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  • Prof. Alessandro Lima

    O Dom das Lnguas

    1a. Edio

    2

  • Direitos do Autor

    Lima, Alessandro Ricardo. 1975-O Dom das Lnguas.Braslia: 2008

    (1 edio, 44 pginas)

    Bibliografia.

    1. Teologia; 2. Cristianismo; 3. Doutrina da Igreja; I. Lima, Alessandro Ricardo; II. Ttulo

    CDD 230.0

    ndices para Catlogo Sistemtico:1. Cristandade: teologia crist 230.02. Padres da Igreja: literatura crist primitiva 281.1

    Capa: Slvio Medeiros.

    Copyright 2008. Todos os direitos reservados.Livre cpia e difuso via Internet, em forma EXCLUSIVA de e-book, desde que reproduza o texto integral, sem quaisquer alteraes, acrscimos, omisses ou interpretaes no autorizados, preservando-se sempre os direitos do Autor. Cpia do e-book original pode ser encontrada em http://www.veritatis.com.br. Proibida a reproduo e distribuio total ou parcial por material impresso e sistemas grficos, microfilmticos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos e videogrficos ou quaisquer outros sem a prvia autorizao do Autor. Estas proibies aplicam-se, inclusive, s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (art. 184 e pargrafos, do Cdigo Penal, cf. Lei n 6.895, de 17.12.1980), com pena de priso e multa, conjuntamente com busca e apreenso e indenizaes diversas (artigos 102, 103 pargrafo nico, 104, 105, 106 e 107 itens 1, 2 e 3, da Lei n 9.610, de 19.06.1998 [Lei dos Direitos Autorais]).

    3

    http://www.veritatis.com.br/http://www.veritatis.com.br/

  • "E virei para reunir os homens de todas as naes e de todas as lnguas; todos viro e vero minha glria" (Is 66,18).

    4

  • Dedicatria,

    A Deus,

    minha esposa Mnica e

    ao nosso filho Pedro Henrique,

    aos meus pais Zilda e

    Jos Estlio (in memorian),

    aos meus irmos de Apostolado,

    e a todos os meus leitores.

    5

  • Sumrio

    Sobre o Autor ............................................................ 7 Introduo ................................................................. 8 Captulo 1 ................................................................ 10 O Esprito Santo como Dom de Deus ..................................... 10

    Captulo 2 ................................................................ 13 O Dom das Lnguas ............................................................... 13

    Captulo 3 ................................................................ 27 O falso dom de lnguas .......................................................... 27

    Captulo 4 ................................................................ 33 Resolvendo as dificuldades .................................................... 33

    Concluso ................................................................ 41 Outras informaes ................................................ 44

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  • Sobre o Autor

    lessandro R. Lima, casado e pai, nasceu em Braslia/DF. Vindo de uma famlia de classe mdia de quatro filhos, o pai (falecido) funcionrio pblico e me dona de casa.AFormado em Tecnologia em Processamento de Dados pela Unio

    Educacional de Braslia (UNEB/DF) e ps-graduado em Gerncia de Projetos em Engenharia de Software pela Universidade Estcio de S/RJ. Trabalha como Professor Universitrio e Consultor de Engenharia de Software.

    Desde 1999 dedica-se ao estudo da F Crist dos primeiros sculos; pelo qual foi levado a deixar o protestantismo e ingressar na Igreja Catlica, no final de 2000.

    Em 2002, juntamente com Carlos Martins Nabeto fundou o apostolado catlico Veritatis Splendor (http://www.veritatis.com.br) considerado um dos maiores stios catlicos em lngua portuguesa - onde desde ento, alm das suas atribuies familiares e seculares, dedica-se publicao de artigos referentes ao Cristianismo primitivo e defesa da F Catlica nas questes mais difceis.

    autor da obra O Cnon Bblico A Origem da Lista dos Livros Sagrados editado pela Ed. COMDEUS e muito elogiado1 pelo monge beneditino D. Estvo Bettencourt considerado o maior telogo brasileiro. Tambm de sua autoria o ebook A Graa, a F, as Obras e a Salvao2 e mais de 180 artigos publicados na internet pela defesa e promoo da f catlica.

    1Revista Pergunte e Responderemos ano XLVIII, julho 2007. No. 541.2LIMA, Alessandro. Apostolado Veritatis Splendor: A GRAA, A F, AS OBRAS E A SALVAO. Disponvel em http://www.veritatis.com.br/article/4552. Desde 10/1/2007.

    7

    http://www.veritatis.com.br/

  • Introduo

    ps a comemorao da Pscoa do Senhor que a festa mais importante da Igreja - pois celebra a vitria de Cristo sobre a Morte e pela qual Ele se tornou nosso Salvador- vem a comemorao do

    Pentecostes, dia da inaugurao da Igreja atravs do derramamento do Esprito Santo sobre os primeiros fiis, conforme Cristo mesmo havia prometido (cf. At 1,4-8).

    APorm esta eminente festa do calendrio litrgico cristo de

    origem judaica. Nela os judeus comemoravam o recebimento da Lei de Deus por meio de Moiss, aps este ter subido no Monte Sinai. Era tambm conhecida como Festa das Colheitas cuja instituio se encontra em Ex 23,14-17; 34,18-23.

    Acredita-se que o nome Pentecostes s foi dado aps o domnio grego, acerca de 300 anos A.C. Com efeito, no Antigo Testamento s encontramos referncia a esse nome no Segundo Livro dos Macabeus3 (cf. 2Mc 12,32) quando entre os judeus j havia forte inculturao do mundo grego. Os gregos chamavam a Festa das Colheitas de Pentecostes, por essa ser realizada cinqenta dias aps a Pscoa.

    Para os cristos a Festa de Pentecostes a nova Festa da Colheita, o novo Monte Sinai. Se para os judeus o recebimento da Lei significava um marco na sua histria e religio, o mesmo vale para o Pentecostes em relao aos cristos. Se no Monte Sinai os judeus receberam em tbuas de pedra a Lei que no podia justific-los mas apenas acus-los (cf. Rm 3,20), no cenculo em Jerusalm os primeiros fiis receberam em tbuas de carne a Lei da Graa que era capaz de justific-los. Sobre isso ensinou S. Paulo: "No h dvida de que vs sois uma carta de Cristo, redigida por nosso ministrio e escrita, no com tinta, mas com o Esprito de Deus vivo, no em tbuas de pedra, mas em tbuas de carne, isto , em vossos coraes" (2Cor 3,3).

    3 Este livro s se encontra em edies catlicas da Bblia, assim como os livros de Judite, Sabedoria, Eclesistico, Baruque, 1Macabeus, Tobias e adies gregas de Daniel e Ester.

    8

  • Especialmente nos ltimos quarenta anos a Igreja inteira tem se voltado para este tema, principalmente por causa do crescimento dos movimentos pentecostais tanto fora quanto dentro da Igreja Catlica.

    Nota-se claramente que tanto fiis quanto clrigos possuem vrias dvidas quanto autenticidade das manifestaes ocorridas nestes movimentos. Muitos acreditam que os fenmenos l ocorridos correspondem ao derramamento do Esprito Santo, como acontecera nos primeiros anos da Igreja. Sobre isso o que dizer?

    Por faltar-nos autoridade e pelo tema ser bastante complexo, no ser objeto deste trabalho emitir qualquer opinio ou julgamento em relao aos movimentos ditos carismticos ou pentecostais. Afinal, somente a autoridade da Santa Igreja Catlica pode emitir qualquer juzo neste sentido; como tambm verdade que todo juzo das legtimas autoridades eclesisticas no pode contradizer o que a Igreja sempre ensinou. Apresentar e defender o ensinamento perene do Sagrado Magistrio, alm de ser um direito de todo fiel catlico4 um dever que o nosso batismo e crisma nos impem. E neste sentido que oferecemos a presente obra aos nossos leitores e aos pastores de almas.

    Cabe lembrar que este trabalho no tem a pretenso de esgotar o assunto que complexo, mas to somente colaborar no debate atual "at que todos tenhamos chegado unidade da f e do conhecimento do Filho de Deus, at atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo" (Ef 4,13).

    Aproveito para agradecer a todos os meus irmos e irms de apostolado que me ajudaram muito na reviso da presente obra, em especial o Carlos Nabeto. dele o estudo sobre o uso da expresso lnguas estranhas nas mais variadas verses bblicas que apresento no Captulo 2. Sou muito grato ainda ao meu carssimo amigo Rodrigo Santana de Andradas-MG, que muito me ajudou no desenvolvimento do tema e me deu grande motivao para continuar em frente.

    No poderia deixar de agradecer tambm minha querida esposa Mnica pelo seu grande apoio, especialmente nos muitos momentos em que cuidou sozinha do nosso filho e de nossa casa para que eu pudesse me dedicar a esta empresa.

    4 cf. cnon 225,1 do Cdigo de Direito Cannico e Lumen Gentium 83; 97

    9

  • Captulo 1 O Esprito Santo como Dom de Deus

    nsina o Catecismo da Igreja Catlica que o Amor o primeiro dom. Ele contm todos os demais (cf. CIC 733). So Joo ensina que Deus Amor (cf. 1Jo 4,8.16). Por isso Deus entregou-Se em

    sacrifcio na Cruz por ns na pessoa de Jesus Cristo, ato do Seu de extremo amor por ns (cf Jo 15,13; Mt 26,26-28).

    EO Deus que venceu a Morte o mesmo que nos insere na Vida. Por

    esta razo o Esprito Santo prometido para santificar e curar os fiis de seus pecados e males. Sobre isso ensina o Catecismo: Pelo fato de estarmos mortos, ou, pelo menos, feridos pelo pecado, o primeiro efeito do dom do Amor a remisso de nossos pecados. a comunho do Esprito Santo (2Cor 13,13) que, na Igreja, restitui aos batizados a semelhana divina perdida pelo pecado. [...] por este poder do Esprito que os filhos de Deus podem dar fruto.5.

