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FACULDADES UNIDAS DO NORTE DE MINAS – FUNORTE CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO JACYARA NOBRE OLIVEIRA PROVAS ILÍCITAS

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FACULDADES UNIDAS DO NORTE DE MINAS FUNORTE

CURSO DE GRADUAO EM DIREITO

jacyara nobre oliveira

PROVAS ILCITASMontes Claros MG

2014jacyara nobre oliveira

PROVAS ILCITASTrabalho acadmico apresentado como atividade complementar da disciplina de Metodologia Cientfica do Curso de Direito das Faculdades Unidas do Norte de Minas FUNORTE/SOEBRAS Professor Normando

Montes Claros MG

2014SUMRIO

1. TEMA05

2. PROBLEMA06

3. INTRODUO07

4. JUSTIFICATIVA 08

5. OBJETIVOS09

5.1. Objetivo Geral 09

5.2. Objetivos Especficos 09

6. METODOLOGIA 10

7. CRONOGRAMA 11

8. FUNDAMENTAO TERICA 12

9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 16

1.INTRODUO

Genericamente, no vocabulrio comum, prova tudo aquilo que atesta a veracidade de algo, vale dizer, todos os instrumentos de que algum dispe para confirmar suas afirmaes, seja um clculo, uma premissa ou uma negao. As provas em nosso ordenamento possuem uma importncia fundamental, na medida em que buscam demonstrar ao rgo decisrio, o mais prximo da realidade dos fatos que lhe so apresentados no bojo da lide. atravs desses instrumentos que o julgador busca basear o seu convencimento na hora de prolatar uma deciso.

No processo penal, a anlise dessas deve ser feita com maior acuidade, uma vez que delas depende a liberdade do indivduo. Uma prova viciada, irregular, forjada, o ponto de partida de uma injustia. Na poca do regime de exceo, as provas eram largamente manipuladas para atenderem aos interesses da ditadura, o que invariavelmente lhes retirava a natureza jurdica material, pois de prova no se tratava. No regime constitucional democrtico, em decorrncia dos prejuzos dignidade da pessoa humana auferidos com a utilizao das provas ilcitas na ditadura, foram criadas garantias constitucionais em maior quantidade, quando se fala na funo estatal de punir, estando aposto num extenso rol de garantias previstas no art. 5 da Constituio da Repblica de 1988.

Em verdade, a inadmissibilidade das provas ilcitas uma das bases do devido processo legal, sem o qual no h uma persecuo penal constitucionalmente adequada, impedindo a ao punitiva do estado. Em brilhante voto[1], o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, bem traduziu a importncia da inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal ptrio, in verbis:

A ao persecutria do Estado, qualquer que seja a instncia de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, no pode apoiar-se em elementos probatrios ilicitamente obtidos, sob pena, de ofensa garantia constitucional do due process of Law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das prova ilcitas, uma de suas mais expressivas projees concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A exclusionary rule consagrada na jurisprudncia da Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica como limitao ao poder do Estado de produzir prova em sede de processo penal. A Constituio da Repblica, em norma revestida de contedo vedatrio (CF, art. 5, LVI), desautoriza, por incompatvel com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democrticas (CF, art. 1), qualquer prova cuja obteno, pelo Poder Pblico, derive de transgresso a clusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatrios que resultem de violao do direito material (ou, at mesmo, do direito processual), no prevalecendo, em conseqncia, no ordenamento normativo brasileiro, em matria de atividade probatria, a formula autoritria do male captum, bene captum. Doutrina. Precedentes.

De acordo com o inciso LVI, do mencionado art. 5 da Constituio Federal so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos. Tal garantia ganha maior relevncia no processo penal, visto que garante coletividade que nenhum meio ilegal de colheita de provas, ainda que estas sejam lcitas, ser admitido no processo em que sua liberdade de locomoo esteja em jogo, erigindo esse princpio constitucional em verdadeiro pilar do Estado Democrtico de Direito.

O princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas se caracteriza pela preveno, isto porque, o intuito de tal princpio impedir que as autoridades estatais ou mesmo particulares se utilizem de expedientes ilegtimos para gerar prova. Visa frear, principalmente, o mpeto estatal de punir que est nsito em seu agir, devido aos resqucios do sistema inquisitivo que persiste em enodoar nosso ordenamento processual penal, principalmente quando falamos nos procedimentos administrativos policiais, que so eminentemente inquisitivos e muitas vezes extrapolam o limite da legalidade ao aplicar determinadas aes que no se coadunam com o sistema punitivo ptrio institudo pela Constituio de 1988.

A problemtica das provas ilcitas ou provas obtidas por meios ilcitos foi bastante discutida nos Estados Unidos, na qual a Suprema Corte daquele pas, em determinados casos passou a flexibilizar a tese de inadmissibilidades das provas ilcitas no processo penal, criando teorias que permitem tal entendimento. O Supremo Tribunal Federal tem adotado essas teorias, que acabam admitindo em certas circunstncias, provas que atingem frontalmente os preceitos previstos nas normas e princpios de nossa Constituio da Repblica. Esse entendimento de nossa Corte Suprema , no mnimo, temerrio, pois acaba por arranhar as garantias constitucionais, permitindo que operaes policiais hajam como verdadeiras aes de opresso e cerceamento das liberdades individuais.

Hodiernamente, segundo se tem noticiado pela grande imprensa, operaes engendradas pela Polcia Federal em associao extra-oficial com a Agncia Brasileira de Inteligncia ABIn realizaram vrias interceptaes telefnicas de autoridades dos mais diversos poderes, inclusive, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o eminente ministro Gilmar Mendes, tudo organizado de maneira que, alm de provas para futuras denncias criminais, tambm integrassem dossis da vida pessoal dessas autoridades, para fins escusos.

