publicidade principios do registo

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A necessidade de dar a conhecer os factos, actos e contratos aquem neles não seja parte nem neles tenha intervindo motivou que aciência jurídica tivesse concebido e criado meios instrumentaisvocacionados e estruturalmente orientados para proporcionar esseconhecimento.È que, sendo a documentação autêntica – sobretudo a cargo daactividade notarial – de essencial importância para a certeza e segurançados actos e das relações jurídicas a verdade é que somente através do títuloo conhecimento desses mesmos actos e relações fica circunscrito às partes,ou seja, restringido a quem nele interveio. Para que todos os outros (omnegentes) também possam aceder a esse conhecimento – e, portanto, para queo acto lhes possa ser oponível - é necessário que o conteúdo do documentoseja publicitado.

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    PUBLICIDADE E PRINCPIOS DO REGISTO*

    1 A necessidade de dar a conhecer os factos, actos e contratos a

    quem neles no seja parte nem neles tenha intervindo motivou que a cincia jurdica tivesse concebido e criado meios instrumentais vocacionados e estruturalmente orientados para proporcionar esse conhecimento.

    que, sendo a documentao autntica sobretudo a cargo da actividade notarial de essencial importncia para a certeza e segurana dos actos e das relaes jurdicas a verdade que somente atravs do ttulo o conhecimento desses mesmos actos e relaes fica circunscrito s partes, ou seja, restringido a quem nele interveio. Para que todos os outros (omne gentes) tambm possam aceder a esse conhecimento e, portanto, para que o acto lhes possa ser oponvel - necessrio que o contedo do documento seja publicitado.

    Num clssico estudo sobre a publicidade e teoria dos registos1 Carlos Ferreira de Almeida d um conceito amplo de publicidade como o conhecimento ou cognoscibilidade pelo pblico, atingida por meios especficos e com a inteno prpria de provocar esse conhecimento. Este Autor indica ainda que h uma outra noo, mais restrita, quando tais meios representam uma actividade prpria de uma entidade destinada tipicamente quela funo utilizando, como um servio do Estado, adequados meios tcnicos. Haver ento uma publicidade organizada como conhecimento ou cognoscibilidade atravs dos registos pblicos.

    Os registos surgem-nos assim como ferramentas no s concebidas, mas verdadeiramente aptas e idneas para tornar pblicos os direitos, identificar as situaes jurdicas e permitir que o pblico em geral tenha acesso informao que deles conste.

    A publicidade que os registos pblicos conferem no , pois, uma publicidade qualquer apenas geradora da notcia da existncia dos direitos. sim uma publicidade que gera efeitos quanto cognoscibilidade dessa existncia. Tais efeitos, que ao longo da evoluo histrica foram nos primeiros tempos apenas probatrios e depois presuntivos da existncia e validade dos direitos, passaram a partir das primeiras leis hipotecrias do sculo XIX a ser tambm os da eficcia em relao a terceiros e mesmo de uma eficcia absoluta, inclusive para as prprias partes2.

    * Texto de apoio para as aulas sobre este tema. 1 Exactamente com esse ttulo Publicidade e Teoria dos Registos (Almedina), sendo as passagens citadas de pg. 50. Este clssico estudo subsiste com plena actualidade e afigura-se-nos que ainda o mais completo que entre ns existe sobre a matria. 2 Na obra citada Carlos Ferreira de Almeida faz, a partir da pg. 115, uma detalhada exposio dos efeitos dos registos na histria e no direito actual. O mais profundo (e quase completo) efeito que o

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    Os registos destinam-se, portanto, a tornar pblicas as situaes jurdicas objecto da publicidade registral so as situaes jurdicas3 - e de modo a que tal publicitao possa ser geradora de efeitos de direito. Contribuem assim para alcanar, de um modo que vem sendo progressivamente aperfeioado, um dos valores fundamentais da ordem jurdica, qual seja o do conhecimento, da certeza e ainda, em certos casos, da inquestionabilidade das situaes que realmente vo sendo constitudas. Parafraseando o que escreveu Jos Alberto Gonzlez4, dir-se-ia que os registos ajudam a aproximar a ordem jurdica concreta da autenticidade que existe na ordem jurdica abstracta. Constituem, assim, um auxlio um suporte e um eficaz contributo para a prpria realizao do direito.

    No que toca ao registo predial (que tambm se tem designado como registo imobilirio, registo da propriedade e registo hipotecrio) a certeza jurdica que pode conferir sobretudo importante para a realizao das transaces imobilirias - sua fiabilidade, estabilidade e segurana bem como para o crdito hipotecrio, que poder ser tanto mais facilitado, eficiente e barato quo mais aperfeioado e garantido for o sistema de registo.

    Na poca contempornea da sociedade de informao - em que se vulgarizou a contratao electrnica - os registos pblicos tm uma importncia crescente5, dada a sua prtica indispensabilidade, visto que, em regra, com base na sua existncia e fiabilidade que se oferece e se transmite a necessria confiana aos contraentes e a todos se d uma garantia pblica essencial para possibilitar a prpria realizao dos negcios jurdicos. E de todos bem sabido que a segurana documental, bem como a dos dados constantes dos registos constituem hoje infraestruturas absolutamente necessrias para o incremento das relaes sociais e para o progresso econmico.

    2 - A forma como nos diversos pases tem sido encarada a

    publicidade registral, os modos como ela se organiza e se articula com o direito substantivo, a prpria definio dos objectivos que se pretendem

    registo pode oferecer ser o seu efeito substantivo - de que temos exemplo no art 17, n 2 do Cdigo do Registo Predial (C.R.P.) e no art 291 do Cdigo Civil (C.C.) e ainda o denominado efeito sanatrio. 3 A frase de Antonio Pau Pdron in La Publicidad Registral (ed. do Centro de Estdios Registrales, 2001), pg. 269. Este Autor esclarece que no registo predial que essas situaes so circunstncias inerentes e duradouras que afectam os imveis e que podem referir-se. a) ao objecto (ao prdio) como construes, volume edificvel, etc. ou, b) ao direito, encargos, reservas, estatuto de propriedade horizontal, etc. Apresenta ainda esta interessante ideia: tais circunstncias tm algum paralelismo com os estados civis das pessoas. E escreve: assim como o estado civil das pessoas o objecto do registo civil, o estado civil dos imveis o objecto do registo predial (idem, pg. 270). 4 No seu livro Direitos Reais e Direito Registal Imobilirio, 3 ed. rev. pg 329. 5 Em Inglaterra isto foi bem percebido visto que, a partir de 2002, o registo predial (proveniente da tradio saxnica e que portanto tinha escassos efeitos jurdicos) passou a ser constitutivo.

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    alcanar6, bem como os princpios (e regras gerais7) que vigoram e ainda os efeitos que se visam gerar, deram origem criao de diversos sistemas registrais.

    Estes sistemas tm sido classificados com base em diversos critrios. Assim, tendo-se em vista o modo como o registo organizado, diz-se que um registo de base real8 se a partir do prdio com base no prdio9 que se registam os sucessivos factos que se lhe referem e de base pessoal se com base nos titulares dos direitos que o registo feito. Claro que este ltimo sistema (que serve para localizar ttulos mas no para organizar registos) no permite obter imediatamente uma informao fidedigna sobre as sucessivas titularidades e encargos referentes ao bem em causa.

    Havendo vrias outras classificaes dos sistemas registrais (por ex: de inscrio e de transcrio ou abstracto e causal) h contudo uma que usualmente apresentada como mais relevante do que a do modo de organizao do registo. Referimo-nos que respeita natureza e efeitos da inscrio (ou seja, do assento registral) e que distingue os sistemas de inscrio constitutiva dos de inscrio declarativa.

    Nos primeiros atravs da inscrio no registo que o direito (real) se constitui. Nos outros o direito constitui-se fora do registo designadamente por mero efeito do contrato e ao assento registral fica apenas adstrito o papel de publicar (de declarar) o direito.

    Os sistemas germnicos (e de inspirao germnica, como o caso do brasileiro) so conhecidos como tipicamente de inscrio constitutiva e os latinos (como o francs ou o italiano, no direito civil herdeiros directos do Cdigo de Napoleo) como de inscrio declarativa.

    6 Inclusive na esfera econmica, visto que os diversos sistemas registrais tm importantes consequncias no mbito da economia, como vem sendo salientado por Fernando Mndez em variadssimos trabalhos - incluindo a ponencia apresentada no XII Congressso Internacional de Direito Registral, cujo tema I foi exactamente este - e mais recentemente o demonstrou Benito Arruada no seu conhecido livro Sistemas de Titulacin de la Propiedad. 7 Muito embora no se trate aqui de princpios gerais do Direito e do sistema jurdico, mas unicamente dos princpios de registo e de sistemas de registo (e salvas portanto as devidas propores) tambm aqui haver que considerar os valores a salvaguardar e as regras gerais e conceitos concretos constitutivos da unidade interna do sistema - no sentido to excelente e doutamente exposto por Claus - Wilhelm Canaris naquela que - no ensinamento, aquando da notvel introduo de Menezes Cordeiro - uma obra de charneira, na grande viragem da Cincia Jurdica dos nossos dias:Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito (cf. pgs. 76,80/81 e CXIII). 8 Tambm tradicionalmente designado de flio real, visto que os livros e fichas de registo eram formados por folhas. Por isso foi muito usada a designao dos sistemas como de flio real e de flio pessoal. 9 Claro que falamos do registo predial. Todavia, idntica a situao, por ex., do veculo automvel se falarmos de registo automvel ou at mesmo da sociedade comercial se tratamos de registo comercial (e apesar deste ser claramente um registo de pessoas) uma vez que a inscrio dos factos registveis se faa reportando-nos sempre respectiva matrcula que a identifica e no a cada uma das pessoas que sejam titulares dos direitos que respeitem a essa matrcula (a esse bem concreto). Diz-se tambm que qualquer sistema de registo tecnicamente desenvolvido deve ter uma base objectiva - in casu o prdio - devendo ser com referncia a ela que se inscrevem os factos geradores de direitos.

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    E o portugus - e o espanhol, que directamente o inspirou - em que categoria se inserem?

    A resposta que sempre se usa dar a de que se trata de sistemas declarativos tout court. Creio, todavia, que mais apropriado seria dizer-se que so algo mesclados (esto numa espcie de tertio genus) ainda que prximos do sistema declarativo. Isto porque no caso da hipoteca, que tradicionalmente tem o maior peso registral e econmico (e em outros como no da penhora10) estes sistemas so constitutivos. Da que no nos parea desajustado dizer que, quanto aos efeitos da inscrio, o sistema portugus misto, embora afim - ou mais prximo - do declarativo.

