product placement - um estudo sobre o bem e o mal

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Um estudo sobre o bem e o mal: Publicidade e ética na prática do product placement no Brasil Rebeca de Souza Machado Britto Orientador – Cláudia Pereira Rio de Janeiro 19.06.12 1

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Um estudo sobre a ética e as práticas do mercado acerca das técnicas e métodos de aplicação do Product Placement no Brasil

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Page 1: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

Um estudo sobre o bem e o mal:Publicidade e ética na prática do product placement no Brasil

Rebeca de Souza Machado BrittoOrientador – Cláudia Pereira

Rio de Janeiro 19.06.12

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Resumo

Este projeto tem o intuito de analisar a ética na prática do product placement no Brasil. A

partir do estudo da história, das técnicas e dos métodos de aplicação, existe a pretensão de

entender e demonstrar como o product placement interage com as produções audiovisuais tanto

em seu campo técnico quanto ético. Ao utilizar uma metodologia de análise de materiais – um

filme, uma novela, e um episódio de série – poderemos encontrar uma ética implícita no

desenvolvimento e eficácia do product placement.

Palavras-chave: Product placement, Ética, Brasil.

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Sumário

Introdução 3

Capítulo I – O Product Placement e suas origens 5

Capítulo II – A análise por trás das produções 16

1. Muita calma nessa hora

2. Por causa da maionese

3. Avenida Brasil

Capítulo III – A ética inserida na prática

1. A ética e a publicidade

2. A ética e o product placement

Considerações Finais

Referências Bibliográficas

Anexos

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Introdução

Como pensarmos a ética nos dias de hoje em uma publicidade que, em sua essência, já

tem o intuito de ser mascarada? Quais são os limites éticos dessa prática e até onde podemos

chegar sem ferir o consumidor e corromper a prática do product placement?

A concepção desse estudo tem por objetivo analisar a ética da utilização do product

placement em produções audiovisuais no Brasil e sua eficácia. Além de demonstrar a técnica e a

ética da inserção de propaganda em filmes, séries e novelas também pretende, através do estudo

do método, entender como o product placement interage com as produções audiovisuais e

perceber como é feita sua inserção e utilização segundo a ética publicitária.

Existe ética na utilização do product placement nas produções audiovisuais brasileiras,

como é medida a eficácia da técnica? Como demonstrar a ética da inserção de propaganda em

filmes, séries e novelas? Como ocorre a interação do product placement com as produções

audiovisuais? Como é feita a inserção de propaganda e como essa inserção é utilizada de acordo

com a ética publicitária?

O product placement, assim como qualquer outro meio de propaganda, possui uma ética

implícita em seu desenvolvimento e, através, também, da prática ética da publicidade poderemos

encontrar um comportamento semelhante na inserção de propaganda em produções audiovisuais

brasileiras. Através da análise de filmes, séries e novelas poderemos analisar um comportamento

ético de acordo com o que os estudos teóricos afirmam quanto à prática do método. O product

placement deve ocorrer da maneira mais implícita possível para que atinja uma maior eficácia, já,

a prática ética da inserção prega que, ao ser mais explícito, o consumidor estará sendo mais bem

informado de que o que ele está vendo é um anúncio publicitário. A interação da técnica deve

manter uma ligação entre os dois extremos para atender aos requisitos necessários à qualidade da

inserção e ao direito do consumidor de ser informado quanto ao conteúdo que lhe é entregue.

A metodologia de pesquisa desse trabalho será de revisão de literatura e análise do

material discursivo, através do estudo das obras escolhidas, tanto com material teórico quanto

com o material audiovisual proposto como objeto. A análise será norteada pelos princípios de

prática do método, pela ética proposta a partir do estudo do material teórico, pelo quesito de

conteúdo claro e explícito, pela técnica utilizada e pela classificação entre inserção verbal, visual e

verbal/visual.