Tais acontecimentos nos trazem a possibilidade de que o Brasil se transforme em um estado policial, aniquilando a sustentao de nossa democracia, impondo a necessidade da adoo de aes enrgicas de combate a estes expedientes clandestinos, sendo a diminuio do espectro de possibilidades de admissibilidade de provas obtidas por meios ilcitos uma das principais, devendo ser adotada por nossos tribunais de forma urgente.

O presente trabalho possui o intuito de estudar as vrias teorias que permeiam o assunto da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos (exclusionary rule), como por exemplo, a doutrina dos frutos da rvore venenosa (fruits of the poisonous), limitao da fonte independente (independent source limitation), limitao da descoberta inevitvel (inevitable discovery limitation), a exceo da boa-f ao princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas, limitao da contaminao expurgada (purged taint limitation) ou da conexo atenuada (attenuated connection limitation), dentre outras provenientes da jurisprudncia e doutrina norte-americana e germnica, todas analisadas sob o prisma da proporcionalidade, separando as teorias compatveis com o nosso estado democrtico de direito, e aquelas incompatveis, sem, no entanto esgotar a matria das provas ilcitas no processo penal, mas sim, apresentar um quadro propedutico acerca desta questo geradora de tantas controvrsias.

2.APONTAMENTOS DA TEORIA GERAL DA PROVA

Antes de adentrarmos no mrito do presente estudo, mister analisarmos os conceitos e formas de exteriorizaes que formam a base do instituto das provas. Neste prtico, possvel identificar diversos contextos na qual as provas esto inseridas. Destarte, o mestre Denlson Feitoza[2] identifica as provas como fonte, como manifestao da fonte, a prova como atividade probatria e a prova como resultado, dentre outras classificaes utilizadas pela doutrina.

A prova como fonte se refere s pessoas e coisas utilizadas como prova, consideradas como fontes dos estmulos sensoriais que chegam percepo da entidade decisora (por exemplo, o juiz) sobre um fato.

A prova como manifestao da fonte refere-se prova pessoal, vale dizer, a diferena entre a pessoa como a prova propriamente dita e sua manifestao. Nesta concepo, podemos distinguir a pessoa (por exemplo: a testemunha) e sua manifestao (por exemplo: o testemunho, as declaraes ou depoimento das testemunhas).

A prova como atividade probatria o ato ou conjunto concatenado de atos tendentes a formar a convico do magistrado sobre a existncia ou inexistncia de um fato. Assim, quando nos referimos ao exame do corpo de delito, estamos observando a atividade probatria como um todo, mas podemos nos referir a outros aspectos desse ato, como a pessoa que est sendo examinada e o laudo pericial que esxurge a partir de tal exame.

A prova como resultado seria o convencimento auferido pela entidade decisora a partir da anlise axiolgica das provas trazidas a juzo pelas partes litigantes, ou seja, a convico que o juiz tem da existncia ou inexistncia de algum fato, pela anlise do arcabouo probatrio carreado aos autos do processo.

A prova como meio, configura-se no instrumento probatrio utilizado para convencer o magistrado sobre a existncia ou no de um fato.

A finalidade da prova o objetivo que se busca alcanar com a apresentao da prova, vale dizer, a impresso que a parte busca causar na convico do juiz por meio da demonstrao probatria dos fatos narrados no bojo do caderno processual.

O destinatrio da prova basicamente o juiz, a quem compete decidir a lide que lhe fora apresentada pelas partes. Todavia se entendermos que as provas no servem apenas para instruir o processo penal, e entendendo que a rega no processo penal ptrio que o Ministrio Pblico possui a atribuio para propor a ao penal, chegamos concluso de que o Ministrio Pblico tambm destinatrio da prova, porquanto as provas advindas do inqurito policial ou demais expedientes servem para formar o convencimento do parquet sobre a possibilidade ou no de apresentar a denncia, ou seja, na fase pr-processual as provas tambm tm a funo de formar a opinio delicti do rgo do Ministrio Pblico. Dessa forma, para sabermos qual o destinatrio e a finalidade da prova, necessrio analisarmos o expediente probatrio do ponto de vista lgico, ou seja, a finalidade e o destinatrio dependem do referencial ou perspectiva adotada.

Elementos de prova so todos os fatos ou circunstncias em que repousa a convico da entidade decisora e o fato probando o fato que se deseja provar.

Ainda podemos diferenciar os meios de prova, dos meios de obteno de prova [3]. Os meios de prova so as coisas, pessoas e suas manifestaes (declaraes, documentos etc.) que podem levar estmulos sensoriais percepo da entidade decisora e formar sua convico sobre a existncia ou no de um fato. Os meios de obteno de prova so os meios que permitem a obteno dessas coisas, pessoas e manifestaes. Nesse sentido, por exemplo, a autorizao judicial de interceptao telefnica, um meio de obteno de prova. As informaes colhidas, degravadas e acostadas ao processo so o meio de prova. Como perceptvel, a distino tnue, uma vez que o meio de obteno de prova pode facilmente, dependendo do caso, pode ser considerado um meio de prova. Basta imaginarmos um caso de busca e apreenso, cujo cumprimento foi frustrado e a convico do juiz dependia de tal documento, assim a busca e apreenso frustrada passou a ser um meio de prova, porquanto influenciou diretamente na convico do magistrado.

2.1 CLASSIFICAES DAS PROVAS

A classificao da prova pode ser feita quanto ao objeto, quanto ao sujeito ou fonte, quanto forma ou aparncia e quanto ao valor ou efeito.

2.1.1 Quanto ao objeto

A prova quanto ao objeto subdivide-se em duas vertentes, quais sejam, a prova direta e a prova indireta. A prova direta diz respeito ao fato probando, h um liame direto, por exemplo, a testemunha que viu o ru matar a vtima, esfaqueando-a. Na prova indireta h um liame indireto, diz respeito indiretamente ao fato probando, por exemplo, a testemunha que viu o ru, logo aps a morte da vtima, com uma faca ensangentada nas mos.