    Todavia, no que toca aos sistemas, a classificao que se afigura de todas a mais relevante a que respeita aos efeitos da publicidade registral. Sob este ngulo poder-se-o distinguir fundamentalmente trs tipos de sistemas ou, talvez mais rigorosamente apenas dois, visto que o primeiro nem sequer se poder considerar um sistema. Sero:

    1 O denominado sistema de recording em que se arquivam os sucessivos documentos, sem um prvio exame dos mesmos. Tambm os demais princpios do registo (de que falaremos) no se aplicam ou quando eventualmente algum deles esteja previsto no aplicado rigorosamente. So sistemas que apenas podem obter meros, escassos e duvidosos efeitos informativos e que, portanto, no oferecem garantias de que os titulares dos direitos sejam realmente os que constam do registo. H quem considere que nem sequer so sistemas de registo visto que no tm fiabilidade alguma, podendo gerar toda a espcie de dvidas sobre a prpria existncia e legalidade do facto registado11. So os sistemas de raiz saxnica.

    2 Os sistemas de mera inoponibilidade12. So basicamente aqueles em que a no inscrio do ttulo no sistema registral o torna inoponvel ao terceiro que, de boa f, o tenha inscrito. Tambm conhecidos como de registo de documentos so sistemas que no oferecem uma informao garantida sobre a titularidade do bem, embora prestem alguma informao

    10 tambm por isso que no nos parece que a expresso exceptuam-se constante do n 2 do art 4 do Cd. do Reg. Pred. tenha o correspondente sentido jurdico a que alude o art 11 do Cd. Civil. 11 Precisamente porque o que nestes sistemas consta como arquivado, inscrito ou transcrito no oferece fiabilidade alguma no se est perante registos - a que se possa aplicar essa designao. Da que onde isto vigora tenha havido necessidade de meios soi-disant alternativos, como o caso dos seguros de ttulos que no conseguiram entrar na Europa, apesar de h anos terem existido tentativas por parte de multinacionais seguradoras norte-americanas. Esperemos que isso no venha a ocorrer em Portugal depois das adversas (funestas) alteraes do Cdigo do Registo Comercial. 12 Ao dizer de inoponibilidade (e no de mera oponibilidade) quer a generalidade da doutrina indicar que os efeitos da inscrio registral so puramente negativos. Pretende portanto explicitar-se no o valor do acto inscrito, mas sim e apenas dizer-se que o acto no inscrito no tem valor (designadamente porque no se presume conhecido) face ao terceiro. Carlos Ferreira de Almeida (op. cit.pg. 253) sintetiza assim: princpio positivo - os factos registados so oponveis a terceiros; princpio negativo - os factos no registados so inoponveis a terceiros

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    sobre essa titularidade, designadamente no sentido de que o dono ser um dos que o registo publica13. So os sistemas de inspirao francesa.

    3 Os sistemas de registo de direitos, tambm designados de f pblica. Trata-se dos que mais e melhores efeitos produzem. Em sntese, dir-se- que fornecem uma publicidade credvel dando tambm uma garantia do que publicitado. Quem contrata confiado no que o registo publica e regista fica, portanto, plenamente garantido na sua aquisio. Trata-se de sistemas que informam de forma eficaz e insofismvel as balizas do direito, designadamente as titularidades e os encargos que impendem sobre o prdio. Precisamente por isso, a qualificao dos ttulos tem de ser rigorosa e exercida por juristas habilitados e competentes.

    Consequentemente, estes sistemas permitem reduzir ao mnimo a conflitualidade judicial e os denominados custos de transaco. So sobretudo (mas no apenas) os de raiz germnica, ainda que se possam subdividir do modo seguinte:

    a) O direito que se publicita o nico que existe: sistema germnico (e um outro, bem diferente, denominado sistema Torrens ou australiano);

    b) O direito publicado o nico que quem contrata necessita de conhecer: sistema espanhol14.

    So estes, num muito breve resumo, os principais tipos de sistemas. E dizemos tipos de sistemas porque, em rigor, no h nos prprios pases da Europa comunitria dois sistemas que, embora pertencendo ao mesmo tipo, sejam rigorosamente coincidentes15. o que acontece, por exemplo, com o sistema francs, o italiano ou o belga (todos do tipo supra indicado sob o n 2) que entre si so bastante diversos ou com o alemo, o austraco, o suo ou o espanhol (todos eles do tipo de registo de direitos) mas que tm acentuadas diferenas.

    A grande variedade dos sistemas registrais resulta fundamentalmente das diferentes solues do direito substantivo que cada pas adopta, da sua estrutura fundiria, da articulao com outros institutos (v.g. do cadastro) e bem assim da prpria evoluo doutrinria, da adaptao aos objectivos legais, da experincia concreta quanto ao bom ou mau funcionamento do sistema que se utiliza. Todavia, apesar das diferenas, subsistem alguns traos comuns e idnticos objectivos a prosseguir que a doutrina estuda e analisa sobretudo no sentido de alcanar uma evoluo terico-prtica, buscando as melhores solues j experimentadas nos diversos sistemas.

    13 a elucidao dada por Fernando Mndez em La funcin econmica de los sistemas registrales (club Siglo XXI, Madrid, 2002) pg. 9. 14 Esta subdiviso foi apresentada na ponncia espanhola (sob o ttulo a inscrio como instrumento de desenvolvimento econmico) ao XII Congresso Internacional de Direito Registral (a pg. 26). 15 Num recente congresso foi dito (e creio que com razo) que na Europa a 15 havia, pelo menos, 16 sistemas registrais. Sobre os diversos sistemas registrais mais conhecidos pode ver-se de J. M. Garcia Garcia Derecho Inmobiliario Registral o Hipotecario , Tomo I (Civitas, 1988) pg. 337 e segs.

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    Diz-se mesmo que o direito registral tem uma vocao comparatista16 que contribui para o seu aperfeioamento e at para a sua sistematizao.

    3 As regras bsicas, caracterizadoras, estruturantes, tanto jurdica

    como organizacionalmente, que um sistema de registo tem - e dever ter - constituem princpios de registo. Cabe esclarecer: no se trata de princpios ou regras gerais de direito, mas to s de registo17, ainda que estejam (como alis devem estar) aliadas e ao servio das solues vigentes no domnio do direito substantivo.

    Trata-se, portanto, de orientaes gerais e dos elementos ou traos essenciais que fundamentam e estruturam um sistema de registo. Por isso se diz que tm um papel muito importante na construo cientfica do direito hipotecrio18 ainda que no tenham validade universal. Os princpios hipotecrios (ou de registo), sublinhemo-lo, so sim os que vigoram em determinado sistema. Fala-se assim dos princpios do sistema alemo, do sistema francs, do sistema portugus. E h os que existem no sistema alemo e no no sistema francs ou os que vigoram no portugus e no no italiano. Sucede, contudo, que muitos deles so comuns aos diversos tipos de sistemas de que falmos.

    So usualmente apresentadas algumas classificaes dos princpios de registo, como a que distingue os materiais, os formais e os mistos19 ou, talvez mais adequadamente, a que os divide em essenciais ou imanentes e tcnicos ou acidentais20. No entanto, afigura-se que estas classificaes no so de todo inequvocas, at porque os princpios que alguns autores consideram de menor valia j outros encaram como essenciais. Importante sim a concepo dos princpios em si mesmos, tendo sobretudo em ateno que orientam e facilitam a interpretao e aplicao do direito registral21, j que ajudam a entender os seus pilares estruturantes e por isso

    16 Cf. Antonio Pau Pdron La Publicidad Registral, pg. 11 e segs e J.M. Garcia Garcia, op. cit., pg. 336 e segs. Existe mesmo uma organizao internacional [o Centro Internacional de Direito Registral - CINDER (cf. www.cinder.info )] que realiza periodicamente congressos internacionais em que so aprovadas concluses sobre os vrios temas em debate, que se tm revelado de grande importncia para a evoluo do direito registral. 17 Isto mesmo acentua J.M. Garcia Garcia (op. cit., pg. 533 e segs.) que diz no se tratar aqui de princpios filosficos ou do Direito em geral, mas sim e unicamente de princpios hipotecrios (este Autor prefere utilizar a expresso direito hipotecrio de direito registral). 18 Cf. a obra citada na nota anterior, a pg.536. 19 V.g. Celestino Cano Tello, Manual de Derecho Hipotecrio, 2 ed., pg.102 e seg. 20 Vide: A. Pau Pdron, op.cit., pg. 180. Este Autor explicou ainda que alm dos princpios indiscutveis que estruturam o sistema h outros, certos mas humildes, que no tm uma origem clara e precisa nas normas legais ou que no resultam da sua generalizao, mas que so implicitamente admitidos. So o que chamou princpios apcrifos, tais como o princpio do consentimento, o da imprescritibilidade e o da individualizao (op. cit. pg. 166). Neste nosso sucinto trabalho no se afigura oportuno abordar estes princpios - que alis nem so admitidos por boa parte da doutrina. 21 Idem (Autor e obra citados na nota anterior) pg. 181.

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    mesmo talvez devessem integrar um captulo prprio dos cdigos de registo22

    Vamos abordar em sntese os principais princpios vigentes no sistema portugus (muitos dos quais so comuns a outros sistemas, como o espanhol) e que tambm so dos usualmente so mais falados na doutrina.

    4 Um princpio que resulta de diversas disposies do Cdigo do

    Registo Predial (que doravante referiremos apenas como Cdigo) e no apenas de uma norma que claramente o estabelea mas que, todavia, se tem de considerar como um dos mais importantes o princpio da especialidade.

    Este princpio diz-nos que todos os elementos do registo (da relao registral) devem ser certos e determinados: os sujeitos, o objecto e os factos que se querem inscrever23.

    No que toca aos sujeitos dever-se- esclarecer o seguinte: quando o registo feito pode acontecer que no estejam identificados com todos os elementos que a lei (nomeadamente a alnea e) do n 1 do art 93 do Cdigo) exige, mas a sua identidade tem de ser certa e a sua identificao determinvel. o que resulta do n 3 daquele art 93.

