projeto de graduação 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE ARTES CÊNICAS UM CORPO APROPRIADOR: A MÍMESIS CORPÓREA COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA COMPOSIÇÃO DA PERSONAGEM PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Ícaro Alexsander Costa Santa Maria, RS, Brasil 2011

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Projeto de pesquisa desenvolvido em 2011.

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Page 1: Projeto de graduação 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS

CURSO DE ARTES CÊNICAS

UM CORPO APROPRIADOR: A MÍMESIS CORPÓREA

COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA

COMPOSIÇÃO DA PERSONAGEM

PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

Ícaro Alexsander Costa

Santa Maria, RS, Brasil

2011

Page 2: Projeto de graduação 2011

UM CORPO APROPRIADOR: A MÍMESIS CORPÓREA

COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA

COMPOSIÇÃO DA PERSONAGEM

Ícaro Alexsander Costa

Projeto de ensino, pesquisa e extensão apresentado ao

Curso de Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Artes Cênicas – Interpretação Teatral.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariane Magno

Santa Maria, RS, Brasil

2011

Page 3: Projeto de graduação 2011

COMISSÃO EXAMINADORA:

Drª. Mariane Magno (Orientadora)

Drª. Gisela Biancalana (UFSM)

Ms. Cândice Lorenzoni (UFSM)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 05

2 JUSTIFICATIVA..................................................................................................... 07

3 OBJETIVOS........................................................................................................... 09

3.1 Objetivo Geral.................................................................................................... 09

3.2 Objetivos Específicos....................................................................................... 09

4 METODOLOGIA.................................................................................................... 10

5 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 12

5.1 A Mímesis Corpórea, segundo o Lume Teatro............................................... 13

5.2 Punctum e Studium, segundo Roland Barthes.............................................. 16

5.3 Sobre o texto...................................................................................................... 19

5.3.1 Autor e obra...................................................................................................... 19

6 CRONOGRAMA..................................................................................................... 21

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 22

7.1 SITES.................................................................................................................. 22

Page 5: Projeto de graduação 2011

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1 INTRODUÇÃO

O presente projeto de ensino, pesquisa e extensão Um corpo apropriador: a

Mímesis Corpórea como procedimento técnico e sensível na composição da

corporeidade de um ator enquanto personagem, também é requisito parcial para

aprovação nas disciplinas Técnicas de Representação VII e Laboratório de

Orientação III, do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria,

bem como para a obtenção do grau de Bacharel em Interpretação Teatral do referido

curso.

O objetivo técnico e criativo do trabalho está na concepção e no

desenvolvimento de um personagem inserido em um espetáculo de contracenação,

que será criado com base técnica e teórica a partir da Mímesis Corpórea

desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais Lume (UNICAMP/SP).

Visando o desenvolvimento dramatúrgico, criativo e cênico, utilizaremos como

ponto de partida, para a concretização de tais objetivos, o texto dramático Há Vagas

Para Moças de Fino Trato, de Alcione Araújo (1999), cuja trama será a matéria

textual que fundamentará a vivência investigativa e criativa do aluno-pesquisador.

Para aplicar os procedimentos da Mímesis Corpórea optou-se pela utilização de

fotografias de mulheres por se tratar da criação de um personagem feminino; sendo,

esta diferença de gênero entre ator e personagem, um dos grandes desafios desta

pesquisa.

Vale ressaltar que a criação e a direção deste espetáculo é coletiva. O grupo

da montagem é composto por três alunos: duas atrizes e um ator; que trabalham

juntos desde 2009. A afinidade que surgiu entre nós durante este tempo e o

interesse comum em seguir desenvolvendo nossas pesquisas juntos, foram as

motivações que nos levaram a optar por criar e dirigir o nosso espetáculo de

formatura.

Para a análise do texto de Araújo - que apresenta um universo de três

mulheres e seus modos particulares de ser diante da sua infelicidade, decorrente da

ausência de amor e do abandono em que vivem - utilizaremos a estrutura de análise

ativa proposta pelo sistema de Constantin Stanislavski.

