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1 Projeto de Irrigação Pirapora: Um Estudo de Avaliação de Impacto da Política Pública de Irrigação no Norte de Minas Gerais Autoria: Paulo Ricardo da Costa Reis, Suely de Fátima Ramos Silveira, Thiago Heron Mira Adami, Eni Lourenço Rodrigues Resumo Este trabalho busca desenvolver uma avaliação sistemática de resultados, para mensurar os impactos das políticas públicas de irrigação efetuadas na bacia do rio São Francisco. Para tanto foi utilizado como base o estudo de caso do Projeto de Irrigação Pirapora implementado no município de Pirapora-MG. Utilizando-se de um modelo de avaliação de impacto ex-post facto, onde as inferências e resultados foram obtidos a partir da comparação do município beneficiado (Pirapora), com o grupo de controle, municípios não beneficiados que apresentavam características semelhantes ao município beneficiado antes da construção do perímetro irrigado. O grupo de controle foi definido, a partir dos 44 municípios que compunham a região de planejamento do Norte de Minas em 1970. Além disso, utilizou-se a análise de conglomerados ou análise de cluster, técnica exploratória de análise multivariada que permitiu reunir os municípios em grupos homogêneos. Para tanto, realizou-se uma análise em diversas variáveis disponíveis, destacando-se aquelas que possam captar os efeitos da construção de um projeto público de irrigação e mensurar seu impacto expressando o alcance das políticas públicas e suas diretrizes. A pesquisa demonstrou os impactos do projeto sobre a produção, renda e emprego gerados na atividade agrícola. 1 Introdução Em todo o mundo é comum a atenção de governantes e autoridades para o combate a desigualdade social e econômica. No Brasil, tal preocupação está presente nos programas governamentais, pois é o quinto maior país do globo em extensão territorial, com aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados (IBGE). A grande extensão territorial proporciona ao país uma ampla diversidade cultural e grande variedade de recursos naturais e humanos, os quais o destacam na produção agropecuária, mineral e industrial. Entretanto, sua amplitude territorial também provoca altas taxas de desigualdade, seja pelas diversidades sociais e econômicas, ou pela disponibilidade de recursos entre as regiões. Os contrastes nacionais são visíveis entre suas regiões, onde em um mesmo ano há geadas e enchentes em determinado local e, em outros, é a seca que castiga a população e a atividade agropecuária, de forma dramática. Assim, constituem grandes desafios à União a criação, o gerenciamento e a avaliação de políticas públicas, devido às características geográficas e físicas e pela concomitância de diferentes realidades econômicas e sociais, sejam elas regionais, estaduais ou municipais. Foi então, que em meados da década de 1970, o governo federal iniciou o ciclo político da então Política de Irrigação (atualmente Política Nacional de Recursos Hídricos), buscando, através da agricultura irrigada, promover o desenvolvimento regional, especialmente em áreas menos favorecidas economicamente. No escopo dessa política, em 1975, iniciou-se a construção do Perímetro de Irrigação de Pirapora, por meio da Superintendência de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (SUVALE). A primeira experiência de agricultura irrigada no norte de Minas Gerais. Com o objetivo de promover o desenvolvimento regional, gerando emprego, renda, aumento da produtividade e, por conseguinte redução da desigualdade social. No ano de 1986 foi criado o Programa Nacional de Irrigação (PRONI), pelo então Presidente da República José Sarney. O programa tinha como metas o aumento da oferta de alimentos básicos para o abastecimento interno, da eficiência produtiva e a redução do preço dos alimentos, além da melhoria do abastecimento, controle da inflação e o fomento do

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Projeto de Irrigação Pirapora: Um Estudo de Avaliação de Impacto da Política Pública de Irrigação no Norte de Minas Gerais

Autoria: Paulo Ricardo da Costa Reis, Suely de Fátima Ramos Silveira, Thiago Heron Mira Adami, Eni Lourenço Rodrigues

Resumo

Este trabalho busca desenvolver uma avaliação sistemática de resultados, para mensurar os impactos das políticas públicas de irrigação efetuadas na bacia do rio São Francisco. Para tanto foi utilizado como base o estudo de caso do Projeto de Irrigação Pirapora implementado no município de Pirapora-MG. Utilizando-se de um modelo de avaliação de impacto ex-post facto, onde as inferências e resultados foram obtidos a partir da comparação do município beneficiado (Pirapora), com o grupo de controle, municípios não beneficiados que apresentavam características semelhantes ao município beneficiado antes da construção do perímetro irrigado. O grupo de controle foi definido, a partir dos 44 municípios que compunham a região de planejamento do Norte de Minas em 1970. Além disso, utilizou-se a análise de conglomerados ou análise de cluster, técnica exploratória de análise multivariada que permitiu reunir os municípios em grupos homogêneos. Para tanto, realizou-se uma análise em diversas variáveis disponíveis, destacando-se aquelas que possam captar os efeitos da construção de um projeto público de irrigação e mensurar seu impacto expressando o alcance das políticas públicas e suas diretrizes. A pesquisa demonstrou os impactos do projeto sobre a produção, renda e emprego gerados na atividade agrícola.

1 Introdução

Em todo o mundo é comum a atenção de governantes e autoridades para o combate a

desigualdade social e econômica. No Brasil, tal preocupação está presente nos programas governamentais, pois é o quinto maior país do globo em extensão territorial, com aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados (IBGE). A grande extensão territorial proporciona ao país uma ampla diversidade cultural e grande variedade de recursos naturais e humanos, os quais o destacam na produção agropecuária, mineral e industrial. Entretanto, sua amplitude territorial também provoca altas taxas de desigualdade, seja pelas diversidades sociais e econômicas, ou pela disponibilidade de recursos entre as regiões. Os contrastes nacionais são visíveis entre suas regiões, onde em um mesmo ano há geadas e enchentes em determinado local e, em outros, é a seca que castiga a população e a atividade agropecuária, de forma dramática.