    Quanto ao objecto24 dessa mesma relao registral, ou seja, neste sentido, o prdio, tambm tem de ser certo e determinado. Ao tratar da descrio do prdio, o Cdigo indica (art 82) as menes gerais que cada uma deve ter. Note-se que pode acontecer (e frequentemente acontece) que alguma ou algumas delas possam estar desactualizadas, erradamente indicadas ou que aparentemente (sobretudo para quem desconhea a tcnica do registo) figurem tratar-se de outro prdio25. 22 a muito pertinente proposta de Menezes Cordeiro, ao que cremos pela primeira vez expressa por este Professor no artigo Evoluo Juscientfica e Direitos Reais publicado na Revista da Ordem dos Advogados, 1985, I, pgs. 23 tambm frequentemente referido que este princpio funciona em relao com o sujeito, o objecto e o direito (cf., por ex., Celestino Cano Tello, op.cit. pg. 119). Tambm Roca Sastre (in Derecho Hipotecrio, a pg. 58 do Tomo II, 5 ed) diz que o princpio se manifesta em trs aspectos relativos ao prdio descrito, ao direito inscrito e ao titular registral. Todavia, como se inscrevem factos (para se publicitarem direitos) pareceu-nos prefervel aludir aqui ao facto a inscrever e no ao direito inscrito. 24 Referimo-nos aqui ao objecto do registo com a mesma significao de prdio, objecto da relao registral e do assento (cf. Lacruz Berdejo e Sancho Rebullida Derecho Inmobiliario Registral, 1984, pg 58 in fine). claro que falando de objecto do registo com o sentido de objectivo do registo ou finalidade do registo (significao esta que a dada pela generalidade dos Autores quando falam do objecto do registo) claro que, nesse sentido, objecto do registo so os factos a ele sujeitos (objecto do registo ser, portanto, a publicitao de determinados factos). Contudo, o objecto da relao jurdica registral (que no da relao jurdica tout court) e do assento que se lavra o prdio sobre o qual incidem os direitos inscritos. Note-se quanto ao tema do prdio como objecto da relao jurdica registral que tambm esta a concepo legal (cf. art 16 c) do Cdigo). que o registo compe-se da descrio do prdio e da inscrio dos direitos ou encargos que sobre ele recaem (cf. Catarino Nunes, Cdigo do Registo Predial, Anotado, pg. 11) e assim objecto, neste sentido, do registo predial so as coisas imveis (idem, pg. 10 ). 25 por exemplo o caso de um prdio ainda descrito como rstico (v.g. um simples terreno de mato) e com a meno do artigo matricial rstico e que hoje urbano (uma casa e quintal) e inscrito na matriz sob um artigo urbano. Como se sabe, registralmente a descrio a mesma, havendo apenas que efectuar o averbamento de construo e a sua correspondente actualizao.

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    Contudo, no pode haver dvida quanto identidade do prdio que necessariamente tem de ser aquele e no, possivelmente, qualquer outro. Alis, se o registo tivesse sido feito ocasionando tal dvida ou incerteza quanto identidade do prdio, seria nulo (art 16, c) do Cdigo).

    No tambm, portanto, possvel efectuar-se o registo sobre uma coisa ideal ou abstracta como o caso das universalidades. O que ento poder ocorrer - como quando se trata da herana - que se destaque individualmente o prdio ou prdios que dela faam parte para o(s) identificar inequivocamente. No igualmente possvel efectuar o registo sobre um prdio alternativo ou de existncia incerta26.

    O princpio da especialidade refere-se ainda aos factos que se pretendem inscrever. Alis, diz-se mesmo que este princpio surgiu para que a hipoteca se concretizasse evitando as denominadas hipotecas gerais27. Depois estendeu-se a todos os direitos reais passveis de registo, de harmonia com o sistema do numerus clausus. pois necessrio que o acto jurdico em questo relativo a quaisquer factos, aquisitivos ou de onerao - esteja claramente determinado, com a indicao precisa da sua espcie, dos valores sobre que incidam os nus ou encargos, da causa aquisitiva e ainda das clusulas que eventualmente se convencionem28.

    5 Na exposio sumria dos principais princpios, prossigamos

    agora seguindo a ordem porque vm indicados no Cdigo. A designao do que nos surge em primeiro lugar no consensual.

    Assim h autores que o denominam princpio da inscrio29e outros da eficcia do registo. A nosso ver esta ltima talvez seja prefervel para evitar confuso com o princpio que vigora apenas quando a inscrio constitutiva e tambm porque a decorrente da expresso usada pela lei na prpria epgrafe do art 4.

    Diz-nos este princpio qual o resultado, qual o valor da inscrio registral e qual o efeito til que produz tanto para as partes como para com terceiros, mormente no tocante constituio e eficcia do direito real a que o assento de registo se refere.

    De harmonia com o disposto no art 4 do Cdigo h duas situaes: a do n 1 segundo o qual, apesar de o facto sujeito a registo no estar registado, os seus efeitos produzem-se plenamente entre as partes; e a do n 26 Cf., entre outros, Afranio de Carvalho, Registro de Imveis, 2 ed. (Rio de Janeiro,1977) pg. 227. 27 No dizer de JERNIMO GONZLEZ este princpio ter surgido nos alvores do regime hipotecrio precisamente como reaco contra as hipotecas gerais (cit. apud C.Cano Tello, op. cit. pg. 119). 28 A lei prev (em consonncia com este princpio da especialidade) determinados requisitos gerais e especiais que a inscrio registral deve conter. Acham-se indicados no Cdigo, nomeadamente, nos artigos 93 e 95. E, quanto s clusulas que devem constar da inscrio rege o disposto no artigo 94. 29 o caso de J.M. Garcia Garcia (op. cit. pg. 539 e segs.) que diz que o princpio que determina o valor da inscrio (que poder ou no ser constitutiva) designadamente quanto constituio do direito real. Outros h, porm, que entendem que este princpio s vigora quando a transferncia realse conclui com o assento registral ( esta, ao que parece, a posio de A. Pau Pdron (op. cit. pg. 72 e segs.).

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    2 que diz que os factos constitutivos de hipoteca constituem excepo a esta regra. Com base nesta formulao simples (a nosso ver simplista) diz-se (dizem quase todos) que a disposio legal consagra o entendimento do sistema registral portugus como declarativo, dado que s excepcional (e unicamente) no caso da hipoteca, constitutivo. Acresce que, substantivamente, o Cdigo Civil estabelece [arts 408, n 1 e 1317,a)] que os direitos reais se constituem por mero efeito do contrato.

    Ao contrrio do que (pelas sumariamente expostas razes) entende a generalidade da doutrina e tambm a jurisprudncia, no cremos, todavia, que se possa dizer que o sistema registral portugus pura e simplesmente declarativo. Fundamentalmente por estas razes:

    - Em primeiro lugar, o caso da hipoteca30 no se deve considerar como uma excepo no sentido tcnico-jurdico. Com efeito h outras situaes ( semelhana do que ocorre com o sistema espanhol) em que registo constitutivo. , por exemplo, o caso da penhora que se realiza atravs do registo31. Sero ainda outros casos, como o do destaque de uma parcela para construo nos termos consentidos pela lei do loteamento32.

    - Acresce que o prprio registo de hipoteca no em si mesmo uma excepo dentro do sistema registral. um registo fundamental. O prprio direito registral denominado por muitos (designadamente os autores espanhis) como direito hipotecrio. Alis, o registo de hipoteca at anterior (nas primeiras leis hipotecrias) ao prprio registo de aquisio da propriedade. Por isso, o livro de registo das hipotecas (livro C) surgiu antes dos das outras inscries (livros F e G) que s mais tarde se passaram a efectuar. O registo de hipoteca tem, pois, o estatuto de um registo fundamental, ou mesmo de primacial importncia.

    - Por outro lado ainda, s uma parte dos factos registveis que respeita s transmisses de direitos reais e que, portanto, emerge de contratos. Por isso o argumento tirado da lei civil a transmisso opera-se por mero efeito do contrato no colhe para se dizer se o sistema , ou no, basicamente constitutivo.

    - Finalmente, h certos factos em que o registo, se no tem um claro efeito constitutivo do direito, assume pelo menos uma natureza de 30 Quanto hipoteca a opinio dominante a de que, quanto a ela, o registo tem efeito constitutivo (citado n 2 do art 4 e art 687 do Cdigo Civil) ou, pelo menos, t-lo- sempre (no existe sequer) no caso da hipoteca legal. Mas h quem entenda (Maria Isabel H. Menres Campos da Hipoteca, pg. 188 e seg.) que o registo uma conditio juris da eficcia da hipoteca. 31 A epgrafe do art 838 do Cd. Proc. Civil (redaco do Dec.-Lei n 38/2003, de 8/3) fala expressamente na realizao da penhora e o n 1 diz que se realiza pela comunicao conservatria que vale como apresentao. Ora, a apresentao que d incio ao processo de registo. Portanto, o preceito diz-nos (ainda que numa redaco algo rebuscada) que a penhora se realiza (se constitui) com o registo. 32 Estes destaques - que esto previstos nos ns 4 e 5 do art 6 do Dec-Lei n 555/99, de 16/12 (republicado em 4/6/2001) s so possveis se verificados os pressupostos legais. Todavia, no pelo simples facto de se verificarem essas condies (ou pela circunstncia de a Cmara Municipal certificar que tais condies v.g. a confrontao com arruamento e o projecto de construo aprovado - existem) que se opera ipso facto o destaque. Na verdade, este s se opera com o registo.

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    pressuposto para o seu exerccio. Ser o caso do registo do loteamento e, qui, do da propriedade horizontal33. Tratar-se- do que denominamos um efeito constitutivo indirecto ou semi-constitutivo34.

    Por todas estas razes afigura-se mais adequado dizer que o sistema registral portugus em parte declarativo e em parte constitutivo ou, se quisermos, semi-declarativo (ou semi-constitutivo). O que parece que o mais correcto no ser dizer (como habitual ler-se) que se trata pura e simplesmente (tout court) de um sistema declarativo.

    6 O princpio que respeita aos efeitos do registo e sua eficcia

    para com terceiros est basicamente previsto no art 5 do Cdigo do Registo Predial. E dizemos basicamente porque h outras disposies inclusive os arts 17, n 2 e 122 deste Cdigo e 291 do Cdigo Civil - onde tambm tais efeitos se acham previstos.

    Na epgrafe daquele art 5 o princpio designado como o da oponibilidade a terceiros e o n 1 esclarece que os factos sujeitos a registo s produzem efeitos contra terceiros depois de registados. Os ns 2 e 3 prevem excepes aplicao do princpio e o n 4 tenta dar uma definio do conceito de terceiros para efeitos de registo35

    A ideia sobre a aplicao deste princpio , por certo, a que mais tinta tem feito correr tanto na doutrina como na jurisprudncia - mormente a respeito da definio do conceito de terceiro e a que aqui apenas referimos, visto que em cursos ministrados (mormente no mbito do CENoR) sempre tm sido previstas aulas especificamente dedicadas a este tema.