Page 6: Projeto de graduação 2011

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Esta pesquisa, que parte do estudo dramatúrgico e das investigações teóricas

e práticas sobre a Mímesis Corpórea, engloba, ainda, os conceitos Punctum e

Studium, segundo Roland Barthes (1984). Todos estes estudos servirão para

ampliar e direcionar o olhar do pesquisador. Este olhar, o do pesquisador, é ainda

um olhar do ator, ou seja, é um olhar técnico, sensível e criativo porque ele absorve,

de corpo inteiro, aquilo que vê. É este o nosso entendimento sobre um corpo

apropriador; e é este entendimento, em laboratório, que fará com que todos os

elementos desta pesquisa atuem de modo convergente até a composição da

corporeidade feminina da personagem Madalena.

Cabe ressaltar que esta pesquisa será embasada no modelo de pesquisa

experimental proposta por Antônio Carlos Gil; e prevê, ainda, a participação em

eventos científicos, a concretização do espetáculo (levado à público) e a formatação

de um relatório final que será submetido à mesma banca examinadora que aprovou

este projeto.

Page 7: Projeto de graduação 2011

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2 JUSTIFICATIVA

Esta pesquisa é, de certo modo, uma continuidade da investigação sobre a

Mímesis Corpórea que venho desenvolvendo nos dois últimos anos dentro do curso

de Artes Cênicas, proporcionando o aprofundamento técnico, artístico e também

sensível.

Para a concretização do objetivo deste projeto de ensino, pesquisa e

extensão, que é a investigação e a criação de uma personagem feminina e inserida

em um espetáculo de contracenação, assim como o estudo de seus elementos

constituintes, optou-se por um texto que retratasse a fragilidade humana vista de

ângulos diferentes, levantando questões que muitas vezes nos perguntamos no

nosso dia-a-dia, como por exemplo, até que ponto vale à pena levar uma vida

excessivamente de aparências?

A partir dessa questão foi escolhido pelo grupo o texto Há Vagas Para Moças

de Fino Trato, que mostra o sofrido convívio de três mulheres e dos traumas que

lhes foram causados pelas relações amorosas: Gertrudes, a mais velha, vive

inconformada por ter sido abandonada pelo marido e preenche esta perda mantendo

Lúcia sempre por perto. Lúcia, a mais jovem, é sonhadora, está à espera de seu

príncipe encantado e finge estar doente para conseguir manipular Gertrudes.

Madalena, a mais realista das três, trabalha como enfermeira em uma clínica

psiquiátrica e diverte-se a cada noite com um homem diferente.

Desta forma, a concepção propõe certa reflexão sobre as dificuldades do ser

humano em se relacionar com outro ser humano. Esta dificuldade é retratada no

texto de Araújo através das três personagens que são incapazes de se aceitarem e

que, paradoxalmente, toleram o convívio conjunto. Elas jogam umas com as outras,

cada uma a seu modo, como alternativa de sobrevivência no mesmo espaço físico.

Das questões que compõe o campo de pesquisa da personagem, decidiu-se

pesquisar a suavidade e a delicadeza da mulher, por considerar um grande desafio

para um ator a composição de um papel feminino. Para tal criação tornam-se

indispensáveis, além da Mímesis Corpórea, bom figurino e uma maquiagem

apropriada, porque temos também como objetivo aproximar a criação da

corporeidade o mais perto possível do feminino.

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Como fundamento psicotécnico para o trabalho do aluno-pesquisador, optou-

se pela Mímesis Corpórea1 para a criação da personagem, por se tratar de uma

técnica que possibilita um caminho à este processo criativo e também pelo fato da

personagem Madalena ser um tipo social presente no cotidiano.