Para atingir o propósito indicado nas linhas anteriores o texto será norteado a partir da

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concepção dos capítulos I, II e III, cada um abarcando um assunto específico e imprescindível para

o entendimento da proposta e do texto como um todo. O capítulo I trata da contextualização

histórica e da apresentação da técnica do product placement. Nele o leitor poderá se inteirar

histórica e conceitualmente sobre a prática, sobre como a inserção pode ser concebida e o que

levou ao seu surgimento como uma técnica comercial e integrante do marketing. O capítulo II fica

responsável pelo estudo de caso, a partir do entendimento da técnica do product placement, de

três materiais audiovisuais distintos. Nele serão apresentados e estudados o filme “Muita calma

nessa hora”, com direção de Felipe Joffily; o episódio “Por causa da maionese” da série “Toma lá,

dá cá”, com direção de Cininha de Paula e a novela “Avenida Brasil”, atualmente no ar, e com

direção geral de José Luiz Villamarim e Amora Mautner. Já o capítulo III tem o intuito de

apresentar os conceitos sobre ética dentro da própria publicidade e, dessa forma, nortear também

a prática ética do product placement. No terceiro capítulo serão encontrados dilemas éticos e as

consequências da prática ou da supressão dela tanto para as produções quanto para os

espectadores e, consequentemente, consumidores.

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Capítulo I O Product Placement e suas origens

Os termos brand entreteniment e product placement são, conceitualmente, de origem

anglo – saxônica, mas é claro que o método não é e nem nunca foi exclusividade americana. É

certo que os Estados Unidos foram o berço de seu desenvolvimento prematuro e, por isso, muito

de sua prática e de seus primórdios é proveniente desse país (Lehu, 2007, p.2).

A inserção de propaganda no mercado de entretenimento é muito anterior, até mesmo, a

produção audiovisual. Já nos anos 1890 se podia presenciar a técnica. A atriz Sarah Bernhardt

apareceu no palco usando o pó La Diaphane, cujo era também o nome do espetáculo e uma

famosa marca de maquiagem e pó na frança de 1800 (Lehu, 2007, p.18). Em 1881-82 Édouard

Manet pintou o quadro “Un bar aux Folies – Bergère” que, além do placement do nome do bar no

título da obra, ainda apresenta inúmeras garrafas de cerveja nos dois cantos do bar (Lehu, 2007,

p.17). Para o espectador mais atencioso e informado é possível perceber que a forma e os rótulos

são de garrafas da marca de cerveja “Bass”. Para nós é indiferente saber se o pintor achou uma

fonte extra de renda ou se ele simplesmente quis retratar uma realidade mais fiel. A questão é

que para uma marca existir ela tem que ser vista, não necessariamente por todos, mas por todos

que importam para aquela marca. Por todos que constituem seu público-alvo. Outras aparições já

poderiam também ser caracterizadas como product placement, como a produção dos irmãos

Lumière, em 1896, para François–Henry Lavanchy-Clarke da Lever Brothers na França. Alguns o

entendem como o primeiro product placement, outros como o início dos filmes publicitários

(Lehu, 2007, p.18). Os estúdios entenderam bem cedo as vantagens de se associarem a marcas e

produtos. No início dos anos 1910 era muito fácil ver anúncios do modelo T Ford nos créditos das

comédias do produtor, ator, roteirista e diretor Mack Sennet. A utilização de produtos não era

somente uma maneira de lucrar ainda mais monetariamente, eles apresentavam possibilidades

infinitas quanto ao emprego de novos objetos das mais variadas linhas nos filmes. Era uma

maneira “fácil” de constituir a verossimilhança em um cenário (Lehu, 2007, p.20).

Outros exemplos bem fortes expostos por Burrowes eram os programas de rádio, que

temos modelos até mesmo no Brasil de meados dos anos 1950, com o famoso “Repórter Esso”.

Em 1929, 55% dos programas de rádio americanos eram financiados por anunciantes ou por suas

agências. No ano de 1938, em face de uma crise no mercado de brilhantes devido à quebra da

bolsa em 29, o diretor da “De Beers” contratou uma agência publicitária para ajudar nas vendas de

seu produto. A “N.W. Ayer” sugeriu uma campanha que modificasse a atitude social. Com isso,

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distribuiu diamantes aos ícones das telonas e a revistas especializadas junto com histórias de

romances eternos. O cinema e, mais especificamente, a vida dos astros foi a matéria prima de

toda a produção. A prática deu o incrível retorno de, aproximadamente, 55% no aumento das

vendas e, desde então, essa nova maneira de fazer publicidade ganhou maior notoriedade

(Burrowes, 2008, p.45). Um clássico entre as crianças, desde seu aparecimento como desenho

animado, era o famoso marinheiro Popeye e, não é de se espantar que, já naquela época (1933), o

product placement apareceria com força total. Talvez até muito mais camuflado do que

poderíamos imaginar, já que ele era destinado a aumentar toda uma indústria nos Estados Unidos

e não tinha espaço para uma marca específica. O fato é que a inserção do espinafre como quase

que um personagem na trama, de maneira muito bem amarrada, ajudou o governo norte

americano a estimular o consumo do vegetal (Freitas, 2010, p.9).