    A maioria dos autores espanhis designa este princpio como de inoponibilidade para acentuar esta ideia essencial, que afinal a acolhida 33 No tocante propriedade horizontal , tal como estabelece o n 1 do art 62 do Cd. do Notariado, no podem ser lavrados actos sobre fraces autnomas se no se demonstrar que aquela se acha inscrita no registo. Afigura-se que no se trata aqui da legitimao dispositiva prevista no art 9 do C.R.P. (de que adiante falaremos) visto que essa regra se ter de aplicar para provar que a fraco est registada a favor de quem a quer transmitir ou onerar e no para demonstrar que o prprio regime da propriedade horizontal est inscrito no registo, como exige o Cd. do Notariado. 34 Esta ideia foi inicialmente exposta na interveno que fiz na Faculdade de Direito de Coimbra no Congresso dos Direitos Reais (no mbito das comemoraes dos 35 anos do Cdigo Civil e 25 da Reforma de 1977) publicada em separata do Boletim dos Registos e Notariado n 11/2003 . 35 Este n 4 foi introduzido pelo Dec.-Lei n 533/99, de 11/12 e ter procurado dar resposta s sucessivas mudanas de entendimento na doutrina e mormente na jurisprudncia do STJ que chegou mesmo a preconizar a definio do conceito de terceiro por via legislativa (v.g. no Ac. do STJ n 3/99 disse-se que s por via legislativa, repetimo-lo,se poder resolver satisfatoriamente o problema) e veio a fixar a antiga definio proposta por Manuel de Andrade (in Teoria Geral da Relao Jurdica, II, pg. 19). Todavia, esta definio legal, longe de eliminar a polmica, se no a agravou, pelo menos no a ter diminudo, at porque h outros preceitos legais que dispem em sentido diverso. Alm dos conhecidos acrdos do STJ ns 15/97 e 3/99 (publicados, respectivamente, nos Dirios da Repblica I-A de 4/7/97 e de 10/7/99) pode ver-se o parecer do Conselho Tcnico de 31/7/2003 (publicado no Boletim dos Registos e Notariado, II, n 8/2003, de Setembro de 2003) que resume a evoluo jurisprudencial e doutrinaria sobre esta matria, bem como os trabalhos no stio do CENoR: www.fd.uc/cenor/

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    pela prpria redaco do art 32 da Ley Hipotecaria: os ttulos que no estejam devidamente inscritos no registo no prejudicam o terceiro. Isto : o ttulo que no se ache registado no pode ser oposto ao que j est registado. Esta expresso - com uma redaco em forma negativa no significa menor efeito do princpio. Pelo contrrio, visto que de modo abrangente diz que todo o ttulo no inscrito que no pode prejudicar terceiros.

    Entre ns, porm, este princpio designado (numa formulao dir-se-ia que afirmativa) como de oponibilidade para indicar que s depois do registo que o facto (a ele sujeito) oponvel a terceiros. E isto porque depois de ter sido registado que o facto se presume conhecido36. Por conseguinte, o facto que se registou deve prevalecer sobre o que no foi registado.

    Dizem, porm, alguns autores que sem a limitao do conceito de terceiro a aplicao do n1 do art 5 conduziria ilao de que o sistema registral portugus era constitutivo. Ora, nos termos do disposto no art 4, ele declarativo. No podemos concordar com esta ideia essencialmente por duas ordens de razes:

    - em primeiro lugar no parece que se possa afirmar que o nosso sistema ntida e patentemente declarativo e que o art 4 conduza a uma tal interpretao. Ser antes, como j anterior e sucintamente se referiu, um sistema hbrido, misto, nuns casos declarativo37 noutros claramente no.

    - em segundo lugar porque uma coisa muito diferente dizer-se que o direito real s nasce com a inscrio no registo (como nos sistemas germnicos e mesmo no brasileiro) e outra que a eficcia para com terceiros e que a proteco geral da segurana do comrcio jurdico (expressamente prevista no art 1 do Cdigo) significa ou implica que esse nascimento ocorra necessariamente com o registo. Claro que tal nascimento pode ocorrer com o contrato e apesar disso a eficcia da inscrio e a proteco dos terceiros ser praticamente total (como acontece no sistema espanhol - maxime ex vi do art 34 da L. H.) ou o inverso (o sistema ser constitutivo e aquela eficcia e proteco no ser a plena, como ocorre no sistema brasileiro).

    Os defensores da ideia do conceito restrito (de terceiro) tecem ainda outras consideraes a respeito do registo que nos parecem desajustadas e 36 Carlos Ferreira de Almeida diz que este o fundamento da oponibilidade: a presuno de que o facto registado conhecido e que esta uma afirmao praticamente incontestada na doutrina (op. cit. pg. 254). Tambm adiante este Autor fala de inoponibilidade, referindo nomeadamente que o aspecto negativo da eficcia em relao a terceiros enuncia-se assim: os factos sujeitos a registo e no registados so inoponveis a terceiros (cf. pg. 260). 37 E ainda assim, pelo menos, no sentido de que sobre os sobre os bens sujeitos a registo no existem outros direitos reais seno os que o registo documenta e publicita, pois os direitos no inscritos no registo devem ser tratados como direitos clandestinos, que no produzem quaisquer efeitos contra terceiros, como douta e sugestivamente escreveram Antunes Varela e Henrique Mesquita na Revista de Legislao e Jurisprudncia (Ano 127, pg.23).

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    at mesmo arcaicas38- tais como a da presumida ideia que existe no povo (mas existe?) a concepo de que no far falta registar ou tambm a de que no actual estado das coisas a posse deve continuar a prevalecer e portanto o registo no pode ainda desempenhar o seu papel de instrumento ao servio da segurana do comrcio jurdico.

    Sem pretender (nem ser oportuno) tratar aqui esta matria, direi apenas que me parece que, hoje, a ideia da justia real conduz exactamente s concluses opostas, designadamente porque o princpio da legitimao vigora h j mais de 20 anos39 - e consequentemente a necessidade do registo j h muito tempo que no ignorada pela populao - e que, na realidade actual, a invocao da posse serve mais para cumprir um ritual (ou at mesmo para sacralizar uma mentira) do que para contribuir para a certeza do direito ou para demonstrar uma qualquer aparente verdade substantiva40.

    Uma observao caber ainda fazer a propsito desta matria: parece que devemos concluir (como alis a jurisprudncia tem entendido) que a oponibilidade verifica-se plenamente quanto ao adquirente de boa f, mas j assim no se dever entender quanto ao de m f.

    Alis, a excepo do n 3 do art 5, ainda que no constitua uma aplicao desta regra, de algum modo a aproxima. Constitui uma excepo (e uma sano) precisamente porque a invocao da oponibilidade quando se violou a obrigao de proceder ao registo no representa uma actuao diligente e de boa f (no sentido de se ter uma conduta cuidadosa) e, ento, o representante legal no havido como terceiro41.

    As excepes do n 2 referem-se aos casos em que o facto produz efeitos contra terceiros independentemente do registo (o que, portanto, no quer dizer que no possa ser registado) porque ele no necessrio, j que

    38 No se quer ferir susceptibilidade alguma, mas apenas dizer o seguinte: nesta matria dos efeitos do registo (talvez mais claramente do que noutras) os conceitos tm de ter uma consonncia efectiva com a vida real. Ora no sculo XXI contrata-se sobretudo pela Internet. Os registos poder-se-o pedir por e-mail (e portanto por telemvel) e entre ns (como alis na generalidade dos pases, at dos ditos pobres) j esto hoje totalmente informatizados. Sem registos fiveis, prestando informao vlida e com efeitos seguros, estas novas formas de contratao pura e simplesmente no funcionam ou funcionam muito deficientemente, no protegendo a boa-f dos contraentes nem assegurando os valores que o ordenamento tem obrigao de assegurar. Por outro lado, no pode (numa perspectiva que se afigura retrgrada) pensar-se o contrrio para eventualmente proteger algum ancio da serra profundaporque mesmo esse j tem telemveldeve merecer igual ateno dos servios e sabe que deve pedir o registo da leira que compra. 39 O que significa portanto que, desde ento, para efectuar transaces aquisies e oneraes de prdios - foi necessrio ao transmitente ou onerante demonstrar que o prdio se encontrava registado a seu favor. 40 Esta uma matria, evidentemente, complexa pelo que no poder ser minimamente exposta em to breves consideraes. Tentei abord-la em algumas ocasies, como no aludido Congresso dos Direitos Reais (v. nota 30). 41 Como explica Catarino Nunes no citado Cdigo do Registo Predial, Anotado, pg. 218.

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    a publicidade ocorre mesmo sem o registo (casos das alneas a) e b) deste n 2) ou porque ele nem ser possvel (caso da alnea c))42.

    7 O princpio que o Cdigo menciona no art 6 o princpio da

    prioridade. J se tem dito ainda que a nosso ver impropriamente43 - que o

    registo predial existe sobretudo para definir e graduar prioridades, segundo a velha mxima latina prior in tempore, potior in iure: o que primeiro no tempo melhor no direito aqui porm no referida sua concepo e verso originria, mas sim meramente tabular.

    Expliquemo-nos: no se trata da prioridade da criao do direito (a que se aplicava a frase latina) no sentido de que o primeiramente constitudo prevalece sobre o nasceu depois, mas sim na de que o registado44 em primeiro lugar tem prevalncia - ou deve ser graduado primeiramente - sobre o que posteriormente inscrito, ainda que este tenha nascido antes.

    Diz-se ainda que complementa esta regra aqueloutra que veda o acesso ao registo definitivo do posterior acto incompatvel - e que tem a sua formal traduo tabular no princpio do trato sucessivo, de que falaremos.

    Temos pois que, sendo o facto sujeito a registo, que j foi inscrito, incompatvel com o que posteriormente se quer registar (mesmo que constitudo antes) essa anterior inscrio exclui o definitivo acesso tabular desse outro que agora se pretende inscrever. o que ocorre com os registos de aquisio.

    Contudo, se a relao que existe entre o acto j inscrito e o posterior a de uma concorrncia concilivel como acontece com os direitos reais de garantia ento j no haver excluso (o ulteriormente pedido pode ingressar definitivamente) mas sim uma graduao prioritria.

    Faz-se notar que esta graduao prioritria tem o seu correspondente relevo jurdico45 e ainda um valor econmico prprio. De facto, para alm da reserva de prioridade que representam os registos provisrios por natureza poder conter em si tal valor - sobretudo para o credor hipotecrio ela ter sempre um adicional valor e interesse por permitir que o registo definitivo venha a possuir o grau prioritrio que (j antes da hipoteca definitivamente titulada) tinha o provisrio h, por exemplo, o caso do 42 De harmonia com o princpio da especialidade, j mencionado. , porm, possvel efectuar o registo sobre um ou mais prdios que se destaquem da universalidade, como tambm se referiu. A, porm, o registo desse (ou desses) prdio (s) especialmente considerados e no da universalidade. 43 E dizemos que impropriamente porque nos parece indubitvel que o registo predial existe fundamentalmente para publicitar e garantir as situaes jurdicas. A sua hierarquizao, sendo embora importante, apenas um dos aspectos daquela publicitao. 44 O que, portanto, quer dizer que, sendo o princpio da prioridade um dos princpios do registo, obviamente s se aplica aos factos a ele sujeitos. 45 Como tambm resulta do disposto no n 2 do art. 604 do Cd. Civil e do n 3, b) do art, 864 do Cd. Proc. Civil.