2.1.2 Quanto ao sujeito ou fonte

Nesta classificao refere-se origem da prova. Se a prova adveio de algum objeto, por exemplo, a arma com impresses digitais do agente do crime, teremos a prova real, uma vez que adveio de um objeto, a arma. Caso a prova surja a partir de uma pessoa, por exemplo, a testemunha de um furto, vamos ter a prova pessoal.

2.1.3 Quanto forma ou aparncia

Aqui temos a prova testemunhal, proveniente, por exemplo, das declaraes das testemunhas, ouvida do lesado ou vtima e acareaes. A prova documental, que se consubstanciam em escritos pblicos ou particulares, livros comerciais etc. Ademais tambm temos a prova material, por exemplo, corpo de delito, exames, vistorias, instrumento do crime etc.

2.1.4 Quanto ao valor ou efeito

Neste contexto, h a diviso entre a prova plena e a prova no-plena. A primeira nos infunde um juzo de certeza, por exemplo, a necessria para a condenao. A segunda aquela que nos traz um juzo de credibilidade ou de probabilidade, ou seja, no h uma certeza, com base naquela prova, de que o crime ocorreu, porquanto essa prova somente demonstra indcios do ocorrido.

Alm dessas, ainda temos classificaes vrias. Todavia, no interessante para o presente trabalho o estudo de todas as classificaes, uma vez que no est inserido no seu objetivo precpuo.

3. DIFERENA ENTRE PROVA ILEGTIMA E PROVA ILCITA

Como vimos a Constituio de 1988 determina que so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos, nos dando uma idia genrica, qual seja, a inadmissibilidade das provas provenientes de expedientes ilcitos. Nesse ponto, temos questes a enfrentar. O que poderamos chamar de provas ilcitas ou derivadas de provas ilcitas, abrangidas pelo inciso LVI, artigo 5 da Constituio da Repblica? E qual a conseqncia da obteno das provas por meios ilcitos?

Boa parte da doutrina se refere a duas modalidades de provas proibidas, as provas ilcitas e ilegtimas. Durante muito tempo foi convencionado que as provas ilcitas seriam aquelas que violam normas jurdicas materiais e as provas ilegtimas violam as normas de direito processual, estando ambas compreendidas no gnero das provas ilegais. Argumentava-se que o conceito de provas ilcitas presentes no texto constitucional se referia somente s provas ilcitas ou ilcitas e ilegtimas ao mesmo tempo. Entendia-se que para as provas ilegtimas seria aplicado o sistema das nulidades, enquanto que para as prova ilcitas era utilizado o sistema da inadmissibilidade.

Tal diviso, a nosso ver, no tem razo de ser, porquanto desnecessria. A prova ou meio de obteno de prova violadores de uma norma jurdica, seja essa norma afeta ao ramo do direito material, seja ligada ao processo, s normas constitucionais ou infraconstitucionais, configura-se em prova ilegal, uma vez que viola determinao da lei, independentemente da natureza da norma violada.

Com efeito, no intuito de dar maior celeridade, simplicidade e segurana processual, o Presidente Luis Incio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei 4205/2001 e, em 10 de junho de 2008, foi publicada a Lei n. 11.690/08, que deu nova redao ao artigo 157 do Cdigo de Processo Penal. Em nosso entender, com o advento de tal Lei a distino entre normas ilcitas e ilegtimas criada pela doutrina restou encerrada, porquanto unificou, acertadamente, a abrangncia do termo provas ilcitas contido na Constituio Federal. Pela importncia do dispositivo, pedimos venia para transcrev-lo:

Art. 157. So inadmissveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilcitas, assim entendidas as obtidas em violao a normas constitucionais ou legais.

1 So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas, salvo quando no evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

2 Considera-se fonte independente aquela que por si s, seguindo os trmites tpicos e de praxe, prprios da investigao ou instruo criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

3 Preclusa a deciso de desentranhamento da prova declarada inadmissvel, esta ser inutilizada por deciso judicial, facultado s partes acompanhar o incidente.

Depreende-se do texto legal que no h mais qualquer importncia se a norma violada de direito material ou processual. Assim, havendo violao s normas constitucionais ou legais em uma prova ou o meio de obt-la, essa ser considerada ilcita. Aqui encontramos certa atecnia do legislador, porquanto errnea a distino entre normas constitucionais e legais, afinal, normas constitucionais no deixam de ser normas legais, se diferenciando apenas em relao hierarquia. O mais correto, dentro da ampla abrangncia buscada na nova redao do artigo 157, seria denominar de normas constitucionais e infraconstitucionais, as normas passveis de serem violadas pelos expedientes probatrios adotados pelas partes.

Tambm se verifica da leitura do artigo 157, que prevaleceu a tese da inadmissibilidade das provas ilcitas. Alis, houve uma unificao entre as teses da inadmissibilidade e da nulidade, uma vez que, verificando o juiz de antemo a ilicitude de uma prova ou sendo alertado pela parte acerca da prova ilcita, segundo o 3 do referido dispositivo, deve decidir sobre a sua inadmissibilidade e, precluda tal deciso, mandar desentranh-la do caderno processual. Assim, caso no tenha havido nenhum ato baseado nesta prova, ela somente ser inadmissvel. Caso tenham ocorridas decises e demais atos com fundamento em tal prova, alm de ser inadmissvel no processo penal, tambm gerar a nulidade dos atos nela fundamentados.

