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 28  BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 E mbora muitas vezes entendidos como sinônimos, os termos publicidade, pro- paganda e marketing não têm o mesmo significado. A expressão publicidade sig- nifica o ato de vulgarizar, de tornar pú- blico um fato ou idéia; já a propaganda é definida como a propagação de princípi- os e teorias; e, finalizando, o marketing é o processo de descoberta e interpretação das necessidades, desejos e expectativas do consumidor e das exigências para as especificações do produto e serviço e con- tinuar, através de efetiva promoção, dis- tribuição, assistência pós-venda, a con- vencer mais e mais clientes a usarem e continuar em usando esses produtos e ser- viços (HASS 1978). A publicidade significa, portanto, divul- gar, tornar público, e a propaganda com- preende o objetivo de implantar, de incu- tir uma idéia ou uma crença na mente alheia; e ambos fazem parte de uma das etapas finais do planejamento estratégico de marketing, que é chamada de comuni- cação. Desta forma, a publicidade tem o fim único de estabelecer comunicação com os consumidores, informá-los de que exis- te um produto e mostrar como este combi- na com suas necessidades e desejos, além de persuadí-los na meta final, que consis- te na venda do produto em questão (GRAZINI & COIMBRA 1997). Segundo ROCHA (1987), a publicidade é uma forma impessoal de comunicação, que pode ser definida como um conjunto de atividades – como a utilização de mei- os de comunicação de massa – através das quais determinadas mensagens são trans- mitidas a um público-alvo, com o propósi- to explícito de informar , motivar e persu a- dir este público a adotar serviços ou idéi- as, sob o patrocínio de determinada orga- nização (GRAZINI & COIMBRA 1997). SCHEWE (1982) afirma que a propagan- da permite ao público reconhecer um pro- duto, associá-lo a algum benefício ou va- lores agregados a ele, movendo-os à ação de compra. Desta forma, atinge o objetivo (“target”) que o profissional de marketing aspira (GRAZINI & COIMBRA 1997). Propaganda e marketing na informação nutricional Emília Y. Ishimoto e Marcia de Araujo Leite Nacif (*) (*) Mestradas em Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo TENDÊNCIAS

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Embora muitas vezes entendidos comosinônimos, os termos publicidade, pro-

paganda e marketing não têm o mesmosignificado. A expressão publicidade sig-

nifica o ato de vulgarizar, de tornar pú-blico um fato ou idéia; já a propaganda édefinida como a propagação de princípi-os e teorias; e, finalizando, o marketing éo processo de descoberta e interpretaçãodas necessidades, desejos e expectativasdo consumidor e das exigências para asespecificações do produto e serviço e con-tinuar, através de efetiva promoção, dis-tribuição, assistência pós-venda, a con-

vencer mais e mais clientes a usarem econtinuarem usando esses produtos e ser-viços (HASS 1978).

A publicidade significa, portanto, divul-

gar, tornar público, e a propaganda com-preende o objetivo de implantar, de incu-tir uma idéia ou uma crença na mentealheia; e ambos fazem parte de uma dasetapas finais do planejamento estratégicode marketing, que é chamada de comuni-cação. Desta forma, a publicidade tem ofim único de estabelecer comunicação comos consumidores, informá-los de que exis-te um produto e mostrar como este combi-na com suas necessidades e desejos, alémde persuadí-los na meta final, que consis-te na venda do produto em questão

(GRAZINI & COIMBRA 1997).

Segundo ROCHA (1987), a publicidadé uma forma impessoal de comunicaçãoque pode ser definida como um conjuntde atividades – como a utilização de mei

os de comunicação de massa – através daquais determinadas mensagens são transmitidas a um público-alvo, com o propósito explícito de informar, motivar e persuadir este público a adotar serviços ou idéias, sob o patrocínio de determinada organização (GRAZINI & COIMBRA 1997).

SCHEWE (1982) afirma que a propaganda permite ao público reconhecer um produto, associá-lo a algum benefício ou valores agregados a ele, movendo-os à açãde compra. Desta forma, atinge o objetiv(“target”) que o profissional de marketin

aspira (GRAZINI & COIMBRA 1997).