Assim, constituem grandes desafios à União a criação, o gerenciamento e a avaliação de políticas públicas, devido às características geográficas e físicas e pela concomitância de diferentes realidades econômicas e sociais, sejam elas regionais, estaduais ou municipais.

Foi então, que em meados da década de 1970, o governo federal iniciou o ciclo político da então Política de Irrigação (atualmente Política Nacional de Recursos Hídricos), buscando, através da agricultura irrigada, promover o desenvolvimento regional, especialmente em áreas menos favorecidas economicamente.

No escopo dessa política, em 1975, iniciou-se a construção do Perímetro de Irrigação de Pirapora, por meio da Superintendência de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (SUVALE). A primeira experiência de agricultura irrigada no norte de Minas Gerais. Com o objetivo de promover o desenvolvimento regional, gerando emprego, renda, aumento da produtividade e, por conseguinte redução da desigualdade social.

No ano de 1986 foi criado o Programa Nacional de Irrigação (PRONI), pelo então Presidente da República José Sarney. O programa tinha como metas o aumento da oferta de alimentos básicos para o abastecimento interno, da eficiência produtiva e a redução do preço dos alimentos, além da melhoria do abastecimento, controle da inflação e o fomento do

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desenvolvimento equilibrado da economia local, privilegiando as classes menos favorecidas (PRONI, 1986).

Por se tratar de um investimento público e diante da escassez de recursos e do elevado volume de demandas da sociedade, os projetos públicos de irrigação na bacia do rio São Francisco, como quaisquer outros que contribuem com políticas públicas de desenvolvimento regional, requerem uma cuidadosa análise e uma rigorosa avaliação para obter informações úteis e críveis sobre a efetividade dos projetos.

Este artigo pretende avaliar as políticas públicas de irrigação, respondendo à pergunta: quais os resultados, ou seja, os impactos socioeconômicos diretos e indiretos inerentes à implantação do Projeto Público de Irrigação Pirapora? Para assim identificar os avanços sociais e econômicos no Norte de Minas Gerais, decorrentes da Política Pública de Recursos Hídricos. Realizou-se, então, uma avaliação de impacto ex-post facto, na qual a avaliação ocorre alguns anos após a intervenção ter sido realizada, para que os resultados da política possam ser percebidos.

Na seqüência deste trabalho, o próximo tópico apresenta o Projeto Pirapora, bem como sua relação com o município no qual está instalado. O tópico seguinte aborda o referencial teórico abrangendo: (i) Irrigação, (ii) Política Nacional de Recursos Hídricos e seu Gerenciamento, (iii) Políticas Públicas, (iv) Avaliação de Políticas Públicas e (v) Avaliação de Impacto. Na seqüência são explicitados os procedimentos metodológicos. Em seguida, têm-se as análises e discussão dos dados bem como os resultados da pesquisa, e, finalizando o artigo, apresentam-se as considerações finais.

2 O Projeto de Irrigação Pirapora

O Projeto de Irrigação Pirapora está localizado no município de Pirapora-MG, a 12

Km do centro da cidade, às margens da BR-365, rodovia que liga o norte de Minas Gerais ao Triângulo Mineiro e Distrito Federal. O município de Pirapora, com população de aproximadamente 50 mil habitantes, ao contrário da maioria dos municípios da região, possui pequena extensão territorial, com cerca de 575km², onde a área rural, bem como a população que vive no campo é muito pequena, aproximadamente 98% da população é urbana.

Segundo a Prefeitura Municipal de Pirapora (2005) o município é o segundo maior pólo industrial do norte de minas, possui um distrito industrial com 12 indústrias em atividade, que emprega cerca de 4.075 pessoas, uma rede comercial bastante diversificada com 853 lojas (varejistas e atacadistas) e 6 agências bancárias. Outras atividades que atuam como importantes geradoras de renda e que merecem destaques são a agricultura, com predomínio na fruticultura, a pecuária e a pesca, empregando um número aproximado de 2.175 pessoas. A outra parte da população economicamente ativa, cerca de 7.820 pessoas, encontra-se ocupada em outras atividades.

As obras de construção do Projeto Piloto de Irrigação de Pirapora foram iniciadas em 1975 pela SUVALE. Em 1976 a CODEVASF assumiu a implantação do projeto, que fora inaugurado em 24 de novembro de 1978. Segundo o Relatório da Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica (2005) o projeto apresentou um custo R$53.383.795,33 (cinqüenta e três milhões, trezentos e oitenta e três mil, setecentos e noventa e cinco reais e trinta e três centavos). O perímetro irrigado de Pirapora é considerado de pequeno porte quando comparado a outros dois importantes projetos da região, Gorutuba e Jaíba. A Tabela 1 apresenta a área total e irrigável dos projetos em hectares (ha), o número de irrigantes e o custo de implantação. Os valores do Pirapora são reduzidos diante dos números do Gorutuba e Jaíba.

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Tabela 1 - Principais projetos de irrigação do norte de MG Projetos Gorutuba Jaíba Pirapora

Ano de Implantação 1978 1975 1975 Área Total (ha) 7.064 32.754 1.642 Área Irrigável (ha) 4.475 23.969 1.236 Número de Irrigantes 445 1.491 34 Custo de Implantação (R$) 412.685.438,46 1.060.466.841,14 53.383.795,33

Fonte: Elaborada pelos autores a partir do Levantamento da Situação dos Perímetros Irrigados em Minas Gerais, publicado pela Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica (2005).

