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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL LUIS ERLIN GOMES GORDO COMUNICAÇÃO (I)MATERIAL COM AS DIVINDADES TIPOS E FORMAS DE EX-VOTOS NA RELIGIOSIDADE POPULAR São Bernardo do Campo 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

LUIS ERLIN GOMES GORDO

COMUNICAÇÃO (I)MATERIAL COM AS DIVINDADES – TIPOS E

FORMAS DE EX-VOTOS NA RELIGIOSIDADE POPULAR

São Bernardo do Campo

2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

LUIS ERLIN GOMES GORDO

COMUNICAÇÃO (I)MATERIAL COM AS DIVINDADES – TIPOS E

FORMAS DE EX-VOTOS NA RELIGIOSIDADE POPULAR

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Doutor. Orientadora: Profª. Dra. Magali do Nascimento Cunha.

São Bernardo do Campo

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

G652c

Gordo, Luís Erlin Gomes

Comunicação (i)material com as divindades: tipos e formas

de ex-votos na religiosidade popular / Luís Erlin Gomes Gordo.

2017.

162 p.

Tese (Doutorado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2017.

Orientação de: Magali do Nascimento Cunha.

1. Ex-votos 2. Tipologia 3. Folkcomunicação 4.

Religiosidade popular I. Título.

CDD 302.2

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FICHA DE APROVAÇÃO

A tese de doutorado intitulada: COMUNICAÇÃO (I)MATERIAL COM AS DIVINDADES – TIPOS E FORMAS DE EX-VOTOS NA RELIGIOSIDADE POPULAR, elaborada por LUÍS ERLIN GOMES GORDO foi apresentada e aprovada em 29 de janeiro de 2018, perante banca examinadora composta pela Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Herom Vargas Silva (Titular/UMESP), Prof. Dr. Marcelo Furlin (Titular/UMESP), Profa. Dra. Cristina Schmidt (Titular/Universidade Mogi das Cruzes), Profa. Dra. Eliane Mergulhão (Titular/Universidade UNIP- São José dos Campos).

________________________________________ Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo

Presidente da Banca Examinadora

Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha Orientadora

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Área de Concentração: Processos Comunicacionais Linha de Pesquisa: Comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento social.

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Dedico esta pesquisa a todas as pessoas que nutrem a

vida com a esperança que brota da fé. Para minha mãe,

Aparecida Guizilini, que me ensinou a ter esperança, pois

foi ela quem me apresentou a Deus.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à vida com a qual o meu bom Deus me presenteou. Agradeço a Ele

por dar sentido à minha vida.

Maria Santíssima é minha madrinha e formadora. A ela minha tese, minha

prece como ex-voto, em agradecimento pela graça alcançada.

Minha família é meu porto seguro, sem ela eu nada seria. Grato sou por ter

sido plantado nesta célula.

A Congregação Claretiana é a família com a qual escolhi viver. Aos meus

irmãos no ideal Missionário, digo que serei eternamente “obrigado” a retribuir a

fraternidade cristã.

Tenho muitos colegas, amigos um pouco menos, pessoas que passaram e

passam deixando marcas em minha vida, presentes que recebi no meio acadêmico,

pastoral e laboral. A todos agradeço por dividirem comigo a riqueza de suas

histórias.

Meus agradecimentos finais à Universidade Metodista de São Paulo. Lugar

onde me senti acolhido e pude desenvolver minha tese com total liberdade.

Professora e amiga Magali do Nascimento Cunha, grato por semear esperança

cristã na terra que sou.

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Segue o Teu Destino Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. A realidade Sempre é mais ou menos Do que nos queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-proprios. Suave é viver só. Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses. Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta Está além dos deuses. Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração. Os deuses são deuses Porque não se pensam. Ricardo Reis, in "Odes" Heterónimo de Fernando Pessoa

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RESUMO

GOMES GORDO, Luís Erlin. Comunicação (I)Material com as Divindades – tipos

e formas de ex-votos na religiosidade popular. 2018 (162 p.). Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Esta tese de doutorado busca avançar na compreensão dos ex-votos como veículo jornalístico e meio de comunicação, atualizando o seu conceito, bem como a sua tipologia. Para tanto, a pesquisa tem por objetivo geral estudar e atualizar a tipologia dos ex-votos criada pelo pesquisador Jorge González e adotada pelos estudiosos da Folkcomunicação, ampliando a compreensão deste fenômeno no processo comunicacional relacionado às religiões, abrindo novas possibilidades de pesquisas acadêmicas nesta área. A tese baseou-se na hipótese de que a atual classificação dos ex-votos adotada pelos pesquisadores de Folkcomunicação requer atualização, uma vez que neste processo comunicacional, assim como em outros, a dinâmica está em contínua mudança, não da prática em si que é milenar, mas em suas formas de expressões e conteúdos (tipologia). Neste sentido, é preciso ainda compreender este fenômeno para além do catolicismo (identidade com o qual foi consolidado), estudando suas manifestações em outros seguimentos do cristianismo e também em outras religiões. Para o desenvolvimento da pesquisa, a Folkcomunicação foi tomada como referencial teórico, com base nos estudos de González, de Luiz Beltrão e de José Marques de Melo. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica e o inventário, método já aplicado em pesquisas folkcomunicacionais relacionadas aos ex-votos. Resulta dessa pesquisa a compreensão do fenômeno ex-voto em um passo adiante do convencional (catolicismo). Outra contribuição oferecida é a atualização da tipologia que tem orientado os estudos em Folkcomunicação nas últimas décadas, levando-se em conta a dinamicidade dos processos da comunicação humana. Palavras-chave: Ex-voto. Tipologia. Folkcomunicação. Religiões.

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ABSTRACT

GOMES GORDO, Luís Erlin. Communication (I) with Divinities through votive offerings - types and forms of ex-votos in popular religiosity. 2018 (162 p). Thesis (Doctorate in Social Communication) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. This study aims to further our understanding of exvotos as a journalistic media and means of communication, updating both the concept and the typology. To this purpose, the general objective of the research is to study and update the typology of exvotos developed by Jorge González (researcher) and adopted by experts on Folk Communication, expanding the understanding of this phenomenon in the communication process related to religions, thus offering new possibilities for academic research in this field. The thesis was based on the hypothesis that the current classification of ex-votos adopted by researchers on Folk Communication needs updating, as the dynamics of this communication process, like others, is continually changing. Being millenary, the practice itself does not change, but its forms of expressions and contents (typology) do. In this sense, this phenomenon must be understood beyond Catholicism (which consolidated it), through the studies of its manifestations in other segments of Christianity and in various religions. For the development of this research, Folk Communication was taken as the theoretical framework, based on the studies developed by González, Luiz Beltrão and José Marques de Melo. The methodology consisted of bibliographical research and inventory method, which have already been applied in Folk Communication research related to ex-votos. The result of this study is the understanding of the exvoto phenomenon one step ahead of the conventional (Catholicism). Another contribution is the updating of the typology that has directed the studies on Folk Communication over the last decades, considering the dynamics of the human communication process. Keywords: Exvoto. Typology. Folkcommunication. Religions.

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RESUMEN

GOMES GORDO, Luís Erlin. Comunicación (I)Material con las Divinidades – tipos

y formas de exvotos en la religiosidad popular. 2018 (162 p). Tesis (Licenciado en Comunicación Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Estudio que busca avanzar en la compreensión de los exvotos como vehículo periodístico y medio de comunicación, actualizando su concepto como también su tipología. Para tanto, la pesquisa tiene por objetivo general estudiar y actualizar la tipología de los exvotos criada por el pesquisador Jorge González y adoptada por los estudiosos de la Folkcomunicación, ampliando la comprensión de este fenómeno en el proceso comunicacional relacionado a las religiones, abriendo nuevas posibilidades de pesquisas académicas en este área. La tesis se basó en la hipótesis de que la actual clasificación de los exvotos adoptada por los pesquisadores de Folkcomunicación requiere actualización, una vez que en este proceso comunicacional, así como en otros, la dinámica está en continuo cambio, no de la práctica en sí que es milenar, pero en sus formas de expresiones y contenidos (tipología). En este sentido, es necesario aún compreender este fenómeno para más allá del catolicismo (identidad con el cual fue consolidado), estudiando sus manifestaciones en otros seguimientos del cristianismo y también en otras religiones. Para el desarrollo de la pesquisa, la Folkcomunicación fue tomada como referencial teórico, con base en los estudios de González, de Luiz Beltrão y de José Marques de Melo. La metodología empleada fue la pesquisa bibliográfica y el inventario, método ya aplicado en pesquisas folkcomunicacionales relacionadas a los ex-votos. Resulta de esa pesquisa la comprensión del fenómeno exvoto en un paso adelante de lo convencional (catolicismo). Otra contribuición ofrecida es la actualización de la tipología que ha orientado los estudios en Folkcomunicación en las últimas décadas, llevándose en cuenta la dinamicidad de los procesos de la comunicación humana. Palabras-llave: Exvoto. Tipología. Folkcomunicación. Religiones.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Vênus de Willendorf – Áustria (20.000 – 22.000 anos a.C.) ................................. 31

Figura 2 - Mãos em Negativo (mutiladas). Réplicas da Caverna de Garga – França .......... 33

Figura 3 - Placa de granito – ex-voto romano – Braga (Portugal) ........................................ 55

Figura 4 - Altar lateral e detalhe – Catedral de Mainz (Alemanha) – construído ex-voto...... 56

Figura 5 - Exemplo de “duplo orante” pré-colombiano – Museo de La Plata (Argentina) ..... 62

Figura 6 - Vaso de Warka – procissão com oferendas para a deusa Inanna. Bagdá ........... 65

Figura 7 - Gato Mumificado – oferenda (espécie de ex-voto) à deusa Basted (Egito) ........ 68

Figura 8 - Imagem de Asclépio (século III a.C.) – terracota – Museu Britânico .................... 69

Figura 9 - Ex-votos oferecidos a Asclépio (Útero, intestino, olho, orelha, seio em terracota)

(Século III a.C.) – Museu Britânico ....................................................................................... 70

Figura 10 - Ex-voto (placa votiva dedicada a Esculápio – I d.C.) - Museu Nacional de

Arqueologia de Lisboa ......................................................................................................... 73

Figura 11 - Sarcófago de Hagia Triade – Museu Arqueológico de Heraclião (Grécia) ......... 76

Figura 12 - Ex-voto olhos – Placa de Bronze – Museu de Archeologia de Dijon – França ... 79

Figura 13 - Ex-votos para Pachamama – Memorial da América latina – São Paulo ............ 83

Figura 14 - Cabeça e imagem de Endovélico – Século I d.C. – M.N.A Lisboa ..................... 89

Figura 15 - Ex-votos (placas) – com inscrições de agradecimento a Endovélico – Século I

d.C. – Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa ................................................................ 91

Figura 16 - Ex-voto zoomórfico oferecido a Endovélico – Século I d.C. – M.N.A Lisboa ..... 92

Figura 17 - Ex-votos de diversos santuários no Brasil ....................................................... 102

Figura 18 - Ex-votos aos pés de Nossa Senhora da Cabeça Igreja de Santa Luzia, SP ... 103

Figura 19 - Ex-voto (Banner) Igreja Santa Cecília, São Paulo -SP .................................... 104

Figura 20 - Ex-voto (tatuagem).......................................................................................... 106

Figura 21 - Ficha para envio do testemunho ..................................................................... 112

Figura 22 - Ex-votos – Igreja Deus é Amor, São Paulo - SP ............................................. 113

Figura 23 - Milagres na Igreja Deus é Amor ...................................................................... 114

Figura 24 - Oferendas para o orixá Exu – Cemitério da Saudade – Campinas - SP .......... 121

Figura 25 - Pintura de Camilo Tavares (Festa de Iemanjá) ............................................... 123

Figura 26 - Compilação de fotos – Ex-votos alimentícios .................................................. 134

Figura 27 - Capela Nossa Senhora do Ó e ex-voto pictórico – Sabará - MG ..................... 136

Figura 28 - Túmulo de Exú Tranca Ruas – Cemitério da Saudade – Campinas - SP ........ 137

Figura 29 - Fiéis pagando promessa peregrinando de joelhos – Fátima - Portugal ........... 138

Figura 30 - Devota vestida de São Francisco – Canindé - CE ........................................... 139

Figura 31 - Ex-voto no formato de tatuagem ..................................................................... 140

Figura 32 - Chupetas Túmulo do “anjinho” Cezinha Cemitério da Penha – São Paulo ...... 142

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................... 26

RELIGIÃO É COMUNICAÇÃO ............................................................................................ 26

1.1 O Ser Humano é Comunicação ................................................................................ 27

1.2 Registros Comunicacionais ..................................................................................... 29

1.3 O Ser Humano é Espiritual ....................................................................................... 35

1.4 Os Símbolos, elos que ligam Religião e Comunicação ......................................... 41

1.5 A Religião é um meio de Comunicação .................................................................. 46

CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 53

EX-VOTO: COMUNICAÇÃO DE INTIMIDADE COM AS DIVINDADES .............................. 53

2.1 O significado etimológico de EX-VOTO .................................................................. 53

2.2 O ex-voto é comunicação ........................................................................................ 57

2.3 Ex-votos nas origens das práticas religiosas......................................................... 59

2.4 Ex-voto presente nas religiões antigas ................................................................... 63

CAPÍTULO III ...................................................................................................................... 93

EX-VOTO PARA ALÉM DO CATOLICISMO ....................................................................... 93

3.1 Ex-votos no catolicismo – história e atualidade..................................................... 94

3.2 Ex-votos no catolicismo Brasileiro ......................................................................... 98

3.3 Os ex-votos no catolicismo de hoje ...................................................................... 101

3.4 A presença dos ex-votos nas igrejas evangélicas ............................................... 106

3.5 Ex-votos nas religiões de matriz religiosa africana ............................................. 115

CAPÍTULO IV .................................................................................................................... 124

NOVAS TIPOLOGIAS DE EX-VOTOS .............................................................................. 124

4.1 Ex-voto na Folkcomunicação ................................................................................ 124

4.2 Tipologia dos ex-votos adotada pela Folkcomunicação ..................................... 129

4.3 Atualização da tipologia dos ex-votos .................................................................. 132

4.4 Proposta de nova tipologia para os estudos folkcomunicacionais dos ex-votos

................................................................................................................................... 144

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 153

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 158

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INTRODUÇÃO

Esta tese de doutorado em Comunicação Social é resultado da pesquisa que

avança na compreensão dos ex-votos como veículo jornalístico e meio de

comunicação, buscando atualizar o seu conceito, bem como a sua tipologia.

São muitas as razões que me levaram até o deslumbramento pelo tema dos

ex-votos, a começar pela minha vocação sacerdotal. Nasci no ano de 1973, na

cidade de Cambé, norte do Paraná. Minha família sempre foi muito religiosa

(católica), quase todas as recordações da minha infância estão relacionadas com

eventos religiosos: folia de reis e festas juninas (no sítio em que morávamos); reza

do terço e procissões; quermesse em homenagem a Santo Antônio, padroeiro de

Cambé; participações familiares das missas dominicais, etc.

Ainda criança, segundo minha mãe, eu já manifestava o desejo de ser padre.

Fiz acompanhamento vocacional durante vários anos, e entrei no seminário com 15

anos de idade, na cidade de Rio Claro (SP). Escolhi a Congregação Dos Filhos do

Imaculado Coração de Maria (conhecida como Missionários Claretianos), fundada

por Santo Antonio Maria Claret. Minha escolha não foi aleatória, foi fundamentada

em minha devoção a Nossa Senhora. Eu queria pertencer a uma ordem mariana.

Completei o ensino médio e ingressei no filosofado em Batatais (SP), fiz

Filosofia nas Faculdades Claretianas (1992-1994) e, em seguida, fui para o

noviciado na cidade de Progreso no Uruguai, fiquei lá um ano. Em 1996, iniciei meus

estudos teológicos no Studium Theologicum (PUC – afiliado a Lateranense de

Roma), em Curitiba (PR). Depois de dois anos de curso, fiz meu estágio pastoral

(obrigatório) em Paranatinga (MT), retornando, em seguida, a Curitiba para finalizar

a Teologia. Antes de fazer meus votos solenes, fiz uma experiência itinerante

(missionária e formativa) no Chile.

Depois dessa experiência, já consagrado padre, fui enviado a Pato Branco

(PR), e trabalhei um ano como Reitor do Seminário Claretiano dessa cidade.

Durante toda minha formação sacerdotal, sempre nutri um amor muito grande pelas

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artes, de forma geral, mas com um interesse peculiar pela pintura e poesia. Meus

estudos acadêmicos eram intercalados com leituras sobre esses temas.

No ano de 2003, fui transferido para São Paulo disposto a estudar Jornalismo.

Fiz meu curso na Universidade Nove de Julho (Uninove) e comecei a trabalhar na

revista Ave Maria, assumindo a direção editorial no meu último ano de faculdade.

Em seguida, o Governo Provincial nomeou-me também diretor editorial da Editora

Ave-Maria.

Escrevi vários livros, tendo a espiritualidade como pano de fundo de minhas

publicações. Tive o privilégio de ter a maioria das minhas obras traduzidas para

idiomas como: espanhol, italiano, inglês, maltês e adaptadas para Portugal. Nas

minhas incursões na literatura, experienciei a oportunidade de escrever quatro livros

infantis em parceria com o renomado autor Maurício de Sousa.

Após terminar o curso de Jornalismo, eu pretendia continuar meus estudos e

fazer mestrado e doutorado, mas com a carga de trabalho na editora tive que adiar

meu sonho, que agora se realiza. Assim, fiz meu mestrado em Comunicação Social

entre os anos 2013 e 2014 na Universidade Metodista de São Paulo, meu orientador

foi o professor José Marques de Melo. Quando meu orientador me assumiu na

Metodista, ele disse: “você vai trabalhar sobre os ex-votos”, esse desafio me causou

certo desconforto, pois eu não era familiarizado com a folkcomunicação. Hoje

agradeço a sensibilidade do professor Marques e percebo que a folkcomunicação

está presente nas minhas origens, por isso não foi difícil ficar apaixonado por essa

teoria.

Conversando com minha mãe de 84 anos sobre meu projeto de pesquisa, e

explicando a ela sobre os ex-votos, ela me fez uma revelação que encheu minha

alma de alegria, ratificando a importância desse tema para mim. Assim que ela

nasceu em 1933, teve poliomielite. Devido às complicações, corria o risco de morrer,

meus avós fizeram uma promessa que se ela sobrevivesse, iriam tirar uma foto dela

e depositar aos pés de Nossa Senhora Aparecida (em Aparecida). Minha mãe se

recuperou, e meus avós cumpriram a promessa. Graças a esse voto, minha mãe é a

única dos seis filhos que possui uma foto de quando era criança.

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Analisando esse fato com os olhos da Folkcomunicação, defendo, assim

como Beltrão, que os ex-votos são um veículo jornalístico.

No meu doutorado, eu decidi continuar nesta linha de pesquisa, e fui acolhido

com carinho pela professora Magali do Nascimento Cunha, e juntos vimos a

necessidade de ampliar as formas tipológicas dos ex-votos, facilitando assim, futuras

pesquisas nessa área de forma multidisciplinar.

A Trajetória de pesquisa:

Os estudos na área de Comunicação Social são amplos e variados, como não

poderiam deixar de ser. Nos últimos anos, percebemos um grande interesse dos

pesquisadores desta vertente acadêmica pelos temas relacionados à religião.

Esta tese poderá dar visibilidade aos processos comunicacionais relacionados

aos aspectos culturais da religiosidade popular, que fazem parte da nossa

identidade brasileira e latino-americana. Muitas destas expressões votivas,

aparentemente singelas, simples e ingênuas, estão alicerçadas na força da

resistência cultural de nossa gente. Entender este fenômeno e dá-lo a conhecer

seria uma forma de preservar nossa memória.

Há, ainda, um pequeno número de pesquisas sobre os ex-votos na área de

conhecimento da Comunicação e da Informação. Novas abordagens podem trazer

grandes contribuições para a interface que engloba mídia-religião-cultura. A

pesquisa apresentada é inédita e amplia a concepção utilizada hoje acerca dos ex-

votos, dando um passo além do senso comum que os relacionam somente com o

catolicismo popular.

Em suas origens, essa prática votiva era muito difundida e se aplicava a

várias manifestações religiosas (primitivas) espalhadas pelo mundo. Este retorno

histórico ao princípio poderia ampliar, em nossos dias, o seu campo de

entendimento, incluindo outras identidades religiosas. A pesquisa de mestrado que

desenvolvi, orientada por José Marques de Melo, já permeava essa seara dos ex-

votos como expressão comunicacional. A dissertação resultou, inclusive, no livro Ex-

Votos – A Saga da Comunicação Perseguida (Editora Ave-Maria, 2015) e a pesquisa

que origina esta tese continua a desenvolver o tema, estendendo a perspectiva.

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Existe uma lacuna na classificação tipológica dos ex-votos que, inclusive, é

levantada por Marques de Melo (2010, p. 104). Trazida essa problemática à tona,

considerando-a como um desafio, o objetivo é apresentar uma classificação

atualizada.

Dessa forma, a proposta é rever a tipologia dos ex-votos academicamente

aceita no tempo presente, preservando a atual classificação e acrescentando novos

elementos tipológicos. Considerando uma nova tipologia, agregando manifestações

devocionais de outras crenças, é possível ampliar, de forma significativa, os estudos

sistemáticos deste tema, não só na esfera comunicacional, mas interdisciplinar.

O pioneiro artigo de Luiz Beltrão “O ex-voto como veículo jornalístico”,

publicado no ano de 1965, na revista Comunicação & Problemas, é considerado a

gênese da corrente de pesquisa acadêmica fundada por ele, denominada

Folkcomunicação, que aproxima as diversas manifestações culturais populares - de

modo especial as folclóricas - das pesquisas em comunicação social. Embora

Beltrão inicie sua pesquisa em Folkcomunicação, com base nos ex-votos, ele não os

classifica sistematicamente.

Marques de Melo (2010), com base na VIII Conferência Nacional de

Folkcomunicação, realizada em Teresina – PI, no ano de 2005, que tratou como

tema principal A comunicação dos pagadores de promessas: do ex-voto à industria

dos milagres, sugere para os estudiosos da Folkcomunicacão a tipologia dos ex-

votos elaborada pelo pesquisador mexicano Jorge González, autor do livro Exvotos

y retablitos – religión popular y comunicación social en México, em que fez um

estudo primoroso sobre os ex-votos como forma de comunicação social.

Tendo por base os estudos de González (1986), os ex-votos são classificados

em cinco tipos:

a) objetos figurativos da graça alcançada (partes do corpo ou figuras

humanas, casas, animais, vegetais, carros, feitos nos mais diversos tipos de

materiais);

b) objetos que ressaltam metonimicamente um aspecto, elemento ou

componente ‘representativo’ da totalidade do milagre realizado (as representações

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podem ser as mais diversificadas, como buquê de noivas, muletas e aparelhos

ortopédicos, etc);

c) objetos propriamente discursivos, nos quais de maneira escrita, se propaga

o milagre (cartaz, mármore, placas, etc);

d) midiáticos são os ex-votos impressos em jornais e revistas na intenção de

divulgar a graça alcançada;

e) são os chamados “retablitos” que em uma tradução livre podemos chamar

de “tabuinhas”, ou seja, quadrinhos pintados (pictóricos) em diferentes materiais,

geralmente em formatos retangulares que descrevem por meio de pintura o milagre

recebido.

Em relação ao estudo de González, Marques de Melo não fecha a questão,

pelo contrário: “como se trata de uma tipologia originalmente construída no México,

é possível que os pesquisadores brasileiros se deparem com outras espécies, que

deverão ser arroladas, agrupadas e se possível classificadas” (MARQUES DE

MELO, 2010, p. 104).

O ex-voto é uma prática devocional (agradecimento a uma divindade por uma

graça alcançada) que teve início antes mesmo do cristianismo. Os registros mais

antigos dos ex-votos, como compreendemos atualmente, foram encontrados em

duas localidades, na região que hoje é a Itália. As cidades de Pesto e Lácio

abrigavam grandes templos em homenagem aos deuses cultuados por estes povos.

Ou seja, essa relação comunicacional por meio do ex-voto com a divindade está

alicerçada no paganismo. Somente depois acabou sendo associada, quase que

exclusivamente, ao catolicismo popular.

As classificações tipológicas dos ex-votos, tanto de Beltrão, Marques de Melo

e González, estão intimamente ligadas à tradição popular católica. Porém, a

compreensão alargada do sentido do ex-voto, uma vez que era uma prática pagã

que foi incorporada ao catolicismo, abre espaço para um entendimento mais

ampliado e diversificado do que sejam de fato essas expressões, incluindo a

presença marcante deste processo comunicacional em outras confissões religiosas,

como, no caso do Brasil, no cristianismo evangélico (de modo especial as

pentecostais e neopentecostais) e nas religiões de matriz africana.

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A não inclusão deste amplo universo religioso, que cada dia ganha mais

força, sobretudo no Brasil, nas pesquisas em Folkcomunicação, limita a abordagem

acadêmica nesta área. Embora os evangélicos utilizem outros termos para a

expressão e materialização de uma graça alcançada, defendeu-se nesta tese que as

formas de anunciar um “milagre” recebido por eles podem sim ser contempladas

dentro de uma classificação tipológica dos ex-votos, incentivando futuras pesquisas

Folkcomunicacionais.

Mesmo no interior do catolicismo, novas formas de pagamento de promessa

surgiram espontaneamente nos últimos anos, de modo especial com o advento da

internet, e que até hoje ainda não foram classificadas. A prática religiosa dos ex-

votos se renova e se adapta constantemente, é um movimento ancestral que faz

parte das culturas no imaginário coletivo.

Com base nestas constatações é que se constitui a questão-problema desta

investigação: Como é possível elaborar uma atualização da atual classificação

tipológica dos ex-votos, incluindo não só as novas formas de pagamento de

promessas provenientes do catolicismo popular, mas também as práticas de

agradecimento por uma graça alcançada em outras expressões religiosas?

O objetivo geral é estudar e atualizar a existência de novos tipos de ex-votos

que não se enquadram na tipologia dos ex-votos - criada por Jorge González e

adotada pelos estudiosos da Folkcomunicação - amplificando a compreensão deste

fenômeno no processo comunicacional relacionado às religiões, abrindo novas

possibilidades de pesquisas acadêmicas nesta área.

Os objetivos específicos são:

- revisar as teorias de Luiz Beltrão acerca dos ex-votos como forma

comunicacional (veículo jornalístico);

- identificar novas expressões de ex-votos;

- atualizar a tipologia de ex-votos sugerida por Jorge González;

- ampliar a compreensão do ex-voto como forma de comunicação do fiel com

a divindade que “tem o poder” de realizar o milagre esperado;

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- apresentar uma nova tipologia dos ex-votos contemplando não só a prática

devocional no catolicismo popular, mas demonstrando que essa prática é viva e

presente em outras denominações religiosas;

- averiguar as semelhanças e possíveis diferenças de ex-votos no catolicismo

com as outras religiões.

A hipótese principal foi que a atual classificação dos ex-votos adotada pelos

pesquisadores de Folkcomunicação requer atualização, pois, neste processo

comunicacional, assim como em outros, a dinâmica está em contínua mutação, não

da prática em si que é milenar, mas em suas formas de expressões e conteúdos

(tipologia). Nesse sentido, é preciso ainda compreender este fenômeno para além

do catolicismo (identidade com a qual foi consolidado os estudos em

Folkcomunicação), estudando suas manifestações em outros segmentos do

cristianismo e também em outras religiões.

Como hipóteses derivativas foram apontadas:

- Os ex-votos são entendidos e classificados dentro de uma visão

reducionista, em que são catalogados como pagamento de promessa, somente

relacionados ao material proveniente do catolicismo popular;

- No catolicismo popular, o pagamento de promessa não é novidade e é

bastante recorrente em sua forma de manifestação. Porém, muitas dessas práticas

devocionais “se modernizaram” e os novos tipos de ex-votos não estão

contemplados na tipologia ainda adotada nos estudos de Folkcomunicação,

manifestações digitais (textos e imagens), as tatuagens, entre outros;

- As denominações evangélicas, embora não trabalhem com o conceito de ex-

votos (assim como entendido pela Folkcomunicação, via catolicismo), incentivam, de

alguma forma, a oferenda em agradecimento por milagres recebidos;

- As oferendas destinadas aos orixás (religiões afro-brasileiras), também

podem ser classificadas como ex-votos, ampliando o campo de pesquisa nesta área

para além do cristianismo.

A trajetória metodológica adotada na tese constou de dois pilares: o primeiro

foi a pesquisa bibliográfica; o segundo, o inventário, metodologia já estabelecida no

campo da Folkcomunicação, relacionada às pesquisas que têm como objeto os ex-

votos.

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Pesquisa bibliográfica:

“Os livros constituem as fontes bibliográficas por excelência. Em função de

sua forma de utilização, eles podem ser classificados como leitura corrente ou de

referência” (TRIVIÑOS, 1990, p. 50). Tendo em vista esta orientação, procederemos

a uma pesquisa mais abrangente da bibliografia disponível sobre os principais temas

que demandam esse estudo:

- Comunicação e religião, aspectos históricos e relações.

- O ex-voto como comunicação, sua história e aplicações.

- Religiões contemporâneas e suas relações com os ex-votos.

2. Inventário:

A Rede Folkcom sugere como método de estudos dos ex-votos o inventário:

“inventariar todas as peças incorporadas ao acervo do núcleo de devoção [...] o ideal

é inventariar todas as peças expostas” (MARQUES DE MELO, 2010, p. 105).

Os autores Silvia Regina da Mota Rocha e Carlos Xavier de Azevedo Netto,

ambos da Universidade Federal da Paraíba, em artigo sobre o Inventário do

Patrimônio Religioso da Paraíba, escrevem sobre os dois eixos da pesquisa, tendo

por base o inventário:

No que concerne ao modelo conceitual do Inventário, o primeiro eixo de sua conceituação refere-se à forma na qual está estruturada suas duas categorias macro: que possibilitarão categorizações geral e específica do objeto em inventariação, respectivamente, configuradas da seguinte forma: - Como categorias macro temos: categorização geral; e categorização específica; - Como categorias subsequentes ou complementares temos: informação contextual; informação suporte e artística; informação semântica; e informação histórica e documental. O segundo eixo de conceituação refere-se aos desdobramentos das categorias subsequentes ou complementares configurados em diversas tipologias ou campos para registro de informação especializada de diversas áreas de conhecimento: Ciência da Informação, Biblioteconomia, História, Estética, Restauração e Conservação e Teologia. Portanto, os campos ou categorias indexais para registro de informação especializada que compõem a ficha de inventário não apresentam relação hierarquizada, mas de complementariedade, com vistas à qualificação dos bens culturais móveis e integrados religiosos (ROCHA; AZEVEDO NETTO, 2012, p. 13).

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A pesquisa se enquadra na categoria macro, com categorizações gerais e

específicas. O inventário foi realizado em locais físicos como santuários

(catolicismo); igrejas (catolicismo e protestantismo); cruzeiros e cemitérios (religiões

de matriz africana e catolicismo popular); e outros locais de cultos que congregam

tanto a umbanda como o candomblé; também foram pesquisadas algumas

plataformas digitais da internet.

Foram selecionados alguns espaços físicos e digitais com base na Matriz

Religiosa Brasileira1. São locais que estão intimamente ligados à cultura religiosa de

nosso país, desde a devoção oriunda do catolicismo popular; das expressões

devocionais da matriz africana e povos originários e do cristianismo evangélico, de

modo especial, o neopentecostal que se apropria de muitos elementos simbólicos,

tanto do catolicismo quanto das religiões embasadas na cultura africana.

2.1 Espaços físicos pesquisados:

- Santuário do Divino Pai Eterno – Trindade - Goiás. É um santuário

católico, nacionalmente conhecido por fiéis de todo território, com grande presença

de devotos. A pesquisa neste local foi importante, pois é oficial da Igreja Católica. As

peças votivas depositadas são de grande variedade tipológica e contribuíram, dessa

forma, para o inventário.

- Santuário São Francisco do Canindé – Canindé – Ceará. Da mesma

forma que o Santuário do Divino Pai Eterno, essa devoção é oficial da Igreja. O local

atrai fiéis de todo o Brasil, especialmente do Nordeste, justamente por essa razão

este local foi escolhido. A variedade de tipos de peças também é ampla.

- Igreja – Padre Donizetti – Tambaú – São Paulo. A escolha deste local se

deu por tratar-se de um “santo popular”, não canonizado pela Igreja, mas

“canonizado” pelo povo. O local é bastante visitado e as peças votivas também são

diversificadas, ampliou-se, dessa forma, o inventário.

- Igreja Deus é Amor – Sede Mundial – São Paulo – São Paulo. O caso da

Igreja Deus é Amor é único entre as denominações evangélicas. Foi imprescindível

1 A Matriz Religiosa Brasileira é a expressão religiosa advinda dos povos originários, dos europeus e

dos africanos. Este tema será tratado no terceiro capítulo desta tese.

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incluir em nossa pesquisa este local, pois além dos ex-votos tradicionais como

encontrados no catolicismo popular (muletas, peças ortopédicas, exames médicos,

fotos), foram catalogados outros tipos de ex-votos, como por exemplo, vidros

contendo vômitos, simbolizando o demônio expulso ou até mesmo enfermidade

lançada fora do corpo.

- Cruzeiro – Cemitério da Saudade – Campinas – São Paulo. Quase todos

os cemitérios do Brasil têm os seus cruzeiros (uma cruz em local de destaque com

espaço próprio para acender velas, embora a finalidade seja essa, estes locais

acabaram se tornando centros de cultos para religiões de matriz africana, sobretudo

por estarem localizados dentro de um cemitério, remetendo assim o culto aos

ancestrais). Dos cemitérios que visitamos, o local se destacou pela quantidade e

variedade de oferendas aos mortos e aos orixás. Este cemitério também foi

escolhido por ter um túmulo construído em homenagem ao orixá Exu, o próprio

túmulo pode ser considerado um ex-voto. A quantidade de “pagamentos de

promessa” ao redor do túmulo é em larga escala.

- Casa de Iemanjá – Salvador – Bahia. Este local é bastante emblemático,

pois de fato é uma casa, localizada na praia Rio Vermelho, mas funciona como um

santuário dedicado à Iemanjá. Em uma das salas destaca-se a imagem da entidade

e aos seus pés grande quantidade de oferendas (ex-votos) das mais variadas

possíveis. Embora não seja um terreiro, o local é considerado sagrado, tanto para os

adeptos da umbanda quanto do candomblé. Além das oferendas aos pés de

Iemanjá, os fiéis fazem seus rituais nas areias do mar ao lado da casa. Caminhando

pelo entorno é possível detectar vários tipos de pagamentos de promessa.

2.2 Espaços midiáticos pesquisados:

Foram inventariados também programas de TV evangélicos que priorizam em

seus roteiros os testemunhos de graças recebidas (muitos são somente pela via da

oralidade, outros além do testemunho oral estão acompanhados da materialidade da

graça recebida, como carteiras de trabalho, fotos de antes e depois, dentre outros).

A pesquisa também teve como objeto de estudo espaços midiáticos digitais,

especificamente os canais da mídia digital Youtube, pois os conteúdos veiculados

neste meio foram primeiramente televisionados e agora estão disponíveis na internet

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com acesso a qualquer hora e local (embora tanto evangélicos quanto católicos se

utilizem desses meios, o foco desta pesquisa foram canais evangélicos).

Os dois canais escolhidos pertencem a denominações neopentecostais, pois

a base central de seus programas são os testemunhos.

Canais do Youtube pesquisados:

- Igreja Universal do Reino de Deus – Canal no Youtube2.

