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Centro de Gestão e Estudos EstratégicosCiência, Tecnologia e Inovação
Proposta de Reformulação do Plano Geral de Outorgas Nota Técnica
Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer
O conteúdo desta Nota Técnica, bem como as opiniões nela emitidas são de responsabilidade exclusiva do seu autor.
Brasília, DF Setembro, 2008
Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer Professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Diretor Executivo da Fundação Procon de São Paulo. Mestre e doutorando em direito pela Universidade de São Paulo - USP. Procurador do Estado de São Paulo. Professor de cursos de especialização da GVLAW e COGEAE-PUC. Foi Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Consultor Jurídico do Ministério da Justiça, Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Vice-Presidente do Conselho Gestor do Fundo Federal de Direitos Difusos (CFDD) e Presidente Nacional do Brasilcon.
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Sumário I. Proposta de reformulação do Plano Geral de Outorgas I.1. Separação empresarial do STFC e do SCM I.2. A possibilidade de concentração de concessões por um só grupo I.3. Medidas compensatórias de dinamização da concorrência no SCM I.4. Experiências estrangeiras I.4.1. Recomendação de separação estrutural da OCDE I.4.2. Recomendação do Conselho e do Parlamento Europeu I.4.3. A experiência Britânica de separação funcional II. Principais problemas enfrentados pelos consumidores na prestação do STFC e SCM III. Impacto social da separação empresarial III.1. Impacto nas tarifas do STFC III.2. Impacto no preço do SCM III.3. Impacto na qualidade da prestação dos serviços III.4. Impacto no nível de emprego III.4. Impacto no nível de emprego III.5. Impacto sobre os índices de inflação IV. Conclusões
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Honrou-me o Centro de Gestão de Estudos Estratégicos - CGEE com a
solicitação de elaboração de uma nota técnica sobre os impactos sociais que
poderiam ser gerados com a introdução, no plano geral de outorgas que está
sendo revisado pela Anatel, da separação de regimes estabelecida no art. 9º.
da proposta que a referida agência colocou em consulta pública.
O CGEE solicita que a nota técnica analise o impacto da medida sob os
seguintes prismas: a- impactos sociais decorrentes de tarifas do Serviço de
Telefonia Fixa Comutada (STFC) e dos preços do Serviço de Comunicação
Multimídia (SCM); b- impactos sociais decorrentes da qualidade dos serviços
de banda larga; c- impactos relativos ao aumento ou redução do nível de
empregos; d- impactos sobre os índices de inflação.
Divido a nota técnica em quatro seções. A primeira descreve a medida
proposta pela Anatel e o contexto em que se insere, ou seja, a revisão do
Plano Geral de Outorgas. Aponta, ainda, recomendações que vem sendo
adotadas por órgãos supranacionais e autoridades reguladoras internacionais
para o estímulo à competição no mercado de acesso à banda larga, seja pela
desagregação de redes, seja pela separação funcional entre as empresas. A
segunda enumera diversos problemas com os quais os consumidores vêm se
defrontando no atual mercado brasileiro de telecomunicações, em especial na
telefonia fixa e no acesso à internet, o que permite a conclusão que há efetiva
necessidade de introdução de uma dinâmica concorrencial neste mercado, sob
pena de aprofundamento de tais problemas. A quarta parte traz a conclusão da
nota técnica.
Observo que o presente trabalho leva em consideração conclusões
efetivadas nas notas técnicas sobre impactos tecnológicos, tributários e
econômicos.
I- Proposta de reformulação do plano geral de outorgas
Embora a nota técnica trate especificamente dos impactos gerados pelo
art. 9º. da proposta de reformulação do Plano Geral de Outorgas, faz-se
imprescindível analisar o contexto em que ela se insere, para melhor
dimensionar os seus impactos.
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Segundo os termos da Consulta Pública n.º 23, de 16 de junho de 2008,
a proposta de revisão do Plano Geral de Outorgas foi motivada por: I- a carta
da ABRAFIX que expressou a conveniência de se rever o Plano Geral de
Outorgas, como objeto da Política Nacional de Telecomunicações; II – o Ofício
n.º 11/2008/MC, 12 de fevereiro de 2008, que recomendou à ANATEL a
elaboração e submissão à Consulta Pública de proposta de revisão do Decreto
n.º 2.534, de 1998; III – o disposto na legislação e regulamentação aplicável ao
setor de telecomunicações; e IV – conclusão efetivada no âmbito do
Procedimento Administrativo n.º 53500.008258/2008 sobre a necessidade de
revisão do marco regulatório do setor de telecomunicações, sendo oportuna,
conveniente e necessária a atualização do Plano Geral de Outorgas1.
Neste contexto, por intermédio da citada Consulta Pública foi
apresentada pela Anatel uma minuta de um novo Plano Geral de Outorgas,
acompanhada de minucioso estudo técnico.
I.1. Separação empresarial do STFC e do SCM.
O item cuja análise foi solicitada é o art. 9º. da proposta de reformulação
do PGO, o qual possui a seguinte redação:
Art. 9º. A empresa titular de concessão do serviço a que se refere o artigo 1º deverá explorar exclusivamente as diversas modalidades desse serviço. § 1º. A Agência Nacional de Telecomunicações deverá, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação deste Plano Geral de Outorgas, editar regulamentação específica para a implementação do disposto no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação específica mencionada neste artigo será fundamentada em estudo realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações acerca dos impactos regulatório, econômico-concorrencial, social e tecnológico. Tal artigo foi proposto para assegurar a competição e conferir maior
transparência no acompanhamento das concessões. A separação empresarial
seria, segundo a Anatel, instrumento endereçado a facilitar o controle de custos
e de preços, principalmente os praticados no atacado, entre uma empresa e
outra2. Assim, a concessionária da STFC será obrigada a constituir uma
1 Consulta Pública n.º 23 de 16 de junho de 2008. In: http://www.anatel.gov.br. Acesso em 19.09.2008. 2 Conforme posicionamento oficial da Anatel em reportagem da Agência Estado de 17.06.2008.
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empresa específica, dotada de CNPJ próprio, para explorar as atividades que
não estejam compreendidas no conceito de STFC.
No entanto, antes de analisar especificamente os efeitos de tal
separação empresarial, cumpre destacar outros pontos da aludida proposta de
reformulação do atual Plano Geral de Outorgas.
I.2. A possibilidade de concentração de concessões por um só grupo.