    A Igreja ensina que o Esprito Santo tambm dom dado aos fiis para que estes dem frutos que so "caridade, alegria, paz, pacincia, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperana" (Gl 5,22-23).

    Muita gente confunde os frutos do Esprito Santo com os dons do Esprito Santo. Os dons do Esprito Santo so disposies permanentes que tornam o homem dcil para seguir as inspiraes divinas. [...] Os frutos do Esprito Santo so perfeies plasmadas em ns como primcias da glria eterna.6

    Os Dons do Esprito Santo

    Desde o AT o Senhor anunciava pela boca de seus santos profetas o advento do Esprito Santo. Por exemplo, disse o Profeta Ezequiel: Porei em

    5 cf. Catecismo da Igreja Catlica (CIC) pargrafos 734-736.6 cf. Compndio do Catecismo da Igreja Catlica n. 389-390; CIC 1832.

    10

  • vs o meu esprito e vivereis (cf. Ez 37, 6). A vida que recebemos atravs do Esprito Santo no foi merecida por ns, mas puro presente de Deus, e por isso mesmo chamado de dom. Quantos e quais so estes dons?

    A primeira pista que Deus nos deu veio bela boca do Profeta Isaas:

    "Um renovo sair do tronco de Jess, e um rebento brotar de suas razes. Sobre ele repousar o Esprito do Senhor, Esprito de sabedoria e de entendimento, Esprito de prudncia e de coragem, Esprito de cincia e de temor ao Senhor. (Sua alegria se encontrar no temor ao Senhor.) Ele no julgar pelas aparncias, e no decidir pelo que ouvir dizer" (Is 11, 1-3).

    Por isso a Igreja ensina que so sete os dons do Esprito Santo: sabedoria, inteligncia, conselho, fortaleza, cincia, piedade e temor de Deus7.

    Entretanto encontramos o seguinte ensino de S. Paulo aos corntios: "A respeito dos dons espirituais, irmos, no quero que vivais na ignorncia. Sabeis que, quando reis pagos, vos deixveis levar, conforme vossas tendncias, aos dolos mudos. Por isso, eu vos declaro: ningum, falando sob a ao divina, pode dizer: Jesus seja maldito e ningum pode dizer: Jesus o Senhor, seno sob a ao do Esprito Santo. H diversidade de dons, mas um s Esprito. Os ministrios so diversos, mas um s o Senhor. H tambm diversas operaes, mas o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um dada a manifestao do Esprito para proveito comum. A um dada pelo Esprito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de cincia, por esse mesmo Esprito; a outro, a f, pelo mesmo Esprito; a outro, a graa de curar as doenas, no mesmo Esprito; a outro, o dom de milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espritos; a outro, a variedade de lnguas; a outro, por fim, a interpretao das lnguas. Mas um e o mesmo Esprito distribui todos estes dons, repartindo a cada um como lhe apraz" (1Cor 12,1-11).

    Pode-se observar que existe uma notvel diferena entre o que diz So Paulo e o que diz o Profeta Isaas sobre os dons do Esprito Santo. Porm, estaramos cometendo um grave erro se achssemos que estes dois servos de Deus esto em contradio. Alis, devemos lembrar que a Escritura no se contradiz, pois Palavra de Deus.

    7 cf. CIC 1831.

    11

  • Esta aparente contradio se resolve pelo fato de que cada um est falando sobre dons de categorias diferentes. A Igreja ensina que os dons ou graas do Esprito Santo se dividem em:

    a) graa santificante ou habitual: A graa santificante um dom habitual, uma disposio estvel e sobrenatural para aperfeioar a prpria alma e torn-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor8. Este tipo de graa trata-se da vida infundida pelo Esprito Santo em nossa alma, para cur-la do pecado e santific-la e recebida no Batismo9.

    b) graa atual: designa as intervenes divinas, quer na origem da converso, quer no decorrer da obra da santificao (Ibidem). A converso de S. Paulo que se deu no caminho para Damasco por interveno de Cristo um exemplo deste tipo de graa (cf. At 9,1-8).

    c) graa sacramental: so dons que o Esprito nos concede, para nos sociar sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvao dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. So os dons prprios dos diferentes sacramentos10.

    d) graa especial ou carisma: As graas especiais, chamadas tambm carismas, segundo a palavra grega empregada por S. Paulo e que significa favor, dom gratuito, benefcio. Seja qual for seu carter, s vezes extraordinrio, como o dom dos milagres ou das lnguas, os carismas se ordenam graa santificante e tm como meta o bem comum da Igreja. Acham-se a servio da caridade, que edifica a Igreja. Entre as graas especiais, convm mencionar as graas de estado, que acompanham o exerccio das responsabilidades da vida crist e dos ministrios no seio da Igreja11.

    Agora ficou simples resolver a aparente divergncia entre o Profeta Isaas e o Apstolo Paulo. O primeiro est tratando dos dons que dizem respeito graa santificante ou habitual, aquela que recebemos no batismo e nos demais sacramentos. O segundo refere-se aos dons carismticos que dizem respeito graa especial, tambm chamada graa pessoal.

    8 cf. CIC n. 2000.9 Ibidem n. 1999.10 Ibidem n. 2003.11 Ibidem n. 2003-2004.

    12

  • Captulo 2 O Dom das Lnguas

    Igreja ensina que o dom de lnguas faz parte dos dons carismticos, isto , dos dons especiais e particulares que so extraordinrios, pois os dons carismticos ordinrios so aqueles que dizem respeito

    ao exerccio das responsabilidades da vida crist e dos ministrios no seio da Igreja12, como por exemplo o ministrio dos aclitos, diconos, presbteros e bispos.

    AEste ensino do Novo Catecismo est em plena continuidade com o

    catecismo anterior, onde encontramos: Alm das graas [santificantes, habituais e sacramentais], que tornam os homens justos e agradveis a Deus, so tambm comuns a todos as graas gratuitas [gratis dadas ou especiais], entre as quais figuram a cincia, a profecia, o dom de lnguas e de milagres, e outras da mesma natureza (cf. 1 Cor 12,8)13.

    Logo pretender transformar o que extraordinrio em ordinrio, ou especial em comum contrapor-se vontade e ordem divinas.

    O Texto Bblico fala de lnguas estranhas ou estrangeiras?

    Algumas pessoas defendem a tese de que o dom de lnguas um dom onde as pessoas falam lnguas estranhas, isto , lnguas desconhecidas do homem, lnguas no deste mundo. Fundamentam esta tese principalmente no seguinte trecho da Escritura: "E quando Paulo lhes imps as mos, o Esprito Santo desceu sobre eles, e falavam em lnguas estranhas e profetizavam" (At 19,6).

    Porm, a expresso lnguas estranhas estranha ao texto original que traz to somente lnguas.

    12 cf. CIC 2004; 1Tm 4,14.13 Catecismo Romano ou Tridentino 1-10-25.

    13

  • Atravs de uma pequena anlise no texto de At 19,6 nas verses bblicas mais conhecidas podemos identificar trs linhas de traduo:

    1) O texto no qualifica as lnguas faladas, isto , se eram estranhas ou estrangeiras. Seguem essa linha as seguintes verses bblicas: Nova Vulgata (NV), Bblia de Jerusalm (BJ), Bblia do Peregrino (BP), Bblia Sagrada da CNBB (BSC), Bblia Sagrada Vozes (BSV), Bblia Sagrada de Aparecida (BSA), Bblia Sagrada Edio Pastoral (BEP), Bblia Sagrada Palavra Viva (BPV), Traduo Ecumnica da Bblia (TEB), Almeida Revista e Corrigida (ARC), Almeida Corrigida e Fiel (ACF), Almeida Edio Contempornea (AEC), Nova Verso Internacional (NIV); e Traduo do Novo Mundo (TNM).

    2) O texto qualifica as lnguas como diversas, no sentido de vrios idiomas humanos. Seguem esta linha a Vulgata de Matos Soares (VMS), Vulgata de Antonio Pereira de Figueiredo (VPF), Vulgata de Dom Vicente (VDV), Bblia Mensagem de Deus (BMD).

    3) O texto qualifica as lnguas faladas como estranhas, no sentido de no conhecida dos homens. Segue essa linha as verses Bblia Sagrada Ave-Maria (BAM), Bblia na Linguagem de Hoje (BLH), Nova Traduo na Linguagem de Hoje (NTLH).

    A maioria dos biblicistas concordam que as melhores tradues e portanto, as mais fiis ao texto original se encontram nas linhas de nmeros 1 e 2, porque so baseadas no texto latino da Vulgata, traduo feita por S. Jernimo no sc. IV a partir de manuscritos originais que no esto mais disponveis hoje ou porque so tradues realizadas por especialistas a partir dos manuscritos que chegaram at ns. Sendo as verses apontadas no nmero 2 consideradas pelos especialistas as melhores. Logo, segundo os melhores hermeneutas bblicos, o texto sagrado estaria se referindo a lnguas diversas e no lnguas desconhecidas dos homens ou de outro mundo.

    Porm, mesmo que algum adotasse como oficial a traduo que fala de "lnguas estranhas", bom recordar que o termo "estranho" pode ser perfeitamente traduzido como "estrangeiro", como demonstram os dicionrios de lngua portuguesa (Aurlio, Ruth Rocha, Melhoramentos, Silveira Bueno). O mesmo aponta dicionrios de idiomas estrangeiros: a) Espanhol: extrao extranjero; b) Italiano: estraneo straniero.