- Igreja Mundial do Poder de Deus – Canal no Youtube3.

A partir das visitas aos locais e do acesso aos canais do Youtube, as peças

não foram analisadas em sua individualidade (mensagem contida), mas foi feita uma

descrição dos ex-votos expostos não lhes atribuindo juízo de valor. Também não

foram feitas fichas específicas com análise de cada peça e nem com a quantidade

de determinadas categorias. A tarefa metodológica configurou-se na produção de

uma lista (geral) dos tipos de ex-votos identificados (categorização geral e

específica) em cada um dos locais visitados. Dessa forma, foi determinado um

tempo exato para o procedimento. A pesquisa ocorreu de acordo com a

especificidade de cada local visitado e do número de ex-votos nele depositados,

lógica que também foi adotada para os sites.

2.3 Etapas do inventário:

- Identificação das peças – foi feito um registro de todas as peças

encontradas. Seguindo como ponto de partida a tipologia de González, listando os

ex-votos que se enquadram nestas categorias. As peças que não se encaixaram

foram agrupadas separadamente. Como já foi dito, não se verificou o número exato

de peças similares, mesmo que em uma modalidade existissem dezenas de peças,

e em outra apenas uma, elas tiveram o mesmo tratamento de valor. (Tipologia de

González: objetos figurativos; representativos; discursivos; midiáticos e pictóricos).

2 Endereço para consulta está nas referências.

3 Endereço para consulta está nas referências.

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- Categorização – para facilitar a separação dos gêneros encontrados, as

peças foram agrupadas (primeiramente, segundo os tipos propostos por González e,

posteriormente, agrupando peças que formavam outras categorias). Esta

categorização não foi a mesma em cada identificação, pois encontrou-se diversidade

de material comparando um local de pesquisa ao outro. A categorização no

inventário também não representou a tipologia final, foi apenas um recurso para

agrupar as peças.

Somente depois da coleta de dados e das categorizações é que foi construída

uma nova tipologia para os ex-votos, de forma a contemplar as várias expressões

religiosas, tópico elucidado no Capítulo 4 desta tese. E com base nos resultados

alcançados pela análise, foram concretizados nesta pesquisa quatro capítulos, a

saber:

No primeiro capítulo intitulado Religião é Comunicação, foi apresentado um

levantamento histórico da comunicação e da religião desde os primórdios do ser

humano, defendendo a ideia de que não existem dicotomias entre estes elementos

(comunicação – religião), eles fazem parte de um mesmo processo evolutivo. O ser

humano por natureza é comunicação e crença em algo além da matéria.

No segundo capítulo, que recebeu o título de Ex-Voto: Comunicação de

Intimidade com as Divindades, é apresentada a história dos ex-votos, sobretudo

dentro de um processo comunicacional de povos primitivos com as divindades.

Nesta comunicação, o ex-voto aparece como um diálogo direto e próximo do fiel

com a divindade. Com base neste percorrido histórico, foi defendido que o ex-voto

sobrevive ainda hoje em nossas práticas religiosas como uma herança ancestral.

No terceiro capítulo Ex-voto para além do catolicismo, foi apresentada a teoria

que o entendimento acerca dos ex-votos pode ser ampliado. Tendo por alicerce o

capítulo anterior em que o ex-voto aparece como uma herança ancestral, neste

capítulo, foram apresentadas diversas manifestações religiosas atuais - percebendo

que esta relação de oferenda, de troca “de favores”, entre o divino e o ser humano é

muito mais comum do que se imagina. Ampliou-se, dessa forma, o entendimento do

que são os ex-votos. Além do catolicismo, receberam destaque algumas práticas

religiosas do candomblé, da umbanda e de denominações evangélicas.

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No quarto e último capítulo, nomeado como Novas tipologias de ex-votos, foi

desenvolvida uma leitura Folkcomunicacional dos ex-votos, destacando a

importância deste tema nos estudos de Luiz Beltrão, e como os ex-votos foram

estudados nesses anos. Foi exposta também a classificação tipológica desta prática

votiva elaborada por Jorge González e adotada pela Folkcomunicação, como

ferramenta para os estudiosos sobre o tema. Somente depois foi indicada uma nova

tipologia, contemplando alguns elementos que surgiram em virtude da evolução dos

meios de comunicação, como o tecnológico, por exemplo. Também foram incluídas,

nesta tipologia, as manifestações religiosas de outras denominações, como forma de

ampliar o campo de estudo acadêmico tendo por base os ex-votos.

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CAPÍTULO 1

RELIGIÃO É COMUNICAÇÃO

Tanto o tema da religião quanto o da comunicação vêm ganhando espaço nos

estudos acadêmicos de diferentes áreas disciplinares, pois o interesse pelos dois

temas é inegável, e embora muitos destes estudos tratem dos dois temas

separadamente, existem também alguns pesquisadores que defendem a teoria da

existência de uma relação quase que simbiótica entre a religião e a comunicação, e

nós compartilhamos dessa ideia.

O historiador das religiões Mircea Eliade (2010, p. 13), logo no prefácio de

seu clássico livro História das Crenças e das Ideias Religiosas ( I ), escreve algo que

nos permite fazer a ligação entre o ser humano, a religião e a comunicação: “ [...] O

sagrado é um elemento da consciência, e não uma fase na história dessa

consciência. Nos mais arcaicos níveis de cultura, viver como ser humano é em si um

ato religioso, pois a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm um valor

sacramental”. Eliade termina este parágrafo afirmando de forma contundente: “Em

outras palavras, ser – ou, antes, tornar-se – um homem significa ser “religioso”

(grifo nosso).

Embora Mircea Eliade não inclua a comunicação nesta estrutura, não é difícil

associá-la, pois desde os primórdios da humanidade, o ser humano é um ser de

expressão, estabelecendo relações externas por meio da linguagem, da arte, da

mitologia e dos rituais. O desejo de se comunicar é inerente ao ser humano, e o

termo cultura está intimamente ligado às formas de comunicação.

O antropólogo Glifford Geertz (2015, p. 34), em seu livro As interpretações da

Cultura, diz: “A cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer a um animal

acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial na produção deste mesmo

animal.” Ou seja, é a cultura que tece a nossa identidade.

Geertz (2015, p. 4), no primeiro capítulo do livro já citado, defende o que seria

cultura para ele: “O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente

semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a

teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas

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teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de

leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado”.

Pensar a cultura como uma teia nos parece uma teoria fabulosa, pois uma

teia pode se estender gradativamente, criando laços complexos, sem

individualismos. Um ponto não é apenas um ponto, é a extensão de outro em uma

relação sem fim, e os símbolos utilizados na confecção desta “teia” surgem do

desejo de comunicar. Mas não basta criar teias, é preciso interpretá-las para que o

ser humano se conheça e se reconheça. Na busca deste significado, a religião ou o

metafísico aparece como um sentido místico na tentativa de interpretar/contemplar a

realidade.

1.1 O Ser Humano é Comunicação4

Quando pensamos em comunicação não estamos reduzindo a compreensão

deste conceito à palavra. A comunicação, como sabemos, vai além da oralidade e

da escrita. Apontamos como descritivo de comunicação a definição de Antônio

Pasquali, que a relaciona com a comunidade, estando um passo além da

informação:

Informação é ontologicamente relacionada à casualidade. Ela conota a mensagem/causa de um transmissor ativo, que busca gerar no receptor passivo um comportamento/efeito imediato ou remoto. Comunicação é ontologicamente relacionada à comunidade. Ela conota a mensagem/diálogo, que busca produzir respostas não programadas, reciprocidade, consenso e decisões compartilhadas. [...] Consequentemente, informação categoricamente expressa um relacionamento comunicativo menos perfeito ou equilibrado do que a comunicação, e tende a produzir mais verticalidade do que igualdade, mais subordinação do que reciprocidade, mais competitividade do que complementaridade, mais imperativos do que indicativos, mais ordens do que diálogo, mais propaganda do que persuasão (PASQUALI, 2005, p. 27).

O livro Comunicación antes de Colón produzido pelo CIBEC5, assinado pelos

coautores Luís Ramiro Beltrán, Karina Herrera, Esperanza Pinto e Erick Torrico

4 Tanto neste subcapítulo como nos seguintes, nossa intenção não é traçar todo o percurso histórico

e evolutivo dos componentes analisados, pois seria impossível. Nosso objetivo é mostrar a “gêneses” de tais elementos na estrutura humana, a saber: comunicação, religiosidade, utilização de símbolos. 5 CIBEC – Centro Interdisciplinário Boliviano de Estudios de La Comunicación.

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(2008, p. 32), ao defender a configuração integral do ser humano, apresenta o

problema dos primeiros traços comunicativos do ser humano:

Os estudos evolucionistas – no biológico com Charles Darwin e no cultural com Lewis Morgan – deixaram uma inquestionável marca no pensamento antropológico. Claro que esta marca nunca esteve livre de questionamentos e polêmicas, ainda que, em alguns casos as investigações na área de paleontologia estabeleceram de maneira quase que incontestável um movimento progressivo desde o homo habilis, um hominídeo datado de 1.750.000 mil anos a.C., até o homo sapiens, protótipo do homem atual que havia aparecido ao redor de

30 mil anos a.C. Neste discurso, se considera que a linguagem articulada, como um sistema significativo embasado em sons vocais, surgiu nos tempos do homo erectus, isto é, uns 400.000 anos a.C. (BELTRÁN et al, 2008, p.32)

Os antropólogos divergem quanto ao aparecimento da linguagem oral,

justificando a dificuldade em determinar um período exato. Porém, existe uma

certeza comprovada por meio da arqueologia que mesmo antes de o ser humano

articular a linguagem oral, o desejo de comunicar já estava presente na essência

natural da raça humana.

Os autores Flávia Marqueti e Pedro Paulo A. Funari (2011)6 apresentam a

problemática destacando que a comunicação por meio de sons, que são uma

característica da espécie humana, não pode ser datada, de forma exata, em algum

lugar do passado. Ressaltam também que muitos pré-historiadores defendem que

os Neandertais nunca desenvolveram a capacidade da fala, diferenciando-se assim

de nossa espécie. Os autores apontam, inclusive, um argumento7 de que a

capacidade da fala foi decisiva na preservação dos seres humanos.

A comunicação, segundo este argumento, seria crucial para a compreensão

da própria humanidade. Muito embora não tenhamos acesso aos códigos

linguísticos dos paleolíticos, temos testemunhos eloquentes, numerosos e variados

da comunicação por meio de imagens e objetos (MARQUETTI; FUNARI, 2011, p.

156).

6 Em algumas citações em que somente o ano da publicação aparece, indica que foram tiradas de

arquivos digitais (internet). 7 O argumento é apresentado nos estudos de Clive Gamble, como em Origins and revolutions,

Human identity in earliest prehistory. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

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Nesta pesquisa, não temos a pretensão de defender teorias sobre o exato

momento do aparecimento, na história da humanidade, das diferentes formas

comunicacionais dos seres humanos. Defendemos a ideia de que a interpretação da

realidade levou o homem a se relacionar (de forma comunicativa) primeiro com a

natureza, depois com os seus iguais.

Nesta linha de raciocínio, citamos mais um trecho do livro compilado pelo

CIBEC:

A relação homem-natureza, inevitável pela necessária existência do indivíduo em seu entorno, já supõe uma forma, ainda que incompleta, de comunicação. Do mesmo modo, a igualmente importante relação homem-homem implica certo tipo de intercâmbio [...]. Dessa forma é certificado, então, que a comunicação nasce com o ser humano, pois é um dos componentes sine qua non de sua especificidade. Dessa forma, tendo em conta ao que se indicou, as investigações encontram provas do desenvolvimento progressivo do ser humano na qual não seria concebível que em algum momento, nem sequer em sua mais primitiva origem, que estivesse alheio à comunicação. Em outros termos, a configuração do homem como tal não pode ter ocorrido à margem da possibilidade de estabelecer contato com o mundo exterior e com os seus semelhantes. Que a palavra articulada tenha surgido posteriormente, por razões não clarificadas absolutamente, isto é outra questão (BELTRÁN et al, 2008, p. 32-33 – grifo e tradução

nossos).

Importa-nos, neste primeiro momento da nossa pesquisa, a certeza defendida

no trecho que lemos acima: “a comunicação nasce com o ser humano”.

1.2 Registros Comunicacionais

A pré-história, como é defendida por alguns pensadores, compreende o

tempo em que o ser humano ainda não havia desenvolvido a escrita, ou criado

símbolos gráficos de codificação aceitos por uma comunidade. Antes da escrita,

porém, encontramos inúmeros vestígios espalhados em todo o mundo de

representações gráficas (pictóricas), escultóricas e arquitetônicas que antecedem a

escrita, mas comunicam o entendimento que nossos antepassados tinham do

mundo, da vida, da morte e do transcendente. Muitas dessas inscrições pictóricas

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foram encontradas em cavernas e são uma narrativa da vida da época, a caça, a

representação antropomórfica em grupos, etc.

Como o nosso trabalho gira em torno dos ex-votos, decidimos citar alguns

registros comunicacionais pré-históricos, que mesmo não sendo elementos

exclusivamente religiosos destes povos, se assemelham muito com a comunicação

estabelecida com as divindades em diferentes continentes. Esta constatação nos faz

entender que a comunicação com um ser “superior”, como é o caso dos ex-votos,

não está desvinculada do cotidiano destes povos antigos.

A historiadora da arte universal Gina Pischel defende a teoria de que a arte

pré-histórica começou em meados dos anos 40.000 a.C., esta constatação é

apoiada em descobertas arqueológicas. As formas de expressão datadas a partir

desta data são, em sua maioria, escultóricas e pictóricas (PISCHEL, 1966, p. 9).

Não podemos fazer malabarismos ao tentar interpretar essa forma

comunicacional, pois nossos antepassados estavam tentando reproduzir o entorno

em que eles viviam.

As formas de arte da Pré-História, que são predominantemente reproduções da realidade, nasceram, como manifestações da vontade criadora do homem primitivo, de sua aspiração de “fazer” do nada alguma coisa, de sua complacência em fixar, de modo evidente, em determinadas formas, alguns objetos do seu pensamento confuso, de sua angústia opressora. Neste sentido, a arte rupestre exprime a visão da realidade ambiente do homem pré-histórico e sua consciência mágica do mundo (PISCHEL, 1966, p. 10).

Embora o ser humano tentasse reproduzir a realidade, não podemos dizer

que era uma arte comunicacional concreta, pois diante do inexplicável, do mistério, a

arte surgia como forma de comunicação com a força mágica e transcendente.

Porém, sobre este tema, falaremos mais adiante.

Dentre a diversidade tipológica da arte pré-histórica, destacamos duas que

nos parecem mais emblemáticas, e que são datadas por volta do ano 40.000 a.C..

Enfatizamos, então, a Vênus e a Mão em Negativo, em que a comunicação primitiva,

por meio da arte, estaria relacionada também com a religiosidade.

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Vênus – é uma obra escultórica, foram encontradas várias representações

em diferentes lugares da Europa. É uma “estatueta” com evidentes caracteres

femininos:

A Vênus deste tempo (por vezes tão pequena a ponto de caber na palma da mão) era posta em evidência como mãe e recurso de procriação; era, portanto caracterizada por grandes seios e nádegas abundantes, reservando menor interesse à figuração da cabeça e dos braços. A data das chamadas Vênus, em esteatita ou marfim, foi árdua porque, devido à mobilidade, elas puderam ser transferidas de sede por vias de convulsões naturais ou deslocamentos humanos. Na Europa encontram-se algumas dezenas de exemplares, principalmente em Laussel, Lespugne, Willendorf, bem como na Itália nas vizinhanças do Panaro (PICHEL, 1966, p. 10).

Não há uma definição exata sobre o significado simbólico das imagens da

Vênus, mas pelo fato de serem muitas as representações, pode-se dizer que a

imagem estava relacionada a uma espécie de culto, e devido às imagens serem

pequenas poderiam sugerir que fossem como amuletos que as pessoas

carregavam.

Figura 1-Vênus de Willendorf – Áustria (20.000 – 22.000 anos a.C.)

Fonte: Couri, 2015.

Vê-se nesta possibilidade uma forte incidência de estarmos diante de um

objeto considerado mágico, mítico. As peças fariam parte de uma forma de religião

doméstica ainda primitiva (ELIADE, 2010, p. 32). Mirceia Eliade cita o historiador

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Franz Hancar para explicar a possível função religiosa das estatuetas de Vênus,

seriam estas uma espécie de ídolos religiosos representando a avó mítica, da qual,

presume-se, descendem todos os membros das tribos: elas seriam uma proteção

para as famílias e as habitações, promovendo grandes caças. E como

agradecimento pela benevolência dessas “deusas” elas recebiam as oferendas de

grãos de cereais e gordura (ELIADE, 2010, p. 32).

Destacamos os elementos comunicacionais dessa relação com a divindade.

Parece haver um consenso em determinadas comunidades pré-históricas da

existência de uma força mística. A comunicação existia entre os pares que

divulgavam esta fé, e entre os humanos com aquilo que eles estabeleceram como

“sagrado”.

A figura do feminino como símbolo religioso persiste em nosso imaginário,

ainda hoje muitas religiões utilizam a representação feminina para se conectarem

com o espiritual. No cristianismo, mais precisamente no catolicismo, temos a figura

de Maria, invocada como Nossa Senhora, a questão materna é o que sobressai

nesta devoção. Nas religiões brasileiras de matriz africana, tanto no candomblé

quanto na umbanda, o maior símbolo do feminino é Iemanjá, o seu nome já indica a

sua função de mulher fértil “mãe cujos filhos são como peixes”. No hinduísmo, os

adeptos dessa religião, entre os muitos deuses, adoram a “Divina Mãe Kundalini”.

Para a nossa pesquisa, é importante sinalizar que, assim como na pré-

história, ainda hoje a relação comunicacional com o sagrado feminino passa quase

que necessariamente pela oferenda (agradecimento material - ex-votos).

Mão em Negativo – em diferentes partes do mundo encontramos registros da

mão em negativo. Esta técnica de imprimir a mão na parede das cavernas antecede

inclusive outros tipos de pinturas, como a representação de animais ou de caçadas.

A ação para deixar gravada na rocha a mão exigia certos conhecimentos,

como o domínio de materiais utilizados. Nesta técnica, a mão untada com algum tipo

de material colorido era pressionada na parede das grutas e cavernas. Muitas vezes,

além da impressão, os autores circundavam o desenho da mão com tinturas de

outras cores (PISCHEL, 1966, p. 10). Vestígios da mão em negativo foram

encontrados na Europa, África, América e Oceania, datados de um mesmo período

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pré-histórico (que varia de 40.000 a 9.000 anos a.C.), considerando o ciclo evolutivo

de cada região.

Figura 2 - Mãos em Negativo (mutiladas). Réplicas da Caverna de Garga – França

(Paleolítico Superior)

Fonte: Pischel, 1966

A historiadora da arte Gina Pischel chama a atenção sobre uma possível

interpretação de muitas dessas mãos estarem mutiladas, faltando alguns membros,

como é o caso dos registros de Gargas – França. A autora cogita um possível rito

sacrifical ligado à magia ou oferenda a alguma divindade: “O fato de a forma

anatômica das mãos apresentar, por vezes, mutilação de dedos, fez que se

supusesse estarem tais formas ligadas a ritos sacrificiais, dos quais a imagem fosse

a evocação” (PISCHEL, 1966, p. 10).

Mesmo se desconsideramos as mutilações como rituais de sacrifício,

caracterizando por assim dizer uma forte evidência religiosa, para alguns autores, a

simbologia em si da mão pode ser entendida como comunicação mística, por aquilo

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que a mão representa. Nesta investigação acerca do poder mítico/religioso da

simbologia da mão, o pesquisador Carlos Callejo Serrano cita o arqueólogo

espanhol Martín Almagro Gorbea:

Para Martín Almagro as mãos eram um motivo de culto que o homem usava porque compreendia que a mão era o único instrumento que o fazia vencer a natureza que o rodeava. O culto misterioso à mão nos oferece uma manifestação das preocupações espirituais dos homens primitivos, desde o paleolítico até hoje. A mão, por si mesma, é símbolo do homem e expressão de sua vontade. Todos os povos fazem do uso e representação dos gestos da mão um complexo de variações de caráter espiritual. O cristianismo, por exemplo, utiliza a mão para o supremo ato da bênção; o povo romano e outros povos posteriores a utilizam como signo de boas-vindas ou saudação (SERRANO, 1981, p. 4, tradução nossa).

Ainda hoje, como ressalta o autor, a mão representa um elo com o divino.

No cristianismo e no judaísmo, Deus Pai é retratado como a Mão Criadora, a

mão direita de Deus é a proteção dos fiéis. Na Bíblia, vemos inúmeras passagens

com essa analogia, por curiosidade citamos: “A mão direita do Senhor fez

maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou, a mão direita do Senhor fez

maravilhas” (SALMOS, 117,16), ou ainda, “cobriu-me com a sombra de sua mão”

(ISAIAS, 49, 2b). Porém, quando Deus se zanga, sobretudo no Antigo Testamento, a

mão de Deus é sinônimo de “justiça divina”, ou até mesmo “vingança”: “pois dia e

noite, vossa mão pesava sobre mim; minhas forças se esgotavam” (SALMO, 31,4).

Em outras religiões se destaca a mão chamada Hamsá, sendo utilizada como

proteção por três grandes crenças: no Islã representa Muhammad, filha do profeta

Maomé; no judaísmo é conhecida como a mão de Miriam e é utilizada como

proteção; no Budismo recebe o nome de Abhaya Mudra, sendo utilizada como

amuleto que dissipa o medo.

Uma das peças mais utilizadas como ex-votos por devotos em diferentes

partes do mundo é também o símbolo da mão. Não é de estranhar que, de fato, os

povos primitivos utilizassem o símbolo da mão como possibilidade de se

comunicarem com o divino. O ser humano é um ser comunicante:

O Ser humano é, por conseguinte, não só um simbolizador ou um leitor de símbolos, é, sobretudo, alguém que produz uma realidade intermediária complexa e historicamente determinada feita de

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representações significativas que servem a ele como cenário de sua cotidianidade. O homem é, pois, um animal comunicante que

emprega grande parte de sua vida, senão a maior, neste espaço simbólico artificial. O adjetivo comunicante implica tanto que o ser humano se faz na comunicação e comunica como que se comunica com outros semelhantes e é ele mesmo comunicável (BELTRÁN;

HERRERA; PINTO; TORRICO, 2008, p. 35, tradução nossa).

Nesta construção simbólica, mais do que compreender o cotidiano, existe a

inquietação das coisas que não conseguimos responder. Se hoje, apesar de todo o

conhecimento que temos, ainda vagamos em busca de respostas sobre temas

universais como o sentido da vida, por exemplo, imaginemos como estes

questionamentos deveriam “perturbar” o homem primitivo. Por essa razão, que os

aspectos religiosos assim como os comunicacionais aparecem nos primeiros

registros de nossa raça.

A ideia da existência de uma possível transcendência está no cerne do

indivíduo pré-histórico, e é com essa força (entendida como mágica no primeiro

momento) que nossos ancestrais estabeleceram formas simbólicas de comunicação.

1.3 O Ser Humano é Espiritual

São várias as possibilidades de reflexão do homem primitivo, que o levaram

no decorrer da história a desenvolver o seu lado espiritual, o fato de o ser humano

poder pensar e ter memória acumulativa, fez com que ele se questionasse sobre sua

própria existência.

Dizemos que o ser humano é espiritual, quando julgamos, que em sua

maioria, o gênero humano acredita que a vida não é só matéria, mas existe uma

força maior que organiza ou rege a existência. A palavra espírito tem sua origem do

grego (ruah) que significa hálito, ou sopro, sendo assim, o sopro de Deus que habita

no ser humano e, é esse sopro, segundo a tradição judaico-cristã, que dá vida ao

homem. O ser humano é espiritual, pois ele pensa e age, com este princípio, de que

algo “maior” do que somos impulsionaria o nosso viver.

Mas, dentre os aspectos da vida, o que sem dúvida nenhuma mais nos

inquieta e indubitavelmente inquietava também nossos antepassados primitivos, é a

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certeza da morte. Tomar consciência da morte pode levar o ser humano a um poço

sem sentido, a um viver desorientado, mas pode também dar um novo propósito ao

seu viver. A palavra que, talvez, expresse esse sentido seja transcendência: o

desejo de que a morte não acabe como um sonho. A consciência da morte foi o eixo

central de o ser humano buscar o imaterial.

O antropólogo Lévi-Strauss, em seu livro Tristes Trópicos, deixa claro o

respeito que todos os povos demonstram aos seus mortos, inclusive, desde remotas

eras: “Não existe provavelmente nenhuma sociedade que não trate seus mortos com

consideração. Nas próprias fronteiras da espécie, o homem Neandertal enterrava

também os seus defuntos em túmulos sumariamente arrumados” (LÉVI-STRAUSS,

1957, p. 243). Já o filósofo e antropólogo Juvenal Arduini descreve o anseio do ser

humano de todos os tempos de significar o morrer:

Não parece que o homem tenha de curvar-se perante a fragilidade, como se a morte fosse a última e culminante palavra da existência humana. Transcender a morte é atitude arraigada na cultura dos povos. As maneiras de expressar essa transcendência são múltiplas. Mas a crença de que o homem, de um modo ou de outro, continua a viver – sobreviver – após a morte, é fato universal testemunhado pela filosofia, pela antropologia cultural e pelas religiões. A humanidade abriga contido anseio de prolongar após a cessação da vida presente. Raramente o homem admite que o nada total prevalece após a morte. Esta aspiração não gera, por si, a certeza da vida trans-história, mas é indício de que o ser humano busca, irresistivelmente, perseverar na vida, após a atual fase existencial. Pelo menos enquanto aspiração, é fato que não se pode ignorar ou apagar. O homem de todos os lugares e de todos os tempos, experimenta a indormida pulsão para sobreviver (ARDUINI, 1989, p. 42).

Arduini diz que transcender a morte é uma atitude arraigada em todos os

povos, por essa razão não é difícil explicar tantos rituais ancestrais de passagem

(vida – morte – vida) ainda presentes nos nossos dias. Fato é que a tomada de

consciência da finitude humana fez com que buscássemos formas de perpetuação.

No campo dos estudos da história das religiões ou das manifestações

religiosas, o historiador Mircea Eliade aparece como uma referência fundamental,

sobretudo nos três volumes de História das crenças e ideias religiosas. No primeiro

volume, o autor trabalha os períodos históricos compreendidos da idade da pedra

aos mistérios de Elêusis, citamos este volume, pois será a base deste levantamento

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histórico do ser humano relacionado à religião. No primeiro capítulo de seu livro,

Eliade destaca alguns elementos mágico-religiosos dos Paleantropídios, dentre as

manifestações do homem primitivo com relação à religião, o autor destaca a

significação simbólica das sepulturas.

Os mais antigos e numerosos “documentos” encontrados são, sem dúvida, as

ossadas. As sepulturas, segundo o autor Eliade (2010, p. 22-23), surgiram com

certeza a partir do musteriano (70.000 – 50.000 anos atrás). A crença em uma vida

post mortem, destaca Eliade, pode ser demonstrada desde os tempos mais remotos,

uma prova disso seria a utilização da ocra vermelha, substituto ritual do sangue e,

portanto, “símbolo” da vida. Encontramos vestígios da prática desse ritual desde

Chu-ku-tien até a costa da Europa Ocidental, além da África, Austrália, Tasmânia e

na América.

Mircea Eliade faleceu em 1986, o original do livro que citamos foi publicado na

França, em 1976. A ciência arqueológica é muito dinâmica, sendo atualizada

constantemente com novas descobertas. Eliade apontou as primeiras sepulturas

datadas de (70.000 a.C.), porém uma descoberta mais recente indica que a

construção de túmulos é ainda posterior a este período.

O Jornal impresso Hoy de 20/07/2012 publicou uma matéria assinada por

JJesús Bombin, intitulada Atapuerca8 esconde o “santuário” mais antigo da

Humanidade (tradução nossa). “A equipe de investigadores que trabalha na serra

burgalesa de Atapuerca achou na estância de verão restos da espécie Homo

Heidelbergensis (300.000 – 500.000 anos) que reforça a teoria de a Sima dos Ossos

foi o primeiro cemitério da humanidade.” (BOMBIN, 2012, tradução nossa).

Como diz a chamada da matéria, os pesquisadores9 se permitem a chamar

esta localidade espanhola conhecida como Sima de los Huesos como um santuário,

não há como dissociar a palavra “santuário” de um ritual religioso, é justamente essa

a intenção dos arqueólogos que pesquisam este sítio:

Ao encontrar a falange de um menino neste sítio foi reforçada a teoria que defendiam os investigadores que Sima de los Huesos

8 A Serra de Atapuerca é um pequeno conjunto montanhoso na província de Burgos (Castilla e León).

É considerado como um dos mais importantes sítios arqueológicos da atualidade. 9 Antropólogos citados na matéria: Juan Luis Arsuaga, Eudalt Carbonell e José Maria Bermudez,

coordenadores das escavações.

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abrigava um “santuário” em que se realizariam rituais funerários. ‘Se trata do primeiro ‘santuário’ da humanidade’, explicou Arsuaga argumentando que não existem restos em toda Eurásia deste calibre. ‘É a prova mais antiga de um comportamento funerário e de uma acumulação coletiva’ (BOMBIN, 2012, tradução nossa).

Ou seja, pesquisas recentes reforçam a ideia religiosa como um desejo do ser

humano de vencer a morte. Não fariam sentido os rituais funerários se o homem

primitivo não aspirasse à vida pós-morte. Eliade defende que, além das sepulturas,

as oferendas que se faziam aos mortos remetem aos fortes indícios de religiosidade:

Em suma, pode-se concluir que as sepulturas confirmam a crença na imortalidade (já assinalada pela utilização da ocra vermelha) e trazem alguns esclarecimentos suplementares: enterros orientados para o leste, marcando a intenção de tornar o destino da alma solidário com o curso do Sol, portanto a esperança de um “renascimento”, isto é, de uma pós-existência num outro mundo;

crendo na continuação da atividade específica; certos ritos funerários, indicados pelas oferendas de objetos e adornos e restos de refeições (ELIADE, 2010, p. 24).

O tema das oferendas aos mortos incide diretamente sobre o nosso estudo

dos ex-votos, pois nos apontam a certeza de uma relação comunicacional existente

entre os vivos com seus mortos, e com as forças transcendentes que regem a vida.

O morto recebia como oferenda os seus pertences, sinalizando que os povos

primitivos acreditavam que ele em algum lugar continuaria suas atividades. Além

destes objetos, os adornos seriam o “agradar” ao morto, bem como os alimentos

depositados.

Estes vestígios pré-históricos ainda hoje estão presentes em práticas votivas

que giram em torno de pessoas falecidas. Os nossos cemitérios atuais, em grandes

ou pequenas cidades, estão repletos de túmulos que recebem oferendas do mesmo

gênero. Sobre este tema, falaremos mais adiante, pois incide diretamente em o

nosso objeto de pesquisa, o ex-voto.

Na defesa de que o ser humano é religioso desde a sua origem, podemos

citar uma entrevista publicada no site do Vatican Insider (07/01/2012) com o

sacerdote belga Julien Ries, que foi por muito tempo professor na Universidade

Católica de Leuven, sendo também o fundador de um novo campo do saber, a

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antropologia religiosa fundamental. Destacamos, a seguir, duas perguntas dessa

entrevista elaborada pelo Vatican e as respostas de Ries:

O senhor chega à púrpura depois de uma vida de pesquisa: foi um dos primeiros a insistir sobre a dimensão religiosa como originária no ser humano. O sentido religioso é realmente inato?

Estou muito de acordo com o paleontólogo Yves Coppens, o descobridor de Lucy, que há anos repete que o ser humano é desde já um homem religioso. Como se documenta essa afirmação? Consideremos esse ser humano religioso como o conhecemos através dos fatos e dos gestos da história: se analisarmos as suas pinturas encontradas em centenas de cavernas, até agora descobertas, suas milhares de gravuras rupestres, se examinarmos o seu comportamento com relação aos falecidos, se tentarmos interpretar os gestos das suas mãos elevadas à cúpula celeste – o "Ka" dos antigos egípcios –, somos obrigados a pensar em uma experiência de relação vivida de forma consciente pelo ser humano arcaico com a realidade misteriosa e ultraterrena (RIES, 2012, tradução nossa).

Julien Ries também defende que a relação de nossos antepassados

longínquos com a morte ou com os falecidos é um forte indício do homo religiosus.

Além do culto nos funerais pré-históricos, ele destaca outros elementos culturais

descobertos pela arqueologia, como manifestações religiosas concretas presentes

na gênese do ser humano: as pinturas em centenas de cavernas, espalhadas em

várias partes do mundo; gravuras rupestres, etc.

Esta teoria também é defendida por Mircea Eliade, com relação às pinturas

rupestres. Ele diz que o fato de essas pinturas estarem longe da entrada das

cavernas permitiu que os pesquisadores concluíssem que essas grutas eram uma

espécie de santuário. O que reforça ainda mais essa teoria é o motivo de essas

grutas não serem habitadas, funcionando como um espaço místico, de caráter

numinoso (ELIADE, 2010, p. 29).

Outro fato curioso é que na representação simbólica da caverna, no

imaginário do homem pré-histórico, a gruta era uma espécie de útero da terra, sendo

este local considerado a fonte da vida. Espaço em que os nossos antepassados

faziam grande parte de seus cultos, ornamentando com pinturas ou oferendas o

“santuário”.

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Muitos povos sepultavam os seus mortos justamente nessas grutas,

simbolizando que o corpo/semente era “plantado” novamente no útero/ventre da

terra (MARQUETTI; FUNARI, 2011, p. 162). Outra manifestação cultural que remete

aos aspectos religiosos seriam as danças circulares. Encontramos evidências dessa

prática em diferentes partes do mundo, a saber: Eurásia, Europa oriental, Melanésia

e entre os índios do continente americano. Vale um destaque que a maioria das

tribos indígenas do Brasil, ainda hoje em seus rituais religiosos, fazem da dança

circular o apogeu de suas liturgias.

A presença da dança circular em culturas arcaicas contemporâneas é uma

manifestação clara da persistência dos ritos e crenças pré-históricos (ELIADE, 2010,

p. 36). A dança em círculos seria um ritual dos caçadores primitivos para acalmar a

alma do animal abatido, bem como para multiplicar as caças. Funcionaria também

como uma espécie “solidariedade mística”. Neste momento fazemos um destaque

para a teoria de que, conforme a linguagem foi sendo aperfeiçoada, também foram

sendo aprimorados os rituais religiosos, que incidem diretamente sobre o nosso

trabalho de aproximação da religião com a comunicação.

Mirceia Eliade, em seu livro História das crenças e das ideias religiosas (I),

conclui o primeiro capítulo intitulado “No começo... Comportamentos mágico-

religiosos dos paleantropídios”, com dois parágrafos que nos parecem

imprescindíveis:

À proporção que se aperfeiçoava, a linguagem aumentava seus meios mágico-religiosos. A palavra pronunciada desencadeava uma força difícil se não impossível, de anular. Crenças similares ainda sobrevivem em várias culturas primitivas e populares. São encontradas também na função ritual das fórmulas mágicas do panegírico, da sátira, da execração e do anátema nas sociedades mais complexas. A experiência exaltante da palavra como força mágico-religiosa conduziu às vezes à certeza de que a linguagem é capaz de assegurar os resultados obtidos pela ação ritual. Concluindo, temos também que levar em conta a diferença entre os diversos tipos de personalidade. Certo caçador destacava-se por suas proezas ou pela astúcia; outro pela intensidade de seus transes extáticos. Essas diferenças caracterológicas implicam uma certa variedade na valorização e interpretação das experiências religiosas. No final, apesar das poucas ideias fundamentais comuns, a herança religiosa do paleolítico já apresentava uma configuração religiosa bastante complexa (ELIADE, 2010, p. 38).

