você sobre a sua cidade e a sua prática profi ssional. Tenha em mente o retrato do saneamento no Brasil, que acabamos de ver na leitura anterior, e complemente o texto que você escreveu na terceira atividade desta unidade. A proposta é que cada participante reescreva o texto original, agregando elementos fundamentais traba-lhados nesta seção e, eventualmente, não apreendidos em seu signifi cado essencial.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 81

Atividade

Cada pessoa deverá retomar o texto redigido na atividade anterior e reescrevê-lo acrescentando as novas observações.

Com essa atividade, esperamos que você, Profi ssional, tenha agre-gado novos conhecimentos que possam lhe ajudar na sua prática diária enquanto gestor. Lembramos que ações integradas podem gerar benefícios sociais, ambientais e oportunidades de desenvolvimento. Continuando nessa mesma perspectiva de integralidade, vamos mostrar alguns setores que interagem diretamente com o saneamento.

Principais interfaces setoriais do saneamento

Elegemos aqui quatro políticas públicas que, em nossa avaliação, conformam interfaces funda-mentais e inquestionáveis com o saneamento: a saúde pública, a gestão dos recursos hídricos e do meio ambiente, o desenvolvimento urbano e a gestão do uso e da ocupação do solo.

Antes de passarmos a abordar cada uma dessas interfaces, sugerimos um sobrevôo na plataforma da Bacia Hidrográfi ca Virtual (BHV). Esse exercício ajuda a compreender e a materializar as conexões que se estabelecem entre a forma como ocupamos o território, o modo de vida que adotamos em nosso dia-a-dia e as implicações disso para a saúde das pessoas e do meio ambiente em que vivem. Após essa visualização da bacia hidrográfi ca, iniciaremos a leitura dos textos sobre as quatro políticas públicas.

Saúde pública e vigilância em saúde

A erradicação das carências em abastecimento de água, a ampliação das ações para que a população mais pobre deixe de conviver com esgoto sanitário a céu aberto e tenha acesso a serviços de tratamento e à disposição fi nal adequada de resíduos sólidos é uma questão social e de saúde pública urgente. Os esforços nessa área vão garantir boa qualidade de vida à população, com grande impacto, principalmente na saúde das crianças, que são as principais vítimas de doenças transmitidas por água e esgoto mal tratados.

Várias doenças podem ser veiculadas ou transmitidas pela água, como cólera, febre, disen-teria, hepatite, leptospirose, giardíase, diarréias, conjuntivite bacteriana aguda, salmonelose, esquistossomose, dengue e malária. A cada oito segundos, uma criança morre no mundo devido a uma das doenças relacionadas com a água.

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Os riscos à saúde associados à água podem ser de curto prazo, quando resultam da poluição de água causada por elementos microbiológicos ou químicos, ou de médio e longo prazo, quando resultam do consumo regular e contínuo, durante meses ou anos, de água contami-nada com produtos químicos, como metais ou pesticidas. Pessoas que fazem uso de fontes alternativas de água devem tomar cuidado.

A mortalidade infantil no País caiu, mas ainda é superior à de países vizinhos. Dados do Ministério da Saúde referentes ao ano de 2002 revelam que a taxa de mortalidade infantil no país se situou em 26,46 por mil, inferior aos índices do ano de 2000. De fato, segundo a versão preliminar da Revisão 2004 da projeção populacional do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), em 2000, de cada 1.000 crianças nascidas vivas, 30 morreram com menos de um ano. Em 1970, esse número chegava a 100.

A melhora do indicador está relacionada ao aumento da escolaridade feminina, à elevação do percentual de domicílios com saneamento básico e a um maior acesso aos serviços de saúde. Apesar da queda, o País ainda apresenta uma taxa superior à de países como Argentina (21 por 1.000), Chile (12 por 1.000) e Uruguai (15 por 1.000). O Brasil ocupa o 100º lugar no ranking das mais baixas taxas de mortalidade infantil entre 192 países.

Desde a década de 40, com a utilização dos antibióticos no combate a doenças infecto-conta-giosas, o País começou a reduzir a taxa de mortalidade infantil. Campanhas de vacinação, de aleitamento materno e a atuação dos agentes comunitários de saúde contribuíram para modifi car o quadro. O País ainda está muito longe, no entanto, dos resultados de países como Singapura (2,9 por 1.000), Japão (3,2 por 1000) e Suécia (3,4 por 1000). Nos dois últimos, a mortalidade baixa está associada a enfermidades cujo controle depende de um forte volume de investimentos em pesquisas na área de biotecnologia e engenharia genética.

As necessidades de investimento em saneamento não devem, de maneira alguma, deixar de considerar a relação direta que existe com a saúde pública, que se pode traduzir em custos ou em benefícios. Segundo a defi nição da Organização Mundial de Saúde – OMS, na Carta de Ottawa de 1986, “a saúde é o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da qualidade de vida”.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) “todas as pessoas, em quais-quer estágios de desenvolvimento e condições socioeconômicas, têm o direito de acesso a um suprimento adequado de água potável e segura”. “Segura”, nesse contexto, refere-se a uma oferta de água que não representa um risco signifi cativo à saúde, que é de quantidade sufi ciente para atender a todas as necessidades domésticas, que está disponível continua-mente e que tenha um custo acessível. Nos países da América Latina e do Caribe, o consumo

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 83

médio de água é de 200 litros por pessoa/dia. Essas condições podem ser resumidas em cinco palavras-chave: qualidade, quantidade, continuidade, cobertura e custo. Veja algumas informações do Relatório “Situação Global de Suprimento de Água e Saneamento”, lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no ano 2000.

São inúmeros os exemplos, dados e indicadores que comprovam a relação água não segura e doença. A qualidade da água, se não for adequada, pode ocasionar surtos de doenças e causar sérias epidemias (Opas, 2001). A seguir, apresentamos um esquema de correlação. Na primeira coluna, você poderá observar formas de transmissão de algumas doenças veiculadas pela água e, na última coluna, alguns dados reais sobre essas doenças.

Você sabia?

Cerca de um quarto dos 4,8 bilhões de pessoas dos países em desenvolvimento continua sem acesso a fontes de água adequadas, enquanto metade desse total não está servida por serviços apropriados de saneamento;

ocorrem, no mundo, 4 bilhões de casos de diarréia por ano, com 2,2 milhões de mortes, a maioria entre crianças de até cinco anos. Água segura, higiene e saneamento adequados podem reduzir de um quarto a um terço os casos de doenças diarréicas;

os serviços de abastecimento nas áreas rurais ainda estão bem defasados em relação aos dos centros urbanos. Entretanto, prover abastecimento de água, a um custo acessível, para as áreas urbanas mais pobres e cada vez mais populosas, também tem sido um desafi o;

as tarifas cobradas pelas empresas de abastecimento de água nos países em desenvolvimento não são sufi cientes para cobrir os custos de produção e distribuição de água. Na África, Ásia e América Latina/Caribe, a relação entre uma unidade de tarifa cobrada e uma unidade de custo de produção é, respectivamente, de 0.8, 0.7 e 0.9;

apenas 35% das águas residuárias são tratadas na Ásia, índice que cai para 14% na América Latina.

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Ainda relatando alguns tipos de doenças de veiculação hídrica, apresentaremos informações sobre as enfermidades de maior incidência relacionadas com a qualidade da água, além da cólera, na América Latina e no Caribe.

diarréias em crianças, responsáveis por 80 mil mortes e uma média de três casos diarréicos por ano;hepatite vírica, cuja incidência se encontra entre 24 e 29 casos por 100.000 habitantes nos países da América do Sul; amebíase e febre tifóide, endêmicas em muitos países;entamoeba histolytica, identifi cada como a causa de algumas epidemias resultantes da contaminação do abastecimento de água por águas residuárias.

∙∙

Os números levantados no Relatório da Opas (2000) mostram a gravidade do problema:

A água microbiologica-mente contaminada pode transmitir grande variedade de doenças infecciosas, de diversas maneiras:

provocadas por má higie-ne pessoal ou contato de água contaminada na pele ou nos olhos: escabiose, pediculose (piolho), traco-ma, conjuntivite bacteriana aguda, salmonelose, tricu-ríase, enterobíase, ancilos-tomíases, ascaridíase

∙ a cada ano, mais de cinco milhões de seres humanos morrem de alguma doen-ça associada à água não potável, ambiente domés-tico sem higiene e falta de sistemas para eliminação de esgoto;

causadas por parasitas encontrados em organis-mos que vivem na água ou por insetos vetores com ciclo de vida na água: esquistossomose, dengue, malária, febre amarela, fi larioses e oncocercoses.

diretamente, pela ingestão de água contaminada com urina ou fezes, humanas ou de animais, contendo bactérias ou vírus patogê-nicos: cólera, febre tifóide, amebíase, leptospirose, giardíase, hepatite infec-ciosa e diarréias agudas;

∙ nos países da América Latina e Caribe, a epide-mia mais signifi cativa dos últimos anos foi a da cóle-ra, originada em 1991, no Peru, e que se estendeu por 21 países da região, com mais de 1.200.000 casos registrados até 1997;

estima-se que, a qualquer momento do dia, metade de toda a população nos países em desenvolvimen-to esteja sofrendo de uma ou mais entre as seis prin-cipais doenças associadas ao abastecimento de água e saneamento (diarréia, ásca-ris, dracunlíase, esquistos-somose, ancilostomíase e tracomas).

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 85

Nessas regiões, apenas 10% das águas residuárias recebem algum tipo de tratamento, em geral inapropriado.

A OMS estima que o custo de providenciar abastecimento de água é de US$ 105 por pessoa, nas áreas urbanas e de US$ 50 nas áreas rurais.

Os casos mais comuns de contaminação da água por metais ocorrem com arsênio, chumbo, cádmio e mercúrio. Um dos episódios mais conhecidos foi a contaminação, por mercúrio, das águas e dos peixes da Baía de Minamata, no Japão, entre 1956 e 1967, que afetou mais de 20 mil pessoas e provocou 1004 mortes.

A fl uoretação da água numa concentração ótima de 1 mg/l é considerada uma maneira segura no sentido de alcançar um importante benefício para a saúde pública, ao fornecer, a toda população, proteção importante contra as cáries dentárias. Contudo, algumas fontes de água contêm concentrações maiores de fl uoreto em forma natural e podem resultar impróprias para consumo humano, devido ao risco de fl uorose dentária e esquelética. O limite recomendado pela OMS é de 1,5 mg/l.

A proliferação acentuada das chamadas algas verdes/azuis (cianobactérias) pode ocorrer em lagos e reservatórios de água potável, provocando coloração da água e impedindo sua fi ltração. Dependendo da espécie da alga, algumas toxinas, como hepatotoxinas e neuro-toxinas, também podem ser produzidas. Os únicos casos fatais atribuídos a esse tipo de envenenamento ocorreram em Caruaru, no Brasil, quando 50 pacientes renais crônicos foram envenenados pela água contaminada utilizada nos equipamentos de diálise.

O mosquito transmissor da dengue, o Aedes Aegypti, tornou-se uma ameaça à saúde pública, principalmente nos países tropicais. No mundo, infecta entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas anualmente, segundo dados da OMS. No Brasil, de janeiro a julho de 2007, foram registrados cerca de 480 mil casos, o que signifi cou aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano de 2006. Das cerca de 480 mil pessoas infectadas, 1.076 contraíram dengue hemorrágica e 121 morreram. São Paulo viveu, em 2007, o maior surto de dengue da sua história. Foram 64.310 casos registrados no período.

A explosão de casos em todos os estados brasileiros, ocorrida mesmo nos meses de inverno, é preocupante. Em setembro, a OMS advertiu que o surto de 2007 poderia superar a marca de 2002, ano em que o Brasil registrou número recorde de casos (800 mil notifi cados). Para a OMS, o problema da dengue só pode ser resolvido com profunda mudança na infra-estrutura sanitária do País. Não resolve lançar campanhas de conscientização da população quando o surto já está ocorrendo.

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Também a conscientização preventiva deve ser constante, assim como o efetivo combate ao mosquito. O hábito de extinguir criadouros precisa ser cultivado e mantido, tanto entre a população quanto entre as autoridades. É necessário ensinar à população que eliminar focos de insetos deve fazer parte da limpeza diária das casas. Às autoridades cabe a tarefa de eliminar sistematicamente, durante o ano inteiro, os macrocriadouros em ambientes urba-nos, que surgem sempre nas construções não fi scalizadas e nas lajes de prédios públicos e privados, inclusive industriais.

Mas é preciso também incentivar a pesquisa e adotar tecnologias de efi cácia comprovada pelas universidades para erradicar defi nitivamente o mosquito. O Aedes Aegypti chegou a ser erradicado do País em fi ns da década de 1950, quando os recursos eram muito menores do que os de hoje. Sem ações de controle, no entanto, o vetor voltou a proliferar. Em 1973, nova erradicação foi alcançada com a aplicação de inseticida de efeito residual nos reser-vatórios domiciliares. Com o crescimento acelerado das cidades, no entanto, as autoridades federais abandonaram a técnica e passaram a recomendar apenas o controle do mosquito, o que continua até hoje.

A gravidade desse quadro pode ser percebida quando se constata a baixa ou nenhuma capacidade de investimento dos municípios em saneamento. Não restam dúvidas de que o papel da União é de fundamental importância para atribuir efetividade aos investimentos visando à universalização dos serviços de saneamento, isto é, alocando os recursos de forma efi caz onde realmente se encontra a demanda associada ao risco epidemiológico. Isso exige uma atuação coordenada entre os ministérios afi ns e a implementação do apoio técnico e fi nanceiro que o governo federal pode prestar aos estados e municípios, referenciado em indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e sociais.

Como defi ne a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90):

A vigilância epidemiológica é “o conjunto de atividades que permite reunir a informação indis-

pensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou história natural das doenças,

bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fi m de recomendar

oportunamente, sobre bases fi rmes, as medidas indicadas e efi cientes que levem à prevenção e ao

controle de determinadas doenças”.

Esperamos, que com ações planejadas e integradas, haja alteração do perfi l epidemiológico, especialmente das áreas mais pobres, no sentido da promoção da saúde e da prevenção e controle de doenças e agravos, implicando redução das desigualdades regionais e criando, mediante investimentos em saneamento, oportunidades de desenvolvimento social com integridade ambiental.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 87

Recursos hídricos e meio ambiente

No tratamento da relação entre saneamento, recursos hídricos e meio ambiente, a primeira consideração que precisamos fazer é que, de fato, trata-se de uma interface. Comparativamente em relação às outras políticas (urbana, de saúde, de moradia, etc.), a construção dessa inter-face se faz mais desafi ante justamente por uma leitura inadequada, que subordina um setor ao outro e não os vê em uma relação de complementaridade.

Em parte, e dentro do que lhe cabia, a Lei 11.445/2007 equaciona bem essa situação. Em seu artigo 4º determina: “os recursos hídricos não integram os serviços de saneamento básico” e complementa em parágrafo único que “a utilização dos recursos hídricos na prestação de serviços públicos de saneamento básico (...) é sujeita a outorga de direito de uso nos termos da Lei 9.433/1997 (...)”.

Equacionada, portanto a área de sombra e de suposta subordinação, a Lei também avança no planejamento integrado dos serviços de saneamento básico que deve tomar a bacia hidrográfi ca como referência para o planejamento, principalmente nos casos de planos regionais de saneamento, e institui a necessária compatibilidade desses com os planos de bacia, em que estiverem inseridos.

A minuta do decreto de regulamentação da Lei 11.445/07 avança ainda mais. Dedica um capítulo específi co à relação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico com os Recursos Hídricos e reafi rma: os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com: i) os planos de recursos hídricos; ii) o enquadramento dos corpos d’água. Entre outras deter-minações no campo das situações de contingência e escassez, também estabelece, além da outorga, o direto ao pagamento pelo uso feito pela prestação de serviços públicos de saneamento básico.

A despeito de tais avanços, somos sabedores do tamanho do desafi o ainda a enfrentar. A complexidade da questão urbana, principalmente nas grandes cidades e megalópoles brasi-leiras, impõe a dicotomia (superável) entre proteção dos espaços ambientalmente nobres, especialmente as áreas dos nossos mananciais, e das áreas ambientalmente vulneráveis em face da necessidade cada vez mais urgente de acesso à terra e à moradia para os segmentos populacionais historicamente excluídos do direito à cidade. Soma-se em igual medida e relevância, a regulação pública sobre esses mesmos espaços frente à voracidade do mercado imobiliário para segmentos de alta renda que buscam, nos grandes condomínios, o acesso infi nito à contemplação do belo e do verde, constitucionalmente determinado como direito de todos os cidadãos.

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Sabemos que o setor de recursos hídricos e o do meio ambiente dispõem, há mais tempo, de robusto arcabouço jurídico-legal e, em decorrência disso, constituem sistemas consoli-dados e cristalizados. Isso exige de nós, gestores, em processo de formação intersetorial, maior atenção às oportunidades que o conjunto de leis, de sistemas e de práticas públicas, para atuarmos com maior criatividade e efi cácia.

Desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo

A noção de salubridade ambiental, que deve orientar o planejamento, os novos investimen-tos, a organização e a prestação dos serviços de saneamento, traz implícita a promoção da saúde pública e a integridade do meio ambiente e estabelece a interface necessária com o desenvolvimento urbano, em particular, com a gestão do uso e da ocupação do solo.

A existência ou não de infra-estrutura de saneamento, o padrão dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, assim como a capacidade de resolução dos problemas relacionados ao manejo dos resíduos sólidos e a drenagem urbana, incidem diretamente no nível de desenvolvimento de uma cidade ou mesmo de uma região. Contudo, para o plane-jamento urbano, não basta saber se tais serviços existem ou não. Antes disso, é preciso que as informações sobre os sistemas e serviços de saneamento ambiental subsidiem as decisões a serem tomadas sobre como e para onde o desenvolvimento deve ser induzido.

Para planejar o futuro da cidade e organizar sua dinâmica, existe o Plano Diretor Municipal. Mas para que esse instrumento seja efi caz, é preciso que governo e sociedade empreen-dam esforços e trabalhem juntos. A atividade de construir e elaborar o Plano Diretor é uma oportunidade para se estabelecer um processo permanente de planejamento participativo para formular políticas públicas, avaliar as ações e, sempre que necessário, corrigir os rumos. Informações bem detalhadas sobre como o município pode elaborar o seu plano diretor participativo podem ser encontradas no Guia publicado pelo Ministério das Cidades e divulgado no sítio www.cidades.gov.br.

Hoje, o princípio do direito à cidade se consolida como principal pilar de um projeto de polí-tica urbana que visa explicitamente à inclusão social, considerando a habitação e o acesso universal aos serviços públicos como fundamentais à cidadania e priorizando os setores mais vulneráveis da população.

O Estatuto da Cidade prevê instrumentos que, se bem aplicados, podem aperfeiçoar a gestão urbana municipal.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 89

São exemplos desses instrumentos:o adensamento de áreas com adequada infra-estrutura e provida de serviços públicos, de forma a orientar a ocupação e a expansão urbana para essas áreas – e com isso reduzir a pressão sobre áreas vulneráveis do ponto de vista ambiental – e a otimizar o uso da capacidade de infra-estrutura urbana já instalada, ampliando os benefícios gerados pelos recursos públicos investidos;

a regularização fundiária e urbanística de assentamentos precários, como vilas e favelas. A melhoria das condições de habitabilidade nesses lugares povoados por população de baixa renda promove a proteção à saúde pública, recuperação ambiental de áreas degradadas e possibilidade de gerar e intensifi car atividades econômicas, alimentando a dinâmica de desenvolvimento local.

O adequado emprego desses instrumentos e também de outros previstos no Estatuto da Cidade requer a disponibilidade de informações e de indicadores que sirvam de base à elabo-ração de políticas, programas, planos e projetos. Para isso, é necessário que o município disponha de um sistema de cadastro atualizado e integrado e, se possível, de um sistema de informação georreferenciado.

Também o Plano Municipal de Saneamento Básico é um importante instrumento de planeja-mento e gestão local integrada na perspectiva de se superar a forma de abordagem setorial e estanque, tradicionalmente utilizada para se planejarem e implementarem ações e serviços de saneamento.

Para isso, é fundamental a compreensão de que esse tipo de plano é, sobretudo, um processo absolutamente dinâmico de planejamento que requer a produção, divulgação e atualiza-ção sistemáticas de dados e informações confi áveis. Uma vez incorporada à normalidade institucional de governo, esse processo é capaz de gerar indicadores e índices setoriais que revelam as condições da realidade local em termos de salubridade ambiental e de qualidade de vida.

Na próxima unidade deste guia, teremos como explorar melhor esse assunto. Agora, faremos a atividade de encerramento desta unidade, retomando a atividade feita por você inicialmen-te, e esperando que todo o aparato teórico e informativo possa ajudá-lo na reformulação desta atividade.

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90 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Atividade

A turma deve retomar os painéis trabalhados coletivamente no início desta unidade e a cada questão inicialmente colocada para refl exão, os participantes da ofi cina (em plenária) avaliam se há necessidade de correção, complementação ou mesmo exclusão das idéias antes trabalhadas sobre:

a) O que é intersetorialidade?b) Como, no seu trabalho, você pratica a integração? Quando isso ocorre, com quais órgãos você se articula?c) Qual a importância de se trabalhar de forma integrada?d) Que medidas o Estado e a sociedade precisam tomar a fi m de se prepararem para atuar de forma integrada?