Além de ter sido um projeto piloto na região, outra característica peculiar do projeto é

possuir apenas lotes empresariais, sendo os proprietários os responsáveis pela gestão do perímetro através da Associação dos Usuários do Projeto Pirapora (AUPPI), que exerce a função que compete aos Distritos de Irrigação, comum à grande maioria dos demais projetos no estado.

Apesar do seu tamanho reduzido o projeto é referência nacional na produção de uvas de mesa. A área plantada com uva é de 250 hectares, e a produção foi de 3.370 toneladas no ano de 2006, que geraram uma renda total de R$ 5,1 milhões para os irrigantes.

A fruticultura irrigada, no ano de 2005, representou 99% de toda a área plantada, e, desta, as principais foram: uva 28%, banana 27%, tangerina 23%, manga 9% e laranja 7%. Nos anos de 2004 e 2005 a comercialização da produção gerou valores de R$ 9.555.250,00 e R$ 7.811.685,00, respectivamente, aproximadamente 60% da comercialização foi realizada pela Cooperativa Agrícola de Pirapora (CAP), que mantém uma equipe exclusivamente para responder por este setor. Mas há ainda aqueles produtores, cerca de 40%, que preferem fazer a comercialização direta, sem a participação da CAP.

O Perímetro Irrigado de Pirapora, por força de Convênio com a Codevasf é atualmente administrado pela Associação dos Usuários do Perímetro Pirapora - AUPPI. A partir do ano de 2006, foi efetivada a transferência da gestão do perímetro para os produtores. Com isso, o perímetro passou a não receber recursos orçamentários do governo, fato que o diferencia da maioria dos projetos públicos de irrigação.

3 Referencial teórico

3.1 Irrigação

A irrigação é uma prática agrícola com uso intensivo de tecnologia, que coloca o

recurso produtivo água sob controle do agricultor, eliminando riscos de perdas ocasionadas por estiagens e secas. Ao mesmo tempo, permite maior produtividade pelo uso mais eficiente de insumos, como máquinas, equipamentos, fertilizantes, defensivos, sementes melhoradas, energia elétrica e mão-de-obra (PRONI, 1986).

A irrigação exerce importante papel nas regiões com clima semi-árido, garantindo à atividade agrícola sustentabilidade econômica, minimizando, sobretudo o risco tecnológico, representado pela escassez de água, além de contribuir para: (i) criação de empregos, (ii) inserção da dimensão competitiva e da modernização produtiva na agricultura, (iii) fixação do homem no campo, (iv) oferta de alimento nos períodos de entressafra, (v) redução dos desequilíbrios regionais e sociais.

A agricultura irrigada, atualmente, é a maior consumidora de água no país e no planeta. Estima-se que a atividade de irrigação consuma, anualmente, quase 63% do volume de recursos hídricos captados no Brasil, em dimensão mundial, estima-se aproximadamente 70% do volume total. Os 30% do volume remanescente de água consumida destina-se a fins

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diversos como ao consumo doméstico, geração de energia e atividade industrial, dentre outros (RODRIGUES et al., 2004, citado por RODRIGUES et al., 2007).

Em contrapartida aos benefícios apresentados, a irrigação é uma atividade que também provoca impactos ambientais, tais como modificação do meio ambiente, consumo exagerado da disponibilidade hídrica da região, contaminação dos recursos hídricos e salinização do solo nas regiões áridas e semi-áridas.

Para amenizar estes impactos, a Política Nacional de Irrigação é conduzida em consonância com outras leis e normas que dispõem sobre a Política Agrícola, Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional de Meio Ambiente.

3.2 A Política Nacional de Recursos Hídricos e seu Gerenciamento

A década de 1990 foi promissora quanto ao desenvolvimento institucional em

recursos hídricos. Em 1995 foi criada a Secretaria de Recursos Hídricos. Em 1997 foi aprovada a lei de recursos hídricos que engloba todos os princípios da Agenda 21, sendo uma das mais modernas legislações sobre a água. No final de 2000 foi criada a ANA – Agência Nacional de Águas, com importantes atribuições de implementação dos instrumentos legais. A maioria dos Estados também aprovou a legislação de recursos hídricos, com o início do gerenciamento por meio de comitês e agências de bacias (TUCCI, HESPANHOL e NETO, 2000).

No contexto das políticas públicas, a Política Nacional e as Políticas Estaduais de Recursos Hídricos têm como base para seu planejamento a participação da sociedade. Na etapa de planejamento, têm-se os planos Estaduais e o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Os espaços geográficos considerados são o território nacional, no caso do PNRH, e as políticas e diretrizes estaduais, no caso dos estados. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é constituído pelas entidades envolvidas na coordenação de programas e planos.

Considerando os referidos autores, os planos de recursos hídricos visam à fundamentação, orientação e implementação da Política e o gerenciamento dos recursos hídricos de longo prazo. Os planos diretores de recursos hídricos empregam metodologias específicas para o planejamento das intervenções, sendo instrumentos para a orientação específica definida pela Política Nacional de Recursos Hídricos.

Dessa forma, os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos são: I. Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água,

em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II. A utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte

aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável (SILVA e PRUSKI, 2000).

A Lei 9.433 de 08/01/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH, “configura um marco que reflete uma profunda mudança valorativa no que se refere aos usos múltiplos da água, às prioridades desses usos, ao seu valor econômico, à sua finitude e à participação popular na sua gestão” (CODEVASF, 2007).

3.3 Políticas Públicas

Uma apreciação sobre o tema é apresentada por Dantas (2005) que afirma que

Política Pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado, orientado por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses.

Deve-se ressaltar, entretanto, que as políticas públicas são definidas na literatura sob diversas abordagens. Não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja política pública (SOUZA, 2006).

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O autor prossegue, definindo política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações.