    14

  • De qualquer forma uma leitura atenta do texto sagrado poder esclarecer facilmente a questo. A primeira referncia que encontramos na Sagrada Escritura quanto ao carisma do dom de lnguas est no livro dos Atos dos Apstolos:

    Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do cu um rudo, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes ento uma espcie de lnguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Esprito Santo e comearam a falar em lnguas, conforme o Esprito Santo lhes concedia que falassem. Achavam-se ento em Jerusalm judeus piedosos de todas as naes que h debaixo do cu. Ouvindo aquele rudo, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua prpria lngua. Profundamente impressionados, manifestavam a sua admirao: No so, porventura, galileus todos estes que falam? Como ento todos ns os ouvimos falar, cada um em nossa prpria lngua materna? Partos, medos, elamitas; os que habitam a Macednia, a Judia, a Capadcia, o Ponto, a sia, a Frgia, a Panflia, o Egito e as provncias da Lbia prximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou proslitos, cretenses e rabes; ouvimo-los publicar em nossas lnguas as maravilhas de Deus! Estavam, pois, todos atnitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: Que significam estas coisas? (At 2,1-12).

    Aqui o testemunho da Escritura clarssimo: no dia de Pentecostes os apstolos e os discpulos de Jesus por obra do Esprito Santo falavam em lnguas, isto , nas lnguas dos estrangeiros, de forma que podiam ser entendidos por eles.

    Dizem ainda alguns que os apstolos estariam falando em sua prpria lngua e sendo entendidos por pessoas de outras lnguas, como numa espcie de traduo simultnea. Esta tese completamente desfeita pelo maior Doutor da Igreja, Santo Tomas de Aquino ao comentar 1Cor 14,1-4:

    "[...] o Senhor deu-lhes o dom de lnguas, para que a todos ensinassem, no de modo que falando uma s lngua fossem entendidos por todos, como alguns dizem, mas sim, bem

    15

  • literalmente, de maneira que nas lnguas dos diversos povos, falassem as de todos. [...]"14.

    Voltemos ao texto de At 19, 6. Dissemos que aqui o texto original no traz lnguas estranhas, mas somente lnguas, como em At 2,4. Isto parece indicar que os doze homens (cf. At 19,7) que falavam em lnguas depois que Paulo lhes imps as mos (cf. At 19,6), falam em lnguas estrangeiras. Talvez a soluo desta questo esteja na seguinte profecia do Profeta Zacarias:

    "A palavra do Senhor dos exrcitos foi-me dirigida nestes termos: eis o que diz o Senhor, dos exrcitos: o jejum do sexto ms como tambm os do quinto e do nono sero doravante para Jud dias de regozijo e de alegria, dias de festa. Eis o que diz o Senhor dos exrcitos: viro ainda muitos povos e habitantes de grandes cidades: os habitantes de uma cidade convidaro os habitantes de outra, dizendo: Vamos e roguemos ao Senhor! Busquemos o Senhor dos exrcitos! - Tambm eu irei. - Viro muitos povos e poderosas naes buscar o Senhor dos exrcitos em Jerusalm, e implorar a face do Senhor. Eis o que diz o Senhor dos exrcitos: naquele dia dez homens de todas as lnguas das naes tomaro um judeu pela orla de seu manto, e diro: queremos ir convosco, porque soubemos que Deus est convosco" (Zc 8,18-23).

    O Profeta anuncia que Deus ir reunir as pessoas de todas as lnguas e que este dia ter incio em Jerusalm. Ora, foi exatamente em Jerusalm que o Esprito Santo no dia de Pentecostes deu o dom de falar em lnguas estrangeiras aos apstolos e discpulos. Notem que o profeta diz que por este dom dez homens de todas as lnguas das naes tomaro um judeu pela orla de seu manto, e diro: queremos ir convosco, porque soubemos que Deus est convosco. No interessante que este nmero se assemelha ao nmero de doze discpulos que fez So Paulo (cf. At 19,7)?

    Outro detalhe que h de se notar que quando o Apstolo enumera os dons carismticos, refere-se ao dom de lnguas como variedade de lnguas (cf. 1Cor 12,10), isto , no sentido das vrias lnguas existentes.

    Diante de tantas evidncias, fica praticamente impossvel sustentar que Atos 19,6 o texto bblico se refira a lnguas estranhas, desconhecidas

    14 Comentrio de Santo Toms de Aquino Primeira Carta aos Corntios. Disponvel em http://www.veritatis.com.br/article/4974.

    16

  • do homem. Tudo aponta que o texto trata de lnguas estrangeiras, variedade de idiomas, fazendo uma ponte direta para Atos 2,4.

    Para termos certeza se estamos indo na direo certa, devemos recorrer aos Santos e Doutores da Igreja. Afinal, so eles os mais autorizados intrpretes da Sagrada Escritura.

    O Dom de Lnguas na Doutrina dos Santos e Doutores da Igreja

    Os Santos e Doutores da Igreja no creram e nem sustentaram uma doutrina diferente daquela que apresentamos at aqui. Todos dos grifos nas citaes abaixo so meus:

    Santo Ireneu (sc. II) um dos mais antigos Pais da Igreja sobre o dom de lnguas assim ensinou:

    " este Esprito que Davi pediu para o gnero humano, ao dizer: 'Confirma-me pelo teu Esprito que dirige' (cf. Sl 51,14). E ainda este Esprito que Lucas nos diz ter descido, depois da ascenso do Senhor, sobre os discpulos no dia de Pentecostes, com o poder de falar em todas as lnguas dos povos e abrir-lhes um novo testamento. Eis por que, na harmonia de todas as lnguas, cantavam hinos a Deus, enquanto o Esprito Santo reunia na unidade as raas diferentes e oferecia ao Pai as primcias de todas as naes. Foi por essa razo que o Senhor prometera enviar o Parclito que nos faria dignos de Deus. Assim como a farinha seca no pode, sem gua, tornar-se uma s massa, nem um s po, tambm ns no poderamos tornar um s em Cristo, sem a gua que vem do cu."15.

    Por isso o Apstolo [Paulo] diz: Falamos de sabedoria entre os perfeitos, chamando perfeitos os que receberam o Esprito de Deus e que falam todas as lnguas graas a este Esprito, como ele fazia e como ainda ouvimos muitos irmos na Igreja, que possuem o carisma proftico e que, pelo Esprito, falam em todas as lnguas, revelam as coisas escondidas dos homens para sua utilidade e expem os mistrios de Deus16.

    15 cf. Contra as Heresias 3,17,2.16 Ibidem 5,6,1.

    17

  • So Joo Crisstomo (sc. IV):

    "Ele desceu sobre aqueles que o Senhor Jesus havia reunido porque creram n'Ele. Ele desceu sobre a Igreja. Certamente um dom pessoal, que cada um recebeu em particular, mas porque estavam unidos, em comunho - e justamente no dia de Pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar (At 2, 1) - e sofreram uma transformao radical: repentinamente tomaram conscincia da Palavra de Deus em seu seio e puseram-se a comunicar em todas as lnguas as maravilhas de Deus. Donde o discurso de Pedro anunciando com audcia a Ressurreio do Crucificado queles mesmos que O crucificaram"17.

    Um autor africano (sc. IV):

    Falavam todas as lnguas. Assim aprouve a Deus manifestar a presena do Esprito Santo: fazer com que falassem todas as lnguas aqueles que o tivessem recebido. Porquanto preciso compreender, carssimos irmos, que o amor infundido em nossos coraes por meio do Esprito Santo.

    Pela caridade que a Igreja teria de congregar-se em todo o mundo. Por isso o que podia, ento, uma pessoa ao receber o Esprito Santo isto , falar todas as lnguas pode agora a prpria Igreja, j unida e congregada pelo Esprito Santo. por isso que fala todas as lnguas.

    [...] Com razo, pois, quando se ouviu que falavam todas as lnguas, alguns disseram: Esto bbados de vinho doce (At 2, 13). De fato, j se tinham tornado odres novos, renovados pela graa da santidade a fim de que, cheios de vinho novo, isto , do Esprito Santo, fermentassem, falando todas as lnguas e prefigurassem, por aquele milagre evidente, a Igreja catlica, que haveria de estar no meio das lnguas de todos os povos.18.

    Santo Agostinho (sc. IV-V):

    Depois de ter passado quarenta dias com seus discpulos, subiu ao cu o Senhor ressuscitado. E no qinquagsimo dia, que hoje

    17 Homilia sobre 1 Corntios.18 Sermo 8, 1-3. Patrologia Latina 65, 743-744. Disponvel em http://www.osb.org.br/lectio_04junho06.html.

    18

  • celebramos, enviou o Esprito Santo, como est escrito: De repente, veio do cu um rudo semelhante ao soprar de impetuoso vendaval. E apareceram umas como lnguas de fogo, que se distriburam e foram pousar sobre cada um deles. E comearam a falar em outras lnguas, conforme o Esprito os impelia a falarem (At 2,2.3.4).

    Aquele vento purificava os coraes da palha da carne. Aquele fogo consumia o fogo da velha concupiscncia. Aquelas lnguas faladas pelos que estavam repletos do Esprito Santo prefiguravam a futura Igreja, que haveria de estar entre as lnguas de todos os povos. De fato, aps o dilvio, a impia soberba dos homens construiu uma torre elevada contra o Senhor, e o gnero humano mereceu ser dividido em lnguas diversas, comeando cada povo a falar sua lngua para no ser entendido pelos outros povos. Agora, ao invs, a humilde piedade dos fiis recolheu a diversidade destas lnguas na unidade da Igreja, onde a caridade reuniu aquilo que a discrdia tinha espalhado. E os membros dispersos do corpo humano, como membros de um nico corpo, voltam a ser unificados na nica cabea que Cristo, fundidos na unidade de seu santo corpo pelo fogo do amor.

    [...] Vs, porm, irmos, membros do corpo de Cristo, germes de unidade, filhos da paz, celebrai este dia alegres, celebrai-o seguros. Porque em vs se realiza aquilo que era prefigurado nos dias em que veio o Esprito Santo. Porque, como outrora quem recebia o Esprito Santo, embora fosse um homem s, falava todas as lnguas, assim agora fala todas as lnguas, atravs de todos os povos, a prpria unidade. Estabelecidos nela, possuis o Esprito Santo, os que no estais separados por nenhum cisma da Igreja de Cristo que fala todas as lnguas.19.