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Existe, de fato, uma ligação profunda entre a comunicação e a religião. Como

vimos até aqui, tanto os aspectos religiosos quanto os comunicacionais estariam na

essência do ser humano. Não diríamos que a linguagem levou a um maior

desenvolvimento da relação do homem com o sagrado, nem que esta ligação

espiritual tenha favorecido ao aprimoramento da linguagem. Acreditamos que não

existem dicotomias entre uma coisa ou outra. Na integralidade ontológica, que é o

ser humano, a sua evolução foi em sua totalidade e não parcial.

1.4 Os Símbolos, elos que ligam Religião e Comunicação

Os dicionários, ao definirem a palavra símbolo, nos dizem que são aquilo que,

por convenção ou por princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou

sugere algo. Ou seja, o símbolo seria a representação, ou a materialização de uma

ideia. Dentre as definições que encontramos, citaremos a que nos apresenta o

Dicionário de Liturgia, pois vemos unidos os significados etimológico, antropológico

e religioso, essa união de pensamento nos ajuda em nosso trabalho:

O termo símbolo (grego: symbolon, do verbo symbállo: lançar junto,

colocar junto, confrontar), em nível etimológico-semântico primário, indica uma parte, um fragmento que exigia ser completado por outra parte para formar uma realidade completa e funcional. Mas, em sentido antropológico, hoje se fala geralmente de símbolo quando se

tem um significante que remete não há um significado preciso, porém sim a outro significante; quando a realidade significada está de certo modo presente, ainda que não de todo comunicada; quando a função simbólica se baseia na própria realidade do significante: não é, pois, convencional nem definida, porém se enraíza na natureza das coisas e do homem e é, exatamente por isso, aberta a perspectivas mais profundas e universais. No campo religioso, o termo símbolo aplica-

se tanto às formas concretas mediante as quais determinada religião se explica quando ao modo de conhecer, de intuir e de representar dados próprios da natureza religiosa (DICIONÁRIO DE LITURGIA, 1992, p. 1143).

Diferentemente do que é symbolon, temos o seu oposto diabolos, também do

grego, que significa aquilo que divide e que não congrega. Para que os símbolos

existam (e façam sentido) é preciso que haja consenso entre os pares, ou na

comunidade, de que determinada coisa, ou imagem representada, tenha o mesmo

significado.

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O filósofo português Miguel Baptista Pereira, ao tratar do significado da

palavra símbolo, evoca o antigo pensador grego Heródoto, que viveu no século V

a.C.:

Do grego recebemos a palavra symbolon, que significa a coincidência de duas partes, que de novo se reúnem, pois, segundo Heródoto (Historiae VI-86), o símbolo era a coincidência ou reunião harmoniosa das partes de um anel, que dois amigos, antes de se separarem, dividiram entre si, levando cada um a sua parte e com ela a possibilidade de futura coincidência ou encontro de partes, que se tornou sinal externo da amizade, que a separação não aboliu (PEREIRA, 2004, p. 3).

O conceito de Heródoto sobre o significado de símbolo nos parece bastante

pertinente. O anel partido (em dois fragmentos) é o símbolo da amizade entre duas

pessoas que se separam. Cada amigo carrega consigo uma metade dessa

representação, que remete simbolicamente ao amigo ausente. A metade do anel

não é o amigo distante, mas é como se fosse, pois produz na memória e nos

sentidos a presença do outro. Essa relação simbólica com o objeto, neste caso, a

metade do anel, somente é possível graças ao código que foi estabelecido pelas

duas partes. Não existe símbolo, que expresse algo, sem que esse código

comunicacional não tenha sido acordado entre pares, ou um grupo, seja ele

pequeno ou numeroso.

No clássico livro Elementos de Semiologia de Roland Barthes (2003, p. 39-

58), o autor apresenta uma ascendência interpretativa desde o símbolo (sinal) em si

até o valor que é conferido a ele: 1- Signo – composto entre um significante e um

significado; 2 – Significado – não é uma coisa, mas uma representação psíquica da

coisa; 3 – Significante – é um mediador; 4 – Significação – processo que une

significante e significado, ato cujo produto é o signo; 5 – Valor – sentido dado e

ressignificado.

A interpretação é a medula dorsal da existência do símbolo, sobre isso nos

escreve Charles S. Peirce (2005, p. 75), “um símbolo é um signo que perderia o

caráter que o torna signo se não houvesse um interpretante”.

Para Geeztz (2015) todo ato humano é simbólico, sendo assim factível de ser

interpretado.

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A interpretação somente é possível no interior de uma estrutura de significação, ou seja, de uma cultura. Sendo que a comunicação não é sem a cultura e a cultura não pode ser sem a comunicação; ademais, cada uma delas se configura, expressa, reproduz ou se modifica em função da outra (CIBEC, 2008, p. 37, tradução nossa).

A antropologia interpretativa estimula a interpretação e o intercâmbio destes

dois fenômenos que, por muito tempo, foram tratados como realidades divorciadas.

No livro La Comunicación antes de Colón (CIBEC, 2008, p. 37,38), são

apresentadas algumas suposições de ordem antropológica sobre os processos

comunicacionais dos povos pré-colombianos, embora o estudo faça referência aos

nossos ancestrais americanos, podemos aplicá-las em âmbito universal dos povos

pré-históricos em geral.

Nas doze suposições apresentadas pelo estudo, que elencaremos a seguir, o

elemento que ganha destaque na construção deste processo comunicativo é o

simbólico. O símbolo unifica a comunicação com a cultura - e podemos acrescentar

aqui no aspecto cultural - os elementos religiosos:

- A humana é a única das espécies de animais com capacidade de

representação simbólica.

- Esta singular capacidade se deve à possibilidade de codificação,

transmissão, intercâmbio, decodificação e armazenamento abstrato de símbolos, é

dizer, à comunicação.

- A comunicação é essencialmente simbolização.

- Os símbolos são construções sociais intelectivas comunicáveis por

diferentes linguagens.

- A base de toda relação social é o intercâmbio simbólico.

- Todo comportamento humano é simbólico.

- Todo símbolo é interpretado desde uma estrutura de significação, vale dizer,

uma cultura.

- A simbolização é constitutiva e resultante da cultura.

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- A produção e o manejo de símbolos são um componente central da

humanização da espécie.

- O homem é um animal simbólico, um animal comunicante culturalmente

condicionado.

- A simbolização não se resume a um único modo de representação.

- A Comunicação define também – junto a outros elementos – a natureza

humana.

Depois de destacarmos o símbolo como processo comunicativo, veremos

também a relação do símbolo com a cultura religiosa. Sabemos que o pensamento

religioso pode se apresentar como concreto, mas sua base é abstrata, pois a fé em

si não pode ser apalpada.

A relação (comunicacional) do indivíduo com o metafísico depende da

simbologia para materializar o sagrado. O simbólico nasce do imaginário, a relação

entre o simbólico e o imaginário é muito discutida por Castoriadis, pois o simbolismo

pressupõe a capacidade imaginária:

As profundezas e obscuras relações entre o simbolismo e o imaginário aparecem imediatamente se refletirmos sobre o seguinte fato: o imaginário deve utilizar o simbólico não apenas para ‘exprimir-se’, o que já é óbvio, mas para ‘existir’, para passar do virtual a qualquer coisa a mais (CASTORIADIS, 2010, p. 154).

Castoriadis também faz uma distinção entre o funcional e o poiético, podemos

aplicar aqui o seu entendimento sobre o valor poiético da religião na busca de

sentido. O poiético como sabemos, nasce da simbologia pura:

Quanto à distinção entre o poiético e o funcional, ela não é difícil de ver. O funcional é tudo aquilo que obedece às necessidades vitais ou físicas e a imposições lógicas. A produção como tal pertence, em geral, ao funcional. Mas os objetivos últimos da produção nunca são “funcionais”, pois não há nenhuma sociedade humana que produza apenas para se conservar. Os cristãos construíram igrejas. Os primitivos muitas vezes pintavam desenhos no corpo ou no rosto. Essas igrejas, pinturas ou desenhos de nada servem, elas pertencem ao poiético. Bem estendido, elas “servem” para muito mais do que ‘servir para alguma coisa’; servem, muito mais importante que todo o resto, para que os humanos possam dar sentido ao mundo e às suas vidas. É este o ‘papel’ do poiético (CASTORIADIS, 2004, p. 149).

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No aspecto religioso, a interpretação também é a chave para que uma

simbologia adquira sentido:

No campo religioso, o termo símbolo aplica-se tanto às formas concretas mediante as quais determinada religião se explicita quanto ao modo de conhecer, de intuir e de representar dados próprios da experiência religiosa. Nestes símbolos, ainda que muitas vezes se possa reconhecer um substrato antropológico universal, o significado, isto é, o algo a mais, a que remetemos, costuma ser

definido, por cada autor, com base na sua interpretação geral do fato religioso; pode, portanto, depender de revelação, da influência social, da emergência de um arquétipo, etc (DICIONÁRIO DE LITURGIA, 1992, p. 1143).

A interpretação de um símbolo, seja ela na esfera religiosa ou não, é muito

mais que a abstração ou conceito, também não deveria ser estudada como estímulo

e resposta, ou derivada de uma leitura imediata como realidade concreta. Na

interpretação de um símbolo, sobretudo religioso, o ser humano ontologicamente se

curva nesta interpretação, com sua sensibilidade, imaginação, memória, vontade e

intuição. Por essa razão, alguns símbolos nos remetem imediatamente a uma

experiência religiosa, mesmo que o símbolo, em si, não esteja apontando para algo

religioso.

A forma circular, por exemplo, coloca algumas pessoas (inconscientemente)

em sintonia com algo ancestral, remetendo a algo transcendente. A carga genética

que carregamos em nosso histórico humano desperta em nós sentimentos e

interpretações diante de determinados objetos e símbolos. Estamos falando que

existe uma memória genética, e é nesta memória que os símbolos adquirem sentido

e nos aproximam de nós mesmos e dos outros.

Edgar Morin chama essa memória “ancestral” de polifonia cognitiva:

O cérebro dispõe de uma memória hereditária bem como de princípios inatos organizadores de conhecimento. Mas desde as primeiras experiências no mundo, o espírito/cérebro adquire uma memória pessoal e integra em si princípios socioculturais de organização e conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também, pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas em sua própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela (MORIN, 2005, p. 21).

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Essa memória afetiva/hereditária está impregnada em nosso ser, os símbolos

não são simplesmente uma criação humana - em um determinado período - de

nossa evolução histórica. São muito mais que isso, são formas de comunicar e

interpretar os principais dilemas da vida. “As ações simbólicas mais típicas de cada

religião estão geralmente ligadas aos momentos-chaves da vida do homem, com

referência constitutiva em face dos maiores problemas da existência humana”

(DICIONÁRIO DE LITURGIA, 1992, 1143).

Vimos até aqui que o ser humano é comunicação e crença em algo além da

matéria, apresentamos os símbolos como elo de aproximação entre o religioso e o

comunicacional.

1.5 A Religião é um meio de Comunicação

Na defesa desta teoria, nos apoiaremos no artigo Narrar a Deus: a religião

como meio de comunicação, publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais em

2009 (p. 9-15), do autor italiano Enzo Pace, sociólogo da religião. Também teremos

por base as teorias de Clifford Geertz, embora ele não afirme que a religião seja um

meio de comunicação, podemos fazer esta leitura ao lermos o seu livro As

interpretações das culturas. Tanto em Pace quanto em Geertz, a religião é entendida

como sistema. Pace afirma que a religião é um sistema elaborado de comunicação

(PACE, 2009, p. 10); e Geertz, por sua vez, defende a teoria que a religião pode ser

entendida como um sistema cultural (GEERTZ, 2015).

Antes de prosseguirmos nesta análise, vemos a necessidade de definirmos

brevemente o termo sistema. A palavra provém do latim systema e indica um

conjunto de elementos interligados e devidamente ordenados interagindo entre si.

Ao considerar a religião como sistema cultural, Geertz sugere que após a segunda

guerra mundial o estudo antropológico sobre religião teria estagnado. Parece que os

estudiosos desse tema se conformaram com as análises feitas por Durkheim sobre a

natureza do sagrado; a metodologia Werstehenden de Weber; o paralelo de Freud

entre rituais pessoais e coletivos; e as teorias de Malinowski sobre a diferença entre

religião e senso comum. Estes quatro pilares devem ser fundamentos de estudiosos

da antropologia da religião, mas o erro estaria em considerá-los os únicos.

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Na ampliação das fontes nos estudos acerca da religião, Geertz diz que ele

reunirá esforços para que a religião seja estudada e analisada como dimensão

cultural:

De qualquer forma, o conceito de cultura ao qual eu me atenho não possui referentes múltiplos nem ambiguidades fora do comum, segundo o que me parece: ele denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. É fora de dúvida que termos tais como “significado”, “símbolo” e “concepção” exigem uma explicação. Mas é justamente aí que deve ocorrer o alargamento, o aprofundamento e a expansão. Se Langer está certo em dizer que “o conceito do significado, em todas as suas variedades, é o conceito filosófico dominante de nossa época”, que “os animais, os símbolos, as denotações, as significações, as comunicações... são nossos recursos de capital (intelectual)”, então talvez seja tempo de a antropologia social, em particular a parte que se preocupa com o estudo da religião, tomar conhecimento disso (GEERTZ, 2015, p. 66).

Embora o autor levante este problema com relação ao estudo da religião na

esfera da antropologia social, podemos aqui defender a interdisciplinaridade dessa

questão, pois o estudo da religião, ainda hoje, é visto com olhares preconceituosos e

reducionistas por muitas de nossas academias intelectuais. Entender a religião como

sistema cultural amplia o foco, dando credibilidade e seriedade às pesquisas.

Clifford Geertz (2015, p. 66,67), ao tratar do tema do paradigma da

interpretação, diz que “os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos10 de

um povo – o tom, o caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições

morais e estéticos”.

A visão de mundo de um povo depende e se origina de sua crença, de sua

prática religiosa. A religião, de uma forma ou outra, determina e condiciona o ethos

de um grupo. Todos os aspectos da vida giram em torno desse eixo central: que é a

visão que se tem do sagrado, do nascer ao morrer. E podemos ir além, até mesmo

de antes do nascer e do depois de morrer, a religião constrói uma rede de

10

O termo ethos é de origem grega, caracteriza o conjunto de costumes e hábitos fundamentais nas questões do comportamento e também da cultura (valores, ideias e crenças). São as características centrais de um determinado grupo, época ou região.

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significados. E o que sinaliza para esse grupo os seus princípios são os símbolos

religiosos.

Ao discorrer sobre a sua teoria, Geertz (2015, p. 67) define o que é uma

religião. Destacamos abaixo a definição nos mesmos moldes que o autor traça sobre

esse tema de suma importância em nossa pesquisa: “Portanto, sem mais

cerimônias, uma religião é:

(1) um sistema de símbolos que atua para →

(2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos

homens através da →

(3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e →

(4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que →

(5) as disposições e motivações parecem singularmente realista.

Em seu texto, após apresentar esta definição de religião, o autor segue

afirmando o papel que o “aquilo” considerado sagrado desempenha na construção

de nossa identidade social e psicológica (nossa cultura). Os paradigmas estruturais,

daquilo que somos enquanto humanos, somente podem ser configurados por meio

dos significados que damos à nossa existência e organizamos nossas condutas.

Estes “significados” passam necessariamente pelos “símbolos”, sobre isso, Geertz

escreve:

Os significados só podem ser “armazenados” através de símbolos: uma cruz, um crescente ou uma serpente de plumas. Tais símbolos religiosos, dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles que vibram com eles, tudo que se conhece sobre a forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional que ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem está nele. Dessa forma, os símbolos sagrados relacionam uma ontologia e uma cosmologia com uma estética e uma moralidade: seu poder peculiar provém de sua suposta capacidade de identificar o fato com o valor no seu nível mais fundamental, de dar sentido normativo abrangente àquilo que, de outra forma, seria apenas real. O número desses símbolos sintetizadores é limitado em qualquer cultura e, embora em teoria se possa pensar que um povo poderia construir todo um sistema autônomo de valores, independente de qualquer referente metafísico, uma ética sem ontologia, na verdade ainda não encontramos tal povo (GEERTZ, 2015, p. 94).

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Entender o ser humano como ser simbolizante, criador de conceitos e

desejoso de significados, abre perspectivas amplas para os estudos com temáticas

relacionadas ao universo religioso. A religião é um sistema cultural, formadora ou

influenciadora do ethos de um povo.

Depois de percebermos, com a ajuda das ideias do antropólogo Clifford

Geertz, de que a religião está dentro do escopo da cultura, partiremos para um

entendimento de que a religião é também um sistema ordenado de comunicação,

com base nas teorias de Enzo Pace.

No artigo científico em que Pace defende a teoria de que a religião é

comunicação, o autor apresenta a metodologia por ele empregada em seu estudo.

Com base no método de análise utilizado por Talad Asad para comparar o

Islamismo e o Cristianismo, chamado de método genealógico, Pace desenvolve o

seu pensamento.

O método da genealogia estuda as teias genealógicas de uma família ou de

um grupo de famílias unidas por um determinante comum (o parentesco). Nesta

metodologia, as religiões mundiais podem ser estudadas e analisadas como

“famílias genealógicas”, pois todas elas estariam interligadas em uma relação que

poderíamos chamar de “parentesco espiritual”. Os complexos sistemas de símbolos

são a base deste “parentesco” que perpassam as diferentes religiões:

[...] interessa-nos analisar a relação entre a virtude da improvisação que, muitas vezes, está na origem de uma religião, e a construção dos sistemas de crença religiosa. O primeiro relaciona-se com o poder de comunicação, o segundo com a constituição e reprodução

no tempo e no espaço de um sistema de sentido (PACE, 2009, p. 10).

Dessa forma, o interesse do autor é desenvolver a teoria de que a religião é

como um processo de comunicação. Pace explica a razão desse estudo, a

religião ao ser considerada como processo de comunicação acaba sendo

preservada de “armadilhas conceituais recorrentes”.

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São apresentadas pelo autor três armadilhas comuns, sobretudo no estudo

acadêmico das religiões. Entendendo a religião como comunicação, evitaríamos as

seguintes armadilhas:

a) A superação da dicotomia modernidade e tradição, sendo considerada como meio

de comunicação, não poderíamos fazer um juízo superficial das diferentes formas de

crer. Muitas vezes, a comunicação é entendida como mercado de comunicação,

justamente é dessa ideia que devemos fugir.

Ao pensarmos a religião como sistema de comunicação deveríamos ter a

convicção de que:

comunicar, referindo-se aos sistemas de crença religiosa, remete a um princípio estrutural de funcionamento dos próprios sistemas: combinar elementos ou partes que compõem o universo dos significados que uma religião elabora a partir da fundação e que desenvolve no decorrer do tempo (PACE, 2009, p. 10).

b) Evitar a simples decomposição da religião em suas diferentes dimensões.

Ao se estudar a religião analiticamente na busca de uma padronização

empírica, na maioria dos casos, realizamos a pesquisa dentro de uma lamentável

superficialidade.

Se a estrutura da religião está denominada pela pura palavra capaz

de fixar ou remover os limites simbólicos dos universos de sentidos dos indivíduos e dos grupos sociais, então se trata de estudar como atua a força da palavra, segundo as condições sociais e históricas em que uma ou mais religiões devem ser observadas (PACE, 2009, p. 10).

c) Evitar dicotomias como primitivo e evoluído, simples e complexo.

Sendo a religião um sistema de comunicação, ela não poderia ser definida

como essencialista11, uma vez que a essência mesma da religião não pode ser

definida, mesmo que se tente. As denominações religiosas fariam parte da dimensão

espiritual presente em todos os seres humanos. Distanciaríamo-nos assim, do

“verdadeiro” e “falso”, perigo constante de julgamentos e discriminações (mesmo e,

sobretudo, no campo acadêmico). Mais do que estabelecer comparações,

11

Na corrente do essencialismo filosófico, a essência seria o que existiria de real, considerando o restante como ilusório, ou até mesmo irreal.

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precisamos buscar a raiz dorsal das crenças. O sistema comunicacional está

presente em todas as manifestações religiosas.

Enzo Pace (2009) utiliza a alegoria do compasso para descrever o percurso

histórico de uma religião, elas partiriam de um ponto central (gerador), e conforme

vão se abrindo em círculos concêntricos acabam se moldando e inculturando no

tempo e no espaço. Este modelo teórico de entendimento da religião como sistema

de comunicação permitirá “encontrar afinidades eletivas entre distintos universos de

crença religiosa com respeito ao fundamento temático de partida: a relação entre o

incipit de uma religião e sua sucessiva constituição como um sistema”.

Nas conclusões de seu artigo, Pace apresenta de forma sucinta quatro pontos

pertinentes que poderiam condensar a sua hipótese teórica, dentro dessa definição

de religião como sistema de crença que está em interação com um ambiente

específico desde a sua origem. Reproduziremos esses conceitos:

a) obriga o observador (cientista social) a considerar como objeto fundamental da análise a relação entre o impulso originário à formação de um novo credo religioso e o processo de construção do próprio sistema de crença; b) obriga-o, também, a ter sob controle essa relação para compreender de maneira dinâmica se (e de que maneira) um sistema está em condições de se desenvolver segundo determinado tipo de relativa autonomia interna, para afirmar a própria identidade ou para marcar a diferença em relação a outros sistemas de crença; c) desse modo, se assume como noção principal a centralidade do conceito de comunicação, tal como se define na teoria dos sistemas, para analisar a religião como poder de comunicação; d) observando a validade explicativa em alguma direção (não em todas, por razões óbvias de espaço e das limitadas competências de quem escreve): a relação entre palavra e texto (sagrado), a força

performática do ritual ou da liturgia, a elaboração de uma doutrina concreta, que toma corpo (disciplinando também os corpos e as emoções do corpo), enfim, a oscilação entre identificação étnica e pretensão universalista, que parece caracterizar as religiões em seu processo evolutivo em relação aos diferentes ambientes sociais nos quais se situam como ordenadores culturais dominantes (PACE, 2009, p. 13-14).

Embora as variadas denominações religiosas busquem formas de se

diferenciar uma das outras no desejo de conquista de credibilidade e veracidade

daquilo que é pregado, sabemos que o véu que cobre todas elas encontram sentido

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em uma inquietação humana. Podemos chamar essa inquietação de uma espécie

de “orfandade espiritual”.

Neste ímpeto de dar respostas aos mistérios da vida e da morte, nasce com a

própria consciência humana a relação metafísica com uma “força” superior que

conduz, protege e vela as nossas existências.

A religião é comunicação, pois ela não está fora do ser humano. Sendo o ser

humano comunicação por natureza, é também por sua natureza que ele busque

tocar o sagrado por meio dos gestos, símbolos, palavras, ritos, etc.

Desde as primeiras manifestações religiosas (registradas materialmente) por

nossos antepassados, os símbolos são a forma de diálogo com aquilo que se

entendia como transcendente, ou seja, desde as nossas origens a comunicação e a

religião se completam.

Repetimos a máxima de Mircea Eliade (2010, p. 13) “tornar-se um homem

significa ser “religioso”. Este pensamento está em plena sintonia com os dizeres do

antropólogo Juvenal Arduini (1989, p. 50): “A religião não é ornamento cultural. É

real dimensão do existir e do agir humanos. [...] A onipresença religiosa nas culturas

das diversas sociedades está a dizer que o homem insiste em transcender-se, teima

em ser-mais”.

Genealogicamente somos iguais enquanto espécie, com tudo o que isso

possa representar. O ser humano é cultura, é comunicação (simbólico) e é religião, e

são essas características, sem dicotomias, que tornam o homem – homem.

Com este entendimento, podemos adentrar mais especificamente em nosso

objeto de pesquisa - os ex-votos - que são manifestações humanas (com toda

fragilidade e desejo de superação que isso implica); são veículos de comunicação

com as divindades, mas também com os de sua comunidade; são simbólicos em

essência; e religiosos de forma ontológica.

Comunicar-se com o sagrado por meio do ex-voto está na gênese do existir

humano, enquanto consciente de si.

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CAPÍTULO II

EX-VOTO: COMUNICAÇÃO DE INTIMIDADE COM AS DIVINDADES

2.1 O significado etimológico de EX-VOTO

A expressão ex-voto é um dos casos em que a etimologia define

concretamente o seu significado, não precisamos, com isso, buscar artifícios para

que este conceito se faça compreendido. Estamos diante de duas palavras latinas

“Ex” e “Votum”, que foram unidas para especificar uma prática votiva na antiga

Roma.

VOTUM – (singular) – no plural o termo é vota. O seu significado é uma

promessa ou voto feito a uma divindade. Este termo foi criado pelos romanos para

identificar as promessas que eram feitas aos deuses. Assim, vemos que a palavra

nasce com um cunho estritamente religioso. O votum é proveniente do particípio do

passado do verbo latino voveo – vovere – que também significa “voto / promessa”,

“prometer algo a alguém”.

Com o passar do tempo, essa expressão tipicamente religiosa foi ganhando

outras conotações em seu emprego. No tempo do Império Romano, era comum que

os soldados fizessem vota de obediência aos seus superiores. Os súditos faziam

vota ao Imperador – prometendo fidelidade. Com isso, entendemos a aplicação

corriqueira da palavra voto em nossos dias. Votar é dedicar a confiança em algum

candidato.

No livro Ex-votos – a saga da comunicação perseguida, de nossa autoria, ao

definirmos a palavra ex-voto, falamos sobre o sentido do voto na concepção

religiosa, não especificando crenças, mas constatando este “contrato” que o fiel

busca estabelecer com suas divindades:

No caso religioso, existem vários tipos de votos feitos pelos fiéis ao divino. O voto expressa que estamos sob a tutela de algum ser que no nosso entender, ou do fiel, é maior do que nós. Faz-se um voto ou uma promessa por vários motivos, um deles é o enriquecimento espiritual na busca de perfeição, as pessoas que creem desejam que seus pecados, ou aquilo que os separa da divindade seja atenuado, por isso fazem votos de serem pessoas melhores, de viverem essa ou aquela virtude. Também se fazem votos na busca de cura dos

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males físicos, doenças e enfermidades. Outra forma de voto é o pedido de proteção divina. O voto sempre pressupõe uma resposta do fiel para com a benevolência do sagrado, ou seja, sempre é acompanhado de uma promessa: “se eu receber isso, eu faço aquilo”. Seria quase que uma “barganha” espiritual (GOMES GORDO, 2015, p.31).

A palavra voto, no sentido religioso, foi empregada posteriormente pela Igreja

Católica para designar a consagração religiosa de pessoas que buscam viver a

configuração com Cristo. Os religiosos emitem votos de pobreza, castidade e

obediência. Percebemos com isso que, apesar das muitas formas de ser

empregada, a essência da palavra permanece, como um “contrato”. Com o ex-voto

esta concepção de “contrato” é salientada.

O ex-voto é o cumprimento da promessa. Quando o fiel faz um voto a uma

divindade ele faz um contrato de cumprimento, caso a divindade faça sua parte em

atendê-lo. Depois de alcançar a graça, por intermédio da divindade de sua devoção,

o devoto cumpre a sua parte no acordo, que é externar o agradecimento.

EX – o prefixo “ex”, também de origem latina, significa “pôr para fora”. Dessa

forma, é compreensível a real definição de ex-voto, como cumprimento externo, por

parte do devoto, do contrato estabelecido com o sagrado.

O acordo é firmado pela fé, e mesmo que tenha sido feito em segredo (entre

ele e a divindade), mesmo que ninguém saiba desse acordo... o fiel sabe. E não é

qualquer acordo, pois a promessa não poderá ser quebrada, o prometido foi feito

para “alguém” que tem poderes superiores sobre ele.

O acordo brota da fé daquele que quer receber a graça com aquele que pode dar a graça, por isso a promessa quase sempre é um segredo que o fiel guarda para si, em seu íntimo. Quando a graça é alcançada e o “milagre” realizado é hora de externar a gratidão, colocar para fora como testemunho para os outros o que a divindade fez em seu favor. Os ex-votos são o cumprimento externo da graça recebida, e tentam materializar em símbolos imagéticos o benefício recebido (GOMES GORDO, 2015, p. 31, 32).

Podemos dizer que o acréscimo do prefixo “ex” diante da palavra “voto” seria

a consequência de um acordo firmado (pela fé) e executado com sucesso. O

sagrado fez a sua parte, agora por meio do “ex” (do colocar para fora), o devoto

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cumpre a sua parte no acordo e testemunha o poder da divindade. É um testemunho

para os seus iguais do poder daquela entidade, mas é também um “afago”, um

presente (material), que o devoto imagina ser do agrado dessa mesma divindade.

Esta relação de fé entre o devoto e a entidade pressupõe que o fiel imagina

ter uma relação de intimidade com esta força sagrada, ao ponto de intuir e saber

com precisão o presente que mais agradaria à entidade de sua devoção.

Figura 3 - Placa de granito – ex-voto romano – Braga (Portugal)

Fonte: Arquivo do autor

A expressão ex-voto foi usada desde o princípio da religião da antiga Roma,

para expressar o mesmo significado utilizado hoje. No Museu de Arqueologia D.

Diogo de Sousa na cidade de Braga (Portugal), encontramos uma peça de real

sentido histórico para os estudiosos dos ex-votos; uma placa de granito de quase

um metro de altura, datada do século II d.C., com a seguinte inscrição em latim:

“Asclepio et Hygiae Marcvs ex-voto”, que quer dizer – “A Asclépio e a Higia, Marcus,

segundo voto”.

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A expressão ex-voto se popularizou em todo o mundo graças ao catolicismo

que até a metade do século vinte mantinha como língua oficial de seus ritos a língua

latina. Assim, mesmo em países em que o latim não foi a gênese da língua local, o

termo ex-voto não exige tradução, é empregado tal qual, embora em alguns países o

hífen não seja utilizado, como em espanhol por exemplo.

Figura 4 - Altar lateral e detalhe – Catedral de Mainz (Alemanha) – construído como ex-voto

Fonte: Arquivo do autor

Na catedral de Mainz, na Alemanha, dedicada a São Martinho e construída

em estilo romano há mais de mil anos, encontramos um altar lateral construído como

pagamento por uma graça alcançada. Na base do altar, é possível ler a inscrição “ex

voto”, com isso vemos que mesmo em países com ramo de línguas germânicas

ocidentais, o termo “ex-voto” é empregado (exvoto). Fatos semelhantes

encontramos em outras localidades do mundo, provando assim a universalidade do

termo e o seu emprego.

Alguns sinônimos de ex-votos também podem ser utilizados para designar

uma oferta do devoto a uma divindade: oferta – oferecer algo em agradecimento, ou

em troca de (alguma coisa); sacrifício – o sacrifício pressupõe uma atitude

“penitencial” como agradecimento, podem ser peregrinações, procissões com os pés

descalços, até o sacrifício de animais em algumas religiões.

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2.2 O ex-voto é comunicação

A prática votiva dos ex-votos é uma forma material (simbólica) do devoto se

relacionar efetivamente com as suas divindades. O símbolo, como já dissemos,

necessita de um entendimento comum de seu significado. O ex-voto tem esse poder

simbólico comunicacional, mesmo que os devotos não tenham dados empíricos para

afirmar que a entidade sagrada, de fato, esteja feliz com o agradecimento material;

existe, no entanto, um código entre os fiéis.

O testemunho de um é entendido pelo outro. Dessa forma, essa comunicação

devocional se torna publicidade, tanto para o “santo” quanto para o agraciado.

O ex-voto como peça devocional, geralmente não tem valor em si, pois em

sua grande maioria são confeccionados de matérias simples, o seu valor está no

significado simbólico e comunicacional:

Se o milagre foi em benefício da cabeça, o fiel devoto confecciona ou manda fazer, ou compra uma cabeça, seja ela de cera, madeira ou isopor. O objeto não é a cura, pois seria impossível materializá-la, portanto surge o símbolo como linguagem palpável aos olhos e ao entendimento, que Castoriadis (2010, p. 155) define como imaginário efetivo, não da coisa em si, mas daquilo que se imagina sobre determinada situação. O ex-voto é o imaginário efetivo, não se pode determinar o que a divindade gostaria de receber em recompensa por ter realizado determinada graça, mas o fiel materializa o imaginário sobre a forma de identificação, participação ou de causação (GOMES GORDO, 2015, p. 32).

O pensamento de Castoriadis é referenciado para defender a ideia do valor

do ex-voto como imaginário efetivo. Com base ainda em Cornelius Castoriadis

(2010, p. 154), podemos destacar essa afirmação: “O delírio mais elaborado bem

como a fantasia mais secreta e mais vaga são feitos de ‘imagens’, mas estas

‘imagens’ lá estão como representando outra coisa; possuem, portanto, uma função

simbólica”. É o imaginário que se tem da divindade que determina o tipo de símbolo

(ex-voto) que será “posto para fora” em agradecimento pela graça recebida.

O fiel imagina um santo ou um deus poderoso, inclusive possuidor do dom de

interferir (para o bem ou para o mal) em sua vida (bênção – castigo). Mas é difícil

imaginar um ser que seja alheio à sua natureza humana. As representações das

divindades atribuem a elas características divinas, porém com traços extremamente

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humanos. Por essa razão, intuísse, de forma imaginária e simbólica, os presentes

que entes sagrados gostariam de receber. São projeções de nossos desejos de

sermos recompensados por algo que fizemos, que nos faz imaginar que o divino

também deseja ser “bajulado” por algo de bom que ele tenha realizado.

O ex-voto não é uma peça votiva simplesmente, é o agradecimento genuíno,

com toda sua riqueza simbólica, de uma pessoa que se viu tocada pelo sagrado e,

por essa razão, se sente em dívida eterna com o ente santo que olhou para ele no

momento em que ele mais precisava: “Por ‘menor’ que seja, aos olhos dos outros, o

que o fiel tenha recebido, para ele é prova concreta de que não caminha sozinho,

ele é assistido por uma força maior. Essa crença, com toda certeza preenche de

sentido a existência dessas pessoas” (GOMES GORDO, 2015, p. 33).

Existe uma força comunicacional nas expressões votivas por meio dos ex-

votos. Um desejo de tocar a divindade, de alegrá-la por meio das oferendas, muitas

vezes, materiais, ou até mesmo, por meio de gestos espirituais, como caminhar

descalço em uma procissão, por exemplo.

O elemento material (simbólico) é fundamental para que o agraciado se sinta

de fato ouvido. Por essa razão, é comum que em igrejas católicas, o fiel, além de

rezar para o seu santo de devoção, se aproxime dele (imagem) na tentativa de tocar

aquela representação. Este gesto não é apenas um toque, mas uma profunda

comunicação entre as aspirações mais secretas do devoto com a entidade que (em

seu entendimento) sabe de sua vida e das situações difíceis pelas quais ele está

passando.

Em todas as religiões existem formas concretas de comunicação material com

as divindades, as liturgias, os ritos, os gestos que nos colocam em diálogo com o

sagrado. Porém, é na religião popular que as formas de relação comunicacional

entre divindade e devotos são perceptíveis em profusão. Na religiosidade popular, o

fiel se vê livre de muitas “amarras” que são impostas pelas instituições, deixando vir

à tona elementos de sua natureza.

A religiosidade popular ensina-nos que a possibilidade de empregar símbolos, de compreender a linguagem mitológica, de praticar atos e fazer gestos simbólico-rituais para expressar o mundo religioso constitui componente profundamente humano e religioso,

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componente, aliás, irrenunciável (DICIONÁRIO DE LITURGIA, 1992, p. 1011).