O objetivo central desta unidade foi, principalmente, levá-lo a refl etir

sobre a intersetorialidade como um eixo estruturante para uma nova

forma de gestão pública. Ao analisarmos os aportes conceituais

sobre o tema “o retrato brasileiro do saneamento e alguns princípios

da política pública de saneamento”, esperamos que você tenha

percebido o saneamento como parte integrante de um sistema mais

amplo e interligado. O exercício de analisarmos nossas práticas diárias

e, através de novos conhecimentos e da troca de idéias, buscarmos

melhorá-las, pode promover transformações fundamentais para o

desenvolvimento desse setor. As ações de saneamento são, também,

um bem de consumo coletivo, um serviço essencial, um direito do

cidadão e um dever do Estado. Você, Profi ssional, a comunidade e o

Estado têm papéis a desempenhar, e, para o êxito desta meta social

que é o saneamento, é necessária uma gestão efi ciente e efi caz,

voltada prioritariamente para a coletividade. Nessa perspectiva, vamos

abordar, no próximo capítulo, o planejamento integrado e participativo,

assim como a elaboração e a implementação de planos municipais de

saneamento básico, que constituem instrumentos estruturantes para

uma gestão sustentável.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 91

Profi ssional, após conhecermos um pouco sobre a intersetorialidade e as oportunidades que esse instrumento pode signifi car em evolução para o saneamento e para você, enquanto gestor, continuemos nossos estudos com um tema imprescindível para uma gestão efi ciente: o planejamento. No saneamento, notaremos que traçar metas, predefi -nir caminhos e embasar ações são questões primordiais na tomada de decisões, assim como, na implementação dos processos pertinentes. Iniciaremos o capítulo mostrando o desenvolvimento do planejamento no Brasil e as vertentes que nortearam sua evolução. Abordaremos um método de planejamento que objetiva fundamentar sua toma-da de decisões e encerraremos a unidade com orientações para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico, instrumento indispensável para você, gestor, implementar as ações efetivamente necessárias que tornarão sua gestão apropriada ao seu município.

Planejamento: origem e vertentes

Primeiramente, vamos analisar as diversas maneiras de se pensar o planejamento, em particular, aplicado às políticas públicas e sob uma perspectiva histórica.

Ao percorrer as diferentes escolas de planejamento, podemos obser-var que a forma como se fez planejamento no Brasil tem menos a ver com os períodos da história que desenharam a cronologia dessa evolução. As experiências de planejamento vivenciadas em nosso País foram bem mais infl uenciadas por fatores que determinaram a formação social brasileira, a exemplo da problemática regional e nacional e da orientação política e técnica que se imprimiu ao planejamento no âmbito do projeto nacional de desenvolvimento predominante em cada época.

Planejamento e plano

de saneamento básico- Identifi car o papel

do planejamento

para a formulação

de políticas públicas

e compreender

de que maneira o

planejamento visto

como um processo

dinâmico e participa-

tivo tem rebatimento

em todo o ciclo da

gestão.

- Adquirir conhe-

cimentos sobre

métodos e técnicas

de planejamento

integrado e parti-

cipativo, visando a

qualifi car o gestor

público na condu-

ção de processos

de formulação de

políticas, programas

e projetos.

- Propiciar ao

gestor público o

instrumental concei-

tual e metodológico

para conduzir a

elaboração e

implementação de

Planos Municipais

de Saneamento

Básico.

OBJETIVOS:

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92 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

A associação intrínseca entre planejamento e plano como uma peça meramente

técnica predominou em grande parte da história da administração pública no Brasil. Nessa vertente, o planejamento é visto como uma coisa estritamente tecnicista, dominada por economistas e burocratas. Acreditava-se que o plano certo seria sufi ciente para se atingirem os resultados esperados. Porém, são inúmeros os exemplos de experiências fracassadas de planejamento que se pautaram em planos que, no papel, mostravam-se perfeitos, mas, na prática, produziram resultados decepcionantes e até desastrosos.

Pensando de forma geral, vocês seriam capazes de dar alguns exemplos de planos que fi caram no papel?

Esta refl exão nos leva a outra. Algumas visões da prática do planejamento pecaram por não considerar uma outra relação muito importante para o campo das políticas públicas: planejamento e implementação. Essa associação nos leva a conceber o planejamento

como processo e não como uma seqüência linear de fases e etapas.

Carlos Matus: chileno, foi o

maior estudioso da América

Latina sobre planejamento es-

tratégico de governo. Ministro

do Governo chileno de Salvador

Allende, desenvolveu diversas

pesquisas e experiências que

resultaram no modelo de pla-

nejamento denominado Plane-

jemento Estratégico Situacional

(PES). Deixou uma grande obra e

infl uenciou centenas de adminis-

tradores públicos, especialmente

no Brasil. (Wikipédia)

Ao conceber o planejamento como processo, a idéia de interação se faz indispensável. Interação entre quem planeja (sujeito) com o que se planeja (objeto). Quando se fala em sujeito no campo do planejamento como proces-so, a referência imediata é a de Carlos Matus.

Para Matus, o indivíduo não é uma força potente para gerar mudanças. Apenas quando o indivíduo se reconhece coleti-vo, ele reúne as condições para atuar no sentido de provocar mudanças na direção desejada em um processo social e historicamente dado. O chamado “homem coletivo” constitui o que chamamos de sujeito social. Contudo, esse sujeito social não é homogêneo nem constitui um ser único sem apresentar contradições diante da vida.

Dessa forma, o planejamento não se reduz simplesmente à relação desse ser coletivo com as coisas. Quando se olha, se desejar a coisa (o objeto), há nesse olhar uma multiplicidade de visões, de como se vê e interpreta a coisa, que em si não é estática, imutável. Isso faz com que o objeto do planejamento seja um elemento em constante mudança, porque sejamos ou não o sujeito social dessa mudança, haverá sempre um outro agente atuando na determinação desse objeto.

Na construção de sua teoria do planejamento, Matus aborda a relação entre sujeito que planeja e objeto planejado. Esta relação tem sido vista de diversas formas ao longo da história do

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 93

planejamento. De uma forma ou de outra, podemos dizer que dois paradigmas são funda-mentais para a compreensão do que é específi co e do que é diferente em cada uma dessas formas de planejar (as chamadas teorias ou escolas do planejamento):

um paradigma concebe o sujeito fora do objeto planejado: entre sujeito e objeto há apenas uma interpretação unilateral do sujeito (olhando apenas do seu lugar) em relação ao objeto;o outro paradigma concebe o sujeito como parte do objeto planejado: a fi gura do sujeito é condicionada pelos vários lugares sociais que determinam o lugar de onde se olha, que interage e infl uencia o desenvolvimento do objeto, portanto, do fenômeno.

Segundo Matus, a abordagem “do sujeito fora do objeto planejado” advém do chamado planejamento normativo ou tradicional.

Nessa abordagem, o sujeito detém uma visão única do objeto, sendo possível apenas essa interpretação do objeto; a relação é altamente assimétrica, pois o objeto pode ser completamente apreendido e compreendido pelo sujeito. Ou seja, tendo conhecido o objeto, o sujeito passa a conhecer todas as leis e códigos que o regem, tornando o objeto altamente previsível e afastando-se totalmente da noção de processo. Esse tipo de abordagem aproxima-se muito do planejamento normativo, em sua vertente tecno-crática, cuja formulação de políticas está a cargo de planejadores que detêm o domínio sobre a técnica.

A segunda abordagem, “o sujeito como parte do objeto planejado”, caracteriza o que denominamos planejamento estratégico situacional. De acordo com essa visão, o sujeito não está sozinho, convive com outros sujeitos em constante relacionamento com o objeto planejado. Equivale a dizer que cada sujeito enxerga o objeto do seu próprio lugar, através de uma lente, de um fi ltro particular, mas nenhum dos sujeitos conse-gue enxergar o objeto de imediato e por inteiro, em sua plenitude e complexidade. São necessárias aproximações sucessivas do sujeito em direção ao objeto e à construção das diversas leituras feitas pelos diferentes sujeitos para se chegar a uma interpretação mais fi dedigna do objeto em seu contexto histórico e social. Estamos, portanto, nos referindo a uma visão plural do mesmo objeto como pressuposto para planejá-lo dentro da concepção de processo.

Feita essa abordagem mais geral, passamos agora a uma breve recuperação histórica sobre a evolução do planejamento, como conceito e como método, tentando identifi car em cada contexto, a escola predominante.

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94 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

A idéia de planejamento apareceu há aproximadamente um século com o objetivo de contro-lar o futuro, de alguma forma. Para isso, foram concebidos os planos. De forma concreta, podemos dizer que o planejamento das cidades no fi nal do século XIX, na Inglaterra, inau-gura esse período. Criou-se o conceito de cidade-jardim (Howard, 1902), segundo o qual se poderia planejar uma cidade-modelo, distribuindo de forma ótima as suas diversas funções no espaço. A resposta que se buscava dar para as cidades européias da época tinha na poluição, no congestionamento os principais efeitos do fenômeno da aglomeração urbana, da concentração de diversas pessoas vivendo em cidades.

Uma outra vertente de planejamen-to surge com a criação da União Soviética, no fi nal da década de 1910, sob a égide de um Estado centrali-zador e com ênfase na economia. A partir das décadas de 1930, 1940 e 1950, a vertente urbanística se asso-cia à dimensão social como vetor da intervenção espacial no território. O avanço das idéias keynesianas, de forte intervenção estatal, impulsiona a vertente do planejamento em dire-ção às políticas de desenvolvimento regional, dando origem às grandes agências regionais de desenvolvimen-to, a exemplo da Sudene, no Brasil.

Idéias keynesianas: Keynes nunca defendeu a

estatitização da economia, nos moldes em que foi

feita na União Soviética. O que Keynes defendia,

na década de 1930, e que hoje Stiglitz e os novos-

desenvolvimentistas defendem é uma participação

ativa de um Estado enérgico nos segmentos da

economia que, embora necessários para o bom de-

senvolvimento de um país, não interessam ou não

podem ser atendidos pela inciativa privada. A mais

importante agenda do Estado não está relacionada

àquelas decisões que ninguém adota se o Estado

não o faz. Assim, a questão central não deve ser o

tamanho do Estado, mas as atividades e métodos

do governo. A escolha não deve ser se o Estado

deve ou não estar envolvido (na economia), mas

como ele se envolve. (Wikipédia)

Na década de 1950, inicia-se um debate sobre as limitações do planejamento centralizador, seqüenciado e dependente da ação hegemônica de Estado. Surgem as primeiras incursões da escola incrementalista do planejamento, preparada para lidar com o imprevisto e com o inesperado e, portanto, já não mais se impunha o controle como elemento estruturante da capacidade planejadora. O que havia em comum entre uma escola e outra era a idéia de planejamento como peça técnica.

No bojo do movimento de direitos civis nos Estados Unidos, surgiu a idéia de que o plane-jamento não deveria ser um instrumento estritamente técnico. Segundo Oliveira (2006), para essa corrente, o planejamento deveria ser visto como instrumento de mudança social e de advocacia, principalmente em favor dos interesses dos menos favorecidos social e politica-mente, o chamado advocacy planning (Davidoff, 1965).

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 95

A década de 1970 pode ser considerada um divisor de águas para o conceito de planeja-mento. Se o planejamento já não era visto como uma peça técnica, a noção de instrumento político ganhava várias interpretações e variantes.

Em vez de o governo atuar como um instrumento de advocacy em favor das classes desprovi-das de direitos, o planejamento governamental passaria a instrumento capaz de incluir esses segmentos sociais como sujeitos do processo de planejamento. Dessa forma, o planejador passa à posição de mediador dos interesses da sociedade, buscando reduzir ao máximo a assimetria entre os diversos grupos sociais que participam deste processo.

Com o crescimento de organizações e movimentos sociais no processo de planejamento e as interações destes entre si e com o Estado, surge a chamada “sociedade em rede”, conceito cunhado por Manuel Castells (1998), que inaugura um novo paradigma para a compreen-são do processo de formulação de políticas públicas. A idéia é de arena política, na qual diversos atores se interagem, ora em posições de disputa e confronto, ora em esforços de concertação. Sob essa perspectiva, o planejamento passa a ser considerado um processo que decorre da qualidade das interações entre os diversos atores envolvidos.

Surge, portanto, o denominado planejamento colaborativo, que, segundo Healey (1997), buscava construir uma relação de confi ança nas decisões que envolvem o planejamento de políticas públicas. Para isso, essa corrente apregoa uma outra variável: a necessidade de o aprendizado perpassar todo o processo e alcançar indistintamente os atores nele envolvidos.

Oliveira (2006) resume bem o que se quer tratar: a idéia de aprendizado nas interações nos processos de decisão passou a ser cada vez mais relevante para pensar-se planejamento. Este autor ainda acrescenta: “o processo de planejamento é um processo de decisão política que depende de informações precisas, transparência, ética, temperança, aceitação de visões diferentes e vontade de negociar e buscar soluções conjuntamente, que sejam aceitáveis para toda a sociedade e principalmente para as partes envolvidas”.

Advocacy Planning: as primeiras práticas de urbanismo democrático aconteceram nos Estados

Unidos, nos anos de 1960, com o Advocacy Planning, que buscava defender as reivindicações

da classe mais desfavorecida. As experiências inspiradas nessa prática expandiram-se pela

Europa, chegando de forma mais destacada no Brasil, na década de 1980. Essas experiências

apontam para “a possibilidade de soluções dos problemas da cidade por meio da construção de

uma nova cultura política democrática e um novo desenho nas relações Estado-sociedade civil”

(BAVA, 2000).

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96 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Para concluirmos a abordagem sobre tipos de planejamento, falta apresentar sucintamente o denominado planejamento estratégico, em sua variante urbana, e, principalmen-te, a refl exão já acumulada decorrente da implantação desse método em cidades brasileiras.

Nos últimos anos, as concepções e representações da cidade, assim como conceitos, meto-dologias e práticas do planejamento urbano no Brasil, e de modo geral na América Latina, têm sido fortemente infl uenciadas pela difusão do chamado planejamento estratégico. Transposto inicialmente do pensamento militar para o empresarial nos anos 60 pela Harvard Business School, o planejamento estratégico instalou-se, desde fi nal dos anos 80, no setor público e, mais especifi camente, a partir dos anos 90, nas cidades.

Agências multilaterais (Banco Mundial, Pnud, BID, Agência Habitat, etc.) e consultores internacionais (notadamente catalães, no Brasil e na América Latina), propagam a boa nova: as cidades (vale também para as regiões) devem se comportar como empresas, adotando essa postura num mundo que é visto como um mercado em que cidades, regiões e territórios competem entre si. Grandes projetos urbanos, recuperação dos centros históricos, parcerias público-privadas, planejamento market

friendly fomentarão a produtividade e competitividade da cidade, e asse-gurarão, graças à atração de investimentos, turistas e grandes eventos, uma inserção de sucesso no inevitável processo de globalização.

Market friendly: a

idéia de que a in-

tervenção do Esta-

do é essencial para

o desenvolvimento

econômico desde

que complementar

e “amiga do mer-

cado”.Wikipédia.

Entretanto, muitos planejadores propõem uma refl exão crítica acerca do sentido e da efi cácia da difusão da nova modalidade de planejamento urbano, a que se tem chamado planejamento estratégico. Sublinham que a mera transposição desse modelo para instituições públicas que trabalham com políticas urbanas pode reduzir a cidade à condição de mercadoria a ser vendida num mercado extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda (Vainer, 2008). O plano estratégico de Barcelona, exportado para várias cidades da América Latina, é uma referência importante nesse debate.

Cabe destacar que a cronologia aqui apresentada se aplica à evolução das correntes teóricas sobre o planejamento.

No Brasil, nos anos de 1960 e 1970, a tônica do planejamento eram os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND I e II), que propunham novas ênfases ao processo de desenvolvi-mento da economia brasileira, através do ajuste da estrutura industrial do País, incluindo o fortalecimento da empresa privada nacional.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 97

O fi nal dos anos de 1980 e a década de 1990 foram marcados pelo processo de redemo-cratização do País, amplamente respaldados na Constituição Federal de 1988, que elevou o município à posição de ente autônomo e integrante do federalismo brasileiro. Nesses períodos, experiências locais de planejamento participativo foram ensaiadas em alguns municípios brasileiros, tendo como uma das principais infl uências o método de planejamento desenvolvido por Carlos Matus, no Chile de Salvador Allende.

Profi ssional, após visualizarmos a trajetória histórica do planejamento, seu surgimento e algumas vertentes utilizadas no mundo e no Brasil, vamos desenvolver a atividade seguinte, que visa à busca de soluções mais adequadas em um cenário que representa a realidade de vários municípios brasileiros. É importante lembrar que o planejamento deve considerar a interação “planejador e objeto a ser planejado”.

Atividade

Apresentamos uma situação-problema para que os grupos refl itam sobre a forma de buscar soluções para o quadro anunciado.

Estudo de caso

A Secretaria de Saúde do Município de Taruíra registrou, em 2007, um número de casos 60% acima do número médio de ocorrências de dengue notifi cadas nos três anos anteriores e, o mais grave, o número de casos com óbitos foi triplicado nesse mesmo ano. Na medida em que os jornais locais noticiavam a gravidade do fato e as associações de moradores dos bairros mais afetados organizavam manifestações diante do prédio da Prefeitura e da Câmara Municipal, a Prefeita convocou uma reunião com todo o seu secretariado para avaliar o quadro e decidir o que fazer.

Da rodada de análises feitas pelos secretários, diretores de programas e gerentes de projetos da Prefeitura surgiram as seguintes propostas de encaminhamento:

a) contratar, em caráter de emergência, um escritório de consul-

toria para elaborar um plano de intervenção;

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b) convocar uma outra reunião, em no máximo dois dias, em razão da ausência do Secretário de Obras do Município, que se encontrava em Brasília com o objetivo de captar recursos para investimentos em saneamento para a cidade;

c) fazer uma compra de emergência para aquisição de caixas

d’água para os domicílios dos bairros mais afetados onde moram pessoas de baixa renda que não têm acesso aos serviços prestados pela concessionária estadual de saneamento (CESB). Esses serviços são prestados precariamente pela Prefeitura, resultando em condições impróprias de armazenamento da água (em tambores, em caixas d’água sem tampa), além da falta de serviços e de infra-estrutura adequados de drenagem;

d) associar-se à mídia local para lançar uma campanha de cons-

cientização da população sobre como evitar os criadouros do mosquito;

e) tomar a iniciativa de realizar uma audiência pública, convocando empresários da região, associações de moradores, escolas, conse-lhos municipais, a mídia local e organizações sociais atuantes na cidade, com apoio do representante local do Ministério Público, para apresentar à população a situação-problema em que o município se encontra e as soluções surgidas da reunião de secretariado, formu-lando coletivamente uma proposta de equacionamento do quadro e contemplando medidas emergenciais e ações estratégicas.

Com base nessas alternativas, o grupo deve decidir que caminho tomar para resolver o problema do município.

Para subsidiar a decisão, primeiramente, o grupo deve fazer uma análise de cada solução surgida na reunião da Prefeita com o secreta-riado (itens “a” a “e”), identifi cando, entre as escolas de planejamento que estudamos nesta seção, com qual delas a ação proposta mais se aproxima. O quadro em seguida pode ajudar na sistematização do exercício e sugere que o grupo também apresente, pelo menos, um exemplo de experiência concreta para cada escola de planeja-mento citada.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 99

Características da solução Escola de Planejamento à qual se aproxima

Exemplo de experiência concreta (vivência do grupo)

Após essa rodada de problemas e respectivas soluções com que trabalhamos na atividade anterior, iremos, agora, continuar o entendimento do conceito-chave desta unidade. Para isso, realizaremos a atividade que tem como objetivo identifi car sua experiência sobre o tema.

Planejamento e método

Atividade

Antes de passarmos ao texto conceitual sobre o tema desta seção, os participantes desta ofi cina deverão organizar-se em grupos para uma troca de experiências. Cada grupo deve indicar uma pessoa para atuar como relator.

Cada participante relatará uma experiência vivenciada na prática, em que precisou conduzir um processo de elaboração de um plano para equacionar determinado problema.

Durante o relato das experiências, o grupo deve buscar enfatizar os aspectos metodológicos da experiência, ou seja, destacar menos a descrição do problema em si e reforçar o como se construiu um meio para solucionar o problema.

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Desenvolvida essa atividade, descreveremos alguns aspectos metodológicos sobre o plane-jamento estratégico situacional. Nosso intuito é elucidar melhor esse conceito, para que, ao fi nal do próximo texto, retomemos as experiências relatadas, agregando os novos conhe-cimentos adquiridos.

Planejamento Estratégico Situacional: aspectos metodológicos

Planejamento, seja qual for a vertente, requisita um método. Este pode ser visto como uma camisa de força, quando o praticamos como mero procedimento burocrático. Mas pode (e deve) ser visto como um trilho que nos leva com maior velocidade e segurança ao destino que almejamos.

Aqui, decidimos por eleger o planejamento estratégico situacional (PES) para percor-remos todas as etapas do método que o caracteriza, parando um pouco em cada estação, para observar, assimilar e só então retornar ao trem até o destino planejado.

Uma das grandes revelações da experiência chilena liderada por Carlos Matus diz que por mais competentes que sejam os planejadores, por mais bem intencionados e ainda que estejam em sintonia com os destinatários de determinado plano, este vai fi car no papel ou nas boas intenções, se não se garantir o princípio basilar: planeja quem executa, executa

quem planejou.