Os conceitos de Punctum e Studium, segundo Barthes (1984), surgem como

filtro no momento da escolha das fotografias a serem trabalhadas através da técnica

da Mímesis Corpórea. Os critérios de escolha das imagens passam pela suavidade

retratada, pela plasticidade sinuosa do corpo da mulher representado na foto, se a

disposição da figura remete ao delicado, bem como fotografias que apresentem

ações simples como o ato de estar sentada, em pé ou deitada.

Enquanto que, na pesquisa de campo2, pretende-se obter registros de

mulheres em seu cotidiano, no formato de vídeo, com o propósito de inteirar o

trabalho desenvolvido com as fotografias.

1 A Mímesis Corpórea, da maneira como o Lume a trabalha, baseia-se na observação minuciosa de ações

cotidianas, executadas por indivíduos em situações corriqueiras. Estas ações são posteriormente imitadas

precisamente. Uma vez imitadas em seus mínimos detalhes, são codificadas, de maneira a serem reproduzidas,

“re-apresentadas”, e/ou manipuladas. Somente a codificação permite que o material primeiro, denominado

“matriz”, possa ser alterado, reelaborado, teatralizado (SOUZA apud FERRACINI, 2006, p. 114). 2 Pesquisa de campo, segundo Raquel Scotti Hirson, atriz e pesquisadora do Lume Teatro, é a busca do meio

apropriado para o encontro com o objeto de observação. Ele pode estar em livros e exposições de pintura,

fotografia, escultura; ou em determinada região de determinado país, cidade, bairro; ou espalhado em pontos

específicos, etc. (HIRSON apud FERRACINI, 2006, p. 67).

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3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Investigar e criar o personagem feminino, Madalena, em um espetáculo de

contracenação a partir do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato, de Alcione

Araújo, tendo a Mímesis Corpórea como fundamento técnico para a composição da

corporeidade da personagem.

3.2 Objetivos Específicos

Fazer uma análise ativa da obra Há Vagas Para Moças de Fino Trato, de

Alcione Araújo;

Realizar um estudo teórico-prático sobre a Mímesis Corpórea;

Pesquisar os conceitos de Punctum e Studium, desenvolvidos por Roland

Barthes;

Observar e investigar a corporeidade do feminino na mulher por meio de

pesquisa de campo, constituída de registros audiovisuais e fotográficos;

Investigar e criar a corporeidade do feminino em laboratório e ensaios

individuais e coletivos;

Compor o personagem Madalena no espetáculo de contracenação;

Apresentações do espetáculo final;

Produzir um relatório reflexivo final da disciplina de Técnicas de

Representação VIII com o desenvolvimento do processo criativo, no segundo

semestre de 2011;

Defender o relatório, perante banca examinadora;

Apresentar este projeto em eventos científicos.

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4 METODOLOGIA

A metodologia deste processo criativo a partir de um texto dramático abrange

três campos: o teórico, o prático e o reflexivo. Assim, partindo da análise ativa do

texto, proposta pelo sistema de Constantin Stanislavski, que consiste em

(...) dividir em partes uma peça, analisá-la pormenorizadamente e dividi-la

em seus diferentes extratos, meditar sobre algumas questões que ela nos

sugere e descobrir as respostas, (...) organizar discussões gerais e debates,

(...) avaliar e comparar todos os fatos, descobrir nomes para as unidades e

objetivos (STANISLAVSKI: 1997, p.11).

produzir-se-á a concepção de um espetáculo teatral, ou seja, a pesquisa

apresentada neste projeto se dará no decorrer do processo de montagem. A análise

do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato ocorre paralelamente com os ensaios

práticos do espetáculo.

A presente pesquisa será embasada em um exemplo de pesquisa científica: a

pesquisa experimental que, segundo Antônio Carlos Gil:

(...) consiste em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto (GIL: 2006, p.66).