Propaganda e marketingna informação nutricionalEmília Y. Ishimoto e Marcia de Araujo Leite Nacif (*)

(*) Mestradas em Nutrição, Faculdade

de Saúde Pública, Universidade de São Paulo

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A publicidade,usada no sentidocomercial, atingiusua forma madurahá cerca de 100anos, quando osconsumidores co-

meçaram a depen-der de marcas paradistinguir entre osdiversos produtos, etornou-se mais exi-gente, tal a comple-xidade dos sistemasde distribuição e asofisticação dos pro-dutos industrializa-dos. Os objetivos de venda de um produtosão traduzidos para uma mensagem especí-fica, que na “mercadização” é codificada afim de ser interpretada pelos seus consumi-dores. Para isto, a publicidade vale-se deum meio de comunicação, que pode serentendido como todo meio, forma ou recur-so capaz de levar ao conhecimento do con-sumidor a mensagem publicitária elaboradapara fazer a propaganda ou divulgar um pro-duto ou serviço (SANT’ANNA 1989).

Os meios de comunicação

As palavras mídia (de médium) ou

meio, designam os elementos materiaisque divulgam a mensagem e geralmentesão classificados como: visuais (jornais,revistas, periódicos especializados, car-tazes, painéis, luminosos, prospectos,folhetos, cartas, catálogos, “displays”,vitrines e exposições); auditivos (rádio ealto falantes); audiovisuais (televisão ecinema) e interativos (cd-rom e internet)(GRAZINI & COIMBRA 1997).

Diante da vasta gama de produtos, o meiode comunicação mais acessível à popula-

ção é a televisão. Este é, entre os veículosutilizados pela mídia, o que parece exercermaior impacto sobre o consumidor a nível coletivo, pois possibilita a transmissão demensagens através da junção de três ele-mentos: som, imagem e movimento. O nú-mero de vezes que um comercial é exibidoou a freqüência e intensidade de inserçãodos comercias de televisão são estabeleci-dos única e exclusivamente pelo planeja-mento publicitário, precisamente a parte damídia que obedece às recomendações quantoao mercado a ser atingido, veículos de di-

vulgação, apelos a serem empregados, men-

sagens adequadas para o meio escolhido everba disponível (SANT‘ANNA 1989).

Um estudo experimental conduzido naCalifórnia (EUA) teve como finalidade in-vestigar o impacto dos comerciais de te-levisão sobre crianças em idade pré-es-colar (de 2 a 6 anos). Uma parte destascrianças assistiu a um videotape de de-senho animado com personagens conhe-cidos, onde comerciais de produtos ali-mentícios foram inseridos de modo im-plícito, veiculados como elementos nor-mais do programa. Um 2º grupo assistiuao mesmo videotape, mas sem os comer-ciais. Após a exposição do videotape, to-

das as crianças foram questionadas sobresuas preferências de marcas de produtos,sendo que diversas marcas foram apresen-tadas, inclusive as que foram expostas no1º videotape. Os resultados revelaram quea escolha das marcas veiculadas no 1ºvideotape foi significativamente maior en-tre as crianças que o assistiram, comparadoàs crianças do 2º grupo (BORZEKOWSKI eROBINSON 2001).

Outros autores relatam a eficácia dos co-merciais de televisão como um instrumento

de influência na definição de preferênciasentre os consumidores (DOYLE e FELDMAN1997; ALMEIDA et al 1997; CARVALHO eGALLI 1980). Estes estudos têm suscitadoum amplo debate entre profissionais da saú-de, que levantam questões como a necessi-dade de se impor limites de exposição dascrianças aos comerciais de televisão.

Em relação ao consumidor adulto, foinotório o aumento de seu interesse sobrea relação entre dieta e saúde, principal-mente a partir da década de 80 (CELESTE2001). Este novo perfil levou os setores

relacionados à comercialização de alimen-

tos a utilizar meiopublicitários diferenciados, como divulgação de folhetos com informações técnica juntamente com

embalagem do produto. Outro recurso, que tem despertado muita polêmica entre setoreque representam indústria alimentícia e a saúde pública, é a inclusão dalegações de saúd

(health claims) nos rótulos de alimentosque é melhor discutido mais adiante.