Pertencimento: (ou o sentimento de perten-

cimento) é a crença subjetiva numa origem

comum que une distintos indivíduos. A noção

de pertencimento pode ser temporária ou

permanente. Quando a característica de

determinado grupo social é sentida subjetiva-

mente como comum, indiferente das diferen-

ças, surge o sentimento de “pertinência”, de

pertencimento.

Para compor a equipe de planejamento, tanto para se planejar uma determinada organiza-ção como para planejar um plano ou projeto específi co, é preciso que o grupo compreenda que algumas características são importantes: a idéia de pertencimento e o conhecimento sobre o nível de governabilidade e de repre-sentatividade. Essas características, reunidas, atribuem autoridade ao grupo.

De onde parte o grupo?

Pode parecer inadequado, mas o planejamento neste método parte do problema, e certamente não será apenas um, ou pelo menos o mais importante deles não emergirá imediatamente. É preciso que o grupo refl ita sobre os vários problemas que afetam o objeto a ser planejado. Inicia-se aqui a primeira tarefa, que requer concentração e discernimento dos objetivos e metas a alcançar: a seleção dos principais problemas a serem atacados.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 101

Mas escolher alguns problemas signifi ca abandonar os demais? Não! O grupo, ao avaliar a árvore de problemas, verifi cará que praticamente todos os problemas se interligam e que, ao solucionar alguns deles, outros problemas terão grandes chances de equacionamento.

Como descrever o problema?

Se determinado problema foi eleito como prioridade a ser enfrentada, sua descrição não pode ser genérica. Uma descrição precisa e objetiva do problema é o que o associa à realidade, ou seja: é um problema real, que se manifesta de determinada maneira, com tal intensidade e freqüência.

A origem do PES já foi tratada na seção 1 desta unidade. Aqui, queremos aprofundar a compreensão do PES como método.

O PES é uma metodologia recente e exclusiva ao setor público, e não uma adaptação. Segundo Huertas (1996), “o PES, como método e teoria de planejamento estratégico público, foi concebido para servir aos dirigentes políticos, no governo ou na oposição. Seus temas são os problemas públicos e é também aplicável a qualquer órgão cujo centro do jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e social”.

Há, portanto, signifi cativas diferenças entre o PES e o planejamento estratégico tradicional, muito focado na lógica empresarial e orientado pelos pressupostos do mercado. No PES, o ambiente é outro, mais amplo, e admite a complexidade como variável do processo. Este pode ser visto como o divisor de água entre os dois métodos.

Como também vimos na seção 1, o processo de planejamento não é um ato isolado. Ele infl uencia o ambiente social e por este é infl uenciado, um ambiente em que a incerteza é uma constante e no qual a ação do governo, na condição de ator preponderante (porém, jamais único), não é tão livre e independente como se poderia pensar.

O PES considera o planejamento uma ferramenta de governo que opera em sistemas comple-xos e torna possível conhecer a realidade e escolher como intervir nessa realidade. Por isso, situa o sujeito que planeja dentro da realidade que vai receber os efeitos do planejamento, e não mais fora dela, como no caso do planejamento normativo.

O ator que planeja possui uma visão particular da realidade, mas não tem controle sobre ela porque outros atores também a vêem a seu modo e, uma vez inseridos no processo, planejam e, muitas vezes, competem entre si; em outras, cooperam uns com os outros. Dessa forma, a realidade que o planejamento pretende alcançar não possui comportamento previsível, não

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se submetendo a uma lei rígida. Também assim se comportam os diversos atores que podem mudar sua forma de intervir ou de interagir sem obedecer aos procedimentos imaginados pela racionalidade de um plano. É justamente este contexto que expressa a complexidade desse processo de planejamento.

Vamos, a partir de agora, compreender o PES como método de planejamento: conhecer suas etapas (aqui denominadas momentos), assimilar as estratégias, identifi cando, ao longo do percurso, seu potencial, mas também possíveis limitações.

Um conceito que permeia o PES em todos os seus momentos, fundamental para seu enten-dimento e efi cácia, é o chamado Triângulo do Governo. Este seria composto de três vértices, que se condicionam mutuamente para o equacionamento do problema em questão: o programa de governo, a capacidade do governo e a governabilidade do sistema.

O programa de governo pode ser entendido como a proposta formulada inicialmente pelo governo, ou seja, é o ponto de partida para se colocar em pauta o objeto a ser planejado. Contudo, é preciso registrar que qualquer ator que participa do processo de planejamento posiciona-se de acordo com os interesses que representa e segundo os recursos que pode mobilizar. Portanto, quando o governo apresenta uma proposta inicial, leva em consideração seus objetivos, capacidades e restrições em relação ao objeto planejado.

Governabilidade é um termo de uso recorrente nos

últimos tempos, mas pouco assimilado e, muitas

vezes, operacionalizado de forma inadequada. Para

se defi nir governabilidade em um processo de pla-

nejamento, primeiramente, é necessário que o grupo

identifi que o conjunto de variáveis que contornam o

objeto planejado. Feito isso, classifi car estas variáveis

em controladas (e por qual ator) e não controladas. O

balanço dessa análise defi ne o nível de governabilidade

do grupo em relação ao objeto planejado.

A capacidade de governo é sua competência na condução dos processos e “refere-se ao acervo de técnicas, métodos, destrezas, habilidades e experiências de um ator e sua equipe de governo, para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de governo” (Matus, 1993).

Portanto, na defi nição clássica do PES, a governabilidade do sistema compreende aquelas variáveis que farão parte do processo de planejamento e que, por sua vez, podem ser divi-didas em controladas e não-controladas. Ou seja, quanto mais variáveis decisivas um ator controla, maior sua liberdade de ação e, por conseguinte, a governabilidade do sistema. A efi cácia do planejamento estará diretamente ligada à compreensão desse ponto.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 103

Segundo Matus (1996), a efi cácia do PES como processo do planejamento estratégico está condicionada à capacidade de resposta a quatro questões, que constituem os quatro momentos do PES. Ao descrever cada um desses momentos, estaremos, simultaneamente, assimilando o percurso proposto pelo PES como método e as estratégias que esse método defi ne como processo.

a) Momento Explicativo

Aqui o pragmatismo do planejamento estratégico empresarial não nos serve. A maneira como o objeto planejado é lido, interpretado e explicado depende de como se situam os diversos atores que participam do processo de planejamento e o infl uenciam. O que não signifi ca falta de pragmatismo! No entanto, não podemos subjugar a complexidade do objeto planejado sob a orientação de um processo participativo em nome apenas do pragmatismo, do planejamento de resultados.

De acordo com Matus (1996), o planejador deve explicar a realidade a partir da compreensão da inter-relação entre os problemas, para se ter uma visão de síntese do sistema que os produz. O valor dos problemas para cada ator social que participa do processo será geral-mente diferenciado. Nesse momento, são realizados o diagnóstico e a análise situacional.

A realidade tem tantas explicações quanto o número de jogadores que participam do jogo social (Belchior, 1999). E cada ator compreende e explica a realidade de acordo com sua posição social no contexto em que se insere o objeto planejado. Portanto, toda explicação é situacional porque é feita a partir da visão particular de um determinado ator social, o que explica parte do nome do PES.

Como cada ator deve explicar, descrever como ele compreende o objeto-problema?

A descrição de um problema deve expressar os fatos que revelam sua existência e os sinto-mas que o manifestam, na percepção do ator que o declara. Esses sintomas são enumerados como um conjunto de descritores do problema, que passa a ser chamado de Vetor de

Descrição do Problema (VDP).

Posteriormente, serão defi nidos os chamados nós críticos do problema, etapa crucial para a efi cácia do processo. Um elemento é considerado nó crítico se atender a três requisitos: i) tem alto impacto sobre o VDP do problema; ii) é um centro prático de ação, ou seja, algum dos jogadores pode agir de modo prático, efetivo e direto sobre a causa; iii) é um centro oportuno de ação política durante o período do plano.

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104 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Ao conjunto dos nós críticos se dá o nome de Árvore do Problema. Ao conjunto forma-do pela Árvore do Problema mais os fatores descritores do problema que não são críticos, dá-se o nome de Fluxograma Situacional. Esse momento percorrido defi ne o contexto diagnosticado.

b) Momento Normativo

O Momento Normativo trata da formulação do plano propriamente dito, com o objetivo de se produzirem as respostas de ação para o contexto diagnosticado.

No entanto, não signifi ca isenção de incertezas e surpresas (Huertas, 1996). Esse caráter normativo, associado à idéia de plano, não pode engessar as características de processo. Não podemos perder de vista a idéia de que planejamos porque temos desejo de melhorar as coisas que importam para nós, porque temos um projeto de vida, um projeto de sociedade. Sem perder a referência do desejo de transformar algo, é que devemos avançar.

Este é o momento em que confrontamos analiticamente a situação inicial analisada e a situação à qual queremos chegar (situação-objetivo). O VDP se transforma em Vetor de

Resultados (VDR) e irá refl etir a proposta do direcionamento dada a cada problema. O desenho da situação-objetivo identifi cará os nós críticos da rede sobre os quais deverá atuar o grupo de planejadores e que se tornarão os pontos de ação futura.

Nesse momento, também se constroem os cenários, situações em que se imaginam dife-rentes possibilidades de ação, a partir de condições e premissas variadas. Em cada cenário devem ser identifi cadas e consideradas as contingências e surpresas que possam ocorrer durante o processo. Alguns especialistas as chamam de “ameaças” e “oportunidades” que caracterizam cada cenário a ser avaliado.

Para organizar os cenários trabalhados em um único painel, o método sugere construir a chamada Árvore de Apostas. Nessa árvore, deverão ser descritas as respectivas opera-ções, que nada mais são do que o conjunto de conhecimentos adquiridos e que servem de orientação para a ação em cada situação. Feita essa síntese, que dá uma visualização geral do problema, o grupo deve avaliar a viabilidade das situações propostas, baseada em dois aspectos: i) a efi cácia das operações para atingir a situação-objetivo; ii) o balanço entre os recursos requeridos para o seu desenvolvimento e os disponíveis.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 105

c) Momento Estratégico

Neste momento, o grupo se dedica a identifi car as diversas interações entre os atores e as potencialidades e restrições que reúne. Segundo Belchior (1999), essa análise deve consi-derar, pelo menos, os seguintes aspectos:

defi nição dos atores envolvidos e montagem da matriz de afi nidades e motivações;identifi cação dos recursos que são críticos para a viabilização do plano;construção da matriz de peso dos atores;realização da avaliação estratégica.

Essas ferramentas possibilitariam ao planejador “obter um plano direcional que não seja apenas efi caz para alcançar a situação-objetivo, mas também viável do ponto de vista polí-tico, econômico e institucional-organizativo” (Belchior, 1999:39).

Segundo Huertas (1996), este é o momento mais complexo do processo, porque “aponta para o problema político de analisar e construir a viabilidade do plano”. Se não houver uma interação entre os aspectos técnicos e a viabilidade política do plano, certamente todo o processo se tornará impraticável.

d) Momento Tático-Operacional

É o momento em que o plano se converte em ação. Já alertamos para o fato de que plane-jamento e implementação precisam caminhar juntos para a efi cácia do processo.

Do ponto de vista da administração estratégica, talvez seja este o momento mais complexo do processo (Belchior, 1999). Considerando essa difi culdade, Matus (1993) propõe a divisão do direcionamento estratégico em cinco mecanismos distintos:

Gerência por operações: implementação de uma administração por objetivos, descentralizando a execução do plano e transferindo-se as responsabilidades aos respectivos órgãos;Orçamento por programas: destinação dos recursos necessários previstos nos vários módulos do plano;Petição e prestação de contas: estabelecimento dos procedimentos e critérios de avaliação para os recursos e responsabilidades destinados a cada órgão;Planejamento de conjuntura: mediação entre o plano e as ações relativas às questões que possam surgir no dia-a-dia da implementação do plano;Sala de situações: monitoramento intenso dos problemas de maior relevância, para dar suporte às decisões dos dirigentes.

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106 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

É fundamental que o grupo assegure a compreensão sistêmica dos quatro momentos (expli-cativo, normativo, estratégico e tático-operacional) e sua relação direta com o resultado do processo de planejamento. A próxima atividade é para que você possa fi xar esse conteúdo, acrescentando-o à proposta da atividade anterior.

Atividade

A turma deve retomar os grupos de trabalho organizados na atividade inicial desta seção.

Lembrem-se de que os participantes do grupo trocaram experiências sobre como conduzir, na prática, um processo de elaboração de um plano para equacionar determinado problema. No relato das expe-riências foram destacados os aspectos metodológicos.

Agora, a atividade do grupo consiste em escolher, das experiências relatadas, a que mais se aproxima do método do Planejamento Estratégico Situacional (PES), estudado nesta seção.

Feita a escolha, o grupo identifi ca as ações tomadas pelo gestor (no caso, o profi ssional que relatou a experiência escolhida pelo grupo) que poderiam ser correlacionadas a cada um dos quatro momentos do PES (o explicativo, o normativo, o estratégico e o tático-operacional).

Em seguida, o grupo também escolhe, entre as experiências relata-das, aquela que mais se distancia do método do PES e justifi ca essa escolha. Ao fi nal, o coordenador de cada grupo, também defi nido previamente, apresenta em plenária as duas experiências analisadas.

Esperamos que a atividade tenha sido proveitosa e que tenha adicionado à sua experiência novas concepções que possam ser úteis à sua prática enquanto gestor. A próxima seção trata de uma ferramenta que viabiliza a aplicação do processo de planejamento: o plano municipal de saneamento básico.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 107

Planejamento em saneamento no Brasil:

a novidade dos planos municipais de saneamento básico

Para introduzir o assunto, podemos afi rmar que o Plano Municipal de Saneamento Básico é, no mínimo, um instrumento indispensável para:

identifi car a demanda por infra-estrutura e serviços;

decidir sobre os investimentos necessários, apoiados em metas e prioridades de atendimento diante dos indicadores epidemiológicos e ambientais;

analisar as alternativas viáveis, considerando estudo de cenários futuros baseados na dinâmica demográfi ca, na capacidade de suporte dos recursos ambientais, nas condições de remuneração dos serviços prestados, incluindo mecanismos de subsídios e subvenções, de acordo com a capacidade dife-renciada de pagamento da população benefi ciada;

mobilizar a participação da sociedade nos processos de formulação de polí-ticas públicas e de tomada de decisão sobre as questões relacionadas ao saneamento no município.

O Plano deve, portanto, estar referenciado na realidade territorial (urbana e rural), ambiental e social do município. Dessa forma, as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor Municipal devem constituir a principal referência do plano de saneamento. Vejamos alguns exemplos:

antes de estimular novas pressões em áreas ambientalmente vulneráveis, é necessário que o Poder público incentive e viabilize a ocupação das áreas que já possuem infra-estrutura de saneamento, ampliando os benefícios gerados com os recursos públicos investidos;

O Estatuto da Cidade prevê instrumentos que, se bem aplicados, podem aperfeiçoar a gestão urbana municipal. Um exemplo é o adensamento de áreas com adequada infra-estrutura já instalada e provida de serviços públicos, de forma a atribuir o uso dessas áreas para moradia. Uma outra estratégia nessa direção é a revitalização dos grandes centros urbanos.

a recuperação de fundos de vale, visando à renaturalização dos cursos d’água que cortam as cidades, tem-se mostrado uma estratégia sustentável de intervenção no território para a realidade atual das cidades brasileiras.

i)

ii)

iii)

iv)

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108 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Uma relação direta entre a forma de uso e de ocupação do solo com a infra-estrutura de saneamento remete diretamente ao que denominamos “manejo das águas pluviais urba-nas”. A impermeabilização do solo como resultante de empreendimentos imobiliários e viários, públicos e privados, associada à prática tão difundida de canalizar rios e córregos, é certamente um dos mais nefastos impactos da urbanização. As enchentes, as inundações ribeirinhas, inclusive com perdas humanas, têm-nos alertado insistentemente para o fato de que a canalização artifi cial de cursos d’água não assegura o controle sobre as cheias, nem mesmo sobre as condições sanitárias, como se apregoou por tanto tempo.

Ao contrário, esse tipo de intervenção física tem resultado em aumento da gravidade dos alagamentos e das inundações, intensifi cando ainda mais os processos erosivos do solo, com conseqüências desastrosas para as populações e para a salubridade ambiental e sanitária nas cidades.

Fica claro que as opções de desenvolvimento urbano e econômico de uma região, defi nidas no Plano Diretor, podem ter infl uência negativa sobre o padrão de urbanização, princi-palmente para os grupos sociais de baixa renda e, também, sobre o meio ambiente, mais incisivamente sobre os cursos d’água que interferem no espaço e na vida tanto da própria cidade quanto à jusante dela. Vimos, na Unidade II deste Guia, como os Planos de Saneamento são tratados na Lei 11.445/2007. Apesar de essa Lei permitir a elaboração de plano específi co para cada serviço (art.19), o titular fi cará responsável por compatibilizar e consolidar esses planos no Plano Municipal de Saneamento Básico. Além disso, nessa tarefa deverá ser observada a compati-bilidade do Plano de Saneamento com o plano de bacia hidrográfi ca (que pode ser mais de uma) em que o município estiver inserido (parágrafos 2º e 3º do art. 19).

Muitas vezes, os diagnósticos são produzidos para cada serviço específi co, pois dependem também dos dados e das informações fornecidas pelos respectivos prestadores, que, na maioria das vezes, são distintos. Aliás, como também já vimos na Unidade II, a Lei 11.445/07 estabelece que “os planos de saneamento básico serão editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço” (parágrafo 1º do art. 19).

Os diagnósticos setoriais incluem dados provenientes de monitoramento hidrológico, da qualidade dos meios receptores, em uma espécie de inventário da infra-estrutura existente referente ao sistema de abastecimento de água (mananciais, faixas de adutoras, reservatórios, redes de distribuição), ao sistema de esgotamento sanitário (redes de coleta, interceptores, estações elevatórias, estações de tratamento de esgotos – ETEs, pontos e condições de

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 109

lançamento dos efl uentes nos corpos receptores, lançamentos irregulares de esgotos no sistema de drenagem, etc.), e ao sistema de limpeza urbana (níveis de geração de resíduos, formas de acondicionamento, rotas de coleta, transporte e transbordo dos resíduos, alter-nativas de tratamento, incluindo a coleta seletiva feita pelos catadores e equipamentos de disposição fi nal).

Contudo, entendemos que o esforço do município deve ser no sentido de elaborar o Plano Municipal de Saneamento Básico que, à luz do Plano Diretor Municipal, estabelecerá as diretrizes para a organização e prestação dos serviços de abastecimento de água, de esgo-tamento sanitário, de manejo de resíduos sólidos e de manejo de águas pluviais urbanas, tendo na intersetorialidade o principal fi o condutor.

Sob essa perspectiva, outros dados importantes podem ser obtidos por meio de estudos de identifi cação das áreas ambientalmente sensíveis ou ainda de risco de inundação e de risco geotécnico e geológico. Outras áreas podem sofrer restrições relativas ao processo de ocupação e uso do solo no sentido de constituir reservas fundiárias para implantação de equipamentos e infra-estrutura para disposição fi nal adequada de resíduos sólidos, como os aterros sanitários, ou de amortecimento e armazenamento de cheias, a exemplo das bacias de detenção e trincheiras de infi ltração.

A gestão urbana sustentável sob a perspectiva ambiental e da inclusão social não depende apenas da implantação de infra-estrutura. Muitas vezes, os confl itos sócio-ambientais no espaço urbano são equacionados por meio de ações governamentais e de uma postura pró-ativa dos moradores.

Estão nesse campo as iniciativas voltadas para a redução de perdas no sistema de abas-tecimento de água, que, no caso brasileiro, situam-se em patamares bastante elevados. No manejo de resíduos sólidos, o incentivo à minimização da geração e à maximização da reutilização, da reciclagem e do reaproveitamento é capaz de aliviar a pressão por novas e maiores áreas de destinação fi nal e, na etapa do tratamento, cria oportunidades de inclusão social dos catadores.

No sistema de esgotamento sanitário, há ainda muito que se fazer, principalmente em termos de implantação de infra-estrutura de redes coletoras, interceptores e estações de tratamento. No entanto, em vários municípios, observa-se um baixo índice de ligação dos domicílios à rede existente. Nesses casos, a ação governamental deve privilegiar campanhas de informação voltadas para fomentar a adesão dos moradores aos sistemas, esclarecendo os benefícios de proteção à saúde pública e ao meio ambiente.

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110 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Além da leitura do tecido urbano, ambiental e social, a equipe responsável pela elaboração do plano deve buscar construir uma síntese dos demais planos e programas prioritários do Executivo Municipal, correlatos ao saneamento, possibilitando uma análise mais abrangente da realidade municipal.

Sendo assim, o Plano Municipal de Saneamento é muito mais do que uma lista de empreen-dimentos. A sua concepção, elaboração e as etapas de implementação, avaliação e de revisão devem estar ancoradas em uma metodologia capaz de promover ações interdisciplinares, que articulem os diversos órgãos públicos que tangenciam o saneamento e assegurem o direito da população à participação e ao efetivo exercício do controle social durante todo o processo.