Dessa forma, determinou-se a corporeidade feminina como objeto de estudo

para ser experimentado e elaborado no corpo do ator. Subseqüentemente, buscou-

se selecionar temáticas como o abandono, a ausência de amor e a dificuldade de

convivência como filtro para a formulação de perguntas a serem realizadas nas

entrevistas da pesquisa de campo, entendidas enquanto variáveis que influenciam

esta corporeidade. Finalmente pretende-se observar as diferentes reações causadas

nas mulheres entrevistadas para obter elementos que favoreçam o processo criativo

em laboratório, via Mímesis Corpórea.

As diretrizes principais são:

1. Diretriz Teórica – análise do texto Há Vagas Para Moças de Fino Trato;

explorar a metodologia de pesquisa científica proposta por Antônio Carlos

Gil; estudos sobre a Mímesis Corpórea, desenvolvida pelo Lume Teatro; e

sobre os conceitos Punctum e Studium, segundo Roland Barthes.

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2. Diretriz Prática – realização de uma pesquisa de campo visando a

obtenção de registros no formato de vídeo, para assim, complementar o

trabalho efetuado com as fotografias; praticar a Mímesis Corpórea a partir

das fotografias obtidas, tanto na pesquisa de campo como as escolhidas

pelo pesquisador através do Punctum e Studium; exercitar um treinamento

seqüencial de movimentos com um leque, visando desenvolver qualidades

de fluência, leveza, delicadeza e suavidade.

3. Diretriz Experimental – utilização criativa dos procedimentos técnicos da

Mímesis Corpórea a partir de fotografias para a composição da

corporeidade feminina da personagem, desde a teatralização da Mímesis

até a composição das cenas.

4. Diretriz Reflexiva: descrever o processo de pesquisa e refletir, formatando

um relatório final de conclusão de curso que será defendido perante banca

examinadora, além de apresentar este projeto em eventos científicos.

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5 REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Ferracini (2006, p.120), um dos pesquisadores e autores sobre a

Mímesis Corpórea utilizada nesta pesquisa, o corpo não possui memória, ele é

memória, pois:

é do presente que parte o apelo ao qual a lembrança responde, e é dos elementos sensório-motores da ação presente que a lembrança retira o calor que lhe confere vida (BERGSON 1990 apud FERRACINI 2006,p. 125).

Acumulamos durante a vida toda experiência em nosso corpo-memória3,

adquiridas conscientemente ou independentemente de nossa percepção. Dessa

forma, pode-se dizer que o corpo vive em um processo dinâmico de constante

atualização, visto que ele está sempre vivenciando novas experiências e, também,

evocando novas lembranças.

Essas memórias coexistem, virtualmente, em nosso presente. Bergson (1990)

denomina como virtuais por não serem reais enquanto matéria, mas estão impressas

em nosso corpo atual/real que pode recriá-las, afinal, sabe-se que não é possível

reviver um acontecimento passado em sua forma pura, mas é possível recriá-lo no

momento presente.

Para melhor entendimento dos conceitos de real (momento presente), virtual

e memória, Bergson sistematizou-os na forma de um cone, o chamado cone

bergsoniano, representado na figura abaixo:

O cone SAB representa a totalidade das lembranças

acumuladas na memória (virtual). O ponto S

corresponde ao corpo atualizado no momento

presente (plano P). À medida que o ponto S, que é

real enquanto matéria, avança sobre o plano P, ele

vai se atualizando, passando por novas experiências

e assim, contraindo novas lembranças a serem

acumuladas no cone SAB, que será sempre

carregado pelo ponto S. Por sua vez, a base AB do

cone permanece em constante crescimento.

3 Este conceito é utilizado pelo Lume Teatro para designar o corpo como meio de coexistência do passado e do

presente: o corpo presente acumula, nele mesmo, o passado. E pode ser encontrado no livro Café com queijo –

Corpos em criação, no capítulo O Corpo Memória, p. 120

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Pode-se direcionar o pensamento ao seguinte entendimento: se o corpo, no

momento presente, carregar toda a virtualidade do passado, as conexões ao

passado poderiam ser realizadas perfeitamente através do próprio corpo.