O aludido artigo 157 tambm possua um quarto pargrafo, todavia foi tolhido pelo Veto presidencial. O aludido pargrafo adotava a teoria da descontaminao do julgado, que nada mais que um mecanismo processual que tornaria possvel o julgamento da demanda por outro juiz que no aquele que conheceu a prova tida, posteriormente, como ilcita. Ou seja, trata-se de uma forma, um instrumento destinado a impedir que o juiz que conheceu a prova ilcita julgue a causa, porquanto, mesmo que este tenha em seu pensamento toda moralidade pblica, busque toda a imparcialidade que se impute a um magistrado, poder ser influenciado pelo contedo material probatrio ilcito que tomou conhecimento.

De acordo com o prprio texto do Veto presidencial, o referido dispositivo normativo no se coaduna com o princpio constitucional da celeridade processual, visto que ao declinar de julgar a lide, o magistrado restaria por atrasar ainda mais, a j lenta, instruo processual penal, porquanto o novo magistrado que passaria a julgar o caso teria novamente que analisar todo o caderno processual, bem como, analisar cada prova licitamente apresentada, para poder formar sua convico.

Entendemos que ambas as posies so plausveis, tanto do legislador, quanto a motivao do Veto. Porm, devemos analisar com mais cuidado a questo.

sabido que a imparcialidade pura do magistrado, como quer a lei, configura-se em mais uma fico jurdica, porquanto no h, obviamente, um juiz que tenha iseno total acerca dos casos que julga, por um simples motivo: o juiz um ser humano, e como tal, ao decidir as lides que lhe so apresentadas, aplica no s o seu conhecimento jurdico ao caso, mas tambm, as convices sociais que desenvolveu e as influncias simbolgicas e costumeiras da comunidade em que atua. Portanto, o fato de declinar do julgamento da lide, em virtude de ter o magistrado tomado conhecimento de eventual prova ilcita no bojo dos autos processuais, pouco influencia na imparcialidade do julgamento da causa. Mesmo porque, o novo juiz que passaria a julgar o caso, acabaria tomando conhecimento de que naquele processo existiu uma prova da acusao que demonstrava a autoria e/ou materialidade a imputao feita ao ru, mas que no foi admitida por ser ilcita. Isto se d pelo fato que, como iremos discorrer posteriormente, no processo penal ptrio, a inadmissibilidade das provas ilcitas somente ocorre em relao acusao, sendo permitida a sua utilizao para que o ru se defenda.

De outra banda, mesmo entendendo que ocorre uma mnima influencia no decisum, consideramos relevante a adoo da teoria da descontaminao do julgado, ainda que se tenha uma ampliao na durao do processo. Em verdade, aqui ocorre um choque entre os princpios da celeridade e do justo julgamento da lide. Sopesando ambos os princpios de forma a privilegiar a razoabilidade, chegamos concluso de que mais condigno com o regramento constitucional a prevalncia do justo julgamento da lide. Destarte, temos que a celeridade processual pressuposto de efetivao da jurisdio. Todavia, no podemos correr o risco de condenar um inocente, em nome da celeridade processual, sob pena de estarmos subvertendo a finalidade do processo penal.

Neste passo, somos contrrios ao Veto presidencial, que resolveu privilegiar o princpio da durao razovel do processo, sem ponderar a necessria justia dos julgados, posto que o conhecimento da prova ilcita no bojo dos autos acaba por influenciar na deciso do magistrado. Esse o entendimento de Marinone e Arenhart[4]:

No se quer dizer, note-se bem, que o juiz que se baseou na prova ilcita ir buscar uma sentena de procedncia a qualquer custo, ainda que inexistam outras provas vlidas, mas apenas que a valorao dessas outras provas dificilmente se livrar do conhecimento obtido atravs da prova ilcita.

Trata-se de situao que peculiar natureza humana, e assim algo que deve ser identificado para que a descontaminao do julgado seja plena ou para que a sua descontaminao pelo tribunal elimine ou previna qualquer possibilidade de infeco posterior. Portanto, se o tribunal decide que uma das provas que a sentena se baseou ilcita, o julgamento de primeiro grau dever ser feito por outro juiz, que no aquele que proferiu a deciso anterior.

Na verdade, a problemtica da contaminao dos julgados, um dos principais entraves aplicao do princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas no Brasil. Como se pode ignorar um objeto que foi visto e se sabe que existe? Essa uma questo, que nem mesmo a fico jurdica pode modificar, pois como dito na transcrio acima, trata-se de situao que peculiar natureza humana. O professor Edilson Feitoza[5] bem explicita o mago da questo:

Essa cultura inquisitiva atribuiu a uma verdade processual um carter absoluto e quase divino, que no poderia ser ignorada, seja qual fosse seu custo, pois uma tal verdade possibilitaria a iluso de uma justia absoluta, a transcendncia de uma justia divina, aquela que tudo sabe e tudo conhece.

Com isso, tal qual um organismo, que precisa estar livre de contaminaes para que produza sua finalidade de forma saudvel e satisfatoriamente, o processo necessita estar livre, na medida do possvel, de quaisquer contaminaes, para que se tenha uma prolao justa do rgo decisrio.

4. PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS

4.1 TEORIA DA EXCLUSIONARY RULE

A doutrina e a jurisprudncia de diversos pases tm oscilado, durante algum tempo, quanto admissibilidade processual das provas ilcitas. Da posio inicial, que admitia a prova relevante e pertinente preconizando apenas a punio do responsvel pelo ato ilcito (penal, civil ou administrativo) praticado na colheita ilegal da prova, chegou-se convico de que a prova obtida por meios ilcitos deve ser banida do processo, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade, por vulnerar normas ou princpios constitucionais como, por exemplo, a intimidade, o sigilo das comunicaes, a inviolabilidade de domiclio, a prpria integridade e dignidade da pessoa.

A teoria da exclusionary rule ou princpio da excluso, equivalente nossa teoria ptria da inadmissibilidade das provas ilcitas, surgiu no processo penal dos Estados Unidos da Amrica.