O costume de oferecer ex-votos para as divindades, muitas vezes, nasce

espontaneamente, por vontade, e até mesmo por memórias afetivas dos próprios

fiéis. Nem sempre a instituição protagoniza o elo de aproximação entre o devoto e a

sua divindade.

Luiz Beltrão12, o pai da Folkcomunicação, além de considerar o ex-voto como

comunicação, defendeu a teoria de que os ex-votos são veículos jornalísticos,

potencializando assim o entendimento de que esta prática votiva, além de ser

diálogo comunicacional entre o penitente e o sagrado, e entre o penitente e os seus,

seria também um registro histórico. Afirma que o simbólico, deixado como prova da

graça alcançada, conta a história de uma localidade, de um tempo, são “crônicas”

jornalísticas.

Beltrão, no ano de 1965 na revista Comunicação & Problemas publicou o seu

célebre artigo “O ex-voto como veículo jornalístico”, tão citado e revisitado por

pesquisadores. O artigo é considerado a gênese da corrente de pesquisa acadêmica

fundada por Luiz Beltrão, a “folkcomunicação”, que aproxima as manifestações

culturais, de modo especial as folclóricas, das pesquisas em comunicação social e

em outras áreas multidisciplinares.

2.3 Ex-votos nas origens das práticas religiosas

É praticamente impossível determinarmos o aparecimento dos ex-votos como

prática religiosa, sabemos, contudo, que não há uma separação entre uma coisa e

outra, pois as manifestações religiosas, segundo dados antropológicos,

contemplavam uma possível troca de agrados, entre o humano e divindade cultuada.

Este fenômeno não foi exclusivo de uma religião ou uma região do planeta,

mas constata-se que as religiões ou as espiritualidades, desde sempre e em todos

os lugares, foram marcadas fortemente por este diálogo de retribuição de duas vias.

O divino retribui o ser humano com graças; e o ser humano, por sua vez, retribui o

12

Sobre a teoria da Folkcomunicação criada por Luiz Beltrão e a importância dos ex-votos nestes estudos, daremos destaque no quarto e último capítulo.

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sagrado com oferendas. Muito embora defendamos a ideia de que os ex-votos

estejam na essência de toda prática religiosa desde a sua origem, precisamos datar

algumas manifestações devocionais que não só aproximam uma coisa e outra, mas

provam que são inseparáveis.

A simbiose entre a crença e a oferenda pode ser verificada de forma científica

no período pré-histórico:

Os rituais de fertilidade da terra, na qual os aspectos mágicos da religião se sobressaem, de modo especial no período do Paleolítico Superior (entre os anos 35.000 – 10.000 a.C.), reforça a relação dos habitantes dessa época com o ciclo reprodutivo da terra. Escavações arqueológicas em algumas regiões da Europa encontraram objetos que constatam uma evolução no manejo da agricultura e da relação dos indivíduos com a natureza, são inúmeros anzóis rudimentares, como também instrumentos de aragem da terra e machados manuais. Durante esse período o ser humano é reconhecido pelos cientistas como Homo Sapiens, talvez por isso a relação com a

natureza esteja marcada de rituais mágicos com base no agrário e no entendimento da terra como “deusa-mãe”, levando, assim, as práticas de agradecimento ao ciclo (morte-vida) da vegetação, com oferendas de exemplares dos frutos colhidos. Essas oferendas representam, ainda que de forma primitiva, os ex-votos (GOMES GORDO, 2015, p. 34,35).

Ainda dentro do período compreendido como pré-história, mas agora focando

no mesolítico, que seria a transição entre o paleolítico (idade antiga da pedra) e o

neolítico (idade nova da pedra) – período esse que compreende os anos de 10.000

– 5.000 a.C., temos os estudos do antropólogo A. Rust que, em várias de suas

descobertas, encontrou vestígios contundentes sobre a relação do homem pré-

histórico com as divindades por meio das oferendas. Mircea Eliade, sobre os

estudos de Rust, escreve:

O lago de Stellmoor era provavelmente tido como “lugar sagrado” pelos caçadores mesolíticos. Rust recolheu na jazida numerosos objetos: flechas de madeira, ferramentas de osso, machados talhados em galhadas de renas. É muito provável que eles representem oferendas, como acontece com os objetos da Idade do Bronze e da Idade do Ferro encontrados em alguns lagos e lagoas da Europa ocidental. Sem dúvida, mas de cinco milênios separam os dois grupos de objetos, mas a continuidade desse tipo de prática religiosa é inquestionável (ELIADE, 2010, p. 41,42).

Eliade, com base nos estudos de Rust, destaca algo que nos parece

fundamental em nosso estudo, a prática disseminada da oferenda nas

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manifestações religiosas da antiguidade. Mircea Eliade (2010, p. 42, grifo nosso), ao

continuar seu raciocínio, destaca algo que para nosso estudo é fundamental: “Na

fonte chamada Saint-Sauveur (floresta de Compiègne) foram encontrados objetos de

sílex da época neolítica (quebrados intencionalmente como sinal de ex-voto)”.

As oferendas aos deuses, no período pré-histórico, são de grande variedade,

desde instrumentos de caças; partes da caça oferecidas como sacrifício; sementes e

frutos em agradecimento à colheita; bonecos (de argila) em formato de animais ou

mesmo no formato humano. Os bonecos em formato humano, oferecidos em

santuários de diferentes partes do mundo, seriam uma espécie de “duplo orante”, ou

seja, como que uma extensão do devoto. A sua imagem, representada no boneco,

estava em oração constante e perpétua diante da divindade. Podemos constatar a

presença dessa simbologia do “duplo orante” em manifestações religiosas da

Europa, Ásia e América. O “duplo orante” funcionaria, em termos práticos, como um

ex-voto, era tanto um agradecimento (perpétuo), como também um pedido de

proteção por toda vida.

Na América do Sul, em comunidades pré-colombianas, era muito comum nos

rituais religiosos oferecer os bonecos (representações humanas) como oferenda aos

deuses cultuados. O mais curioso dessa tradição latino-americana é que os bonecos

eram ocos, e dentro deles eram ofertados uma série de dádivas para as divindades,

como sementes, presentes, mechas de cabelos e pequenos objetos considerados

valiosos.

Na região que hoje é a Colômbia, entre os muitos povos que viviam nestas

localidades em diferentes partes da história, destacamos a cultura “Muisca” da

Cordilheira Oriental – de aproximadamente 5000 a.C., os duplos orantes eram

oferecidos em templos, nos caminhos considerados sagrados, na beira das

plantações, nos lagos. O intuito era assegurar os bens já existentes, propiciar a

fertilidade e a saúde.

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Figura 5 - Exemplo de “duplo orante” pré-colombiano – Museo de La Plata (Argentina)

Fonte: Arquivo do autor

Maria Augusta Machado da Silva, pesquisadora e museóloga, destaca os

primeiros objetos que, segundo ela, representam uma linguagem individual entre os

seres humanos e os deuses. Estes objetos são sumerianos13, ela escreve também

sobre o papel do duplo orante. Vemos nesta descrição uma similaridade muito

grande com os ex-votos:

Os primeiros objetos que testemunham o relacionamento individualizado entre homens e deuses situam-se na faixa de 2.800 a.C. São sumerianos e eram depositados nos templos, onde exerciam a função de “duplos-orantes” em permanente adoração aos deuses. Às inúmeras estatuetas votivas juntaram-se os numerosíssimos amuletos, configurando duas modalidades votivas. O “duplo-orante” atrairia a proteção dos deuses propiciados pela oração perpétua. O amuleto, impregnado com a sacralidade dos deuses, projetaria para fora do espaço sagrado e sobre o seu portador a proteção invocada. Em síntese: a essência do ofertante, impregnada no objeto mimético, caracterizava a primeira modalidade;

13

A Suméria é considerada por muitos pesquisadores como a civilização mais antiga da humanidade, ficava na região da Mesopotâmia. Sua principal cidade era Ur, inclusive citada no livro do Gênese do Antigo Testamento bíblico: 11,28; 11,31; 15,7.

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e a essência da divindade, impregnada no amuleto, tipificava a segunda (SILVA, 1981, p. 21).

Os sumérios eram politeístas, assim como quase todas as formas de crenças

antes do judaísmo. Um mesmo povo cultuava uma grande diversidade de deuses,

muitos desses deuses tinham um caráter funcional, cada um atendia um aspecto da

vida, ou uma necessidade.

Veremos, a seguir, algumas religiões antigas, o relacionamento

comunicacional que esses devotos estabeleciam com o sagrado, sobretudo por meio

do ex-voto.

2.4 Ex-voto presente nas religiões antigas

Quando pensamos em religiões antigas, algumas formas de crenças se

destacam, mas sabemos que existiam muitas outras práticas religiosas em todo o

mundo. Nossa intenção é mapear de forma sucinta - não todas - pois essa pesquisa

seria impossível, mas algumas que estabeleciam a comunicação com suas

divindades por meio de oferendas muito similares ao que entendemos hoje como ex-

votos.

Vale ressaltar que a maioria dessas religiões antigas eram contemporâneas

umas das outras, o período compreende mais ou menos três milênios a.C.. Estamos

falando de uma época em que muitas culturas já haviam estabelecido códigos

gráficos de escrita. Destacamos onze14 expressões religiosas antigas, muitas delas

ainda estão presentes em nossos dias com as mesmas cargas simbólicas, ou

reinterpretadas, porém nos chama a atenção que o elemento “oferenda” sobrevive

como diálogo entre os seus devotos com suas divindades.

Destacaremos justamente essa comunicação íntima, em que o ex-voto é a

materialização mais visível desse desejo comunicacional.

14

São incontáveis as formas antigas de religião, de comunicação dos nossos antepassados com suas divindades. Selecionamos dez a título de ilustração, porém temos aqui uma oportunidade de futuras pesquisas de associar a prática dos ex-votos com essas manifestações antigas de religião.

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a- Mesopotâmica (Suméria)

Na região da Babilônia se destacam dois grupos culturais antigos: o da

Suméria e o de Akkad. Nossa pesquisa priorizará o povo sumério, pois como já

pontuamos, as oferendas eram práticas comuns em seus rituais religiosos.

O universo, segundo os sumérios, era governado por uma espécie de

panteão, formado por diferentes divindades (em geral, seres de formato humano,

porém com poderes supremos, como a imortalidade, por exemplo). Eram entidades

que tudo governavam, e os seres humanos estavam sujeitos aos seus julgos,

castigos e bênçãos. São muitas as divindades sumérias, porém os deuses

considerados os pilares do universo eram quatro: An, deus do céu; Ki, deusa da

terra; Enlil, deus do ar e Enki, deus da água. Como vemos, era uma religião

cósmica, em que os elementos naturais ganhavam status de deuses. Neste panteão,

recebem destaques também a figura de Inanna, a rainha dos céus; En-Ki, deus dos

“fundamentos”, senhor da terra e Baal, deus da tempestade (considerado

temperamental e vingativo). Em torno dos deuses, se construíam lendas mitológicas,

que buscavam explicar a vida.

Convém destacar que o culto ao deus Baal começou com os sumérios, mas

se espalhou por toda a região. Mesmo depois, com o surgimento de outras formas

religiosas, a devoção a esse deus persistia.

Baal é citado inúmeras vezes no Antigo Testamento bíblico, como ídolo

oponente ao Deus (único) do povo israelita. Citamos um trecho do livro do profeta

Jeremias (11,11-17), que faz tanto referência ao deus Baal quanto ao tipo de culto

que se prestava a ele, com oferendas em seus altares:

Por tal culpa, assim declara o Senhor: vou descarregar sobre eles uma calamidade, da qual não poderão escapar. E, quando gritarem por mim, eu não os escutarei. Então, as cidades de Judá e os habitantes de Jerusalém irão apelar para os deuses ante os quais queimaram incenso. Esses deuses, porém, não os salvarão no momento da catástrofe, porque, ó Judá, possuis tantos deuses quantas são tuas cidades; e quantas ruas tens em Jerusalém, tantos altares de infâmia ergueste para neles queimar oferendas em honra de Baal. Quanto a ti, não intercedas por esse povo, nem ores por ele, nem supliques, porque ao tempo de sua desgraça, quando clamarem por mim, não os escutarei. Por que cometeu minha bem-amada tanta maldade em minha casa? Porventura teus votos e as carnes imoladas apartarão de ti teus males, para que possas exultar?

Verdejante oliveira de belos frutos - tal o nome que te dera o Senhor.

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Ao estrépito, porém de imenso ruído ateou-lhe fogo, e se queimaram seus galhos. O Senhor dos exércitos, que te plantara, decretou a calamidade contra ti por causa dos crimes cometidos pela casa de Israel e pela casa de Judá, causando-me revolta os sacrifícios que fizeram em honra de Baal (BIBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 1051).

A relação dos sumérios com as divindades pode ser entendida com uma

explicação de Micea Eliade (2010, p. 69, grifo nosso):

O homem [...] partilhava de algum modo a substância divina: o sopro vital de En-ki ou o sangue dos deuses Langa. Isso significa que não havia uma distância intransponível entre o modo de ser da divindade e a condição humana. É verdade que o homem foi criado com objetivo de servir os deuses, os quais, antes de tudo, necessitavam ser alimentados e vestidos. O culto era concebido como um serviço aos deuses. Entretanto, se os homens são os servidores dos deuses, nem por isso são seus escravos. O sacrifício consistia sobretudo em oferendas e homenagens.

Figura 6 - Vaso de Warka – procissão com oferendas para a deusa Inanna. Bagdá (Iraque)

Fonte: Amyett, 2013

Os sumérios consideravam os seus deuses figuras com poder, porém lhes

conferiam características humanas, da mesma forma eles tinham consciência que a

divindade habitava em seus corpos, de forma que fica fácil imaginar que a

comunicação entre essas pessoas com as suas divindades era de intimidade. Neste

caso, as oferendas apareciam como algo natural: “eu ofereço isso, pois sei que

ele(a) gostará”. No imaginário desse povo, o gosto dos deuses não era diferente do

nosso (humano).

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Uma peça arqueológica datada de 3.200 a.C., denominada “Vaso de Warka”,

retrata em relevo sobre alabastro, uma espécie de procissão, na qual os devotos

levavam suas oferendas (ex-votos) para homenagear a deusa Inanna, em

agradecimento pela boa colheita. A cena retratada se assemelha muito aos ritos de

procissão com oferendas que vemos em nossos dias, sobretudo no catolicismo

popular e nas religiões de matriz africana.

b- Egípcia

Com relação ao Egito antigo, não podemos falar de uma religião específica,

pois existiam muitas manifestações religiosas que concorriam entre elas. É

indiscutível o papel da religião no Egito, pois toda a cultura desse povo girava em

torno de elementos religiosos, vemos isso, sobretudo, na arte e na arquitetura.

A crença do Egito antigo também era politeísta, uma variável muito grande de

deuses e deusas povoava o imaginário dos egípcios que criaram mitos para explicar

cada um deles. Entre os deuses com maior “popularidade”, destacamos: Osíris, o

deus da morte; Ísis, deusa da maternidade e da magia, o seu culto se espalhou por

várias regiões como Grécia e Roma; Hórus era filho de Osíris e Ísis, considerado o

deus dos céus.

A mitologia em torno da tríade de deuses girava em torno da vida, da morte e

do ressurgimento, dessa forma entendemos as principais manifestações materiais

de fé dos egípcios, a preocupação com os seus mortos; e com a própria morte,

havia uma preparação intensa para esse momento e para o momento pós-morte. A

mumificação é um exemplo claro disso.

Sobre os três principais deuses do Egito antigo e a sua relação com os ex-

votos, Maria Augusta Machado da Silva (1981, p. 21,22), escreve:

No Egito o mito do deus que morre e ressuscita identificou-se com a fertilidade trazida com as cheias do Nilo, e foi fixado na grande tríade formada por Ísis (deusa do amor, dos casamentos, do trigo e da medicina), Osíris (deus dos mortos e cujo corpo, após haver sido estraçalhado por seu irmão Set, deus-crocodilo, foi recomposto por sua irmã-esposa Ísis) e Hórus (jovem deus frequentemente representado com cabeça de falcão, filho de Íris e Osíris), que, depois de haver representado o Céu, acabou por simbolizar o Sol. No período da expansão greco-romana, o culto a Ísis difundiu-se pela Grécia, Itália, Gália, Bretanha e todo o Ocidente. Em Portugal, na parede externa da Sé de Braga, há uma lápide votiva a Ísis.

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Inúmeras peças votivas foram colocadas nos templos egípcios, destacando-se, na categoria de ‘duplos-orantes”, as figurinhas que representavam guerreiros às vésperas de partir para os combates e que buscavam proteção dos deuses. Também os amuletos podiam ser encontrados em grande quantidade naqueles templos.

Um fato curioso que vale a pena ser destacado neste estudo, além daquilo

que já falamos, é a crença dos egípcios na deusa Basted (que era uma deusa gata,

ou uma mulher com cabeça de gata). Essa deusa simbolizava os poderes do Sol,

também estava associada à Lua, sendo a protetora das mulheres grávidas e dos

partos. O seu culto era popular em várias localidades, porém se concentrava,

sobretudo, em Bubastis, desde tempos remotos (2575 a 2134 a.C.).

O site facinioegito, produzido por Ismael de Sá Neto (1998, p. 1, grifo nosso),

faz referências aos ex-votos oferecidos à deusa Basted no Egito Antigo:

DURANTE O TERCEIRO PERÍODO Intermediário (c. 1070 a 712 a.C) começaram a ser construídas necrópoles para abrigar múmias de gatos. Esses animais eram criados no templo de Bubastis com o objetivo de serem sacrificados à deusa e mumificados. Devotos da divindade adquiriam tais múmias que eram envoltas em tecido, colocadas em sarcófagos feitos sob medida e enterradas como oferendas à Bastet em túmulos subterrâneos cobertos com uma abóbada. Quando os reis líbios da XXII dinastia (c. 945 a 712 a.C.) fizeram de Bubastis sua capital, por volta de 944 a.C., o culto da deusa tornou-se particularmente desenvolvido. A PARTIR DA XXVI DINASTIA (664 a 525 a.C.), agora já no chamado Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.), tornou-se comum os adeptos da deusa lhe oferecerem, em seus templos, ex-votos na forma de estatuetas que representavam a divindade sob a forma de gato. Feitas geralmente de bronze, mas também de outros

materiais, as esculturas costumavam trazer no pescoço um colar ou o olho Uedjat e brincos de ouro nas orelhas. Ao ser representada na forma humana podia trazer nas mãos um cetro, uma planta de papiro, um sistro, instrumento musical que tocava nas festividades, etc. No braço podia carregar um cesto que, às vezes, aparece cheio de gatos.

Curiosamente, próximo aos templos dedicados à deusa Basted, arqueólogos

encontraram alguns cemitérios (de animais) repletos de gatos mumificados em uma

espécie de oferecimento à divindade. O gato mumificado funcionaria como uma

espécie de ex-voto para agradar a deusa.

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Figura 7 - Gato Mumificado – oferenda (espécie de ex-voto) à deusa Basted (Egito) – Museu

Britânico

Fonte: Reeve, 2006

A oferenda nas práticas religiosas egípcias não eram exceções, mas toda

religiosidade foi marcada fortemente pelo relacionamento simbólico da “troca”, do

pagamento de promessa para com as divindades.

c- Grega

As características da religião grega, bem como a romana fortemente

influenciada pela grega, mereceriam um estudo à parte, pela riqueza de elementos

constituídos, sobretudo mitológicos. Porém, citaremos os principais elementos dessa

cultura religiosa antiga, destacando de modo especial nosso objeto de estudo, os ex-

votos.

A religião da Grécia Antiga professava a fé em doze principais deidades,

geralmente associados com as forças da natureza, que viviam no Monte Olimpo, o

local dos deuses. As deidades eram concebidas em torno de mitos que regiam a fé,

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cada um dos deuses tinham características extremamente humanas, todos passíveis

de acertos, mas também de erros. As virtudes dos deuses conviviam pacificamente

com seus vícios. Porém, os deuses eram imortais, diferenciando-se assim dos seres

humanos.

Dos doze deuses superiores do Olimpo, destacamos: Zeus, deus de maior

poder, regia sobre deuses e humanos, associado ao relâmpago; Hera, esposa de

Zeus, deusa do matrimônio, do parto e da família; Posêidon, deus do oceano, irmão

mais velho de Zeus; Atena, deusa da sabedoria, filha de Zeus. Como vemos, no

Monte Olimpo, os deuses eram quase todos ligados mitologicamente por laços

familiares.

Figura 8 - Imagem de Asclépio (século III a.C.) – terracota – Museu Britânico

Fonte: Arquivo do autor

Existia também, entre os deuses maiores, o deus Apolo, deus do sol. Apolo,

segundo a mitologia, envolveu-se em uma relação amorosa com uma mortal,

chamada Corônis. Dessa relação nasceu Asclépio, um deus menor, deus da

medicina. Segundo o mito, ele nasceu de cesariana, após a mãe ser morta por

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Apolo. Asclépio foi criado por um centauro chamado Quíron, foi este que ensinou as

técnicas de cura a Asclépio. No exercício da medicina, ele curou várias pessoas,

inclusive, segundo a lenda, trazia mortos de novo à vida, por esse dom, seu pai se

encolerizou e o matou com um raio. Porém, mesmo depois de morto, foi digno do

culto dos seres humanos, e sua fama de médico “espiritual” se espalhou por várias

localidades, inclusive, templos foram erguidos a ele.

Em grego seu nome era Asclépio; e no latim, uma vez que seu culto se

popularizou também entre os romanos, recebeu o nome de Esculápio (GOMES

GORDO, 2015, p. 39).

Todos os deuses, desde os maiores até os menores, recebiam ex-votos como

agradecimentos por graças alcançadas, mas sem dúvida nenhuma foi com a

devoção a Asclépio que essa prática se consolidou entre os gregos e também

romanos.

Figura 9 - Ex-votos oferecidos a Asclépio (Útero, intestino, olho, orelha, seio em terracota) –

(Século III a.C.) – Museu Britânico

Fonte: Arquivo do autor

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Alfons Weiser, sobre os ex-votos oferecidos a Asclépio, escreve:

Dos trezentos santuários a ele consagrados, os mais famosos eram os de Cós, Corinto, Atenas e Pérgamo. Mas foi Epidauro que se tornou o mais importante centro do culto de Asclépio. No século IV a.C., o arquiteto local Teodoro erigiu o templo de Asclépio. Deve-se a Trasimedes de Paros a estátua de Asclépio no trono, com o bastão, a serpente e o cachorro. Inúmeros peregrinos se dirigiam a Epidauro, em busca de alívio, e muitos eram os que voltavam curados. Dessas curas ainda hoje nos falam, p. ex. sessenta inscrições gravadas em placas de pedras, bem como uma série de ex-votos que chegaram até nós (WEISER, 1978, p. 39).

Alguns exemplares de ex-votos oferecidos a Asclépio podem ser vistos hoje

expostos no Museu Britânico, é impressionante as semelhanças desses objetos com

alguns tipos de ex-votos que encontramos atualmente em santuários, ermidas e

cruzeiros espalhados em diferentes partes do mundo.

d- Romana

É impossível pensar em uma sociedade romana antiga, sem pensarmos

também no fator religioso, não existia separação do que era da esfera cívica e do

que era da religião, a crença sobrenatural regia toda vida dessa sociedade. Com

respeito a esse fato, ao estudar sobre a origem de Roma, o professor da

Universidade de Paris, Alexandre Grandazzi (2010, p. 151), escreve:

A religião lembra-se então do nascimento da cidade, porque é esta que lhe fornece o ambiente em que ela se define como fenômeno coletivo e público: assim, a religião romana arcaica e a cidade inicialmente têm um desenvolvimento interdependente. Dos populi albenses e seus vilarejos espaços na Roma das quatro regiões,

passou-se dos cultos familiares, chamados gentílicos, aos cultos públicos que demandam o arranjo de espaços e construções específicas. Significativamente, a miniaturização dos objetos deixa de ser empregados nos cultos funerários privados para estar presente nos depósitos votivos dos templos.

A cidade cresce ao lado de seus templos, e a prática votiva de oferendas aos

deuses não eram isoladas, mas faziam parte da cultura da essência educativa desse

povo, há registros históricos do surgimento da religião romana desde o século VIII

a.C.. Sobre as obrigações religiosas dos romanos, Regina Maria da Cunha

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Bustamante (2014, p. 110) diz: “não cumprir as obrigações religiosas para com os

deuses abalava a sociedade, pois desequilibrava a ordem do mundo ao provocar a

ira divina. Não havia distinção entre laico e o religioso; a religião estava onipresente:

abrangia tanto a vida privada quanto a pública”.

A religião da antiga Roma era politeísta, com muita similaridade com a cultura

grega. Os deuses romanos “concebidos” mitologicamente encontram seus similares

na mitologia grega. Por essa razão, muitos estudiosos não separam as duas

culturas, mas as chamam de greco-romana. Os deuses eram imortais, porém

contraditórios, carregavam tanto as virtudes humanas quanto os seus vícios.

Apresentamos alguns dos principais deuses romanos com os seus correlatos

gregos: Júpiter, o deus do dia (Zeus); Apolo, deus do sol e da medicina (Apolo);

Juno, deusa protetora do casamento, parto e da mulher, de uma forma geral (Hera);

Marte, deus da guerra (Ares); Vênus, deusa do amor e da beleza (Afrodite); Diana,

deusa da lua, da caça e da castidade (Ártemis); Ceres, deusa da fecundidade da

terra e da agricultura (Deméter); Baco, deus do vinho e da alegria (Dionísio); Cupido,

deus do amor personificado (Eros).

A relação comunicacional com esses deuses passava pela prática votiva dos

ex-votos. Duas cidades, Pesto e Lácio, se destacavam neste período por abrigarem

templos de grandes movimentações de peregrinos que buscavam cumprir os seus

votos (GOMES GORDO, 2015, p. 36). O livro Enciclopédia Mariana (1969, p. 810,

tradução nossa) relata a força cultual dos romanos de oferecerem ex-votos aos seus

deuses:

No templo da antiquíssima Lucus Feroniae, descoberto no Lácio junto ao Soracter (cujo saque recorda Tito Lívio feito por Aníbal), foram encontrados milhares de estatuetas em terracota, que representam partes do corpo, animais, inclusive a mesma deusa Ferônia; os dois primeiros tipos eram votos de ação de graças por curas atribuídas a ela, tanto de homens como de animais; o outro tipo indicava o voto propiciatório oferecido para obter a proteção da deusa. Da mesma inspiração são os ‘votos’ encontrados em escavações em Pesto em que Hera-Juno era invocada como protetora da fecundidade e da maternidade. Idênticos detalhes (ex-votos) foram encontrados nas ruínas do templo de Capua.

Todos os deuses romanos, assim como já dissemos dos gregos, recebiam

oferendas de agradecimentos por graças alcançadas, porém se destaca na religião

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romana antiga o deus da medicina Esculápio, sendo o seu correlato grego o deus

Asclépio.

Figura 10 - Ex-voto (placa votiva dedicada a Esculápio – I d.C.) - Museu Nacional de

Arqueologia de Lisboa

Fonte: Arquivo do autor

No Museu de Arqueologia de Lisboa (Portugal), encontramos um ex-voto em

formato de placa votiva (mármore), oferecido a Esculápio. A peça é datada do

século I d.C., vale ressaltar que a devoção aos deuses romanos se espalhou por

todas as regiões de domínio do Império Romano. Na placa escrita em latim,

podemos ler: “Consagrado a Esculápio, por Marcus Afranius Euporio e Lucio Fabius

Daphnus, augustais, como oferenda deram”.

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e- Creta (minoica)

Creta é uma grande ilha do Mediterrâneo, localizada ao sul da Grécia, no mar

Egeu. Podíamos ter incluído os aspectos religiosos arcaicos dessa ilha na descrição

da religião da Grécia antiga, porém sua simbologia e mitos são próprios, de grande

riqueza cultural, sobretudo com relação ao nosso objeto de pesquisa que é o ex-

voto.

Quase tudo que se sabe sobre a Creta antiga é fruto de escavações

arqueológicas. Segundo o John L. Mackenzie (1983, p. 194), a antiga história de

Creta teve três períodos denominados de “minoicos” por causa de Minos – que

segundo a mitologia grega era o rei de Creta, filho de Zeus com a princesa Europa:

“o minoico primário (3.400 – 2.000 a.C.), o minoico médio (2.000 – 1.580 a.C.) e o

minoico tardio (1.580 – 1.250 a.C.).”

As escavações são provas de que Creta era uma civilização bastante

avançada contendo grandes construções e palácios requintados. Eles dominavam a

escrita, chamada hoje de Linear B de Creta, que começou a ser decifrada por um

grupo de pesquisadores liderados por Michael Ventris (MACKENZIE, 1983, p. 194).

A decifração da escrita Linear B de Creta é essencial na compreensão dos

elementos religiosos presentes nessa cultura.

O culto minoico era, sobretudo, orientado por dois pilares: animista (com base

na relação com a natureza e com a vegetação) e feminista (a presença maciça de

deusas, como a deusa-mãe, por exemplo). A conclusão para essa teoria são as

escavações arqueológicas de Gnossos15, sobre a predominância feminina no

imaginário religioso dos minoicos, Mircea Eliade nos diz:

As estatuetas femininas multiplicaram-se durante o neolítico, elas são caracterizadas por uma saia em forma de sino que deixa os seios à mostra, e pelos braços levantados num gesto de adoração. Quer representem ex-votos ou “ídolos”, essas estatuetas indicam a preeminência religiosa da mulher e principalmente a primazia da deusa. Os documentos posteriores confirmaram essa primazia. A julgar pelas representações de procissões, festas palacianas e cenas de sacrifícios, o pessoal feminino desempenhava um papel considerável. As deusas são representadas cobertas por um véu ou

15

Considerado o maior sítio arqueológico de Creta, através das escavações, percebeu-se a importância desse local para vida pública, política e religiosa de seus habitantes, sobretudo no período da idade do bronze (mais ou menos 3.000 a.C.).

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parcialmente nuas, as mãos contra os seios, ou os braços erguidos em sinal de bênçãos. Um sinete de Gnossos mostra a Dama das Montanhas inclinando o cetro em direção a um adorador do sexo masculino que tapa os olhos (ELIADE, 2010, p. 134).

Também sobre o culto minoico e a predominância das divindades femininas e

as oferendas (ex-votos) dedicadas a elas, Maria Augusta Machado da Silva, ao

escrever sobre a religião fenícia, destaca a fé dos povos antigos de Creta:

Do começo da Idade do Bronze até o ano 2.000 a.C., no Mediterrâneo antigo, os cultos dedicados à deusa-mãe foram apaixonadíssimos. Em Creta, Astarté (deusa-mãe) se unirá a Adônis, deus fenício de extraordinária beleza que morrerá atacado por um javali, recriando uma nova versão para o mito órfico. A religião micênico-cretense, de nítida preponderância feminina, caracterizou-se pela exaltação à Vida em seus aspectos cotidianos. Nos seus templos foram depositados inúmeras peças votivas, muitas das quais apresentam tipologias curiosamente bem próximas das escultóricas arcaizantes produzidas no Brasil. (DA SILVA, 1981, p. 22).

Quando Maria Augusta diz da semelhança das esculturas apresentadas como

ex-votos nos templos de Creta 2.000 anos antes de Cristo, com as que encontramos

ainda hoje no Brasil, são os inúmeros ex-votos representando partes do corpo

humano, como cabeças, pernas, braços, ou até mesmo representações escultóricas

humanas.

Uma referência inegável da entrega de ex-votos aos deuses na cultura

religiosa minoica é o Sarcófago de Hagia Triade16 – e toda a sua simbologia pictórica

que ornamenta este sarcófago que atualmente está exposto no Museu Arqueológico

de Heraclião (Grécia). O sarcófago é datado do século XIV a.C., do período minoico

tardio, e foi encontrado no começo do século passado (1903).

É uma peça de pedra de calcário, toda recoberta de afrescos recobrindo

todas as dimensões. As inscrições pictóricas dessa peça são um retrato da pintura

em mural da cultura minoica, embora elementos culturais e religiosos de outras

culturas também apareçam no afresco.

O que de fato nos interessa neste sarcófago é a incontestável presença dos

rituais de oferendas (ex-votos) às divindades.

16

Hagia Triade é um importante sítio arqueológico cretense (que significa – Santíssima trindade).

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Figura 11 - Sarcófago de Hagia Triade – Museu Arqueológico de Heraclião (Grécia)

Fonte: Pinterest

Em uma das inscrições pictóricas, vemos claramente (do centro para a direita)

uma espécie de rito processional, em que os devotos (três homens) que seguem

para entregar seus ex-votos (animais e um barco) para o (sacerdote / ou deus) que

está diante do templo. Do centro para a esquerda vemos duas mulheres segurando

jarros, uma delas se inclina para derramar o líquido em um recipiente apoiado por

dois totens (sobre os totens, vemos dois pássaros, que na religião minoica simboliza

a ligação entre o divino e o humano), essa cena é interpretada por muitos estudiosos

como a oferenda de sangue de animais sacrificados para agradar a divindade. Atrás

das duas mulheres, vemos um homem tocando um instrumento musical, que parece

ser uma lira.

f- Celta

A antiga religião celta, assim como todas as outras já mencionadas, cultuava

uma variedade de deuses e deusas, era uma mística mais voltada para os aspectos

mágicos da natureza, os rituais quase todos seguiam a lógica dos períodos

agrícolas.

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Sendo politeístas, muitos deuses se destacavam, porém a deusa-mãe era

uma das mais veneradas. Dentre as deusas, ganham destaque duas ligadas às

forças da natureza Tailtiu e Macha, e uma terceira chamada Epona, deusa dos

cavalos. Entre os deuses, podemos citar Tan Hill, o deus do fogo; e Goibiniu,

considerado o deus da fabricação da cerveja.

A religião não era institucionalizada, muito embora existissem os Druidas17

(uma espécie de sacerdotes) estes não orientavam moralmente os fiéis, mas faziam

o papel de um feiticeiro ou curandeiro local, evocando a força e o ciclo da natureza

por meio da magia.

As crenças eram rurais, de tribos (do oeste da Europa – tendo por base a

língua indo-europeia), que se espalharam por grande parte da Europa, a maior

expansão dos costumes celtas, sobretudo religiosos se deu por volta do século III

a.C., mas sua origem, apesar de ser incerta, é muito mais antiga (milenar).

Os países conhecidos hoje como Itália, França, Espanha e Portugal

receberam forte influência celta. Assim como vimos em outras religiões antigas, os

mitos ditavam as verdades acerca da religiosidade, em torno de cada divindade se

construía um mito.

Os celtas não construíam templos, seus ritos eram domésticos, de pequenos

grupos, o local de culto muitas vezes era em torno de altares construídos em

florestas e zonas desabitadas.

O historiador Leandro Vilar, em um blog na internet, ao descrever a cultura

religiosa celta ressalta:

A religião celta antiga era de caráter politeísta, animista, dualista (masculino e feminino), naturalista (no sentido de estar muito ligada a natureza e suas mudanças), uma religião ligada à magia, a qual era vista como um poder que emanava do espírito e dos deuses percorrendo o mundo e todos os seres vivos e elementos que nele existissem; acreditava em vida após a morte, em reencarnação (pelo menos por parte do druidismo), embora que não se tenha conhecimento de como era concebida a vida após a morte, os túmulos encontrados revelaram alimentos e bebidas enterrados como oferendas ao morto, possivelmente na ideia de que o mesmo precisaria de mantimentos para poder seguir viagem até a "outra

17

Era uma função tanto masculina (druida), como feminina (druidesa) – a palavra druida significa – sabedoria do carvalho (dura e consistente), ou sabedoria profunda.