Assim, no trabalho da Mímesis Corpórea, uma ação ao ser observada,

memorizada, imitada e codificada, poderia ser pensada como uma espécie de virtual

a ser recriado no momento da atuação, ou seja, pode-se pensar que as ações

realizadas pelo ator em estado cênico são, na verdade, recriações de virtuais

vivenciadas e armazenadas pelo corpo-memória.

5.1 A Mímesis Corpórea, segundo o Lume Teatro

Os procedimentos da Mímesis Corpórea que se pretende utilizar nessa

pesquisa foram desenvolvidos pelo Lume Teatro e consistem em uma metodologia

que busca o desenvolvimento da capacidade de observação, de imitação, de

codificação e de teatralização de ações físicas e vocais.

Dessa forma, o primeiro passo a ser realizado é a escolha do material a ser

observado, neste projeto, a feminilidade da mulher. Vale ressaltar que um fator

determinante para a execução dessa escolha é a existência de uma conexão entre o

ator e o objeto de observação. Essa conexão pode dar-se de diversas formas:

(...) um fator fundamental para a escolha de uma imitação é a identificação

que surge entre o ator e o observado, podendo essa identificação dar-se de

diversas formas, quase sempre não explicáveis, pois às vezes uma forte

repulsa pode despertar o desejo de uma imitação (HIRSON apud

FERRACINI: 2006, p.73).

Sendo assim, torna-se evidente que a Mímesis Corpórea não se faz apenas

da imitação, da criação de um estereótipo, mas sim da relação que se estabelece

entre o ator e o observado. É mais profundo do que a mera reprodução superficial.

Por isso é indispensável uma identificação do ator com seu objeto de estudo, pois

este é resultante de uma escolha.

A primeira etapa da Mímesis Corpórea consiste na observação do objeto de

estudo escolhido. Essa observação deve ser profunda, detalhada, capaz de detectar

informações que não são evidentes, nem óbvias, em um primeiro olhar.

Nesta pesquisa, observo fotografias de mulheres que apresentem

características da sua feminilidade, tais como delicadeza, leveza e sensualidade, ao

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mesmo tempo em que procuro detectar quais são os pontos essenciais da foto que

devem ser criados em meu corpo.

Na fase da imitação, o que realmente interessa é a imitação precisa e perfeita

das ações observadas anteriormente, e não uma imitação superficial, aproximativa.

Deve-se tentar levar em conta não o que o ator-pesquisador sentiu no momento da

observação, mas sim, objetivamente, as ações realizadas pelo seu objeto de estudo,

ou seja, sua corporeidade.

Nesta pesquisa, atualmente tenho já trabalhadas (imitadas) 18 fotos, entre

elas:

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A etapa seguinte constitui-se da codificação das ações imitadas, isto é,

buscar no corpo as microdensidades musculares4 equivalentes para tornar possível

sua repetição, sua “re-apresentação” e sua manipulação. “Somente a codificação

permite que o material primeiro, denominado ‘matriz’, possa ser alterado,

reelaborado, teatralizado” (SOUZA apud FERRACINI, 2006, p. 114).

Atualmente, tenho codificadas 3 seqüências, entre elas:

Repertório 1 – formado por 10 fotografias

Discurso da Madalena – formado por 4 fotografias

Tédio – formada por 7 fotografias

A última fase da Mímesis Corpórea é a da teatralização, ou seja, o momento

de adaptação das ações codificadas às exigências da cena em que serão inseridas,

podendo ser transformadas, aumentando ou diminuindo seu ritmo, sua intensidade,

seu tamanho ou velocidade, porém sem perder a essência do material original.

Esta etapa da pesquisa está apenas começando, mas já tenho 7 estruturas

sendo trabalhadas neste processamento criativo, como por exemplo, esta do texto a

seguir:

TEXTO (Madalena) – “Boa noite, presidiárias. Comunico a quem se interessar

que estou vindo do hospício onde trabalho para o hospício onde moro. E a doideira

aqui já começa na entrada. O elevador desse prédio está biruta: imagina que eu

apertei o dez, ele parou no cinco. Aí, pensei, apertando o cinco, ele pára no dez.