Recursos utilizados em marketing

Além do estabelecimento dos meioatravés dos quais o mercado de oferta scomunica com o mercado de consumo, marketing estuda também a influência doutros elementos que atraem a atençãdo consumidor, tanto a nível do consciente quanto do inconsciente; alguns destes elementos, como a cor e a embalagem, são considerados de grande importância, por serem fatores que influenci

am na decisão de compra.Quando no cérebro se produz a sensa

ção da cor, esta se encontra ao nível dinconsciente. Sabe-se que o homem reagemuitas vezes, impulsionado pelo inconsciente coletivo, onde o simbolismo coletivdas cores (ex: o verde simboliza a esperança) representa um papel de destaquereage, também, impulsionado por seu consciente individual, o que caracteriza ummaneira personalizada de responder aos estímulos que irão determinar suas preferên

cias e idiossincrasias (FARINA 1975).A embalagem de produtos alimentícios tem como uma das funções estimular o paladar, e a cor é o fator queem primeiro lugar, atinge o olhar dconsumidor. Portanto, é para ela qudevem se dirigir os primeiros cuidadosprincipalmente se considerarmos as ligações emotivas que envolvem e seugrande poder sugestivo. Torna-se, então, evidente o valor das cores, agregado à embalagem, na persuasão do consumidor. Há todo um complexo proces

so que começa no indivíduo a partir d

Resumo

Nas últimas décadas, verificou-se a evolução do consumidor no sentido de adotar umapostura mais consciente em relação aos produtos que adquire. Na área de alimentos estaevolução foi nítida, em função do conceito de qualidade de vida, cada vez mais difundido noBrasil e no mundo – neste cenário foi agregado à dieta o atributo de saúde, fundamental paramanter ou promover a qualidade de vida. A indústria de alimentos e todos os setores da cadeiaagroalimentar acompanharam este maior interesse por parte do consumidor. Discute-se muito

o papel da propaganda e do marketing, recursos amplamente utilizados pelas empresas dealimentos e o seu impacto na saúde do consumidor, e, no sentido coletivo, na saúde pública.Questões éticas fazem parte desta discussão, especialmente quando se verifica, na propagan-da enganosa, que as normas legislativas não são cumpridas – aí prepondera a ação do Estadona garantia da segurança alimentar, um direito básico dos cidadãos. Também são considera-dos o papel dos órgãos de defesa do consumidor e dos profissionais de saúde no processo deorientação e educação alimentar da população. Apesar de mais consciente, o consumidorcontinua em uma posição extremamente vulnerável quando se trata de segurança alimentar. Oconsumidor brasileiro, em particular, apresenta ainda uma postura passiva, quando poderiausar seu poder de compra como instrumento para fazer valer seus direitos de cidadão.

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momento em que éexcitado pelas carac-terísticas externas doproduto, terminandono ato em que o ad-quire. Neste processo,na maior parte das

vezes a razão não in-tervém, embora o in-divíduo esteja semprepronto a racionalizaroperacionalmente oseu comportamento.Não se pode esquecerdo trabalho prévioexecutado pelos ór-gãos de publicidade emarketing, que prepa-ra o subconsciente doconsumidor, condicio-nando-o a uma escolha (FARINA 1975).

Propaganda e marketing nutricional

Por serem produtos de demanda primá-ria, os alimentos representam um imensopotencial de mercado consumidor, o queleva os setores de produção, desenvolvi-mento e industrialização de alimentos ainvestir cada vez mais em publicidade paradespertar efetivamente os motivos para aaquisição de seus produtos.

É cada vez maior a escolha pelo consu-mo de alimentos industrializados, por di-versas razões, entre elas praticidade e con-veniência. Isto levou a um notável cresci-mento da indústria alimentícia, que temapresentado como estratégia básica de di-ferenciação de seus produtos muitos inves-timentos em técnicas de processamento emarketing, como também em pesquisa paraidentificação de novas necessidades do con-sumidor. Sendo fundamental a satisfação dasnecessidades do cliente para o êxito de uma

empresa ou de um negócio, considera-se,no marketing de alimentos, a necessidadefisiológica de se alimentar, ou de saciar oprazer em se adquirir determinado gêneroalimentício. Assim, a aquisição de um pro-duto ou serviço vai ao encontro da tentati-va de satisfazer uma necessidade já insta-lada (GONSALVES 1996).