A história do product placement traz milhares de exemplares que contribuíram para o

triunfo da prática, diversas inserções que se tornaram famosas e ajudaram a difundir o modelo. Só

a marca Coca-Cola já poderia reforçar grande parte da imagem adquirida pelo product placement.

O que conduz a inserção não é necessariamente a certeza do sucesso, é uma ligação com a marca,

uma convicção irracional muitas vezes (Lehu, 2007, ix).

Não existe fórmula para o sucesso. Você não pode jogar de forma segura misturando duas partes de sexo, duas partes de violência, algumas lágrimas e duas dúzias de gargalhadas. Até mesmo quando o filme está pronto e aclamado pela crítica é impossível prever seu sucesso nas salas de cinema. Eu sigo meu gosto pessoal, meu instinto (Otto Preminger apud Lehu, 2007, p.1).

Os exemplos sobre a utilização da inserção de propaganda dentro do mundo do

entretenimento são muitos e, apesar de não podermos afirmar que já eram tão bem pensados e

estruturados como o são hoje, eles eram mecanismos utilizados e constituídos para objetivos bem

traçados. A partir do entendimento utilitário da prática devemos ter em mente a sequência

histórica e lógica do processo de crescimento dessa ferramenta de marketing e também do

consumidor como um todo e mais especificamente do consumidor brasileiro. Na década de 50 os

consumidores brasileiros eram indivíduos que viviam no pós-guerra e, portanto, tinham poucos

critérios de avaliação de qualidade, individualidade e estavam em um contexto de escassez de

ofertas. No geral, entre 1880 e 1950 ocorreram o aumento da produção e a popularização do

consumo, duas práticas que só poderiam levar a uma finalidade, o consumo em massa. Apesar de,

nessa época, devido aos acontecimentos históricos, o processo ainda não ser suficiente para suprir

a demanda, ele constituía o início das relações de consumo com o mercado como hoje nos é

exposto (Silva e Révillion, 2010, p.2).

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Nas décadas posteriores é possível encontrar uma maior oferta de opções e uma

“educação” do consumidor mais centrada na escolha de produtos. Já em 60, com o leque de

ofertas maior, o desejo consumista dos compradores já começava a ser satisfeito (Silva e Révillion,

2010, p.2). Na década de 70, acontece o que muitos temiam, principalmente os publicitários,

ocorrem indícios de um consumidor com comportamentos mais esclarecidos quanto ao que lhe

era entregue, como expõe Silva e Révillion. Apesar de continuar sensível à propaganda, esse

consumidor desenvolveu um sentimento mais forte em relação a ela, a desconfiança. Na década

seguinte, a massa que consumia desenvolveu um pensamento mais crítico e racional em relação

ao consumo, principalmente no Brasil, devido à economia frágil que o país apresentava na época.

O que se refletiu na década de 90 foi um consumidor mais bem preparado e controlado,

economicamente falando. Ao longo do século podemos notar mudanças gradativas no perfil dos

consumidores brasileiros, ele deixou de ser passivo em relação à propaganda e se transformou em

um grupo mais bem informado e mais independente (Silva e Révillion, 2010, p.3).

Todas essas alterações formaram a economia de mercado que possuímos hoje. Nossos

consumidores querem ir muito mais além do que as gerações anteriores, eles possuem infinitas

possibilidades de entretenimento e transitam por inúmeras mídias diferentes, tantas quanto

estiverem à disposição. O consumidor se instruiu. A tecnologia avançou. Os breaks de 30 segundos

já são facilmente “burlados” e não só pelas invenções como Tivo e outras que possibilitam o

controle dos programas, não só pela programação on demand, mas pela própria atitude do

telespectador que não aceita mais tudo que lhe é “imposto” (Lehu, 2007, p.31).

Com tantas opções a publicidade tradicional não faz mais parte, da maneira grandiosa com

que fazia, de suas escolhas. A propaganda tradicional teve seu espaço reduzido, não

necessariamente no mercado publicitário, mas na vida dos consumidores. O marketing se viu em

face de uma necessidade de constituir novas maneiras de fazer publicidade, e maneiras que não

gerassem rejeição, mas sim contentamento. O Product placement ganhou espaço no mercado

brasileiro e, apesar de ainda não se apresentar com toda a sutileza merecida, é uma nova

possibilidade de se fugir dos modelos tradicionais já rejeitados pela população. A publicidade tem

o dever de educar seus consumidores, eles precisam saber como agir diante da chegada de novos

modelos. A utilização do product placement no Brasil sempre foi muito forte nas novelas, mais

conhecido como merchandising (apesar da definição do termo ser, em sua forma mais

abrangente, a inserção de propaganda no ponto de venda) (Silva e Révillion, 2010, p.3). Muito se

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credita a própria história midiática do país, que não vamos tratar com profundidade aqui, mas tem

grande influência no consumo dos brasileiros.