Parou no oito.”

ESTRUTURA EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO CRIATIVA

Seis passos fora de cena seguidos de três passos em cena

Estender o braço e abrir o leque (estudando o tempo da ação)

Suspense / tensão

Quebra da tensão com uma risada e com o abanar do leque

Quatro passos para à direita, foco para a esquerda, foco para o leque

Fechar o leque e dar três passos para a esquerda

Braço direito estendido para cima, abrir o leque

4 Terminologia utilizada pelo Lume Teatro para designar pontos musculares específicos que, quando ativados,

possibilitam a retomada de ações físicas e, posteriormente, sua recriação. Este conceito pode ser encontrado no

livro Corpos em fuga, corpos em arte, no capítulo Ator: um olhar poético para a imagem, p. 123.

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Giro de 180 graus, pernas cruzadas e flexionadas, leque aberto nas

costas

Giro de 180 graus, leque aberto no alto

Pulso quebra para baixo

Desta forma, na sala de ensaios um novo mundo é descoberto a partir dos

materiais adquiridos ao longo da pesquisa e das inúmeras possibilidades de

combinações que se pode realizar com eles.

É um trabalho minucioso, onde um ínfimo detalhe pode fazer grande

diferença. Encontrar no próprio corpo as formas pesquisadas em outro corpo,

descobrir quais pontos musculares devem ser ativados para a composição de

determinada figura, buscando assim sua equivalência física, requer tempo de

trabalho e uma dedicação contínua, diária.

5.2 Punctum e Studium, segundo Roland Barthes

Para começar o trabalho de Mímesis Corpórea a partir de fotografias é

necessário selecionar as imagens a serem recriadas em meu próprio corpo, que,

segundo Barthes (1984), podem ser escolhidas a partir de dois elementos

específicos: o Punctum e o Studium.

O Punctum é um conceito utilizado para nomear um “detalhe” na foto que

chama a atenção daquele que a olha. Do latim, punctum significa ponto, picada,

marca feita por um instrumento pontudo. Esse detalhe, que ‘parte da foto’ e

transpassa o observador, gerando nele a lembrança ou sensação de algo que tenha

experienciado no passado, trata de uma conexão subjetiva. Por isso, dar exemplos

de punctum é, de certa forma, entregar-se, porque ele não é buscado

antecipadamente em uma fotografia, mas sim encontrado, uma vez que as conexões

subjetivas são, muitas vezes, inexplicáveis. Para Barthes (1984) “o punctum é uma

espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além

daquilo que ela dá a ver” (1984, p.89).

Diferente do Punctum, o Studium, segundo Barthes (1984), também remete à

memória, mas em virtude do saber do observador. Uma fotografia qualquer pode

tocar e causar alguma emoção naquele que a observa, mas essa emoção será

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medida pela sua cultura, sua realidade social e política; e não provocada por uma

singularidade própria, com uma intensidade particular e exclusiva ao observador.

O Studium também pode ser diretamente encontrado, isto é, uma

determinada pesquisa já pode pré-determinar o tipo de Studium a ser estudado,

como por exemplo, neste projeto, a pesquisa determinante é o estudo da

composição da corporeidade feminina em um corpo masculino, o que me levará a

pesquisar fotos de mulheres com determinadas qualidades corporais, tais como

leveza, sensualidade, delicadeza e sinuosidade dos movimentos.

Em síntese, fotos escolhidas a partir de um Studium podem causar “uma

espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo

revezamento judicioso de uma cultura moral e política” (BARTHES, 1984, p.45).

Para colaborar com a compreensão destes dois conceitos, Punctum e

Studium, segue um exemplo prático. Ao observar esta imagem, como sujeito cultural

essa foto me causou certo interesse pois, para mim, ela retrata o cotidiano na

terceira idade. Nela vejo o abandono (ao ver os dois jovens ao fundo, pode-se

pensar que a foto foi registrada em um asilo) e a solidão; temas que são recorrentes

na atualidade e presentes na nossa cultura. Este olhar social e cultural poderia ser

uma possibilidade de estudo da foto, a partir de um Studium.