Considera-se que a estrutura de prefe-rências de determinados produtos podemsofrer alterações ao longo do tempo. É exa-tamente neste ponto que as empresas têmcondições de influenciar seus consumido-

res e, portanto, a demanda por meio de suas

atividades de marketing. Como mencionadoanteriormente, as últimas décadas mostra-ram uma crescente conscientização das pes-soas quanto à importância de uma vida sau-dável que, entre outras coisas, inclui o con-sumo de alimentos considerados saudáveis,ou seja, com menor conteúdo de gorduras ecalorias, rico em fibras, pobre em sódio, etc.Neste sentido, existe uma necessidade dosconsumidores em adquirir produtos que pos-sam promover ou manter sua qualidade devida (GONSALVES 1996).

Em resposta a este novo perfil, que va-loriza alguns alimentos na busca de melhorqualidade de vida, o setor alimentício, atra-vés da propaganda e marketing, tem colo-cado o consumidor em contato com novosprodutos alimentícios, explorando sua di-mensão nutricional. Assim, foi denominadomarketing nutricional o marketing que põeo consumidor em contato com as diferen-ças de caráter nutricional dos produtos(GONSALVES 1996).

Já o termo propaganda nutricional está

mais relacionado a informações expressasnos rótulos dos alimentos. De acordo comCELESTE (2001), a propaganda nutricional tem definições e termos diferenciados emdiferentes países. No Reino Unido, porexemplo, a expressão utilizada para desig-nar propaganda nutricional é NutritionClaim, definida como qualquer declaração,sugestão ou significação em qualquer ró-tulo, apresentação ou propaganda de ali-mento de que este tenha propriedadesnutricionais. A legislação brasileira segueo estabelecido pelo Mercosul, que preco-

niza a utilização do termo “informação

nutricional complementar (INC)” conceituado como qualquerepresentação que declare, sugira ou dê entender que o produto tem certas proprie

dades nutricionais emrelação ao seu valoenergético, conteúdde proteínas, carboidratos, gorduras ou fibras, tanto quanto vitaminas e sais minerais. Em 13/01/1998 INC foi normatizadatravés da Portaria n27, do Ministério dSaúde. Em geral, a propaganda nutriciona

aparece de modo destacado na embalagemcom termos que despertam a atenção, compor exemplo “rico em fibras”.

É importante ressaltar a questão dconfiabilidade das informações, que srelaciona diretamente à segurança doalimentos. Neste sentido, a discussão dpapel do marketing de alimentos na informação nutricional remete obrigatoriamente a uma avaliação dos fatores quinterferem na segurança alimentar e, portanto, na saúde do consumidor.

Marketing, segurançaalimentar e saúde pública

Pode-se definir segurança alimentacomo o inverso de risco alimentar, ou sejaa probabilidade de não sofrer nenhum danpelo consumo de um alimento (HENSON &TRAILL 1993). A garantia da segurançalimentar depende da eficácia nas interrelações entre as diversas etapas da cadeia agroalimentar, envolvendo desde ope

rações de produção até a comercializaçãoquando o consumidor irá decidir, na suescala de valores, se o preço a pagar é justo. Nesta etapa, é preponderante o papeda propaganda e marketing na informaçãe orientação do consumidor.

Marketing de alimentos: prós e contra

A veiculação de uma gama de informações relativas aos alimentos é um aspectoque valoriza o marketing na promoção dsaúde coletiva, considerando-se que as in

formações, quando bem conduzidas, se cons

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tituem num poderosoinstrumento no proces-so de educação alimen-tar da população.

Além disso, por serum processo de identi-ficação dos desejos e

expectativas do consu-midor, o marketing re-presenta uma ponte en-tre as exigências mate-riais e padrões econô-micos do consumidor.Assim, as atividadesde marketing podemtornar possível a rea-lização dos desejos dopúblico em se adqui-rir produtos conformeseu poder aquisitivo.