Ao tratarmos do plano como um processo, estamos nos remetendo às formas de participação dos agentes públicos, privados e sociais, aos mecanismos de interação entre os processos específi cos do plano de saneamento e os demais planos que o tangenciam tematicamente (plano diretor, dos planos de bacia, de recursos hídricos, planos regionais, estaduais, etc.). Além do caráter participativo, a visão de plano como processo também requer a incorporação da perspectiva estratégica, que propicia transformar o plano em ação efetiva.

Sobre isso, vejam algumas recomendações importantes:

ao se defi nirem as formas de interação e de participação dos agentes locais, é indispensável o reconhecimento das instâncias colegiadas existentes e os mecanismos de articulação institucional já instituídos e que podem ser fortalecidos;

os processos de interlocução e de participação devem criar um ambiente que propicie um espaço de aproximação e complementaridade entre o “saber

técnico” e o “saber popular”;

nas diversas etapas do Plano, desde a formulação, aprovação, implementação, avaliação até a revisão, devem ser pactuadas as formas de participação dos diversos agentes sociais (locais e regionais) e os mecanismos para tomada de decisão;

estruturar um arranjo institucional para o desenvolvimento do Plano pode ser uma instância colegiada (tipo um fórum ou um conselho ou um grupo de trabalho) de uma dinâmica de trabalho que contemple o envolvimento de todos os agentes com atuação no saneamento, no nível local, regional e estadual, com repasse de atribuições de acordo com as competências e habilidades de cada agente;

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 111

trabalhar algum mecanismo que assegure a participação de representantes do legislativo municipal em todo o processo;

a tomada de decisão sobre quais investimentos priorizar deve estar referenciada a um conjunto de critérios que associem aspectos não apenas de presença (ou ausência) de infra-estrutura e serviços de saneamento, mas também o nível de adensamento populacional, o tipo de uso e ocupação do solo, as condições de integridade dos recursos ambientais, o quadro de saúde pública, segundo indicadores epidemiológicos, além do cenário institucional e social da comunidade a ser atendida e os benefícios gerados;

a sustentabilidade do Plano depende em larga medida da existência ou do fortalecimento de uma institucionalidade que o abrigue, ou seja, o Plano defi nido como um dos instrumentos da política de saneamento, que também deve contar com um conselho, um fundo e outros atributos que garantam perenidade e legitimidade ao processo de planejamento e aprimoramento da gestão;

prever mecanismos para avaliação, revisão e atualização do Plano

mediante geração de índices setoriais e de indicadores (produção e difusão de dados e informações), além da defi nição de uma instância de avaliação e tomada de decisão (que pode ser preferencialmente a mesma onde se deu o processo de formulação do Plano).

Não podemos perder de vista que todas essas recomendações que dizem respeito ao processo participativo levam a uma situação complexa de planejamento. Lembramos aqui que uma das principais referências do PES, estudado na seção anterior, é a sua característica situacional.

Signifi ca dizer que cada agente social (do governo ou da população) que participa do processo de formulação do Plano compreende e explica a realidade sobre a qual se quer intervir de acordo com sua posição social e, portanto, infl uenciado e orientado pelos interesses que representa. Contudo, o Plano, como processo, requer a construção de uma visão de síntese dessas várias leituras para se chegar a um diagnóstico e a uma análise situacional da reali-dade o mais representativa possível do conjunto dos participantes.

O diagnóstico situacional é um instrumento organizativo importante para o ato de planejar. Ajuda as pessoas a defi nirem os problemas dentro de um determinado contexto, investigar suas causas e conseqüências e a enxergar os recursos existentes e que podem ser poten-cializados na mobilização de soluções viáveis e adequadas à realidade local.

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Outra característica de referência do PES é sua dimensão estratégica. Nesta dimensão, o grupo de planejamento identifi ca os nós críticos da realidade diagnosticada que se tornarão pontos de partida da ação futura. Para esse exercício, o grupo constrói cenários futuros, que nada mais são que simulação de situações em que se combinam diferentes possibilidades de ação.

No entanto, não se trata de um exercício de futurologia. Os cenários devem considerar as condições reais para efetuar as mudanças, consideradas as contingências e surpresas que possam ocorrer durante o processo, bem como o conhecimento sobre os recursos disponí-veis ou potencialmente dados, em face do perfi l do grupo que participa do processo e das oportunidades que agentes externos podem criar.

A dimensão estratégica também diz respeito ao ato de fazer escolhas, de selecionar priori-dades. Não se trata de uma escolha aleatória, como se fosse uma roleta. Há de se considerar alguns critérios para se fazer a melhor escolha e, sobretudo, agir dentro da dinâmica parti-cipativa estabelecida desde a concepção do Plano (Redeh, 1999).

Como vimos no PES, critérios de natureza político-institucional, como a capacidade do governo e o nível de governabilidade que o grupo detém, são tão importantes quanto critérios de natureza técnica que sinalizam, por exemplo, para a melhoria dos indicadores epidemiológicos e a capa-cidade de remuneração dos serviços que serão oferecidos mediante implementação do Plano.

À dimensão estratégica soma-se a tático-operacional: é quando o plano se converte em ação. Na seção 1 desta unidade, alertamos para a importância de o planejamento e a imple-mentação caminharem juntos para a efi cácia do processo.

A essa altura, os objetivos foram priorizados e as alternativas para implementá-los também já foram defi nidas em função dos recursos disponíveis (recursos no sentido amplo). Agora é o momento de organizar a implementação do Plano.

Uma forma de organizar melhor as ações é agrupá-las por programas. O programa ajuda a ter uma visão sobre as relações entre os projetos, a dividir as responsabilidades entre os vários agentes envolvidos e os respectivos mecanismos de integração, a defi nir a destina-ção dos recursos necessários e os indicadores mais adequados para o monitoramento e a avaliação de cada etapa do Plano.

Quando tratamos a institucionalidade do Plano, caberia também adotar uma recomenda-ção peculiar do PES: a “sala de situação” como locus de mediação entre o plano e o que de imprevisto pode surgir no dia-a-dia de sua implementação e de monitoramento focalizado nos problemas de maior relevância, para dar suporte às decisões dos dirigentes.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 113

Sobre a territorialidade do Plano, fazemos três considerações:

pode ser municipal (quando não houver perspectiva de gestão associada), o que não inviabiliza que o plano municipal seja desenvolvido com o olhar supra-local, não só para melhor compreensão dos problemas diagnosticados como também para identifi car, mesmo que futuramente, oportunidades de atuação conjunta com outros municípios;

pode ser regional com derivação para os planos municipais, quando houver perspectiva concreta de gestão associada dos serviços, mediante formação de consórcios públicos;

a unidade territorial de análise pode coincidir com os contornos de uma sub-bacia, de uma área de planejamento ou de um distrito censitário ou outra confi guração espacial que melhor represente a realidade local estudada.

Devemos ser bastante criteriosos com o conceito de participação e como o operacionali-zamos no processo de gestão.

O quadro apresentado em seguida traz uma hierarquização dos níveis de participação que podem ser conferidos aos processos de formulação de políticas públicas e de planejamento setorial, nos quais o plano é o principal instrumento.

i)

ii)

iii)

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Breves notas sobre experiências de planos participativos e integrados de saneamento

Vamos nos apoiar em uma publicação da SNSA/MCidades, que relata algumas experiências de planos municipais de saneamento básico, para extrair desse acúmulo algumas reco-mendações sobre como conduzir o processo de forma participativa e elaborar o plano sob o princípio da integração e da universalidade.

Das experiências relatadas na publicação, todas ocorridas no estado da Bahia, surgem alguns pontos em comum, indiferentemente do porte dos municípios e da complexidade da realidade urbana, sanitária e ambiental de cada um. São eles:

a decisão política de realizar o Plano Municipal de Saneamento é um pressuposto; essa decisão pode decorrer de uma iniciativa do próprio Governo como de uma resposta deste à pressão da sociedade organizada;

Nível 0 (Nenhuma): a comunidade não participa na elaboração e no acompanha-mento do PMS;

Nivel 1 (A comunidade recebe informa-

ção): a comunidade é informada do PMS e espera-se a sua conformidade;

Nivel 2 (A comunidade é consultada): para promover o PMS, a administração busca apoios que facilitem sua aceitação e o cumprimento das formalidades que permitam sua aprovação;

Nivel 3 (A comunidade opina): a Admi-nistração apresenta o PMS à comunidade, já elaborado, e a convida a questioná-lo, esperando modifi cá-lo só no estritamente necessário;

Nivel 4 (Elaboração conjunta): a Administração apresenta à comunidade uma primeira versão do PMS aberta a ser modifi cada, esperando que o seja em certa medida;

Nivel 5 (A comunidade tem poder dele-

gado para elaborar): a Administração apresenta a informação à comunidade junto com um contexto de soluções possí-veis, convidando-a a tomar decisões que possam ser incorporadas ao PMS;

Nivel 6 (A comunidade controla o

processo): a Administração procura a comunidade para que esta diagnostique a situação e tome decisões sobre objetivos a alcançar no PMS.

Fonte: Bernardes, Scárdua e Campana (2006)

Níveis de participação na formulação do PMS

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 115

a formação de equipe da Prefeitura, de caráter multidisciplinar, envolvendo gestores e técnicos de todas as secretarias que têm interface com o saneamento, é um requisito fundamental para a boa condução de todo o processo;

a cooperação da academia, mediante convênios fi rmados com universidades, tem-se mostrado um elemento facilitador do processo participativo e, principalmente, uma referência de excelência do saber técnico sobre a leitura que se faz da cidade e dos cenários futuros, para a melhoria da gestão e da prestação dos serviços de saneamento;

a dinâmica de participação da sociedade e de integração dos diferentes níveis e setores de governo leva ao diálogo dos saberes (Borja e Moraes, 2005): o saber dos técnicos, dos dirigentes, o conhecimento da realidade local sob a ótica da comunidade, que observa, avalia e propõe a partir do seu contexto social, cultural, de suas vivências e anseios. Desse encontro surge um processo essencialmente educacional, de aprendizado recíproco e de conquista cidadã;

a atribuição de certo nível de institucionalidade ao processo de formulação do Plano pode se dar mediante a formação de instâncias de caráter executivo (composta por especialistas, técnicos e pesquisadores de universidades conveniadas) e de caráter consultivo (formada por conselheiros, representantes de outros órgãos públicos afetos ao saneamento em nível regional/estadual, entidades sindicais e profi ssionais, organizações não governamentais e movimentos populares);

a necessidade de envio do Plano ao Legislativo municipal para sua apreciação e aprovação, visando, dessa forma, assegurar com maior segurança sua implementação.

Quanto às especifi cidades de cada experiência, destacamos:

a conferência municipal como principal instrumento de participação e de controle social no processo de formulação da Política Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas, da qual deriva o plano, como parte integrante de um sistema municipal de saneamento ambiental, que também conta com um fundo, um conselho e um sistema de informações em saneamento para o município;

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a metodologia adotada no desenvolvimento do Plano Municipal de

Saneamento Ambiental de Vitória da Conquista abrange cinco etapas: i) o Comitê Executivo defi ne os fundamentos do Plano (diretrizes, conceitos, avaliação de planos correlatos, diagnóstico e prognóstico); ii) o Comitê Consultivo avalia as propostas formuladas na 1ª etapa e as encaminha ao Conselho Municipal de Saneamento e ao Poder Legislativo Municipal; iii) o Conselho Municipal e o Legislativo apreciam e tratam da aprovação do Plano; iv) a etapa de institucionalização consiste na elaboração de resoluções ou decretos regulamentadores e de previsões orçamentárias para a implementação do Plano; v) a última etapa corresponde à efetiva implementação das ações propostas no Plano;

os Planos Municipais de Saneamento Ambiental de Salvador (capital) e de Barra do Choça (município de cerca de 30 mil habitantes) oportunizaram a proposição e o desenvolvimento de termos de referência para elaboração

de projetos de saneamento, bem como minutas de projetos de lei sobre o regime de concessão, no caso da cidade de Salvador.

Somam-se às experiências baianas, a de Belo Horizonte – MG e a de Santo André – SP, como referência de experiências municipais que constituíram instâncias colegiadas para a gestão integrada dos serviços de saneamento básico. Leia atentamente os quadros a seguir e observe, nos exemplos dados, o nível de participação na formulação do PMS que pode ser atribuído a cada município. Em seguida, faremos uma atividade sobre essa correlação.

Algumas experiências municipais

SEMASA - Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André.

Saneamento ambiental integrado: abastecimento de água, coleta de esgoto, drenagem urbana, gestão dos resíduos sólidos, gestão ambiental e de riscos por meio da defesa civil.

COMUGESAN - Conselho Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de

Santo André.

Órgão deliberativo e consultivo, com atribuições de estudar, propor diretrizes, deliberar, fi scalizar e acompanhar a implementação da Política Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental no município.

Santo André - SP

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 117

COMUSA – Conselho Municipal de Saneamento. Atribuições:

regular, fi scalizar, controlar e avaliar a execução da Política Municipal de Saneamento;estabelecer diretrizes, fi scalizar e deliberar sobre a aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Saneamento (FMS);aprovar o Plano Municipal de Saneamento e fi scalizar sua implementação;apreciar e opinar sobre a composição de tarifas ou taxas incidentes sobre os serviços;aprovar e publicar o relatório “Situação de Salubridade Ambiental do Município de Belo Horizonte”.

Suporte técnico e administrativo: Grupo Gerencial de Saneamento - GGSAN.

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Belo Horizonte - MG

Atividade

Com base no quadro apresentado anteriormente sobre os níveis de participação para formulação do PMS, cada grupo avalia o nível de parti-cipação que poderia ser atribuído a cada experiência aqui relatada.

1. Belo Horizonte – MG:

2. Santo André – SP:

Onde mais os municípios podem buscar apoio para a elaboração dos planos municipais de saneamento básico?

Desde o processo de discussão que precedeu a edição da Lei do Saneamento Básico, foram desenvolvidas diversas iniciativas de produção de conhecimento especializado e de capaci-tação com o propósito de disponibilizar informação para o aperfeiçoamento e a qualifi cação do processo de planejamento e da formulação das políticas de saneamento nas cidades brasileiras. No período 2005-2007, a SNSA/MCidades, sempre em parceria com a Funasa, promoveu algumas ações de apoio à formulação de planos municipais de saneamento básico. Além da publicação anteriormente referida, outras fontes de consulta são:

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o “Guia para a Elaboração de Planos Municipais de Saneamento, resultado de um trabalho coordenado pelo Professor Ricardo Bernardes da UnB;

a realização de 18 Ofi cinas de Capacitação pelo País em 2006, numa atividade conjunta que envolveu o Programa Nacional de Capacitação das Cidades (PNCC), a Secretaria Nacional de Habitação, a Funasa e a Caixa;

a formalização de Convênios pela Funasa, com municípios dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rondônia, transferindo recursos para a constituição de consórcios e a formulação de planos.

Portanto, fazer um contato com a SNSA, do MCidades e com a Funasa para buscar essas referências pode ser uma medida efi caz.

Outra referência importante é o Conselho Nacional das Cidades. O pleno do ConCidades aprovou Resoluções de Recomendação orientadoras para: i) defi nição dos prazos para a formulação dos planos; ii) organização e realização de campanha nacional de mobiliza-ção e sensibilização sobre a importância dos Planos Municipais de Saneamento Básico; iii) defi nição da forma de apoio e de assistência técnica da União aos municípios; iv) cons-tituição de um Grupo de Trabalho para a defi nição dos conteúdos do Plano Nacional de Saneamento Básico.

Portanto, aqui vai mais uma dica: você, como gestor público que atua em seu município, procu-re se informar dessas medidas com os representantes do ConCidades em sua região.

Várias entidades possuem representantes no Conselho, a exemplo das associações de muni-cípios, da Assemae, da Aesbe, da Abes, dos fóruns de secretários estaduais, dos movimentos sociais, entre outras.

Outras possibilidades de intercâmbio podem se dar com as diversas iniciativas sob a lide-rança de entidades especializadas e comprometidas com o aperfeiçoamento dos processos de planejamento da política de saneamento. Citamos aqui algumas delas:

a Carta do Seminário O Município Frente ao Novo Marco Regulatório do Saneamento, evento organizado pela Fecam – Federação Catarinense de Municípios, em parceria com a Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Alesc. Fruto desse encontro, a Fecam apresentou à SNSA pedidos de orientação metodológica e de apoio fi nanceiro para capacitação;

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 119

a ação do Consórcio de Saneamento dos Municípios Bacia do Vale dos Sinos (RS), que desenvolve os planos municipais de saneamento dos 33 municípios da região;

o esforço de capacitação da Federação dos Municípios do Vale do Itajaí (SC), em articulação com diversas entidades, como o Ministério Público Estadual;

a criação, pela Assemae, de um grupo de trabalho com técnicos das cidades de Penápolis, Sarandi e Alagoinhas e elaboração de um documento sobre planos com diretrizes e elementos mínimos.

O Plano é importante para todos os municípios brasileiros, mas se impõe como um requisito mais urgente em quais situações?

Além dos prazos previstos na Lei, na Resolução do ConCidades, a serem regulamentados via decreto, alcançando todos os municípios brasileiros, diferentes grupos de cidades têm interesse imediato na formulação dos seus planos de saneamento.

Geralmente, são municípios que estão em situação de término dos contratos de concessão ou que necessitam atender requerimentos para programas de investimento do Governo Federal. São eles:

os 1033 municípios cujos contratos de concessão estão vencidos ou a vencer (até o ano de 2010. Dados do SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento);

os municípios (de até 50 mil habitantes) apoiados pela Funasa nos convênios do Programa de Cooperação Técnica;

os municípios da Bacia do Rio São Francisco, devido ao forte investimento nos projetos de revitalização desta bacia e de integração com as bacias do Nordeste setentrional;

um número signifi cativo de municípios com termos de compromisso assinados no Programa Saneamento Para Todos, visando à elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico no prazo máximo de dois anos, a contar da data de assinatura do contrato (até 2008);

Os municípios integrantes do Consórcio Regional de Saneamento do Sul

do Piauí – CORESA-PI;

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120 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

os 33 municípios do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul;

áreas de investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), notoriamente nos pólos petroquímicos de Suape e de Itaboraí, que se localizam praticamente dentro das regiões metropolitanas de Recife e do Rio de Janeiro, haja vista que os investimentos acarretarão grande pressão demográfi ca com aumento notório de demanda pelos serviços públicos, que, se não forem devidamente planejados, acarretarão sérios problemas ambientais e sociais;

Portanto, enquanto gestor de referência em seu município, certifi que-se da situação da sua cidade em relação aos grupos aqui descritos. Para esses municípios, o prazo é ainda uma variável mais determinante!!!

Considerando esse contexto de amplos desafi os para efetivação da lógica do planejamento com controle social e pautada na integração setorial, cabe ressaltar a importância e neces-sidade da atuação articulada e cooperativa, envolvendo os diversos órgãos do Governo Federal e entidades representativas do setor de saneamento, para a promoção de ações de fomento à elaboração e implementação de Planos de Saneamento.

Nesse sentido, a Rede Nacional de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – ReCESA deve ser vista como uma importante referência para coordenar um trabalho de apoio, assistência técnica e capacitação e defi nição de diretrizes para a formu-lação dos Planos Municipais de Saneamento Básico.

Como encerramento desta unidade, propomos uma atividade que pretende consolidar os conceitos explorados, aplicando-os a uma situação prática.

Atividade

A turma deve se organizar em grupos. Aqui, diferentemente da ativi-dade realizada na Unidade II sobre a legislação, os grupos devem ser formados com base no porte do município.

Vamos, então, considerar a formação de pelo menos três grupos: o primeiro, para municípios pequenos, com população de até 50 mil habitantes; o segundo, para municípios com população entre 50 mil e 500 mil habitantes;

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 121

o terceiro, para municípios grandes, com população superior a 500 mil habitantes e que integram alguma região metropolitana.

Organizados os grupos, a atividade consiste em:

1. construir um quadro sucinto com a descrição do conhecimento

do problema daquele município no campo do saneamento básico, identifi cando minimamente os seguintes aspectos:

níveis de cobertura para cada serviço; composição social da população por níveis de renda; características dos sistemas de saneamento existentes (os quatro) e a relação desses sistemas com municípios vizinhos (a montante e a jusante); principais problemas ambientais verifi cados na região; as reclamações mais recorrentes apresentadas pelos moradores sobre os serviços de saneamento; as maiores difi culdades enfrentadas pela Prefeitura para prestar bons serviços à população.

2. defi nir as principais etapas da metodologia a ser adotada para buscar a participação da população na elaboração do Plano; contem-plando pelo menos os seguintes pontos:

da população: identifi cação dos órgãos colegiados e das organizações sociais existentes no município que têm interface com o saneamento; defi nição sobre a instância colegiada que será adotada como o lugar para discussão do Plano; decisão sobre o nível de participação que o gestor público quer alcançar nesse processo; os mecanismos de participação e de controle social que serão adotados, incluindo os de tomada de decisão.

da Prefeitura: composição do grupo da Prefeitura responsável pela condução do processo de formulação do Plano; indicação de outros órgãos públicos (de municípios vizi-nhos ou do Governo Estadual) que devem participar desse processo.

a)b)c)

d)e)

f)

∙a)

b)

c)

d)

∙e)

f)

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122 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

3. elaborar uma proposta preliminar da estrutura geral do

Plano, que será o ponto de partida para a discussão com a popula-ção, contendo indicações gerais sobre:

territorialidade do Plano; abrangência temática; defi nição da unidade de planejamento; indicação das principais fontes de dados e informações a serem consultadas ou geradas (inclui outras leis, outros programas municipais, etc.); identifi cação das principais metas; estratégias de implementação do Plano (avaliar governabilidade, necessidade de parcerias, formas de descentralização, etc.) e respectivas fontes de fi nanciamento; defi nição dos indicadores de monitoramento e avalia-ção do Plano.