Conforme explica Rua (1997), as políticas públicas (policies) são outputs, resultantes da atividade política (politics) que compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores. A autora faz uma distinção entre política pública e decisão política, explicando que uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Já uma decisão política, como referido anteriormente, corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, estabelecendo certa adequação entre os fins pretendidos e os meio disponíveis.

3.3.1 Policy Cycle (Ciclo Político) Segundo Frey (2001) o ciclo político corresponde à seqüência de várias fases de

elementos do processo político-administrativo e que podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder, às redes políticas e sociais e às práticas político-administrativas que se encontram tipicamente em cada fase. As tradicionais divisões do ciclo político nas várias propostas na literatura se diferenciam apenas parcialmente. Comum a todas essas propostas são as fases da formulação, da implementação e do controle (avaliação) dos impactos das políticas.

Formulação de Políticas: nesta etapa são formuladas alternativas para tomada de decisão, sendo que cada alternativa é formulada de acordo com as preferências e as expectativas de resultados (vantagens e desvantagens) (RUA, 1997). Na primeira fase é preciso ter a convicção de que um problema social precisa ser dominado e administrado. Existem alguns possíveis agentes que influenciam no momento da definição dos problemas que serão alvo das políticas públicas.

Implementação: esta etapa compreende o conjunto de ações que devem ser realizadas por grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões anteriores quanto a política, ou seja, trata-se das ações para fazer uma política sair do papel e funcionar efetivamente (RUA, 1997).

A referida autora comenta, ainda, que a fase de implementação pode ser uma continuação da formulação, envolvendo flexibilização, idas e vindas. Na opinião de Rocha (2004), a implementação constitui um momento de mudança institucional que resulta na adoção de novas regras e procedimentos, portanto, pode resultar em novas oportunidades e ou restrições que, de formas distintas, causarão impacto no comportamento dos atores envolvidos.

Avaliação: trata-se de uma etapa em que os programas já foram implementados, portanto, é importante verificar seus impactos efetivos, inclusive os efeitos indesejados ou os déficits de impacto. Dependendo dos resultados obtidos pela política, pode haver a suspensão ou o fim do ciclo político e a iniciação de um novo ciclo ou modificação do programa anterior. Na opinião de Rua (1997), o controle do impacto não deve ser realizado exclusivamente no final do processo político, e sim, acompanhar as diversas fases do processo de modo a proporcionar adaptações permanentes do programa proporcionando uma reformulação contínua da política.

Devido à importância desta etapa para o ciclo político e sua inserção no escopo desta pesquisa, será oferecido maior aprofundamento na literatura referente ao tema no item disposto a seguir.

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3.3.2 Avaliação de Políticas Públicas Avaliação é um campo da ciência que se ocupa da análise da eficiência (COHEN e

FRANCO, 2007). Para ser desenvolvida, é necessário um procedimento mediante o qual se compare o objeto de estudo com um critério ou um padrão determinado.

A avaliação na administração pública significa determinar o mérito e a prioridade de um projeto de investimento ou de um projeto social, geralmente financiado com recursos públicos e direcionado para resolver um determinado problema econômico ou social (HOLANDA, 2003).

Ao referirem-se à avaliação, Soares e Pianto (2003) afirmam que esta pode ser de processo ou de impacto. A primeira diz como os recursos foram usados e a segunda estima os resultados diretos e indiretos da implementação do programa ou projeto.

Quanto aos objetivos, qualquer avaliação visa obter informações úteis e críveis sobre o desempenho de programas identificando problemas e limitações, potencialidades e alternativas, levantando práticas mais eficientes (HOLANDA, 2003). Para Frey (2001), a avaliação pode, no caso de os objetivos do programa terem sido alcançados, levar à suspensão ou ao fim do ciclo político, ou, caso contrário, à iniciação de um novo ciclo, ou seja, a uma nova fase de percepção e definição e à elaboração de um novo programa político ou à modificação do programa anterior.

3.3.3 Avaliação de Impacto A avaliação de impacto estuda a efetividade do projeto, após este haver sido

executado. Para Baracho (2003) apud Faria (2003) a efetividade mede o impacto final da atuação sobre o total da população afetada. Na administração pública, o valor efetivo ou potencialmente criado não pode ser medido com base exclusivamente nos produtos (outputs), já que estes quase nunca têm significação em si, mas em relação aos resultados e impactos (outcomes) que geram.

Apesar de simples definição, a avaliação, de forma prática, é uma técnica complexa, já que nem todos os métodos de avaliação são iguais. Segundo Cohen e Franco (2007), para a definição da metodologia para avaliação é necessário o estabelecimento de critérios, tais como: tempo de realização e os objetivos procurados, quem a realiza, a natureza e, a escala que possui, e a que alçada decisória é dirigida para, por fim, selecionar o método a ser utilizado, adequando-o a cada proposta de avaliação.

De acordo com Ferro e Kassouf (2004), existem duas abordagens distintas de avaliação; a ex-ante e a ex-post. A primeira, ocorre antes, ou durante a implementação do projeto e tem por finalidade proporcionar critérios racionais para uma decisão qualitativa crucial: se o projeto deve ou não ser implementado. A segunda ocorre após a implementação do projeto e consiste na comparação de beneficiários observados com não beneficiários (também conhecido como grupo de controle), avaliando dessa maneira qual o impacto do projeto.