O “merchandising” no Brasil já foi absorvido por todas as camadas da população, já a real

inserção de propaganda segundo todos os conceitos que a prática traz, de envolvimento com a

história, enredo e personagens, oferecendo uma verdadeira junção da publicidade com o

entretenimento, ainda precisa ter seu espaço reconhecido (Silva e Révillion, 2010, p.13).

Em termos mais gerais, podemos definir o product placement como a inserção de marcas,

seja por meios audiovisuais ou citações, nas produções de entretenimento, normalmente

atrelados a trocas financeiras. No início de sua utilização em filmes e programas televisivos, o

product placement era muito empregado para custear as produções. Hoje, descobrimos toda uma

indústria com circulação monetária em escalas exorbitantes e diversos meios e objetivos de

utilização da técnica. Na realidade, a inserção de propaganda como negócio pago e real estratégia

de marca começou a ganhar visibilidade a partir dos anos 80, com o enorme sucesso das inserções

de marca no filme “E.T.” (Karrh; McKee e Pardun, 2003, p.138).

Existem os product placements que ocorrem por desejo dos próprios roteiristas e não

envolvem pagamentos ou solicitações, mas representam exemplos bem raros no mundo do

marketing de entretenimento. Muitos são efetivamente pagos em termos monetários, mas grande

parte dos product placements ocorre em torno de acordos. A marca se responsabiliza por uma

série de compromissos ao disponibilizar seus produtos e serviços em troca da inserção do produto

na produção. Esses acordos podem, ao final, representar milhões de dólares (Karrh; McKee e

Pardun, 2003, p.139). Segundo Lehu existem três tipos de product placement com contornos bem

marcados, outros conceitos sobre as possibilidades da prática serão mais bem discutidos nas

linhas posteriores. São eles: O placement clássico, que é a simples disposição dos produtos em um

set de filmagem; o placement evocativo, que trabalha de maneira mais discreta e pede que a

marca tenha uma originalidade forte e um design marcante para ser reconhecida mesmo que não

seja claramente citada na cena; e o placement secreto que, como o nome já diz, é quase

imperceptível, mas quando percebido pelo público – alvo causa um forte impacto e um poder de

persuasão intenso (Lehu, 2007, p.12).

Apesar de ser nítida a dificuldade de mensuração do product placement, existindo muito

menos controle do que na publicidade tradicional, onde esse aspecto também encontra

dificuldades, é reconhecido que os filmes possuem a capacidade de afetar o humor e os

julgamentos sociais, mesmo que por um período curto de tempo. O todo experimentado é vivido

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dentro de nossas mentes como um real, mesmo que imaginário, já que, raramente duvidamos de

nossas sensações e emoções, embora duvidemos de nossa razão com freqüência (Burrowes, 2008,

p.46). Essa inserção pode representar uma forma de publicidade subliminar. A eficácia da técnica é

dada a partir da: “percepção do auditório do cenário, experiência do consumo prévio, empatia

para com os personagens, envolvimento dos telespectadores com a história, lembrança da marca

a partir da publicidade tradicional e outras diferenças individuais” (Karrh; McKee e Pardun, 2003,

p.140).

Segundo Karrh, McKee e Pardun existem evidências que a inserção é mais eficaz quando

trabalhada com as duas percepções disponíveis, o áudio e o visual e, ainda, que a utilização verbal

é menos eficaz que a combinação anterior, porém, mais eficaz que somente o uso do visual. Ao

tratar da parte teórica da técnica podemos distinguir três modalidades de apresentação da

mesma: a inserção em cenas, onde a marca/produto é posicionado como parte do cenário; a

inserção no roteiro, onde a marca/produto é mencionado só verbalmente e as inserções no

enredo, que são vistas como as mais eficazes, já que entrelaçam a marca com a história de

maneira mais próxima (Karrh; McKee e Pardun, 2003, p.141). Em um sentido mais amplo, o

product placement se aproxima de um endosso por um ator, não tanto quanto o aclamado “star

system” hollywoodiano, que funcionava em meio a um campo um tanto quanto nebuloso entre o

crédito e a diversão. No “star system” os atores eram glamourizados ao ponto dos estúdios

explorem suas imagens da mesma maneira, tanto nas telas, quanto fora delas. Foi um método de

criação, promoção e exploração da imagem das estrelas de cinema no início dos filmes falados de

Hollywood para alavancar a nova maneira de fazer cinema. O product placement funciona de um

jeito diferente, tudo que utilizamos em nosso dia-a-dia – desde alimentos a bens de consumo

duráveis – pode estar entremeado à ficção (Burrowes, 2008, p.45).