Observação: nesta atividade, o importante é que o grupo fi que mais atento aos aspectos de forma que aos de conteúdo. Interessa mais explorar como a situação-problema caracterizada no item 1 mobiliza os agentes para participarem da busca de uma solução (item 2) e como se concebe a estrutura desta solução (item 3).

a)b)c)d)

e)

f)

Foi abordado, neste capítulo, um tema estruturante para a promoção de uma gestão que visa à

efi ciência para o saneamento, o planejamento. Esse processo, quando dinâmico e participativo,

permite formulação de políticas públicas, desenvolvimento de programas e projetos sustentáveis. Foi

apresentado um panorama histórico-conceitual do planejamento que possibilitou conhecer a evolução

das principais correntes teóricas desse processo. Vimos, mais detalhadamente, o “planejamento

estratégico situacional” e os diversos momentos a serem percorridos para a elaboração de um plano:

momento explicativo; momento normativo; momento estratégico e momento tático-operacional. Na

seqüência, foi mostrado um instrumento que norteia a implementação das ações planejadas, os Planos

Municipais de Saneamento Básico. Esses planos visam estabelecer diretrizes para a organização e

prestação dos serviços de saneamento básico, assunto do nosso próximo conceito-chave.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 123

No capítulo anterior, vimos que o Plano Municipal é um instrumento que fundamenta e direciona a execução dos serviços de sanea-mento básico. Neste conceito-chave, mostraremos peculiaridades e limitações advindas da organização e prestação desses serviços no Brasil. Para consolidar seus conhecimentos sobre a nova estrutura legal que determina as condições de organização e prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil, retomaremos os principais pontos apresentados no capítulo sobre o arcabouço legal existente. Ao longo deste capítulo, realizaremos troca de experiências com o intuito de identifi car soluções efi cientes e efi cazes, sempre emba-sadas teoricamente.

Organização e prestação dos serviços de

saneamento no Brasil: quadro em 2008

Esta seção apresentará, por meio de dados e gráfi cos, o panorama de como os serviços de saneamento estão organizados e são prestados no Brasil, a partir de pesquisas realizadas desde o ano 2000.

A prestação dos serviços de saneamento no Brasil é executada majoritariamente por agentes públicos que prestam serviços de abastecimento de água a, aproximadamente, 95% da população brasileira.

Na prestação dos serviços de água e esgoto, predominam as compa-nhias estaduais de saneamento básico (CESBs), que respondem por cerca de 70% dos municípios brasileiros atendidos. Desse contin-gente, as CESBs prestam serviços para:

78% da população que é atendida por serviços de abastecimento de água;

Organização e prestação dos

serviços de saneamento Básico - Perceber como

os serviços de

saneamento básico

estão organizados e

prestados no Brasil,

reconhecendo as

especifi cidades

de cada serviço,

sobretudo as

institucionais.

- Analisar os princi-

pais gargalos que

obstaculizam uma

gestão técnica e

política qualifi cada e

trocar informações

sobre experiências

que fazem o setor

avançar em metas

de qualidade e

efi ciência.

- Reforçar o conhe-

cimento sobre as

novas regras legais

que determinam

as condições

de organização

e de prestação

dos serviços de

saneamento básico

no Brasil.

OBJETIVOS:

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124 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

55% da população que é atendida com serviços de coleta de esgotos por rede pública, em apenas 17% dos municípios brasileiros.

Nos demais municípios brasileiros, predomina a prestação por autarquias ou departamentos municipais, sendo poucos os municípios em que os serviços são prestados por empre-sas públicas ou sociedades de economia mista locais, assim como por concessionários privados.

Os quadros e gráfi cos apresentados em seguida demonstram números mais exatos sobre o quadro institucional dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no País.

Quadro institucional abastecimento de água

Municípios abastecidos e entidades prestadoras de serviço de abastecimento de água, por esfera administrativa, segundo as Grandes Regiões – 2000

Brasil/Grande Região

Municípios abastecidos

Entidades prestadoras de serviço de abastecimento de água, por esfera administrativa (%)

Municipal Estadual Federal Particular

Brasil 5.391 45,5 68,8 0,5 8,4

Norte 422 42,2 42,7 0,2 30,3Nordeste 1.722 43,3 78,3 0,4 4,9Sudeste 1.666 54,8 58,8 0,0 4,1Sul 1.142 40,6 75,0 0,1 13,6Centro-Oeste 439 34,6 78,8 4,1 3,4

Fonte: IBGE, 2000.

Fonte: SNIS, 2000

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 125

Quadro institucional esgotamento sanitário

Proporção de municípios com serviço de esgotamento sanitário, por esfera administrativa das entidades, segundo as Grandes Regiões – 2000 (%)

Veja, nos gráfi cos seguintes, o rebatimento dessas formas de organização dos serviços na evolução dos indicadores de cobertura para abastecimento de água e esgotamento sanitário no período entre 1991-2003.

Cobertura por rede de abastecimento de água

Brasil/Grande Região

TotalEsfera administrativa

Municipal Estadual Federal Particular

1989 2000 1989 2000 1989 2000 1989 2000 1989 2000

Brasil 47,3 52,2 35,2 38,4 11,9 14,1 0,7 0,1 0,2 1,0

Norte 8,4 7,1 3,4 3,3 4,0 2,2 0,3 0,0 1,7 1,8Nordeste 26,1 42,9 22,3 37,9 3,9 5,6 0,6 0,2 0,0 0,6Sudeste 91,0 92,9 67,6 66,3 22,7 26,8 1,5 0,0 0,2 1,9Sul 39,1 38,9 28,2 24,5 11,2 15,0 0,1 0,0 0,0 0,1Centro-Oeste 12,9 17,9 3,7 7,4 9,2 10,1 0,3 0,0 0,0 0,4

Fonte: IBGE, 2000.

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD (1992-1993, 1995-1999, 2001-2003), IBGE/Censo Demográfi co 2000.

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126 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Cobertura por rede de esgotamento sanitário

Ao contrário do segmento de água e esgoto em que predomina a participação de pres-tadores regionais, os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos são prestados majoritariamente pelos municípios, seja diretamente por órgãos da sua adminis-tração centralizada (secretarias, departamentos da Prefeitura), seja por meio de contratos de terceirização de serviços.

São pouquíssimas as autarquias ou empresas públicas municipais organizadas para a prestação dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Alguns consór-cios, organizados anteriormente à Lei 11.107/2005, foram concebidos principalmente para propiciar a utilização conjunta de aterro sanitário. Nos últimos anos, vem-se ampliando a concessão desses serviços a empresas privadas, que se encarregam da limpeza pública e da operação de aterros sanitários.

No campo do manejo dos resíduos sólidos, um dos principais problemas é a persistência da disposição fi nal em lixões, onde milhares de catadores trabalham em condições desumanas, insalubres e absolutamente inaceitáveis na recuperação de materiais recicláveis.

A baixa capacidade institucional dos gestores, associada à falta de efi ciência dos prestadores de serviços, criam vários outros problemas. Na grande maioria dos municípios brasileiros, é recorrente a insustentabilidade dos investimentos realizados para tratamento e disposição fi nal dos resíduos, sendo muito freqüente a perda dos recursos alocados por falta de gestão técnica e política adequada. A realidade em que vivemos nos revela um quadro sistemático

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD (1992-1993, 1995-1999, 2001-2003), IBGE/Censo Demográfi co 2000.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 127

de aterros sanitários ou controlados que, em pouco tempo, são transformados em lixões por problemas operacionais, falta de equipamentos, falta de recursos de toda natureza, inclusive de pessoal treinado e qualifi cado, e, sobretudo, por falta de prioridade política por parte da administração pública.

Não é muito diferente a situação das instalações e dos equipamentos que constituem a infra-estrutura física dos programas de reciclagem e de coleta seletiva. Contudo, nestes podemos ousar dizer que o quadro só é menos precário porque envolve a participação direta de associações/cooperativas de catadores ou, no mínimo, de cidadãos responsáveis e vigilantes com a reciclagem. Merece destaque também a freqüência com que unidades de compostagem e reciclagem são sucateadas após interrupção da operação, com equipamentos desviados de suas funções originais.

Há várias causas apontadas pelos especialistas para explicar esses fenômenos: inexistên-cia de um órgão adequadamente estruturado para a prestação de serviços de manejo de resíduos sólidos nos municípios, projetos inadequados, falta de recursos para a operação decorrente da inexistência de cobrança explícita pela prestação dos serviços e das difi cul-dades orçamentárias dos municípios, falta de capacitação de profi ssionais, descontinuidade administrativa com a troca dos dirigentes, legislação insufi ciente, falta de planejamento, falta de escala na prestação dos serviços, contratos mal gerenciados.

No campo do manejo de águas pluviais urbanas e da drenagem, o problema é mais grave e complexo, pois ainda requer uma mudança nos paradigmas de planejamento e de intervenção. O processo de urbanização brasileiro subordinou o sistema de drenagem aos projetos de parcelamento do solo urbano e à implantação dos sistemas viários. O resultado desse desenvolvimento urbano desordenado, sem a devida sustentação técnica, baseado apenas em princípios higienistas de afastamento rápido das águas, que não observa os condicionantes geográfi cos, geológicos e hidrológicos, são as recorrentes inundações urbanas que afetam a população e o meio ambiente de diversas cidades brasileiras.

Conforme trabalho elaborado para a SNSA/MCidades, como subsídio à formulação de um progra-ma nacional de manejo integrado das águas pluviais urbanas, as defi ciências não estão apenas relacionadas à cobertura dos sistemas, mas, sobretudo, à concepção da intervenção e à inexis-tência de mecanismos tributários próprios para garantia de recursos para investimentos.

Os prejuízos relacionados com inundações urbanas, em todo o território nacional, são, em média, superiores a U$ 1 bilhão por ano. No País, 78,6% dos municípios que dispõem de algum sistema de drenagem urbana possuem população superior a 300.000 habitantes e estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Nos municípios com até 20 mil habitantes, o índice

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128 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

está abaixo da média nacional. Se for considerada a totalidade dos municípios brasileiros, apenas 26,3% dispõem de alguma infra-estrutura de drenagem (PNSB 2000). Cabe destacar que esses números nada dizem sobre a cobertura e a efi ciência dos sistemas implantados. A disposição das águas pluviais nas cidades brasileiras é quase sempre tratada de forma setorial, dissociada das outras questões urbanas.

Algumas experiências bem-sucedidas com soluções técnicas que consideram uma intervenção integrada no espaço urbano e que contam com mecanismos próprios de cobrança são conhe-cidas (a exemplo de Santo André – SP), porém a difusão dessas soluções é bastante limitada. Existe uma signifi cativa lacuna de capacitação técnica. É preciso incentivar o recurso a experi-mentos piloto, com efeito demonstrativo, que alcancem, inclusive, os pequenos municípios.

Persiste, no País, uma grande demanda por saneamento básico a atender, não somente em relação à ampliação da oferta dos serviços, mas também da qualidade dos serviços que são prestados à população.

A população atendida convive com problemas de falta de regularidade no abastecimento, de potabilidade da água fornecida para consumo humano, do baixo nível de resposta às recla-mações dos moradores com relação a reparos e consertos nos sistemas de saneamento (redes entupidas, estouradas com esgoto vazando a céu aberto, redes de água com vazamentos, etc.), canais assoreados, lixões clandestinos, bota-foras irregulares, entre tantos outros problemas.

O problema do défi cit também está diretamente relacionado ao problema da falta de quali-dade na prestação dos serviços. Vários prestadores públicos dos serviços não possuem capacidade para alavancar investimentos, muitas vezes, devido à sua inefi ciência gerencial e operacional, refl etida nos elevados custos, na baixa produtividade e nos insustentáveis índices de perdas nos sistemas que opera.

Por um lado, é necessário que a União implemente uma política regular de investimentos e de fi nanciamento para o setor. Nesse campo, algumas medidas tomadas desde 2003 possi-bilitaram destravar, de certa forma, a restrição ao crédito público mediante ações voltadas para o descontigenciamento dos recursos. Isso permitiu a alguns prestadores públicos a contratação de novos fi nanciamentos para investimentos. Mas, por outro lado, o setor também demanda investimento em melhoria da gestão.

O quadro atual da organização dos prestadores de serviços de saneamento no Brasil compreende as seguintes modalidades: serviço municipal vinculado à administração direta; administração autárquica; empresa pública; empresa de economia mista; empresa privada; modelos alternativos (cooperativas, consórcios, etc.).

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 129

Vamos identifi car as principais características de cada uma dessas formas de organização do prestador.

Serviço municipal vinculado à administração direta: participa do caixa único da Prefeitura; alto grau de limitação atribuído à gestão orçamentária e fi nanceira, o que impede que seus orçamentos vinculem a receita tarifária aos serviços (há apenas a vinculação por funções programáticas apenas para aplicação dos recursos); ausência de transparência nas contas (não se conhece, por exemplo, as fontes e formas de subsídios aplicados e em que nível se consegue recuperar os custos dos serviços); não existe, até então, obrigação legal para submeter os serviços a controle interno; limitação também no campo funcional, estando os servidores do órgão subordinados ao regime jurídico único adotado pela administração direta, o que impõe difi culdades ao prestador para atuar com a agilidade administrativa que o serviço de saneamento requer.

Administração autárquica: modelo mais freqüente de serviço municipal, anterior ao Planasa; melhor controle e desempenho operacional por possuir autonomia administrativa e fi nanceira; por outro lado, seus custos são onerados por uma estrutura organizacional mais complexa, sujeita a mudanças no regime jurídico único dos servidores públicos e à burocracia processual decorrente do modelo administrativo; adota o mesmo sistema orçamentário e contábil da administração direta; não há obrigatoriedade imposta para o controle econômico e fi scal, o que difi culta a avaliação sobre os serviços prestados.

Empresa pública: este modelo avançou a partir da década de 1960, nas áreas de telecomunicações e energia; permite captar recursos no mercado de capitais e o acesso a recursos internacionais é facilitado; apresenta desvantagens econômicas devido à incidência de encargos e tributos; possui maior autonomia de gestão de recursos humanos contratados sob a égide da CLT; sua administração fi nanceira, contábil e fi scal é feita com base na legislação comercial; há probabilidade de melhor base técnica para apropriação de custos e investimentos e adequação da estrutura tarifária.

Empresa de economia mista: pessoa jurídica de direito privado; no caso do saneamento, pode ter capital aberto, porém é predominante a participação majoritária do Estado – necessariamente, mais da metade das ações com direito a voto pertencem ao Estado –; difere-se da empresa pública cujo capital é 100% público; não se benefi cia de isenções fi scais ou de foro privilegiado; é uma sociedade anônima e seus funcionários são regidos pela CLT; freqüentemente, têm suas ações negociadas em bolsa de valores.

Formas organizacionais do prestador

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130 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

As CESBs são empresas públicas ou empresas de economia mista. Como vimos na Unidade I deste Guia, a maioria dos municípios brasileiros concedeu os serviços às CESBs, à época do Planasa, no início da década de 1970. Vários contratos estão em fase de encerramento desde o início dos anos 2000. Muitos se encontram em estado de renovação da concessão, processos iniciados antes da promulgação da Lei 11.445/2007.

A relação historicamente estabelecida entre a CESB e o município titular dos serviços sempre foi bastante assimétrica em termos de poder decisório sobre investimentos, política tarifária e acesso à informação, remetendo municípios e usuários a um plano muito secundário. O arcabouço legal e jurídico que atualmente referencia o setor saneamento no Brasil reposi-ciona essa relação em outro patamar, oferecendo condições bastante satisfatórias para a sua qualifi cação política e técnica.

Veremos, a seguir, dois exemplos de formas organizacionais que interagem com o setor público, explicitando alguns casos.

Até aqui vimos o quadro brasileiro dos serviços de saneamento segundo a organização e prestação dos serviços. Na seqüência, faremos uma atividade cujo objetivo é fazê-lo avaliar a forma organizacional mais adequada, partindo da sua experiência e confrontando-a com as informações apresentadas.

Modelos alternativos: englobam coope-

rativas de saneamento rural, como as im-

plantadas na década de 1990. Um exemplo

é o Sistema Integrado de Saneamento Rural

do Ceará (Sisar), inspirado na experiência

da Central de Associações Comunitárias da

Bahia (Central Bahia), criada em 1995, com

mais de 40 pequenas localidades reunidas

para prestar os serviços de abastecimento

de água. Há, ainda, os recentes consórcios

públicos, a exemplo do Coresa-PI, que

reúne 36 municípios, incluindo a capital, em

gestão associada dos serviços de água e

esgoto como alternativa à atuação na Ages-

pisa (a CESB do PI), nessa região.

Empresa privada: a participação de em-

presas privadas na prestação dos serviços

de saneamento no Brasil foi incentivada

pelo Governo federal durante a gestão

do então Presidente Fernando Henrique

Cardoso, na década de 1990. O resultado

do envolvimento do setor privado foi rela-

tivamente baixo, se comparado a outros

países da América Latina submetidos à

mesma condução neoliberal; o quadro atu-

al indica a participação privada em cerca

de 60 municipalidades (pouco mais de 1%

do total dos municípios brasileiros), o que

corresponde a menos de 5% da população

atendida.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 131

Atividade

Lembre-se de que, na Unidade II deste Guia, foram formados grupos de trabalho de acordo com algumas características em relação ao tipo do prestador e ao serviço prestado:

1ºgrupo: prestador público tipo CESB, para serviços de abas-tecimento de água e esgotamento sanitário;

2º grupo: prestador público municipal tipo Empresa Pública, responsável pelos quatro serviços de saneamento básico (ou, pelo menos, os serviços de abastecimento de água e esgo-tamento sanitário, incluindo os de manejo de águas pluviais urbanas);

3º grupo: prestador tipo Autarquia (SAAE), para serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário;

4º grupo: prestador municipal tipo administração direta (Prefeitura), para os serviços de resíduos sólidos e limpeza urbana, com participação de empresa privada na coleta e na destinação fi nal.

Naquela unidade, o objetivo foi o de avaliar o atual quadro da prestação dos serviços de saneamento, sob a perspectiva do novo arcabouço legal (Leis 11.445/2007 e 11.107/2005).

Aqui, o grupo deve avaliar qual a forma de organização do pres-

tador dos serviços é a mais adequada, entre as modalidades estudadas nesta seção, considerando, nessa análise, as adaptações e os ajustes que devem ser empreendidos para se obter melhoria do desempenho do prestador, visando à gestão e à operação tecni-camente qualifi cadas em relação a:

análise e avaliação geral das perdas e de suas causas técnicas, operacionais e comerciais, bem como as medidas de controle a serem tomadas pelo prestador;

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132 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

aperfeiçoamento da gestão comercial no que se refere à situação dos cadastros técnicos e comerciais e da micromedição, tomados como principais pontos de defi ciência do desempenho na área comercial;

investimento em gestão de pessoas, a partir da análise e avaliação dos seguintes pontos:

quadro de pessoal (O número de trabalhadores é adequa-do? Qual a relação entre pessoal próprio e terceirizado?) quais as necessidades de qualifi cação? (A instituição possui programa de capacitação continuada? Com que outros agentes se articula para atender às demandas por qualifi cação?)

-

-

Esperamos que, através da detecção dos pontos a serem ajustados, você tenha encontrado boas opções, nessa análise crítica, para a melhoria na execução dos serviços de saneamento. O objetivo é que você utilize elementos dessa análise na prestação e organização dos serviços em seu município. No próximo texto, veremos alguns exemplos de avanço na capacidade de gestão do prestador, assim como os pontos que ainda são obstáculos para uma gestão efi ciente.

Capacidade de gestão do prestador: alguns avanços

e muitos gargalos

A necessidade de apoio à estruturação da gestão dos serviços de saneamento vem-se acentu-ando em razão das difi culdades enfrentadas pelo setor, particularmente a limitada capacidade de investimento diante do desafi o da universalização, bem como os baixos níveis de efi ciência na prestação dos serviços e a inadequação dos instrumentos de gestão da política pública, sobretudo em face das inovações no ordenamento legal do saneamento brasileiro.

É consenso, no setor, a necessidade do estabelecimento de um processo de revitalização dos prestadores dos serviços de saneamento, que contemple, simultaneamente, a preservação dos aspectos positivos existentes na atual organização do setor e a superação das inefi ci-ências e inadequações de diversas ordens.

Relacionamos aqui algumas medidas relevantes para o aprimoramento da capacidade de gestão do prestador, que dizem respeito a aspectos de sua organização técnica, fi nan-

ceira e administrativa:

Page 133: Qualificação de gestores públicos em saneamento_nível 3

Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 133

desenvolvimento e implantação de tecnologia da informação para integração

dos sistemas de gestão das diversas áreas do prestador (serviços e obras, pessoal, atendimento ao público, controle contábil e fi nanceiro, área comercial e operacional, almoxarifado, sistema de informações e indicadores, etc.);

melhoria ou revisão de organograma e de processos, com adequação ao modelo de organização do prestador e desenvolvimento de ações para a gestão de pessoas, incluindo programa continuado de capacitação, plano de cargos, salários e carreira.