A principal proposta de reformulação do PGO foi, sem dúvida, a de
permitir que um mesmo grupo empresarial detenha a concessão em mais de
uma área do PGO (art. 6º., § 1º.), o que não é possível nos termos do atual
marco regulatório.
Com efeito, o art. 6º. da proposta de reformulação do plano geral de outorgas permite que haja transferências de concessão ou de controle de concessionária que resultem em Grupo que contenha concessionárias em setores de mais de uma Região definida no Plano Geral de Outorgas, implicando em: I – a atuação obrigatória nas demais Regiões, por parte das prestadoras de serviços de telecomunicações integrantes do Grupo que inclui as respectivas concessionárias, conforme dispuser o Plano Geral de Metas de Competição a ser editado pela Agência Nacional de Telecomunicações; e II – a obrigação de atender os condicionamentos impostos pela Agência Nacional de Telecomunicações com a finalidade de assegurar a competição, impedir a concentração econômica e não colocar em risco a execução do contrato de concessão, em atenção ao que dispõe a Lei n.º 9.472, de 1997, em especial nos seus artigos 97 e 98.
Tendo em vista que as atuais concessionárias possuem amplo domínio
de mercado em suas respectivas áreas de atuação, pode-se concluir tratar-se
de alteração que contribuirá para uma maior concentração no mercado de
STFC, pois retira a possibilidade de atuação de um eventual entrante (ou seja,
diminui a concorrência potencial).
O gráfico a seguir transcrito3 demonstra o grau de concentração detido
por cada uma das concessionárias em sua respectiva área de atuação, sendo
que apenas 11,1% dos acessos são atualmente efetivados por empresas
autorizadas:
3 Fonte: ANATEL. Estudo técnico para regulamentação das telecomunicações no Brasil, Brasília: 2008, p. 33.
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Ademais, a utilização da infra-estrutura de STFC para o acesso a banda
larga (ou seja, via ADSL) ainda é predominante no Brasil, como demonstra o
quadro abaixo transcrito:
Fonte: Teleco e Anatel.
Assevere-se que o grau de predominância da rede de STFC no acesso à
banda larga não é padrão no mundo inteiro, havendo países nos quais o
acesso a cabo possui uma participação mais significativa, como demonstra o
quadro abaixo:
6
No caso brasileiro, há que se ponderar o amplo domínio local das
concessionárias em cada região do PGO, com parcelas superiores a 70% de
participação de mercado4 na sua respectiva área de concessão.
Evidentemente, a partir do momento da permissão de que um mesmo
grupo empresarial atue como concessionária em duas das regiões do Plano
Geral de Outorgas haverá a expansão de sua propriedade sobre a rede de
prestação de STFC e, assim, o aumento de sua participação no mercado de
SMC. Tal circunstância torna importante a adoção de medidas compensatórias
da elevação de seu poder de mercado.
I.3. Medidas compensatórias de dinamização da concorrência no âmbito do plano de outorgas.
É bem verdade que a minuta de PGO prevê uma série de
conseqüências caso ocorram transferências de controle que resultem na
obtenção por um mesmo grupo de concessão em mais de uma região. No
entanto, ao contrário desta possibilidade concreta de concentração, as medidas
compensatórias são vagas e não imediatas.
As duas primeiras medidas estão previstas no próprio art. 6º, § 1º. Com
efeito, o inciso I do aludido parágrafo determina que o grupo que atue em mais
4 Dados do Barômetro Cisco de Banda Larga no Brasil 2005-2010. Os dados foram apresentados em junho de 2008. In: http://cisco.com.br. Acesso em 22 de setembro de 2008. Ver, ainda, o Estudo técnico para atualização da regulamentação das telecomunicações no Brasil. Brasília: Anatel, 2008, p. 130-131 que alude a uma participação de mercado de 79% da OI na região I, de 75% da Brasil Telecom na região II e de 74% da Telefônica na região III.
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de uma área de concessão também empreenda atividade nas demais áreas, na
qualidade de autorizada de STFC, a fim de competir com a incumbente. Por
seu turno, o inciso II determina que a ANATEL imponha condições aptas a
preservar o padrão concorrencial no momento da análise do ato de
concentração que propiciar a detenção concomitante de concessão em mais de
uma área de prestação de STFC.
Outra medida de preservação de padrão concorrencial é a estabelecida
no art. 8º, que determina que as prestadoras de serviços de telecomunicações
pertencentes a Grupo que contenha concessionária devem:
I – cumprir as obrigações de universalização, inclusive aquelas relacionadas à ampliação das redes do serviço telefônico fixo comutado de suporte à banda larga, por intermédio da concessionária integrante do Grupo, conforme dispuser o Plano Geral de Metas de Universalização; II – assegurar a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo o acesso às suas redes de telecomunicações em condições não discriminatórias, isonômicas e coerentes com suas práticas comerciais, conforme dispuser o Plano Geral de Metas de Competição a ser editado pela Agência Nacional de Telecomunicações.
A medida do inciso I, de extrema relevância, não diz respeito
propriamente ao padrão de concorrência, mas sim o de garantir a
universalização de acesso à banda larga. Trata-se de medida de impacto social
evidente e foi correta a sua referência no Plano Geral de Outorgas. No entanto,
obviamente, a imposição concreta de medidas de universalização apenas
poderá ser realizada por intermédio de um novo Plano Geral de Metas de
Universalização, o que não está na alçada exclusiva da Anatel Não obstante,
entendo importante que a agência proponha, concomitantemente, o início das
discussões para elaboração de minuta de novo plano geral de metas de
universalização.
A medida prevista no inciso II é de suma importância para assegurar a
competição entre as empresas. Ela se ampara em diversos artigos da Lei Geral
de Telecomunicações que asseguram o direito de acesso às redes de
telecomunicação em condições isonômicas e não discriminatórias5. Ademais,
relaciona-se com a essential facility doctrine, aplicável aos serviços que são 5 A título de exemplo vale transcrever o art. 73 da LGT: “As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”. Destaco ainda, os artigos 146 e 147 que estabelecem a obrigatoriedade da interconexão entre as redes de telecomunicações no regime público. Por interconexão entende-se a “ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com os usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis” (art. 146, parágrafo único).
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prestados por intermédio de infra-estrutura de difícil ou impossível duplicação e
há uma rede de prestação de serviços verticalmente relacionados. Em tais
casos, o acesso à infra-estrutura é essencial para que outros agentes
econômicos possam concorrer com a empresa que detém a sua propriedade 6.