Em 1914, no caso Weeks versus United States[6], a Suprema Corte norte-americana estabeleceu que o princpio da excluso era aplicvel aos processos federais. Nesse caso especfico, quela Corte Suprema decidiu que prova violadora da IV Emenda por policiais federais seria banida de um processo federal.

No obstante tal deciso, diversas cortes estaduais daquele pas rejeitaram esta teoria, impedindo que a exclusionary rule fosse aplicada aos processos estaduais.

Em 1961, no caso Mapp v. Ohio[7], aquela Suprema Corte estendeu o princpio da excluso aos processos estaduais, ocasio no qual foi afirmado que toda prova obtida por meio de buscas e apreenses (e prises) com violao da Constituio inadmissvel numa corte estadual.

Segundo Feitoza[8], a justificao primria para o princpio da excluso, no caso Weeks v. U.S. foi a necessidade de evitar a confirmao judicial de aes inconstitucionais da polcia. As cortes no poderiam tornar-se cmplices da desobedincia intencional da Constituio, a qual elas tinham jurado preservar. A excluso da prova ilcita assegura s pessoas todas potenciais vtimas de conduta estatal ilcita que o governo no ter proveito de sua conduta ilcita , minimizando-se, assim, o risco de seriamente minar a confiana popular no governo. O entendimento majoritrio posterior, contudo, deu menor peso ao fundamento da integridade judicial.

Como dito no incio, a inteno da teoria da excluso, a de prevenir, impedir, dissuadir a conduta policial ilcita alm dos casos em que o particular puder produzir prova de acusao, quando, obviamente, a teoria ser-lhe- estendida -, compelindo ao respeito s garantias constitucionais, como forma de legitimar o processo criminal. Vale dizer, no h processo legtimo, se houver vcios de legalidade nas provas que so seu fundamento de legitimidade. Havendo, neste ponto at mesmo uma restrio ao princpio da liberdade das provas, uma vez que essa premissa no absoluta, como bem asseverou o Professor Paulo Rangel[9]:

A liberdade de prova, portanto no absoluta, pois muitas vezes o juiz estar coarctado em sua pesquisa sobre a veracidade dos fatos. O fundamento desta limitao est em que a lei considera certos interesses de maior valor do que a simples prova de um fato, mesmo que seja lcito. Pois os princpios constitucionais de proteo e garantia da pessoa humana impedem que procura da verdade utilize-se de meios e expedientes condenveis dentro de um Estado Democrtico de Direito.

A inadmissibilidade das provas ilcitas no processo penal, mais que uma garantia constitucional, um verdadeiro remdio jurdico criado judicialmente com a destinao de proteger as garantias constitucionais, de modo que uma garantia das garantias, que protege os direitos do cidado em face do poder punitivo do estado. Desencorajando aes policiais que violadoras dos preceitos constitucionais.

Basta considerarmos um caso hipottico, em que um policial, no af de cumprir um mandado de busca e apreenso, resolve faz-lo durante a noite. Posteriormente, observada a violao da norma constitucional da inviolabilidade do domiclio, as provas provenientes da ao policial ilegal so desentranhadas dos autos. Neste caso o princpio da excluso possui trs importantes funes, quais sejam, impedir que haja uma condenao injusta, preservar a soberania das normas constitucionais e dissuadir o policial de continuar, em casos futuros, a agir assim, pois seu esforo de nada valer.

Alguns julgadores, mormente no Brasil, defendem uma tese mista ou flexvel. Para eles as provas obtidas por meios ilcitos podem ser admitidas no processo penal, desde que haja punio criminal do agente que violou a lei para obter a prova. Com a devida venia, tal tese alm de ilgica, acaba por impedir o efeito preventivo do princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas. O que faria um policial arriscar-se para obter uma prova por meio ilcito, sabendo que a posteriori ele tambm poderia ser condenado criminalmente pelo expediente probatrio adotado? Como seria essa punio do policial, caso o ru fosse realmente considerado culpado pelo delito?

Como sabido, no Brasil o nmero de condenaes de policiais por crime de abuso de autoridade ou por crime de tortura baixssimo, apesar de notcias constantes de tais prticas na obteno das provas. Basta analisarmos o nosso Estado do Rio Grande do Norte, cujos policiais, principalmente no interior do Estado, acabam por utilizar-se de expedientes escusos para obteno de confisses e demais provas. Infelizmente, o abuso estatal, principalmente no que se refere s polcias, uma prtica culturalmente aceita em nosso pas, vale dizer, comum, no seio da populao a mxima de que policial que no bate em bandido policial fraco e sem autoridade. O problema que at mesmo os culpados incontestes esto acobertados pelas garantias constitucionais e pelos direitos humanos consubstanciados na Conveno Americana dos Direitos Humanos (1969) [10].

No obstante ser defendida por alguns juristas essa tese no admitida em nossos tribunais.

5. DOUTRINA DOS FRUTOS DA VORE VENENOSA

Na mesma linha do princpio da excluso ou como a sua prpria ampliao, surgiu a chamada doutrina dos frutos da rvore venenosa (fruits of the poisonous tree doctrine), tambm conhecida como teoria da prova ilcita por derivao. Por essa teoria a prova lcita produzida a partir de uma prova ilcita, por essa est contaminada, devendo tambm ser considerada ilcita. Como supramencionado, essa doutrina surgiu na Corte Suprema dos Estados Unidos da Amrica, tendo sido exteriorizada no caso Silverstone Lumber Co, v U.S. (1920) [11], nesse caso aquela Suprema Corte decidiu que uma intimao que tinha sido expedida com base numa informao obtida por meio de uma busca ilegal era invlida. Destarte, a acusao no poderia usar no processo a prova obtida diretamente na busca ilegal, nem a prova obtida indiretamente por meio da intimao baseada nessa busca.