O desenvolvimento dos recursos humanos, principalmente aqueles voltados ao contato com o público externo, e o estabelecimento de rotinas ágeis e fl uxogramas enxutos de tramitação de documentos com a participação dos servidores tem sido um aspecto motivacional de grande importância para a qualifi cação dos servidores públicos (Costa, 2004).

Modifi cações nos sistemas de gestão devem ser acompanhadas de ações indutoras de mudança comportamental de todas as pessoas que trabalham na instituição. Essas ações, implementadas sob a orientação de profi ssionais especializados em sensibilização e moti-vação, podem elevar o nível de compromisso e de cooperação com o processo mais amplo de desenvolvimento institucional da organização.

fortalecimento dos mecanismos de comunicação e de mobilização social e da relação com os usuários;

Além das medidas tomadas pelo prestador, visando a tornar a instituição mais permeável ao controle social, o redesenho dos processos administrativos e a utilização de ferramentas informatizadas ajudam na desburocratização dos serviços. Por exemplo, o atendimento aos cidadãos através da Internet aumenta a satisfação do usuário e favorece a transparência das ações governamentais.

melhoria da gestão operacional e comercial, realizada pelo prestador (gerenciamento de perdas, macromedição, automação e sistemas de controle operacional, atualização, complementação dos cadastros técnicos e comerciais e, quando couber, a setorização multifuncional dos serviços por metas, operacional e comercial);

Indiferentemente das auditorias do Tribunal de Contas, os controles internos são poderosos instrumentos de gestão para a correta medição dos serviços prestados, o combate a fraudes

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e perdas de faturamento e de arrecadação. A avaliação de parâmetros de desempenho será mais efetiva se feita por um órgão não ligado diretamente à área operacional.

Programas de automação dos sistemas de saneamento vêm permitindo racionalizar signifi cativa-mente o consumo de energia elétrica, além de reduzir as despesas operacionais e o prolongamento da vida útil dos equipamentos. Isso, somado à substituição estrategicamente planejada dos equi-pamentos, leva à otimização dos recursos investidos na área operacional. A melhoria do cadastro dos usuários e das redes é indispensável e tem forte impacto na arrecadação do órgão.

Mantendo as características locais, a integração do cadastro com cadastros dos outros órgãos da administração pública ajuda a simplifi car a vida do contribuinte e a aumentar a efi ciência do serviço prestado. Muitos municípios já utilizam o geoprocessamento e bancos de dados integrados.

melhoria do sistema de cobrança mediante realização de estudos de custos (análise da estrutura tarifária, histograma de consumo relacionado às faixas de renda dos usuários, análise de subsídios e subvenções, análise de custos no atual regime de efi ciência técnica, operacional e econômica, análise de natureza contábil, incluindo elementos patrimoniais, ativos e passivos, dívidas, etc.);

Podemos constatar que alguns órgãos públicos de saneamento aplicam tarifas abaixo das suas reais necessidades, o que consiste em uma prática equivocada para sustentabilidade do setor. É necessário recuperar a capacidade de geração interna de recursos para investi-mentos. Para isso, devem ser realizados estudos socioeconômicos que permitam identifi car o justo valor tarifário.

A sustentabilidade também requer que sejam implantados sistemas de custos e de desgaste pelo uso dos bens patrimoniais (depreciação), de tal forma que a substituição desses bens se dê no momento economicamente oportuno.

De outro lado, o controle sistemático da execução orçamentária permite identifi car as varia-ções de custos na produção dos serviços e a tomada imediata de ações para corrigir tais desvios, antes de se partir para o reajustamento ou realinhamento tarifário. Em todo esse processo, é importante o desenvolvimento de indicadores e patamares de desempenho da prestação dos serviços, visando ao regime de efi ciência operacional e à saúde fi nanceira do órgão prestador (Costa, 2005).

Ainda segundo Costa (2005), uma das grandes difi culdades enfrentadas pelos órgãos públi-cos é a administração para liquidação da dívida ativa. Muitas vezes, esse esforço transcende

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a simples cobrança pelos serviços, uma vez que esbarra na dinâmica do Poder judiciário. Em alguns casos, a padronização de ações judiciais ou seu agrupamento em blocos pode facilitar a tramitação na justiça. A dívida ativa também advém, em parte, da inadimplência de cidadãos que não têm capacidade de pagamento. Para isso, é necessário que o Poder público esteja aparelhado para distinguir adequadamente essas situações e, ao mesmo tempo, manter a transparência pública. Tarifas sociais e outros mecanismos de controle da demanda por serviços, se adequadamente parametrizados, podem reduzir o volume e aprimorar a gestão da dívida.

Outras ações, como auditoria na base de dados, terceirização da cobrança, redesenho dos processos internos, parceria com bancos para facilitar o pagamento, programas de cobrança amigável e alterações na legislação local, são alguns dos instrumentos indicados que poderão melhorar a efi ciência na gestão da dívida ativa.

otimização das terceirizações existentes, incluindo, quando couber, desenho de novos modelos;

levantamento da regularidade dos sistemas de saneamento operados pelo prestador junto ao órgão ambiental competente, com identifi cação de possíveis passivos;

O conceito de regularidade dos sistemas de saneamento inclui aspectos relacionados à conformidade legal do ponto de vista do licenciamento ambiental do empreendimento, mas também as medidas mitigadoras e compensatórias, a exemplo de recuperação de áreas degradadas por problemas de inadequação locacional, de concepção tecnológica ou, ainda, operacional dos sistemas de saneamento.

operação e manutenção adequadas dos sistemas de saneamento, o que inclui procedimentos regulares, preventivos e corretivos, além do planejamento e execução de pequenas obras de expansão e melhoria dos sistemas existentes;

implantação de programas de gestão ambiental e sanitária que visem à integridade do meio ambiente e ao atendimento aos padrões de qualidade da água fornecida para o consumo humano;

A gestão ambiental implementada no âmbito de atuação do prestador inclui, por exemplo, a manutenção de programa permanente de proteção dos mananciais, realização de campa-nhas de combate ao desperdício (de água, de energia elétrica, de geração desnecessária de resíduos, de materiais potencialmente recicláveis que são descartados, como lixo) ou, ainda,

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programa de monitoramento ambiental dos ecossistemas existentes na área de entorno dos sistemas de saneamento, entre outros programas.

A gestão sanitária inclui medidas de controle da qualidade da água e emissão de relatórios à autoridade sanitária e aos usuários, de acordo com os padrões e normas estabelecidas na Portaria MS no. 518/2004 (antiga Portaria n°. 1469/2000) e do Decreto Presidencial no. 5440/2005, que dispõe sobre o direito à informação sobre qualidade da água e visa garan-tir que os consumidores recebam informações sobre a qualidade da água e suas principais características, assegurando o adequado cumprimento do direito à informação pelo serviço prestado.

desenvolvimento de programas de mobilização social em saneamento, que deve incluir, da parte do prestador, a manutenção de canais de interlocução com a comunidade e com seus segmentos organizados, adotando, inclusive, a prática de realização periódica de pesquisa de opinião para aferir satisfação e queixas.

As análises desenvolvidas no âmbito Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), sob a administração do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), vinculado à SNSA/MCidades, que completou uma série histórica de 12 anos consecutivos (para água e esgotos) e, desde 2002, para resíduos sólidos, permitem avaliar as condições com que os serviços de saneamento são prestados no País e o grau de desempenho dos principais prestadores de serviços existentes. Assim, os avanços e a qualidade dos servi-ços do setor saneamento podem ser detectados, bem como as defi ciências existentes e as necessidades de apoio aos prestadores.

Tomemos, por exemplo, os resultados divulgados em dezembro de 2007 na 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, com dados de referência 2006. Nesse ano, a amostra de prestadores de serviços com dados publicados é constituída por 592 entidades, distribuídas da seguinte forma: 26 prestadores regionais (as CESBs), sete microrregionais e 559 locais (os serviços municipais). Essa amostra corresponde a dados de 4.516 municípios sobre os serviços de água e de 1.251 municípios sobre os serviços de esgotos (respectiva-mente, 81,2% e 22,5% do total dos municípios brasileiros). Em termos de população atendida, os dados da amostra correspondem a serviços prestados a 147,9 milhões de pessoas, no caso dos serviços de água, e 115,3 milhões, no caso dos serviços de esgoto (respectivamente, 97,1% e 75,7% do total do País).

Os dados publicados revelam os seguintes dados para os serviços de abastecimento de

água e esgotamento sanitário, referentes à amostra de referência do ano 2006:

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Sobre cobertura:

Sobre investimentos:

com base na amostra de 2006, o diagnóstico apura um crescimento de 28,0% nos investimentos, quando comparados aos do ano de 2005;

os investimentos realizados distribuíram-se da seguinte forma:

Sobre a geração de empregos no setor:

os dados do gráfi co a seguir referem-se a todo o conjunto de prestadores dos serviços participantes do SNIS em 2006, incluindo a estimativa de geração de empregos (diretos, indiretos e de efeito de renda decorrente dos investimentos), perfazendo um total de 419,7 mil trabalhadores.

Fonte: PMSS - 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2007.

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Sobre a produtividade:

o índice médio da produtividade de pessoal é medido segundo a quantidade de ligação ativa (água + esgotos) por pessoal total (próprios + terceirizados). Nos prestadores regionais, foi observado um valor médio, cerca de 45% menor que o índice de prestadores regionais.

Fonte: PMSS - 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2007.

Fonte: PMSS - 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2007.

Sobre perdas de água:

o valor médio de perdas de faturamento para todo o conjunto de prestadores de serviços presentes no SNIS 2006 foi de 39,8%;

as elevadas perdas nos sistemas brasileiros continuam preocupantes, uma vez que, mesmo em ambiente em que há espaço para a melhoria e que os

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investimentos em abastecimento de água voltam a crescer, houve piora de 0,8 ponto percentual no indicador, o que signifi ca aumento nas perdas, em relação ao ano de 2005 (39,0%);

entre os prestadores regionais (CESBs), o indicador médio de perdas é de 39,5%, sendo que apenas dois em 26 prestadores regionais apresentaram índices inferiores a 25%, e 10 apresentaram índices superiores a 50%;

entre os prestadores de abrangência local (os serviços municipais), o indicador médio de perdas é de 40,7%, sendo que 233 em 535 prestadores apresentaram índices inferiores a 25% e, em 50, os índices foram superiores a 60%.

Fonte: PMSS - 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2007.

Sobre receitas, despesas e tarifas:

os prestadores de serviços participantes do SNIS em 2006 obtiveram receita operacional total (faturamento) de R$ 22,5 bilhões (11,3% maior que em 2005) e despesas totais de R$ 21,5 bilhões (14,3% maior que 2005); em ambos os casos, a variação foi bastante superior à infl ação de 2006, que foi de 3,14% segundo o IPCA;

esses números dão a dimensão da movimentação fi nanceira do setor saneamento brasileiro, que, no ano de 2006, somando-se as receitas, despesas e investimentos, totalizou R$ 48,5 bilhões;

a tarifa média nacional, com os serviços de água+esgotos (2006), foi de R$ 1,75/m3;

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a variação da tarifa média de água, no período de 2003 a 2006, foi de 53,3% e, para a tarifa de esgotos, essa variação, no mesmo período, foi de 52,2%, para uma variação de infl ação no mesmo período de 25,72%, medida segundo o IPCA.

Os gráfi cos apresentados em seguida demonstram a composição média da despesa de exploração das CESBs e de serviços municipais, tomando por base o SNIS de 2004.

Fonte: PMSS - 12ª edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, 2007.

Para resíduos sólidos, vamos tomar como referência dados produzidos desde a 1ª edição do SNIS Resíduos Sólidos, ano base 2002, divulgado em dezembro de 2004, e os dois últi-mos diagnósticos, anos base 2004 e 2005, divulgados, respectivamente, em dezembro de

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2006 e em setembro de 2007. Essa decisão de analisar os dados de pelo menos três anos de referência nos parece mais razoável por se tratar de uma série histórica recente (apenas de quatro anos), referente a um segmento do saneamento que nunca teve a tradição de produ-zir dados, sistematizar informações e análises. Cabe ainda destacar que, também no SNIS Resíduos Sólidos, os dados são fornecidos voluntariamente, neste caso pelos municípios.

Coleta de resíduos sólidos

O diagnóstico mais recente, referente ao ano de 2005, apresenta informações sobre mais de 71 milhões de habitantes urbanos e cerca de 50 milhões de moradores das metrópoles brasileiras. Os dados são coletados nas 27 unidades federativas, em 95% dos municípios com mais de 500 mil habitantes e em todos os municípios com mais de 820 mil habitantes. Os resultados revelam que a coleta de resíduos sólidos atende, em média, 97,5% da população urbana, com freqüência média de duas ou três vezes por semana. Da quantidade coletada, cada habitante é responsável por 0,79 kg por dia. Na coleta de resíduos domiciliares (exclu-ídos os públicos), a proporção é de 0,58 kg por dia, por habitante.

O diagnóstico de 2004 aponta que a coleta de lixo atendia a 94% da população urbana com freqüência média de recolhimento dos resíduos de duas a três vezes por semana.

Tratamento dos resíduos

Das 15,8 milhões de toneladas coletadas nos 127 municípios que participaram do Diagnóstico de 2005, os resultados demonstram que 68,5% dos resíduos foram descartados em aterros sanitários, 25,2% em aterros controlados e 6,5% em lixões.

Os números de 2005 contrastam bastante com a realidade que conhecemos, na qual o lixão é ainda a forma preponderante de disposição fi nal dos resíduos. Os índices aferidos pelo Diagnóstico 2004 demonstram que, em 49% dos lixões e aterros existentes, não há impermeabilização do solo e, em 11%, o lixo fi ca a descoberto, de acordo com a coleta feita em 36% dos municípios brasileiros. Outro dado que preocupa é que 47% dos lixões não têm qualquer tipo de licença ambiental e 1,7% tem apenas licença ambiental prévia.

Em relação ao levantamento de instalações para destinação fi nal de resíduos sólidos, o Diagnóstico de 2002 identifi cou que apenas 22 unidades podem ser consideradas ater-ros sanitários por atenderem a exigências da legislação ambiental e às normas técnicas. Atualmente, existem em funcionamento, no País, 817 aterros sanitários, conforme a PNSB (2000), do IBGE.

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Coleta Seletiva

O Diagnóstico de 2005 revela que, em média, 59,2% dos municípios brasileiros realizam coleta seletiva. A coleta informal, feita por catadores, acontece em 80% dos municípios. Desses, em 56,8%, os catadores se organizam em cooperativas ou associações. A triagem de materiais recicláveis permite o aproveitamento de 4,1 kg por ano, para cada habitante urbano.

Os dados do Diagnóstico de 2004 mostram que os catadores são os grandes responsáveis por esse trabalho. A coleta seletiva informal, realizada por catadores, estava presente em 85% dos municípios pesquisados.

Varrição

O Diagnóstico de 2005 aponta que, além das vias e logradouros públicos, são varridos, por ano, 0,23 km por habitante. Cada empregado varre, em média, 1,1 km por dia.

Mão-de-obra, veículos e pessoal

Nos municípios que participaram do Diagnóstico de 2005, a proporção é de mil habitantes para 1,9 trabalhadores, excluídos os empregos temporários. Desse montante, 6,8% se dedi-cam a atividades administrativas e gerenciais, 33,2% realizam serviço de varrição e 27,5% realizam coleta de resíduos domiciliares e públicos.

Caminhões compactadores representam cerca de 44,5% da frota, que é predominantemente privada (78,6%), e composta em 64,4% por veículos com até cinco anos de uso.

No universo das coletas do SNIS, o processo de terceirização na execução desses serviços é expressivo, exceto em cidades com população inferior a 30 mil habitantes.

Desempenho fi nanceiro

O Diagnóstico de 2005 demonstra que, em 35,4% dos municípios, a limpeza urbana não é cobrada. Naqueles que cobram, a receita média anual arrecadada com os serviços é de R$ 13,84 por habitante. A despesa per capita é de cerca de R$ 38,20 por ano. O custo médio do serviço de coleta terceirizado chega a R$ 52,04 por tonelada.

De acordo com a amostra pesquisada no Diagnóstico de 2002, a maioria dos municípios cobra pelos serviços regulares de limpeza urbana prestados à população.

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No entanto, foi constatado que uma parcela signifi cativa de cidades não realiza a cobrança de forma direta, especialmente aquelas de menor porte. Das 108 cidades, 31 cobrem inteiramente os gastos com a prestação desses serviços com recursos provenientes de outras fontes. Das 77 restantes, 63 cobram por esses serviços por meio de taxa inclusa no boleto do IPTU.

As despesas com atividades de limpeza urbana são, na maioria das cidades, superiores à arrecadação de recursos fi nanceiros vinculados a esses serviços, aspecto que também alerta para a precariedade das estruturas de planejamento e gestão da limpeza urbana no país.

Unidades de processamento

Em mais de 30% das unidades cadastradas pelo Diagnóstico de 2005, o destino fi nal dos resíduos é feito em solo (aterros controlados, aterros sanitários ou lixões). Dessas unidades, 51,5% não têm impermeabilização de base, e 10,6% não fazem recobrimento. Das unidades cadastradas, 46,8% são operadas pelas prefeituras, 46,8% não possuem qualquer tipo de licença ambiental, 1,7% têm licença prévia e 18,5% já possuem licença de operação.

Aproximadamente 15% recebem resíduos de outro município, 21,6% fazem recirculação do chorume, e 9,4% abrigam moradias de catadores.

No que se refere aos sistemas de coleta seletiva nos municípios pesquisados pelo Diagnóstico de 2002, foram registradas 96 iniciativas diversas de organização da coleta diferenciada de resíduos recicláveis. Desse total, 34 são lideradas pelas próprias prefeituras; 26 por asso-ciações ou cooperativas de catadores; 20 por empresas privadas; e 16 por outros agentes, não identifi cados. Somam 44 as iniciativas de organização dos catadores atuantes em 99 dos municípios pesquisados. Nessas cidades, foram identifi cadas 80 entidades organizadas, englobando o número total de 4.758 catadores associados ou cooperados.

Mesmo com poucas informações de natureza quantitativa, a massa total dos resíduos triados (ou recuperados) foi considerável: 165.120t, sendo 49.634t de papel e papelão, 40.013t de plásticos diversos, 18.720t de metais, 11.438t de vidros e 10.155t de outros tipos de resí-duos. Esses números indicam que, por razões econômicas e/ou de preservação ambiental, a reciclagem tem crescido de forma expressiva.

Para concluir esta abordagem baseada no SNIS, destacamos que, com a Lei 11.445/2007, o futuro Sinisa passa a ser de caráter obrigatório e estende sua atuação também para a avaliação dos programas, resultados e implementação da política federal.

Discorreremos sobre algumas referências de âmbito nacional, na seqüência.

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A melhoria da prestação dos serviços requer, além de diagnósticos e análises técnicas, a articulação de diversas áreas: engenharia, economia, fi nanças, planejamento, desenvolvi-mento institucional e organizacional, jurídica, comunicação e tecnologia da informação, gestão ambiental, regulação, participação e controle social, entre outras. Essa articulação possibilita ao Poder público e à sociedade uma atuação de forma multidisciplinar e integrada. Algumas tentativas estão sendo feitas nessa direção.

Um dos esforços mais consistentes nos últimos anos, no campo dos resíduos sólidos, decorreu da criação do Fórum Nacional Lixo & Cidadania, que atua no sentido de erradicar o trabalho infantil no lixo, no País. Para o alcance desse objetivo, logo fi cou evidente a necessidade de se promover concomitantemente a inclusão social e econômica dos catadores, a inclusão educacional das crianças e dos adolescentes e a erradicação dos lixões; mais recentemente, foram incorpo-radas ao programa ações de recuperação ambiental das áreas degradadas pelos lixões.

Mesmo com a mobilização de centenas de técnicos em todo o País, articulados em vinte e três fóruns estaduais e algumas dezenas de fóruns municipais, a história de perda dos investimentos em resíduos sólidos não foi superada e continua a ser a tônica no setor.

Por isso, vai-se consolidando, entre os técnicos do Governo Federal e de outras instituições que atuam na área de resíduos sólidos, a convicção de que é necessário ganhar escala na gestão dos serviços, por meio da regionalização da aplicação dos recursos, possibilitando uma operação profi ssional qualifi cada para a prestação dos serviços.

No campo do abastecimento de água, os avanços obtidos no campo da gestão técnica qualifi cada dizem respeito, principalmente, às iniciativas de combate às perdas de água e ao uso racional da energia elétrica.

O Programa denominado Com+Água, empreendido pelo PMSS, vem ganhando espaço no setor. O programa tem caráter demonstrativo e promove a implantação de um comitê gestor que tem por objetivo efetivar a gestão e controle das ações a partir do balanço hídrico e ações de mobilização social no âmbito de cada uma das empresas ou autarquias parceiras.

O apoio se dá mediante atividades de capacitação, assistência técnica, fornecimento de equipamentos para macromedição e automação; sistema cadastral técnico e modelagem hidráulica; controle e redução de perdas reais e aparentes; gestão do uso da energia elétrica; planejamento e controle operacional; educação; cultura; comunicação.

No campo do manejo integrado das águas pluviais urbanas, podemos dizer que a expec-tativa reside na implementação da Lei 11.445/07, que prevê a possibilidade de o serviço ser

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remunerado por tributo, inclusive por taxa. Essa cobrança poderá ser lançada com base no índice de impermeabilização do solo urbano, considerando-se a existência no imóvel de dispositivo de amortecimento e retenção.