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vida". Todavia sabe-se que os celtas possuíam uma forte ligação com a natureza. Antes dos romanos conquistá-los, os celtas não construíam templos propriamente para seus deuses, a maioria das celebrações, ritos e festas eram feitos ao ar livre, geralmente em bosques sagrados, e em alguns casos em cavernas ou em tumbas. [...] Dependendo do povo, os festejos poderiam ser ligados aos ciclos da agricultura como visto entre os gauleses ou ao ciclo do pastoril como visto entre os irlandeses. O ciclo de pedras chamado de Stonehenge na Inglaterra é um dos locais de culto mais antigos

conhecidos pelos antigos celtas (VILAR, 2013, p. 10, 11).

Vilar, ao descrever os costumes religiosos dos povos celtas, apresenta como

um dos elementos principais dessa relação entre os devotos com suas divindades o

gesto da retribuição, da oferenda, que por nós é entendida como uma forma

comunicacional com os deuses e os antepassados por meio do ex-voto.

Na sequência de seu texto, o pesquisador Leandro Vilar detalha essa prática

votiva de oferecer “presentes” para as divindades celtas:

Os celtas também ofereciam oferendas votivas para seus deuses. As oferendas votivas são oferendas que eram deixadas em locais sagrados ou próximos a estes. Júlio César e outros historiadores romanos falam a respeito dessa prática dos celtas. César diz que armas, escudos, elmos, armaduras e outros espólios eram jogados em rios, lagos, ou deixados em bosques ou outros locais sagrados. Estrabão citando Possidônio (o mesmo chegou a viajar pela Gália

no século I a.C), diz que joias, barras de ouro e prata, cerâmica, vasos, comida e bebidas também eram ofertados. Na Bretanha do início da Idade Média, haviam histórias sobre espadas mágicas que haviam sido jogadas em lagos e rios (VILAR, 2013, p. 13).

No Museu de Arqueologia de Dijon, na França, está exposto um ex-voto

dedicado a uma deusa chamada Sequana18, também conhecida como a deusa da

cura – um par de olhos em uma plaquinha de bronze, encontrado nas proximidades

do rio Sena. A peça é datada do século primeiro da nossa era.

18

Sequana era a deusa do manancial do Rio Sena, com a expansão do Império Romano, essa deusa foi assimilada ao Império e em sua honra foram construídos vários templos, em todos eles eram muitos os ex-votos dedicados a ela.

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Figura 12 - Ex-voto olhos – Placa de Bronze – Museu de Archeologia de Dijon – França

Fonte: Pinterest

O fato desse ex-voto dedicado a uma deusa celta ter sido encontrado próximo

de um rio, prova o caráter mágico da religião ligado aos elementos da natureza que

cultivava os povos celtas. Os olhos bem abertos indicam que a devota voltou a

enxergar. Acima da representação dos olhos, vemos o nome da agraciada que

pagava a promessa: “Matta”. O que também nos chama a atenção é que ex-votos

semelhantes a esse são encontrados ainda hoje em muitos santuários católicos

dedicados aos santos.

g- Védica

A religião védica primava pela busca do conhecimento. Em sânscrito, a

palavra Veda significa ‘conhecimento’. As práticas culturais védicas surgiram na

Índia, mais precisamente no vale do rio Indo, por volta de cinco mil anos antes de

Cristo. Pode-se dizer que a doutrina védica é a doutrina do livro do conhecimento,

pois os vedas eram canções e poemas que orientavam a vida dos fiéis. Os escritos

dos Vedas são considerados como um dos conjuntos de textos literários mais

antigos de toda humanidade.

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Sobre a compilação dos versos dos livros – veda – a pesquisadora

portuguesa Hilda Moreira de Frias destaca que o surgimento dos vedas está

relacionado com a chegada dos arianos na Índia:

Durante o II milênio a.C. arianos, idos da Ásia Central levaram à Índia as crenças e saberes partilhados com outros povos indo-europeus. Aliás os Árias (do sânscrito arya-nobre) ou Arianos, são povos indo-arianos que englobam hindus, iranianos (persas, medos ou citas), arménios, frígios, trácios, albaneses, gregos, povos da Itália, do Báltico, eslavos, germanos e celtas e que portanto apartam qualquer ideia de unidade, nesta multiplicidade de povos. A chegada dos Arianos à Índia marcou uma nova fase cultural, pois à medida que os seus carros avançavam para leste foram deparando com comunidades de caçadores e agricultores. Os arianos eram muito superiores em força e poder militar aos outros povos e revelaram grande confiança, talvez fruto do panteão de deuses que adoravam. Foi essa energia que inspirou os poetas a escreverem textos como os Vedas (FRIAS, 2003, p. 180).

A vertente religiosa védica também tinha como base o culto a vários deuses,

e a oferenda e o sacrifício como a principal forma de comunicação entre os fiéis e

suas divindades. As principais divindades são deuses relacionados à natureza, em

tudo se parecendo com os seres humanos, inclusive nas necessidades, como

alimentar-se, por exemplo, podemos citar: Agni – fogo (do sacrifício); Suria – sol;

Indra – raio. Uma figura importante na religião védica era o “sacerdote” que mediava

as relações religiosas entre fiéis e deuses. O desapego às coisas terrenas era um

dos princípios de evolução espiritual que os devotos buscavam alcançar:

Os pontos principais da religião védica baseavam-se no sacrifício e na crença de que o Universo tinha de ser constantemente recriado. Os seus deuses estavam associados ao Sol e à Lua e derivavam de uma cultura guerreira. As religiões indo-germânicas diferiam em muito umas das outras e o tipo clássico de politeísmo, espiritualizado e desenvolvido, liga-se à vida imanente do mundo. O desprendimento do mundo real que, posteriormente, se tornará no seu caráter essencial, não se manifestou desde o início, mas antes, todas as fases do seu desenvolvimento tendiam para o mistério e para o inatingível (FRIAS, 2003, p. 180).

Na relação com os deuses, sendo eles muito semelhantes a nós humanos, os

sacrifícios ofertados como ex-votos (tanto para agradecer quanto para pedir) era o

eixo religioso. A religião védica era uma religião de sacrifício, o ato de ofertar algo a

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uma divindade era mais importante que o próprio culto que se prestava a essa

entidade, ou o sacrifício chegava a ser mais importante que o próprio deus.

É interessante verificar que o sacrifício védico é bastante original, pois consiste num banquete oferecido aos deuses. O fogo, a oferenda e os cantos sagrados fazem os deuses descer à terra, é-lhes então pedido que tomem lugar sobre a erva sagrada que se estende diante do altar e se lhes apresenta em abundância tudo o que pode alegrar os mortais, como bolos, arroz, leite, banha, carne de animais sacrificados. É, igualmente, necessário alegrar os deuses com perfumes, música e danças. O sacrifício é uma forma de acordo, pede-se às divindades a proteção de inimigos e demônios, a proteção da doença e do mau tempo e que concedam riquezas, honras, boa situação social, filhos e longa vida, no fundo, é uma troca, existindo de igual modo o lado expiatório do sacrifício em que os humanos se esforçam por expiar as culpas, as faltas e afastar a impureza. Se o sacrifício como oferenda tem por finalidade assegurar a riqueza e evitar os males, a meditação tende para o bem absoluto e para a libertação das “dores” do Ser, para a redenção espiritual, que se obtém pela aquisição de conhecimento e é também concebida como um sacrifício espiritual (FRIAS, 2003, p. 182).

As formas de sacrifícios eram tão importantes que um dos livros dos Vedas

era destinado somente a essas práticas, o veda Yajurveda (sobre a sabedoria dos

sacrifícios), com fórmulas sagradas e invocações. Ao lermos sobre os tipos de

oferendas dedicadas aos deuses dessa antiga religião indiana, percebemos certa

similaridade com outras práticas religiosas que também agradam as divindades com

presentes relacionados às necessidades do corpo, como alimentos, perfumes e

ornamentos. As religiões de matriz africana oferecem aos seus deuses coisas muito

parecidas.

A religião védica é a base do que hoje conhecemos por religião hinduísta e

está espalhada por todo o mundo, ganhando cada vez mais adeptos.

h- Andinas

Em todo o território americano pré-colombiano, tanto nas Américas do Sul,

Central e do Norte, encontramos distintas organizações religiosas de acordo com as

culturas de povos tão diversificados. Seria muito difícil especificar cada uma dessas

religiões antigas. Por essa razão, escolhemos uma prática religiosa que se estendia

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pela cordilheira dos Andes, eram povos diferentes19, mas com similaridades de culto.

Essa “religião” também pode ser chamada de “religião da montanha”.

Pesquisas arqueológicas apresentam em torno de cento e dezessete sítios

arqueológicos, quase todos eles contendo templos. Estamos falando de povos que

viviam a mais de cinco mil metros acima do mar, desde 2.000 a.C., há sinais

arqueológicos dessas populações.

Entre os incas20 destacam-se algumas divindades, são deuses e deusas que

pela mitologia estavam ligados à natureza. Podemos destacar: Viracoche – criador

do mundo, criou todos os elementos do universo, e ao criar o homem, segundo a

mitologia, se utilizou do barro, vemos muita semelhança com o relato bíblico da

criação; Apus – são divindades que habitam as montanhas; Inti – deus sol; Mama-

Quila – deusa lua, protetora das mulheres, da fertilidade e dos casamentos;

Pachamama – deusa da terra, que recebia muitas oferendas ligadas ao cultivo da

agricultura.

19

Alguns povos: Caral, Valdívia, Clavín, Nasca, Moche, Tiwanaku, Wari, Chachapoyas, Chimú, Impérrio Inca e Muísca. 20

No Império Inca, podemos indicar a cidade da antiga civilização – Machu Picchu, que em quíchua significa – “velha montanha”.

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Figura 13 - Ex-votos para Pachamama – Memorial da América latina – São Paulo

Fonte: Arquivo do autor

O culto tem por base as benevolências dos deuses e o dever de

agradecimento dos humanos pelas graças recebidas. Ainda hoje, essas cerimônias

de oferendas são realizadas, e esse culto está presente na cultura andina.

Na exposição permanente do “Pavilhão da Criatividade”, no Memorial da

América Latina em São Paulo (SP), vemos representações votivas dos povos

andinos dedicados a Pachamama, embora sejam contemporâneas, elas também

representam as oferendas antigas.

Apesar da dominação espanhola e da forte presença do catolicismo

(consequência dessa dominação), os habitantes locais assimilaram os elementos do

catolicismo, sem, contudo, abandonarem suas crenças ancestrais. Um site de

turismo, chamado cuscofestividades, apresenta um calendário de festividades local,

em que destaca o rito de oferenda21 a Pachamama:

Com a oferenda ou pagamento de promessa, o campesino pede permissão a Pachamama para poder abri-la (terra) e devolver de maneira simbólica algo de seus frutos. Estes rituais também são destinados ao Apu – o espírito da montanha através do despacho. O Apu é o aspecto masculino da natureza e a Pachamama é o aspecto feminino. O Apu protege os aminais e os homens e fecunda a Pachamama. A oferenda é um ato de reciprocidade cósmica, é a

21

Alguns elementos ofertados a Pachamama: folhas de coca, conchas marinhas, sementes, ou outros elementos dependendo da promessa e da intenção do pagamento da graça recebida.

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realização da justiça universal e cósmica, o cumprimento de um dever mútuo. O rompimento deste princípio causaria sérias distorções do equilíbrio nos sistemas naturais, sociais e religiosos. Para o homem andino, as oferendas têm um sentido de reconciliação com as forças espirituais com o fim de evitar desgraças, e representam ritos de passagens (CUSCOFESTIVIDADES, 2017, tradução nossa).

Outro tipo de oferenda, bastante discutível, são os sacrifícios humanos22.

Pesquisadores chegaram a comprovar essa prática na cultura Incaica, devido às

sequências de estudos feitos. Outras antigas religiões, segundo relatos, também

sacrificavam pessoas como oferendas aos seus deuses, dentre elas, podemos citar

a egípcia; a cretense; a celta; a maia, entre outras.

O sacrifício humano como oferendas aos deuses está no imaginário popular;

não raras vezes, os filmes de Hollywood exploram esse tema.

Sobre as religiões andinas e os sacrifícios humanos, as museólogas, Sílvia

Quevedo e Eliana Durán, do Museu Nacional de História Natural de Santiago no

Chile, pontuam:

Os sacrifícios não se efetuavam com muita frequência, e os eleitos deveriam cumprir algumas características; uma delas que fossem crianças idealmente sem imperfeições físicas. Às vezes, eram oferecidas por seus pais, pois lhes outorgava honra a eles e lhes asseguravam uma vida de glória para a criança, o sacrifício conferia então um elevado status social. Naqueles casos, que não se registravam sacrifícios humanos, estes aparentemente se substituíam por estatuazinhas humanas, essa modalidade se denominava “sacrifício substituído”. As oferendas rituais que acompanhavam a estes sacrifícios foram estatuetas de metais, tanto humanos quanto de animais, também as confeccionaram com conchas de Spondylus; este material constitui a oferenda favorita dos

incas e está presente em quase todos os santuários de altura [...] (QUEVEDO; DURÁN, 1992, p. 195, tradução nossa).

Os sacrifícios humanos ficaram no passado, porém outros tipos de oferendas

com representações do corpo humano, em um sentido de “duplo orante”, ainda hoje

são percebidas nas tradições andinas.

22

Embora esse tema tenha relevância como oferendas para algumas religiões antigas, nós somente citaremos a prática religiosa do “sacrifício humano”, pois se fôssemos nos aprofundar desviaríamos muito de nosso objetivo, porém fica registrado que até mesmo os sacrifícios de pessoas eram utilizados como ex-votos.

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i- Bantos

As religiões ancestrais africanas são múltiplas e diversificadas, podemos até

dizer que a riqueza cultural africana, apesar de sua importância, ainda é pouco

explorada por acadêmicos. Escolhemos, nesta pesquisa, citar os bantos, como

contribuição neste elenco de religiões antigas e suas práticas devocionais, tendo o

ex-voto como forma comunicativa com suas divindades.

Os bantos, falamos no plural, pois não estamos especificando um povo, mas

um conjunto de povos que estavam presentes, no que hoje entendemos como

Angola, Gabão e Cabinda, ou seja, grande parte da África Central. Há registros

históricos da presença dos bantos de pelo menos 2.000 anos a.C..

Muito embora fossem povos diferentes, existia algo que os aproximava: a

base linguística. Eles falavam a língua banto, e o fato de falarem uma língua similar

fez com que proliferasse entre os povos irmãos uma identidade religiosa, com

características semelhantes de culto e devoção.

O historiador Robert Daibert, em artigo publicado na revista Estudos

Históricos, apresenta a religiosidade dos bantos e o entendimento desses povos

sobre um Ser Supremo:

Segundo a tradição religiosa banto, a vida é sustentada por um Ser Supremo que reina sobre o universo e sobre os homens de modo distante, porém benéfico. Todos os povos que compartilhavam a cosmovisão banto acreditavam em um deus único, supremo e criador, chamado de Kalunga, Zambi, Lessa ou Mvidie, entre outros nomes, de acordo com o grupo étnico específico e com os atributos que se pretendia destacar nessa divindade, como a totalidade da vida, a superação de tudo em todos, a força e a inteligência. Segundo essa crença, após a criação do mundo, o Ser Supremo se distanciou dele, entregando sua administração aos ancestrais fundadores de linhagens, seus filhos divinizados. Por ser um deus distante, ele quase não recebia culto ou adoração, nem era representado por imagens (DAIBERT, 2015, p. 11).

Abaixo desse Ser Supremo, segundo Daibert (2015, p. 11), estavam os

arquipatriarcas, que receberam do Ser Maior a incumbência de fundarem os

primeiros clãs humanos. O Ser Supremo cria, os arquipatriarcas perpetuam a vida.

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Abaixo dessa categoria situavam-se os espíritos tutelares ou gênios da natureza, que habitavam os lagos, os rios, pedras, ventos, florestas ou objetos materiais. Esses seres, embora não possuíssem forma humana, exerciam grande influência sobre os homens, notadamente sobre as atividades da caça, pesca e agricultura.

Eram estes espíritos da natureza que recebiam dos povos bantos a maioria

das venerações, pois os espíritos (naturais) eram mais próximos dos fiéis. Inclusive,

a comunicação com essas entidades era uma comunicação de reverência, porém

como alguém não tão distante, como o Ser Supremo, por exemplo. Eram os

espíritos que recebiam a maior parte das oferendas e ex-votos.

Outras entidades que também lhes eram próximas seriam os ancestrais, os

espíritos dos “grandes mortos”, que tinham uma incidência crucial no cotidiano dos

bantos, sobretudo relacionado à proteção:

Embora falecidos, os antepassados continuavam membros ativos do grupo familiar e da comunidade a que pertenceram durante sua vida. Eles se tornavam os guardiões e os protetores de seus parentes vivos. Em contrapartida, o grupo familiar precisava alimentá-los e cultuá-los (DAIBERT, 2015, p. 12).

Alguns dos ancestrais, conforme a sua importância e a memória que se

cultivava deles, chegavam a ser quase que divinizado. Robert Daibert, com base na

pesquisa de doutorado de Brígida Carla Malandrino23, sobre a religiosidade dos

povos bantos, relata a força do ex-voto como certeza de proteção ao agradar os

antepassados com oferendas:

Os homens apresentavam oferendas aos antepassados como forma de influenciá-los, obter favores e solucionar problemas. Por isso ofereciam aos seus mortos vegetais, fumo, bebidas alcoólicas, entre outros, conforme o costume específico de um grupo filiado à tradição banto. Em alguns casos também eram ofertados sacrifícios de animais como forma de adensar as relações e interações entre os dois mundos. Tanto as oferendas como os sacrifícios transmitiam força vital e recuperavam o equilíbrio e a harmonia perdidos, contribuindo assim para a retomada da ordem (DAIBERT, 2015, p. 17).

23

O título da tese foi: Há sempre confiança de que se estará ligado a alguém: dimensão utópica das expressões da religiosidade bantú no Brasil. Defendida em 2010 – no Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo.

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A concepção religiosa dos povos bantos para nossa pesquisa é relevante,

pois ao tratarmos das religiões de matriz africana no Brasil, veremos que práticas

idênticas ainda se cultuam em nossos dias, sobretudo em cruzeiros de cemitérios, a

matéria das oferendas segue sendo praticamente a mesma.

j- Judaica

Com o advento do judaísmo se institui na humanidade a ideia de um Deus

Único. O monoteísmo judaico deu origem a duas outras forças religiosas: o

cristianismo e o islamismo. O judaísmo teve início com o povo hebreu, que foi

fundado a cerca de 1850 a.C., por Abraão na região da Palestina.

Na Introdução Geral da Bíblia Ave-Maria, lemos um breve relato da criação do

judaísmo:

Há pouco menos de quatro mil anos, vários povos viviam às margens do mediterrâneo, na Ásia e África. Havia duas grandes potências: Caldeia e Egito. Entre esses dois vastos reinos achavam-se pequenos países, como Síria e Canaã (esta também chamada Palestina). Diversas tribos viviam aí da cultura agrícola e de produtos de seus rebanhos, entre as quais se achava a dos hebreus, que provinham do patriarca Abraão. Este homem e sua família eram oriundos de Ur, da Caldeia, de onde tinham emigrado para a Palestina no décimo segundo ano de nossa era. Com a vinda de Abraão e de seus descendentes, começa a História Santa que a Bíblia nos conservou (BÍBLIA AVE-MARIA, 2008, p. 13).

A base do judaísmo24 é a revelação. A doutrina foi elaborada, pelo que eles

acreditam, por meio das regras ditadas pelo próprio Deus. Segundo o relato bíblico,

Deus criou todo universo, criou o mundo e o homem, e havia preparado a terra para

ser o “Jardim do Éden”, o paraíso, mas pela desobediência dos primeiros habitantes,

Adão e Eva, vieram as consequências dessa desobediência, a pior delas a morte.

Desde então, a fé do povo judaico é alimentada pela crença da chegada de um

Messias25, salvador, que virá restabelecer o paraíso perdido.

A relação do ser humano com esse Deus se dá por meio da submissão ao

seu poder. No relato bíblico de Levítico26 (capítulos de 1 – 5), vemos claramente que

24

São muitos os elementos que poderíamos destacar da fé judaica, porém tentaremos focar na relação comunicacional por meio dos ex-votos (oferendas, sacrifícios). 25

Para os Cristãos, o Messias é Jesus Cristo, por essa razão surgiu o cristianismo. 26

Os relatos são extensos, por essa razão, selecionaremos apenas um trecho sequencial.

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no princípio do judaísmo a comunicação com Deus se dava, sobretudo, por meio

dos sacrifícios. São vários tipos de sacrifícios, cada um segundo sua funcionalidade:

- Os Holocaustos – imolações de animais (1,1-9):

O Senhor chamou Moisés e falou-lhe da tenda de reunião: “Fala, disse-lhe ele, aos israelitas. Dize-lhes: Quando um de vós fizer uma oferta ao Senhor, será dentre o gado maior ou menor que oferecereis. Se a oferta for um holocausto tirado do gado maior, oferecerá um macho sem defeito; e o oferecerá à entrada da tenda de reunião para obter o favor do Senhor. Porá a mão sobre a cabeça da vítima, que será aceita em seu favor para lhe servir de expiação.

Imolar-se-á o novilho diante do Senhor, e os sacerdotes, filhos de Aarão, oferecerão o sangue e o derramarão ao redor sobre o altar que está à entrada da tenda de reunião. Tirar-se-á a pele da vítima, e esta será cortada em pedaços. Os filhos do sacerdote Aarão porão fogo no altar, e empilharão a lenha sobre ele, dispondo, em seguida, por cima da lenha, os pedaços, a cabeça e a gordura. Lavar-se-ão com água as entranhas e as pernas, e o sacerdote queimará tudo sobre o altar. Este é um holocausto, um sacrifício consumido pelo fogo, de odor agradável ao Senhor [...] (BÍBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 144).

- As oblações - alimentos (2,1-3):

Quando alguém apresentar ao Senhor uma oblação como oferta, a sua oblação será de flor de farinha; derramará sobre ela azeite, ajuntando também incenso. E levá-la-á ao sacerdote, filho de Aarão, o qual tomará um punhado de flor de farinha com azeite, e todo o incenso, e a queimará no altar como um memorial. Este é um sacrifício consumido pelo fogo, de agradável odor ao Senhor. O que sobrar da oblação será para Aarão e seus filhos; isto é, o que há de mais santo entre os sacrifícios feitos pelo fogo ao Senhor [...] (BÍBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 145).

- Os sacrifícios pacíficos - é uma oferta de agradecimento, geralmente feita

em cultos privados (3,1-5):

Quando alguém oferecer um sacrifício pacífico, e quiser oferecer gado, macho ou fêmea, oferecerá um que seja sem defeito ao Senhor. Ele porá a mão sobre a cabeça da vítima, e a imolará à entrada da tenda de reunião; e os sacerdotes, filhos de Aarão, aspergirão com seu sangue as paredes do altar ao redor. Deste sacrifício pacífico, oferecerá, à guisa de sacrifício pelo fogo ao Senhor, a gordura que envolve as entranhas e que está aderida a elas, os dois rins com a gordura que os envolve na região lombar e a pele que recobre o fígado, a qual será desprendida de junto dos rins.

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Os filhos de Aarão queimarão isso no altar, por cima do holocausto colocado sobre a lenha que está no fogo. Este é um sacrifício consumido pelo fogo, de agradável odor ao Senhor [...] (BÍBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 145).

- Sacrifícios pelo pecado (como expiação) – para cada classe de pessoas

existia um tipo de sacrifício, apresentamos as instruções para alguém do povo que

pecasse (4,27-31):

Se for alguém do povo quem pecou involuntariamente, cometendo uma ação proibida por um mandamento do Senhor, tornando-se assim culpado trará para sua oferta uma cabra sem defeito, pela falta cometida, logo que tiver tomado consciência de seu pecado. Porá a mão sobre a cabeça da vítima oferecida pelo pecado e a imolará no lugar onde se imolam os holocaustos. Em seguida, o sacerdote, com o dedo, tomará o sangue da vítima, e pô-lo-á sobre os cornos do altar dos holocaustos, derramando o resto ao pé do altar. Tirará toda a gordura, como se fez no sacrifício pacífico, e a queimará no altar, como agradável odor ao Senhor. É assim que o sacerdote fará a expiação por esse homem, e ele será perdoado (BÍBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 146).

- Sacrifício de reparação (5,2-6):

Se alguém tocar, por inadvertência, uma coisa impura, como o cadáver de um animal impuro, de uma fera ou de um réptil impuro, ficará manchado e culpado. Da mesma forma, se, por descuido, tocar uma imundície humana qualquer, e logo se der conta disso, será réu de culpa. Se alguém, por descuido ou irreflexão, jurar fazer qualquer coisa de bem ou de mal, logo que se der conta disso, será culpado, qualquer que seja o juramento inconsiderado. Aquele, pois, que for culpado de uma dessas coisas, confessará aquilo em que faltou.

Apresentará ao Senhor em expiação pelo pecado cometido uma fêmea de seu rebanho miúdo, uma ovelha ou uma cabra em sacrifício pelo pecado, e o sacerdote fará por ele a expiação de seu pecado (BÍBLIA SAGRADA AVE-MARIA, 2008, p. 147).

Vimos que a prática das oferendas, entendidas por nós como ex-votos, eram

pilares de comunicações, entre os fiéis judaicos com Deus. Existia toda uma

prescrição canônica de como se realizar este culto de oferecimento. Entender os

sacrifícios bíblicos como um tipo de ex-voto abre perspectivas para o estudo

acadêmico dos ex-votos na área da folkcomunicação.

l- Cúltica a Endovélico

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O culto a Endovélico está envolto em muito mistério. Pouco se sabe sobre

esta entidade, cultuada em regiões que hoje fazem parte de Portugal e grande parte

da Espanha (Península Ibérica), um dos santuários mais famosos estava construído

na região que hoje se chama “São Miguel da Mota”, em Alandroal. Essa devoção é

anterior ao domínio do Império Romano, muitos pesquisadores portugueses

chamam esses povos originários de “indígenas”.

Figura 14 - Cabeça e imagem de Endovélico – Século I d.C. – Museu Nacional de

Arqueologia de Lisboa

Fonte: Arquivo do autor

Após a chegada do Império, Endovélico foi associado ao grande número de

deuses romanos, porém era uma devoção regional. Nesta lista de religiões antigas,

destacamos o culto a Endovélico, devido aos inúmeros ex-votos encontrados em

escavações arqueológicas e que são dedicados a essa divindade.

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Figura 15 - Ex-votos (placas) – com inscrições de agradecimento a Endovélico – Século I

d.C. – Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa

Fonte: Arquivo do autor

José da Encarnação, professor da Universidade de Coimbra, em um estudo

sobre Endovélico, publicado pelo Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas

(Sintra), salienta a grande quantidade de ex-votos oferecidos a essa entidade: “É

seguramente Endovélico a divindade da Lusitânia mais conhecida, portanto lhe

foram dedicados perto de uma centena de ex-votos” (ENCARNAÇÃO, 1995-2007, p.

149).

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Figura 16 - Ex-voto zoomórfico oferecido a Endovélico – Século I d.C. – Museu Nacional de

Arqueologia de Lisboa

Fonte: Arquivo do autor

A maioria dos ex-votos encontrados é de placas votivas com a inscrição da

graça recebida e o nome do deus realizador (Endovélico); também são inúmeras as

estátuas humanas ou representações de alguma parte do corpo (provavelmente a

curada); outro tipo de ex-voto é a escultórica de animais que os seus donos

ofereciam depois da cura dessas criaturas.

Mesmo que haja discordâncias entre os pesquisadores, é comum se afirmar

que Endovélico era um deus da medicina, da cura, da vida e da morte.

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CAPÍTULO III

EX-VOTO PARA ALÉM DO CATOLICISMO

Como vimos nos capítulos anteriores, a prática de oferecer ex-votos às

deidades é anterior ao cristianismo. Hoje, quando pensamos em ex-votos, o nosso

entendimento nos encaminha a um lugar comum, ao catolicismo popular. Embora,

de fato, a presença da materialidade do voto esteja historicamente ligada às

devoções de um catolicismo ressignificado pela força do “popular”, percebemos

também que esta prática que envolve troca de favores entre os devotos e suas

divindades está presente em muitas outras denominações religiosas.

A princípio, neste capítulo, destacaremos uma breve história da presença

marcante dos ex-votos no catolicismo, e pontuaremos algumas “modernizações” da

forma do fiel cumprir uma promessa hoje. Em seguida, ampliaremos um pouco mais

a concepção do nosso objeto de estudo, percebendo que estas mesmas práticas

ancestrais podem ser identificadas em outros grupos religiosos, como no

cristianismo evangélico (destacando as neopentecostais) e nas religiões de matriz

africana (destacando a Umbanda).

A pluralidade religiosa no Brasil é de grande riqueza, com amplitude e

complexidade. Diante disto, na delimitação de nossa pesquisa, trabalharemos os

três grupos mencionados: católicos, evangélicos (Igreja Universal do Reino de Deus;

Igreja Mundial do Poder de Deus e Igreja Pentecostal Deus é Amor) e religiões de

matriz africana (Umbanda). Embora sejam muito diferentes entre si, sabemos que os

três estão ancorados no que os pesquisadores consideram como Matriz Religiosa

Brasileira e, por essa razão, alguns elementos culturais trazidos à tona por meio do

culto criam uma identidade religiosa que pertence a nós brasileiros:

[...] formas, condutas religiosas, estilos de espiritualidade, condutas religiosas uniformes, evidenciam a presença influente de um substrato religioso-cultural que denominamos Matriz Religiosa Brasileira. Esta expressão deve ser apreendida em seu sentido lato,

isto é, como algo que busca traduzir uma complexa interação de ideias e símbolos religiosos que se amalgamaram num discurso multissecular, portanto, não se trata stricto sensu de uma categoria

de definições, mas, de um objeto de estudo. Esse processo multissecular teve, como desdobramento principal, a gestão de uma

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mentalidade religiosa média dos brasileiros, uma representação coletiva que ultrapassa mesmo a situação de classe em que se encontrem. É oportuno sublinhar que essa mentalidade expandiu sua base social por meio de injunções incontroláveis, como soe acontecer com os conteúdos culturais, para, num determinado momento histórico, ser incorporada, através de séculos, à prática religiosa (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 40-41).

Ainda sobre a Matriz Religiosa Brasileira, convém destacar que as práticas

votivas vigentes e que parecem ser modernas, nada mais são que adequações ou

ressignificações de rituais antigos. Mesmo que a espiritualidade pentecostal não seja

contemplada na “gênesis”, na “matriz”, o que vemos hoje nos cultos e celebrações

dessas religiões bebe dessa fonte primária. Citamos um pensamento do

pesquisador Aldemar Moreira (1967, p. 115) que nos ajuda a perceber que os ritos

religiosos são recriações de experiências passadas:

As formas populares de entender e realizar a religião são inspiradas em conhecimentos e ritos alheios a um conteúdo dogmático e institucionalizado, por influência ou transposições de outras religiões, ou simplesmente por atividade grupal, com que os homens se dirigem à divindade ou aos santos, tradicionalizando-as, transmitindo-as e atribuindo-lhes “força” especial de referência ao sobrenatural.

Dessa forma, não é difícil identificar práticas votivas em várias denominações

religiosas de nossos dias que podem ser entendidas como ex-votos.

3.1 Ex-votos no catolicismo – história e atualidade

O cristianismo advém do judaísmo, os israelitas esperavam o Messias que iria

restaurar e salvar as tribos de Israel. Depois de Jesus Cristo, houve um cisma entre

os judeus, muitos seguidores de Cristo anunciavam ser ele o Messias, nasceu assim

no Oriente Médio o cristianismo. Esse território estava dominado pelo Império

Romano que cultuava os seus deuses, os judeus poderiam viver sua fé desde que

pagassem os impostos. Com os adeptos do cristianismo foi diferente, houve grande

perseguição à comunidade que pregava a fé nos valores cristãos.

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O impulso evangelizador dos primeiros cristãos foi arrebatador, muitos judeus

se converteram e também devotos procedentes do paganismo, mesmo que a

vigilância e perseguição de morte do Império Romano perdurasse. Formou-se,

assim, uma “mistura” de crenças que se fundiam em uma nova forma de crer.

A perseguição somente cessou com o evento conhecido como “Conversão de

Constantino”, no século IV d.C.. Constantino era Imperador Romano, segundo

relatos, o Imperador seguia para uma guerra contra Maxêncio e suas tropas, após

várias derrotas no período de anos, Constantino teve uma visão (uma cruz, no céu

com a seguinte inscrição: “Com este sinal vencerás”). A batalha seguiu e as tropas

romanas foram vencedoras, deu-se então a conversão do Imperador ao catolicismo,

a religião cristã passou a ser aceita. Anos mais tarde, o Imperador Teodósio,

sucessor de Constantino, em 380, decretou o catolicismo como religião oficial do

Império. Todos os súditos foram obrigados a se converterem e serem batizados.

Por causa da imposição de conversão, podemos dizer que tenha surgido uma

“outra religião”, marcada pela mestiçagem, muito similar ao ocorrido com os negros

escravizados no Brasil que tiveram que “abandonar” (teoricamente) suas antigas

crenças e se converterem ao catolicismo, gerando assim o sincretismo.

A especialista em História da Igreja, Gabriela Alejandra Peña, descreve este

episódio salientando, sobretudo, a perseguição instaurada aos pagãos:

O Estado se transformou no responsável por fazer cumprir o que a Igreja tivesse disposto e garantir sua vigência. Para fazê-lo é que ditou uma profusa legislação, que ao longo do século IV foi se fazendo cada vez mais desfavorável para o paganismo. Nos fins dessa centúria, os pagãos eram abertamente perseguidos: proibiu-se seu culto, fecharam-se seus templos e finalmente no ano 380 o imperador Teodósio declarou o cristianismo religião oficial do Império Romano. Em menos de um século, de vítimas de perseguição os crentes passaram a ser testemunhas – e muitas vezes também protagonistas – da perseguição contra outros, à sombra de um Estado que antigamente os condenava à morte. Mesmo que em teoria não fosse assim, na prática voltou-se a anular a liberdade de culto, agora a favor do cristianismo (PEÑA, 2013, p. 84).

E nessa confusão religiosa, os pagãos convertidos, para estarem de bem com

as obrigações do Estado, frequentavam os cultos religiosos e mantinham a fé por

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aparência. Porém, de forma muitas vezes oculta, continuavam venerando seus

antigos deuses. A prática dos ex-votos desponta em meio a essa situação como

uma forma de resistência, e com o passar do tempo foi sendo assimilada a fé

católica. No livro de nossa autoria, Ex-voto – a saga da comunicação perseguida,

tratamos dessa miscelânea religiosa com ênfase nos ex-votos:

A confusão religiosa estava instaurada, o Império antes predominantemente pagão, agora é cristão, porém a vivência religiosa do povo ainda carrega os traços do paganismo, que por sua vez é combatido de forma enérgica pelos representantes legais da Igreja e do Estado. Os templos que outrora eram dedicados aos deuses do paganismo ganham em seu lugar catedrais católicas em reverência aos santos. Os fiéis frequentavam as igrejas, porém carregados das antigas manifestações religiosas, e por sua vez começaram a oferecer aos santos católicos os ex-votos que antes eram ofertados aos deuses, em pagamento de graças recebidas

(GOMES GORDO, 2015, p.44).