Entendo que a implementação do direito ao acesso às redes de
telecomunicações demanda a adoção de medidas concretas que realmente
culminem com a desagregação de redes, proposta, aliás, constante do Plano
Geral de Regulação que a Anatel também submeteu à consulta pública. Neste
contexto, entendo essencial que a sua adoção ocorra de maneira concomitante
com a promulgação do PGO.
Aliás, é justamente no contexto de se conferir efetividade a medidas de
acesso à rede que se insere o art. 9º da proposta de reformulação do Plano
Geral de Outorgas. No meu entender ele é um instrumento para que seja
efetivado o acesso a redes de telecomunicações. Com efeito, através da
separação empresarial objetiva-se conferir maior transparência na aferição dos
custos incorridos na utilização da infra-estrutura de STFC para prestação de
SCM, bem como para averiguar quais os preços que vêm sendo praticados
pelas concessionárias no mercado de atacado.
Assim, ao dimensionar o impacto social da separação empresarial
estabelecida no art. 9º da proposta de reformulação do PGO não se pode
perder de vista o caráter instrumental de propiciar concorrência em mercados
que tem se revelado dominados pelas atuais concessionárias.
Outras medidas também se fazem necessárias e são, talvez, até mais
importantes. A meu ver, pela sua essencialidade, deveriam ser
necessariamente tomadas em conjunto com a revisão do Plano Geral de
Outorgas.
Assim, é urgente a efetivação de medidas concretas de desagregação
de redes, incluindo o estabelecimento de um modelo otimizado de custos para
6 Salomão Filho, Calixto. A regulação da atividade econômica, op. cit., p. 54, leciona que “a essential facility doctrine foi desenvolvida para aquelas situações identificadas pela doutrina econômica como de monopólio natural, em há um bem (geralmente uma rede) de tal importância que é impossível minimamente competir sem que haja acesso a este bem”. A tese de doutorado irá se debruçar sobre a vasta bibliografia internacional existente sobre o tema, sendo, no entanto, pequena a produção brasileira. Na jurisprudência do CADE cabe mencionar importante decisão que investigou os contornos de tal teoria foi a proferida na Averiguação Preliminar nº 53500.000359/99, Representante: TVA Sistema de Televisão S/A, Representada: TV Globo Ltda., destacando-se principalmente o voto de vista do Conselheiro Celso Campilongo.
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que se possa realizar o controle do preço de uso das redes necessárias à
prestação do SCM.
Parece-me imprescindível que também se implemente, de modo
concomitante com a reforma do Plano Geral de Outorgas, o plano geral de
metas de competição, bem como a definição de políticas públicas claras que
garantam a expansão dos serviços de comunicação multimídia.
Finalmente, é igualmente essencial a inclusão no PGO de um dispositivo
que determinem a transferência integral aos usuários dos ganhos econômicos
decorrentes da concentração permitida pelo art. 6º do PGO, nos termos do art.
108, § 3° da Lei Geral de Telecomunicações.
Entendo haver fundamento jurídico para a efetivação de medidas que
ampliem a concorrência nos serviços de telecomunicações, particularmente no
STFC e no SMC.
Com efeito, a Constituição Federal estabeleceu que a livre concorrência
é um princípio geral da ordem econômica (art. 170, IV), cabendo ao Estado a
repressão ao abuso de poder econômico que leve à dominação de mercado ou
à eliminação da concorrência (art. 173, § 4º.). Ademais, a Constituição
estabeleceu que a proteção do consumidor é um direito fundamental (art. 5º,
XXXII) e um princípio geral da ordem econômica (art. 170, V).
A Lei Geral de Telecomunicações dispõe de diversos artigos que
possuem preocupação específica com a concorrência e com a defesa do
consumidor, como, dentre outros, os abaixo transcritos:
Art. 2° O Poder Público tem o dever de: I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas; II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira; III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários.
Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.
Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.
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Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei. I.4. Experiências estrangeiras.
Ressalte-se que a verticalização (ou seja, a situação em que uma
mesma empresa oferta diversos serviços relacionados) é objeto de intensa
preocupação no mundo inteiro7. Não poderia ser diferente em relação às
atividades de prestação de serviço de telefonia fixa e de acesso à banda larga.
Assim, há intensas discussões sobre a melhor forma de tratar a matéria: 1-
implementação de unbundling (desagregação das redes) ou 2- determinação
da separação de empresas que detém a infra-estrutura e aquelas que prestam
o serviço vem sendo recomendada por órgãos supranacionais.
I.4.1. Recomendação de separação estrutural da OCDE
O Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) recomendou aos seus países membros e observadores
que analisem os custos e benefícios de aplicarem uma solução de separação
estrutural nas hipóteses de empresas que atuam em setores regulados e
desempenham, simultaneamente, atividades em mercados não competitivos e
atividades em mercados complementares, como o são, por exemplo, a
telefonia fixa e a banda larga8.
Segundo a mesma recomendação do Conselho, a análise custo-
benefício deve levar em consideração os efeitos na concorrência, os efeitos na
qualidade e custos da regulação, os custos de transação da modificação
estrutural e os benefícios sociais e econômicos da integração vertical,
baseados nas características econômicas da indústria em questão. Tal
balanceamento deve ser efetivado, sobretudo, no contexto de privatizações,
liberalizações ou reformas regulatórias9.
7 CARLTON, Dennis W. & PERLOFF, Jeffrey M. Modern Industrial Organization. 2ª ed., Harper Collins College Publisher: New York, 1994. 8 Recommendation of the Council concerning Structural Separation in Regulated Industries (2001). In: http://www.oecd.org. Acesso em 22.09.2008. 9 Transcrevo, a propósito, os seguintes trechos da aludida recomendação: “1. When faced with a situation in which a regulated firm is or may in the future be operating simultaneously in a non-competitive activity and a potentially competitive complementary activity, Member countries should carefully balance the benefits and costs of structural measures against the benefits and costs of behavioural measures. The benefits and costs to be balanced include the effects on competition, effects on the quality and cost of regulation, the transition costs of structural modifications and the economic and public benefits of vertical
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I.4.2. Recomendações do Conselho e do Parlamento Europeu
A disseminação do acesso à banda larga é entendida pela União
Européia como um pré-requisito importante para o desenvolvimento econômico
e, assim, integra com destaque a agenda de Lisboa. A Comissão Européia já
firmou, inclusive, três prioridades em sua ação neste mercado, sendo uma
delas a de promover um mercado aberto e competitivo, em que o acesso à
banda larga se faça a preços razoáveis.