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    art 729 do Cd. Civil que permite a transmisso (e, claro, a correspondente negociao de um preo) do prprio grau prioritrio da hipoteca46.

    E como se determina a prioridade? O n 1 do art 6 tem uma redaco que apesar do disposto no n 1

    do art 77 do Cdigo - se presta a certa confuso. que primeiro diz por ordem da data dos registos, mas depois (sendo da mesma data) que fala na ordem das apresentaes. Pode, pois, primeira vista, dar a ideia que a data da feitura do registo a que primeiramente conta. Todavia, no assim. sempre com excepo dos registos oficiosos independentes47 e da hiptese ressalvada no n 2 a apresentao com a sua data e nmero de ordem, que fixa o grau prioritrio do registo, nada importando o momento em que o registo lavrado, tenha ou no sido deferida a urgncia, esteja ou no a conservatria em dia, tenha ou no sido cumprida a regra de ordem prevista no n 1 do art 75 in fine.

    A apresentao (de que trata todo o Captulo IV do III Ttulo do Cdigo) tem pois uma importncia determinante na estrutura do registo, mormente porque atravs dela que fixada a respectiva prioridade.

    A disposio do n 2 do art 6 - de justia algo questionvel, mas que vem copiada dos cdigos anteriores, destinando-se a dar cumprimento idntica regra da lei civil que estava prevista na parte final do art 1017 do Cdigo de Seabra48 indica que em caso de inscries hipotecrias do mesmo dia (com a mesma data) entre elas no haver prevalncia, pelo que o pagamento dessas hipotecas (designadamente na aco executiva) ir ser feito pr-rata.

    O n 3 estabelece a importante regra da reserva de prioridade que obtida atravs do registo provisrio, visto que se este vier a ser convertido (obviamente dentro do prazo da sua vigncia) em definitivo, a prioridade que lhe vai corresponder a que j tinha enquanto provisrio. Deste modo, possvel aos interessados obter desde o registo provisrio (quer por natureza quer por dvidas) e se usarem da diligncia de o converter atempadamente, uma imediata proteco prioritria do seu direito. Ou seja: a definio do grau prioritrio vai ser dada no quando o registo for (puder

    46 Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela - no Cdigo Civil Anotado em colaborao com Henrique Mesquita em comentrio a este art 729, o grau prioritrio o fixado pelo registo e no se cede a hipoteca, porque j existe outra; cede-se sim e unicamente a preferncia resultante da prioridade do registo. 47 Ainda que o citado n 1 do art 77 fale, em geral, dos registos que no dependam de apresentao, parecendo portanto abranger todos os oficiosos, o certo que quanto queles que devam ser lavrados na dependncia de um outro registo que deva ser apresentado (caso do n 1 do art 97) a sua data e n de ordem so os correspondentes ao daquele de que dependem. Por isso, a disjuntiva (ou se desta no dependerem) aplica-se unicamente aos registos oficiosos independentes. 48 Vide, por ex., a anotao ao art 9 do Cdigo de 1959 feita por A. A. Gama Vieira in Cdigo do Registo Predial, Coimbra Editora, 1960, pg. 47.

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    ser, nomeadamente por o contrato j ter sido titulado) definitivo mas logo na altura em que ainda provisrio.

    Por ltimo, o n 4 (que constituiu uma novidade do Cdigo de 1984) contm outra disposio do maior interesse: uma idntica reserva de prioridade no j para provisoriedade do registo, mas sim para a hiptese da recusa em o lavrar - ou melhor, no caso de proceder o recurso contra tal recusa. Quer dizer: tratando-se do registo provisrio a indicada pr-proteco prioritria do direito (que se obtm pela j mencionada reserva de prioridade) autorizada pelo n 3 e no caso da recusa que foi julgada indevida isto , quando acaba por se decidir que o acto no devia ter sido recusado, mas sim lavrado, ainda que o tenha de ser provisoriamente aquela autorizao dada pelo n 4.

    Assim, o acto que foi recusado (afinal indevidamente) pode vir a ser lavrado e a conservar a prioridade correspondente da sua apresentao. Mas para que a situao tabular no iluda quem entretanto consulte o registo, o Cdigo estabeleceu um mecanismo de alerta e de salvaguarda de uma publicidade verdica - insusceptvel de que terceiros sejam induzidos em erro. Trata-se do seguinte: a recusa anotada na ficha (art 69, n 3) e a interposio de recurso tambm o (art 148, n 1). Estas anotaes oficiosas, que passam obrigatoriamente a constar do registo, servem portanto para dar a conhecer a todos que, com base em determinada apresentao, houve uma recusa e que (se a final for julgada indevida) pode vir dar lugar a um registo com a prioridade correspondente dessa apresentao.

    8 O princpio que o Cdigo contempla no artigo seguinte (o 7)

    designado como o da presuno de verdade ou presuno de exactido. Presentemente afigura-se-me, contudo, que estas designaes no

    so rigorosamente equivalentes. Assim, a esta ltima referir-se- apenas a ltima parte do preceito: nos precisos termos em que o registo o define. Talvez possamos, pois, entender que o artigo exprime na sua primeira parte (o registo definitivo constitui presuno de que o direito existe e pertence ao titular inscrito) o princpio da presuno de verdade e na ltima (nos precisos termos) o da exactido.

    De qualquer modo estas so designaes do princpio que a generalidade da doutrina considera equivalentes, mas que temos adoptado s aps a publicao do actual Cdigo - e para no o confundir com o princpio de legitimao dispositiva nele introduzido pelo art 9 -, visto que anteriormente quase sempre se designava como princpio da legitimao49 e ainda agora assim continua a ser chamado pelos autores 49 Por exemplo Catarino Nunes diz (quanto ao Cdigo de 67) que o preceito estabelece o chamado princpio da legitimao (op. cit. pg. 222) e A. A. Gama Viera refere (quanto ao Cdigo de 59) que no artigo consigna-se o princpio da legitimao (op. cit., pag.

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    espanhis50. Este , porm, e seja qual for a designao que se lhe d, um princpio fundamental da publicidade conferida pelo registo, pois indica que o seu contedo se presume certo e verdadeiro.

    Trata-se de uma presuno em regra elidvel51, mas portanto, enquanto no for comprovado e decidido52 o contrrio, h-de considerar-se que a verdade que publicita coincidente com a verdade material. E tambm por isso que quando numa aco judicial se pretender impugnar a veracidade dos factos publicitados pelo registo se torna igualmente necessrio que se pea o cancelamento do prprio registo, estando alis o prosseguimento da aco condicionado formulao deste pedido.

    o que traduz o comando legal constante do artigo 8, que assim complementa o princpio presuntivo constante do artigo 7 - preceito este que estabelece a presuno tantum iuris a favor do titular inscrito mas que, em certos casos, poder mesmo ser iuris et de iure a favor de terceiro.5354

    Deve ainda fazer-se notar que a presuno dura enquanto vigora o registo e cessa quando os efeitos deste se extinguem (por cancelamento) ou se transferem (mediante novo registo), em conformidade com o disposto no art 10 do Cdigo.

    Como pertinentemente foi dito55 - e se concorda, acrescentando-se apenas, no nosso sistema jurdico, a previso do artigo 1268 do Cdigo Civil - a prova necessria para elidir a presuno pode consistir num dos seguintes cinco pontos:

    1-Nulidade, falsidade ou erro do assento. 2-Nulidade, falsidade ou defeito do ttulo: 3-Falta de conformidade da inscrio com o ttulo () no seu contedo real. 4-Existncia de ttulos posteriores que tiverem modificado o que baseou o registo vigente. 5-Extino do direito inscrito.

    50 Por todos, vide A. Pau Pedrn op. cit. pg. 188. 51 De harmonia com o disposto no n 2 do art. 350 do Cdigo Civil. 52 Num mbito jurisdicional, entenda-se. No portanto um particular, qualquer interessado ou terceiro, ou uma entidade administrativa, que pode declarar e provar e bastando isso que fica elidido o contedo de determinado assento registral. 53 Ser o caso da designada f pblica registral - quando se podem produzir efeitos substantivos (v.g. nas hipteses do art 17,n2 e do art 291 do Cdigo Civil). Tem-me ainda parecido que h zonas cinzentas (que se situam num meio termo da possibilidade da eliso) e de difcil enquadramento numa das duas clssicas espcies de presunes questo esta que, todavia, no ser aqui oportuno desenvolver. 54 Cf Celestino Cano Tello, op. cit. pg. 287 e segs. onde, nomeadamente, se diz: a presuno de exactido iuris tantum em matria de princpio de legitimao e iuris et de iure em relao com o princpio de f pblica; da que possa falar-se de um duplo aspecto do princpio de presuno de verdade (pg. 288). Adiante esclarece ainda que como de legitimao o princpio presuntivo protege fundamentalmente o titular registral e como de f pblica protege os terceiros (idem, pg. 298). 55 Por Sanz Fernndez, mencionado por Lacruz Berdejo e Sancho Rebullida (in op. cit. pg. 145).

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    A concluir diremos apenas que este princpio possibilita que (nos termos do disposto no 1 do art 350 do C. C.) ao titular inscrito baste, para invocar e comprovar o seu direito - sobretudo o direito de propriedade56 - citar o registo feito a seu favor. 9 O princpio que o Cdigo consagra no artigo 9 o que se indica, na epgrafe respectiva, como da legitimao de direitos sobre imveis e que, talvez com maior preciso, se pudesse designar como princpio da legitimao dispositiva. Na verdade, este princpio quer, muito resumidamente, significar o seguinte: o titular inscrito que est legitimado para dispor do prdio em causa. Por isso, quem quiser dispor de qualquer imvel no sentido de o alienar ou de o onerar - deve demonstrar que ele est registado a seu favor. Trata-se, assim, da disposio dos imveis. Consequentemente, o princpio dirige-se principalmente a quem tem a tarefa de titular tais disposies de prdios, elaborando os correspondentes documentos, isto , por regra, o notrio. Da que tambm venha previsto no n 2 do art 54 do Cdigo do Notariado. Sendo bvio que este princpio contribui de uma forma determinante para a segurana das transaces imobilirias, o certo que entre ns s foi introduzido na lei com a reforma do registo predial operada pelo Cdigo de 1984, ainda que anteriormente cabe reconhec-lo a maioria dos notrios procurasse sempre certificar-se da sinceridade das declaraes dos outorgantes tambm no sentido de que, ao dispor dos bens, estariam legitimados para o fazer. De qualquer modo, a introduo do princpio constituiu um avano notvel no mbito da segurana do comrcio jurdico que afinal, como resulta do art 1 do Cdigo, constitui objectivo essencial do registo. Alm disso foi uma das medidas do novo Cdigo que, como justa e pertinentemente se escreveu, veio dinamizar a actividade interna dos efeitos do registo.57 Assim, a prova dada ao documentador passou a ser a autntica, ou seja, a constante da certido do prprio registo, emitida pela conservatria. Note-se que esta certeza de legitimao advm do facto de que o titular registral, pelo simples facto de o ser, est legitimado para actuar no processo e no trfico com a titularidade que o registo manifesta58.