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Porém o Punctum, o que me chamou a atenção logo na primeira vez em que

vi a foto foram os pombos, que remeteram minha memória diretamente à Praça São

Sebastião, localizada na cidade de Manaus – AM. Isso porque, quando criança, eu e

meus pais costumávamos ir à praça todos os domingos. Ela era habitada por

milhares de pombos e também havia um senhor que vendia apenas milho para que

os passantes alimentassem as aves.

Com este exemplo, é possível perceber que o Studium é um campo muito

vasto, enquanto o Punctum é muito particular a cada observador. Ao mostrar essa

foto em seminário na disciplina Laboratório de Orientação III, ministrada pela Prof.ª

Dr.ª Mariane Magno, foi possível observar os diferentes comentários entre os

colegas de aula, cada um revelando o seu punctum particular e a sensação que ele

lhes causava.

Redimensionando os dois conceitos para esta pesquisa, pode-se concluir que

as fotos escolhidas a partir de um Punctum partirão de aspectos mais pessoais e

subjetivos, enquanto que as fotos escolhidas através do Studium podem ter suas

temáticas identificadas do modo mais comum por qualquer observador, dependendo

de sua cultura. Porém, nada impede que uma fotografia contenha em si Punctum e

Studium, simultaneamente.

Sob o ponto de vista técnico e criativo, o trabalho com Punctum e Studium

aplicados à Mímesis Corpórea, partindo de fotografias, é extremamente amplo e rico.

Muitas vezes, durante a pesquisa de campo, pode acontecer do ator-pesquisador

estabelecer apenas um contato com o objeto a ser estudado, o que torna o registro

em fotos algo importante e necessário, pois esta será sua única fonte concreta que

possibilitará reavivar na memória aquele momento.

Mas como compor um corpo fundamentado na observação de uma imagem

fotográfica? No presente projeto de pesquisa, a criação de ações se dará a partir da

escolha de imagens de mulheres, via Punctum e Studium, registradas em momentos

similares às situações presentes na obra Há Vagas Para Moças de Fino Trato, como

por exemplo, mulheres tomando banho, dançando, sentadas, maquiando-se, etc.

Page 19: Projeto de graduação 2011

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5.3 Sobre o texto

5.3.1 Autor e obra

Durante o momento da procura por uma dramaturgia que abrangesse um

universo feminino, em que as relações fossem estabelecidas através de um

confronto entre dissimulação e verdade, surge a obra de Alcione Araújo Há vagas

para moças de fino trato. Essa obra, escrita pelo autor em 1974, mostra o “estudo

psicológico do sofrido convívio de três mulheres e dos traumas que lhes são

causados pelas relações amorosas”.

Alcione Araújo nasceu em Minas Gerais na cidade de Janúaria, em 1945, ele

atua como professor, autor, roteirista e diretor; sua escrita aborda a subjetividade e a

visão da psicologia em circunstâncias sociais diversas.

No livro “Teatro de Alcione Araújo” está contido parte de sua obra entre elas:

“Há Vagas para moças de fino trato”, “A caravana da ilusão”, “Doce deleite” e

“Muitos anos de vida”, essa última lhe rendeu o prêmio de Molière de Melhor Autor.

O autor também escreve uma coluna no Jornal Estado de Minas, o que lhe acarretou

o prêmio Jabuti, em 2005. Com o livro “Nem Mesmo Todo o Oceano”, ele consolidou

sua carreira de escritor e dramaturgo.

A peça a ser encenada fala a respeito de três mulheres: Gertrudes, Lúcia e

Madalena. Gertrudes, a mais velha, aluga o apartamento para as outras duas. Ela

vive com a inconformidade de ter sido abandonada pelo marido e, desde então,

procurou não se relacionar com homem nenhum. Ela dedica seu tempo para cuidar

de Lúcia, mantendo-a sempre por perto com o objetivo de preencher sua carência.