Um dos instrumentos já aprovados para atingir tais objetivos é o
Regulamento EC no 2887/2000 que trata do acesso à última milha10. Trata-se
de regulamento que entende que o unbundling é essencial para atingir diversos
objetivos, dentro os quais a significativa redução de acesso à internet11. Aduz,
ainda, o significativo papel do unbundling do par metálico para permitir a novos
entrantes o ingresso no mercado de voz e de ADSL, dinamizando, assim, o
padrão concorrencial em tais atividades. Assinala, ainda, que a recusa de
desagregação impõe significativas restrições à concorrência neste setor12.
Ressalte-se, ainda, a notícia de que o Parlamento Europeu a partir de 24
de setembro iniciará a votação de um pacote de telecomunicações que inclui,
entre as suas propostas, a de recomendar às autoridades nacionais, como
forma de fomento à concorrência e expansão da oferta dos serviços de
telecomunicações aos consumidores, adotem, em caráter excepcional, a
medida de separação funcional dos operadores de telecomunicações
dominantes. Assim, uma autoridade reguladora nacional poderá impor às
empresas verticalmente integradas a obrigação de passarem as atividades
integration, based on the economic characteristics of the industry in the country under review. The benefits and costs to be balanced should be those recognised by the relevant agency(ies) including the competition authority, based on principles defined by the Member country. This balancing should occur especially in the context of privatisation, liberalisation or regulatory reform”. 10 REGULATION (EC) No 2887/2000 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of 18 December 2000 on unbundled access to the local loop. 11 Assim, por exemplo, o documento aduz que: “The Member States, together with the Commission, are called upon to work towards introducing greater competition in local access networks before the end of 2000 and unbundling the local loop, in order to help bring about a substantial reduction in the costs of using the Internet”. 12 Transcrevo o seguinte trecho do Regulamento: “Unbundled access to the local loop allows new entrants to compete with notified operators in offering high bitrate data transmission services for continuous Internet access and for multimedia applications based on digital subscriber line (DSL) technology as well as voice telephony services. A reasonable request for unbundled access implies that the access is necessary for the provision of the services of the beneficiary, and that refusal of he request would prevent, restrict or distort competition in this sector”.
12
relacionadas com o fornecimento de produtos de acesso fixo para uma unidade
empresarial operacionalmente independente13.
I.4.3. A experiência Britânica de separação funcional
Na Inglaterra foi estabelecido o modelo de separação funcional, através
do qual a administração da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento
dos serviços de telecomunicações pertencente à British Telecom foi transferida
para uma unidade específica da empresa, denominada Openreach,
permanecendo sob a administração da British Telecom os demais
equipamentos eletrônicos que auxiliam na prestação do serviço. Para gerenciar
esses equipamentos foi criada uma nova unidade – conhecida como Wholesale
– responsável pela prestação do serviço14.
II- Problemas enfrentados pelos consumidores na prestação do STFC e do SCM.
Não há como deixar de assinalar que o setor de telecomunicações tem
apresentado inúmeros problemas relacionados com a proteção do consumidor.
É o setor que sistematicamente vem liderando o ranking de reclamações
fundamentadas dos principais órgãos de defesa do consumidor no país. Tal
realidade torna de suma importância a adoção de medidas de impacto
concorrencial, que através da ampliação da oferta propiciem o incremento da
qualidade e maior acessibilidade dos preços praticados.
Passo, então, a fazer um breve sumário dos principais problemas que os
consumidores vêm enfrentando, relacionados tanto com o preço como com a
qualidade de tais serviços, uma vez que estes são os itens em que devo
dimensionar o impacto das medidas propostas na reformulação do Plano Geral
de Outorgas.
13 Ver, a propósito, o item 103 do relatório da Eurodeputada Catherine Trautmann. 14 Tal modelo, ao mesmo tempo em que garantiu maior transparência e aumentou significativamente a interconexão, permitiu à operadora britânica minimizar os riscos de desinvestimento, já que a parte mais avançada tecnologicamente continua sob a direção da incumbent.
13
No que tange ao STFC vige a estrutura tarifária uma vez que são
submetidos ao regime público. Assim, nos termos do art. 103 da Lei Geral de
Telecomunicações, os reajustes de suas tarifas necessariamente têm que ser
fixado pela Anatel.
Deve ser ponderado, neste particular, a efetiva sensibilidade a preço que
os consumidores possuem em relação ao STFC, o que pode ser apurado por
dois significativos fatores.
O primeiro deles foi a enorme resistência dos consumidores brasileiros
ao pagamento da assinatura básica residencial, que sofreu um significativo
aumento após a privatização e foi contestada em milhares de ações judiciais.
Não é minha intenção tecer considerações sobre o mérito desta questão, até
mesmo porque o Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria no sentido da
viabilidade de tal cobrança15, mas sim ressaltar que o contencioso em torno da
questão demonstra a preocupação do consumidor com o preço de tal serviço.
(incluir referência aos julgados do STJ).
O segundo aspecto é a circunstância de haver uma oferta de linhas de
STFC superior à sua efetiva utilização. Assim, mesmo havendo uma
significativa (e extremamente positiva) ampliação dos acessos instalados (que
passaram de 13 milhões em 1994 a cerca de 53 milhões em 2007), os acessos
em serviços encontram-se estagnados em torno do número ao redor de 39
milhões desde 2003) 16.
Pondero que não estou afirmando que o preço do serviço justifica por
completo esta diferença. Tampouco desconheço que, não obstante haja nas
áreas urbanas de maior densidade populacional e de maior poder aquisitivo
uma oferta de linhas telefônicas superior à procura, ainda há demanda
reprimida em localidades de menor densidade populacional, principalmente nas
áreas rurais17. No entanto, mesmo fazendo-se tais ressalvas, creio que o
gráfico a seguir apresentado demonstra a desproporção entre as linhas
ofertadas e as efetivamente utilizadas, em parte decorrente dos preços, em
parte decorrente do interesse por outras modalidades de serviços:
15 STJ - REsp no 973.283, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, j. em 6.11.2007. 16 Ver, a propósito, http://www.anatel.gov.br. 17 Segundo os dados de densidade de telefonia fixa e móvel da ANATEL, enquanto o serviço está presente em 81% (oitenta e um por cento) dos domicílios urbanos, encontra-se em apenas 38,2% (trinta e oito vírgula dois por cento) dos domicílios rurais.
14
Fonte: Teleco.