Conforme já mencionado, a avaliação de impacto estuda a efetividade do projeto, após este haver sido executado, sendo, assim, uma avaliação ex-post. Dessa forma, segundo Cohen e Franco (2007) a avaliação de impacto procura determinar em que medida o projeto alcança seus objetivos e quais são seus efeitos secundários (previstos e não previstos). Os autores prosseguem afirmando que os efeitos secundários de um projeto muitas vezes não são procurados na implementação e na concepção deste, mas ocorreram em conseqüência da realização do projeto. Por definição, os efeitos procurados têm que ser previstos e também têm que ser positivos. Já os efeitos não procurados podem ter sido previstos no momento de elaborar o projeto, sendo positivos quando se trata de conseqüências não centrais para os

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propósitos estabelecidos, mas valiosas por outras considerações, ou negativos quando podem prejudicar o êxito do projeto.

Os impactos de políticas públicas podem ser mensurados de duas formas. A primeira, conhecida como experimental, é menos usual para o objeto da pesquisa, dá-se através de experimentos controlados, muito similares com os utilizados em biologia ou em química. Contudo, um laboratório experimental gera problemas éticos e metodológicos, pois além das demandas de tempo e de recursos serem altas, manipular e interferir nos recursos e no modo de vida das pessoas pode trazer resultados negativos, que não justifiquem a pesquisa. O segundo modelo, de mensuração/avaliação, são os métodos quase-experimentais, que podem ser trabalhados junto a modelos estatísticos, ou seja, seleciona-se uma amostra do grupo de beneficiados pelo projeto e outra de não beneficiados pelo mesmo. Neste modelo, os membros dos grupos com e sem projeto (beneficiários e não-beneficiários) não são selecionados aleatoriamente. Para realizar inferências sobre o projeto através do modelo quase-experimental, os autores propõem o tratamento destes de acordo com os modelos de séries temporais e o de grupos de controle não equivalentes ou de comparação (COHEN e FRANCO, 2007).

Ainda segundo os autores, as séries temporais são construídas com base em medições periódicas efetuadas “antes”, “durante” e “depois” da realização do projeto. Através de comparações das medições periódicas, é possível observar qual a magnitude da mudança “após” a implementação do projeto. Em termos estritos, com este modelo não é possível isolar os efeitos legitimamente atribuíveis ao projeto. Segundo Cohen e Franco (2007) este é o problema clássico de estabelecer causalidade sem dispor de instrumentos que isolem a incidência das variáveis espúrias.

O modelo dos grupos de controle não equivalentes ou de comparação forma um grupo “com projeto” e outro “sem projeto” comparando-os, supondo que os membros do grupo não-beneficiário tenham características semelhantes às dos que integram o grupo ao qual projeto é aplicado (beneficiários). Este modelo permite que o pesquisador observe como estaria determinada região caso não houvesse projeto e quais os impactos averiguados por este através da comparação entre o grupo de beneficiados e o grupo de controle.

4 Procedimentos Metodológicos

Considerando Vergara (2005), as pesquisas podem ser classificadas quantos aos fins

e quantos aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa pode ser classificada como exploratória, pois é realizada em uma área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado. Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, documental, de campo e ex-post facto. Na qual realizou-se uma pesquisa de campo com entrevistas com os empresários instalados no perímetro e com os gestores públicos locais, para conhecer melhor o projeto e o perfil dos empresários.

A pesquisa valeu-se do método de avaliação de impacto (ex-post facto), pois o estudo foi realizado décadas após a implantação do projeto, ou seja, após a intervenção pública. Este estudo adotou como base o modelo dos grupos de controle não equivalentes. A adoção desse procedimento permitiu comparar o município de Pirapora-MG, beneficiado com a instalação do projeto de irrigação, com um grupo de controle, ou seja, municípios com as mesmas características do beneficiado no período de instalação do perímetro, mas que não foram contemplados. Este modelo permitiu, por meio de séries históricas, realizar comparação, inferências estatísticas dos dois grupos e identificar quais as mudanças ocorridas e provocadas pelo projeto de irrigação. O recorte temporal adotado neste artigo compreende o período das décadas de 1970 a 2000, para algumas variáveis foi possível usar dados até 2005.

O estado de MG é divido em dez regiões de planejamento. Para formação do grupo de controle utilizou como universo da pesquisa os municípios que compunham a região de

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planejamento norte, que em 1970 era composta por 44 municípios. Além disso foram definidas dez variáveis agrupadas em cinco categorias, conforme o Quadro 1. Os dados referentes às variáveis foram obtidos a partir de bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

CATEGORIAS VARIÁVEIS

IDH

Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos)Índice de TheilRenda Familiar per capita (expressa em Salários Mínimos)

População População ResidenteEmprego População Ocupada Zona Rural

PIB Municipal PIB Municipal Atividade AgropecuáriaReceitas da AgropecuáriaValor da Produção Agropecuária

Desenvolvimento Local

Condições de Vida

Produção

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 1 - Matriz Categorias e Variáveis para Análise de Cluster

O grupo de controle foi definido a partir da análise de cluster, técnica exploratória de

análise multivariada que permite agrupar sujeitos ou variáveis em grupos homogêneos relativamente a uma ou mais características comuns. Na análise de clusters, os agrupamentos de sujeitos ou variáveis é feito a partir de medidas de semelhança ou de medidas de dessemelhança (distância) entre, inicialmente, os sujeitos e, mais tarde, entre os clusters de observações, usando técnicas hierárquicas ou não-hierárquicas de agrupamentos de clusters (MAROCO, 2007). Segundo Hair et. al. (2005) se a análise for bem sucedida os objetos dentro dos conglomerados estarão muito próximos e os objetos em diferentes clusters estarão muito distantes.