Aqui se aplica a mesma lgica das provas obtidas por meios ilcitos, na medida em que a ilicitude no est na prova, mas sim na sua gnese. No caso das provas obtidas por meios ilcitos, h ilegalidade no expediente adotado para obter a prova, em relao s provas ilcitas por derivao, tem-se que ela surge de outra prova considerada ilcita.

Os efeitos decorrentes da adoo dessa tese pelos tribunais so os mais diversos, porquanto pode restringir-se a ilicitude de um simples depoimento, que pode no influenciar em nada no desenrolar da instruo processual penal, at ocasies em que se pode formar uma cadeia causal anulando a totalidade das provas produzidas no processo, bem como das decises judiciais baseadas nelas. Imagine-se, por exemplo, uma gravao ambiental realizada por quem no estava participando da conversa, sem mandado judicial para tanto, sendo que s se descobre essa ilegalidade probatria nas alegaes finais. Toda prova produzida, medidas liminares e demais atos fundamentados na referida gravao clandestina, acabam sendo nulos.

Sobre tal temtica, o ento Ministro Seplveda Pertence discorreu em lcido voto[12]:

Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatria do fruit of the poisonous tree a nica capaz de dar eficcia garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilcita.

De fato, vedar que se possa trazer ao processo a prpria degravao das conversas telefnicas, mas admitir que as informaes nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que, sem tais informaes, no colheria, evidentemente, estimular e, no, reprimir a atividade ilcita da escuta e da gravao clandestina de conversas privadas.

...................................................

Na espcie, inegvel que s as informaes extradas da escuta telefnica indevidamente autorizada que viabilizaram o flagrante e a apreenso da droga, elementos tambm decisivos, de sua vez, na construo lgica da imputao formulada na denncia, assim como na fundamentao nas decises condenatrias.

Dada essa patente relao gentica entre os resultados da interceptao telefnica e as provas subseqentemente colhidas, no possvel apegar-se a essas ltimas - frutos da operao ilcita inicial - sem, de fato, emprestar relevncia probatria escuta vedada. (sem grifos no original)

Tais quais os frutos de uma planta contaminada por substncia txica herdam tal vcio, as provas provenientes de expedientes probatrios sem a observncia dos requisitos legais mnimos, so como estes, considerados ilcitas e, como tal ilicitude deriva da prova contaminada, consideram-se essas provas como ilcitas por derivao.

O Supremo Tribunal Federal, em vrios julgados vem adotando vrias teorias que permitem, em determinados casos, a restrio da doutrina dos frutos da rvore venenosa. Essas teorias constantes do presente estudo, conforme j dito, provm do direito norte-americano que, apesar de ser pioneiro no desenvolvimento da exclusionary rule, tambm desenvolveu, paradoxalmente, outras teses que impedem a aplicao do referido princpio, tais como a limitao da fonte independente, a limitao da descoberta inevitvel e a limitao da contaminao expurgada ou, como tambm chamada, limitao da conexo atenuada.

6. TEORIAS RESTRITIVAS DO PRINCPIO DA EXCLUSO

6.1 EXCEO DA BOA-F AO PRINCPIO DA ILICITUDE

A restrio ao princpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos tem na exceo da boa-f uma de suas primeiras vertentes. Por essa doutrina, um policial que fizesse uma apreenso ilcita atuando na crena da boa-f de que sua conduta estava conforme o direito existente e tendo motivos razoveis para sua crena, estaria salvaguardado de que aquela prova produzida, no obstante ser ilcita seria admitida no processo. A excluso da prova ilcita, no caso, no teria efeito preventivo. Os dois critrios, portanto, seriam a boa-f e a crena razovel na legalidade da conduta.

Nos Estados Unidos, onde surgiu a referida doutrina, numa primeira hiptese da exceo da boa-f [13], a Suprema Corte, decidiu que no se deveria excluir uma prova obtida por policiais atuando com confiana razovel em um mandado de busca expedido por um juiz neutro e imparcial, mas considerado finalmente como no fundado nos indcios necessrios para sua expedio, isso porque havia prova suficiente para criar desacordo entre juzes cuidadosos e competentes quanto existncia da justa causa (probable cause). Destarte, nesse caso, a confiana dos policiais na determinao judicial da existncia dos indcios necessrios foi objetivamente razovel, considerando-se como tal o que um razoavelmente bem treinado policial teria sabido.

6.2 A LIMITAO DAS FONTES INDEPENDENTES

Uma fonte o nascedouro de algo, logo uma fonte de uma prova configura-se no ambiente ou procedimento de onde surgiu a prova do fato. Na teoria dos frutos da rvore venenosa, como vimos no item anterior a fonte ilcita, o que resta por contaminar as provas que dela derivam. Ocorre que, existem ocasies, na qual no obstante existirem provas ilcitas por derivao inadmitidas no processo criminal, podem surgir provas de acusao que no guardam qualquer nexo de causalidade com a fonte viciada, mesmo que o objetivo dessas provas seja o mesmo. Em tais casos, os tribunais tm denominado de limitao das fontes independentes, e admitido as provas que no tem qualquer relao com as provas viciadas, isto , possuem fontes independentes.

Mas o que de fato seriam fontes independentes? Durante muito tempo, vrios foram os conceitos dados pela doutrina. Contudo a nova redao do art. 157, 2 do Cdigo de Processo Penal tentou conceituar o que considera como sendo uma fonte independente. Como sempre, quando o legislador tenta fazer um papel que era da doutrina, conceituando institutos jurdicos, a conceituao saiu com um erro grosseiro. O legislador cometeu um ledo engano, porquanto o que ele conceituou como fonte independente, na verdade o conceito da teoria da descoberta inevitvel, seno, vejamos a redao do referido dispositivo:

2 Considera-se fonte independente aquela que por si s, seguindo os trmites tpicos e de praxe, prprios da investigao ou instruo criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

Da leitura do mencionado pargrafo, salta aos olhos a doutrina da descoberta inevitvel (inevitable discovery), doutrina estadunidense que tambm tem o condo de restringir o mbito de aplicao da teoria dos frutos da rvore venenosa. Em verdade o legislador misturou na redao da norma explicativa, os conceitos da fonte independente e o da doutrina da descoberta inevitvel, carecendo assim, de uma reforma urgente, para correo. Seria cmico, se no fosse preocupante, o fato do Brasil gastar milhes com nossas casas legislativas e as leis que delas provm, nem sequer, possuem uma redao adequada.