Ressalto, ainda, a desigual penetração nas diversas faixas de renda18.
Assim, enquanto nas classes A e B a penetração alcança patamares
superiores a 90%, na classe E a penetração corresponde a apenas 40%.
No que toca à qualidade da prestação dos serviços nota-se, sobretudo,
reclamações quanto à forma de cobrança efetivada pelas empresas, sobretudo
de serviços não efetivamente utilizados pelos consumidores.
Por exemplo, na cidade de São Paulo, inserida na região III do atual
PGO o segmento telefonia vem liderando sistematicamente o ranking de
reclamações fundamentadas. Ademais, do total de Cartas de Informações
Preliminares remetidas em 2006 e 2007 cerca de um terço referem-se a tal
setor, como se vê no gráfico a seguir baixo transcrito:
2006 20070
40000
80000
120000
84987
96874
2501830199
1332319622
CIPS TELEFONIA
Total de CIPsCIPs TelefoniaCIPs Telefonia com Acordo
Fonte: Procon. Relatório ações de 2007 Deste total há uma significativa participação da empresa Telefônica,
como se demonstra no próximo gráfico:
18 Ver, a propósito, http://www.anatel.gov.br.
15
2006 20070
15000
30000
25018
30199
16324
23430
9103
16638
CIPS TELEFONICA
Total de CIPs Tele-foniaCIPs TelefonicaCIPs Telefonica com Acordo
Fonte: Procon. Relatório ações de 2007
Os principais problemas podem ser descritos como19:
- cobrança de serviços não solicitados.
- cancelamento/bloqueio de linha com faturas pagas.
- falta de clareza na fatura.
- retirada/ alteração unilateral de planos de serviço.
- faturamento conjunto (cobiling).
- cobrança de chamadas não reconhecidas.
- planos de oferta livre: falta de informação e inadequação ao perfil do
consumidor.
- conexão fraudulenta: chamadas longa distância para serviços de acesso à
internet.
Assevere-se que os contratos combinados, típicos da era da
convergência tecnológica, vêm apresentando diversos problemas quanto à sua
forma de oferta (que induz muitas vezes os consumidores a erro quanto aos
serviços que efetivamente compõem a contratação).
Verifica-se, assim, que as reclamações quanto à qualidade na prestação
de serviços refere-se substancialmente às práticas comerciais da empresa e
minoritariamente à qualidade do serviço de voz prestado.
Assim, o conjunto de dados demonstra que, ao lado da aplicação dos
instrumentos do Código de Defesa do Consumidor, há a necessidade de
empreender um padrão concorrencial mais elevado, como forma de 19 Ver, a propósito, relatório da Fundação Procon de São Paulo sobre o cadastro de reclamações fundamentadas de 2007. In: http://www.procon.sp.gov.br.
16
incrementar a qualidade das práticas comerciais das empresas
concessionárias de STFC.
No entanto, creio que as considerações mais importantes devem ser
efetivadas em relação aos preços de acesso à banda larga, uma vez que eles
apresentam valores significativamente mais elevados do que paradigmas
internacionais.
Trata-se de mercado caracterizado pela tendência de efetiva expansão,
mas que no Brasil ainda possui elevados preços e penetração desigual nas
diversas camadas sociais.
Inclusive, ainda há no país significativa utilização do acesso à internet
via linha discada, o que, por si só, demonstra a efetiva sensibilidade a preço do
consumidor brasileiro.
Não obstante, há profunda expansão do mercado de banda larga, cada
vez mais revestido de um caráter de essencialidade devido à sua enorme
importância para a educação, avanço tecnológico e desenvolvimento
econômico, sendo considerado um serviço estratégico em todos os países
desenvolvidos.
Assim, há um problema de distribuição de renda nos acessos à banda
larga, sendo recomendável, assim, que se estabeleçam metas de
universalização em relação a tais serviços.
Há ainda diversas questões a serem ponderadas no que se refere ao
padrão de qualidade, ainda bastante indesejável. Com efeito, 45% das
residências com conexão inferior a 128 Kbps e 92% das residências com
conexão inferior a 1 Mpbs. Ademais, recente pesquisa apontou que o Brasil
apresenta um padrão de qualidade inferior à média mundial, colocando o país
na 38ª posição entre 42 países pesquisados20.
Neste aspecto, inclusive, pondere-se problemas que vem sofrendo os
consumidores, uma vez que normalmente a capacidade entregue não
corresponde à capacidade contratada. Tal circunstância, inclusive, é
responsável por um considerável número de reclamações dos consumidores,
20 Com patrocínio da Cisco, a pesquisa teve foco em países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi conduzida por uma equipe de pesquisadores da Said Business School da Universidade de Oxford e do Departamento de Economia Aplicada da Universidade de Oviedo. O trabalho considerou aproximadamente oito milhões de registros de testes reais de velocidade de banda larga, com usuários do mundo inteiro via www.speedtest.net, durante o mês de maio.
17
como se pode observar dos números de reclamações efetivadas junto ao
Procon-SP21.
Há que se citar o recente exemplo de prejuízo decorrente da enorme
concentração de serviços em um só prestador quando a interrupção do serviço
de banda larga prestado pela operadora Telefônica em 03.07.08 fez com que
70% dos usuários residenciais, inúmeros órgãos públicos prestadores de
serviços essenciais e empresas ficassem sem sinal de internet.
Assim, faz-se necessária a introdução de um maior grau de concorrência
nos mercados de STFC e de SCM, a fim de permitir maior qualidade e menores
preços na prestação de tais serviços.
Ademais, é imprescindível a imposição de metas de universalização
relacionadas à ampliação das redes do serviço telefônico fixo comutado de
suporte à banda larga, motivo pelo qual é recomendável que o PGMU seja
alterado em concomitância com o PGO.
III- Impacto social da separação empresarial. III.1. Impacto nas tarifas do STFC.
Reitero as considerações já efetivadas quanto à grande sensibilidade a
preço que o consumidor brasileiro possui em relação aos serviços de
telecomunicações, discutida no item III da nota técnica.
Assim, uma das preocupações inerentes a qualquer regulação ou
política pública no setor deve levar em consideração o impacto sobre a tarifa,
como forma de estimular a acessibilidade a tal serviço. Em outras palavras, a
universalização não se confunde apenas com expansão da disponibilização de
acessos, mas deve estar relacionada com propiciar condições de efetiva
utilização de acessos disponíveis.