Todos os cálculos para o agrupamento dos municípios foram efetuados a partir da utilização do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 15.0, licenciado. O agrupamento dos municípios que compõem o universo da pesquisa foi efetuado, primeiramente, por meio do Método Hierárquico, através do método da menor distância (Nearest Neighbor) utilizando-se a distância euclidiana quadrada (Squared Euclidean Distance) como medida de dessemelhança entre os municípios. Para definir o número de clusters usou-se o R-squared como descrito por Maroco (2007). Ainda de acordo com o mesmo autor, deve-se selecionar a solução com o menor número de clusters que retenha uma fração considerável da variância total, ou seja, o número de clusters ideal é encontrado a partir da análise da variabilidade. É necessário encontrar um número mínimo de clusters que retenha uma porcentagem significativa da variabilidade total. De acordo com os cálculos efetuados encontrou-se uma solução aceitável entre 4 e 5 clusters. Conforme o critério R-squared, foram retidos 5 clusters que explicam 80% ( R-sq = 0,8002) da variância total.

Em seguida, para refinar o processo, foi aplicado o procedimento não-hierárquico (K-means), pois, conforme Maroco (2007), esse procedimento é aconselhável para melhor apurar e interpretar a solução de clusters, além de se obter menor probabilidade de classificação errada no método não-hierárquico.

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Os quarenta e quatro municípios existentes no ano de 1970 na região de planejamento Norte de Minas Gerais (hoje existem oitenta e nove) ficaram agrupados em 5 clusters conforme o mapa da figura 1.

Fonte: Elaborado pelos autores Figura 1 - Mapa da Região de Planejamento do Norte de Minas Gerais (1970), com identificação dos grupos que compõem os 5 clusters

O município Pirapora foi agrupado no Cluster 1, juntamente com outros 11

municípios: Brasília de Minas, Capitão Enéas, Coração de Jesus, Espinosa, Manga, Mirabela, Montalvânia, Monte Azul, Rio Pardo de Minas, São João do Paraíso e Varzelândia.

Após a década de 1970 muitos municípios emanciparam-se. Para análise histórica optou-se pela recomposição dos municípios em conformidade com o ano de 1970, assim os dados dos municípios emancipados foram computados para os municípios de origem.

5 Análise e Discussão dos Resultados

Os impactos gerados pelo Projeto Pirapora podem ser divididos em diretos e

indiretos. Os impactos diretos podem ser identificados por meio da análise de variáveis como: População Residente, População Ocupada na Zona Rural, Valor da Produção Agropecuária, PIB atividade agropecuária e PIB Municipal. Os impactos indiretos foram avaliados por meio do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e Índice de Theil (desigualdade social).

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5.1 Impactos Diretos Segundo Heinze (2002), a agricultura irrigada promove alterações favoráveis no PIB

regional, refletido na diminuição do fluxo migratório rural-urbano, no aumento do PIB per capita e no crescimento demográfico mais equilibrado e na geração de empregos.

Um dos propósitos de um projeto de irrigação é o desenvolvimento regional com conseqüente redução do êxodo rural. A Tabela 2 demonstra o impacto do projeto sobre o fluxo migratório da meio rural para os centros urbanos dos municípios investigados.

Tabela 2 - Relação População Residente no Meio Rural/População Residente dos municípios do Cluster

1. MUNICÍPIO ANO

1970 1980 1991 1996 2000Brasília de Minas 76,12 66,87 57,42 52,77 50,74Capitão Enéas 56,20 43,07 29,10 26,73 23,99Coração de Jesus 76,40 69,37 60,54 54,62 48,51 Espinosa 82,40 68,36 57,97 53,62 49,90Manga 82,42 70,39 70,10 55,34 47,44Mirabela 70,78 55,68 44,97 35,37 35,03Montalvânia 79,27 57,72 49,28 46,52 47,15 Monte Azul 77,54 63,60 52,32 59,44 55,76Pirapora 6,58 3,60 1,85 3,66 1,83Rio Pardo de Minas 93,39 88,64 78,49 72,66 67,01São João do Paraíso 95,82 88,60 82,09 72,08 66,50Varzelândia 86,37 72,73 64,04 57,82 54,83

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do IPEA.

Na década de 1970 a grande maioria da população residia na zona rural, exceto no

município de Pirapora, que apresenta maior parte de sua população residindo no perímetro urbano do município, o que se deve em grande parte a sua pequena extensão territorial (quando comparado às dimensões dos outros municípios da região). Entretanto, o que se percebe (Tabela 2) ao longo dos anos é a redução da população rural em comparação com a população urbana. Tal fato aponta para um crescimento do êxodo rural nos municípios que compõem o cluster 1, incluindo o município de Pirapora, onde foi implantado o projeto.

A redução da população rural pode ser explicada por dois fatores. Primeiro, o município possui o segundo maior pólo industrial do norte mineiro. O segundo fator está relacionado ao fato de a maioria dos empresários e parte dos trabalhadores do perímetro irrigado residirem na área urbana, sendo que os empresários oferecem transporte para os funcionários até as propriedades.

Com relação à população residente, todos os municípios apresentaram crescimento populacional no recorte temporal (décadas 1970, 1980, 1990 e anos 2000), exceto Montalvânia. Nesse contexto, Pirapora ocupa lugar de destaque, com taxa de crescimento de 148%, bem superior a dos municípios que integram o cluster, maior até que o crescimento de Manga (município também beneficiado com implantação de projeto de irrigação - Projeto de Irrigação Jaíba). Segundo entrevistas com autoridades locais realizadas naquele município, esse crescimento foi, sem dúvida, influenciado pelo projeto de irrigação, pelos investimentos públicos em infra-estrutura e pelos incentivos da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), o que possibilitou ao distrito industrial de Pirapora receber várias indústrias metalúrgicas e têxteis.

A geração de empregos é outro impacto direto. Segundo a Codevasf (2007), o Perímetro de Pirapora gera aproximadamente 2.300 empregos, cerca de 760 gerados diretamente e 1.540 indiretamente. O Perímetro de Pirapora apresenta uma área inexplorada de 470 ha. Estima-se que, nesta área, a quantidade de empregos gerados poderia ser da ordem de 1.400, entre diretos e indiretos.