    Quando desceu o Esprito Santo sobre os discpulos, estes falaram as lnguas de todos e por todos foram entendidos. As lnguas divididas se uniram em uma. Logo, se todavia ensinam e so gentis, conveniente ter diversas lnguas. Dizem ter uma lngua? Vejam a Igreja, porque em meio da diversidade de lnguas de carne, existe uma s na f do corao.20.

    19 Santo Agostinho, Sermo 271. Disponvel em http://www.osb.org.br/lectio14.htm.20 Ennarrationes in Psalmos, 2,54,BAC, Madrid, 1965, p.344. Texto retirado do Livro Carismas Coleo Paulo Apstolo vol.3 RCC. Pg 87.

    19

  • So Gregrio Magno (sc. V):

    Os que tentaram edificar uma torre contra os desgnios de Deus, perderam o uso da mesma lngua, e nos que temiam humildemente a Deus foram unidas todas as lnguas da terra. Neste dia a humildade recebeu por prmio esta graa; na construo da torre, a soberba recebeu como castigo a confuso.21.

    A apostolicidade deste ensinamento se comprova pelo fato de que tambm as igrejas catlicas de rito bizantino tambm o repete:

    "Tambm em Babel as lnguas foram divididas! Exatamente! O que se passa no Pentecostes exatamente o contrrio do que se passou em Babel. Em Babel, por orgulho, foram as lnguas dos homens que se dividiram, de modo que eles no se compreendiam mais e foram, por isso, divididos, separados, dispersos. Em Pentecostes o dom de Deus que se divide para estender-se a cada um e reuni-los a todos: a partir desse momento os homens que receberam o Esprito Santo anunciam todos a mesma palavra, a Palavra de Deus, e fazem-se compreender por todos os homens pois falam todas as lnguas. As barreiras lingsticas so ultrapassadas pela Palavra do Deus nico, tornada compreensvel a todos pelo dom das lnguas. o que nos explica o kondakion de Pentecostes"22.

    "Ele desceu sobre aqueles que o Senhor Jesus havia reunido porque creram n'Ele. Ele desceu sobre a Igreja. Certamente um dom pessoal, que cada um recebeu em particular, mas porque estavam unidos, em comunho - e justamente no dia de Pentecostes estavam todos reunidos no mesmo lugar (At 2, 1) - e sofreram uma transformao radical: repentinamente tomaram conscincia da Palavra de Deus em seu seio e puseram-se a comunicar em todas as lnguas as maravilhas de Deus. Donde o discurso de Pedro anunciando com audcia a Ressurreio do Crucificado queles mesmos que O crucificaram"23.

    21 Homilia sobre os Evangelhos, livro II, 10(305) sobre So Joo, 14,23-31, Obras Completas. BAC, Madrid, 1.958, p.686 - texto retirado do Livro Carismas Coleo Paulo Apstolo vol.3-RCC. Editora Santurio. Pg 85-86.22 Troprio de Pentecostes, Tom. 8. Disponvel em http://www.ecclesia.com.br/ekklisia/biblioteca/liturgia/a_festa_de_pentecostes.htm.23 Kondakion de Pentecostes, antigo canto catlico oriental. Ibidem nota 19.

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    http://www.ecclesia.com.br/ekklisia/biblioteca/liturgia/a_festa_de_pentecostes.htm

  • Santo Toms de Aquino (sc. XIII), o Doutor Anglico, o mais santo dos doutores e o mais doutor dos santos, cuja doutrina foi recomendada por tantos Papas, deixou-nos o seguinte ensino sobre o dom carismtico extraordinrio das lnguas:

    os primeiros discpulos de Cristo foram escolhidos para percorrerem o mundo pregando a sua f a todos, como se l no Evangelho de Mateus: Ide e ensinai a todos os povos. Ora, no era conveniente que aqueles que eram enviados para instruir os outros, precisassem ser instrudos por eles sobre a maneira de lhes falar ou de compreender sua linguagem. Sobretudo por que estes enviados eram da mesma nao, da Judia como havia predito Isaas: Aqueles que sairo impetuosamente de Jac encheram com sua raa a face da terra. Alm disso, os discpulos enviados eram pobres e sem poder; eles no teriam encontrado facilmente, desde o comeo, intrpretes fiis para traduzir suas palavras ou lhes explicar as dos outros, principalmente por terem sido enviados a povos infiis. Por esta razo, era necessrio que Deus lhes viesse em socorro com o dom das lnguas, a fim de que, como se havia introduzido a diversidade de lnguas, quando os homens comearam a dar-se idolatria, como se l no livro de Gnesis, assim se desse o remdio a essa diversidade, quando tivessem que ser convertidos ao culto de um s Deus. [...] Uma Glosa de Gregrio [Papa] assim comenta: O Esprito Santo apareceu sobre os discpulos em lnguas de fogo e lhes deu o conhecimento de todas as lnguas24.

    Porquanto o dom de lnguas devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para ensinar pelo mundo a f de Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos anunciassem a palavra de Deus, o Senhor deu-lhes o dom de lnguas, para que a todos ensinassem, no de modo que falando uma s lngua fossem entendidos por todos, como alguns dizem, mas sim, bem literalmente, de maneira que nas lnguas dos diversos povos, falassem as de todos. Pelo qual disse o Apstolo: Dou graas a Deus porque falo as lnguas de todos vs (1Co 14,18). E em Atos 2,4, se disse: Falavam em vrias lnguas, etc. E na Igreja primitiva muitos alcanaram de Deus este dom. [...] Pois os corntios, que eram de indiscreta curiosidade, preferiam esse dom que o da profecia. E aqui por falar em lngua, o Apstolo entende que em lngua

    24 Summa Teolgica 2-2. Q176. Disponvel em http://hjg.com.ar/sumat/c/c176.html. Traduzido por Rodrigo Santana.

    21

    http://hjg.com.ar/sumat/c/c176.html

  • desconhecida e no explicada: como se algum falasse em lngua teutnica a um gals, sem explic-la, esse tal fala em lngua.25.

    A Igreja desde os tempos mais remotos sempre ensinou que o dom carismtico de falar em lnguas, consiste no falar em lnguas estrangeiras e no estranhas ou ininteligveis. Este ensinamento perene mudou depois do Conclio Vaticano II?

    O Magistrio recente da Igreja sobre o Dom de Lnguas

    O Magistrio Vivo da Igreja ao contrrio do que alguns pensam, durante o Conclio Ecumnico do Vaticano II e mesmo depois dele, no se afastou, mas, reafirmou a doutrina tradicional sobre o dom de lnguas:

    O Esprito Santo [...] no dia de Pentecostes desceu sobre os discpulos para permanecer eternamente com eles; que a Igreja foi publicamente manifestada ante a multido; que pela pregao se iniciou a difuso do Evangelho entre as naes; que enfim foi prefigurada a unio dos povos na catolicidade da f mediante a Igreja da Nova Aliana que fala todas as lnguas, compreende e abraa na caridade todos os idiomas e assim supera a disperso de Babel26.

    "[...] luz da f, a comunicao humana deve ser considerada como um percurso de Babel a Pentecostes, ou seja, o empenho, pessoal e social, de superar o colapso da comunicao (cf. Gn11,4-8) abrindo-se ao dom de lnguas (cf. At 2,5-11), comunicao restabelecida pela fora do Esprito, enviado pelo Filho."27.

    "Alm destas razes, a Igreja tem motivos prprios para se interessar dos meios de comunicao social. Considerada luz da f, a histria da comunicao humana pode ser vista como uma longa viagem desde Babel, lugar e smbolo da decadncia da comunicao (cf. Gn 11,4-8), at ao Pentecostes e ao dom das lnguas (cf. Act 2,5-11) a comunicao restabelecida pelo poder do Esprito transmitido pelo seu Filho. Enviada ao

    25 Ibidem nota 11. Comentrio de 1Cor 14,1-4.26 cf. Conclio Vaticano II, Decreto Ad Gentes n. 4.27 cf. Compndio da Doutrina Social da Igreja, n. 562.

    22

  • mundo para anunciar a boa nova (cf. Mt 28,19-20; Mc 16,15), a Igreja tem a misso de proclamar o Evangelho at ao fim dos tempos. [...]"28.

    "No dia de Pentecostes, teve a sua mais exata e direta confirmao aquilo que fora anunciado por Cristo no discurso da despedida; em particular, o anncio de que estamos a tratar O Consolador [...] convencer o mundo quanto ao pecado. Nesse dia, sobre os Apstolos congregados no mesmo Cenculo em orao, juntamente com Maria, Me de Jesus, desceu o Esprito Santo prometido, como lemos nos Atos dos Apstolos: Todos ficaram cheios de Esprito Santo e comearam a falar em outras lnguas, segundo o Esprito lhes concedia que se exprimissem (cf. At 2,4) reconduzindo desse modo unidade as raas dispersas e oferecendo ao Pai as primcias de todas as naes29.

    [...] E no dia de Pentecostes esse anncio realiza-se com toda a exatido. Agindo sob o influxo do Esprito Santo, recebido pelos Apstolos quando estavam em orao no Cenculo, So Pedro apresenta-se e fala diante de uma multido de pessoas de diferentes lnguas, reunidas para a festa.30.

    No foi diferente o Magistrio dos ltimos Papas da Santa Igreja Catlica:

    [...] no dia de Pentecostes [...] os Apstolos reunidos no cenculo de Jerusalm ficaram todos cheios do Esprito Santo (At 2, 4). Isto deu-se de forma invisvel, mas estava simultaneamente unido a um sinal expressivo. Era o sinal do vento impetuoso e do fogo: ...veio do cu um rudo, como se soprasse um vento... e encheu toda a casa onde estavam (At 2, 2). E, ao mesmo tempo, apareceram-lhes uma espcie de lnguas de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles (At 2, 3). Cheios do Esprito Santo... comearam a falar em outras lnguas conforme o Esprito lhes concedia que se exprimissem(At 2, 4).