Alguns fatores possuem importância mais relevante na execução do product ou brand

placement. O potencial nacional de mercado da produção audiovisual, já que, normalmente os

produtos possuem um alcance nacional e pretendem atingir notoriedade nesse mercado; o preço

da inserção e o elenco do filme, visto como um dos mais importantes para os diretores de mídia e

profissionais de relações públicas (Karrh; McKee e Pardun, 2003, p.141). Outros elementos são a

disposição do produto no cenário; a utilização do produto na cena; o tempo de exposição; a

publicidade em jornais e revistas daquela inserção; a crítica do filme (ou, anteriormente, de seu

diretor); a exposição do produto de uma maneira inovadora e, principalmente, a não exposição de

marcas concorrentes (Karrh; McKee e Pardun, 2003, p.143).

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A prática do product placement passou ao longo dos anos por mudanças e encontrou nas

lacunas deixadas pela publicidade tradicional seu espaço. De volta aos anos 50, quando os

programas eram patrocinados por uma só marca, todos os comerciais eram destinadas a ela.

Posteriormente, com o crescimento das emissoras e com os escândalos de corrupção e monopólio

nesses programas, o famoso 30’’ foi definido e, desde então, representa a maior fonte de renda

das emissoras (Lehu, 2007, p.24). Apesar de ainda o ser, a mídia está, desde décadas atrás, em

constante metamorfose, juntamente com toda a sociedade e sua cultura. Com a criação do

controle remoto pela Zenith, em meados da mesma década, a indústria midiática se viu cada vez

mais encurralada pelas evoluções tecnológicas. O “zapear” entre canais surgiu e, nesse momento,

era ainda mais importante criar novos mecanismos de publicidade. Além de ter que comprar o 30’’

agora era necessário comprá-lo em vários canais diferentes para tentar atingir o espectador da

melhor maneira possível (Lehu, 2007, p.29)

O problema não se apresenta somente de maneira financeira, mas também no campo da

credibilidade. A dúvida quanto à eficácia desse modelo tradicional crescia junto às dificuldades

econômicas de mantê-lo. Desse modo, a “evolução oferecida” ao meio publicitário consiste na

possibilidade que as produções cinematográficas apresentam quanto ao mercado fragmentado

que hoje possuímos. O product placement, por exemplo, em programas de auditório se

apresentou como uma ótima solução viável, já que poderia ocorrer o aumento do espaço de

tempo destinado a publicidade do produto, o que propícia melhor explicação do mesmo e, muitas

vezes, a queda do custo do espaço de tempo comparado ao valor dos 30’’ (Lehu, 2007, p.27).

Além de o espectador ver em tempo real o funcionamento do produto, as produções têm

a possibilidade de utilizar uma nova tecnologia ou até mesmo um produto que ainda não foi

lançado (Lehu, 2007, p.24). A prática se mostra vantajosa para ambos os lados, independente da

narrativa, como expõem Burrowes:

Ocorre um duplo contágio: por um lado, a ficção ganha em verossimilhança ao apresentar objetos do cotidiano, por outro lado, os objetos ganham não só a exposição, mas também — é o que o marketing espera —, são inundados pela aura de emoção, romance, aventura, heroísmo, ou seja, qual for a tonalidade de experiência e sentimento oferecidos pela narrativa (Burrowes, 2008, p.45).

Ainda dentro do marketing de entretenimento podemos ter, hoje, uma visão do mercado

de amanhã. A partir da construção narrativa do cinema, com desenvolvimento de roteiros, meios

audiovisuais e contando com a participação, abertura e percepção do público surgem os ARGs –

“Alternative Reality Games”. Formando um gênero novo, os ARGs são jogos interativos baseados

em uma narrativa de ficção em constante desenvolvimento com ações promocionais de marketing

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e caça ao tesouro, tendo sua estrutura desenrolada em diversas plataformas, tanto mídias

tradicionais quanto internet (Burrowes, 2008, p.47).