Passo, então, a efetivar considerações sobre os possíveis impactos da
separação empresarial em relação às tarifas de STFC. No entanto, devo
ressalvar duas condicionantes importantes que permeiam os raciocínios que
passarei a desenvolver. A primeira, que ela depende do efetivo incremento de
21 Ver dados em http://www.procon.sp.gov.br.
18
custos, matéria que não me foi solicitada na presente nota técnica. Assim, não
quantificarei custos e as minhas ponderações podem vir a ser modificadas a
partir das conclusões da nota técnica sobre os efeitos econômicos (por
exemplo, se ela concluir pela inexistência de qualquer custo que exceda o
impacto tributário).
A segunda condicionante diz respeito à questão de fixação de tarifas,
que é uma atribuição do órgão regulador. Assim, o preço público (ou tarifa) não
é de livre fixação pela concessionária, dependendo do valor autorizado pelo
Poder Público.
Com efeito, nos termos do art. 63 da LGT os serviços de
telecomunicação dividem-se entre os prestados no regime privado e os
prestados no regime público. Ademais, de acordo com o art. 63, parágrafo
único aqueles de natureza essencial seriam necessariamente prestados no
regime público, com a conseqüente imposição de obrigações de continuidade e
universalidade.
A prestação de STFC é enquadrada no regime público, e, assim, é
remunerada por tarifa, necessariamente autorizada pela Anatel, nos termos do
art. 103 da LGT.
Assim, o reajuste tarifário está submetido ao crivo da Anatel que pode,
assim, efetivar o juízo de razoabilidade de qualquer solicitação de revisão
tarifária. Em outras palavras, não há como se cogitar de aumento automático
no valor da tarifa decorrente de pressão de custos, uma vez que tal majoração
necessita ser expressamente autorizada pela Anatel segundo a metodologia
expressamente prevista em normas cogentes estabelecidas para tal fim.
Com efeito, dispõe o art. 7º., II do Decreto n º. 4733 de 10 de junho de
2003, que dispõe sobre as políticas públicas de telecomunicações que “a
definição do reajuste das tarifas de público será baseada em modelo de teto de
preços com a adoção de fator de produtividade, construído mediante a
aplicação de sistema de otimização de custos a ser implementado pela agência
reguladora’’.
A Resolução nº 507 da Anatel dispõe sobre a Metodologia para Cálculo
do Fator de Transferência "X" no STFC e é complementada pelo Ato nº. 4.197.
19
Ressalte-se, inclusive, que tal metodologia22 foi empregada por ocasião do
reajuste tarifário de 2008. Ademais, leva-se em consideração um índice
setorial, que, assim, não mede apenas a eventual pressão de custos de uma
única empresa, mas de todo o setor.
Nesta hipótese, a concessionária teria que demonstrar que houve efetiva
majoração de seus custos apta a influenciar o índice de reajuste setorial ou
impactar negativamente o fator de produtividade da empresa mais eficiente do
setor. Caso lograsse tal comprovação poderia, em tese, haver repasse da
pressão de custos para o valor da tarifa. Pondero, no entanto, que tal repasse
estaria condicionado à demonstração do reflexo da pressão de custos em tais
índices, o que é absolutamente distinto de um repasse automático dos custos.
Outro risco a ser endereçado refere-se à possível alegação de incidência
de desequilíbrio econômico-financeiro. Nesta seara, caberia à concessionária
não apenas a demonstração de elevação de custos, mas que este montante foi
suficiente para afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Aliás, os custos que poderiam ser alegados são os específicos da
desintegração e são aqueles que especificamente relacionados com a
atividade de STFC. Em outras palavras, não pode ser alegado pelo grupo
econômico um custo adicional que esteja incidindo na prestação do SCM, ou
um aumento de encargo tributário específico do serviço de SCM, pois isto
estaria fora da sua atividade de prestação de STFC.
Feita esta ressalva, convém alertar que há o risco das empresas
concessionárias pleitearem a revisão da tarifa em relação à majoração
tributária relacionada com a prestação do serviço de STFC e decorrente da
separação empresarial alegando a incidência do art. 108, § 4º da Lei Geral de
Telecomunicações que “a oneração causada por novas regras sobre os serviços, pela
álea econômica extraordinária, bem como pelo aumento dos encargos legais ou tributos, salvo
o imposto sobre a renda, implicará a revisão do contrato”. Aludida situação, inclusive,
22 Esclarece a Anatel que a nova metodologia combina dois índices para aferir o fator X. O primeiro é o "modelo Fisher" que é baseado na aferição anual da produtividade total, considerando a variação da eficiência entre a quantidade de bens e serviços produzidos e os insumos utilizados, e um Coeficiente de Compartilhamento (Fator "c") igual a 0,5. Isto significa que 50% do Ganho de Produtividade obtido pela concessionária são transferidos ao usuário. O outro índice, conhecido como DEA (Data Envelopment Analysis), calcula, a cada três anos, a produtividade que deverá ser obtida pelas concessionárias, considerando a utilização otimizada dos insumos no setor de telecomunicações e Fator "c" igual a 0,75; a transferência do Ganho de Produtividade obtido pela concessionária ao usuário é de 75%. Para o período de 2008 a 2010, esse índice foi calculado considerando a produtividade das concessionárias entre 2004 e 2007. Ver, a propósito: http://www.anatel.gov.br.
20
também encontra expressa previsão nos contratos de concessão firmados com
as empresas 23.
Concluo, assim, que não há que se falar em repasse automático de
qualquer novo custo incorrido por força da separação empresarial, em razão
dos poderes conferidos à Anatel para autorizar qualquer reajuste tarifário.
Assim, caberia à agência analisar pormenorizadamente qualquer alegação de
novos custos e rechaçar tudo o que não se enquadrasse na sua metodologia
de cálculo.
No entanto, há de ser ponderado o risco de eventual reflexo que a
elevação de custos tributários possa ter no fator X de que trata a Resolução nº
507 da Anatel, bem como o risco de incidência da hipótese prevista no art. 108,
§ 4º da LGT.
III.2. Impacto no preço do SCM
O regime de precificação do SCM é distinto, uma vez que é atualmente
enquadrado como serviço prestado na modalidade privada. Assim, aplica-se o
disposto no art. 129 da Lei Geral de Telecomunicações, não havendo
possibilidade, salvo modificação do regime de prestação do serviço, de controle
de reajustes pela Anatel.