Eis aí um desafi o para a engenharia sanitária brasileira.

Avaliemos, com a próxima atividade, em que medida a melhoria do regime de efi ciência do prestador tem relação com as condições de prestação dos serviços em termos de escala e escopo, a partir da análise do cenário realizado na atividade anterior.

Atividade

Caso se confi rme e se mostre relevante a relação entre melhoria do regime de efi ciência do prestador e condições de prestação dos serviços (escala e escopo), o grupo deverá preparar uma proposta geral de revisão do modelo de organização do prestador no contexto da gestão associada dos serviços.

Partiremos para uma retomada do conteúdo sobre leis, com enfoque na prestação e organi-zação dos serviços de saneamento básico no Brasil. Para que possamos melhor compreender as novas regras legais, vamos ler o que se segue.

Prestação dos serviços de saneamento no Brasil:

as novas regras

Tudo o que já tratamos neste Guia pode ser representado esquematicamente no quadro a seguir, do Eng. Marcos Montenegro.

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Gestão

Serviços públicos de saneamento básico

Abastecimento de água

Esgotamento sanitário

Manejo de resíduos sólidos

Manejo das águas pluviais

Planejamento Indelegável

Regulação Delegável a órgão ou ente público

Fiscalização Delegável a órgão ou ente público

Prestação Direta (Lei 8.666, no caso de terceirização) ou delegada (Leis 8.987, 11.079, 11.107)

Controle social Indelegável

Gestão dos serviços públicos de saneamento básico: planejamento, regulação,

fi scalização, prestação e controle social

Das novas regras, precisamos compreender que regulação e prestação dos serviços de saneamento são atividades necessariamente vinculadas. Isso quer dizer que os serviços prestados à população devem ser serviços planejados e regulados. A tão propalada distinção das funções de regulação e de prestação dos serviços diz respeito especifi camente ao fato de que “quem regula” não é “quem presta os serviços”.

Antes de se pensar na delegação, o titular planeja e organiza os serviços, mediante realização de estudos e amplo debate com a sociedade. Como primeiro cenário, o titular deve avaliar as condições para que ele próprio possa prestar os serviços diretamente, seja no âmbito da sua administração direta ou de forma descentralizada, atribuindo a responsabilidade aos órgãos de sua administração indireta.

Um cenário tão importante quanto esse é o que analisa as possibilidades da gestão associada, mediante formação de consórcio público, prioritariamente, ou por convênio de cooperação, e sempre através de um contrato de programa. O plano municipal de saneamento básico, se desenvolvido sob a perspectiva da integração e da dimensão regional, no sentido de auferir ganhos de escala e escopo, indicará o potencial desse tipo de organização, baseado no federalismo cooperativo, pedra de toque da Lei 11.107/2005.

Avaliados esses cenários e não comprovada a sua viabilidade, o titular deve, em estreita articulação com os órgãos colegiados afetos ao saneamento e com a sociedade em geral, analisar as condições de delegação da prestação dos serviços por meio de contrato de concessão e, nesse caso, necessariamente precedido de uma licitação. Sem se esquecer que, neste caso, é obrigatória a realização prévia de audiência e consultas públicas sobre o edital de licitação e sobre a minuta do contrato de concessão.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 147

No entanto, em qualquer arranjo institucional em que se defi na a modalidade da prestação dos serviços de saneamento básico, a função de regulação é indissociável e indispensável e deve obedecer às normas regulatórias determinadas na Lei 11.445/2007.

Diferentemente do planejamento, de acordo com a Lei 11.445/2007, a regulação pode ser delegada. No entanto, obrigatoriamente, a regulação tem que ser exercida por órgão

público.

Atendido esse preceito, a regulação pode ser exercida:

pelo próprio titular, diretamente por órgão ou entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público do qual participe;

mediante delegação a órgão ou entidade de outro ente da Federação, por meio de gestão associada de serviços públicos, autorizada por consórcio público ou convênio de cooperação entre entes federados.

Como estamos tratando dos serviços de saneamento básico, uma observação inicial a se fazer é que cada um dos serviços pode possuir regulação própria. Via de regra, podemos pensar em ter uma entidade reguladora para os serviços de abastecimento de água e esgo-tamento sanitário, e outra, por exemplo, para os serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana.

As normas de regulação dos serviços são editadas por legislação do titular e devem contemplar minimamente os aspectos que se referem a:

política tarifária;participação dos usuários; controle social sobre todo o processo de formulação da política de saneamento até a prestação dos serviços e sobre como devem atuar as entidades de regulação e de fi scalização.

O titular poderá editar as normas sobre:

direitos e obrigações dos usuários e prestadores, bem como as penalidades a que estarão sujeitos;procedimentos e critérios para atuação das entidades de regulação e de fi scalização;mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação e fi scalização dos serviços;

i)

ii)

∙∙∙

a)

b)

c)

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condições de sustentabilidade e equilíbrio econômico-fi nanceiro da prestação dos serviços, em regime de efi ciência, incluindo:

a política de remuneração e o respectivo sistema de cobrança e a composição de taxas, tarifas e outros preços públicos;a sistemática de reajustes e de revisões de taxas, tarifas e outros preços públicos;a política de subsídios.

As chamadas normas administrativas de regulação, que se referem às dimensões técnica, econômica e social da prestação dos serviços, são editadas mediante regulamentos emitidos pela entidade reguladora e devem abranger, minimamente, os seguintes aspectos:

padrões e indicadores de qualidade da prestação dos serviços;prazo para os prestadores de serviços comunicarem aos usuários as providên-cias adotadas diante de queixas ou de reclamações relativas aos serviços;requisitos operacionais e de manutenção dos sistemas;as metas progressivas de expansão e de qualidade dos serviços e os respec-tivos prazos;regime, estrutura e níveis tarifários, bem como os procedimentos e prazos de sua fi xação, reajuste e revisão;medição, faturamento e cobrança de serviços;monitoramento dos custos;avaliação da efi ciência e efi cácia dos serviços prestados;plano de contas e mecanismos de informação, auditoria e certifi cação;subsídios tarifários e não tarifários;padrões de atendimento ao público e mecanismos de participação e informação;medidas de contingências e de emergências, inclusive racionamento;procedimento para a aplicação de penalidades pelo descumprimento de normas.

Cabe ressaltar que, em caso de gestão associada, os titulares poderão adotar os mesmos critérios econômicos, sociais e técnicos da regulação em toda a área de abrangência do consórcio. No entanto, a entidade de regulação deverá instituir regras e critérios de estru-turação de sistema fi nanceiro e contábil e do respectivo plano de contas, de modo a garantir que a apropriação e a distribuição de custos e de remuneração dos serviços permitam a individualização por município integrante do consórcio e por tipo de serviço atendido no âmbito da gestão associada.

d)

a)b)

c)d)

e)

f)g)h)i)j)k)

l)m)

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 149

Aliás, ao tratarmos da transparência, não podemos deixar de sublinhar que a Lei assegura ampla publicidade aos relatórios, estudos, decisões e instrumentos equivalentes que se refi ram à regulação ou à fi scalização dos serviços, bem como aos direitos e deveres dos usuários e prestadores, a eles podendo ter acesso qualquer representante do povo, inde-pendentemente da existência de interesse direto.

Ainda segundo a Lei, a publicidade deverá efetivar-se, preferencialmente, por meio de sítio mantido na Internet. No entanto, certamente não poderá fi car restrita a esse meio de divul-gação, pois bem sabemos o quanto o acesso à Internet exclui grande parte da população brasileira, particularmente os segmentos sociais de baixa renda, quase sempre os despro-vidos dos serviços públicos ou os que os recebem de forma precária.

Para abordar os aspectos sobre a sustentabilidade econômico-fi nanceira dos serviços públicos de saneamento básico, vamos nos apoiar no texto legal. Do Capítulo VI da Lei 11.445/07, sublinhamos os aspectos que nos parecem mais relevantes para os objetivos desta ofi cina.

Sobre a forma de cobrança para remuneração por tipo de serviço

Art. 29.

I - de abastecimento de água e esgotamento sanitário: preferencialmente na forma de

tarifas e outros preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços

ou para ambos conjuntamente;

II - de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos: taxas ou tarifas e outros pre-

ços públicos, em conformidade com o regime de prestação do serviço ou de suas atividades;

III - de manejo de águas pluviais urbanas: na forma de tributos, inclusive taxas, em

conformidade com o regime de prestação do serviço ou de suas atividades.

Sobre as diretrizes para instituir tarifas, taxas e outros preços públicos

I - prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública;

II - ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços;

III - geração dos recursos necessários para realização dos investimentos, objetivando o cum-

primento das metas e objetivos do serviço;

IV - inibição do consumo supérfl uo e do desperdício de recursos;

V - recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de efi ciência;

VI - remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços;

VII - estímulo ao uso de tecnologias modernas e efi cientes, compatíveis com os

níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços;

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Sobre a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços (estrutura tarifária)

Art. 30.

I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou

de consumo;

II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;

III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de

objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuá-

rios de menor renda e a proteção do meio ambiente;

IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade

adequadas;

V - ciclos signifi cativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e

VI - capacidade de pagamento dos consumidores.

Sobre os subsídios

Art. 31. Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão,

dependendo das características dos benefi ciários e da origem dos recursos:

I - diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao

prestador dos serviços;

II - tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fi scais, quando decorrerem da aloca-

ção de recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções;

III - internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e de

prestação regional.

VIII - incentivo à efi ciência dos prestadores dos serviços.

§ 2º Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades

que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica sufi ciente para cobrir o

custo integral dos serviços.

Sobre a estrutura de taxas ou tarifas para resíduos sólidos urbanos

Art. 35. (...) fatores a serem considerados:

I - o nível de renda da população da área atendida;

II - as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edifi cadas;

III - o peso ou o volume médio coletado por habitante ou por domicílio.

150 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

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Sobre a estrutura de cobrança para drenagem e manejo de águas pluviais urbanas

Art.38

§ 1º As revisões tarifárias terão suas pautas defi nidas pelas respectivas entidades regulado-

ras, ouvidos os titulares, os usuários e os prestadores dos serviços.

Art. 39.

(...) devendo os reajustes e as revisões serem tornados públicos com antecedência mínima

de 30 (trinta) dias com relação à sua aplicação.

Art. 37. (...) no reajuste deve-se observar:

o intervalo mínimo de 12 (doze) meses, de acordo com as normas legais, regulamentares e

contratuais.

Art. 38. (...) nas revisões tarifárias deve-se considerar a reavaliação das condições da prestação

dos serviços e das tarifas praticadas e poderão ser:

I - periódicas, objetivando a distribuição dos ganhos de produtividade com os usuários e a

reavaliação das condições de mercado;

II - extraordinárias, quando se verifi car a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora

do controle do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-fi nanceiro.

Art.36 (...) considerar, em cada lote urbano, os percentuais de impermeabilização e a existência

de dispositivos de amortecimento ou de retenção de água de chuva, e também:

I - o nível de renda da população da área atendida;

II - as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edifi cadas.

Sobre os reajustes e revisões tarifárias

Sobre o controle social sob os reajustes e as revisões tarifárias

Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 151

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152 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Situações previstas em lei para interrupção dos serviços

Art. 40. Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes hipóteses:

I - situações de emergência que atinjam a segurança de pessoas e bens;

II - necessidade de efetuar reparos, modifi cações ou melhorias de qualquer natureza nos

sistemas;

III - negativa do usuário em permitir a instalação de dispositivo de leitura de água

consumida, após ter sido previamente notifi cado a respeito;

IV - manipulação indevida de qualquer tubulação, medidor ou outra instalação do prestador,

por parte do usuário; e

V - inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do pagamento das

tarifas, após ter sido formalmente notifi cado.

Art. 42. Os valores investidos em bens reversíveis pelos prestadores constituirão créditos perante o

titular, a serem recuperados mediante a exploração dos serviços, nos termos das normas regulamen-

tares e contratuais e, quando for o caso, observada a legislação pertinente às sociedades por ações.

§ 1º Não gerarão crédito perante o titular os investimentos feitos sem ônus para o presta-

dor, tais como os decorrentes de exigência legal aplicável à implantação de empreendimentos

imobiliários e os provenientes de subvenções ou transferências fi scais voluntárias.

§ 2º Os investimentos realizados, os valores amortizados, a depreciação e os respectivos saldos

serão anualmente auditados e certifi cados pela entidade reguladora.

§ 3º Os créditos decorrentes de investimentos devidamente certifi cados poderão constituir

garantia de empréstimos aos delegatários, destinados exclusivamente a investimentos

nos sistemas de saneamento, objeto do respectivo contrato.

A Lei também defi ne as condições de aviso aos usuários nos casos de interrupção e suspen-são dos serviços.

Sobre a geração de crédito para o prestador perante o titular

Em complementação ao trabalho em grupo realizado nas outras seções desta unidade, vamos aqui retomar os mesmos grupos para refl etir sobre a sustentabilidade econômico-fi nan-

ceira da prestação dos serviços.

Atividade

Para esta refl exão, o grupo deve tomar como pano de fundo as neces-sidades de universalização do acesso aos serviços e de que forma os mecanismos de subsídios, tarifas sociais, controle sobre a inadim-plência e transparência ao usuário podem contribuir nessa direção.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 153

Neste capítulo, o norte foi a temática de prestação e organização dos

serviços de saneamento básico no Brasil. Inicialmente, fi zemos interpretação

dos dados de pesquisas referentes ao conceito-chave que nos ajudou

a visualizar algumas opções de transformação quando comparamos as

limitações existentes no setor com experiências bem-sucedidas e também

com o seu conhecimento prático. Reforçamos a nossa compreensão

sobre as novas regras legais, apresentando fragmentos da legislação

pertinente. Esperamos que as atividades realizadas tenham propiciado

uma participação efetiva de todos vocês, agregando novas perspectivas

e soluções para as questões do seu dia-a-dia profi ssional. Sabemos que

a participação é fundamental para uma forma de governar que privilegia

o exercício da cidadania. O próximo capítulo trará um tema promotor da

sustentabilidade para o saneamento básico, pois o controle social evidencia

a participação da comunidade na gestão pública, que, por sua vez, é a

única forma de promover o compartilhamento justo de responsabilidades

entre a sociedade e o Estado.

Para isso, o grupo deve refl etir sobre as seguintes questões:

Qual o perfi l do défi cit de atendimento dos serviços? Que aspectos devemos considerar prioritariamente na qualifi cação desse perfi l?Quais as possibilidades de gerar recursos median-te adoção de incentivos voltados para a inibição do consumo supérfl uo e do desperdício?Em que proporção média os custos devem ser recu-perados por meio de tarifas?Como distribuir os custos entre os diversos grupos de usuários? Como subsidiar os pobres? Quais os tipos de subsídios e/ou subvenções mais adequados?Como lidar com inadimplências? Como reduzir os índi-ces, considerando-se categoria de usuário e bloco de consumo e ainda faixas de renda dos usuários?Como cobrar pelos serviços de esgoto?Como cobrar pelos serviços de manejo de resíduos sólidos?Como cobrar pelos serviços de manejo de águas pluviais urbanas?

a)

b)

c)

d)

e)

f)

g)h)

i)

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154 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Alcançamos o sexto conceito-chave – controle social – proposto nesta ofi cina, que é, sem dúvida, o assunto que perpassa e integra todos os demais temas abordados. O controle social evidencia a participa-ção da sociedade nos processos que envolvem a gestão, execução de políticas e programas públicos. Para entendermos melhor esse mecanismo de participação, traremos alguns conceitos sobre o tópico com a fi nalidade de ressaltar as possibilidades oferecidas, inclusive pelos instrumentos legais brasileiros, que tornam o controle social efetivamente possível.

Controle social: noção de direito e

instrumentos legais

Se a democracia é fundamental para gerar condições de desenvol-vimento humano, reparador das desigualdades sociais e regionais, é preciso atuar no sentido da ampliação da esfera pública, mediante o fortalecimento da participação popular e do controle social.

Nesta unidade, vamos refl etir um pouco mais profundamente sobre esses conceitos e nos determos nos instrumentos já conquistados para o exercício da cidadania.

São muitas as defi nições para o conceito de controle social. Vamos trazer uma dessas para a nossa refl exão.

O termo controle social designa os processos de infl uência do cole-tivo sobre o individual, do público sobre o privado. Podemos, então, entender que o controle social pode se dar sobre uma pessoa, sobre uma organização, sobre uma empresa, sobre o Estado. Traz, portanto, o potencial de promover mudanças de comportamento, práticas e atitudes, transformando as relações sociais. Ao agir especifi camente

Controle social- Perceber o

potencial existente

no País em termos

de instrumentos

legais de participa-

ção popular e de

controle social.

- Apresentar

e refl etir sobre

alguns aspectos

teórico-conceituais

para tornar efetivo

o exercício do

controle social em

saneamento.

OBJETIVOS:

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 155

sobre a instituição governamental, representa a expressão dos mecanismos de infl uência e de orientação da sociedade sobre o Estado, como nos ensina Castoriadis (1987).

Com que noção de esfera pública estamos trabalhando?

Já esclarecemos, na Unidade II deste Guia, que estamos falando do Estado como um ator que atua numa arena política onde se manifestam os mais diversos agentes sociais que representam interesses e necessidades, muitas vezes, confl itantes entre si. Não se trata de um espaço neutro, mas de explicitação dos confl itos, de disputa, e também de negociação e pactuação.

Mas como assegurar que, dessas rodadas de embates e negociação, prevaleça a decisão a favor do coletivo, do interesse público?

Cabe lembrar que o sentido do termo “público” tem sido bastante banalizado para falar daquilo que é estatal, ou seja, para designar as estruturas, funções e ações do Estado. “Público” deixou de signifi car o que originalmente estava associado à realização efetiva do interesse geral, do bem comum.

O texto constitucional, por exemplo, estabelece ações de saúde como de “relevância pública”, para designar o seu caráter público e essencial e a responsabilidade estatal sobre esse direito.

Vale aqui, com o intuito de trabalhar bem o conceito, nos apoiarmos em Zveibil (2003), que traz uma importante apropriação da defi nição de Habermas (1984) para esfera pública.

“esfera pública como uma zona para discurso ou debate, desenvolvendo um conceito de ‘públi-

co’ que privilegia funções de análise e crítica para gerar o controle social, visando a participação

cidadã, onde não há homogeneidade de idéias, mas sim uma arena pública de debate. Esse

modelo amplia o âmbito da atividade política, fertilizando-a com os discursos comunicativos”.

Sob a ótica dos conselhos populares, o controle social se dá mediante mecanismos pelos quais os governos podem ser induzidos ou constrangidos a trabalhar pelo interesse público. Aqui, também, público e estatal não são a mesma coisa, apesar de os conselhos integrarem a estrutura reorganizada e democratizada do Estado. Este é justamente um dos espaços de expressão do que denominamos “esfera pública”.

Sob essa perspectiva, os conselhos são instâncias públicas de formação de opinião coletiva, de vocalização de demandas, de reivindicação de necessidades, de manifestação de preferências e vontade política, muito mais que meros instrumentos do governo ou de parte da sociedade.

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156 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Os conselhos atuam na tematização e formulação da agenda pública. É claro que os conse-lhos não governam, mas estabelecem os parâmetros do interesse público para orientar a ação governamental. Como espaço institucional de representação de interesses, os conse-lhos chancelam o “status” público aos grupos ali representados. Como tal, devem criar mecanismos internos, por exemplo, em sua composição, que reparem a histórica exclusão social e política dos segmentos que não têm voz e vez nos canais tradicionais do sistema de representação (o legislativo, a mídia, os meios privados, etc.) para infl uenciar a decisão e a defi nição da agenda pública.

É, então, como parte do Estado, mas independentes do governo, que os conselhos podem renovar seu papel com base nos marcos da recente redemocratização brasileira, ainda que, por si mesmos, já representem uma mudança da cultura institucional e política.

Nesse sentido, a idéia de universalidade busca incorporar a diversidade como um valor, para que ela não se dê à custa da invisibilidade das diferenças. É certo e desejado que, em situações marcadas pela exclusão social, sejam empreendidos esforços e investimentos diferenciados de compensação, de reparação histórica, de ações afi rmativas, concentradas e focalizadas nos grupos vulneráveis, socialmente em desvantagem em relação ao direito à cidade, com salubridade e qualidade de vida.

Até aqui exploramos o espaço dos conselhos. Mas há uma boa novidade na cena pública que muito tem feito avançar o saneamento em direção à democratização do processo decisório do setor e das relações sociais estabelecidas nesse campo. São as conferências, principalmente as municipais de saneamento; mas também as de saúde, meio ambiente, cidades. Para falar um pouco sobre conferências de saneamento, vamos recorrer a Borja e Moraes (2005), que relatam algumas experiências de saneamento no estado da Bahia.

A realização de conferências em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) tem-se mostrado um instrumento efetivo de democratização do processo de formulação de políticas públicas sociais. Além de abrir mais espaço para a população reivindicar os seus direitos, a conferência ajuda a construir uma relação mais equilibrada entre sociedade e Poder público, do ponto de vista da repartição do poder e também das responsabilidades.