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De acordo com Valdes et. al. (2004), o investimento por posto de trabalho gerado pela agricultura irrigada é relativamente baixo se comparado aos demais setores da economia. Ainda, segundo os referidos autores, obtém-se, em média, um emprego on farm para cada hectare irrigado (emprego direto), e cerca de 1,5 emprego adicional em atividades auxiliares (empregos indiretos), para frente ou para trás na cadeia de produção, a um custo médio de U$ 5 mil a U$ 6 mil. Assim é possível realizar uma comparação através do valor proposto pelos referidos autores.

No perímetro irrigado de Pirapora são gerados 0,62 empregos diretos e 1,25 empregos indiretos por hectare irrigado, valor inferior ao potencial proposto por Valdes et. al. (2004). O fato pode ser justificado pelo número de máquinas (tratores, implementos agrícolas, caminhões e máquinas para selecionar as frutas) utilizadas nas propriedades.

Além da relação de empregos gerados por hectare irrigado, comparou-se o município de Pirapora com os municípios do grupo de controle quanto ao número de pessoas ocupadas na zona rural. Levando-se em consideração o fato, já exposto anteriormente, de que se tratar de um município população predominantemente urbana, onde a taxa de ocupação da população no meio rural é pouco expressiva se comparada a população total do município. Quando se compara o número de pessoas ocupadas no campo com um número de empregos diretos no perímetro percebe-se a abrangência do mesmo na atividade agrícola do município. De acordo com o banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada o IPEADATA em 2000, o número de pessoas ocupadas no meio rural era de 333 pessoas, enquanto o projeto gera aproximadamente 760 empregos diretos, praticamente o dobro do número de pessoas ocupadas na zona rural.

Essa situação pode provocar dúvidas, mas é facilmente explicada quando se observa a proximidade do projeto a Guacuí, distrito de Várzea da Palma. Parcela significativa da população economicamente ativa do distrito trabalha no perímetro, ou seja, para efeito de levantamento de dados, como o Censo realizado pelo IBGE, esses indivíduos são considerados como população ocupada no campo em Várzea da Palma, mas na realidade trabalham em Pirapora.

A implantação de um projeto de irrigação causa um efeito direto no PIB referente à atividade agropecuária. Observando a Tabela 3 verifica-se que antes da construção do perímetro o PIB agropecuário de Pirapora era muito inferior ao dos demais municípios do cluster, cerca de 10 vezes menor que o segundo menor PIB agropecuário naquele período.

Tabela 3 - PIB Municipal - agropecuária - valor adicionado - preços básicos - R$ (mil) de 2000- deflacionado pelo Deflator Implícito do PIB Nacional, dos municípios do Cluster 1. MUNICÍPIO ANO

1970 1980 1985 1996 2000 2005Brasília de Minas 12.956,49 15.385,31 7.822,40 16.714,97 14.806,87 12.428,49Capitão Enéas 14.598,97 13.423,78 13.556,65 8.422,55 7.195,60 7.807,84Coração de Jesus 11.502,10 12.491,21 21.986,62 22.753,43 20.800,59 17.549,63Espinosa 11.360,88 15.253,39 17.490,59 9.977,43 9.011,91 7.950,88Manga 15.761,28 21.676,86 86.698,08 30.869,14 35.207,22 40.413,77Mirabela 13.456,54 13.582,72 11.493,01 7.743,85 6.667,51 5.415,31Montalvânia 10.282,73 10.016,42 7.547,50 3.456,52 6.297,91 5.207,48Monte Azul 8.645,54 22.800,26 30.054,28 29.043,18 29.953,95 21.966,44Pirapora 667,24 3.367,26 11.236,71 4.775,17 17.390,79 15.808,49Rio Pardo de Minas 7.351,37 58.742,93 43.891,59 30.439,65 21.115,17 17.236,63São João do Paraíso 11.061,74 25.389,93 14.159,73 15.480,44 10.232,25 15.044,77Varzelândia 8.644,24 15.086,61 12.424,63 17.198,00 14.117,56 14.766,67

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do IPEA.

Aproximadamente dois anos após a instalação do projeto, o PIB agropecuário de

Pirapora cresceu aproximadamente 5 vezes em relação ao de 1970. Em 2005, mesmo diante do perfil urbano e da forte atividade industrial, Pirapora saiu da 12ª posição para a 4ª posição

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em relação aos maiores valores do PIB agropecuário dos municípios dos clusters. Onde novamente aparece o destaque para o município de Manga, que possui o maior PIB do cluster. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, este município também foi contemplado com a implantação de um projeto de irrigação (o Projeto Jaíba, atualmente localizado nos municípios de Jaíba, Matias Cardoso e Verdelândia).

5.2 Impactos Indiretos

De acordo com o IBGE, o IDH, criado no início da década de 90 para o PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), combina três componentes básicos do desenvolvimento humano: (i) a longevidade, que também reflete, entre outras coisas, as condições de saúde da população, medida pela esperança de vida ao nascer; (ii) a educação, medida por uma combinação da taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada de matrícula nos níveis de ensino fundamental, médio e superior; e (iii) a renda, medida pelo poder de compra da população, baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local para torná-lo comparável entre países e regiões, através da metodologia conhecida como paridade do poder de compra (PPC).

A metodologia de cálculo do IDH envolve a transformação destas três dimensões em índices de longevidade, educação e renda, que variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), e a combinação destes índices em um indicador síntese.