    28 PONTIFCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAES SOCIAIS, tica nas Comunicaes Sociais n.3. Em 04 de julho de 2000.29 cf. Sto. Ireneu de Lio em Contra as Heresias III, 17,2.30 Papa Joo Paulo II, Dominum et vivificantem n.30.

    23

  • 2. A Igreja nascia no dom das lnguas. As lnguas significavam a multiplicidade e variedade dos povos, que ao longo dos sculos deviam entrar na mesma comunidade da Igreja de Cristo.

    Como ento todos ns os ouvimos falar, cada um em nossa lngua materna? (At 2, 8), perguntavam os peregrinos presentes diante do cenculo, vindos para a festa em Jerusalm. Os Atos dos Apstolos descrevem nominalmente os habitantes dos stios que tomaram parte diretamente no nascimento da Igreja pelo sopro do Esprito Santo. Eis que todos: ouvimo-los anunciar em nossas lnguas as maravilhas de Deus (At 2, 11).31.

    "A festa dos santos Apstolos Pedro e Paulo ao mesmo tempo uma grata memria das grandes testemunhas de Jesus Cristo e uma solene confisso em favor da Igreja una, santa, catlica e apostlica. antes de tudo uma festa da catolicidade. sinal do Pentecostes a nova comunidade que fala em todas as lnguas e une todos os povos num nico povo, numa famlia de Deus e este sinal tornou-se realidade"32.

    "[...] As imagens que So Lucas usa para indicar o irromper do Esprito Santo o vento e o fogo recordam o Sinai, onde Deus se tinha revelado ao povo de Israel e lhe tinha concedido a sua aliana (cf. x 19, 3ss). A festa do Sinai, que Israel celebrava cinqenta dias depois da Pscoa, era a festa do Pacto. Falando de lnguas de fogo (cf. Act 2, 3), So Lucas quer representar o Pentecostes como um novo Sinai, como a festa do novo Pacto, na qual a Aliana com Israel se alarga a todos os povos da Terra. A Igreja catlica e missionria desde a sua origem. A universalidade da salvao significativamente evidenciada pelo elenco das numerosas etnias a que pertencem todos os que ouvem o primeiro anncio dos Apstolos (cf. Act 2, 9-11).

    O Povo de Deus, que tinha encontrado no Sinai a sua primeira configurao, hoje ampliado a ponto de no conhecer qualquer fronteira de raa, cultura, espao ou tempo. Diferentemente do que tinha acontecido com a torre de Babel (cf. Jo 11, 1-9), quando os homens, intencionados a construir com as suas mos um caminho

    31 Papa Joo Paulo II, Homilia na Solenidade de Pentecostes. Em 7 de Junho de 1992,32 Papa Bento XVI, Homilia na solenidade dos Santos Apstolos Pedro e Paulo, na Quarta-feira dia 29 de Junho de 2005.

    24

  • para o cu, tinham acabado por destruir a sua prpria capacidade de se compreenderem reciprocamente. No Pentecostes o Esprito, com o dom das lnguas, mostra que a sua presena une e transforma a confuso em comunho. O orgulho e o egosmo do homem geram sempre divises, erguem muros de indiferena, de dio e de violncia.

    O Esprito Santo, ao contrrio, torna os coraes capazes de compreender as lnguas de todos, porque restabelece a ponte da comunicao autntica entre a Terra e o Cu. O Esprito Santo Amor."33.

    "A Igreja catlica, porque o Evangelho se destina a todos os povos e por isso, j desde o incio, o Esprito Santo faz com que ela fale todas as lnguas"34.

    Como era de se esperar, mesmo depois do Conclio Vaticano II, a doutrina da Igreja sobre o dom de lnguas continua a mesma. Afinal, a Igreja possuiu um corpo doutrinrio perene.

    O dom de lnguas no Tanquerey

    Por Tanquerey, conhecido o renomado Compndio de Teologia Asctica e Mstica de Adolph Tanquerey, riqussimo em contedo e firmssimo na sua doutrina35. Nele encontramos a seguinte doutrina sobre o dom de lnguas:

    1514. As revelaes, de que acabamos de falar, so dadas sobretudo para utilidade pessoal; as graas gratuitamente dadas so no principalmente para a utilidade dos outros. So, efetivamente, dons gratuitos extraordinrios e transitrios, conferidos diretamente para bem dos outros, posto que podem indiretamente servir tambm para santificao pessoal. So Paulo menciona-os com o nome de carismas; na Epstola aos Corntios distingue nove, que provm todos do mesmo Esprito:

    33 Papa Bento XVI, Homilia na Solenidade de Pentecostes. 4 de Junho de 2006.34 Papa Bento XVI, REGINA CAELI, Solenidade de Pentecostes, no Domingo de 27 de Maio de 2007.35 TANQUERY, Adolf. Compndio de Teologia Asctica e Mstica. Anpolis: AMEM Aliana Missionria Eucarstica Mariana, 2007. Prefcio Edio Brasileira, pg [15].

    25

  • 1515. [...] 8) O dom das lnguas, que, em So Paulo, o dom de orar em lngua estranha com certo sentimento de exaltao; segundo os telogos o dom de falar vrias lnguas36.

    Primeiro devemos notar que o Tanquerey afirma que os carismas so extraordinrios e transitrios, conforme vimos antes atravs do Catecismo da Igreja. Quando refere-se especificamente sobre o dom de lnguas, pontua que no entendimento dos telogos (conforme vimos na doutrina dos Santos e Doutores da Igreja) o falar lngua estranha que se pode entender nos textos paulinos o falar em vrias lnguas.

    36 Ibidem, pg. 785.

    26

  • Captulo 3 O falso dom de lnguas

    ara discernirmos se os fenmenos msticos so de origem divina, ou diablica, quais normas deveramos usar? As manifestaes de origem demonaca so marcadas pela soberba, vaidade e pelo

    espetculo. J as de origem divina so marcadas pela beleza e harmonia com "Depsito da F". Tudo o que no coincide com este Depsito suspeito de interferncias indbitas.

    PO Diabo trabalha sem descanso para ridicularizar a obra de Deus,

    principalmente com falsificaes. Misteriosamente Deus permite que ele interfira mesmo em assemblias onde todos esto reunidos para louvar e adorar a Deus. Citaremos alguns testemunhos da Sagrada Escritura a este respeito:

    Em J 1,6 lemos que "um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio tambm Satans entre eles" (J 1,6).

    No episdio da aliana entre os Reis Acabe (de Israel) e Jeosaf (de Jud) para atacar o Rei Ramot de Gallad, Deus permitiu que um esprito enganador se colocasse na boca dos profetas de Israel:

    Miquias replicou: Ouve o orculo do Senhor: Eu, vi o Senhor sentado no seu trono e todo o exrcito dos cus ao redor dele, direita e esquerda. O Senhor disse: Quem seduzir Acab, para que ele suba e perea em Ramot de Galaad? Um disse uma coisa e outro, outra. Ento um esprito adiantou-se e apresentou-se diante do Senhor, dizendo: Eu irei seduzi-lo. O Senhor perguntou: De que modo? Ele respondeu: Irei e serei um esprito de mentira na boca de seus profetas. - isto, replicou o Senhor. Conseguirs seduzi-lo. Vai e faze como disseste. O Senhor ps um esprito de mentira na boca de todos os profetas aqui presentes, mas a tua perda que o Senhor decretou (1Rs 22,19-23 ; ver tambm 2Cr 18, 21-22).

    27

  • necessrio dizer que nem toda interferncia indbita origem demonaca, mas pode ser tambm meramente humana. Muitas vezes aqueles que se dizem guiados por Deus e que fazem crer aos outros que esto anunciando orculos do prprio Deus, esto na verdade anunciando to somente frutos do seu prprio imaginrio e vontade. Disto tambm a Sagrada Escritura nos d testemunho:

    Entre os profetas samaritanos vi absurdos: profetizaram em nome de Baal e desencaminharam meu povo de Israel. Mas, entre os profetas de Jerusalm vejo coisas hediondas: adultrio e hipocrisia. Encorajam os maus, para que nenhum se converta da maldade. A meus olhos so todos iguais a Sodoma e seus congneres semelhantes a Gomorra. [...] Eis o que diz o Senhor dos exrcitos: no escuteis os profetas que vos transmitem vos orculos; so vises do prprio esprito que vos divulgam, e no as palavras do Senhor.

    No cessam de proclamar aos que me desprezam: Orculo do Senhor: tudo ir bem para vs! e aos que seguem, obstinadamente, as tendncias do corao dizem ainda: Nada de mal vos acontecer. Mas qual deles assistiu deliberao do Senhor? Quem o viu, e lhe escutou a palavra? Quem a ouviu e lhe prestou ateno?

    [...] No enviei tais profetas: so eles que correm; nem jamais lhes falei; e, no entanto, proferiram orculos. Houvessem eles assistido minha deliberao, e seriam minhas as palavras que haveriam de proferir, fazendo que meu povo renunciasse perversidade de seu procedimento.

    [...] Ouo o que dizem os profetas que proferem em meu nome falsos orculos. Tive um sonho. Tive um sonho! Quanto tempo vai durar isso? Julgam esses profetas, ao proferirem mentiras e as imposturas de seus coraes, que iro, pelos sonhos que contam uns aos outros, tornar meu nome esquecido do povo, assim como aconteceu a seus pais, que esqueceram o meu nome por causa do de Baal?

    [...] Conte o profeta o sonho que tiver! Mas, a quem for dado ouvir-me a palavra, que fielmente a reproduza. Que vem fazer a palha com o gro? - orculo do Senhor.