Assevere-se, ainda, que seria a empresa prestadora de SMC a que
sofreria os maiores impactos de custo, já que a ela seria atribuída a nova
estrutura administrativa. No entanto, entendo que o mais provável é não haver
repasse aos consumidores, mesmo na hipótese de incremento de custos. Isto
porque os custos somente seriam repassados na hipótese de monopólio ou de
pequena contestação concorrencial. Para tal conclusão tomo por base,
conservadoramente24, a nota técnica que foi elaborado pela Tendências
Consultoria Integradas a pedido da Telefônica S.A. e foi entregue à Anatel, em
caráter confidencial, no curso da consulta pública no 23.
23 Veja-se, a propósito, principalmente a cláusula 13.3. 24 Deixo claro que não tomo como absolutas as conclusões tomadas na citada nota técnica, cujas hipóteses e dados necessitariam ser testados e auditados, o que não me será possível no escopo limitado (quanto ao tempo e objeto) deste meu trabalho. No entanto, as conclusões da renomada consultoria são úteis para as finalidades da presente nota técnica na medida em que retrata posicionamento de uma concessionária de STFC que admite que não haveria incentivos econômicos para repassar pressão de custos em hipótese de ambiente concorrencial no mercado de SCM.
21
A aludida nota técnica admite que somente haveria incentivo econômico
para o repasse dos custos ao consumidor final na hipótese de monopólio ou de
duopólio.
O mercado naturalmente já caminha para maior padrão de
concorrência, especialmente intermodal, já que as concessionárias de STFC,
embora ainda dominantes nas suas respectivas áreas de atuação, sofrem
concorrência das empresas de TV a cabo e de telefonia celular nos centros
mais densamente povoados.
Ademais, os objetivos da separação empresarial é o de justamente
acirrar a concorrência intramodal. Assim, caso implementada a desagregação
de redes e possibilitado o acesso efetivo de concorrentes à rede das
concessionárias, sem dúvida nenhuma a incumbente sofreria maior pressão
concorrencial dos novos agentes entrantes, diminuindo ainda mais os
incentivos econômicos para o repasse de custos adicionais decorrentes da
separação empresarial.
Assim, em um ambiente concorrencial acirrado pela nova regulação, é
pouco provável que a empresa cindida tenha como repassar tais custos aos
consumidores, sob pena de ver retraída a demanda, principalmente tendo em
vista a elasticidade-preço apurada para o setor.
Neste contexto, entendo que a separação empresarial provavelmente
não traria majoração de tarifa ou de preços para os consumidores, caso fosse
acompanhada de incremento concorrencial25.
Assevero, ainda, que os contratos com os consumidores finais
atualmente existentes não poderiam sofrer modificação unilateral até o fim de
sua vigência, nos termos do art. 51, X, do CDC. Assim, ainda que houvesse
incentivo econômico para eventual repasse, ele somente poderia ser aplicado
aos novos contratos.
Neste contexto, o cenário mais provável é o de que, no que tange ao
SCM, ao menos nos mercados geográficos sujeitos à concorrência, a
separação empresarial não traga majoração de preços.
25 Insisto no ponto de que o incremento concorrencial depende da introdução concreta de medidas de desagregação de rede, que passem por um regulamento específico que estabeleça, inclusive, regras sobre os preços praticados, a partir de um modelo de custos introduzido pela Anatel.
22
III.3. Impacto na qualidade da prestação dos serviços.
Entendo que a separação empresarial, combinada com os demais itens
de fomento à competição, não traria obstáculo para o incremento da qualidade
na prestação do serviço de SMC.
Tal afirmação toma em conta algumas premissas. Em primeiro lugar o
fato de que a nota técnica elaborada pelos consultores que analisaram o
impacto tecnológico concluiu que a separação empresarial não conduz a
nenhum estrangulamento tecnológico, ou, em outras palavras, não há
obstáculo do ponto de vista tecnológico que decorra da adoção da separação
empresarial. Assim, a separação empresarial não traduz nenhum impedimento
ao incremento da qualidade na prestação do serviço.
Em um cenário competitivo não restaria outra alternativa à empresa
cindida senão incrementar a qualidade do serviço prestado para fazer frente à
concorrência de outras empresas.
Em segundo lugar a circunstância de que há elementos legais que
determinam a observância de padrões adequados de qualidade nos serviços
em questão. Assim, dispõe a LGT em seu art. 3º, I, que o usuário de serviços
de telecomunicações tem direito de acesso aos serviços de telecomunicações,
com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em
qualquer ponto do território nacional.
Por seu turno, o Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu
art. 6º, X, que é direito básico do consumidor “a adequada e eficaz prestação
dos serviços públicos em geral”. E, em seu art. 22 dispõe que “os órgãos
públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Finalmente, a Lei de Concessões (Lei no 8987 de 1993) em seu art. 6º, §
1º define serviço adequado como aquele que “satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,
cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
23
Ademais, os contratos de concessão firmados pelas empresas com a
Anatel prevêem, de forma expressa, regras pertinentes à qualidade, inclusive a
expressa submissão das empresas às disposições do PGMQ26.
De todo o exposto, resta claro que não pode a empresa, sob nenhum
pretexto, diminuir o padrão de qualidade do serviço até então prestado. Caso o
faça, a lei dá os instrumentos necessários tanto à Anatel como aos órgãos de
defesa do consumidor para efetivar o respectivo controle.
Questão delicada diz respeito ao incentivo para investimentos na rede
de STFC como meio de prestação do SMC, matéria apontada pela nota técnica
que analisou os aspectos tecnológicos. Neste sentido, tal matéria teria que
necessariamente ser contornada com a imposição de metas claras de
universalização, bem como de qualidade, implicando, assim, em revisões e
adaptações do PGMU e do PGMC.
Finalmente, no quesito acessibilidade, ressalto que a universalização
não implica apenas disponibilidade do serviço, mas também envolve o preço
que torne possível tal acesso. Neste particular, inclusive, é de ser ressaltado o
papel central de haver metas de universalização que envolva necessariamente
à ampliação das redes do serviço telefônico fixo comutado de suporte à banda
larga.
III.4. Impacto no nível de emprego.
A presente nota técnica não possui a pretensão de estimar números da
expansão ou da retração no nível de emprego que possam ser causados pela
adoção da medida de separação empresarial. Assim, o juízo que farei é
meramente prospectivo.