Oprojeto de Irrigação Pirapora parece não ter influenciado o IDH do município. Nota-se comportamento semelhante nas variações dos índices de desenvolvimento humano em todos os municípios pesquisados (Tabela 4), embora Pirapora tenha apresentado o melhor índice dentre os municípios do cluster, com valores muito próximos ao obtidos pelo estado e pelo país. No entanto, Pirapora apresentou a menor evolução desse indicador em relação aos dos municípios do grupo de controle, mesmo assim, apresentando melhor IDH.

Não obstante nenhum dos municípios apresenta alto desenvolvimento humano (IDH entre 0,8 e 1). Todos os municípios estão inseridos na escala de 0,5 a 0,8, que caracteriza médio desenvolvimento. Ainda assim, pode-se ponderar que para as condições regionais, esses municípios vêm apresentando melhorias de indicadores socioeconômicos, demonstrada pela evolução do IDH no período analisado.

Tabela 4 - Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): Brasil, Minas Gerais e municípios do Cluster 1

ANO EVOLUÇÃO (%)1970 1980 1991 2000

Brasil 0,46 0,69 0,74 0,77 65,80Minas Gerais 0,41 0,68 0,70 0,77 87,62Brasília de Minas 0,31 0,43 0,47 0,65 112,62Capitão Enéas 0,31 0,42 0,49 0,67 118,69Coração de Jesus 0,29 0,44 0,47 0,69 136,08 Espinosa 0,27 0,44 0,43 0,64 134,93Manga 0,27 0,38 0,44 0,63 134,16Mirabela 0,31 0,41 0,47 0,63 103,05Montalvânia 0,25 0,44 0,51 0,65 163,27 Monte Azul 0,25 0,40 0,42 0,63 156,10Pirapora 0,42 0,65 0,68 0,76 82,21Rio Pardo de Minas 0,21 0,29 0,39 0,60 183,60São João do Paraíso 0,19 0,34 0,36 0,62 223,32Varzelândia 0,22 0,36 0,40 0,62 180,00

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do IPEA.

Além de desenvolvimento humano, um investimento como o projeto Pirapora pode

contribuir para melhoria da distribuição de renda. Segundo o IPEA o Índice de Theil mede a

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desigualdade na distribuição de renda entre indivíduos, de acordo com a renda domiciliar per capita. Sendo nulo quando não existir desigualdade de renda e tendendo ao infinito quando a desigualdade for máxima. O Índice de Theil para os municípios do Cluster 1, nos anos 1970, 1980, 1991 e 2000 é apresentado na Tabela 5.

Tabela 5 - Renda - desigualdade – Índice de Theil para os municípios do Cluster 1 MUNICÍPIOS ANO EVOLUÇÃO (%)1970 1980 1991 2000 Brasília de Minas 0,43 0,43 0,56 0,51 18,90Capitão Enéas 0,48 0,42 0,54 0,53 10,21Coração de Jesus 0,44 0,41 0,51 0,67 51,36Espinosa 0,28 0,44 0,46 0,56 101,25Manga 0,58 0,36 0,77 0,55 -4,45Mirabela 0,72 0,50 0,57 0,52 -27,50Montalvânia 0,48 0,48 0,75 0,64 32,71Monte Azul 0,30 0,36 0,49 0,54 81,44Pirapora 0,42 0,48 0,69 0,64 53,10Rio Pardo de Minas 0,34 0,31 0,46 0,56 63,35São João do Paraíso 0,29 0,29 0,40 0,45 54,31Varzelândia 0,19 0,29 0,47 0,50 163,33

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do IPEA.

A implantação do projeto não gerou grande impacto na distribuição de renda do

município, que já possuía um dos maiores índices antes do projeto de irrigação. Apresentando, assim, como a maioria dos municípios do cluster, uma maior concentração da renda. O projeto não produziu efeitos suficientes para reduzir a concentração de renda, como aconteceu em Manga (Projeto Jaíba), conforme dados da Tabela 5.

6 Considerações Finais

O Projeto de Irrigação Pirapora foi um projeto piloto na região, com dimensões

reduzidas quando comparado a outros implantados no Norte de Minas. Enfatizando o foco da análise, remete-se aos objetivos da política que, contemplou a implantação de projetos públicos de irrigação, na busca do aumento da oferta de alimentos básicos para o abastecimento interno, a elevação dos níveis de produção e produtividade e a contribuição para o desenvolvimento equilibrado da economia, privilegiando as classes menos favorecidas.

A geração de emprego e a produção agropecuária do perímetro Pirapora puderam ser identificadas como impactos diretos da política. A geração de riquezas e de volume adicional produzido aumenta as quantidades demandadas de bens e serviços, influenciando fatores como o consumo local e arrecadação municipal, possibilitando a melhoria dos serviços públicos prestados, tais como educação e saúde que, por esse motivo, constituem os impactos indiretos que contribuíram para o desenvolvimento de Pirapora.

A pesquisa permitiu chegar a algumas conclusões: (i) a implantação do perímetro promoveu mudanças socioeconômicas importantes na região; (ii) criaram-se 760 empregos diretos e 1540 indiretos; (iii) a relação entre o perímetro e a economia regional tem ocorrido em grau acentuado, devido às características do município com o segundo maior pólo industrial da região e as dimensões do projeto, bem inferiores a outros projetos implantados; (iv) o projeto teve um impacto expressivo no PIB agropecuário que evoluiu mais de 2 mil por cento.

São visíveis as transformações regionais, alavancadas pelo uso da tecnologia de irrigação no Norte de Minas Gerais (Pirapora e outros municípios). No entanto, deve-se ressaltar que a irrigação gera transtornos quando o assunto é o impacto ambiental. A irrigação consume um grande volume de água. Além disso, pode causar a salinização do solo

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principalmente em regiões de clima semi-árido. Assim seria interessante que se desenvolvessem estudos na área inserindo questões ambientais, que também podem refletir nas variáveis socioeconômicas.

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