Apesar de o foco estar no product placement de produções audiovisuais tradicionais

(tradicionais pela existência desses novos formatos, mas nada impede que estejam em meios

“below the line”) o esclarecimento de novos modelos se faz necessário a partir do momento que já

existem em nossa cultura e representam uma forte tendência dentro do mercado publicitário.

A prática do product placement tem sido amplamente utilizada no Brasil como estratégia

comercial desde os anos 1960 quando as novelas viraram o elemento principal do envolvimento

midiático do país (La Pastina, 2001, p.541). Principalmente nessas produções, que atingem um

público em massa, o product placement não é interpretado de maneira homogênea pelos

espectadores, mas sexo, localidade e cultura são centrais para o processo de engajamento na

narrativa comercial das tramas. O significado só pode ser amplamente compreendido com um

contexto histórico-social bem apresentado, caso contrário, a mensagem pode ser mal

interpretada. O conhecimento específico da narrativa e do gênero da mesma é um ponto muito

importante na execução do product placement, é necessário conhecer as especificidades para que

a técnica seja aplicada e, no caso do Brasil, aplicá-la a enredos específicos como o das novelas,

incita precauções (La Pastina, 2001, p.542).

Devido à cultura brasileira, sua colonização e a grandeza territorial do país, é perceptível

que existam diferenças brutais em torno de todo o território. Porém, isso não exclui, muitas vezes

e em boa parte do Brasil, a falta de opções midiáticas de um país em desenvolvimento. Nessa

linha, a televisão tem um papel de extrema importância na comunidade brasileira, ela envolve

seus membros e se apresenta como uma forma de entretenimento (La Pastina, 2001, p.544). No

Brasil a televisão não influencia somente compras, mas também hábitos. Ela pega para si o papel

de formar pessoas. Sem entrar na discussão de que isso ocorre de maneira justa e correta, ela traz

consigo a excitação da vida das famílias dos centros urbanos e representa grande influência, nesse

caso, principalmente nas populações rurais. Os elementos entremeados no roteiro passam a

representar o glamour das classes urbanas mais privilegiadas (La Pastina, 2001, p.553). “O Brasil

vai mais além, revela um modelo com poder de sedução” (Jesus, p.2)

As ações de marketing perceberam que elas podem, além das práticas tradicionais,

despertar desejos e oferecer prazer. É muito mais que somente comprar os produtos, é levar para

casa realizações pessoais (Freitas, 2010, p.3). Entre os objetivos da propaganda, a divulgação da

marca, a promoção da mesma, a criação de um mercado e a expansão desse mercado são pontos

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cruciais para o sucesso de qualquer prática de marketing (Silva e Révillion, 2010, p.5). Para aplicar

essas práticas e entender o funcionamento de um mercado específico podemos recorrer ao

estudo do mercado consumidor. Desse modo, podemos perceber mudanças e/ou maneiras de se

dirigir da melhor maneira possível a esse público. Uma pesquisa da revista “Exame” em 2006

apresentou diversas comparações dos consumidores brasileiros atuais com os das gerações

anteriores. Algumas conclusões serão expostas aqui, trançando assim um perfil do consumidor

atual, aquele que recebe impulsos das propagandas tradicionais, das não tradicionais e, do mesmo

modo, do product placement. A geração atual possui infinitas opções de entretenimento

eletrônico, o que propicia controle individual sobre quando e como irá assisti-lo. Além disso, tem

uma gama de programas a sua disposição e gosto. Muitas vezes esses conteúdos são “domésticos”

produzidos por pessoas comuns. Ela divide sua atenção entre diversos veículos, tanto tradicionais

quanto os “below the line” e interage com grandes marcas de maneira voluntária, buscando

informações instantâneas na internet. Outra característica de nossos consumidores atuais é o

desejo de autenticidade, de ser único, tanto no meio “on line” quanto “off line” e, no geral, possui

uma vida em torno da mídia, com comunidades e perfis pela rede (Exame apud Silva e Révillion,

2010, p.4).

A partir da noção de um novo consumidor brasileiro e do conhecimento que cada

consumidor tem sua especificidade podemos destacar que cada país também possui suas

características próprias e com o Brasil não é diferente, como já foi dito, a cultura e o modo de

desenvolvimento do nosso país influência em muito as práticas midiáticas. A partir do estudo da

aplicação do product placement podemos perceber que a sutileza e a questão implícita do objeto

são quesitos primordiais que tornam a produção bem feita.