Quando o governo assume o compromisso de realizar uma conferência e de respeitar as deliberações dela decorrentes, representa o fi rme propósito de alterar a prática tradicional de formular políticas públicas e de melhorar a qualidade dos serviços que presta à população. Com o conhecimento da realidade do saneamento em seu município, o governo local pode e deve planejar suas ações atendendo ao que foi aprovado na conferência.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 157

Como exemplo, trazemos a experiência de Alagoinhas, na Bahia, que foi o primeiro município brasileiro a construir sua política municipal de saneamento ambiental com participação popular, por meio de um processo de conferência. Esse processo contemplou a realização de pré-confe-rências temáticas, regionais e foi coordenado por uma comissão organizadora, composta por representantes tanto do governo como da sociedade local. O Poder executivo municipal honrou o compromisso assumido publicamente durante a conferência e encaminhou ao Poder legisla-tivo a proposta de projeto de lei, preparada pela comissão e referendada na conferência, para instituir a política municipal de saneamento ambiental. A Câmara de Vereadores realizou uma audiência pública para colocar o projeto de lei em discussão, aprovando-o em seguida. De todo este processo participativo, resultou a Lei no. 1460/2001, que dispõe sobre a Política Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas, sancionada pelo Prefeito em 3/12/2001.

Aqui, para ilustrar a idéia de controle social sob a perspectiva do direito, vamos trazer os instrumentos legais de participação popular.

Instrumentos Legais de Participação Popular

A Constituição Federal de 1988, ao ser editada, recebeu o apelido de “Constituição Cidadã”, justamente por ter prestigiado categoricamente a cidadania. Não se registra, na história constitucional brasileira, semelhante valorização normativa de soberania popular.

Cabe lembrar que essa conquista é resultado da expressiva e histórica mobilização social, de cunho popular, que se deu durante o processo constituinte no Brasil, consolidando a redemocratização política no nosso País.

O objetivo aqui é o de focalizar mais atentamente os institutos de participação popular,

constitucionalmente previstos na Constituição Federal de 1988 (CF 1988), e parte desses regulamentados pela Lei 9.709/1998.

No entanto, existe ainda, por parte dos movimentos sociais, pouco acúmulo de conhecimen-to e apropriação desses instrumentos que oferecem espaços legais e, se combinados com mecanismos de participação direta, podem contribuir mais efetivamente para a ampliação da esfera pública e ampla democratização do Estado brasileiro.

As bases jurídicas da participação popular previstas na Constituição Federal de

1988 são:

ação popular;ação civil pública (no âmbito da Defensoria Pública);mandado de segurança coletivo;

∙∙∙

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158 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

mandado de injunção;iniciativa popular de projeto de lei;Código de Defesa do Consumidor;direito à informação e à cidadania.

Vamos entender um pouco cada um desses instrumentos, que, muitas vezes, complemen-tam-se uns aos outros.

Ação Popular e Ação Civil Pública

Este é um instrumento jurídico de que o cidadão dispõe para pleitear anulação de atos lesivos ao patrimônio público, bem como a lei que introduziu a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico e paisagístico. São leis que, embora promulgadas antes da Constituição, 1965 e 1985 respectivamente, tiveram sua feição e seu alcance ampliados na Constituição Federal de 1988 e também no Código de Defesa do Consumidor, favorecendo, desde então, todos os interesses difusos e coletivos.

∙∙∙∙

Atividade

1. O grupo pode fazer um exercício sobre agravos aos valores prote-gidos por esses dois instrumentos que têm correlação (positiva ou negativa) com o saneamento. Por exemplo: pensar no valor de um rio que corta a cidade e seus atributos em relação à água, ao verde, ao espaço de convivência social, à água em quantidade e qualidade, à atividade econômica ligada à pesca ou ao lazer e turismo. Ou em oposição, o rio canalizado e totalmente assoreado que corta a cidade e inunda vias e moradias, que leva a perdas, inclusive de pessoas, que dissemina doença, que se torna fator de rejeição por parte da população.

2. Após refl etir sobre correlações dessa natureza, os participantes da ofi cina podem se pronunciar sobre possíveis experiências de utilização desses dois tipos de instrumento de participação popular em seu município, discorrendo sobre como se deu o processo de mobilização, aplicação e efeito.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 159

Mandado de segurança coletivo e do mandado de injunção

Este instrumento pode ser impetrado por organização sindical, ou associação legalmente constituída, no interesse de seus associados contra qualquer autoridade municipal ou esta-dual, ou entidade que presta serviços públicos (a exemplo de uma concessionária de serviços públicos, uma CESB ou um prestador privado dos serviços de saneamento).

Já o mandado de injunção, também criado pela Constituição Federal de 1988, aplica-se quando o direito garantido na Constituição não se torna efi caz por falta de norma regulamentadora.

Atividade

Indagar se alguém da turma conhece alguma experiência de mandado de segurança coletivo impetrado contra seu município ou de algum grupo sindical contra a concessionária dos serviços de saneamento.

Para refl etir

O mandado de injunção ajuda a compreender a importância do decreto de regulamentação da Lei 11.445/2007, no que concerne à garantia dos diversos e fundamentais direitos abarcados nesta Lei? Por exemplo, o direito dos usuários, o direito à informação, ao exer-cício do controle social, o direito a participar da decisão de delegar (ou não) e, se for o caso, de como delegar a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, etc.

Iniciativa popular de projeto de lei

O artigo 29 da Constituição Federal de 1988 defi ne preceitos que devem constar das Leis Orgânicas:

cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

iniciativa popular de projeto de lei, de interesse do município, da cidade ou do bairro, através de manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado.

a)

b)

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160 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Esse instrumento é muito relevante porque, se o governo não tem a vontade política de implementar os mecanismos de participação popular, como determina a Carta Constitucional, resta ainda ao munícipe a oportunidade de fazer valer a vontade popular e pressionar o Estado, em qualquer nível de governo, por vias legais e canais institucionais, a cumprir suas obrigações constitucionais. Mais do que isso, é um instrumento que legitima acionar o processo de formulação de políticas públicas a partir de outra arena política, não conven-cional, como o espaço de uma conferência ou de um conselho.

Atividade

Verifi car se alguém da turma já participou de um projeto popular de iniciativa de lei.

Código de Defesa do Consumidor

A Lei no. 8.078/1990, que dispõe sobre a Defesa do Consumidor, estabelece, em seu artigo 22, que os órgãos públicos, sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a prestar serviços adequados, efi cientes, seguros e, quanto aos essenciais, que sejam contínuos.

O Código estabelece os direitos básicos do consumidor e os canais que podem ser utilizados pelos usuários para reclamações, que hoje são as Coordenadorias de Proteção e Defesa do Consumidor (Procons).

Já se observa na lista (no ranking) de reclamações dos Procons a presença expressiva daque-las relativas aos serviços públicos, no tocante à qualidade e regularidade da prestação e do atendimento desses serviços à população.

Atividade

Questionar se alguém do grupo já pesquisou, junto ao Procon de sua cidade ou região, a posição do prestador dos serviços de saneamento no ranking de reclamações do Procon. Se esse fato ocorreu, como se desdobrou? Que tipo de impacto causou?

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 161

Direito à informação e à cidadania

O artigo 31, parágrafo 3º da CF 1988 obriga os municípios a manterem suas contas durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da Lei. Sugere a norma que essa fi scalização não deve ser individual, mas organizada no âmbito dos movimentos sociais.

O art. 134 torna a Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional, atribuin-do-lhe a defesa dos oprimidos, em todos os graus, e tornando-a obrigatória em todos os Estados.

No campo do Executivo, a Constituição explicita o direito fundamental ao orçamento, criando condições para a atuação de representações comunitárias no processo de sua elaboração. Também o controle social pela via administrativa foi ampliado, pois o art. 5º legitima qual-quer pessoa a exigir dos órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral (direito à informação) e cria o direito de petição, que se traduz em denúncia formalizada, destinada à defesa do direito público ou privado, ou a coibir ilegalidade ou abuso de poder.

Atividade

O grupo deverá discutir as experiências vivenciadas – por exem-plo, o orçamento participativo – e como essas experiências podem contribuir para colocar o saneamento em um patamar elevado entre as prioridades do município.

Concluída a refl exão sobre os diversos instrumentos legais existentes no País, discorrere-mos, na seqüência, sobre algumas referências teórico-conceituais que podem contribuir para tornar efetivo o exercício do controle social em saneamento.

Algumas pinceladas teórico-conceituais sobre controle social

Antes de iniciar essa refl exão, a turma deve realizar uma rodada de troca de experiências e de impressões para trabalhar, primeiramente de forma empírica, a abordagem que os participantes conseguem formular sobre o conceito de controle social.

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162 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

Atividade

Para a atividade, colocamos três questões cujas respostas nortearão a dinâmica:

1. Você identifi ca, em seu município, a existência de mecanismos de controle social sobre os serviços de sane-amento básico? Exemplifi que.2. Na condição de gestor, avalie como a participação da comunidade tem interferido nos serviços de saneamento básico do município em que você atua. 3. Você, enquanto gestor, participa de algum órgão cole-giado em seu município?

O desafi o aqui, comparativamente à seção anterior, é de outra natureza: apreendido o signifi cado do controle social como instrumento jurídico-legal capaz de acioná-lo como direito, vamos percorrer um pouco a abordagem conceitual sobre o tema, que certamente pode nos induzir à criatividade e à inventividade no exercício mais qualifi cado e efetivo do controle social em nosso cotidiano.

Para fazer essa breve incursão, vamos nos apoiar principalmente em Heller, Rezende, Heller (2007), autores de artigo sobre “Participação e controle social em saneamento básico: aspec-tos teórico-conceituais”, que integra um livro que tem como tema central a regulação dos serviços de água e de esgoto.

Como vimos na seção 1 desta unidade, a compreensão do signifi cado legal do controle social já constitui, em si mesmo, uma estratégia de ação coletiva para reivindicá-lo como direito e exercitá-lo em sua dimensão mais ampla de cidadania. Ao ampliar e problematizar essa refl exão, remetemo-nos necessariamente para outras áreas do conhecimento (sociologia, ciência política), o que, à primeira vista, pode parecer pouco esclarecedor.

Em paralelo, os aspectos de

transparência e o accountability

passam a envolver o controle

social tanto sobre o regulador

quanto sobre o regulado, supe-

rando as tradicionais relações de

prestador de serviço/consumidor

ou usuário (Zveibil, 2003).

Como destacado por Heller, Rezende, Heller (2007), “a discussão sobre o controle social e a participação esbarra em alguns conceitos associados, para os quais há uma extensa formulação, sobretudo nas teorias política e social, como os de cidadania, abertura para a prestação de contas pelos governos (accountability), governabilidade, ampliação do poder da população, capital social, direitos e deveres do consumidor, entre outros”.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 163

Desses conceitos revisitados pelos autores, sugerimos aqui a opção por um deles para, a partir desse signifi cado, trabalhar o conceito de controle social sob a perspectiva da parti-cipação. Para este primeiro exercício, vamos eleger o conceito associado de ampliação do poder da população.

Governabilidade: alguns autores brasileiros têm empregado o neologismo “governança” como

tradução da palavra inglesa “governance”.

Empowerment: alguns autores brasileiros têm empregado o neologismo “empoderamento” como

tradução desta palavra inglesa. Este termo é bastante utilizado na literatura sobre gênero e nos

discursos que marcam as lutas por respeito às diferenças e por igualdade de oportunidades para

as mulheres.

Você sabia?

Para melhor compreensão dessa leitu-ra que atribui ao sujeito a noção de pertencimento à determinada comu-nidade, necessariamente circunscrita a determinado contexto histórico, você pode consultar autores como Karl Marx, Gramsci, Tocqueville, Durkheim, Marshall, Léo Heller, Sonaly Rezende, Pedro Jacobi, Milton Santos, entre outros.

Mas, para o campo dos serviços públicos de saneamento, esse esforço não é sufi ciente. Os nossos autores de referência fazem um paralelo conceitual que se ajusta bem às especifi -cidades do saneamento.

Estabelecem que o processo participativo envolve usuários e não usuários, abrindo-se, portanto, duas vertentes. Segundo essa abordagem, “a participação dos usuários situa-se no âmbito dos direitos do consumidor, do cidadão. Por sua vez, a participação dos não- usuários refere-se à dimensão do direito à cidadania, que deveria ser assegurado a todos os indivíduos de uma sociedade”.

Nessa leitura, caberia ainda outra interpreta-ção para a condição social de “não-usuários”: o cidadão que, indiferentemente de ter ou não acesso aos serviços de saneamento, coloca-se na arena política do saneamento como sociedade organizada que reivindica seu espaço como sujeito social, que se situa no processo de formulação da política pública do saneamento sob a égide da bandeira da universalização do acesso aos serviços. Esse agente certamente se insere na dimensão da cidadania, mas se coloca necessariamente como uma força social, organizada em prol do coletivo, do bem comum.

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164 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

A idéia de “governança local” parte do pressuposto de que o fortalecimento de procedimentos democráticos, em contextos nos quais operam as instituições públicas, deve perseguir a aproximação entre as preferências e necessidades dos cidadãos com a capacidade dos gover-nos de dar respostas mediante ações e políticas públicas num contexto institucional adequado às expectativas da população.

Governança: como um estilo de

gestão pública, com instâncias

de interlocução entre governo e

sociedade, capaz de captar, de

forma institucionalizada, as neces-

sidades e demandas sociais com

vistas a se defi nir a agenda pública

e obter resultados coletivos.

Dessa forma, a dimensão política da chamada democracia cidadã pressupõe a correlação entre direitos sociais (o acesso ao bem-estar) e direitos políticos (ser parte das decisões públicas e dispor de mecanismos para monitorar e controlar a ação governamental).

Para que essa correlação se estabeleça, é necessário investir no desenvolvimento e nas potencialidades das pessoas, de forma que elas sejam capazes de identifi car suas próprias demandas e de decidirem o que é melhor para o bem-estar coletivo. Trata-se, portanto, de um pressuposto que elege a democracia não apenas como um valor em si mesmo, mas como um meio necessário a um tipo de desenvolvimento capaz de reduzir os níveis de pobreza e de desigualdade e de promover a emancipação humana.

Com base nesse marco conceitual, a função de controle social sobre a pres-tação dos serviços públicos deve estar diretamente relacionada à noção de accountability. Esse conceito, muitas vezes reduzido a uma dimensão que coloca governo e cidadãos em uma rela-ção de cobrança e prestação de contas, requer a previsão de mecanismos que produzam incentivos para que os gover-nantes façam escolhas compatíveis com os interesses públicos, não dependendo necessariamente da vontade política de um ou outro governo.

Na abordagem feita por Anastasia e Ranulfo (2002), accountability é um atributo da demo-cracia que implica controle dos governantes pelos governados. Na diferenciação propos-ta por O’Donnell (1988), o mecanismo de accountability vertical refere-se às relações entre os cidadãos e seus representantes. Já o conceito de accountability horizontal refere-se às relações entre os poderes constituídos, consagrados na literatura como freios e contrapesos institucionais, através dos quais um Poder controla e fi scaliza os atos e as omissões do outro.

Para se obterem resultados efetivos, a capacitação dos agentes públicos e sociais é uma estra-tégia importante, em especial dos conselheiros municipais. Nos diversos estudos e pesquisas que avaliam o funcionamento e a efi cácia dos conselhos municipais, são identifi cados bloqueios e difi culdades que sinalizam para a necessidade de se investir em capacitação.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 165

Esses estudos sugerem um modelo de capacitação capaz de fornecer aos conselheiros um conjunto de conceitos, métodos e técnicas que os habilitem a identifi car e enunciar problemas em termos de políticas públicas: selecionando indicadores de avaliação e desempenho, identi-fi cando as informações necessárias para se formularem propostas alternativas e se defi nirem prioridades para uma agenda de trabalho, além de dispor de conhecimento para gerir processos políticos de confl itos, reivindicação e negociação para construir os consensos possíveis.

Faremos uma análise, com base nos resultados da dinâmica realizada no início desta seção e nos conceitos apresentados no texto, das possíveis transformações que você pode empreender para propiciar efetivamente um controle social dos serviços sob sua responsabilidade.

Atividade

Analise, com base na realidade do seu município, como o exercício do controle social sobre os serviços de saneamento pode ser aper-feiçoado. Para essa refl exão, considere os seguintes aspectos:

a capacidade de iniciativa do governo local em instituir mecanismos de controle social;os mecanismos mais adequados para o exercício do controle social; a composição dos órgãos colegiados mais repre-sentativa do ponto de vista da forma como a população se organiza e da forma de atuação do governo local.

Levando em conta os aspectos anteriores, procuraremos, a partir de agora, refl etir sobre a seguinte questão: o saneamento brasileiro está mais permeável à participação popular e ao controle social? Vejamos.

Você sabia?

A clássica “Escada de Arnstein” constitui impor-tante referencial teórico a quem interessar apro-fundar-se no estudo de tipologias de participação.

Heller, Rezende, Heller (2007) nos alertam que “a história no saneamento do Brasil revela poucas situações de parti-cipação e controle social e, nessas, verifi cam-se baixas escalas de participação. Tal constatação resulta do traço de centralização e autoritarismo que caracterizou o setor, bem como das próprias orientações do Estado brasileiro”.

Reforça esta assertiva a refl exão feita por Britto (2003) sobre o controle social, tomando como recorte temporal o período em

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que o saneamento esteve submetido aos determinantes do Planasa, em pleno regime de exceção: “a total impermeabilidade dessa estrutura de regulação ao controle social, e ao controle daqueles que seriam os titulares dos serviços, os municípios. O controle social de fato não existia, pois no regime autoritário os mecanismos democráticos foram suprimidos, as estruturas da administração direta não eram abertas a qualquer forma de participação ou controle da população”. Contudo, queremos concluir essa refl exão sobre controle social com um olhar animador em relação ao atual momento do saneamento brasileiro.

Se, pela ótica do arcabouço jurídico e legal, as conquistas são inquestionáveis e induzem o setor para um processo profundo de reestruturação institucional condizente com o contexto democrático preponderante; pela perspectiva da esfera pública que circunscreve o setor, a percepção também é alvissareira.

Agora, como nunca, o saneamento brasileiro conta com uma base social e política qualifi cada. A Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA) apresenta-se, com autoridade e legitimidade, como o principal interlocutor do setor em face do Estado brasileiro e dos demais agentes políticos que atuam no saneamento. Essa representatividade conferida à FNSA advém, principalmente, do nível e da qualidade das representações sociais que gravi-tam em torno de sua órbita.

A trajetória da FNSA é reveladora de uma evolução prospectada e desejada por vários outros setores da vida pública e política. A Frente expressa a determinante vitoriosa de esforços históricos de integração das lutas sociais e de articulação dos vários movimentos sociais no campo do saneamento, reivindicado como público, como direito social e coletivo, e essencial à vida com qualidade.

Como parceiros dessa luta e aliados de mobilização social, podemos citar o Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU), o movimento sindical – neste caso representado pela Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) – e as quatro confederações nacionais que congregam os movimentos pela moradia (MNLM, CONAM, CMP, UNMP). A FNSA também trabalha para tornar cada vez mais estreito e efetivo o diálogo com a academia.

Com esse novo contexto social e político-institucional, podemos constatar que tem sido possível construir um ambiente de sinergia em torno do setor. Os esforços para promover uma atuação coordenada do Governo Federal, equacionando um grave problema de pulverização de ações e recursos, a mobilização de redes sociais vinculadas a movimentos populares, entidades específi cas do setor e a academia para um debate crítico e comprometido com a transformação resultam em signifi cativa retomada do capital social e técnico do saneamento.

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Guia do profi ssional em treinamento - ReCESA 167

Se esse movimento virtuoso se mostra mais visível em nível nacional, é apenas uma ques-tão de para onde e de onde se olha. Experiências inovadoras estão sendo vivenciadas nos municípios, a exemplo de agências municipais de regulação fortemente permeadas por mecanismos institucionalizados de controle social, como a Arsban, em Natal. Também no campo do planejamento integrado e participativo, experiências como a do Município de Alagoinhas, na Bahia, têm desafi ado gestores públicos e comunidade a praticar a participação popular em sua plenitude transformadora.

Agora é com todos nós e, dialeticamente, com cada um de nós!

Encerraremos o capítulo com uma atividade que exige de você, participante desta ofi cina, pesquisa conceitual e identifi cação de possíveis relações entre os conceitos apresentados neste guia. A fi nalidade é fazê-lo perceber a integração que deve existir em uma gestão mais avançada do saneamento.

Atividade

Como vimos ao longo das seis unidades deste Guia, o controle social é uma atividade que deve perpassar todas as demais que integram a gestão: o planejamento, a regulação, a fi scalização e a própria prestação dos serviços.

Aqui, os participantes devem se organizar em três grupos, de acordo com as funções negritadas no parágrafo anterior.

Cada grupo deverá identifi car como o controle social pode ser exercido em cada atividade, tendo como referência a abordagem conceitual trabalhada nesta unidade e as relações que podem ser estabelecidas em todo o processo de gestão.

Chegando ao fi nal desta ofi cina, esperamos ter propiciado a você, Profi ssional, oportunidades de

apreender novos paradigmas sobre gestão pública que, baseados no planejamento integrado, na

regulação e no controle social, nos levem à universalização do acesso ao saneamento e à melhoria da

qualidade dos serviços prestados à população. Para tal, este guia, privilegiou a gestão como principal

estratégia do poder público e da sociedade.

Para o encerramento, retomaremos a primeira atividade deste guia e você, Profi ssional, deverá,

em grupo similar ao que foi constituído no início, reformulá-la.

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168 Transversal - Qualifi cação de gestores públicos em saneamento - Nível 3

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