Diante dessa realidade de mestiçagem da fé, a primeira reação da Igreja foi a

de perseguição aos elementos religiosos estranhos à sua doutrina. Nessa missão

praticamente impossível, houve a tentativa de acomodar a situação da devoção

popular que insurgia sobre a fé oficial. A própria Igreja buscou formas de

institucionalizar, com elementos da fé católica, as práticas devocionais advindas do

paganismo. Um exemplo que podemos citar foi o incentivo da devoção à figura de

Maria e aos santos (em substituição aos deuses pagãos), dessa forma, os ex-votos

oferecidos à Mãe de Deus e aos santos começaram a ser práticas aceitas:

Com o passar do tempo ainda nos primeiros séculos o catolicismo com o incentivo a devoção aos santos e a Maria, Mãe de Jesus, como exemplos de vida cristã a serem seguidos, não demorou muito para que no catolicismo popular a devoção de oferecer ex-votos se tornasse atividade praticamente aceita, embora não houvesse nada oficial deliberando essas devoções. As ofertas que antes eram feitas aos deuses agora dentro dessas manifestações populares católicas são ofertadas aos santos, sem grandes questionamentos. Mesmo sem o aval do catolicismo ortodoxo, a devoção popular se tornou uma realidade impossível de combater, por isso, houve certa

“acomodação” de ambas as partes (GOMES GORDO, 2015, p. 45).

O sincretismo dos primeiros séculos no catolicismo pode ser verificado

também no livro Ex-voto e orantes do Brasil, da museóloga Maria Augusta Machado

da Silva. No trecho que transcrevemos a seguir, a autora trata das festas marianas e

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o seu incentivo por parte da ortodoxia da Igreja, como forma de coibir a devoção às

deusas dos pagãos:

No pontificado de Gelásio I (492-496) ordenou-se que uma procissão noturna e com muitas luzes honrasse a ‘luminosa Purificação de Maria’ no dia 2 de fevereiro. As razões dessa ordenação nos são dadas por um cronista do século XVII, o erudito Frei Agostinho de Santa Maria, que escreveu o ‘Santuário Mariano’, no capítulo XXXIII do Tomo I, assim escreve ele: ‘[...] e todos os anos pelo tempo em que havia sido do roubo (de Proserpina por Plutão) se lhes celebrava sua festa, andando as mulheres e os homens de noite com candeias acesas, gritando pelos montes e repetindo seu nome em tom muito lastimoso e sentido, como o repetia sua mãe Céres. E tão arraigada estava esta superstição entre os gentios, particularmente entre os romanos, que ainda depois de se converterem à fé de Cristo não deixavam de renovar essa cerimônia. [...] pelo que ordenaram naquela noite, que parece caía em dois de fevereiro, uma procissão soleníssima em louvor da gloriosa Virgem Maria, a que todos acudiam com círios e luzes, cantando hinos em seu louvor, mudando a superstição diabólica em santo e louvável costume, e devoto

obséquio à Senhora (SILVA, 1981, p. 24).

O ato de incentivo à devoção mariana fez com que nos séculos seguintes

esta particularidade da fé católica ganhasse destaque. Muitas igrejas foram

construídas em honra a Nossa Senhora, assim sua devoção se popularizou.

Acompanhava a devoção o gesto de oferecer ex-votos por graças alcançadas. Os

ex-votos que antes eram vistos como resquícios do paganismo, com o passar dos

séculos, acabaram se tornando uma identidade católica.

Na Idade Média, por exemplo, a prática se popularizou de tal forma que um

templo ou santuário que recebesse muitos ex-votos era sinal de publicidade do

poder do santo, ou do título de Maria venerado naquela localidade.

Para ilustrar a força da fé em Nossa Senhora em um período longo da Igreja

Católica, citamos a obra do Frei Agostinho de Santa Maria, que escreveu dez

volumes sobre a história da devoção em Portugal, Espanha e países colonizados. O

primeiro tomo de sua obra foi publicado em Lisboa, em 1707, e recebeu o título de

Santuário Mariano, e hiftoria das imagês milagrofas de Nossa Senhora. Neste

primeiro volume, o autor narra, ao menos, o panorama devocional por cerca de um

milênio. Rico em detalhes, este primeiro tomo fala das imagens de Nossa Senhora

venerada na Corte Portuguesa e na cidade de Lisboa.

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Muitas das práticas devocionais descritas por Frei Agostinho podem ser

entendidas como ex-votos, como por exemplo, quando o autor escreve sobre o título

(XXIX – As Imagem de Nossa Senhora do Amparo do Convento de São Francisco) e

relata “peças curiosas” deixadas sobre o altar por fiéis que conseguiam o amparo de

Nossa Senhora, concluindo que os devotos não “esquecem de acender suas

lâmpadas e colocar suas velas no altar”.

No volume quinto da Obra Santuário Mariano, escrito por frei Agostinho e

publicado no ano de 1716, ao escrever sobre a devoção a Nossa Senhora de

Balsamão, podemos ler27:

As maravilhas, & milagres que a Senhora de Balsamão obra são infinitos, & supposto que são poucos os sinaes, que se vem delles, como são quadros, & peças de cera, he por falta de haver quem os sayba fazer: ha algumas mortalhas, & houvera muytas cousas mais desta qualidade, se houvera mais curiosidade, ou costume. Porèm ainda sem os sinaes, que servem de excitar a memoria, se referem muytos prodígios, porque foraõ muytos os alejados, que cobràraõ perfeytissima saúde; cegos, & outros enfermos de varias enfermidades, que recorrendo à Senhora cobràraõ, pela sua intercessaõ, tudo o que pediaõ (SANTA MARIA, 1716, p. 598).

As referências que citamos do Frei Agostinho nos fazem perceber que, de

fato, ao longo da história os ex-votos foram assimilados pela fé católica, a tal ponto

de um membro do clero escrever sobre eles sem desmerecer a prática, pelo

contrário, enaltecendo a devoção.

3.2 Ex-votos no catolicismo Brasileiro

Tanto no Brasil, colonizado pelos portugueses, como nos países latino-

americanos, colonizados pelos espanhóis, o catolicismo trazido por estes

“descobridores” foi o ibérico, marcado pela relação mágica com a fé, com forte

presença de elementos folclóricos.

Sobre a religião católica, que chegou ao Brasil por meio dos colonizadores, o

pesquisador José Bittencourt Filho, ao tratar da matriz religiosa brasileira, destaca a

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Mantemos na citação abaixo a grafia original da obra.

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magia como pano de fundo da fé dos colonizadores no século XVI. Citaremos um

trecho do autor que sintetiza esse pensamento:

A religião das massas era impregnada de uma visão mágica do mundo e de ingredientes folclóricos, e a cultura religiosa católica parece que apenas conseguiu encobrir as zangadas divindades pagãs com um verniz superficial. Assim, para as massas, quando os santos cristãos (tidos na conta de semideuses) estivessem insatisfeitos por algum motivo, podiam castigar os seres humanos, enviando doenças e pragas. Ao mesmo tempo quando estivessem benévolos, podiam promover a cura e o livramento. Os próprios sacramentos eram associados aos gestos, símbolos e objetos mágicos, remetidos que eram, por intermédio de associações conscientes e inconscientes, a antigas crenças pré-cristãs. De qualquer maneira, a descrença era algo absolutamente estranho na cosmovisão da época, as pessoas estavam sempre propensas a acreditar. Desse modo, as fronteiras entre os domínios natural e sobrenatural eram quase inexistentes, sobremodo quando se considerava que as maiorias mergulhadas na pobreza estavam inteiramente expostas às catástrofes naturais, às epidemias, à fome, e, pela falta de instrução, não dispunham de quaisquer explicações razoáveis para a condição em que se encontravam (BITTENCOURT

FILHO, 2003, p. 46-47).

Quando o autor fala do poder conferido aos santos pelos fiéis, podemos

entender um pouco mais a força do ex-voto que aproxima o fiel da entidade por meio

do agradecimento. Em se tratando de “algo” que pode reger a nossa vida, é melhor

ser próximo e “amigo” desta força espiritual.

O catolicismo ibérico encontrou no Brasil e nos países da América Latina

terreno propício para se consolidar. A religião dos povos indígenas, que aqui viviam

também, era marcada por esta visão mágica dos acontecimentos, dentro da lógica

religiosa de causa e efeito. Os indígenas, obrigados a se “converterem”, aportaram e

adaptaram as suas crenças com o catolicismo que eles estavam assumindo.

Posteriormente, os negros africanos, capturados em seus países de origem e

traficados ao nosso Continente como escravos, também sendo obrigados a se

“converterem”, incrementaram as suas antigas crenças na fé imposta:

Os índios com uma forte ligação com a natureza e os ancestrais, e os africanos com o culto e relação com suas divindades (orixás da umbanda e do candomblé). E foram eles que depois de “convertidos” se tornaram propagadores do catolicismo, longe muitas vezes das raízes dogmáticas do catolicismo oficial. Nasce assim uma forma híbrida de viver a fé católica, muitas vezes cheia de crendices e superstições (GOMES GORDO, 2015, p. 49).

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Ainda sobre a hibridização da fé em nosso Continente, sobretudo no Brasil,

vemos que algumas práticas religiosas, como oferecer ex-votos aos santos, foram

impulsionadas pela união de culturas diferentes, mas que tinham em seu DNA a

relação mágica com as divindades. Sobre este tema escreveu o antropólogo Arthur

Ramos (1947, p. 125), no livro Introdução à Antropologia Brasileira (V. II) o

hibridismo dentro do catolicismo, tanto em Portugal antes da colonização quanto no

Brasil com a influência dos índios e africanos:

O catolicismo popular de fontes lusitanas é na realidade um ‘paganismo supérstite’ da frase de Sébillot, onde o ritual católico se contaminou com as lendas, crenças, costumes, ritual popular, superstições que deixam adivinhar reminiscências de velhos mitos e cultos. São ritos de fecundidade, de nascimento, etc., práticas mágicas, cultos funerários, folk-lore dos astros, dos meteoros, das águas, da terra, das pedras, vestígios enfim das religiões pagãs. Foi esse catolicismo popular celtibero que Portugal legou ao Brasil, onde por sua vez ele se desenvolveu incorporando fragmentos dos cultos

ameríndios e africanos aqui encontrados.

Os ex-votos, neste cenário propício, encontraram terreno fértil para se

popularizar e se enraizar em nossa cultura. Junto a esse cenário religioso, ainda

tínhamos as precariedades de vida das populações nos primeiros séculos da

colonização. O teólogo e historiador católico Riolando Azzi destaca neste período

histórico a força simbólica dos ex-votos, como uma forma de busca de proteção

diante das adversidades sociais e naturais:

A fragilidade da vida levava assim o homem a sentir-se pouco responsável por ela, reforçando o caráter de seu ‘predestino’, tão bem expresso nos ‘ex-votos’, como ‘ações de graça’, acumulados nas salas dos ‘milagres’, construídas ao lado dos santuários de devoção popular. [...] Em tudo isso, um aspecto é evidente: a necessidade manifestada pelo ser humano de uma proteção especial, a fim de que pudesse sair vencedor nesse tão instável jogo da vida. Dessa forma, os espíritos ‘superiores’ passaram a condividir com o homem a responsabilidade de sua vida individual, familiar e

social (AZZI, 1987, p. 62-63).

Os ex-votos no Brasil começaram a fazer parte da identidade religiosa

nacional. Mesmo com o passar do tempo e advento de novas tecnologias, a prática

votiva permaneceu em muitos casos intacta, pois ainda se preservam os tipos

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tradicionais de ex-votos. Porém, podemos dizer também que houve uma adequação

dessa devoção com os novos tempos. A obrigação de agradecer uma graça

alcançada está presente no cotidiano, tanto do catolicismo popular quanto em outras

manifestações religiosas, que tem por base a nossa matriz religiosa brasileira. Mais

do que uma simples identidade religiosa, estamos falando de uma identidade

cultural.

3.3 Os ex-votos no catolicismo de hoje

Muitos estudos históricos, que contemplam os ex-votos como objetos de

estudo, muitas vezes os relacionam a uma realidade rural, como se a modernidade

ou o grande êxodo rural das décadas de 1970 e 80 tivessem afastado os fiéis dessa

prática devocional de se relacionar comunicativamente com suas divindades por

meio do oferecimento de ex-votos.

No período em que elaboramos este estudo, tivemos a oportunidade de visitar

muitos santuários, ermidas, cruzeiros, tanto em locais distantes (rurais) como em

grandes centros urbanos, e percebemos um grande fluxo de pagadores de

promessa. Observamos que alguns santuários criaram até salas de milagres e

museus para receber e, posteriormente, expor as peças votivas.

Santuários e Igrejas como o de Nossa Senhora Aparecida (Aparecida - SP);

de Nossa Senhora da Abadia (Romaria – MG); do Divino Pai Eterno (Trindade –

GO); Igreja Senhor do Bonfim (Salvador – BA); Igreja de São Francisco do Canindé

(Canindé – CE); Igreja de São Sebastião na cidade de Tambaú – SP, onde estão

enterrados os restos mortais do “santo popular” em processo de beatificação Padre

Donizetti; Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Juazeiro do Norte – CE,

onde se encontram os restos mortais do “santo popular”, que arrasta multidões,

Padre Cícero; dentre tantos outros locais, muitas peças encontradas se assemelham

aos ex-votos que estão em nosso imaginário histórico e cultural e que nos remete

aos ex-votos anteriores ao cristianismo, como partes do corpo confeccionadas em

diversos tipos de materiais. Encontramos também placas com o milagre descrito de

forma narrativa; pinturas com a cena da intervenção divina, e assim por diante.

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Figura 17 - Ex-votos de diversos santuários no Brasil

Fonte: arquivo do autor

Porém, em muitas outras igrejas que visitamos, mesmo não sendo um centro

de peregrinação por excelência, os ex-votos podem até passar despercebidos, mas

com olhos atentos são detectados facilmente. São bilhetinhos aos pés do santo

agradecendo a graça alcançada; objetos em miniatura manifestando o favor

recebido.

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Figura 18 - Ex-votos aos pés de Nossa Senhora da Cabeça – Igreja de Santa Luzia, São Paulo – SP

Fonte: Arquivo do autor

Citamos, como exemplo, duas igrejas de São Paulo, a Igreja Nossa Senhora

dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, onde em um altar lateral está a

imagem de Santa Ifigênia, aos seus pés muitas casinhas em miniatura, em que os

devotos agradecem a aquisição da casa própria. Também a Igreja de Santa Luzia na

rua Tabatinguera, onde os devotos depositam réplicas de cabeças de ceras aos pés

de Nossa Senhora da Cabeça, agradecendo aos livramentos dos males psíquicos,

dores de cabeça, depressões, entre outros. Nestes dois casos, vemos que os santos

padroeiros não são os santos que recebem os ex-votos. Esse fenômeno acontece

em igrejas espalhadas por todo Brasil, e também fora do Brasil, como é o caso da

Igreja Imaculado Coração de Maria, em Montevidéu no Uruguai, onde o santo que

recebe os ex-votos é São Pancrácio.

As placas são outra modalidade de ex-voto, muito presente no passado e

ainda comum em nossos dias, mas hoje com novo formato. Antes de mármore,

agora transformadas, muitas vezes, em banners, que não podendo ser colocados

dentro da igreja, são amarrados ao redor dos templos.

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O exemplo que trazemos é da Igreja de Santa Cecília (São Paulo – SP).

Quase diariamente um banner diferente é colocado nas grades externas da igreja, e

o curioso é que os agradecimentos são destinados aos mais variados santos, como

São Judas, Santo Expedito, Nossa Senhora, etc. A prática dos ex-votos é viva e o

devoto encontra formas de concretizar sua promessa. Por ser uma igreja, o devoto

intui que aquele espaço é sagrado, e o seu santo de devoção o ouvirá, mesmo que

não seja depositado dentro do templo e mesmo que o templo não seja dedicado ao

santo da promessa.

Figura 19 - Ex-voto (Banner) Igreja Santa Cecília, São Paulo -SP

Fonte: Arquivo do autor

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Outra prova de que a prática do ex-voto está muito presente em nossos dias

são as plataformas digitais utilizadas para dialogar com os santos de devoção. São

muitos os sites de paróquias e santuários que recebem relatos de graças

alcançadas por intercessão dos santos e de Nossa Senhora. Inclusive, muitas

páginas no facebook são criadas por devotos e conseguem milhares de seguidores,

mesmo não estando vinculadas a algum órgão institucional da Igreja Católica.

No facebook, por exemplo, citamos o caso de uma comunidade criada em

honra a Santo Expedito. A comunidade se chama Santo Expedito

(@santoexpeditooficial) e contava, na visita realizada para esta pesquisa em

(16/09/2017), com 40.243 seguidores. Vale destacar que esta comunidade não está

vinculada a nenhuma paróquia, é de iniciativa laica. As postagens quase sempre

estão relacionadas ao santo de devoção. Nos comentários, os devotos fazem seus

pedidos e também agradecem as graças recebidas.

No dia 20 de abril de 2017, a comunidade postou uma imagem de Santo

Expedito com o dizer: O Santo das causas impossíveis. Centenas de comentários

seguiram a postagem, muitos deles agradecendo favores recebidos (ex-votos),

apresentamos dois exemplos (sem identificar os autores):

Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada! Obrigada por colocar em meu caminho uma pessoa disposta a oferecer ajuda. Obrigada por colocar essa pessoa justo quando clamei a ti em desespero!!! Obrigada, obrigada, obrigada!!!! Divulgarei e espalharei seu nome a todos que tenham fé, como sempre!!! Ave Santo Expedito! (F.N. – 27/07/2017). Eu venho agradecer a Santo Expedito pela intercessão junto a Deus... estou fazendo a novena e no terceiro dia meu pedido foi atendido. Amém. (V. C. – 24/06/2017)

Outra forma popular de agradecimento em nossos dias são os ex-votos

impressos no corpo, na forma de tatuagens. Com a inscrição no corpo, o fiel

manifesta o desejo de recordar por toda vida o milagre ou a graça recebida.

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Figura 20 - Ex-voto (tatuagem)

Fonte: Arquivo do autor

Com estes exemplos, vemos que a herança religiosa do catolicismo popular

de oferecer ex-votos aos santos permanece viva e presente em nosso tempo, e que

com os novos tempos os devotos encontram formas “modernas” e midiáticas de se

comunicarem com a divindade por meio do ex-voto.

3.4 A presença dos ex-votos nas igrejas evangélicas

Pode parecer estranho falar de ex-votos nas práticas evangélicas, por conta

da iconoclastia que marca a identidade deste grupo cristão, especialmente no Brasil.

Porém, quando nos detemos nos detalhes de algumas práticas, percebemos que,

apesar do não uso da nomenclatura “ex-voto”, muitos dos rituais de agradecimento

em várias denominações evangélicas poderiam sim ser classificados como tais.

Considerando a dificuldade da classificação das igrejas protestantes

(evangélicas), devido à grande diversidade de grupos e às grandes diferenças entre

eles, daremos prioridade, nesta pesquisa, na análise de algumas práticas de

confissões neopentecostais que, nas últimas décadas no Brasil, são as que mais

cresceram em número de fiéis. Em seu livro, A Explosão Gospel, a pesquisadora

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Magali do Nascimento Cunha, ao elencar, de forma sucinta, os critérios que

norteiam o pentecostalismo independente, também conhecido como

neopentecostalismo, escreve:

[...] que, sem raízes históricas na reforma do século XVI, surgiu (e surge ainda hoje) de divisões teológicas ou políticas nas “denominações históricas” a partir da segunda metade do século XX. Tem como especificidades sua composição em torno de uma “liderança carismática”, a pregação da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, a prática constante de exorcismo e curas milagrosas e o rompimento com o ascetismo pentecostal histórico. Sua enumeração é dificílima, dada a profusão constante de novas igrejas: entre outras, Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa da

Bênção e Universal do Reino de Deus (CUNHA, 2007, p. 15).

Os pesquisadores do campo das Ciências da Religião são unânimes ao

afirmarem que as igrejas neopentecostais estão ancoradas em elementos simbólicos

da Matriz Religiosa Brasileira, ou seja, podemos analisar o fenômeno dessas

religiões como hibridismo religioso. O estudioso das religiões, Leonildo Siqueira

Campos, discorre sobre este fato no capítulo As Origens Norte-Americanas do

Pentecostalismo Brasileiro, que compõe o livro Religiosidade Brasileira. Leonildo

apresenta a problemática citando autores que pesquisam sobre o tema, inclusive

José Bittencourt Filho:

Há uma discussão em andamento a respeito da potencialidade sincrética do pentecostalismo e sobre ela encontramos, entre outras, as observações de Jean-Pierre Bastian (1997, p. 206), que considera o pentecostalismo na América Latina como “catolicismos de atribuições”. Por sua vez, José Bittencourt Filho (2003, p.115) afirma estarmos diante de uma das manifestações possíveis da “matriz religiosa brasileira”. em ambos os casos o modelo analítico é o da continuidade. Por isso há autores que perguntam: “é protestante o novo pentecostalismo brasileiro?” Um outro mais radical vai mais longe e questiona: “é pentecostal o neopentecostalismo brasileiro?”, usando como exemplo a Igreja Universal do reino de Deus e seu enorme poder de assimilação da cultura católica e das religiões mediúnicas. [...] Tais observações nos levam a uma afirmação inicial de que manifestações culturais do pentecostalismo, especialmente na África e na América Latina, são continuidades de uma “religiosidade matriarcal”, que já se faz presente em nossas culturas desde os tempos anteriores à conquista europeia. No entanto, essa síntese pentecostal foi enriquecida posteriormente com a chegada das culturas africanas e das religiões mediúnicas, gerando-se com isso novas formas de manifestação, principalmente agora com o acirramento da modernidade, do processo de secularização, do pluralismo religioso, da invasão do espaço público pelas religiosidades contemporâneas e da chegada da pós ou da alta modernidade (CAMPOS, 2012, p. 145,146).

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Diante da complexidade da situação atual de muitas igrejas evangélicas,

sobretudo as neopentecostais, e tendo em vista o sincretismo em que a maioria

delas está imersa, podemos dar um passo além, buscando referências concretas da

prática dos ex-votos por estas denominações evangélicas. Embora José Bitterncourt

Filho não trabalhe especificamente sobre os ex-votos em seu livro Matriz Religiosa

Brasileira, podemos entender e perceber a presença dessa prática quando o autor

escreve:

As denominações que integram o Pentecostalismo Autônomo, oferecem uma proposta religiosa formulada em três vertentes independentes: cura, exorcismo e prosperidade. Além disso, apostam numa oferta incessante de bens simbólicos e não investem na formação da comunidade. Em vez de comunidades, o Pentecostalismo Autônomo investe no coletivismo, bem ao modo da cultura de consumo de “mercado total”. [...] Outro traço marcante é a exploração sistemática da polissemia dos símbolos da Religiosidade Matriarcal. Muito além dos limites demarcados pela ‘ortodoxia’ pentecostal. Disso decorre uma ampla e diversificada oferta de bens simbólicos, subordinada a preferências e conveniências individuais. Estamos perante um autêntico “supermercado religioso”, no qual bens e objetos são expostos e oferecidos para suscitar e satisfazer os anseios de “consumidores” (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 195,196).

As três vertentes em que as denominações neopentecostais estão ancoradas:

cura, exorcismo e prosperidade, precisam de testemunhos que ratifiquem as curas

realizadas, a saber: libertação espiritual que o fiel passou e a prosperidade

concedida a ele após sua adesão espiritual. Um dos pilares das igrejas

neopentecostais são os milagres, para dar visibilidade publicitária ao Deus que

opera maravilhas (por intermédio, quase sempre, de um determinado pastor e de

sua instituição religiosa), os testemunhos de pessoas agraciadas legitimam as tais

igrejas e pregadores.

Podemos entender muitos desses testemunhos como ex-votos, pois existiu

um elemento antes, uma oração, um pedido. Nesta oração, o fiel faz o seu pedido

(não direcionado aos santos ou a Nossa Senhora, como é comum no catolicismo,

mas a Jesus Cristo ou a Deus); o pedido é acompanhado de um compromisso

espiritual (promessa), de tornar público o poder de Deus que realizou o milagre.

Constituímos, dessa maneira, a estrutura do ex-voto.

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Não estamos falando da concepção de ex-votos, quase sempre entendidos

dentro de “salas de milagres” ou aos pés dos santos. Estamos falando de

comunicação simbólica com a divindade por meio do agradecimento, em alguns

casos, o simples testemunho oral já poderia ser entendido como ex-voto, mas a

maioria dos testemunhos orais é “certificado” com a materialidade: exame médico e

fotos mostrando o antes e o depois; muletas e cadeiras de rodas, óculos, cópias de

carteiras de trabalho assinadas e colecionadas nos templos, além de muitos outros

exemplos.

Boa parte destes testemunhos proferidos nos cultos são gravados em vídeos,

sendo televisionados (muitas vezes) e postados em websites das igrejas. O acervo

destes relatos acaba se tornando uma espécie de “sala de milagres virtuais”, cujo

acesso a estes testemunhos pode ser feito de qualquer lugar do mundo.

Praticamente todas as denominações neopentecostais mantêm no Youtube

um canal em que são reproduzidos momentos dos cultos. Nestes veículos, os

testemunhos de milagres ganham destaque. Daremos atenção a duas igrejas

evidenciadas pelo grande número de fiéis e por uma presença midiática significativa:

a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus. As duas

mantêm os seus canais no Youtube com atualizações diárias.

O canal da Igreja Universal do Reino de Deus (Canal Oficial da TV Universal

no Youtube) contava na última visita virtual realizada para esta pesquisa

(16/09/2017) com mais de 200 mil inscritos, em um total de quase 45 mil

visualizações. Dentre os vídeos destacados, há uma seleção que se chama

“Testemunho de Fé”, cuja maioria é composta de relatos (proferidos nos cultos) de

fiéis testemunhando a ação de Deus em suas vidas. As graças podem ser

classificadas dentro do tripé: cura, exorcismo, prosperidade.

Em alguns casos, o canal faz uma compilação de vídeos, acompanhando o

desenvolver da história do agraciado. Como é o caso do vídeo intitulado “Curada de

câncer de mama pela fé” (postado em 14/08/2017, com 6:22 minutos de duração),

em que uma senhora de meia idade testemunha a graça de ter sido curada de um

câncer “severo” de mama. O vídeo é dividido em três partes: 1) começa com a

chamada “antes”, quando a mulher testemunha pela primeira vez tentando esconder

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um dos seios que anatomicamente está desfigurado com um “câncer exposto”. Ela

faz o compromisso público de voltar, caso melhore, embora o pastor já tenha dado a

garantia de que ela está curada; 2) chamada, indicando que se passaram quinze

dias, nesta parte do vídeo a mulher está mais confiante, disse que melhorou

bastante desde a última vez que esteve ali. Dessa vez, ela não tenta esconder o seu

seio; 3) mais uma interrupção no testemunho e vamos para a terceira e última parte.

Um mês depois, a mulher sorridente diz não sentir mais nada, que foi curada e que

os médicos estão surpresos. Muitas fotos são mostradas, dessa vez expondo o seu

tumor no seio. As fotos se repetem em vários ângulos (com destaque para o antes e

depois do milagre). Em alguns momentos do vídeo, ela diz que está obedecendo ao

voto, ao compromisso.

Na página oficial da Universal na internet (universal.org) ganha destaque um

link intitulado A Cura pela Fé – são muitos os relatos e testemunhos. No final dos

relatos, encontramos uma mensagem comum: “A Universal recebe semanalmente

pessoas em busca de um fim para suas dores, físicas e espirituais. São centenas de

testemunhos de quem recebeu a cura no Ritual Sagrado, no Templo de Salomão,

e em outros templos da Universal”.

Com relação à Igreja Mundial do Poder de Deus, não podemos falar de um

canal específico no Youtube, pois são vários canais, inclusive regionalizados,

mostrando os milagres e a programação das igrejas locais, como é o caso do canal

IMPD SP (regional de São Paulo – SP), que conta na última visita virtual realizada

para esta pesquisa (16/09/2017) com cerca de 40 mil inscritos. A maioria dos vídeos

mostra a atuação do apóstolo Valdemiro Santiago, o fundador da denominação, na

realização de curas e as materialidades (provas) de tais milagres.

Em um dos vídeos do canal IMPD SP, temos um relato de cura bastante

emblemático, o de um homem curado da lepra, o vídeo se chama “IMPD Milagres –

homem curado de lepra (27/03/2012)”. Em pouco mais de 13 minutos de duração, o

apóstolo Valdemiro intercala imagens do homem curado. O agraciado fica atrás do

pastor que relata a cura, as câmeras somente dão destaque para o rosto do homem

(que chora muito), quando é preciso que a história seja confirmada. O homem está

sem camisa, provando estar “limpo”, e quase sempre com os braços erguidos em

sinal de louvor. Conforme Valdemiro narra a história, são intercaladas imagens do

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homem antes de ser curado, com o corpo todo chagado e vertendo sangue pelos

poros. Como prova material da doença, são exibidas imagens de uma camiseta toda

ensanguentada que o homem usava antes de ser curado. Também é destacada

uma camisa “azul” do apóstolo que o abraçou antes da cura, e o sangue do homem

ficou impregnado em sua camisa. O senhor, que agradecia a cura, deixa escapar

em alguns momentos que a obra foi realizada pelo apóstolo. O que nós entendemos

como voto (na constituição de uma promessa) é que, neste relato de cura, tanto

Valdemiro quanto o agraciado utilizam o termo “desafio”, foi “lançado um desafio

para Deus”. E agora eles testemunham o poder de Deus que não desampara os

seus fiéis quando se devotam a Ele, por meio da igreja. Em vários momentos, o

apóstolo fala em tom de choro, dizendo ser perseguido (pela imprensa, por outras

igrejas), mas que diante de tantos milagres (operados por intermédio dele), a obra

não poderia acabar. A imagem da camisa do apóstolo ensanguentada aparecia (em

vários flashes) como prova concreta do milagre realizado na vida daquele homem.

No website da Igreja Mundial (impd.org.br), os visitantes são convidados a

assistirem aos milagres que são realizados naquela denominação religiosa. Há um

link com o seguinte título: “Milagres” – ao lado dos relatos que abrem a tela

encontramos um outro link: “Veja esses milagres” – e os relatos estão subdivididos

da seguinte forma: Cura; Familiar; Financeiro e Salvação. Ao pé da página,

encontramos uma ficha para que os agraciados possam relatar o milagre recebido. A

ficha se chama “Envie Seu Milagre”, com campos para preencher com os seguintes

itens: título do milagre; data do milagre; local do milagre; espaço para o agraciado

enviar foto e termina com a descrição do milagre.

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Figura 21 - Ficha para envio do testemunho

Fonte: Igreja Mundial do Poder de Deus - Reprodução

Não é habitual que os templos evangélicos tenham “salas de milagres”, como

vemos em templos católicos, porém há uma exceção. Estamos falando da Igreja

Pentecostal Deus é Amor, fundada em 1962, por David Martins Miranda. A sede da

Igreja Deus é Amor na cidade de São Paulo possui um local onde os fiéis depositam

seus agradecimentos. Subindo a escadaria principal do templo, do lado direito,

existe uma espécie de nicho, com vários objetos deixados neste local como prova

concreta da ação de Deus na vida dos congregados. A tipologia dos objetos é

praticamente idêntica àquela encontrada nas igrejas católicas.

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Figura 22 - Ex-votos – Igreja Deus é Amor, São Paulo - SP

Fonte: Arquivo do autor

Muitas muletas e próteses de vários tipos, exames médicos, cartas com a

descrição do milagre, fotos, roupas, compõem o acervo religioso. Existe uma

prateleira com dezenas de vidros de diversos tamanhos, contendo substâncias

estranhas, que são chamados “testemunhos de libertação”. Quando o fiel recebe a

bênção do pastor, ou quando ora pedindo a libertação espiritual ou física,

geralmente o momento da libertação é acompanhado com o ato de vomitar. O

vômito, ou aquilo que é expelido, representa o mal que saiu da vida daquela pessoa,

pode ser um espírito maligno que estava possuindo o fiel, como pode ser também a

eliminação de alguma doença, como câncer, por exemplo. Esta substância é

recolhida e colocada em vidros. Muitos dos vidros estão identificados, com o nome e

a graça que o crente recebeu.

Quando o missionário David Miranda ainda era vivo (falecido em 21/02/2015),

a igreja promovia a cerimônia em diferentes locais do Brasil. O convite impresso

para tais eventos continha a foto do missionário rodeado de “ex-votos”,

demonstrando que a oração dele era eficaz e realizava milagres.

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Figura 23 - Milagres na Igreja Deus é Amor

Fonte: Informe Publicitário

O site oficial da Igreja Deus é Amor (ipda.com.br) contém o link “Voz da

Libertação”, nele é possível ler ou ouvir os testemunhos, também há a possibilidade

de relatar um milagre. As expressões “fazer um voto”; “fiz meu voto”; “cumprir o

voto”, aparecem em muitos relatos, como nestes abaixo, em que estamos diante do

que neste trabalho estudamos como ex-votos:

Meu pai passou mal no trabalho, então levaram-no ao hospital. A partir daí, eu fiz um voto, rogando a Deus pelo livramento em favor do meu pai, prometendo-Lhe contar a bênção. Graças a Deus, os

médicos realizaram exames, e não constataram nada. Esse é o meu pequeno testemunho. Deus os abençoe! (S. R. M. – São Paulo –

SP).

Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela vitória. Em segundo, desejo cumprir com meu voto de contar o testemunho. Há alguns

dias, eu fiz um pedido de oração em favor da minha filha Vanessa, para Deus abençoá-la nas provas da faculdade e, também, conseguir pós-graduação gratuita e trabalho em sua área. Deus atendeu o meu pedido, pois ela conseguiu todas as três vitórias. Deus abençoe essa

igreja! (S. D. C. S. – Santo André – SP).

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O pedido é acompanhado com um “voto” (promessa) de tornar pública a

graça recebida. Vemos isso nos exemplos acima, como também em quase todos os

testemunhos orais que são televisionados e postados na internet. Com base nestas

evidências, é possível afirmar que estamos diante da essência do significado de ex-

voto.

3.5 Ex-votos nas religiões de matriz religiosa africana

A escravidão no Brasil se consolidou como um “mercado” promissor a partir

da primeira metade do século XVI. A escravidão negra foi uma prática comum no

Continente Americano. Africanos de diferentes tribos, com culturas diferentes, foram

aprisionados e traficados. No Brasil, destaca-se o tráfico de dois grupos étnicos, os

sudaneses (Nigéria, Daomé, Costa do Marfim) e os bantos (Congo, Angola e

Moçambique). Foram 5,5 milhões de negros trazidos à força para o país. Segundo

os cálculos, 12% deles não desembarcaram aqui, estima-se que mais de 660 mil

morreram antes do fim da viagem. Estes grupos tinham suas próprias culturas,

inclusive religiosas28.

Os negros que aqui chegavam eram obrigados a assumirem uma fé que lhes

era estranha, o catolicismo, religião oficial da coroa portuguesa. O processo de

conversão não era natural, mas imposto. Muitos africanos, de fato, se converteram e

viveram uma profunda fé católica, sobretudo pelas assimilações feitas entre o culto

católico e as religiões africanas. O antropólogo Luis Nicolau Parés (2013, p. 111),

cita a devoção aos santos católicos como um princípio de assimilação, que se

baseia no “complexo da promessa”, uma relação interpessoal do fiel com sua

divindade espiritual, assemelhando-se muito com as relações indivíduos/divindades

na cultura africana.

Porém, era impossível obrigar que os negros se convertessem em sua

totalidade, alguns não aderiram interiormente à fé católica. Houve então certas

“acomodações” na forma de crer, processo que também pode ser chamado de

hibridização, ou ainda “sincretismo”. Os negros, agora cristãos, impossibilitados de

participarem das confrarias frequentadas pelos brancos, criavam suas próprias

28

Sobre as expressões religiosas da etnia banto, tratamos no capítulo segundo desta tese.