Pois bem. Voltando-se para a teoria das fontes independentes, temos que ela no se configura numa restrio propriamente dita fruits of the poisonous tree doctrine, uma vez que no se trata de admitir uma prova proveniente de uma fonte ilcita, mas de impedir que a contaminao da ilicitude ultrapasse as fontes ilcitas, se estendendo a outras provas que provm de outras fontes legtimas. A limitao das fontes independentes, no gera tanta polmica no meio jurdico, havendo discusses mais acaloradas quando se trata de saber se determinada prova provm ou no, de uma fonte efetivamente independente. Por exemplo, o caso em que um policial prende ilegalmente um indivduo, e a partir desta priso, descobre-se que esta pessoa o autor de um determinado crime, posteriormente aps a sua soltura em virtude ilegalidade da priso, so descobertos registros datiloscpicos feitos pelo individuo antes da priso ilegal que evidenciam a autoria do delito. Nesse caso, o exame datiloscpico constitui fonte independente da priso ilegal? A resposta para essa questo depende das circunstncias que envolveram a colheita das provas. Se houver algum nexo de causalidade, por menor que seja, entre o exame datiloscpico e a priso ilegal, este exame constitui uma prova ilcita por derivao. Caso no haja qualquer conexo entre os dois meios de obteno de prova, vale dizer, se as fontes de prova no tiverem ligao entre si, dever ser aplicada a limitao das fontes independentes e, por conseguinte, admitido o resultado do exame datiloscpico como prova legtima a embasar uma possvel condenao do acusado.

O legislador ptrio, na recente reforma do Cdigo de Processo Penal, positivou a dita teoria j adota em larga escala pelos tribunais brasileiros. Destarte foi includo pela Lei n 11.690, de 2008 o seguinte 1 ao art. 157 do CPP, in verbis:

1 So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas, salvo quando no evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (sem grifos no original)

Destarte, no mais subsiste a polmica levantada por parte da doutrina sobre a impossibilidade de se utilizar tais teorias provenientes do direito norte-americano, pelo fato de no existir expressa determinao legal. Agora h. que segundo alguns doutrinadores positivistas, no sistema positivo adotado pelo ordenamento jurdico brasileiro, algo que no est na lei, por mais que seja lgico, justo, se coadune com os nossos costumes e princpios gerais, no pode ser utilizado pelo simples fato de no estar positivado, escrito numa lei. Com a mxima venia, nos parece que tais operadores do direito, esqueceram-se que o nosso ordenamento se trata de um sistema, e como tal deve ser analisado sob a tica sistemtica, por mais redundante que possa parecer. No nos dado mais analisarmos as normas jurdicas como uma clula hermeticamente fechada, porquanto estaremos contrariando toda a lgica do nosso ordenamento. Assim, ao utilizar-se dos princpios ainda no positivados, os nossos tribunais no estavam julgando extra legem, mas sim seguindo o que determina o art. 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.

Ao entrar em vigor, o referido 1 trouxe em sua pequena redao trs teorias importantssimas acerca das provas ilcitas no processo penal, quais sejam, a doutrina dos frutos da rvore envenenada, a teoria da limitao das fontes independentes e por fim a chamada limitao da descoberta inevitvel. As duas primeiras j foram estudadas nos itens anteriores, restando a anlise desta ltima.

6.3 A LIMITAO DA DESCOBERTA INEVITVEL

A limitao das fontes independentes constitui-se em mais uma restrio doutrina dos frutos da rvore venenosa. Teve sua gnese num caso (Nix v. Williams Williams II, 1984) em que uma declarao obtida ilegalmente do acusado revelou o paradeiro do corpo da vtima de homicdio numa vala de beira de estrada, mas um grupo de duzentos voluntrios j estava procurando pelo cadver conforme um plano desenvolvido cuidadosamente, que eventualmente teria abrangido o lugar onde o corpo foi encontrado. Nesse caso, a Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica entendeu que a doutrina dos frutos no impediria a admisso de prova derivada de uma violao constitucional, se tal prova teria sido descoberta inevitavelmente por meio de atividades investigatrias lcitas sem qualquer relao com a violao, bem como que a descoberta inevitvel no envolve elementos especulativos, mas concentra-se em fatos histricos demonstrados capazes de pronta verificao.

Para essa doutrina, as provas, ainda que provenientes de fontes ilcitas so admissveis no processo, caso seja verificado que na utilizao dos expedientes investigatrios normais, a descoberta dessas provas acabaria ocorrendo naturalmente, vale dizer, era absolutamente inevitvel a descoberta dessas provas.

6.4 A LIMITAO DA CONTAMINAO EXPURGADA

Alm das teorias at aqui estudadas, mister analisarmos a doutrina da limitao expurgada ou da conexo atenuada. Tal se d, quando uma prova, no obstante ser ilcita, tem tal ilicitude dissipada em virtude de um fato superveniente. Para que possamos visualizar melhor a questo, imaginemos um caso em que o indivduo A foi preso ilegalmente sob certa informao de trfico de drogas, o qual imediatamente aps a priso acusou Bde ter vendido a droga. O indivduo B foi preso ilegalmente, o qual, por sua vez, implicou C. Posteriormente, aps C ser liberado, ele confessa voluntariamente aos policiais da delegacia de entorpecentes, durante o interrogatrio policial. A questo que se impe : em virtude da conexo existente entre as prises ilegais com a confisso de C forte o bastante para caracterizar a inadmissibilidade de tal confisso na instruo processual penal? De acordo com a jurisprudncia formada sobre o assunto, mormente a jurisprudncia advinda da Suprema Corte dos Estados Unidos, em casos como este, o nexo causal, apesar de estar formado, uma vez que se no existisse a priso ilegal de A, B e C, seria quase impossvel existir a confisso de C, em virtude de esse ter sido solto e informado dos seus direitos, foi expurgada de tal forma que permite a admissibilidade da confisso. Vale dizer, a ao voluntria de confessar, depois de ter sido solto e alertado dos seus direitos, tornou a conexo entre a priso e a declarao to atenuada que a ndoa da ilegalidade se dissipou.