    56 Para prova do qual no basta, como sabido, invocar um ttulo translativo (v.g. uma escritura de compra) visto que no atravs de correspondente aquisio derivada que este direito se constitui. De modo que, sendo praticamente impossvel reconstituir todos os sucessivos ttulos aquisitivos (fazer a chamada prova diablica), a propriedade ou se prova atravs da aquisio originria (designadamente a usucapio) ou se dispensa a prova, atravs desta presuno do registo - que apesar de no ser, no nosso sistema registral, iuris et de iure, no entanto inverte o nus probatrio (quem quiser demonstrar o contrrio que o ter de provar) e s pode ser elidida nos casos que a lei admite. 57 A frase de Menezes Cordeiro no referido artigo Evoluo Juscientfica e Direitos Reais, a pg. 109. 58 Cf. Lacruz Berdejo e Sancho Rebullida op cit. pg. 53.

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    A consagrao legal deste princpio veio, pois, condicionar a prpria alienabilidade dos direitos existncia prvia de registo a favor do alienante59. Assim, porque o ttulo no pode ser lavrado se o transmitente ou onerante no tiver o registo a seu favor, diz-se (a nosso ver pertinentemente) que a introduo do princpio acabou por tornar o registo indirectamente obrigatrio. Foi deste modo superada a dicotomia vigente nos cdigos anteriores registo obrigatrio numa parte do Pas e facultativo noutra60 - para o tornar, em todo o territrio nacional, indirectamente obrigatrio. A regra geral que condiciona a titulao do acto dispositivo existncia do registo a favor do alienante tem algumas excepes que, como veremos, no tm grande significado, mas que no so inteiramente coincidentes nos dois Cdigos (do Registo Predial e do Notariado). A que vem referida na alnea a) do n 2 do art 9 do C.R.P. (e no est, nem teria que estar mencionada no C.N. j que se trata de actos do mbito judicial e no notarial). Como se sabe a expropriao conduz a uma aquisio originria por parte da entidade expropriante e a averiguao do titular (inscrito ou no) releva no para que este deva praticar um qualquer negcio jurdico, mas sim para que receba a indemnizao devida, isto , tem um significado meramente obrigacional. Quanto aos outros actos so judicialmente determinados e, por isso, ao juiz do processo que cabe averiguar a legitimao que, no caso, lhes possa corresponder. As outras duas alneas daquele n 2 so no essencial coincidentes com as do n 3 do art 54 do C.N., verificando-se apenas quanto a) deste n 3 que feita a exigncia do conhecimento pessoal do notrio que no requisito imposto pela alnea b) do n2 do art 9. Por isso, tratando-se de acto praticado por notrio exigvel aquele conhecimento pessoal, mas sendo-o por outra entidade (por ex. um agente consular) j no o .

    A ratio desta excepo , a nosso ver, de mera natureza prtica. E justificvel: dir-se- que facilita a celebrao dos negcios jurdicos sem riscos, visto que, por um lado, quase no seria vivel no mesmo dia conseguir-se a apresentao e o registo do 1 acto a favor do adquirente e, por outro, que este pudesse ainda transmitir a outrem, que tambm registasse essa nova aquisio, defraudando as partes e terceiros e conseguindo portanto frustrar a aplicao do princpio.

    A outra alnea tambm no inteiramente coincidente nos dois cdigos, referindo-se a do registo apenas urgncia por perigo de vida dos outorgantes (que ter de ser devidamente comprovada) e que situao

    59 Cf. citado artigo de Menezes Cordeiro, pg. 109. 60 Nos termos do art 14 (tanto do Cdigo de 1967, como no 1959) o registo era obrigatrio nos concelhos onde esteja em vigor o cadastro geomtrico da propriedade rstica. Era facultativo nos outros.

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    rarssima61 e a do notariado incluindo ainda os casos de incndio e outras calamidades como tal oficialmente reconhecidas62.

    O n 3 do art 9 e a alnea b) do art 55 do C.N. aludem ao mesmo caso, que s formalmente excepo ao princpio. Dissemos que antes do Cdigo de 84 o registo era obrigatrio numa parte do Pas e facultativo noutra. Pois bem: onde era facultativo, o outorgante que queira dispor do prdio, em vez de provar que j est feito o registo a seu favor, pode juntar o(s) documento(s) comprovativo(s) de que ele est em condies de o ser ou ento, simultaneamente justificar o seu direito. Isto , demonstra a titularidade do prdio no atravs do registo, mas sim atravs dos documentos (ou da simultnea justificao) que a comprovam.

    A uma ltima hiptese se refere o Cdigo do Notariado na alnea a) do art 55: a partilha ou a transmisso de bens da herana feita pelos herdeiros habilitados. que a causa translactiva da propriedade no a partilha mas sim a sucesso por morte63 que se prova pela habilitao. Por outro lado, a lei admite que o prdio no descrito (ou sem inscrio de aquisio) se registe directamente a favor dos herdeiros (e meeiro) antes da partilha - em comum e sem determinao de parte ou direito - apenas com base na habilitao e em simples declarao que identifique o prdio (art 49). S que, havendo partilha feita, no necessrio fazer este registo (soi-disant intermdio a favor de todos) podendo registar-se directamente a favor daquele a quem foi adjudicado o prdio. Seria assim despropositado que, a propsito deste princpio da legitimao, o legislador tivesse uma perspectiva diferente.

    10 - Abordaremos ainda mais sucintamente os princpios que, na

    sequencia do Cdigo, vm seguidamente tratados - do trato sucessivo e da instncia - visto que o primeiro ir ser aprofundado numa aula prpria64 e o outro bem conhecido e tratado nas cadeiras de processo civil.

    O princpio do trato sucessivo - que est consagrado no artigo 34 do Cdigo - tendo em si um cariz formal, todavia um dos mais importantes para que o registo possa alcanar um elevado grau de credibilidade e de 61 que no sendo difcil de obter um vulgar atestado de doena j o quando tiver de especificar que o potencial outorgante corre perigo de vida. Por outro lado, esse outorgante poderia facilmente passar procurao (mesmo com o efeito previsto no art 1175 do C.C.). Assim, no se tem conhecimento de terem sido celebradas escrituras invocando esta excepo de extraordinria urgncia. 62 Trata-se das situaes (tambm muito raras) que foram especialmente contempladas no Dec.-Lei n 312/90, de 2 de Outubro e que, se incumprido o princpio ora em causa (bem como o que registralmente lhe corresponde do trato sucessivo) vo dar lugar a registos provisrios por natureza previstos no art 2, n 1, do mesmo diploma. 63 A sucesso por morte a causa de aquisio - cf. art. 1316 do C.C. - e o momento em que ocorre no o da partiha dos bens. sim o da abertura da sucesso (art 1317 b) do C.C.) A partilha apenas a causa (origem e fundamento) da distribuio dos bens. A este tema se refere pormenorizadamente Isabel Mendes no Cdigo do Registo Predial, Anotado, em comentrio ao art 9. 64 Que no CENoR vem sendo ministrada pelo Colega Silva Pereira. Quanto ao texto de apoio e outras publicaes esto disponveis no stio: www.fd.uc.pt/cenor/public.html.

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    certeza. Isto porque atravs deste princpio que possvel concretizar-se na ordem tabular a essencial regra jurdica de que o direito j tem de existir em quem transmite visto que, de harmonia com o velho brocardo, ningum pode transmitir o que no tem (nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet).

    que - salvo quando se trata de uma aquisio originria - o direito do adquirente tem de basear-se no do transmitente, que neste j tem de existir65. E porque o registo exige essa prova de um trato sucessivo que tambm existe fundamento lgico para que a lei estabelea a presuno de verdade do assento registral (que, como vimos, o art 7 consagra).

    Como se v, trata-se de um princpio que assegura uma legitimao registral (ou tabular) e por isso se tem dito que assim como o princpio da legitimao dispositiva se dirige fundamentalmente a quem elabora o documento (isto , sobretudo ao notrio) o do trato sucessivo visa quem tem de efectuar o registo, ou seja, dirige-se principalmente ao conservador.

    O princpio do trato sucessivo - embora j previsto na legislao anterior - foi apenas institudo como regra condicionante da inscrio de qualquer acto dispositivo pelo Cdigo de 1959 (que entrou em vigor em 1/1/1960) e passou a ter duas vertentes, traduzidas nos nmeros 1 e 2 do artigo correspondente (o 13): a da primeira inscrio - relativa a prdio no descrito ou sem inscrio de aquisio em vigor - e a das inscries subsequentes. Assim, no primeiro caso, quando se tratava de um negcio jurdico aquisitivo posterior data da vigncia do Cdigo (1/1/1960), para se efectuar a primeira inscrio tornava-se necessrio que o ttulo respectivo fosse anterior a essa data, pelo que, em tal caso, antes de se lavrar o registo a favor do requerente (o interessado no registo) havia que efectuar os outros registos prvios, recuando at ao que antecedesse a referida data. No outro caso - quando sobre o prdio existia uma inscrio de aquisio em vigor - no era, e continua a no ser, possvel lavrar nova inscrio (seja de aquisio seja de nus ou encargos) sem a interveno do titular inscrito. Tratando-se de aquisio tem de haver uma continuidade de inscries correspondentes aos elos da cadeia das sucessivas aquisies derivadas66; e de encargos eles s podem ser registados contra o titular inscrito ou ser por ele mesmo constitudos.

    65 Na verdade, porque os actos translativos da propriedade (venda, doao, etc.) no so constitutivos do direito, apenas o transferem (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado em colaborao com Henrique Mesquita, Vol II, nota 5 ao art 1311) haveria que fazer - se no existir a presuno do registo - a chamada probatio diablica ou ento a da aquisio originria. Como se observou no Ac. do STJ de 475/1976 (in BMJ n 257, pg 82 ) o que diz a doutrina j desde antes do Cdigo de Seabra, assim como na vigncia deste diploma e do Cdigo de 1966 e tambm a francesa, espanhola e brasileira. 66 E quanto aquisio originria? H que notar o seguinte: nesta espcie de aquisio o direito do adquirente por definio original, no deriva nem se fundamenta no do transmitente e, portanto, no existe, nesta perspectiva, qualquer trato sucessivo. S que o titular inscrito goza da presuno que o artigo 7 lhe confere. Por isso, o princpio do trato sucessivo actua aqui no sentido de obstar a que com

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    No Cdigo vigente e na actual redaco do n 1 do art 34 a primeira das sobreditas vertentes praticamente desapareceu - subsistindo apenas para os casos da alnea c) do n 2 do art 9 - certamente porque o princpio da legitimao j vigora h mais de duas dcadas e na hiptese daquela alnea foi dispensada a verificao de tal legitimao dispositiva.