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confrarias e irmandades religiosas, muitas delas camuflavam em seus cultos

elementos das religiões originárias da África. Dessa forma, a prática dos ex-votos

nas religiões de matriz africana no Brasil começa a se desenhar.

O antropólogo Parés, no livro A formação do Candomblé, escreve sobre a

importância das irmandades na preservação e resistência da cultura religiosa

africana:

Parte dos africanos envolvida nas irmandades, talvez a maioria, não sofria uma conversão tão radical, eles podiam adiciona, muitas vezes apenas superficial, certas crenças e hábitos católicos àqueles aos quais foram educados na África, estabelecendo paralelismos ou relações conceituais, por vezes até identificações, entre os dois sistemas referenciais. [...] Desse modo, com muita frequência, as irmandades encobriam práticas que não se ajustavam aos cânones da teologia católica: os calundus. As redes sociais dos negros que se articulavam nas irmandades católicas eram as mesmas que podiam garantir a organização de batuques e outras práticas religiosas que os olhos dos africanos possuíam tanta eficácia – e para alguns até mais – quanto à devoção aos santos católicos. [...] O sincretismo afro-católico do Candomblé contemporâneo encontra raízes nessa duplicidade de práticas surgidas ainda no século XVII e que se desenvolveram principalmente no século XVIII (PARÉS, 2013, p.

111).

Hoje há duas principais ramificações das tradições africanas em formato

religioso: o Candomblé e a Umbanda29. Tanto uma como a outra estão fortemente

influenciadas pelo sincretismo afro-católico - a ligação simbólica entre os elementos

do catolicismo, sobretudo popular, e as religiões de matriz africana. Relação

perceptível e, por vezes, estes elementos chegam a se confundirem.

É difícil precisar a origem do Candomblé. Vários autores como Bastide (2001),

Santos (1988) e Verge (1981) dizem que a cosmovisão religiosa do Candomblé foi

sendo construída com elementos culturais e religiosos de várias culturas africanas e

também com a integração com os simbolismos dos povos indígenas e do catolicismo

colonial. A base religiosa do Candomblé, bem como da Umbanda, é a fé nos orixás

que regem a vida dos fiéis. O site ‘ocandomblé’ apresenta uma definição do que

sejam os orixás:

29

Estamos diante de duas forças religiosas bastante complexas. Nosso intuito, neste trabalho, não é desvendar a história ou a teologia de ditas religiões de matriz africana, mas encontrar elementos, sobretudo, na Umbanda, que possam ser associados aos ex-votos.

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Os orixás são entidades africanas que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá aproximam-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários (OCANDOMBLÉ, 2008).

Poderíamos traçar um paralelo entre as oferendas aos orixás com base no

Candomblé, e os ex-votos, porém devido à complexidade dessa simbólica religião,

com suas várias ramificações no gesto da oferenda, inclusive contemplando o

sacrifício animal, iremos nos deter na prática religiosa umbandista, que embora

sejam diferentes estão ligadas por princípios básicos.

Para este estudo iremos destacar algumas ideias de Rubens Saraceni, que

em vida escreveu mais de oitenta livros sobre o tema antes de falecer no ano de

2015. Foi também professor de Teologia Umbandista, e no seu livro Fundamentos

Doutrinários da Umbanda apresenta um panorama geral sobre a Umbanda e o seu

culto.

A Umbanda nasceu no Brasil com elementos multirreligiosos. Sobre a sua

origem, Saraceni (2015) escreve que a data estabelecida para o surgimento dessa

religião se deu em 15 de novembro de 1908, em um centro de estudos kardecista30.

O jovem Zélio Ferdinando de Moraes, movido fortemente pela mediunidade,

incorporou o espírito de um índio brasileiro com o nome de Caboclo das Sete

Encruzilhadas, porém a forma como o espírito se apresentou desgostou os membros

da sessão espírita. Antes de o espírito sair do corpo de Zélio, ele teria dito que

voltaria no dia seguinte e especificou que seria na casa do médium. Assim se

concretizou, no dia 16, o espírito novamente incorporou e avisou a todos os

presentes: “Sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas e vim fundar uma nova religião!”.

Revelou inclusive que o nome da nova religião seria “Umbanda”. A palavra

Umbanda vem da língua dos povos bantos (Mbanda), significa dentro do universo

banto: curador, feiticeiro, sacerdote, chefe do culto.

30

O Kardecismo é uma doutrina espírita (crença na reencarnação). Sua fundação se deu na metade do século XIX, pelo pedagogo francês Hippolyte León Denizard Rivail, que utilizava o pseudônimo Allan Kardec. A doutrina se espalhou rapidamente por todo mundo. Anos após a sua fundação, começaram a surgir movimentos religiosos no Brasil.

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A religião, segundo Saraceni, é monoteísta. Deus é o Divino Criador Olorum,

ele é o criador de tudo, inclusive dos orixás (seres divinos) que não se encarnaram

na terra, mas são criaturas espirituais ligadas à natureza com características

próprias de personalidade. Diferente do Candomblé, os orixás na Umbanda não

incorporam, porém os orixás têm os seus Guias e Entidades, estes sim fazem o

trabalho da incorporação na Umbanda.

Acredita-se que cada pessoa que nasce recebe a forte influência de algum

dos orixás que será o seu protetor por toda vida. Os orixás, tendo personalidade,

possuem os seus gostos de comida, de cores, cada um habita em um local próprio

conforme sua identidade. Apresentamos os principais orixás da Umbanda:

Oxalá – Depois de Olorum ele é o maior. O ar é o seu elemento natural. Foi

ele que criou o ser humano, e também é ele que decreta o fim da vida.

Oxum – É a senhora das águas doces, dos rios e das cachoeiras. É mãe e

modelo de mãe. Orixá da fecundidade e fertilidade.

Ogum – Orixá guerreiro, protetor das perseguições espirituais e materiais.

Pelo sincretismo é associado a São Jorge.

Iemanjá – É a rainha do mar e mãe de todos os outros orixás. Ampara a

maternidade, além de proteger a vida marinha, protege o lar e a família.

Xangô – Orixá da justiça (causa e efeito). Castiga os que merecem e faz

justiça aos que atuam de forma correta, resolve também situações difíceis.

Iansã – Cuida dos ventos e tempestades, é a rainha dos raios, é conhecida

também como a guardiã de todos os mortos. Ela tem o poder de desfazer “feitiços”.

No sincretismo religioso é associada a Santa Bárbara.

Oxossi – Senhor das matas e dos caboclos, é tido como um caçador de

almas. Também protege os animais.

Omulú – É o orixá da saúde, cuida dos doentes, dos hospitais e também dos

cemitérios. É um orixá temido por lidar com a morte.

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Nanã – considerado o orixá mais velho de todo o panteão africano. Orixá do

fundo dos rios - foi de seu barro que os seres humanos foram feitos. É a “mãe” do

destino, seu habitat é o cemitério.

Os orixás, na Umbanda, recebem oferendas, por sinal estas são uma das

grandes características dessa religião. Cada oferenda, segundo Saraceni (2015),

tem uma finalidade. Ele as subdivide da seguinte forma: 1) agradecimento; 2) pedido

de ajuda; 3) desmagiamento; 4) descarrego; 5) propiciatória; 6) purificadora; 7) ritual

de firmeza de forças na natureza; 8) ritual de assentamento de forças e poderes

espirituais.

Em nosso trabalho de associar certas práticas religiosas com os ex-votos, não

podemos seguir um caminho cientificamente equivocado e defender que todo tipo de

oferenda seja ex-voto. Não, não são. Porém, existe sim, de forma muita plausível, a

possibilidade de se fazer, em alguns casos, uma leitura dessas oferendas como ex-

votos, na linha do que estamos apresentando como tal neste estudo.

Das oito subdivisões que o autor apresenta para as finalidades das oferendas,

a primeira delas é a oferenda de agradecimento. Por tudo aquilo que já

desenvolvemos sobre o tema dos ex-votos, podemos afirmar que uma oferenda de

agradecimento pode ser considerada um ex-voto. Na descrição do que seja uma

oferenda de agradecimento, Saraceni escreve:

Essa oferenda é feita em função do auxílio já recebido. Muitas

vezes estamos envoltos em dificuldades de tal importância que nos ajoelhamos e ali, em nossa fé, invocamos a deus e algum dos seus mistérios ou divindades e lhe pedimos que nos ajudem, que

depois lhes ofertaremos algo em agradecimento.

Uns fazem promessas; outros prometem uma oferenda na natureza;

outros prometem dar algum auxílio aos necessitados, etc.

Quando são promessas, seu cumprimento é questão de foro íntimo e, após cumpri-las, as pessoas sentem-se melhores e em paz com Deus e com a divindade invocada.

[...] cumprir o que foi prometido não é dar ou fazer por Ele (Deus) e

elas, mas fazemos algo para nós mesmos.

Deus e as divindades não comem, mas lhes ofertarmos uma “ceia ritual” estamos compartilhando nosso sucesso e nossa vitória,

atribuindo-lhes o apoio para que elas acontecessem.

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Ali, no momento da “comemoração”, estamos dizendo de forma simbólica que sem Seu auxílio e o delas não teríamos tido sucesso; estamos agradecendo-lhes e estamos dando prova de nossa fé em seus poderes, reverenciando-os com o que

prometemos (SARACENI, 2015, p. 243,244, grifos nosso).

Temos, neste texto, uma descrição que tem estreita relação com o que neste

trabalho afirmamos ser um ex-voto. Existe a dificuldade; a fé que leva o indivíduo a

se relacionar com alguma entidade que pode resolver seu problema; temos a

promessa com o voto; a intervenção divina; o agradecimento do fiel e a simbologia

do pagamento da promessa (ex-voto – o voto colocado para fora).

É muito difícil especificar se uma oferenda é de agradecimento ou faz parte

de outra finalidade. As oferendas se confundem, pois é ofertado ao orixá ou à

entidade religiosa justamente aquilo que ele gostaria de receber, e as ofertas são

semelhantes tanto para agradecimento quanto para pedidos e outros fins.

As oferendas que são de agradecimento são realizadas em vários espaços

físicos, tudo depende muito da personalidade do orixá. Algumas oferendas deixadas

à beira de rios são para Oxum; oferendas para Ogum podem ser colocadas em

caminhos e encruzilhadas; para Oxossi, em bosques e assim por diante.

É comum, ao visitarmos os cemitérios no Brasil, percebermos que no cruzeiro

além das velas dos fiéis de várias crenças, encontramos também uma série de

oferendas. São vários os orixás que recebem suas oferendas nos cemitérios, como

por exemplo: Nanã e Omolu.

Como parte do processo de pesquisa de campo para o desenvolvimento

desta tese, visitamos vários cemitérios e em todos os cruzeiros havia oferendas

típicas da Umbanda. No cemitério da Saudade em Campinas - SP, além das

oferendas no cruzeiro que fica do lado externo do cemitério, nos chamou a atenção

um túmulo dedicado ao orixá Exu. Uma matéria no jornal Correio Popular trata da

reforma do túmulo, pois segundo a reportagem, o local é bastante visitado por

pessoas que levam suas oferendas:

Na verdade não tem ninguém enterrado naquele espaço. De acordo com o presidente da Associação dos Religiosos de Matrizes Africanas de Campinas e região, João Carlos Galerani, o pai Joãozinho, o espaço foi doado há décadas por um senhor que teria

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alcançado uma graça. “Fizemos o fundamento da energia do Tranca Ruas e esse é um espaço de trabalhos e pedidos dos religiosos de matrizes africanas”, explicou Galerani. Como é um local onde são colocadas diversas oferendas, muitas delas incluindo alimentos, o presidente da associação informou que será colocada, no dia do evento, uma placa pedindo para que os frequentadores conservem o local limpo. “Esse é um patrimônio, e estava muito depredado”, frisou. Para o dia 16 serão convocados aproximadamente 70 terreiros de Campinas e região. Uma queima de fogos está programada. Na manhã de ontem, o túmulo de Exú era um dos mais visitados. Os frequentadores levam bebidas alcoólicas, velas e demais objetos para a entidade (CORREIO

POPULAR, 2016).

No dia em que visitamos o local, encontramos praticamente todos os tipos de

oferendas que são recomendadas ao orixá Exu (Tranca Ruas): aguardente;

conhaque; frutas variadas; comidas, como farofa com miúdos de frango, bife bovino

frito e também cru, parecendo estar temperado com azeite. E outros tipos de

oferendas para outros orixás, como perfume; pipoca; copos com água; charutos;

velas de várias cores; bilhetes.

Figura 24 - Oferendas para o orixá Exu – Cemitério da Saudade – Campinas - SP

Fonte: Arquivo do autor

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No cemitério do Araçá, na cidade de São Paulo – SP, encontramos o túmulo

dos fundadores da Associação Brasileira de Umbanda (Dona Felícia e Seu

Estanislau). À semelhança dos “santos populares31” enterrados em cemitérios, o

túmulo está repleto de ex-votos dos mais variados, como: placas de agradecimento

(bilhetes e cartas) e vários tipos de comidas (doces e frutas).

Dentre os orixás destacados na cultura religiosa brasileira, podemos citar a

Rainha do Mar Iemanjá. É comum as pessoas fazerem suas oferendas ao longo de

todo ano, mas, principalmente, o fazem na virada de 31 de dezembro para o dia 1 de

janeiro. Recorrem a essa prática tanto adeptos da Umbanda e do Candomblé como

pessoas que não professam essa fé, mas seguem uma tradição religiosa

popularizada. Outras datas importantes para os devotos de Iemanjá são os dias

dedicados a ela, 2 de fevereiro (para o Candomblé) e 15 de agosto (para a

Umbanda). São vários os presentes (oferendas) que Iemanjá “gosta de ganhar”:

Toalha branca ou azul-claro; velas branca e azul-claro; fitas branca ou azul-claro; linhas branca ou azul-claro; pembas branca ou azul-claro; flores (rosas brancas, palmas brancas, lírio branco); frutas (melão em fatias, cerejas, laranja lima, goiaba branca, framboesa); bebidas (champanhe de uva e licor de ambrósia); comida (manjares; peixe assado; arroz doce com bastante canela em pó (SARACENI, 2015, p. 249,250).

Na cidade de Salvador, capital da Bahia, existe na praia do Rio Vermelho uma

casa à beira-mar, dedicada a Iemanjá. Tanto dentro da casa como nas margens da

praia é comum vermos essas oferendas. Além das oferendas tradicionais, os

devotos, sabendo da beleza física do orixá que tem longos cabelos pretos, oferecem

também pentes e espelhos, muita água de cheiro, colares e coroas imitando joias e

objetos de maquiagem. Muitas das oferendas são colocadas em barquinhos azuis e

brancos que são depositados no mar. As oferendas a Iemanjá estão tão presentes

em nossa cultura que muitos artistas plásticos reproduzem essa devoção.

31

Santos Populares são os santos “canonizados” pelo povo, em quase todos os cemitérios espalhados pelo Brasil, é possível encontrar túmulos de pessoas que são consideradas santas, com poder de fazer milagres. Os túmulos desses “santos” recebem grande quantidade e variedade de ex-votos. Um caso curioso e de expressiva devoção no Brasil é do santo popular “Menino da Tábua”, no interior de São Paulo, na cidade de Maracaí. Outro exemplo é do “Motorista Gregório” no Piauí, descrito no livro “A Construção de um Santo – caso motorista Gregório”, resultado da dissertação de mestrado em Folkcomunicação de Iury Parente Aragão.

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Figura 25 - Pintura de Camilo Tavares (Festa de Iemanjá)

Fonte: Printerest.com

Como já dissemos, é difícil precisar se as oferendas são de agradecimento

(ex-votos) ou para outra finalidade, mas como as oferendas para os diversos fins

são as mesmas, é possível deduzir que muitas delas são de agradecimento.

Com estas informações, concluímos este capítulo. Nosso objetivo no quarto e

último capítulo de nossa tese é revisitar a teoria da Folkcomunicação, sobretudo no

que concerne aos estudos dos ex-votos, e a partir da pesquisa que fizemos

proporemos a atualização da classificação da tipologia criada pelo pesquisador

Jorge González.

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CAPÍTULO IV

NOVAS TIPOLOGIAS DE EX-VOTOS

O estudo acerca dos ex-votos dentro da corrente de pesquisa denominada

Folkcomunicação é de suma importância. A Folkcomunicação nasceu de uma

concepção pioneira de Luiz Beltrão, de que a Comunicação Social também pode ser

entendida e estudada além das grandes mídias. Beltrão desejou aproximar as

manifestações culturais populares, de modo especial o folclore, dos estudos

acadêmicos em Comunicação Social.

É considerado a gênesis da Folkcomunicação um artigo de Luiz Beltrão sobre

os ex-votos. O texto foi publicado no ano de 1965 na revista Comunicação &

Problemas. O título do artigo intitulado O ex-voto como veículo jornalístico revela a

intenção do autor de sair do senso comum ao pensar em meios comunicacionais,

abrindo, dessa forma, novas possibilidades acadêmicas.

O primeiro parágrafo do artigo de Beltrão já busca definir essa nova forma de

pensar a comunicação que, anos depois, recebeu do próprio autor o nome de

Folkcomunicação:

Não somente pelos meios ortodoxos (a imprensa, o rádio, a televisão, o cinema, a arte erudita e a ciência acadêmica) – que em países como o nosso – de elevado índice de analfabetos e incultos, ou em determinadas circunstâncias sociais e políticas, mesmo nas nações de maior desenvolvimento cultural – não é somente por tais meios e veículos que a massa se comunica e a opinião pública se manifesta. Um dos grandes canais de comunicação coletiva é, sem dúvida, o folclore (BELTRÃO, 2013, p. 229).

Embora o artigo seja sobre o ex-voto como veículo jornalístico, abriram-se

com ele janelas acadêmicas multidisciplinares de estudos em comunicação, tendo

por base a cultura popular.

4.1 Ex-voto na Folkcomunicação

Tendo a Folkcomunicação nascida de um estudo de seu próprio criador,

sobre os ex-votos, podemos dizer que este tema é de grande relevância aos

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pesquisadores que seguem esta linha de abordagem. Luiz Beltrão faz uma análise

dos ex-votos tentando descobrir não o que já se sabia sobre eles, como por exemplo

seu formato estético, ou sua dimensão cultural. Beltrão procurou saber o que eles

“diziam” e como eles comunicavam.

O pesquisador José Marques de Melo, ao analisar a relação estabelecida por

Beltrão, acerca dos ex-votos e da Comunicação Social, escreve em seu livro Mídia e

Cultura Popular:

Luiz Beltrão (1965) define o ex-voto como objeto ‘que se oferecem nas capelas, igrejas, salas de milagres ou cruzeiros, em ação de graças por um favor alcançado do céu’. Trata-se de ‘manifestação folclórica’ geralmente entendida como ‘expressão artística’ ou percebida através de sua ‘finalidade diversional’. Ela contém dupla significação. Além do ‘sentido explícito’ – ‘demonstração da fé religiosa’ –, embute um ‘sentido camuflado’ – ‘expressão [...] tantas vezes discordantes e mesmo oposta ao pensar e ao sentir das classes oficiais e dirigentes’. Para identificar tais sentidos, o autor sugere o estudo das ‘peças expostas nas paredes’ dos santuários ou cruzeiros. Através deles será possível ‘decodificar as mensagens contidas’. Essa operação, que geralmente ‘escapa’ aos pesquisadores, é realizada de modo natural pelos peregrinos que afluem aos centros de devoção, porque são dotados daquela ‘expectativa sociocultural comum [...] aos seus comunicadores’, permitindo que se complete o circuito de qualquer processo

comunicativo’ (MARQUES DE MELO, 2008, p. 84).

Marques de Melo destaca os códigos comunicacionais presentes nos ex-

votos e a leitura “natural” dos devotos que visitam os locais onde estão expostas as

ditas peças. Sugere o autor que pesquisadores se detenham em decodificar “as

mensagens contidas” em cada peça. Ou seja, a peça em si possui uma mensagem

que extrapola a relação estabelecida pela devoção.

Tratar os ex-votos como um veículo jornalístico determina que estes objetos

possuem uma narrativa que comunica algo. Esta comunicação não se restringe

somente entre o devoto agraciado com a divindade que opera milagres, nem tão

pouco entre o agraciado e os seus, mas estes objetos acabam se tornando uma

memória viva e documental de determinada localidade. É possível com seu estudo

traçar uma radiografia cultural, antropológica e sociológica de determinado espaço

geográfico e histórico.

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No artigo Ex-voto como veículo jornalístico, podemos estabelecer dois níveis

comunicacionais defendidos por Luiz Beltrão. Sobre este tema, escrevemos no livro

de nossa autoria Ex-voto – a saga da comunicação perseguida (GOMES GORDO,

2015, p. 61,62):

- Primeiro: a comunicação de um fiel com os outros fiéis. Existe uma

linguagem comum que os devotos entendem e decodificam entre si. O fato de

aqueles objetos votivos estarem expostos em lugares considerados sagrados

dispensa a explicação, eles acabam falando por si, o devoto vê e entende.

Para esse grupo, a mensagem está explícita, é uma forma de comunicar-se já

instituída entre seus membros. A decodificação da mensagem é instantânea, e o fim

último da oferenda de um ex-voto é justamente estabelecer esse elo de

comunicação entre o fiel e a divindade, e também do fiel com os seus, sendo que ele

se transforma em propagandista do poder miraculoso do santo.

- Segundo: a carga simbólica dos objetos ofertados. Podem sinalizar as

características de uma época e os traços mais enigmáticos de uma sociedade ou

grupo, assim essa força comunicacional estaria na interpretação de um pesquisador

acadêmico que pode encontrar nos ex-votos um objeto de pesquisa para diversas

disciplinas, entre elas a sociologia, a antropologia, a teologia e, de modo especial,

como nos afirma Beltrão, o jornalismo ou a comunicação social.

Dessa forma, os inúmeros ex-votos que enchem as salas de milagres também podem sinalizar o universo local dos moradores de uma determinada região. Onde a seca castiga, podemos citar o nordeste brasileiro, muitos dos ex-votos estão relacionados ao sucesso da colheita (afastando assim a fome); em zonas rurais os ex-votos podem estar relacionados a algum animal que se recuperou de moléstias; em alguns santuários o que se destaca são os diplomas e becas, simbolizando a dificuldade de se concluir um curso acadêmico (seja ele qual for) e a falta de incentivo por parte das autoridades competentes; podem ser um retrato das doenças mais simples e do descaso do poder público com a saúde; os ex-votos de pessoas que deixaram algum vício, dependendo do número exposto no santuário, são a manifestação do índice de moradores que enfrentam algum tipo de dependência química (álcool, cigarro ou outras drogas não

lícitas) (GOMES GORDO, 2015, p. 62,63).

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Dentro dessa linha de raciocínio, em que o ex-voto aparece como um veículo

comunicacional, podemos citar também um pequeno trecho de uma carta do maior

folclorista brasileiro Câmara Cascudo, que ratifica os estudos das teorias de Beltrão,

com respeito ao ex-voto como meio de comunicação. A carta foi publicada no

mesmo número da revista Comunicação & Problemas, de 1965, nas páginas

seguintes ao artigo pioneiro de Beltrão:

Seu plano, Luiz Beltrão, de estudar o EX-VOTO é um soberbo programa de necessidade imediata. O “ex-voto” é uma voz informadora da cultura coletiva, no tempo e no espaço, tão legítima e preciosa como uma parafernália arqueológica. Vale muito mais que uma coleção de crânios, com suas respectivas e graves medições classificadoras. É um dos mais impressionantes e autênticos documentos da mentalidade popular, do Neolítico aos nossos dias. E sempre contemporâneos, verdadeiros e fiéis (CASCUDO, 1965 apud

TRIGUEIRO, 2013, p. 238).

As palavras de Cascudo servem não só de incentivo para as teorias de

Beltrão, mas ganha, inclusive, status de ratificação, tanto nos estudos acadêmicos

dos ex-votos quanto para os estudos das culturas populares (folclóricas), como

fontes inesgotáveis de expressões comunicacionais.

Beltrão, ao defender em seu artigo o viés comunicacional dos ex-votos como

veículo jornalístico, cita o ensaísta pernambucano Clóvis Melo que fez uma análise

sociológica de alguns ex-votos em uma localidade do Nordeste brasileiro:

O ensaísta pernambucano Clóvis Melo, apreciando o vasto manancial de ex-votos da capela de Nossa Senhora da Luz, no engenho Ramos, onde se encontra a imagem milagrosa de São Severino (‘São Severino e o lendário do Nordeste’ – Recife, junho de 1953), interpreta como uma demonstração insofismável do baixo nível sanitário das populações brasileiras o número espantoso de miniaturas de órgãos do corpo humano afetados pelas mais diversas enfermidades. ‘A enormidade de promessas com relação a crianças atesta a hecatombe produzida entre elas pela doença, num estado onde os obituários ultrapassam normalmente 60 por cento dos nascidos num só ano. Essa é a razão pela qual as paredes estão cobertas de retratos dos escapados à morte, de ex-votos dos ex-

anjos’.

[...] Por intermédio dos ex-votos ‘corações sangram e com seu sangue vai sendo escrita a história dos sofrimentos do povo nordestino, vítima das secas, dos latifúndios, das doenças e das

fomes’ (BELTRÃO, 2013, p. 233).

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Beltrão se apropria de um estudo sociológico de Clóvis Melo e o reinterpreta

inserindo-o na perspectiva das pesquisas em Comunicação Social. Luiz Beltrão, ao

destacar, já nas conclusões de seu artigo, a frase do ensaísta pernambucano -

“corações sangram e com seu sangue vai sendo escrita a história dos sofrimentos

do povo nordestino, vítima das secas, dos latifúndios, das doenças e das fomes” –

defende a teoria de que os ex-votos, de fato, são veículos jornalísticos e neles estão

“escritos” a história de um povo, sobretudo de um povo sofrido que busca na fé um

fator de resistência, e essa história pode ser decodificada por pesquisadores

acadêmicos.

Sobre o estudo dos ex-votos na esfera folkcomunicacional, é possível notar

que em nossos dias muitas pesquisas multidisciplinares são realizadas graças ao

entendimento dado a esse objeto por Luiz Beltrão. O ex-presidente da Rede de

Estudos e Pesquisas em Folkcomunicação, Marcelo Pires de Oliveira, no prólogo do

livro Ex-votos das Américas – Comunicação e Memória Social, escreve sobre a

importância das pesquisas atuais tendo como objeto o ex-voto:

Em seu artigo seminal, Luiz Beltrão, indicou que para os pagadores de promessa o ex-voto não representava apenas um objeto devocional, mas trazia embarcado um meio de comunicação poderoso e que podia ser interpretado por aqueles que o visualizavam e que contavam histórias de superação e enfrentamento das adversidades. Hoje, muitos pesquisadores se debruçam sobre tais objetos e conseguem extrair deles diferentes propriedades, seja na arte, memória, fé, mas ainda assim seu maior componente está na esfera da comunicação. Cada ex-voto, seja pictórico, escultural ou escrito, como bilhetes e cartas [...], traz em si uma história que relata agruras de grupos sociais, muitas vezes alijados do sistema econômico e político e que estão em condições de ser inferioridade frente à maioria da sociedade, que sobrevivem de maneira criativa e que ao não encontrarem um estado que cumpre com seus contratos de propiciar saúde, educação e segurança, dependem das relações de proximidade com seus vizinhos e de sua fé, inabalável, que se manifesta no ex-voto

(OLIVEIRA, 2017, p. 9-10).

Estudar os ex-votos na perspectiva da Folkcomunicação é fazer um esforço

acadêmico de “ouvir” o clamor de um povo que “grita” por meio de seus símbolos

religiosos.

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4.2 Tipologia dos ex-votos adotada pela Folkcomunicação

Embora Beltrão inicie sua pesquisa em Folkcomunicação, com base nos ex-

votos, ele não os classifica sistematicamente.

Podemos construir uma possível classificação beltraniana dos ex-votos tendo

por base a tipologia geral das manifestações Folkcomunicacionais elaborada por ele.

Segundo José Marques de Melo (2010, p. 103), Beltrão “classifica morfologicamente

os ex-votos em dois subconjuntos: I) Segundo a estética: “gráficos” (desenhos e

fotográficas) e “esculpidos” (pintados); e, II) segundo os suportes: quadro, imagem,

fotografia, desenho, peças de roupa, utensílios domésticos, mecha de cabelo, etc”.

Marques de Melo, na sequência, diz que “esse esboço classificatório mostra-

se pouco operacional, porque foi construído teoricamente, a partir de referências

contidas na literatura folclórica”.

No Livro Folkcomunicação – a comunicação do marginalizado, Beltrão (1980,

p. 259-279 – Anexo 3) ofereceu alguns indicadores básicos dos principais meios

utilizados para a pesquisa temática, como forma de facilitar aos interessados na

pesquisa folkcomunicacional:

1- Folkcomunicação oral: o linguajar; nomes próprios, alcunhas,

xingamentos e palavrões; provérbios, comparações, frases feitas; orações e

suas paródias, pragas; contos, histórias, fábulas, mitos e lendas; quadras

(trovas) e glosas; pregões (expressão de vendedores ambulantes); parlendas,

mnemorias, formuletes (gêneros comunicacionais infantis); anedotas,

advinhas, travalínguas, bestiologias.

2- Folkcomunicação musical: assovio e aboio; cantorias (disputa

poética cantada); a canção; os ritmos populares; instrumentos e orquestras.

3- Folkcomunicação escrita: grafitos; manuscritos/datilógrafos/ em

xerox; impressos; postais/santinhos/estampas; veiculados pelos MCS.

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4- Folkcomunicação icônica: escultura popular; objetos de

identificação e adorno pessoal; a habitação e objetos utilitários e de

decoração.

5- Folkcomunicação de conduta (cinética): o trabalho e o lazer;

autos, danças, espetáculos populares; atividades religiosas; atividades

cívico/políticas.

Este levantamento foi revisitado por Marques de Melo (2008, p. 89-95)

constatando que: “Esta ‘Tipologia da Folkcomunicação’ constitui, na verdade, um

desafio aos pesquisadores comprometidos com a sedimentação dessa disciplina”. A

dificuldade estaria em distinguir certas fronteiras (oral/musical) ou

(escrita/manuscrito).

José Marques de Melo apresenta então uma subdivisão tendo em conta o

gênero (forma de expressão determinada pela combinação de canal e código).

Diferentemente de Beltrão que apresentava cinco, agora aparecem quatro (oral;

visual; icônica; cinética) facilitando assim a pesquisa; formato (estratégia de difusão

simbólica determinada e pela combinação de intenções (emissor) e de motivações

(receptor); e tipo (variação estratégica determinada pelas opções simbólicas do

emissor, bem como por fatores residuais ou aleatórios típicos da recepção).

Dentro da tipologia apresentada por Marques de Melo, o ex-voto estaria

enquadrado na folkcomunicação icônica, no formato devocional. Vemos assim, a

dificuldade que o pesquisador encontraria em um estudo acadêmico específico

sobre o tema.

Enquanto muitos pesquisadores da Folkcomunicação no Brasil procuravam

um formato adequado de enquadramento tipológico dos ex-votos, o estudioso

mexicano Jorge A. González, nos anos de 1980, escreveu um livro que iluminaria os

estudos que têm por objeto os ex-votos. No livro Exvotos y retablitos: Comunicación

y religión popular en México (1986), González ao estudar o ex-voto como um

processo comunicacional classifica-os dentro de uma perspectiva própria do seu

contexto.

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A classificação de González sugere cinco tipos de ex-votos: figurativos;

representativos; discursivos; midiáticos e pictóricos.

González, além de tipificar os ex-votos, apresenta especificações de cada

tipologia, ampliando, dessa forma, sua compreensão e facilitando o trabalho de

catalogação dos pesquisadores (1986, p. 10-13, tradução nossa)32, seguem as

descrições:

1) objetos figurativos da graça alcançada (partes do corpo ou figuras

humanas, casas, animais, vegetais, carros, feitos nos mais diversos tipos de

materiais);

2) objetos que ressaltam metonimicamente um aspecto, elemento ou

componente ‘representativo’ da totalidade do milagre realizado (as representações

podem ser as mais diversificadas, como buquê de noivas, muletas e aparelhos

ortopédicos, etc);

3) objetos propriamente discursivos, nos quais de maneira escrita, se

propaga o milagre (cartaz, mármore, placas, etc);

4) midiáticos, são os ex-votos impressos em jornais e revistas na

intenção de divulgar a graça alcançada;

5) são os chamados “retablitos” que em uma tradução livre podemos

chamar de “tabuinhas”, ou seja, quadrinhos pintados (pictóricos) em diferentes

materiais, geralmente em formatos retangulares que descrevem por meio de pintura

e de inscrições escritas o milagre recebido.

Sobre o estudo de González, Marques de Melo (2010, p. 104) não fecha a

questão, pelo contrário: “Como se trata de uma tipologia originalmente construída no

32

A VIII Conferência Nacional de Folkcomunicação (FOLKCOM), realizada em Teresina – PI, no ano de 2005, tratou como tema principal “A Comunicação dos pagadores de promessas: do ex-voto à indústria dos milagres”. Nesta Conferência, a tipologia dos ex-votos proposta por González foi adotada como base pelos pesquisadores da Folkcomunicação (MARQUES DE MELO, 2010).

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México, é possível que os pesquisadores brasileiros se deparem com outras

espécies, que deverão ser arroladas, agrupadas e, se possível, classificadas”. Por

isso, o pesquisador deixa em aberto a possibilidade de uma reclassificação que

contemple a realidade brasileira (MARQUES DE MELO, 2008).

Com esta afirmação de José Marques de Melo, chegamos ao objetivo

principal de nossa tese: a possibilidade de atualizar a tipologia dos ex-votos

elaborada por González.

4.3 Atualização da tipologia dos ex-votos

A tipologia criada por González tem por base a experiência religiosa do povo

mexicano. Existe, como sabemos, muita similaridade cultural e religiosa entre o

México e o Brasil. Justamente por essas semelhanças, a classificação tipológica de

González foi adotada pelos pesquisadores da Folkcomunicação, sem contudo

encerrar a matéria. Uma vez que é possível, ao pesquisar sobre o tema, sobretudo

no trabalho de campo, que os estudiosos dos ex-votos se encontrem com

particularidades que não foram contempladas na tipologia de González, elaborada

para a realidade mexicana.

Como já dissemos, González classifica os ex-votos em cinco tipos: figurativo,

representativo, discursivo, midiático e “retablitos” (pictóricos). No trabalho de

pesquisa que fizemos ao inventariar as peças encontradas, usamos como base da

nossa pesquisa a tipologia de González. Todos os ex-votos que se enquadravam

dentro dessa tipologia eram identificados, depois percebemos que alguns deles não

se encaixavam nesta tabela. Criamos, dessa forma, novas categorias para que a

maioria das peças, que entendemos como ex-votos, pudessem ser inventariadas.

Também percebemos que com o advento de novas técnicas comunicacionais

alguns ex-votos se “modernizaram”, ou se ajustaram ao tempo presente, como as

expressões digitais que circulam em abundância através da internet. Por essa razão,

sugerimos que seja acrescentado no tipo ex-voto midiático o termo digital. Ficando,

portanto, ex-votos midiáticos e digitais.

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Tendo em vista a possibilidade de uma atualização do que foi definido como

linha mestra dos estudos, tendo o objeto como o ex-voto, apresentamos algumas

considerações e possíveis adequações.

Além das cinco categorias tipológicas elaboradas por González, sugerimos

acrescentar mais cinco, sendo: alimentícios; arquitetônicos; corpóreos; agradáveis e

orais.