    28

  • [...] Eis por que - orculo do Senhor - vou lanar-me contra os profetas que imitam minhas revelaes falando a outros. Vou pedir contas aos profetas, cujas lnguas no vacilam em proclamar: orculo do Senhor. Irei contra os profetas de sonhos enganadores que, ao narr-los, ludibriam com mentiras e fatuidade o meu povo, quando nem misso lhes outorguei, nem mandato algum, e de nenhuma valia so para esse povo - orculo do Senhor (Jr 23,13-32).

    Falso dom de lnguas no cristianismo primitivo

    Santo Ireneu em sua eminente obra Contra as Heresias relata que um sujeito de nome Marcos com o auxlio de demnios fazia mulheres incautas pensarem que estavam profetizando em nome de Deus:

    Ele [Marcos] d a entender que teria um demnio como assistente que o faz profetizar, a ele e a todas aquelas mulheres que julgar dignas de participar de sua Graa. [...] Ento ele repete algumas invocaes que arrebatam a infeliz seduzida e diz: Abre a boca, dize qualquer coisa e profetizars. E aquela excitada por estas palavras e sentindo ferver na alma a iluso de comear a profetizar e o corao pulsar mais forte do que de costume, anima-se e se pe a profetizar todas as tolices que lhe vm cabea, sem sentido e sem hesitar, justamente por ser inflamada por esprito vazio.

    [...] Quem manda maior e mais poderoso de quem mandado, porque aquele governa e este obedece. Se um Marcos qualquer ou outro do ordens, como costuma fazer nos seus jantares, toda essa gente brincando de orculos, ordenando uns aos outros profetizarem coisas que so do seu desejo, ento aquele que manda deve ser maior e mais poderoso do que o Esprito proftico, mesmo homem, o que impossvel. Mas os espritos que recebem ordem deles, que falam quando eles querem, so terrenos e fracos, temerrios e irreverentes, so enviados por Satans para seduzir e arruinar aos que no sabem guardar firmemente a f que receberam no princpio da Igreja37.

    37 cf. Contra as Heresias 1,13,3-4.

    29

  • Para Santo Ireneu, esses espritos que faziam as pessoas dizerem coisas sem sentido e sem hesitar eram terrenos e fracos, temerrios e irreverentes [...] enviados por Satans para seduzir e arruinar.

    Eusbio, Bispo de Cesaria na Palestina e historiador da Igreja, em sua obra Histria Eclesistica (sc. IV) nos traz relatos de outro caso semelhante. No livro V da referida obra, ele transcreve o combate de Apolinrio (sc II), Bispo de Hierpolis, contra a heresia de Montano, chamada montanista ou catafrgia. Diz o Bispo Apolinrio que:

    Recentemente eu estava em Ancira da Galcia e encontrei a Igreja local perturbada pela novidade, no da profecia, conforme eles dizem, mas antes da pseudo-profecia, como ser demonstrado. medida que pude, com o auxlio do Senhor, discutimos em todas as ocasies a respeito deles e dos argumentos que apresentavam, durante vrios dias, em comunidade. Assim, a Igreja se alegrou e fortificou na verdade; os adversrios foram na oportunidade batidos e nossos inimigos se contristaram38.

    Que novidade era esta que confundiu a Igreja de Ancira na Galcia? Que embuste foi apresentado nesta Igreja como o legtimo carisma da profecia e que mereceu o combate do zeloso Bispo?

    Diz-se haver na Msia, nos limites da Frigia, uma aldeia chamada Ardabu e ali, em primeiro lugar, um dos novos crentes, chamado Montano, quando Grato era procnsul da sia, deu acesso ao inimigo, levado pela ambio imoderada de ocupar os primeiros lugares. Como um possesso, em falso xtase, ps-se a falar em seus excessos, a proferir palavras estranhas e a profetizar de forma inteiramente oposta ao uso tradicional conservado pela antiga tradio da Igreja39.

    Assim, como Santo Ireneu, Apolinrio (que era seu contemporneo) nos d mais um testemunho bem antigo, de que o proferir palavras estranhas como se estivesse profetizando por Graa de Deus, na verdade obra de Satans e inteiramente oposta ao uso tradicional conservado pela antiga tradio da Igreja. Continua Apolinrio:

    38 cf. Histria Eclesistica 5,16,4.39 cf. Histria Eclesistica 5,16,6.

    30

  • Entre os ouvintes destes discursos corruptos, uns, no suportando essa espcie de energmeno, demonaco, possesso do esprito do erro, que perturbava as multides, censuravam-no e impediam-no de falar, lembrados da exposio do Senhor e da advertncia sobre a vigilncia acerca da vinda dos falsos profetas (Mt 7,17). Outros, ao invs, como que exaltados por causa do Esprito Santo e do carisma proftico [isto , pensando ser obra de Deus], sobretudo inchados de orgulho e esquecidos da exortao do Senhor, estimulavam o esprito insensato, lisonjeiro e sedutor do povo, encantados e enganados por ele a ponto de se tornar impossvel fazer com que se calasse.

    Por algum artifcio ou antes por tais malefcios, o diabo planejava a perdio dos que no lhe obedeciam e de modo indigno fazia-se cultuar por eles. Excitava e inflamava o esprito deles j entorpecido, longe da verdadeira f. Suscitou ainda duas mulheres, repletas de um esprito bastardo, que se puseram a falar insensatamente e a contratempo, de modo estranho, semelhante a ele [...]40.

    Origenes (sc. III), considerado o pai da cincia bblica, nos d testemunho de seu combate contra o mesmo tipo de pretensa-profecia por carisma do Esprito Santo:

    [...] a estas presunes [de se achar falando movido pelo Esprito Santo] eles [os falsos profetas] acrescentam termos desconhecidos, incoerentes, totalmente obscuros, cuja significao nenhum homem razovel seria capaz de descobrir por estarem por demais desprovidos de clareza e de sentido [...]

    Os profetas, segundo a vontade de Deus, disseram sem nenhum sentido oculto tudo o que se podia ser compreendido de imediato pelos ouvintes como til e proveitoso para a reforma dos costumes. Mas, tudo o que era mais misterioso e mais secreto, dependendo de contemplao que ultrapassa os ouvintes comuns, eles revelaram em formas de enigmas, alegorias, discursos obscuros, parbolas ou provrbios[...]41.

    40 cf. Histria Eclesistica 5,16,8-9.41 cf. Contra Celso 7,9-10.

    31

  • Este o testemunho de alguns dos eminentes defensores da ortodoxia dos primeiros sculos. E segundo o testemunho deles, o profetizar ou falar em xtase ininteligvel no corresponde ao da Graa de Deus que se d nos carismas. Cabe lembrar que as palavras deles, so um testemunho confivel, tanto pela sua antiguidade quanto pelo louvor que outros escritores e santos da Igreja lhe deram posteriormente.

    Devemos lembrar que vrios grupos herticos que viveram durante a Idade Mdia como os jansenistas (sc VIII), os profetas de Cevennol que viveram na Frana (sc XVI), os tembladores ou Shakers e os irvingites (sc XIX), todos eles foram adeptos da prtica do falar ininteligvel como se fosse dom do Esprito Santo. E ainda hoje essa prtica muito difundida entre os protestantes pentecostais e neo-pentecostais.

    Portanto, se o embuste de Satans aconteceu no passado bem provvel que acontea hoje, afinal este inimigo de Deus trabalhar para a danao dos homens at o fim dos tempos (cf. Lc 22,31).

    32

  • Captulo 4 Resolvendo as dificuldades

    onforme demonstramos, no h fundamento na doutrina perene da Igreja para se afirmar que o dom carismtico de lnguas seja um falar ininteligvel. Provavelmente muita confuso se d por causa de

    certos pontos difceis de entender nas cartas paulinas. Por isso, devemos nos lembrar do alerta do primeiro Papa, So Pedro:

    C"Nelas [nas cartas de S. Paulo] h algumas passagens difceis de entender, cujo sentido os espritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua prpria runa, como o fazem tambm com as demais Escrituras" (cf. 2Pd 3,16).

    As lnguas mencionadas em todos os textos bblicos e no Magistrio da Igreja se referem ao dom carismtico de lnguas como idiomas e no lnguas desconhecidas ou estranhas. No Pentecostes est claro que as lnguas eram idiomas variados (cf. Atos 2, 1-13, 2,7-11).

    Depois que apresentamos a doutrina perene da Igreja sobre o dom de lnguas, conforme o fundamento da Escritura e da Tradio, procuraremos agora eliminar dvidas legtimas que possam impedir o fiel de cumprir com seu dever de aderir sem reservas perene Doutrina Catlica, respondendo s seguintes objees:

    Objeo 1: Em Marcos 16,17 Jesus diz que os fiis que recebero o Esprito Santo falaro novas lnguas, dando a entender lnguas que ainda no so conhecidas pelos homens.

    Resposta: O texto de Mc 16,17 : "Estes milagres acompanharo os que crerem: expulsaro os demnios em meu nome, falaro novas lnguas". Aqui Nosso Senhor referindo-se a "novas lnguas" usa o termo grego kains glossa, que significa "novo idioma" quanto ao uso e no quanto ao conhecimento no sentido de jamais visto. Ademais, se Cristo estivesse se referindo a lnguas no conhecidas na terra, suas palavras estariam em desacordo com o anncio dos Profetas e do prprio testemunho de Pentecostes.

    33

  • Objeo 2: Em At 2,13 o texto parece indicar tambm a existncia da glossolalia (idioma sem sentido, ininteligvel) por causa do comentrio de alguns que estavam presentes.

    Resposta: Em At 2,13 lemos: Outros, porm, escarnecendo, diziam: Esto todos embriagados de vinho doce". Este versculo aparece logo aps o texto sagrado testemunhar que os apstolos e discpulos estavam falando na lngua de outros povos, de tal forma que eram entendidos por eles (vs 1-12).