Entretanto, um dos grandes anseios doconsumidor, ao adquirir produtos, por qual-quer razão que seja, é estes seremconfiáveis; para isto, é preciso que as in-formações apresentadas pelos fabricantessejam fidedignas. Se, ao contrário, estasinformações forem falsas, ambíguas, con-fusas ou vagas, o consumidor será lesadomoral e financeiramente, além de sofrerriscos à sua saúde. Por ser potencialmentedeletéria à população, a prática da divulga-ção de qualquer informação que induza a

erro foi condenada pela American DieteticAssociation (ADA). Segundo a ADA, as ale-gações de saúde e de conteúdo nutricional (health claims), seja em rótulos ou em pu-blicidade, devem ser baseadas em evidên-cia científica. Estas alegações devem serfeitas no contexto global da alimentaçãodiária, e levar em consideração tanto osefeitos positivos quanto negativos dos com-ponentes alimentares e nutrientes. Devem,ainda, ser baseadas em critérios pré-deter-minados e aprovadas pelas agências fede-

rais responsáveis (ADA Reports 1990).Alguns autores acreditam que a propa-ganda na área de alimentos explora, em suamaioria, apenas os atributos benéficos, oque pode resultar em um problema de saú-de pública. A propaganda, segundo os mes-mos, deveria ser utilizada como um meio deinformação e atualização dos consumido-res, orientando-os concreta e lealmente paraa realização da opção de compra que lhesseja mais adequada e vantajosa. (SPERS1996; CARVALHO & GALLI 1980).

Outra importante questão que se colo-

ca é a influência do marketing nos padrões

alimentares da população. O Brasil atra-vessa um período de transição nutricional que revela um declínio qualitativo da die-ta em função do aumento do consumo deaçúcares refinados e gorduras saturadas econsumo reduzido de fibras e ácidos graxospoliinsaturados – isto, somado à diminuiçãoda atividade física, contribui para o aumen-to da prevalência da obesidade e outras do-enças crônicas não transmissíveis, como do-enças cardiovasculares (MONTEIRO 1995).

Os níveis crescentes da prevalência da

obesidade nas últimas décadas, tanto emcrianças como adolescentes e adultos, cha-maram a atenção de diversos pesquisado-res no Brasil e no mundo, que investiga-ram os possíveis fatores determinantes dopadrão alimentar descrito acima, conheci-do como “dieta ocidental”. A influência doscomerciais de televisão foi apontada comoum destes fatores, especialmente no de-senvolvimento da obesidade entre crian-ças e adolescentes (DOYLE & FELDMAN1997; OLIVARES et al 1999).

Rótulos e propaganda nutricional

Com o novo perfil do consumidor quese delineia, ou seja, cada vez mais consci-ente e interessado por informações, o mar-keting tem explorado ao máximo os recur-sos da embalagem e rotulagem dos alimen-tos, destacando sobretudo os “possíveis”atributos benéficos à saúde, através da pro-paganda nutricional.

A portaria nº 42, de 13.01.98, do Mi-nistério da Saúde, que regulamenta a

rotulagem de alimentos embalados, deter-

mina que: “não devemser descritos no rótulvocábulos, sinais, denominações, emblemas, ilustrações oqualquer representaçãgráfica que possam tor

nar a informação falsainsuficiente ou confusainduzindo o consumidoa engano. Da mesma forma, o rótulo não podindicar que o alimentpossui propriedades medicinais ou terapêuticasaconselhando seu consumo para evitar ou curar doenças”.

Além disso, a Portaria nº 27, que foi ela

borada com base no Codex Alimentarius97, estabelece normas específicas para propaganda nutricional, ou INC – Informação Nutricional Complementar.

Segundo Marília Regini Nutti, coordenadora do Grupo de Trabalho de Rotulagemde Alimentos do Brasil e de RotulagemNutricional do MERCOSUL, “a INC tem poobjetivo facilitar a compreensão do consumidor quanto ao valor nutritivo dos alimentos e ajudá-lo a interpretar a declaração sobre o nutriente. Todavia, não ser

permitido o seu uso quando puder ocasionar interpretação errônea ou engano poparte do consumidor” (RODRIGUES 1999)

Esta Portaria deverá ser complementada por uma Resolução publicada pelANVISA (Agência Nacional de VigilânciSanitária) em 21 de setembro de 2001que padroniza as informações de rótulode alimentos e bebidas, sobre seus componentes nutricionais. Na tabela de informação nutricional do produto deverão constar dez itens: valor calórico

carboidratos, proteínas, gorduras totaisgorduras saturadas, colesterol, ferro, fibra alimentar, cálcio e sódio. A quantidade deverá ser indicada para porçõeindividuais, expressas em gramas ou mililitros, determinadas pela ANVISA parcada categoria de alimento. A medida faparte das ações do ministério para orientar a população a consumir produtomais saudáveis. De acordo com RicardOliva, diretor de Alimentos e Toxicologida ANVISA, estes parâmetros foram criados para a educação alimentar da popu

lação – o consumidor terá critérios par

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uma alimentação maissaudável. Por exemplo,será mais fácil contro-lar uma dieta limitadano teor de gordurassaturadas e colesterol.