Lúcia é a mais jovem das três, sonhadora, sustenta a imagem de que um dia

seu príncipe encantado virá buscá-la. Enquanto isso não ocorre, dissimula ser frágil

e utiliza o pretexto de uma falsa doença como estratégia para manipular

emocionalmente Gertrudes.

Por sua vez, Madalena é a que gosta de se divertir e sair a cada noite com

um homem diferente, mantendo assim vários relacionamentos superficiais. É

também a menos sonhadora das três e procura escancarar a verdade e jogar

Gertrudes e Lúcia frente a uma realidade, por vezes, cruel.

Num artigo da Revista Aplauso, o dramaturgo fala a respeito da construção

dessas personagens. Quando Araújo escreveu “Há vagas para moças de fino trato”,

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em 1973, o autor morava em Belo Horizonte e observava de sua varanda o

apartamento onde moravam três moças. Suas personagens, obviamente, não são

aquelas que ele nem conheceu, “mas ao mesmo tempo são elas”, admite, “pois o

que restou para mim das moças da janela são as minhas personagens”.

A partir deste fragmento pode-se perceber a imaginação do autor construindo

as personagens “humanas”. Essas moças, que ele via pela janela, certamente eram

diferentes das suas personagens fictícias. Entretanto, a universalidade do humano

se concentra na sua escrita, assim como a vida humana se apresenta na

observação que Araújo fez das três moças.

Pensando no espetáculo também como instrumento reflexivo e buscando a

relação entre o humano e a personagem Madalena, pretende-se estabelecer uma

ponte entre a ficção e o real5, incitando o espectador a pensar acerca das relações

humanas apresentadas no ato teatral.

5 Baseado em análise do cone bergosniano apresentado anteriormente, considera-se real o ser atual, o corpo no

momento presente (ponto S), que constitui uma realidade objetiva e não apenas em potência.

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6 CRONOGRAMA

Atividades 1º semestre de 2011

mar. abr. maio jun. jul.

Definição do texto X

Estudo da obra dramatúrgica X X X X X

Elaboração e entrega do pré-projeto X

Ensaios práticos X X X X

Processo de criação cênica / Diário de campo

X X X X X

Organização do espetáculo X X

Orientações com o professor X X X X X

Banca do projeto X

Entrega do projeto final da disciplina X

2º semestre de 2011

set. out. nov. dez. jan.

Estudo da obra dramatúrgica X X X X

Ensaios práticos X X X X

Processo de criação cênica / Diário de campo

X X X X

Organização do espetáculo X X X X

Orientações com o professor X X X X

Apresentações do espetáculo X

Entrega do relatório final da disciplina X

Banca do relatório X

Page 22: Projeto de graduação 2011

22

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Alcione. Teatro de Alcione Araújo – Simulações do Naufrágio. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

BARTHES, Roland. A câmara clara. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BERGSON, Henry. Matéria e memória – ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

FERRACINI, Renato. Café com queijo: corpos em criação. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Ed.: FAPESP, 2006.

FERRACINI, Renato. Corpos em fuga, corpos em arte. São Paulo: Aderaldo &

Rothschild Ed.: FAPESP, 2006.

GIL, Antônio Carlos. Método e técnica de pesquisa social. 5. ed. 7. Reimpressão. São Paulo: Atlas, 2006.

STANISLAVISKI, Constantin. Manual do Ator. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

_____. Como Fotografar a Mulher. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora S/A, 1981.

7.1 SITES

ARAÚJO, Alcione – Bibliografia disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=690. Acesso em 17 de abril de 2011.

Revista Aplauso, Ano 2003, Edição 46. Disponível em: http://www.aplauso.art.br/home/revistaaplauso/revista_atual.php?id=46. Acesso em 17 de abril de 2011.