    Registo prvio ou, qui melhor, primeiro registo sim, por regra, o da propriedade - ou seja, para lavrar um outro registo (seja de aquisio seja de encargos) necessrio que o prdio esteja previamente inscrito em nome de quem o transmite ou onera. Mas apenas por regra e no sempre, pois isto no se aplica aos encargos que no sejam constitudos por negcio jurdico (como , por exemplo, o caso da penhora).

    No tocante outra vertente - e apenas a esta que normalmente a doutrina se refere ao tratar do trato sucessivo - o Cdigo actual mantm o comando que j constava dos anteriores e que j indicamos: necessria a interveno do titular inscrito para poder ser lavrada uma nova inscrio definitiva67. A parte final do n 2 do art 34, utilizando a expresso salvo se, parece conter uma excepo ao princpio. Todavia, no excepo alguma, pois trata-se antes de uma sua confirmao, j que, sendo o acto consequncia de outro anteriormente inscrito, nesse outro que radica e que busca o correspondente efeito real. o que ocorre no clssico exemplo da venda executiva consequncia da respectiva e anterior penhora registada. No ser o titular inscrito que no ttulo aparece a transmitir, mas o acto translativo consequncia da penhora anteriormente registada.

    O artigo 35 prev dois casos que tambm no constituem uma excepo ao princpio do trato sucessivo, visto que so corolrio de situaes jurdicas que provm do titular inscrito e em que, portanto, no h necessidade de ser lavrada a inscrio intermdia: o da alnea a) por dvidas da herana em que ele o de cuius e o da b) porque foi o promitente alienante ao qual incumbe a obrigao de cumprir a promessa.

    O princpio do trato sucessivo aplica-se, portanto, generalidade das situaes decorrentes das transmisses e dos encargos voluntariamente constitudos (por negcio jurdico), bem como ao registo das aces, j que quando existe inscrio de transmisso em vigor o titular inscrito dever ser ou o demandado ou pelo menos chamado a interveno no processo68

    desconhecimento (e com presumvel oposio) desse titular inscrito (dir-se-: sua revelia) seja lavrada uma nova inscrio. 67 A nossa lei admite (ao contrrio, por exemplo da espanhola) que, quando o acto de disposio no praticado pelo titular inscrito, apesar disso ingresse no sistema registral provisoriamente - porque, entende-se, pode haver mera desactualizao do registo (por existir ttulo em que esse titular alienou ao que ora foi transmitente) ou ento convalidao do contrato translativo (art 895 do C.C.). Em qualquer dos casos poder-se- converter a inscrio provisria com a realizao, embora posterior, do(s) registo(s) desde o titular inscrito at ao transmitente. 68 O tema objecto de anlise no citado trabalho de Silva Pereira, que indicamos ao estudante. Entre ns, e mais recentemente, o trato sucessivo tambm analisado na bem documentada e estruturada obra de Jos Alberto Gonzlez A Realidade Registal Predial para Terceiros, a pgs. 173 e segs.

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    11 - O princpio da instncia, consagrado no artigo 41 do Cdigo, diz-nos que por regra o registo feito a pedido das partes ou de outros eventuais interessados, s se podendo efectuar com base nesse pedido. Os casos de oficiosidade constituem excepo, uma vez que s existem quando a lei expressamente os prev69.

    Cabe no entanto aclarar que este princpio tem no mbito registral uma muito maior flexibilidade do que no processo civil, dado que se admite que quem solicita o registo possa ser um interessado indirecto70 e no apenas, como no processo civil (art 26 do C.P.C.), o que tiver o interesse directo em demandar ou em contradizer.

    Diz-se que o princpio da instncia confirma o carcter civil, no mbito do direito privado, do registo, diversamente do administrativo onde, sendo admitidas as solicitaes dos interessados, no entanto a actuao oficiosa dos servios constitui a regra71.

    O princpio da instncia concretiza-se atravs da formulao do pedido de registo, que ainda , por norma, feito por meio de um impresso de modelo aprovado o qual, sendo simples, no corresponde j actual e generalizada comunicao electrnica. Esse pedido formal apresentado na conservatria, com os documentos que o acompanham e o baseiam.

    O conceito de apresentante no est claramente definido na lei - no sentido de ser o que entrega materialmente na conservatria o impresso do pedido e os documentos ou antes o que subscreve o pedido - mas propendemos a considerar que quem assina o impresso-requisio e que nele prprio como apresentante se identifica.

    Cabe ainda referir que o pedido de registo - e a nosso ver deve ser cada vez mais - facilitado, pois para os interessados e para o comrcio jurdico h um obvio interesse em que o registo esteja actualizado72. Neste sentido, o Cdigo admite uma ampla possibilidade de representao do registante, como se v do disposto no artigo 39 e, por outro lado, impe

    69 Esta excepcionalidade, a nosso ver, no querer dizer taxatividade, pois h casos que se enquadram num gnero amplo, como os de registos errados (art 121, n 1) cujos contornos de erro so por demais abertos. Entre os casos de oficiosidade assumem particular importncia os da inscrio cumulativa necessria do art 97 n 1 e os de certas converses e cancelamentos (v.g. arts 92, n 6, 101ns 4 e 5, 148,n 4 e 149). 70 Um interessado indirecto - que no significa qualquer pessoa - , num exemplo clssico, o credor que pretende cancelar (pois lhe convm e obteve o documento bastante) um encargo respeitante a um outro credor que incide sobre o mesmo prdio. ainda quem tem obrigao de promover a feitura do registo. No tocante grande flexibilidade do princpio , entre outras situaes, apontada a possibilidade de, sem requisitos nem consequncias relevantes, se desistir do pedido (art 74), bem como a da possibilidade de liberalmente se suprirem deficincias (art 73) e ainda a de o interessado poder ser representado informalmente (art 39). 71 , v.g., o que refere J. M. Garcia Garcia (op.cit., pg. 546) 72 Cabe, porm, sublinhar o seguinte: a vantajosa - necessria mesmo - facilitao do pedido de registo no significa que, feita a apresentao, deva depois fazer-se tudo o que os interessados pedem, ingressando no sistema o que legal e o que ilegal, o que certo e o que errado (como o legislador fez nos depsitos do registo comercial) e tal como melhor veremos a propsito do princpio da legalidade.

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    que os representantes legais requeiram o registo a favor dos seus representados (art 40).

    12 - O ltimo dos princpios que figura na sequncia das disposies

    do Cdigo - no seu artigo 68 - e que ser por certo o primeiro em termos qualitativos, o princpio da legalidade.

    Enunciado de uma maneira muito simples este princpio diz-nos que s podem ser registados os factos que estejam conformes com a lei e sejam baseados em ttulos vlidos e correctos73 e ainda que respeitem a sujeitos identificados (que j figurem nos ttulos como completamente identificados ou que possam ser incontroversamente identificveis) bem como a prdio determinado.

    Para que este princpio se possa concretizar indispensvel que o responsvel pelo registo - que entre ns (e v.g. tambm em Frana) se chama conservador, noutros pases (v.g. nos saxnicos ou em Espanha) registador e noutros ainda (v.g. na Alemanha) juiz do registo - faa um juzo sobre a viabilidade do pedido de registo no sentido de o admitir (definitiva ou provisoriamente) ou de o rejeitar.

    A este juzo que o conservador deve fazer para apreciar a possibilidade de o pedido ser satisfeito e o acto inscrito no sistema registral - ficando, portanto, revestido da correspondente autenticidade erga omnes - chama-se juzo de qualificao ou simplesmente qualificao. Dever-se- referir que a qualificao deve ser exercida de um modo competente e responsvel (ainda que quanto possvel clere) e tambm, como sempre se deve sublinhar, de forma independente e imparcial.

    Por isso se diz que, apesar de no ser uma funo judicial, deve no entanto exercer-se de modo semelhante74 e consiste num juzo de valor, no para declarar um direito duvidoso ou controvertido, mas para incorporar ou no no Registo uma nova situao jurdica imobiliria. usualmente designada como uma funo jurisdicional75de natureza especfica, visto que nem se pode considerar administrativa ( praticada no mbito do direito privado e no no do administrativo e tambm no na 73 Esta a expresso de Roca Sastre (no seu clssico e citado tratado, II vol. pg. 5.). Escreve este Autor: O princpio da Legalidade o que impe que os ttulos a ser inscritos no Registo da propriedade sejam submetidos a um prvio exame, verificao ou qualificao, a fim de que aos livros hipotecrios s tenham acesso os ttulos vlidos e perfeitos. E acrescenta: num sistema em que os assentos registrais se presumem exactos ou concordantes com a realidade jurdica, lgica a existncia de um prvio trmite depurador da titulao apresentada a registo. De contrrio, como diz JERNIMO GONZLEZ, os assentos s serviriam para enganar o pblico, favorecer o trfico ilcito e provocar novos conflitos. 74 Esta uma ideia que perpassa pela generalidade da doutrina (v.g. J. M. Garcia Garcia, op. cit., pg. 551), mas a frase citada de Lacruz Berdejo e Saancho Rebullida (op.cit., pg. 305). 75 V.g., entre muitos, A. Pau Pdron (op.cit. pg. 191 e seg.), J.M. Garcia Garcia (op. cit.pg. 551), Roca Sastre (op. cit. pg. 11 e Jernimo Gonzlez, a citado). No , porm, opinio incontroversa. Tem, alis, sido muito debatida na doutrina a natureza da funo (cf., por todos, o estudo de Lacruz Berdejo Dictamen sobre la naturaleza de la funcin registral y la figura del Registrador, in Revista Crtica de Derecho Inmobiliario,Ano LV, 1979).

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    dependncia de qualquer despacho da Administrao ou numa cadeia hierarquizada semelhana dos registos de informao administrativa76) nem judicial, relativa justia que compete e que - s pode ser - exercida pelos Tribunais.

    De harmonia com o disposto no art 68 a apreciao da viabilidade do pedido dever-se- fazer tendo por base trs pressupostos essenciais:

    - As disposies legais e regulamentares que se apliquem ao caso. - O que est titulado, ou seja, o que consta dos documentos que

    foram apresentados e que ainda o possam ser77. - A situao tabular - isto , tudo o que j consta do registo. Diz ainda o preceito que o conservador deve ter em especial ateno

    quatro questes: - a da identidade do prdio: saber se o pedido respeita ao mesmo

    prdio que consta dos documentos e da descrio que porventura exista78; - a da legitimidade dos interessados; - a regularidade formal dos ttulos, ou seja os requisitos extrnsecos

    e formais dos documentos; - a validade substantiva dos actos dispositivos que esto titulados. Quanto a estes ltimos pontos, convir precisar o seguinte: o

    conservador ter sempre que analisar os requisitos de forma, mas quanto aos substantivos e que respeitam fundamentalmente validade do acto no o poder fazer quando se trata da deciso judicial transitada, dado que esta assume um carcter de incontestabilidade que, nos prprios termos constitucionais (expressos no artigo 208, n 2 da Constituio) no pode ser posto ser posto em causa.