7. CONSIDERAES FINAIS

A questo sub examine configura-se numa das principais polmicas que permeiam o processo penal ptrio. O princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas posiciona-se em um campo tnue que oscila entre o devido processo legal e a necessria justia dos julgados. Afinal, poderamos correr o risco de inocentar um culpado com base nesta inadmissibilidade, bem como, condenar um inocente que teria sido atingido pelo abuso estatal na forja das provas.

A finalidade das teorias aqui estudadas dar suporte jurdico ao magistrado para que esse aplique ao caso concreto a melhor doutrina suficientemente proporcional e razovel a garantir julgamentos justos. Contudo, no nos dado prejudicar o devido processo legal, assim entendido na sua acepo descontaminada de quaisquer ilicitudes, como a colheita ilcita de provas.

Como foi dito, a principal finalidade do princpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos, ao contrrio do que muitos pensam, no a retirada de expedientes probatrios ilegais do processo penal, mas sim, a preveno, ou seja, impedir que o agente nem sequer se utilize de meios ilcitos para a obteno da prova, mesmo antes dela ser produzida no processo penal.

Isto se d porque, segundo constatamos da anlise do tema, quando h a constatao da existncia de uma prova ilegal nos autos, geralmente alm de ser uma prova ilegal quanto sua existncia nos autos do processo, tambm se verifica que esta foi objeto de uma ilegalidade na sua colheita. Vale dizer, o princpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos busca impedir uma ilegalidade dupla, pois barra os efeitos da prova ilcita quando da sua produo no caderno processual, e tambm previne uma outra violao da ordem jurdica, quando da atividade utilizada para obter a tal prova.

No obstante, a existncia de doutrinas que admitem a utilizao das provas obtidas por meios ilcitos no processo penal entendemos que, em funo do princpio do devido processo legal, a utilizao de expedientes probatrios viciados necessita de uma anlise axiolgica proporcional ao bem jurdico que se quer proteger. preciso que o julgador analise com cautela a admissibilidade de uma prova ilcita no processo, posto que somente em casos extremos e excepcionais, que se pode admitir uma prova ilegal.

Neste contexto, entendemos que somente as doutrinas da descoberta inevitvel, limitao da contaminao expurgada e a limitao das fontes independentes, se coadunam com o nosso Estado Democrtico de Direito, uma vez que privilegiam aspectos da conexo lgica entre as provas ilcitas e as demais provas licitamente produzidas.

Portanto, a utilizao das provas ilcitas no processo penal, um tema que necessita ser exaustivamente estudado, haja vista o seu grande alcance, e o espao que deixa para a existncia de atividades arbitrrias por parte do Estado, o que nos impe uma vigilncia constante acerca das teorias que lastreiam o referido princpio, sob pena de estarmos abalando os pilares da nossa democracia.

REFERNCIASPACHECO, Denlson Feitoza.Direito Processual Penal:Teoria, Crtica e Prxis. Denlson Feitoza Pacheco 5 ed., ver e atual. Com Emenda Constitucional da Reforma do Judicirio. Niteri, RJ: Impetus, 2008.

RANGEL, Paulo.Direito Processual Penal. Paulo Rangel 12 ed. Rio de Janeiro, RJ: Lmen Jris, 2007.

BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos.A Constituio e as provas ilicitamente obtidas. Jos Carlos Barbosa Moreira Revista Forense, v. 337.

Notas

[1] STF, HC 82.788, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-4-05, DJ de 2-6-06.

[2]PACHECO, Denlson Feitoza - Direito Processual Penal: Teoria, Crtica e Prxis / Denlson Feitoza Pacheco 5 ed., ver e atual. Com Emenda Constitucional da Reforma do Judicirio. Niteri, RJ: Impetus, 2008. p. 604, 605.

[3]SILVA, Germano Marques da, Curso de processo penal, 1993, v. II, p. 81.

[4] MARINONE, Luiz Gulherme e ARENHART, Srgio Cruz. Manual de Processo de Conhecimento. 5 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[5]Pacheco, 2008, p. 607

[6]EUA, Suprema Corte, Weeks v. United States, 232 U.S. 383, 34 S.Ct. 341, 58 L.Ed. 652 (1914)

[7]EUA, Suprema Corte, Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 81 S. Ct. 1684, 6 L.Ed. 2d. 1081 (1961)

[8]2008 apud ISRAEL e LaFAVE, 2001, p. 270

[9]RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal Paulo Rangel, 12 ed., Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2007.

[10] Pacto de San Jose da Costa Rica

[11]EUA, Suprema Corte, Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385, 40 S.Ct. 182m 64 L.Ed. 319 (1920)

[12]Rel. Ministro Seplveda Pertence - HC 69.912/RS (RTJ 155/508, 515)

[13]EUA, Suprema Corte, United States v. Leon, 468 U.S. 897, 104 S. Ct. 3405, 82 L.Ed. 2d 677 (1984)

[14]BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. A Constituio e as provas ilicitamente obtidas. Revista Forense, v. 337, p. 128.

[15]BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. A Constituio e as provas ilicitamente obtidas. Revista Forense, v. 337, p. 134.