    O prprio texto diz que por causa da solenidade de Pentecostes "achavam-se ento em Jerusalm judeus piedosos de todas as naes que h debaixo do cu" (vs 5). Logo, seria totalmente normal que um judeu rabe no entendesse o que um dos apstolos estava falando em grego, ainda mais sabendo que a lngua deles era o aramaico. De outra forma, poderia um judeu grego estar ouvindo Tom falando em srio, sabendo que sua lngua natal era o aramaico. Ora, quem iria pensar que aqueles homens simples e sem instruo estariam falando outros idiomas? Claro que achariam que estavam bbados, e no sob a ao miraculosa do Esprito Santo.

    Objeo 3: So Paulo em 1 Cor 14,1-4 reconhece existir um tipo de dom de lnguas que ininteligvel aos homens que usado para se falar somente a Deus.

    Resposta: So Paulo no diz que o dom de lnguas ininteligvel aos homens, mas que "ningum o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ao do Esprito" (cf. 1Cor 14,2). Santo Toms comentando este trecho ensinou:

    Tambm falar em lngua o falar de vises somente, sem explic-las. [...] Mas o que s a Deus falado, compreende-se que o prprio Deus fala. Pelo qual disse: Mas o Esprito de Deus fala mistrios, isto , coisas ocultas (1Cor 14,2). Porque no sereis vs que falareis, seno o Esprito de vosso Pai que falar em vs. (Mt 10,20).42.

    42AQUINO, Santo Toms de. COMENTRIO DE SANTO TOMS DE AQUINO 1A. CARTA DE SO PAULO AOS CORNTIOS. http://www.veritatis.com.br/article/4974.

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  • Logo, quando se fala a Deus em lnguas, fala-se coisas misteriosas e no palavras sem sentido.

    Objeo 4: So Paulo difere o dom de lnguas das oraes em lnguas.

    Resposta: O Apstolo no difere o dom de lnguas das oraes em lnguas. Na verdade a diferena que h somente na sua aplicao, conforme nos ensina Santo Toms comentando 1Cor 14,13-17:

    "J mostra acima o Apstolo a excelncia do dom da profecia sobre o dom das lnguas, com razes tomadas da parte da exortao, e agora demonstra o mesmo com razes tomadas da parte da orao, pois, em efeito, estas duas coisas, a orao e a exortao, s exercitamos com a lngua. [...] [S. Paulo] Disse que o dom de lnguas sem o dom da profecia carece de valor, e pelo mesmo, como o interpretar prprio da profecia, que mais excelente que aquele, o que fala em lnguas desconhecidas ou estranhas, ou de ocultos mistrios, pea, claro que a Deus, o dom de interpretar, ou seja, que lhe seja dada a graa de interpretar. Orai para que Deus nos abra uma porta (Colos. 4,3).

    [...] E a orao pblica quando se ora frente ao povo e pelos demais; e em ambas as oraes pode usar-se do dom das lnguas e do dom da profecia. E se trata de demonstrar que em uma e outra orao vale mais o dom da profecia que o dom das lnguas".

    A orao em lnguas no um carisma diverso do dom de lnguas, mas apenas uma aplicao deste ltimo na orao. Note que S. Toms tambm aplica o dom da profecia orao. Caso contrrio, teramos tambm a orao em profecia. No entanto, o dom de lnguas e o dom da profecia podem ser aplicados na exortao ou na orao.

    Objeo 5: O dom de lnguas falar em lnguas ininteligveis, tanto que S. Paulo ensina que este dom complementado por outro que interpreta sua mensagem.

    Resposta: Quando Paulo fala que deve haver intrprete, a palavra para "intrprete" aqui (1 Cor. 12,10; 14,26-27) "diermeneutes" (), que, no grego, refere-se interpretao de um idioma.

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  • Ainda, S. Toms (conforme vimos na resposta objeo 3) ensinou que o falar em lnguas tambm o falar coisas misteriosas, logo preciso que tal mistrio tambm seja explicado para que traga proveito a todos.

    Objeo 6: Falar em lnguas o mesmo que falar na lngua dos anjos

    Resposta: Essa objeo tem origem numa especulao indevida das seguintes palavras de S. Paulo: Ainda que eu falasse as lnguas dos homens e dos anjos, se no tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o cmbalo que retine (1Cor 13,1).

    S. Toms de Aquino comentando 1Cor 13,1-3 nos ensina:

    [...] Vejamos agora o que se entende por 'lngua dos anjos', pois sendo a lngua um membro do corpo, a cujo uso pertence o dom de lngua, que s vezes se chama 'lngua' - como se ver mais abaixo (captulo XIV) - nem uma coisa nem outra parece ter a ver com os anjos, que no possuem membros. Pode-se dizer ento que por 'anjos' deve-se entender os homens com 'ofcio de anjos', isto , os que anunciam as coisas divinas a outros homens, como diz Malaquias: 'Nos lbios do sacerdote deve estar o depsito da cincia e de sua boca ser aprendida a Lei, visto que ele o anjo do Senhor dos exrcitos' (2,7), de maneira que, neste sentido, se diz: 'se eu falasse as lnguas de todos os homens ou a lngua anglica', ou seja, se falasse 'como aqueles que ensinam os outros, no apenas os mestres das primeiras letras, mas tambm os doutores'. Pode-se tambm entender o texto: 'fazes com que teus anjos sejam como os ventos' (Salmo 103), que os anjos incorpreos, ainda sem lngua material, a possuem por semelhana - podemos assim dizer - na fora com que manifestam a outros o que guardam na mente43.

    O doutor anglico nos ensina que falar na lngua dos anjos falar em termos mais elevados. como se o Apstolo tivesse dito : ainda que eu falasse a lngua dos simples e dos doutores. S. Paulo refere-se ao nvel do aprofundamento do anncio e no a um pseudo-idioma dos anjos.

    43 Comentrio de Santo Toms Primeira Carta aos Corntios. Disponvel em http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/dc2.htm#cv. Traduo por Rodrigo Santana.

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    http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/dc2.htm#cv

  • Objeo 7: So Paulo est se referindo ao dom de lnguas quando fala em gemidos inefveis na Carta aos Romanos.

    Resposta: Se fosse verdade o Apstolo teria abordado o tema em sua primeira carta aos corntios, quando ensina exatamente sobre o dom de lnguas.

    A palavra usada por S. Paulo que foi traduzida por gemidos stenagmos (). tambm usada em At 7,34: "Considerei a aflio do meu povo no Egito, ouvi os seus gemidos () e desci para livr-los. Vem, pois, agora e eu te enviarei ao Egito".

    O termo stenagmos refere-se a manifestaes do corao, como sofrimento, angstia, saudade etc. Emprego do termo grego no deixa dvidas de que o Apstolo estava falando das manifestaes do corao humano, da linguagem prpria que vem do corao.

    Santo Toms, comentando Rm 8,26 nos ensina:

    "E diz-se que esses gemidos so inexplicveis, ou porque so por algo que inexplicvel, como o a gloria celestial (as palavras inexplicveis que no so dadas ao homem para se expressar: 2Co 12,4); ou porque os prprios movimentos do corao no se podem explicar suficientemente, enquanto que procedem do Esprito Santo."44.

    O que se expressa bela boca, mesmo que sejam palavras sem sentido, exprimvel, caso contrrio no seriam expressas pela boca. Mas, o que vem do corao, isso sim inexprimvel.

    Em Rm 8,26 S. Paulo ensina que o Esprito Santo nos ajudar a rezar como se deve: com o corao e no somente com palavras (cf. Mt 15,8). Isso porque no sabemos o que devemos pedir, nem orar como convm.

    44 Comentrio de Santo Toms Carta aos Romanos. Disponvel em http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/df3.htm#bt. Traduo por Carlos Nabeto.

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    http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/df3.htm#bt

  • Este socorro do Esprito Santo havia sido anunciado pelo Profeta Ezequiel:

    "Dar-vos-ei um corao novo e em vs porei um esprito novo; tirar-vos-ei do peito o corao de pedra e dar-vos-ei um corao de carne" (Ez 36,26).

    Objeo 8: Santo Agostinho se refere a um dom de lnguas com palavras sem sentido em seu comentrio ao Salmo 32.

    Resposta: No referido comentrio ao Salmo 32 de Santo Agostinho, lemos:

    "[O Senhor] te d um estilo para cantar. No procures palavras como se pudesse explicar em que Deus se compraz. Canta 'com jbilo'. Cantar bem a Deus cantar com jbilo. O que quer dizer: cantar com jbilo? Entender, no poder explicar com palavras o que se canta no corao. Pois aqueles que cantam na colheita, na vinha, em algum trabalho pesado, comeando a exultar de alegria por meio das palavras dos cnticos e estando repletos de tanta alegria que no podem exprim-la, deixam as slabas das palavras e emitem sons jubilosos.

    O jbilo som significativo de que o corao est concebendo o indizvel. E diante de quem conveniente tal jbilo seno diante do Deus inefvel? Inefvel aquilo de que impossvel falar. E se no podes falar e no deves calar, o que resta seno jubilar? O corao rejubila sem palavras e a imensido do gudio no se limita a slabas. 'Cantai-lhe bem com jbilo'".

    Como vimos anteriormente Santo Agostinho ao falar do dom de lnguas refere-se ao falar vrias lnguas (ver Cap. 2). Logicamente que este grande Santo e Doutor da Igreja no poderia estar se contradizendo agora. Cabe notar, que no comentrio acima, ele no se refere ao dom de lnguas, mas a um tipo de louvor a Deus muito especial, o louvor que brota das entranhas do nosso corao.

    Alm disto, Santo Toms comentando 1Cor 14,13-17, explica que o dom de lnguas se aplica somente exortao e orao (ver resposta objeo no. 4). Aqui Santo Agostinho trata de louvor.

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  • Embora o jbilo possa ter como causa uma ao do Esprito Santo, esta alegria mxima no pode ser confundida com o carisma do dom de lnguas. Santo Agostinho ao falar do jbilo o relaciona s alegrias do nosso cotidiano, ensinando que at aqueles que antam na colheita, na vinha, em algum trabalho pesado, comeando a exultar de alegria por meio das palavras dos cnticos e estando repletos de tanta alegria que no podem exprimi-la, deixam as slabas das palavras e emitem sons jubilosos.