Dentro do conceito de product placement é importante frisar que os produtos sejam vistos claramente, mas que não devem ter um destaque excessivo, para que não provoque rejeição. Sua inserção deve aparecer sutil, inteiramente integrada com o contexto da narrativa para que o produto não seja forçado e supérfluo naquele momento da cena. É preciso evitar que pareça um tele patrocínio. Ou seja, é preciso fazer com que o estímulo pareça praticamente subliminar (Silva e Révillion, 2010, p.10).

Apesar de temos certeza de como atingir uma eficácia quando levamos em consideração

somente a questão técnica, podemos ver que no Brasil a população ainda precisa ser educada

quanto à inserção de propaganda em meios audiovisuais (Silva, Révillion, 2010, p.3). Antes de

empregar uma técnica em grande escala, ela precisa ser entendida pelo seu público, caso

contrário a mensagem não os atingirá e, por isso, muitas vezes o chamado merchandising no

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Brasil, que se mostra de maneira mais explicita, representa uma boa solução (Silva e Révillion,

2010, p.7).

O primeiro product placement documentado em novelas do país, para ser bem brasileiro,

foi na produção Beto Rockfeller da TV Tupi, transmitido entre 1968 e 1969. A novela é considerada

um ponto de virada no gênero, pois tratava amplamente da vida social e política. O personagem

principal, o malandro Beto Rockfeller, utilizava o medicamento “Engov” para curar suas ressacas.

Segundo o ator que o representava, Luis Gustavo, mais de 30% de seu salário provinha de tal

product placement (La Pastina, 2001, p.547).

As produções brasileiras possuem uma característica muito marcante, principalmente as

produzidas pelas organizações Globo: elas utilizam a técnica do product placement também para

colocar em pauta assuntos cotidianos e que, segundo a emissora, merecem destaque. Esse tipo de

utilização é facilmente percebido em todas as produções da organização e, num sentido mais

amplo, em produções de todo país. Filmes, séries, novelas e outros programas costumam ter

propagandas de “ideais” e práticas em seus enredos, seja isso por interesse próprio ou por uma

“vista” necessidade da sociedade. Um dado interessante que diz muito sobre a utilização dos

product placements é a regulamentação que limita as propagandas há 15 minutos por hora de

programação, e que, ao utilizar a técnica, os anunciantes acabam ganhando mais espaço (La

Pastina, 2001, p.547).

Por ser um país com vasta extensão territorial, os comercias brasileiros podem vir a

encontrar dificuldades nesse sentido. Dentro de uma produção de entretenimento, a publicidade

acha espaço dentre aqueles que já se interessam pelo programa e, ao envolvê-los em um enredo

bem amarrado e interessante, ela consegue criar uma atmosfera que traz o espectador para a

trama e o faz (ou melhor, o faz querer) se sentir parte dela. (La Pastina, 2001, p.549).

“Aproximadamente 80% de tudo que as pessoas falam na rua, no trabalho, nas viagens, etc. são

assuntos que foram apresentados pelos meios de comunicação” (Jesus, p.8). Já nos breaks

comerciais entre um programa e outro, nos canais e horários de conteúdo nacional, os comerciais

só atendem também ao público das grandes cidades ou, mesmo que ao público do país em geral,

não são tão direcionados ao interior ou pequena e médias cidades (que constituem grande

maioria no país). Desse modo, a probabilidade de dispersão desse público no momento do break é

enorme (La Pastina, 2001, p.549). É com a estratégia do product placement que a publicidade nas

telas da TV vem driblando a falta de atenção do consumidor e a concorrência com mídias

alternativas (Freitas, 2010, p.12). A prática não é nada além da reinvenção da publicidade

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tradicional. Uma transformação que tira o foco de um marketing baseado na intrusão e passa o

foco para um modelo com bases convidativas (Donaton, 2004, p.3). Nesse ínterim, os

consumidores deixam de ser passivos para tornarem-se ativos, e não só no que recebem, mas eles

próprios se transformam em programadores (Donaton, 2004, p.5). “Nós fomos de uma era de

interrupção para uma era de engajamento” (Donaton, 2004, p19).