Apesar das normas

estabelecidas pelo Minis-tério da Saúde, inúmerasirregularidades são prati-cadas em rótulos alimen-tícios, tais como:

• Nomes ou vocábu-los que induzem a erros:

- Cremogema: ape-sar da palavra “gema”embutida no nome, oproduto é composto àbase de hidratos de carbono, ou seja,não contém gema;

- Arrosina: farinha para preparo ca-seiro de alimentos infantis que, apesardo nome, não contém arroz, mas simamido de mandioca;

- ligth: pode expressar significados com-pletamente diferentes de acordo com ofabricante, ou seja, pode significar con-teúdo de açúcar, de gorduras ou de calori-as totais reduzidos.

• Indicação de propriedades tera-

pêuticas:- “Ajuda a reduzir os níveis de coles-

terol”: propaganda nutricional destacandoas propriedades benéficas do ácido graxoômega 3, de um produto à base de cereaisnaturais. Entretanto, o rótulo não revelaque a quantidade deste nutriente ofereci-da pelo produto (34,3 mg/porção) é insu-ficiente para que haja um efeito benéfico,uma vez que a recomendação é de 800 mg/ dia (FISBERG 1999).

A propaganda enganosa em rótu-

los alimentícios pode causar danos àscampanhas de educação alimentar, ouseja, informações falsas podem levar àcrença de que certos produtos possuempropriedades medicinais, atrasando aprocura por cuidado terapêutico adequa-do (CELESTE 2001).

Um estudo sobre rótulos de 62 tiposde alimentos infantis existentes no mer-cado concluiu que as informações são emgeral insatisfatórias, confusas e utiliza-das mais como apelo comercial do que nointuito de levar orientação ao consumi-

dor (PHILIPPI et al 1999).

O aval da ciência

Em 1992, um comercial de televisão so-bre uma conhecida marca de leite fermen-tado, voltado para o público infantil, vei-culou a seguinte mensagem musical: “é bomprá minha boquinha, é bom prá barrigui-nha”. Nesta mensagem, além de ressaltar ascaracterísticas sensoriais do produto, esta-va embutida a idéia de que se tratava deum alimento saudável, pelo seu conteúdode lactobacilos, cuja função principal é ade regular a flora intestinal. Os lactobacilos

representam, neste caso, o aval ou a assi-natura da ciência, o que permite, autoriza e justifica o seu consumo (LEFÈVRE 1999).

Um exemplo mais recente é o do cremevegetal com fitoesteróis – extratos vege-tais que, segundo pesquisas, inibem a ab-sorção do LDL (low density lipoprotein),conhecido popularmente como o “maucolesterol”, sem alterar os níveis de HDL(high density lipoprotein) – o “bomcolesterol”. A embalagem deste produtoacompanha um folheto com informações

técnico-científicas, onde se percebe quehouve uma preocupação em se converter o jargão científico para o jargão popular.

Interessantemente, estas mensagens evi-tam a utilização de termos que lembram oestado de morbidade – ao contrário, conse-guem projetar saúde sem evocar doença.

Ética e saúde pública

Ao colocar um produto alimentício à ven-da, a empresa que o produziu está, a partirdeste momento, comprometida com a saúde

do consumidor, e, no sentido coletivo, com a

saúde pública. E quandse lida com saúde pública, torna-se indispensávetrabalhar a consciênciética, que deve, em sumelhor dimensão, prevalecer em todas as etapa

da cadeia produtiva do alimento, até que o alimento seja efetivamente consumido. Isto se aplica nãapenas à classe empresarial, mas também ao Estado e entidades de defesdo consumidor.

A dimensão ética aplicada à saúde pública devser trabalhada levando-sem consideração algun

conceitos, como: justiça, cidadania, direitohumanos, liberdade, participação, autonomiaequidade, complexidade, responsabilidade qualidade (GARRAFA 1995).