    Exemplos de sons jubilosos, isto , sons que no possuem sentido nas palavras, mas que expressam grandes emoes: urraaaa!, Uau!, Aheeeeee! Ruaiiiiii! etc.

    Os carismas so dons especiais dados por Deus atravs do Esprito Santo para a utilidade de toda Igreja, alm de serem transitrios. Jbilo a expresso mxima do que est em nosso corao, seja provocado pelo Esprito Santo ou por alegrias meramente terrenas.

    Objeo 9: Muitos dizem que Santa Teresa D'Avila possua o dom das lnguas.

    Resposta: O renomado Compndio de Teologia Mstica e Asctica de Adolf Tanquerey distingue bem entre os fenmenos msticos contemplao infusa e os carismas. O fenmeno contemplao infusa uma vista simples e intuitiva de Deus e das coisas divinas que procede do amor e tende ao amor. So Francisco de Sales define-a: 'uma ateno amorosa e permanente do esprito s coisas divinas` (TANQUEREY 1386)45 ; j os carismas so as graas gratuitamente dadas so no principalmente para a utilidade dos outros. So, efetivamente, dons gratuitos extraordinrios e transitrios, conferidos diretamente para bem dos outros, posto que podem indiretamente servir tambm para santificao pessoal. (TANQUEREY 1514)46.

    Santa Teresa DAvila no experimentou o carisma do dom de lnguas, mas vrias modalidades da contemplao infusa. Sua experincia mais conhecida neste tipo de fenmeno mstico o da unio esttica em sua primeira fase (possui trs fases: xtase simples, o arroubamento e o vo do esprito cf. TANQUEREY 1458).

    45 TANQUEREY, Adolf. Compndio de Teologia Mstica e Asctica. Anpolis: Ed. AMEM Animao Missionria Eucarstica Mariana, 2007. Pg 716.46 Ibidem pg 785.

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  • Durante o xtase espiritual a pessoa perde os sentidos para o mundo material, envolvendo-se totalmente na experincia mstica:

    Ouamos a Santa Teresa; Sente (a alma) ser ferida saboriosissimamente, mas no atina como, nem quem a feriu, mas bem conhece ser coisa preciosa, e jamais quereria ser curada daquela ferida. Queixa-se com palavras de amor, ainda exteriormente, sem poder fazer outra coisa a seu Esposo, porque entende que est presente mas no se quer manifestar de maneira, que deixe gozar-se, e grande pena, posto que saborosa e doce; e ainda que queria no t-la, no pode, mas isto no quereria jamais. Muito mais a satisfaz que o embebecimento saboroso, que carece de pena, da orao de quietude (TANQUEREY 1458)47

    Em seus escritos Santa Teresa relata ter seu corao transpassado por uma espada de um anjo, o que lhe causava grandes dores. Esta sua experincia mstica ficou muito famosa e foi retratada na famosa escultura do artista Bernini48.

    47 Ibidem pg. 757.48 Disponvel em http://www.telecable.es/personales/angel1/escbar/bernini/extasis.htm.

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    http://www.telecable.es/personales/angel1/escbar/bernini/extasis.htm

  • Concluso

    doutrina da Igreja sobre o dom de lnguas expressa em seus documentos, no catecismo e no testemunho dos seus Santos e Doutores muito clara quanto a ser uma manifestao

    extraordinria do Esprito Santo, onde se concede quele que o recebe falar em lnguas diversas ou falar coisas misteriosas na lngua em que todos entendem.

    ATudo que Deus dispensa em Sua Igreja para a utilidade de todos.

    Por isso S. Paulo ao falar dos carismas preferia o dom de profecia ao dom de lnguas (cf. 1Cor 14,5.39). Manifestaes que visam mais o espetculo do que a utilidade dos membros da Igreja, com toda certeza no segundo a vontade de Deus. Por isso, ao falar dos carismas extraordinrios, o Apstolo sempre dava instrues que desencorajassem a indiscrio e o espetculo:

    "Se h quem fala em lnguas, no falem seno dois ou trs, quando muito, e cada um por sua vez, e haja algum que interprete" (1Cor 14,27).

    "Suponhamos, irmos, que eu fosse ter convosco falando em lnguas, de que vos aproveitaria, se minha palavra no vos desse revelao, nem cincia, nem profecia ou doutrina?" (1Cor 14,6).

    "Mas prefiro falar na assemblia cinco palavras que compreendo, para instruir tambm os outros, a falar dez mil palavras em lnguas" (1Cor 15,19).

    Cabe as movimentos e grupos que se dizem carismticos ou pentecostais cumprirem esta santa e sbia recomendao do apstolo. Em tempo:

    [...] os grandes msticos so unnimes em ensinar que no se deve nem desejar nem pedir estes favores extraordinrios. que, de fato, no so meios extraordinrios. que, de fato, no so meios necessrios para chegar unio divina; e s vezes at, por causa das nossas tendncias ms, so antes obstculos unio divina. o que mostra em particular So Joo da Cruz o qual afirma que este desejo de revelaes tira a pureza da f, desenvolve uma curiosidade perigosa que fonte de iluses, embaraa o

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  • esprito com vos fantasmas, denota muitas vezes falta de humildade e submisso vontade de Deus Nosso Senhor, que, pelas revelaes pblicas, nos deu tudo quanto nos necessrio para nos conduzir ao cu.E assim, insurge-se com fora contra esses diretores imprudentes que favorecem este desejo de vises. 'H alguns, diz o Santo, que levam tal modo e estilo com as almas que tm as tais coisas, que ou as fazem errar ou as embaraam com elas, ou no as levam por caminho de humildade, e lhes do mo a que ponham muito os olhos de alguma maneira nelas, que a causa de no caminhar pelo puro e perfeito esprito da F, e no lhes edificam a F nem as fortalecem nela, prestando-se a longas conversas acerca daquelas coisas.

    No qual lhes do a sentir que gostam e fazem muito caso daquilo e, por conseguinte o fazem elas, e ficam-se-lhes as almas postas naquelas apreenses, e no edificadas na F, e vazias e despojadas e desprendidas daquelas coisas, para voarem em alteza de F obscura ... E daqui saem muitas imperfeies pelo menos; porque a alma j no fica to humilde, pensando que aquilo alguma coisa e que tem alguma coisa boa e que Deus faz caso dela, e anda contente e algum tanto satisfeita de si, o que contra a humildade ... (Alguns confessores), como vem que as ditas almas tm tais coisas de Deus, pedem-lhes roguem a Deus lhes revele ou diga tais ou tais cosias tocantes a elas ou a outras, e essas almas so to nscias que o fazem, pensando que lcito querer sab-lo por aquela via ... e a verdade que Deus nem gosta disse nem o quer'. (TANQUEREY 1496).

    Neste sentido vale a pena tambm lembrar a exortao do Conclio Vaticano II sobre este tema:

    [...] No devemos pedir temerariamente estes dons, nem esperar deles com presuno os frutos das obras apostlicas; aos que governam a Igreja que pertence julgar da sua genuinidade e da convenincia do seu uso, e cuidar especialmente de no extinguir o esprito, mas tudo ponderar, e reter o que bom (cf. lTs 5,12-21 e 19-21).49.

    49 cf. Lumem Gentium n. 12.

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  • Com efeito, o Conclio lembrou muito bem que cabe somente Igreja julgar a autenticidade das manifestaes que se dizem carismticas. Porm, este julgamento s pode ocorrer segundo "o fundamento dos apstolos e profetas, tendo por pedra angular o prprio Cristo Jesus" (cf. Ef 2,20).

    o que tambm nos lembra o Compndio do Catecismo da Igreja Catlica: Os carismas so dons especiais do Esprito Santo concedidos a cada um para o bem dos homens, para as necessidades do mundo e em particular para a edificao da Igreja, a cujo Magistrio cabe discerni-los (CCIC n. 160).

    Meditando nas palavras da primeira Carta de S. Paulo aos Corntios, nos dias atuais qual carisma extraordinrio traria maior proveito para a Igreja: lnguas ou profecia? O Apstolo quando ensinou sobre estas coisas falou por si mesmo ou por Deus? Vejamos: "Se algum se julga profeta ou agraciado com dons espirituais, reconhea que as coisas que vos escrevo so um mandamento do Senhor" (1Cor 14,37).

    Poderia Deus ter mudado de opinio? Cabe aos fiis refletir e aos pastores julgar com sabedoria, fundamentados no s na doutrina perene da Igreja, mas tambm no seu juzo:

    "Quem em nossos dias, espera que aqueles a quem so impostas as mos para que recebam o Esprito Santo, devem portanto falar em lnguas , saiba que esses sinais foram necessrios para aquele tempo. Pois eles foram dados com o significado de que o Esprito seria derramado sobre os homens de todas as lnguas, para demonstrar que o Evangelho de Deus seria proclamado em todas as lnguas existentes sobre a Terra. Portanto o que aconteceu, aconteceu com esse significado e passou"50.

    Posto isso, no , absolutamente, admissvel excogitar-se ou guardar uma segunda, mais ampla e fecunda apario ou revelao do Esprito Divino; a que atualmente se efetua na Igreja deveras perfeita, e nela permanecer incessantemente at que a Igreja militante, aps o percurso do seu perodo de lutas, seja transplantada para as alegrias da Igreja triunfante no cu.51.

    50 Santo Agostinho -Homilias em 1 Joo 6 10; NPNF2, v. 7, pp. 497-498.51 Papa Leo XIII, Encclica Divinun Illud Mnus, n10.

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    Sobre o AutorIntroduoCaptulo 1 O Esprito Santo como Dom de Deus

    Captulo 2 O Dom das Lnguas

    Captulo 3 O falso dom de lnguas

    Captulo 4 Resolvendo as dificuldades

    ConclusoOutras informaes