    Por isso sempre se diz que quando o pedido de registo baseado em sentena transitada em julgado podem ser opostas razes tabulares, mas no as de ordem substantiva79. 76 O tema tem sido tratado por diversos autores, podendo ver-se uma muito clara sntese no estudo de Juan A. Leyva de Leyva Planteamento general de los Registros pblicos y su divisin en Registros administrativos y Registros jurdicos in Revista Critica de Derecho Inmobiliario, Ano LXV, 1989, pss. 261 e segs. 77 Quer-se significar o seguinte: a perspectiva do conservador - para o juzo que deve fazer - no coincidente com a do juiz. No se trata de proferir uma sentena sobre a viabilidade do pedido, mas sim, na medida do (legal e facticamente) possvel, de o procurar satisfazer. Assim, no deve perder de vista um horizonte de assessoramento das partes, no sentido de lhes sugerir e aconselhar uma atempada (e rpida) apresentao complementar (que o art 73, n 2, admite) de algum documento ou declarao em falta. Por isso, logo que verifique essa falta, o conservador, por via de regra, pode (e qui deva) contactar (v.g. telefonicamente) o interessado e suster (o que, evidentemente, s o poder ser feito por pouco tempo) a realizao do registo para possibilitar tal apresentao complementar. 78 Convm notar que a questo da identidade do prdio no a da possvel divergncia de alguma ou algumas menes das descries (v.g. das referidas no art 82) quando se v que, apesar disso, se trata daquele prdio. Em tal caso, essas divergncias dariam lugar a uma provisoriedade do registo, mas nunca recusa. Diferente , pois, a questo de identidade que apenas se coloca quando se v que o prdio (deve ser) outro. 79 Casos tpicos so o de prdio diferente (ou com menes diferentes) e o do trato sucessivo: por exemplo o prdio acha-se registado a favor de A e a sentena apenas julga provada a transmisso a favor de C, feita por B. Claro que a esse C , para obter o registo a seu favor, no basta juntar a certido da

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    Um outro tema que tem sido debatido a propsito da apreciao que o conservador ter de fazer da validade substantiva do acto o do chamado duplo controlo de legalidade. De facto, exigindo em geral a lei (e bem, para que possa haver uma indispensvel certeza) que os actos constem de documento autntico, torna-se necessrio que quem os autentica - que por regra e por definio o notrio - faa o controlo da sua legalidade. Ento, se assim , porqu exigir-se que o conservador tambm o faa? No haver uma duplicao desnecessria?

    Cremos que no e que este tema - que foi sobretudo debatido em Espanha80 - redunda numa falsa questo. De facto, a qualificao do notrio feita na presena dos outorgantes, cuja identidade e suficincia de poderes verifica - verificao essa que j no feita pelo conservador, salvo, no tocante interveno e aos poderes, quando aquela pode ser ulteriormente ratificada ou estes completados. E isto, como bvio, para facilitar a completa validao do acto e o seu posterior aproveitamento. Acresce que a actuao notarial ocorre na fase de preparao do documento, sendo para tanto prestada a correspondente assessoria s partes e sendo a estas - e apenas a estas - que a sua interveno respeita. Diversamente, o conservador tem de analisar o caso verificando tambm tudo quanto ocorreu depois da respectiva titulao e qualifica a legalidade do acto para efeito da sua inscrio no registo, como rgo que no autorizou o documento e portanto com possibilidades de qualificar o dito documento de outra perspectiva, mormente a que respeita a terceiros que nele no intervieram e tendo em conta no s as manifestaes das partes, como os dados resultantes do registo81.

    Por outro lado, a qualificao do documento notarial e tem de ser diferente da que respeita ao documento judicial (a que, como regra, s podem ser opostas razes tabulares), desde logo porque nunca produz caso sentena (j que esta apenas prova que B transmitiu a C), uma vez que se torna necessrio comprovar tambm a transmisso de A (titular inscrito) para B. Mas se, por exemplo, a transmisso respeitar a um lote de terreno para construo - e o respectivo alvar no foi junto ou nem existe - o conservador no poder opor a nulidade desse acto translativo que tenha sido titulado por sentena transitada em julgado. 80 Tanto por notrios como por registradores. E j Roca Sastre considerava que se podia evitar que a validade do mesmo documento fosse apreciada por dois juristas com preparao idntica, sugerindo que a qualificao feita pelo notrio pudesse limitar-se ao negocio obrigacional e a do registrador ao de disposio ( cf. op.e loc. cit.pg. 7). Entre ns, na citada obra de Jos Alberto Gonzlez A Realidade Registral Predial para terceiros tambm tratado a pgs.114 e segs. (ainda que no possamos concordar com algumas das afirmaes, como a de pg. 119 quando se afirma que no se v obstculo a que um dos controlos seja eliminado). 81 Cf. J. M. Garcia Garcia, op.cit. pg. 551/2. Entre ns, num recente parecer do Sindicato dos Magistrados do Ministrio Pblico a propsito da denominada Casa Pronta - e apesar de se considerar que existe o falado duplo controlo - considera-se que essa no ser uma questo controversa ou que deva ser superada. De facto, diz-se textualmente que o sistema vigente entre ns aceite pela comunidade jurdica como um sistema que permite um controlo eficaz da legalidade dos actos, mesmo porque antes de serem inscritos no Registo Predial so verificados por dois licenciados em Direito (em dois momentos distintos), o que permite que o conservador do Registo Predial detecte eventuais falhas que tenham escapado ao controlo do Notrio (no stio do SMMP).

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    julgado (sendo sempre susceptvel de ser rectificado, completado ou revogado) e porque, como pacificamente se reconhece, o notrio certifica que foram feitas as declaraes constantes do documento, mas no que as mesmas so verdicas e sinceras, como soi dizer-se. Pelo contrrio a deciso judicial define o direito e torna-o incontroverso, insusceptvel de reapreciao face aos correspondentes dados de facto. Em concluso: afigura-se que a qualificao que respeita preparao e outorga do documento indispensvel para que este possa oferecer as necessrias (e convenientes) garantias de autenticidade, mas tal indispensabilidade do controlo da legalidade tambm se verifica sempre82 na fase do registo, sobretudo se este no for um mero arquivo de documentos e antes estiver ao servio do interesse das partes e da sua segurana, mas igualmente do interesse pblico que constitui a segurana do comrcio jurdico em geral. No parece, pois, defensvel (nem sequer conveniente para os prprios interessados directos) a moderna, mas ao que se cr injustificada ideia de eliminar uma dessas qualificaes. Em consequncia do exame que fez sobre a viabilidade do pedido de registo o conservador pode tomar uma de trs atitudes: lavrar o registo definitivamente (o que, em princpio, ser a hiptese normal), lavr-lo provisoriamente ou recus-lo. A primeira a situao que corresponde inexistncia de quaisquer bices tanto no que respeita plena suficincia e validade dos documentos (quer os principais que titulam o facto, quer os complementares que in casu devessem ser apresentados) como s circunstncias de ordem tabular. A segunda (referente provisoriedade do registo) tem duas vertentes: 1 - A de a lei prever directamente a hiptese, estabelecendo que naquele caso o registo provisrio: trata-se das provisoriedades por natureza (que, diga-se tambm, correspondem a situaes tpicas, habituais e pretendidas, em que o registo logo pedido como provisrio); 2- Todas as outras situaes em que h um obstculo - seja referente aos prprios documentos, seja ao facto, seja situao tabular - que impede que o registo seja lavrado como definitivo (ou como foi pedido83), mas que, todavia, no to grave que deva determinar a recusa (de harmonia com o previsto no art 68). Vemos, portanto, que os casos de provisoriedade por dvidas se estabelecem, por assim dizer, por excluso de partes: so os que no

    82 Mesmo no que toca ao documento judicial - sendo certo que o conservador no pode discutir a deciso judicial ou opinar sobre o seu acerto ou desacerto- pode e deve, no entanto, examinar o contedo do documento para verificar se vlido registralmente (como disse o Supremo de Espanha em 4/5/1995), mormente se existem razes tabulares que impedem o seu ingresso definitivo (as transcries so de A. Pau Pedrn , op cit. pg. 196). 83 Pode, por ex., o registo ter sido pedido como provisrio por natureza e, no entanto, no ser essa a qualificao que deva ter, mas sim (ou tambm) a de provisrio por dvidas (v.g. falta de um documento).

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    podendo ser definitivos nem estando previstos entre os casos da provisoriedade por natureza, tambm no do lugar recusa. A respeito destas provisoriedades, a Lei Hipotecria de 1863 referia-se (no art 67) aos casos em os ttulos apresentados eram de duvidosa legalidade. A propsito - e tal como hoje pacificamente se entende - convm frisar o seguinte: o conservador no pode duvidar, nem tambm a legalidade do ttulo ou do acto pode ser duvidosa. , ou no , legal. Falta, ou no falta, certo documento ou determinada declarao.

    Em suma: quando o conservador qualifica um acto como provisrio por dvidas no pode ser porque ele prprio hesite ou tenha as suas dvidas acerca da qualificao. , sim, porque tem a certeza de que deve ser essa (e s poder ser essa) a caracterizao do acto. Os casos de provisoriedade por natureza esto mencionados nas sucessivas alneas dos ns 1 e 2 do artigo 92 e os de recusa so os que se acham previstos no artigo 6884, cuja anlise, ainda que importante, nos parece, contudo, que excederia a simples exposio do princpio da legalidade.

    Um ltimo apontamento para dizer que havendo lugar recusa ou provisoriedade por dvidas o conservador deve justificar essa qualificao atravs de despacho85 - fundamentado, mas sucinto, que tem de ser notificado ao interessado. J. A. Mouteira Guerreiro

    84 Afigura-se que os casos de recusa so apenas esses, como de resto resulta de alguns debates que antecederam a publicao do Cdigo (entendeu-se que as hipteses de total rejeio no deviam ser deixadas considerao casustica do registador). Por outro lado, a disposio do n 2 no significa que inexista uma taxatividade. que os casos (embora genricos) so apenas esses: 1) a natureza do acto (v.g. o usual averbamento) no admite a provisoriedade ou, 2) h uma total falta de elementos (dos sujeitos, do prdio ou do facto) que impossibilita que o registo se faa. 85 Este despacho obrigatrio. No entanto, tem-me parecido que em alguns casos (v.g. de registo definitivo) especficos ou complexos, nada impede que o conservador justifique a qualificao feita. Quanto notificao, tambm deve ser feita em diversos casos de provisoriedade por natureza (art 71, n 2).

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