Neste contexto, ressalto que a implementação da separação empresarial
em conjunto com medidas de concreta desagregação de rede do STFC terá
como conseqüência a ampliação da concorrência e, assim, possibilitará que
pequenas e medias empresas atuem no setor, sobretudo em centros urbanos
menores. Como as pequenas e médias empresas em geral apresentam uma
26 Ver especialmente o Capítulo VI dos contratos, que trata dos Critérios e Indicadores de Qualidade do Serviço
24
característica trabalho intensiva27, haverá uma tendência a ampliação do nível
de emprego no setor.
Apenas a título de exemplo transcrevo o quadro abaixo que alude à
evolução da distribuição do emprego por tipo de estabelecimento28:
Ademais, destaco que o mercado de SCM é um setor econômico de
tendência inexorável de expansão, sendo natural o aumento do nível de
emprego em tal segmento econômico.
Finalmente, há cumpre ressaltar que um dos argumentos que vem
sendo mais enfaticamente utilizados pelas concessionárias para se opor à
separação estrutural é justamente o fato de terem que duplicar algumas
estruturas e, assim, contratar mais empregados. Tal posicionamento já
demonstra por si só que tal medida não trará efeitos negativos no nível de
emprego do setor.
27 Ver http://www.josepastore.com.br//artigos/e,/em_108.htm a respeito de tal característica das pequenas e médias empresas 28 Tabelas extraídas de Santos. Vilma da Silva et al. Importância da migração do emprego para as micro e pequenas empresas no Brasil. In: http://www.inicepg.univap.br/INIC_07/trabalhos/sociais/epg. Acesso em 22.09.2008.
25
III.5. Impactos sobre os índices de inflação.
O impacto da medida de separação empresarial sobre os índices de
inflação depende, em primeiro lugar, da capacidade das empresas cindidas
repassarem os custos adicionais à tarifa de STFC ou ao preço do SCM. Sobre
as incertezas de que haverá tal repasse remeto o leitor aos itens III.1 e III.3.
Cabe, ainda, ressaltar que mesmo que houvesse repasse o impacto
seria administrável pelas autoridades monetárias e não implicaria em
necessidade de revisão das metas inflacionárias.
Apenas para efetivar uma comparação, cumpre ressaltar que diante do
reajuste de 3,01% autorizado este ano para o reajuste das tarifas dos serviços
de telecomunicações trouxe, segundo renomados economistas, um impacto de
0,07% no IPCA e IPC-FIPE e de 0,10 no IPC Brasil (medido pela FGV)29.
29 Assim, por exemplo, destaco matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo do dia 23 de junho de 2008: “Nas contas da economista da Tendências Consultoria Integrada, Marcela Prada, o impacto no IPCA, índice usado como parâmetro de meta de inflação, será de 0,07 ponto porcentual. Impacto idêntico deverá ter no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, que mede a inflação apenas na cidade de São Paulo, segundo cálculos do coordenador do índice Marcio Nakane. Já no IPC Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o efeito será de 0,10 ponto porcentual, de acordo com o economista da FGV, André Braz”. In: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080723/not_imp210371,0.php. Acesso em 22 de setembro de 2008.
26
IV- Conclusão
A separação empresarial entre as atividades de STFC e SMC possui
uma grande virtude: conferir maior transparência na verificação dos custos
incorridos na utilização da infra-estrutura própria do STFC para a prestação do
SMC, principalmente nas vendas por atacado. Assim, tal medida dá à Anatel
um importante auxílio na construção de um modelo otimizado de custos que lhe
permita regular o preço do acesso à infra-estrutura de STFC, medida
imprescindível para chegar-se à efetiva implementação da desagregação de
redes.
Neste contexto, o estímulo à concorrência trará significativos impactos
sociais positivos, uma vez que o aumento do número de agentes dedicados às
atividades de STFC e SMC acirrará a competição em preços e qualidade.
No entanto, no que tange à tarifa de STFC há o risco das
concessionárias invocarem o disposto no art. 108, § 4º da LGT pleiteando
revisão tarifária em razão de majoração tributária relacionada com a prestação
do serviço de STFC e decorrente da separação empresarial.
Há, ainda, que se ponderar se o incremento dos custos específicos do
STFC majorados em razão da separação empresarial terá impacto no fator de
produtividade X de que tratam o art. 7º., II do Decreto n º. 4733 e a Resolução
nº 507 da Anatel.
No que tange ao SMC há liberdade na fixação de preços mas, ao menos
nos mercados geográficos competitivos, a concorrência servirá como freio para
o aumento de preços do SMC.
Igualmente, a combinação de medidas regulatórias integradas à
separação empresarial também servirão de estímulo concorrencial ao
incremento da qualidade na prestação do SMC e o Poder Público dispõe de
instrumentos efetivos para o controle da qualidade no STFC, apontados na
nota técnica. O risco que existe é o relativo ao incentivo para o incremento da
rede de STFC como veículo de serviço de SMC, ponto já declinado na nota
técnica sobre impacto tecnológico.
Ademais, a nota técnica destaca, ainda, que não haverá impacto
negativo no nível de empregos.
Ressalto, ainda, que para o se alcançar o incremento concorrencial é
imprescindível que se adote uma série de outras medidas, além da separação
empresarial. Ou seja, a separação empresarial não é um fim em si mesmo, mas
um instrumento para conferir maior transparência e, assim, auxiliar na
implementação da desagregação de redes e possibilitar uma fiscalização mais
efetiva da agência no controle contra práticas discriminatórias. Deve, assim, ser
combinada com: 1- concomitante concretização de medidas de desagregação de
rede estabelecidas no PGR da Anatel; 2- implementação de estudos para a
construção do modelo otimizado de custos e do modelo de precificação de uso da
rede; 3- imposição de metas de expansão de infra-estrutura de STFC necessária
para a prestação de SMC, mostrando-se recomendável a concomitante
reformulação do PGMU; 4- a previsão expressa de que os ganhos de
produtividade advindos da concentração permitida pelo art. 6º sejam transferidos
aos consumidores e; 5- a adoção do Plano Geral de Metas de Competição.
Finalmente, deve ser ponderado que caso a Anatel entenda, a exemplo do
que fizera quando da celebração dos novos contratos de concessão, que a
separação contábil seja suficiente para a transparência de custos e preços na
utilização da rede de STFC para a prestação de SMC, entendo não ser
recomendável a pura e simples supressão do art. 9º da proposta de novo PGO.
Em tal caso, entendo recomendável que haja a substituição da separação
empresarial pela separação funcional, além da concomitante adoção dos demais
mecanismos relacionados nos itens 1 a 5 do parágrafo anterior.
27