Em santuários católicos, a tipologia adotada pela Folkcomunicação nos

atendeu muito bem, com poucas peças que não se encaixavam. Como dissemos, a

realidade cultural católica do México não difere acentuadamente do Brasil. Quando

visitamos outros locais de culto (como cruzeiros, cemitérios) que não estão

associados exclusivamente à fé católica, sentimos mais dificuldade. Citamos alguns

exemplos enquadrados nas novas tipologias que apresentamos:

a) Alimentícios

Acreditamos que alguns elementos da nossa cultura religiosa, como por

exemplo, as provenientes da matriz africana, criaram, como vimos no capítulo

anterior, elementos muito próprios de agradecimento (relação fiel – divindade) por

graças recebidas, salientamos os ex-votos que incluem alimentos e bebidas.

Tanto os santos católicos, como os orixás do Candomblé e da Umbanda,

como os santos populares enterrados em cemitérios, recebem em agradecimentos

por milagres realizados em que eles foram os agentes, alimentos os mais variados

possíveis. Para os orixás, os alimentos são os que lhes agradam, conforme suas

personalidades. Aos santos populares, se oferecem comidas, que se supõe que eles

gostariam de comer e beber.

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Figura 26 - Compilação de fotos – Ex-votos alimentícios

Fonte: Arquivo do autor

Os túmulos dos “anjinhos”, como são conhecidas as crianças falecidas que

são consideradas santas pela fé popular, estão repletos de doces variados, como

pirulito, balas, chocolates, bolachas, iogurtes, refrigerantes.

É comum encontrarmos copos de água sobre muitos túmulos. Muitas vezes, a

água é ofertada em agradecimento por algum benefício recebido, contemplando,

sobretudo, o sofrimento que o santo popular viveu antes de morrer.

Um exemplo típico do oferecimento de água como ex-voto é o caso das

“Treze Almas Do Edifício Joelma”, são treze túmulos no cemitério São Pedro da Vila

Alpina, na cidade de São Paulo, em homenagem às treze pessoas, que

supostamente morreram presas no elevador, no incêndio do Edifício Joelma33, no

33

Calcula-se que foram mortas 101 pessoas neste incêndio, fazendo parte de uma das maiores tragédias da cidade de São Paulo.

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ano de 1974, e que não foram identificadas, sendo enterradas como indigentes.

Anos depois, simpatizantes resolveram fazer essa homenagem construindo os

túmulos. A frequência de fiéis é constante de diversas denominações religiosas

(católicos, espíritas e umbandistas). Nos túmulos, e em volta deles, encontramos

grande quantidade de ex-votos dos mais variados possíveis, destacam-se os

alimentícios. Os litros e copos de água estão sobre todos os túmulos. Além disso os

devotos jogam água sobre os túmulos em agradecimento às “Treze Almas”, a água

serve para aliviar o sofrimento da terrível morte pelo fogo.

b) Arquitetônicos

Outra dificuldade foi catalogar na tipologia de referência para a

Folkcomunicação, alguns formatos já tradicionais na concepção de ex-votos e que

não poderiam ser inventariados, citamos como exemplo, os ex-votos que nós

chamamos de arquitetônicos.

São construções de templos, ermidas em que a motivação principal de tal

edificação foi o agradecimento por uma graça alcançada. Citamos, como exemplo, a

Igreja da Candelária no Rio de Janeiro. Conta a história que no início do século XVII

um casal de portugueses que vinha para o Brasil, em um navio chamado

“Candelária”, enfrentou uma terrível tempestade em alto mar. No meio do

desespero, o casal fez uma promessa que se fossem salvos construiriam uma

capela em honra de Nossa Senhora da Candelária. A promessa foi cumprida no ano

de 1609. A devoção se espalhou pela cidade do Rio de Janeiro, décadas depois foi

construído o templo maior, que hoje é um monumento arquitetônico na cidade.

Outro exemplo de ex-voto arquitetônico é a capela de Nossa Senhora do Ó,

em Sabará, MG, é considerada uma joia da arte colonial mineira. Quem assumiu a

construção em 1719 foi o capitão-mor Lucas Ribeiro de Almeida. Na entrada do

pequeno templo, é possível ver um ex-voto pictórico em que o capitão-mor fala de

uma graça alcançada. A construção da capela possivelmente esteja relacionada

com o milagre que ele recebeu. Reproduzimos os dizeres do ex-voto, mantendo o

português arcaico:

Mercê q fes N.S. do Ó ao Cpp Maior Lucas Ribeiro regente desta V Real de N. S. da Conceicam o qual vindo de fazer a festa a adª sª

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deq hera iviz oacometeram temerariam quatro soldados dos dragois edepois todos osmais da compª com deseio deomatarem mas nem comasespadas nem comvarios tiros q imederam foi posivel q conseguisem o intento porq amai de Deos deu forças ao seo devoto pª q detudo se defendese sem reseber o menor perigo nem em si nem em os escravos q oacompanhavao emcinal deagradecimento mandou fazer esta memoria que sossedeo em os 29 de dezenbro de 1720.

Figura 27 - Capela Nossa Senhora do Ó e ex-voto pictórico – Sabará - MG

Fonte: Arquivo do autor

Embora os dois exemplos que apresentamos de ex-voto arquitetônico sejam

de séculos passados, ainda hoje é comum vermos pessoas gratas construírem

capelas ou grutas de cunho devocional particular em agradecimentos por graças

recebidas.

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Figura 28 - Túmulo de Exú Tranca Ruas – Cemitério da Saudade – Campinas - SP

Fonte: Dominique Torquato, 201634

Recordamos o exemplo que citamos no capítulo terceiro dessa tese, o túmulo

de “Exú Tranca Ruas”, no cemitério da Saudade em Campinas – SP. Tanto o

espaço geográfico quanto a construção do túmulo foi em agradecimento por uma

graça alcançada, ou seja, um ex-voto arquitetônico.

c) Corpóreos

Os ex-votos que passam pela expressão corporal também encontram

dificuldades de serem catalogados nesta tipologia adotada pela Folkcomunicação.

Citamos como exemplo as penitências corporais como peregrinações a pé, caminhar

34 Funcionário do Cemitério da Saudade próximo ao espaço do Tranca Ruas das Almas: pedidos e

trabalhos. Na imagem: Cemitério das Saudade, sepulcro doTranca Rua. Foto: Dominique Torquato.

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descalço, cortar o cabelo e oferecer as mechas ao santo, ou não cortar o cabelo por

um tempo determinado.

Figura 29 - Fiéis pagando promessa peregrinando de joelhos – Fátima - Portugal

Fonte: Arquivo do autor

Sobre não cortar o cabelo por um tempo, em virtude de um voto, temos

inclusive um exemplo bíblico, acontecido com o Apóstolo Paulo, narrado no livro dos

Atos dos Apóstolos: “Paulo permaneceu ali (em Corinto) ainda por um tempo.

Depois se despediu dos irmãos e navegou para Síria e com ele Priscila e Áquila.

Antes, porém, cortara o cabelo em Cêncris, porque terminara um voto” (ATOS DOS

APÓSTOLOS 18, 18, grifo nosso). Vemos com isso que o voto de não cortar o

cabelo é milenar, inclusive comum entre os judeus.

Também poderia ser entendido como ex-voto corpóreo o vestir-se segundo a

imagem do santo ou da santa na ocasião de sua festa.

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Essa prática é muito comum no Nordeste brasileiro. No dia de São Francisco

(04/10), no santuário dedicado ao santo em Canindé – CE, são centenas os devotos

(homens, mulheres, crianças) que fazem sua peregrinação vestidos à semelhança

de São Francisco, com túnicas marrons e cordões. Após pagarem a promessa,

depositam a roupa usada aos pés do santo.

O sacrifício corporal acompanha muitos cumprimentos de promessas e são os

mais variados possíveis, desde caminhadas de joelhos, como é o caso de devotos

que atravessam a passarela que liga a Basílica antiga à nova de Nossa Senhora

Aparecida (Aparecida – SP), como também o esforço físico que muitos devotos

enfrentam para tocar na corda (que liga os fiéis à imagem de Nossa Senhora) na

festa de Nossa Senhora de Nazaré (Belém – PA).

Figura 30 - Devota vestida de São Francisco – Canindé - CE

Fonte: Arquivo do autor

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As tatuagens se popularizaram nas últimas décadas, e com essa moda surgiu

também, em muitos devotos adeptos da tatuagem, a modalidade de fazerem os

seus agradecimentos por meio delas.

Figura 31 - Ex-voto no formato de tatuagem

Fonte: Instagram (carol.mariath)

Muitos católicos tatuam imagens de santos, sobretudo de Jesus Cristo e de

Nossa Senhora; evangélicos, por sua vez, tatuam frases bíblicas de agradecimento,

ou frases do tipo: “Deus é Fiel” e “Deus me Guia”; fiéis das religiões de matriz

africana costumam tatuar os seus orixás e os seus guias espirituais.

d) Agrados

São os ex-votos que têm a tarefa de agradar a divindade. Muitos desses

agradecimentos não passam das orações, pois o indivíduo fiel acredita que sua

oração seria como se fosse um “elogio” ao santo ou à entidade sagrada. Além da

oração, alguns agradecimentos por graças recebidas se materializam em objetos,

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que no imaginário do devoto a divindade gostaria de receber em recompensa por ter

realizado o “milagre”. Dentre as oferendas de agrado mais comuns em diversas

religiões podemos citar as flores e as velas.

Encontramos em grande quantidade estes ex-votos agradáveis em diversas

manifestações religiosas, de modo especial entre os devotos das religiões de matriz

africana. Além dos alimentos, como já dissemos, o fiel tenta agradar seus orixás,

seus santos, seus guias espirituais por meio de presentes.

Para Iemanjá, como oferenda de agradecimento, se ofertam colares,

perfumes, pentes, espelhos, itens de maquiagem e muitas flores, especialmente

palmas; Exús e Pombagiras recebem cigarros, charutos, rosas e flores em geral;

Pretos-Velhos são agraciados com fumo de rolo, cachimbos, dentre outros

presentes; Caboclos recebem cigarro de palha.

Nos túmulos dos santos populares também encontramos vários ex-votos

agradáveis, muitos deles relacionados com a personalidade ou a história contada

sobre este santo que o povo “canonizou”. Citamos, como exemplo, o caso da Cigana

Sebinca Christo, falecida em março de 1965, enterrada no cemitério de Cruz das

Almas (Lages-SC), os devotos em agradecimento ofertam moedas, lenços e

incensos. Os túmulos dos “anjinhos” espalhados por cemitérios em quase todo o

território brasileiro recebem presentes típicos de crianças.

No cemitério da Penha, na cidade de São Paulo – SP, recebe muitos fiéis o

túmulo de Júlio Cézar Rodrigues – conhecido como “santo cézinha”, nascido em

1903 tendo falecido em 1908. A frequência de ex-votos sinaliza que o túmulo é

bastante visitado. Sob o jazigo temos ex-votos dos mais variados tipos, porém no

centro do túmulo está a estátua de um anjo, em volta do pescoço da imagem estão

penduradas dezenas de chupetas. No túmulo dos “anjinhos” também é comum

encontrarmos variedade de brinquedos.

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Figura 32 - Chupetas – Túmulo do “anjinho” Cezinha – Cemitério da Penha – São Paulo

Fonte: Arquivo do autor

Em matéria publicada no portal G1, da Rede Globo, no dia de finados do ano

2017, a repórter Aline Rickly escreveu sobre um bebê que morreu em 1872,

sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis – RJ. Seu nome era Francisco José

Alves Souto Filho, a reportagem destaca os presentes que são deixados sobre o

túmulo em agradecimento por graças alcançadas. Uma das pessoas entrevistadas

foi o advogado Lauro Barreto, que afirmou: “O anjinho de Petrópolis atendeu minhas

orações, pelo menos uma vez, creio que também ele é milagroso”. A Jornalista

Rickly termina dizendo que Lauro “deixou um brinquedo no túmulo do bebê”, como

pagamento da promessa.

Nos santuários católicos não é raro vermos que os santos venerados,

sobretudo Nossa Senhora, recebem joias de grande valor (de ouro e pedras

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preciosas), algumas delas ficam expostas no santuário. Fiéis fazem promessas de

doarem coroas, colares e brincos para a Virgem Maria, para que sejam utilizados no

dia da festa da santa.

Em outros locais, os fiéis fazem a promessa de confeccionarem o manto do

santo, da santa ou de Nossa Senhora. De tempos em tempos, os responsáveis pelo

santuário trocam o manto do santo venerado naquela localidade, dando a

oportunidade de cada devoto pagar sua promessa de ornamentar o santo.

e) Orais

Entendemos como ex-votos orais aqueles que são proferidos em locais de

culto público e que têm por objetivo testemunhar uma graça recebida através de um

relato oral.

O testemunho feito pela oralidade é comum em diversas denominações

religiosas, destacamos a confissão católica e as muitas denominações evangélicas.

Muitos devotos fazem o voto de “contarem” em público, caso a graça pedida seja

realizada.

Sobre o testemunho oral, citamos um pensamento do presbítero André

Sanchez, membro da Igreja Presbiteriana Bela Jerusalém, da cidade de Ribeirão

Preto – SP, que em seu blog (esbocandoideias.com), incentiva os seus fiéis a

testemunharem pela da oralidade:

Conte o que Deus fez em sua vida de maneira simples e sincera. Glorifique a Deus através de suas palavras. Conte o problema que tinha e a solução que você viu Deus implementar. Fale sobre como foi, com detalhes, para que a pessoa veja como é linda a ação de Deus mesmo nos momentos mais difíceis de nossas vidas. Seja mais sensível e procure observar mais tudo que Deus faz por você. Agindo assim, sempre terá algo a testemunhar (SANCHEZ, 2012, on-line).

Os cultos evangélicos de várias igrejas reservam um espaço importante para

que tais testemunhos sejam feitos. Muitos destes testemunhos são gravados e

depois retransmitidos em programas televisivos ou ficam disponíveis em páginas da

internet (como portais, ou canais do Youtube).

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A maioria dos relatos testemunhando graças alcançadas, além da oralidade,

são acompanhados de materialidades para testificarem a veracidade do que é

proferido.

Não é raro observar que enquanto o fiel testemunha, ele mostre para a

assembleia religiosa alguns objetos como: fotografias de antes e depois; exames

médicos comprovando que o indivíduo estava enfermo e que agora não está mais;

carteiras de trabalho assinadas, dentre outros exemplos.

Algumas igrejas se utilizam de programas de rádio, para que os agraciados

liguem e contem o seu testemunho, o relato radiofônico poderia ser classificado

como ex-voto oral.

4.4 Proposta de nova tipologia para os estudos folkcomunicacionais dos ex-votos

Nossa proposta para uma nova tipologia dos ex-votos inclui as cinco

categorias de Jorge González (1981, p. 9-13), acrescentando mais cinco que são

frutos de nossa pesquisa, contemplando não só o universo do catolicismo popular,

mas abrindo possibilidades para que outras práticas religiosas, entendidas por nós

como ex-voto, possam ser catalogadas e consequentemente estudadas pelos

pesquisadores da Folkcomunicação.

Para essa nova tipologia, apresentaremos o tipo de ex-voto, uma breve

descrição do que seja e, em seguida, alguns exemplos, sem, contudo, abordar e

catalogar todos os formatos, pois estamos diante de múltiplas possibilidades.

Seguem os tipos de ex-votos:

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Ex-votos figurativos

Ex-votos representativos

Ex-votos discursivos

Ex-votos orais

Ex-votos midiáticos e digitais

Ex-votos pictóricos

Ex-votos arquitetônicos

Ex-votos de agrado

Ex-votos corpóreos

Ex-votos alimentícios

Descrição de cada tipo e formatos (difusão simbólica):

a) Ex-votos figurativos

São os objetos que expressam, de forma figurativa e simbólica, a graça que o

fiel recebeu. Os formatos podem ser os mais variados possíveis e confeccionados

de diversos materiais (madeira, cera, papel, isopor, plástico, resina, pedra, dentre

outros).

Dentre as peças é possível encontrar: partes anatômicas do corpo humano,

como cabeça, braços, mãos, pés, dedos, pernas, orelhas, olhos, boca, nariz, órgãos

genitais masculinos e femininos, seios; órgãos internos, como rins, coração, fígado,

intestinos, garganta, língua, útero, pulmões, próstata, bexiga, baço, dentre outros.

Figuras humanas, na sua totalidade, indicando muitas vezes a parte do corpo

que foi agraciada com o milagre.

Fotos de partes do corpo, pontuando o local da graça alcançada.

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Miniaturas de casas, barcos, carros, bicicletas, motocicletas.

Figuras de animais, desde domésticos, até selvagens.

Latas ou sacos com vegetais ou grãos agradecendo a colheita.

Dentre outros formatos.

b) Ex-votos representativos

Peças que representam metonimicamente um aspecto, elemento ou

componente da totalidade do milagre (sendo uma figura de linguagem, no formato

objeto, que é empregado ou usado com sentido, mesmo que fora do seu contexto).

Neste tipo, os formatos são os mais variados como, por exemplo:

Martelos, tesouras, tornos mecânicos, jalecos de professores ou de

profissionais da saúde, crachás de empresas, cópias ou reproduções de carteiras de

trabalho, representando “sucesso e uma colocação no mercado de trabalho”.

Diplomas e títulos emoldurados, cópias de monografias, dissertações de

mestrado, teses de doutorado, fotos de formatura, álbuns de formatura, vestidos e

ternos de formatura, representando “êxito escolar”.

Quepes, dragonas, distintivos, fardas, representando “promoção militar”.

Vestidos de noiva, buquês de noiva, grinaldas, cestinhas de alianças, fraques,

gravatas, representando “sucesso ao conseguirem se casar”.

CDs, capas de disco, instrumentos musicais (como violão, acordeão, flauta,

guitarra), faixas de miss, livros publicados, vestidos usados em premiações,

representando “sucesso artístico”.

Camisetas de times de futebol, bolas de diversos esportes, troféus, medalhas,

representado “sucesso esportivo”.

Garrafas de bebidas alcoólicas, latas de bebidas alcoólicas, representando a

“libertação do vício”.

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Maços de cigarro, cachimbos, cachimbos artesanais para o uso de drogas,

charutos, cigarrinhos parecidos com os de maconha, narguilés, cigarros eletrônicos,

representando a “libertação do vício”.

Muletas, tipoias, cadeiras de roda, carcaças de gesso, aparelhos ortopédicos,

óculos, prótese dentária, radiografias, exames médicos, vidrinhos com cálculos

renais ou vesiculares. Fotos destacando a parte do corpo enferma, representando

“saúde recuperada”.

Capacetes, peças de moto, carro e bicicleta, representando “livramento na

hora do acidente”.

Vidros contendo vômitos, representando dois tipos de libertação – “libertação

da saúde”, em que o vômito é a doença expelida, como câncer ou tumores,

“libertação espiritual”, em que o vômito é a presença do maligno (ou do espírito

demoníaco) expelida.

Umbigos de recém-nascidos, representando a “sorte no nascimento”.

Peças de roupas e sapatos (de uso diário, ou de eventos especiais - como

batizados, primeira comunhão, crisma -, ou de algum dia especial na vida do devoto)

de pessoas que receberam o milagre.

Fotografias de rosto da pessoa agraciada, de famílias reunidas, grupos de

amigos, de animais, propriedades, localidades e muitas outras.

Dentre outros formatos.

c) Ex-votos discursivos

Objetos que descrevem o milagre por meio da escrita, exemplos: Cartas,

bilhetes, cartazes, gravuras, placas (de mármore, granito, plástico, metal), banners,

panfletos e santinhos de papel feitos sob demanda, faixas.

Escritas (com canetas, carvão ou com pedras) em paredes de templos, grutas

e túmulos de cemitério.

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Dentre outros formatos.

d) Ex-votos orais

São os testemunhos orais que podem ou não ser acompanhados de alguma

materialidade.

Geralmente, são proferidos em assembleias públicas de culto, por incentivo

do presidente da celebração, ou são espontâneos.

Muitas vezes, o ex-voto da oralidade não passa pela instituição religiosa,

acontece em eventos promovidos pelos próprios agraciados, como orações do terço,

novenas, louvores, grupos de oração.

Podem ser incluídos aqui os testemunhos dados em programas de rádio e em

programas televisivos via telefone.

Dentre outros formatos.

e) Ex-votos midiáticos e digitais

São os anúncios veiculados em jornais, revistas, sites e portais de internet,

blogs, redes sociais (facebook, instagram, whatsapp) e outros meios de

comunicação.

Geralmente, difundidos fora dos santuários e ali expostos como

demonstração do milagre recebido.

Os veículos tanto podem ser oficiais das instituições religiosas, ou criados por

devotos sem vínculos institucionais.

f) Ex-votos pictóricos

Quadro em madeira ou em outro tipo de material, ilustrando o milagre através

de imagens desenhadas e pintadas. Contendo, geralmente, a representação da

cena no exato momento do milagre.

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Muitos trazem a estampa do santo (ou santa) que favoreceu o milagre no alto

da cena, como que interagindo efetivamente na realização da graça.

A maioria dos ex-votos pictóricos traz também a descrição discursiva de como

o milagre foi realizado, identificando o nome do agraciado e a data do ocorrido.

g) Ex-votos arquitetônicos

São os ex-votos que têm como forma de pagamento da promessa a

construção arquitetônica ou a interferência em um imóvel destacando a devoção

particular ou familiar.

Muitos templos, capelas, ermidas, grutas, cruzeiros e até mesmo túmulos são

erguidos no cumprimento de um voto.

Nos altares dessas edificações são entronizadas, em local de destaque, as

imagens do santo ou da entidade que realizou o milagre.

Alguns devotos mandam afixar na parede externa de suas residências, lojas e

empresas a estampa ou a imagem do santo protetor (geralmente feitos em azulejos,

ou em pequenos nichos no alto do imóvel).

Outro exemplo comum são vitrais em igrejas. O devoto depois de alcançar a

graça doa um vitral para uma igreja que está sendo construída, e na base do vitral

se coloca a inscrição: “por uma graça alcançada”.

h) Ex-votos de agrado

São os intentos do devoto de agradar a divindade que realizou o milagre. Há

certa compreensão, com base no imaginário popular, ou revelado pela entidade, das

coisas que lhe agrada.

Por essa razão, os fiéis oferecem presentes como: flores; velas; incensos;

joias (coroas, tiaras, braceletes, brincos, pulseiras, colares de ouro e pedras

preciosas); bijuterias (imitação de joias das mais variadas possíveis).

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Adereços e materiais para a beleza (cremes cosméticos, material para

maquiagem facial, espelhos, pentes).

Charutos (também cachimbos e cigarros variados, fumo de corda).

Roupas e acessórios como mantos, véus, túnicas (confeccionados para

vestirem a imagens dos santos, respeitando inclusive a cor que a entidade mais

gosta).

Estandartes em homenagem à divindade.

Se a graça alcançada foi por intermédio de algum “anjinho” (crianças

enterradas em cemitérios consideradas santas) é comum vermos brinquedos e

chupetas.

Outra tradição, como ex-voto agradável, é a promessa de mandar rezar missa

de Ação de Graças para determinados santos (tanto os canonizados oficialmente

quanto os santos populares).

Temos também como pagamento de promessa batizar os filhos com os

nomes dos santos de devoção, nesta mesma linha colocar o nome do

estabelecimento comercial em homenagem a eles.

Festas religiosas que surgiram de devotos que fizeram suas promessas.

Dentre outros formatos.

i) Ex-votos corpóreos

São os pagamentos de promessa em que o corpo do devoto é utilizado como

meio de pagar a promessa.

São vários os exemplos: deixar o cabelo crescer por um determinado tempo e

depois de cortar, oferecê-lo à divindade; caminhar de joelhos pela nave central de

uma igreja, ou em um trajeto que faça sentido ao devoto.

Fazer peregrinações a pé até o santuário ou igreja do santo de devoção.

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Fazer jejuns ou privação de algum alimento específico que o devoto goste.

Mortificações como o uso do cilício.

Alguns devotos precisam sentir que o corpo padece no momento de pagar a

promessa, por essa razão muitos buscam o sacrifício físico ao extremo, como

caminhar entre pedras e brasas, carregar por longas distâncias imagens e cruzes;

rezar de joelhos durante muito tempo, ou de braços abertos.

Outros ainda utilizam do próprio corpo para homenagear suas divindades,

como vestir-se conforme a imagem da entidade ou do santo (a roupa, geralmente,

depois é deixada no templo aos pés da entidade ou do santo).

A prática de fazer tatuagens (religiosas) pelo corpo como expressão de

agradecimento, as tatuagens podem ser variadas em suas formas e tamanhos.

Uso de objetos religiosos que remetam à devoção (terços, medalhas,

crucifixos).

Dentre outros formatos.

j) Ex-votos alimentícios

Oferecer à divindade, que realizou o milagre, alimentos e bebidas,

subentendido pelo imaginário popular, ou revelado pela entidade, que tais oferendas

irão satisfazer e deixá-la feliz.

Se tivermos em conta as religiões de matriz africana, a lista de alimentos e

bebidas pode ser extensa, pois cada orixá, ou entidade, têm apreço por

determinados alimentos e bebidas.

Como exemplo de comidas salgadas, citamos: acarajé; canjica; pipoca;

espigas de milho cozidas ou cruas; carnes variadas de diversos animais (cruas,

fritas, assadas, ou cozidas); sarapatel; pimentas; pirão de inhame; camarões;

quiabo; peixes de água doce; peixes de água salgada; abará; farofa; feijoada;

charque.

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Doces: como quindim, doce de coco, doce de abóbora, doce de cidra; arroz-

doce; doces com canela; mungunzá; bolos de diversos tipos e sabores.

Frutas, como maçã, abacaxi, morango, melão, maracujá, pinha. E a lista

segue com dezenas de comidas.

Entre as bebidas, podemos citar: licores, aguardente (cachaça / pinga); vinhos

doces (licorosos) e secos (tintos ou brancos); cervejas claras e escuras; conhaque;

whisky; espumante (champanhe); sucos; água de coco; água natural, servida em

copos ou em garrafas.

Para os santos populares que estão nos cemitérios são oferecidos vários

tipos de alimentos e bebidas, se forem crianças predominam os doces, balas,

pirulitos, chocolates, pão molhado na água, caso o “anjinho” não consiga mastigar,

iogurte, leite, refrigerante.

Quando o santo popular morreu de alguma tragédia, geralmente se oferece

água na tentativa de aliviar o seu sofrimento.

Nas religiões asiáticas (destacamos o Budismo e o Hinduísmo), a maioria das

oferendas aos deuses e aos ancestrais também é alimentá-los, sobretudo de frutas.

Com base na pesquisa que fizemos e ancorados na tipologia de ex-votos

proposta por Jorge González, concluímos que a atualização dessa tipologia com as

cinco novas categorias ampliaria o entendimento que temos acerca dos ex-votos,

possibilitando, inclusive, novas pesquisas acadêmicas na área da Folkcomunicação,

tendo como objeto o pagamento de promessas.

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CONCLUSÃO

Desde que o pesquisador Luiz Beltrão fundou a corrente de estudos

denominada Folkcomunicação, muitos trabalhos acadêmicos na área de

Comunicação Social deram ênfase nas manifestações culturais populares como

formas de expressão. Várias dessas pesquisas tiveram os ex-votos como objeto

pesquisado.

Bem sabemos que o próprio Beltrão inaugurou sua teoria com um artigo em

que defendia o ex-voto como um veículo jornalístico.

Nossa tese também teve como objeto de estudo os ex-votos, salientando,

sobretudo, seu viés comunicacional. Revisitamos as teorias de Beltrão e de José

Marques de Melo, discípulo do pai da Folkcomunicação, e nos detemos de modo

particular na tipologia dos ex-votos criada pelo pesquisador mexicano Jorge

González.

Nossa intenção, além de revisitar as teorias de tais pesquisadores, foi ampliar

o entendimento que temos hoje acerca dos ex-votos, focados no catolicismo

popular. Acreditamos que muitas outras expressões religiosas também trabalhem

com o conceito de comunicação direta com a divindade por meio do agradecimento

por graças recebidas.

Se ampliarmos esta compreensão, então seria preciso também rever e

atualizar a tipologia dos ex-votos. Este foi o foco central de nossa tese.

Tendo por fundamento a pergunta que norteou nossa pesquisa, a saber:

Como elaborar uma atualização da atual classificação tipológica dos ex-votos,

incluindo não só as novas formas de pagamento de promessas provenientes do

catolicismo popular, mas também as práticas de agradecimento por uma graça

alcançada em outras expressões religiosas?

Percorremos nossa trajetória acadêmica e metodológica (bibliográfica e o

inventário) em busca dessa resposta.

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Partimos do macro, da religião como forma comunicacional, e caminhamos

para o específico de nossa tese, a saber: os ex-votos e sua tipologia na

Folkcomunicação. Por essa razão, não procuramos trabalhar os elementos

folkcomunicacionais em todos os capítulos.

Para responder nossa pergunta central, desenvolvemos quatro capítulos.

No primeiro capítulo, trabalhamos a religião como comunicação, defendendo

a teoria de que as expressões religiosas, bem como as comunicacionais, estão na

gênese do ser humano. Fizemos um percurso histórico apoiados em alguns teóricos,

destacamos o historiador das religiões Mircea Eliade, o antropólogo Glifford Geertz e

o sociólogo da religião Enzo Pace.

Os registros históricos da evolução do gênero humano na terra estão

embasados em expressões de comunicação (muitas vezes consideradas arte), em

que o fundamento de interpretação é o desejo de estabelecer contato com as

divindades. O elo que liga religião e comunicação são os símbolos, tentativa de

materializar uma ideia criando códigos.

A afirmação de Mircea Eliade de que “tornar-se homem significa ser religioso”,

conclui o nosso capítulo introdutório em que nós sinalizamos que, uma das formas

de diálogo entre o ser humano e a divindade, desde os primórdios de nossa história,

foi o ex-voto.

Na sequência, já no segundo capítulo, tratamos o tema dos ex-votos como

comunicação de intimidade com as divindades.

Ao definirmos ex-voto, logo defendemos a ideia de que eles são

comunicação, porém ainda não tratamos do tema dos ex-votos na folkcomunicação,

pois preferimos deixar essa teoria fechar a nossa tese no quarto capítulo.

Ainda nesta etapa, vimos que os ex-votos aparecem nas primeiras

manifestações religiosas em distintas regiões do mundo, essa afirmação pode ser

comprovada com dados arqueológicos e antropológicos. Foram muitos os autores

nos quais nos baseamos, destacamos a museóloga Maria Augusta Machado da

Silva.

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Na conclusão desta parte da nossa tese, apresentamos onze religiões da

antiguidade (recordando: mesopotâmica; egípcia; grega; romana; creta; celta;

védica; andina; banto; judaica e o culto a Endovélico), em que o eixo central de

comunicação com as divindades era o ex-voto.

Na construção dessa teoria, fizemos uma longa pesquisa na tentativa de

provar o papel ancestral do ex-voto como princípio básico de diálogo entre o ser

humano e seus deuses.

No terceiro capítulo, tratamos dos ex-votos além do catolicismo. Trouxemos, a

princípio, um breve histórico de como os ex-votos passaram de práticas rechaçadas,

consideradas pagãs, até serem assimiladas e fazerem parte da fé cristã, de modo

especial no catolicismo.

Nosso objetivo, neste capítulo, foi apresentar outras manifestações religiosas

que também dialogam com suas divindades por meio de expressões que podem ser

consideradas como ex-voto. Neste capítulo, escolhemos como guia a Matriz

religiosa Brasileira, segundo a teoria de José Bittencourt Filho.

Além de destacarmos a presença de tais práticas devocionais no catolicismo

atual, abrimos a possibilidade de reconhecer os princípios desse diálogo (ser

humano – divindade), por meio dos ex-votos em outras denominações religiosas. A

partir de nossa pesquisa, foi possível detectar essa prática em religiões evangélicas,

sobretudo nas denominações neopentecostais.

Concluímos o terceiro capítulo tratando da presença do pagamento de

promessa por meio dos ex-votos nas religiões de matriz africana, destacamos essas

práticas na Umbanda.

A metodologia utilizada, além da bibliográfica, foi, sobretudo, a do inventário.

A nossa pesquisa de catalogação das peças nos locais determinados e nos sites

nos ajudou na defesa de nossa hipótese, sendo imprescindível no resultado que

apresentamos.

Em nosso último capítulo, o quarto, intitulado “Novas Tipologias de Ex-votos”,

chegamos ao objetivo central de nossa tese: revisitar as teorias da Folkcomunicação

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que tratam os ex-votos como veículos jornalísticos, apoiados em Luiz Beltrão e José

Marques de Melo.

Depois de destacarmos a importância dos estudos dos ex-votos na corrente

folkcomunicacional, demos um passo além, revisitamos também a tipologia dos ex-

votos criada pelo pesquisador mexicano Jorge González e que foi adotada pelos

pesquisadores da Folkcomunicação. Propomos, dessa forma, uma atualização.

Mantemos os cinco tipos de ex-votos sugeridos por González, e

apresentamos outros cinco, totalizando dez tipos. Nosso intuito foi ampliar o conceito

de ex-votos, somando, neste núcleo de pesquisa, expressões votivas de outras

denominações religiosas, e também enquadrando alguns elementos da religiosidade

popular que não se encaixavam na tipologia de González.

Recapitulamos a nova tipologia que propomos, embasados na tipologia

desenvolvida por Jorge González:

- Ex-votos figurativos

- Ex-votos representativos

- Ex-votos discursivos

- Ex-votos orais

- Ex-votos midiáticos e digitais

- Ex-votos pictóricos

- Ex-votos arquitetônicos

- Ex-votos de agrado

- Ex-votos corpóreos

- Ex-votos alimentícios

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Com essa retrospectiva de nossa tese, podemos dizer que nossos objetivos

propostos foram alcançados.

Primeiramente, porque conseguimos apresentar uma tipologia, atualizada,

dos ex-votos, sobretudo tendo em conta outras manifestações religiosas que não

estão ligadas de forma exclusiva ao catolicismo. Incluímos nesta nova tipologia

expressões devocionais relacionadas ao pagamento de promessa (ex-voto) de

importantes seguimentos religiosos do Brasil, como as denominações evangélicas e

as religiões de matriz africana (Candomblé e Umbanda). E o fundamento dessa

inclusão se baseia na própria história dos ex-votos, sempre presente em

manifestações religiosas ancestrais.

Acreditamos, inclusive, que a tipologia que propomos abarca também outras

formas religiosas que não contemplamos em nossa pesquisa. A nova tipologia, a

nosso ver, possibilita um enquadramento mais amplo da ação devocional de retribuir

a uma divindade a graça efetivada ou o milagre realizado.

Nesta conclusão, poderíamos nos perguntar sobre o que a nossa pesquisa

ensina a partir dos resultados que alcançamos. Na tentativa de responder tal

pergunta, o primeiro pensamento que desponta da nossa pesquisa é que a religião é

comunicação por natureza.

Ampliando um pouco mais a nossa reflexão, diríamos que os ex-votos são

uma tentativa de diálogo (material e (i)material) do ser humano que crê com a

divindade que ele cultua. Instintivamente (com base na ancestralidade), o devoto

encontrará formas de “agradar” o “SER” que dá sentido à sua existência.

Independente da instituição religiosa, o ex-voto se mostra como um meio eficaz e

oportuno de comunicação entre o fiel e sua entidade sagrada e, também, entre o fiel

e sua comunidade.

Outro ponto de nossa pesquisa que gostaríamos de destacar é a possível

abertura que outros pesquisadores poderão encontrar com as novas possibilidades

de enquadramento do objeto “ex-voto”.

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