O papel do governo

Através de uma poderosa campanha publicitária, foi lançado, em 1979, um produtcomercializado como “refresco sabor laranja”incluindo slogans como “a força das frutas”além de imagens da própria fruta no rótuloque continha também a mensagem “excelen

te fonte de vitamina C”. Tratava-se, na realidade, de um pó à base de açúcar colorido earomatizado artificialmente. Posteriormentecom ações do Ministério da Saúde, tais procedimentos foram condenados e alterados – marca registrada, no entanto, já estava difundida na mente dos consumidores com mensagem original (CARVALHO 1980).

Desde então, a sociedade continuou presenciando ocorrências semelhantes, onde omecanismos regulatórios atuavam tardiamente, quando o produto irregular já havia con

quistado a preferência dos consumidores.Ao Estado cabe adotar as medidas necessárias para garantir a segurança alimentar de seus cidadãos. Estas medidas englobam, principalmente:

- Regulamentação de resoluçõenormativas específicas sobre propagande outros recursos publicitários;

- Análise de rótulos, orientação e correçãde possíveis distorções antes do lançamentodo produto no mercado;

- Fiscalização a nível de mercado vare jista, com aplicação de medidas corretiva

e punitivas se necessário.

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A posiçãodo consumidor 

O capítulo III do Códi-go de Defesa do Consumi-dor, Lei nº 8.078, de 11/ 09/90, trata dos direitos

básicos do consumidor,entre eles “a informaçãoadequada e clara sobre osdiferentes produtos e ser-viços, com especificaçãocorreta de quantidade, ca-racterísticas, composição,qualidade e preço, bemcomo sobre os riscos queapresentam” – art. 6º, pa-rágrafo III.

Entretanto, esta le-gislação nem sempre é cumprida, como foimencionado nos capítulos anteriores. Cons-tantemente assediado e ludibriado pelapropaganda enganosa, o consumidor é, nacadeia agroalimentar, o agente mais vul-nerável e, paradoxalmente, aquele que de-tém o maior poder, ou seja, o poder decompra. Apesar disso, o consumidor brasi-leiro, ao contrário do europeu ou america-no, ainda apresenta uma postura bastantepassiva diante de tantas incertezas e irre-gularidades.

Perspectivas futuras

Faz parte das estratégias do marketingconsiderar os fatores que influenciam – oupodem influenciar – as preferências dos con-sumidores, projetando estes fatores numaperspectiva futura. De acordo com SLOAN(1998), mudanças demográficas e psico-so-ciais irão se refletir na preferência alimentardo consumidor em 2020, mas continuarãoprevalecendo os seguintes atributos:

– Sabor

– Preço– Nutrição– Conveniência– Inovação nos aspectos saúde e tec-

nologia.A mídia certamente continuará exercen-

do um extraordinário poder persuasivo namente das pessoas, tanto a nível do cons-ciente quanto do inconsciente. Resta sa-ber qual será o impacto desta influênciana sociedade – se positiva ou negativa –e, ainda, se os mecanismos regulatórios econtroladores do Estado irão evoluir, pro-

tegendo a saúde do consumidor.

Considerações finais

O estabelecimento de um código de éti-ca ou a elaboração de uma regulamenta-ção rígida e específica sobre as informa-ções veiculadas em propaganda e marketingde alimentos beneficiaria não apenas osconsumidores, mas também privilegiaria asempresas realmente preocupadas em ga-rantir a boa qualidade de seus produtos,informando honestamente o consumidor.

O consumidor, por sua vez, deve adotaruma postura mais crítica, usando seu poder

de compra para impugnar ou prestigiar seusfornecedores. E no processo de conscientiza-ção e educação da população, os profissio-nais da saúde e órgãos de defesa do consumi-dor possuem um papel preponderante.

Ao governo cabe coibir as irregularidadesde modo mais eficaz, adotando efetivamen-te as medidas políticas e sanitárias – indivi-duais e coletivas – garantindo, assim, umdos direitos básicos do cidadão: a segurançaalimentar. Também é necessário o incentivogovernamental às políticas direcionadas à

educação alimentar da população.A ampliação do paradigma ético em saú-de pública é, com certeza, um dos grandesdesafios para os profissionais da mídia, daclasse empresarial, governo e profissionaisda saúde neste novo milênio.

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