Se a propaganda pode perder espaço para a tecnologia porque não usá-la a seu favor

(Donaton, 2004, p.7)? Da mesma maneira, o mercado publicitário e o mercado de entretenimento

precisam um do outro para capturar a atenção das pessoas e influenciar suas atitudes e

comportamentos (Donaton, 2004, p.26). A questão gira em torno da criação de valor para o

consumidor; é demonstrar ícones culturais atrelados a marcas (Donaton, 2004, p.28). Precisamos

criar uma conexão emocional com os espectadores (Donaton, 2004, p.65) e não podemos

esquecer que são eles, os consumidores, que devem estar no centro de tudo (Donaton, 2004,

p.147). Mal feito, um product placement pode estragar a relação entre o mercado midiático, o

publicitário e os consumidores (Donaton, 2004, p.149). Scott Donaton expõe um case que ficou

marcado no mercado americano por uma inserção mal administrada. O exemplo faz parte de um

dos episódios de um reality show chamado “The restaurant”, que, tecnicamente, não deveria ter

script nem roteiro determinado por ser tratar dessa categoria de programa. Na cena, o dono do

restaurante percebe que está tendo prejuízos momentâneos e resolver pegar um empréstimo, na

mesma hora ele cita o programa de investimentos do American Express junto com seu slogan “The

small business network” e a câmera faz um close no website da marca enquanto a assistente do

chef navega por ela (Donaton, 2004, p.153). A verdadeira integração de marca vai além do product

placement, ela envolve idéias que são naturais para o consumidor e refletem a posição da marca

(Donaton, 2004, p.154).

Uma ótima maneira de testarmos um bom product placement é averiguar se o

personagem faria exatamente a mesma coisa. Não é uma questão de impor a marca mergulhando-

a na cena, mas sim de fazer a melhor integração possível com o ambiente (Lehu, 2007, p.69). Na

realidade o quanto antes as negociações começarem melhor, já que o roteiro poderá ser

plenamente confeccionado já contando com aquela inserção, ao invés de jogá-la em meio à trama

(Lehu, 2007, p.120). Esse “novo” tipo de publicidade não possui uma maneira muito segura de

medir o retorno sobre o investimento e nem de mensurar o valor a ser cobrado por uma inserção.

Porém, existem maneiras que ajudam na hora da negociação e uma equação simples seria cobrar

“x” por uma inserção visual clássica, 2x se o produto for mencionado em cena e 3x caso seja

15

Page 16: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

utilizado por um dos personagens. A princípio pode parecer simples, porém uma série de fatores

pode modificar a forma e, portanto, o valor das inserções. Alguns desses fatores são: o

reconhecimento da marca e a identificação da marca; o orçamento da produção; o gênero e os

créditos do filme; as negociações de uso de imagem; a importância da inserção; a localização da

inserção na cena; a integração com a história; o contato com os atores principais; a exclusividade

para a marca; a recorrência das inserções; o tipo de distribuição e comunicação e o contrato das

inserções. (Lehu, 2007, p.70-75).

Logo no início do texto, quando definimos product placement, foi utilizada uma definição

mais ampla. Aqui trataremos da inserção de propaganda em meios audiovisuais, como já pode ser

visto, porém, ela abrange todo o mercado de entretenimento e, desse modo, cabe citar outras

maneiras de utilização da prática. Não só em parceria com as telas vive o brand placement, desde

que o mundo é mundo os autores dos mais renomados clássicos utilizam as marcas para ajudar na

ambientação e na descrição de seus enredos. Não é possível dizer com certeza qual livro, texto ou

folhetim tem a intenção de lucrar com o método, mas atualmente o fator econômico tem ganhado

grande importância nas obras. Como foi dito, não é essencialmente uma necessidade econômica,

mas, ao citar uma marca conhecida, é possível criar na mente do leitor uma imagem muito mais

clara, às vezes necessária e querida pelo autor. Da mesma maneira que os livros têm espaço para

o product placement, as músicas, revistas e outras produções impressas também. Um exemplo

bem forte são as publicações de moda, que de uma forma bem implícita, não só apresentam a

tendência como disponibilizam a imagem ou citação do produto juntamente com a marca e/ou

loja que o vende, preço e contato para adquirir o produto (Donaton, 2004, p.17).

O product placement oferece uma teia de vantagens para as partes envolvidas. Os

produtores têm a possibilidade de usufruir dos produtos livremente, reduzindo os custos das

produções e podem estender o orçamento de marketing com essa verba. Já no mercado musical é

possível conferir visibilidade a um artista expondo sua música em comerciais, nas próprias

produções ou atrelando CDs em kits promocionais (Donaton, 2004, p.22). Contudo, a verdadeira

aplicação do product placement não consiste na grande ideia que é ou na necessidade de viabilizar

algumas produções, a existência de um problema o torna interessante: a dificuldade das marcas

em atingir um “share of mind” (Donaton, 2004, p.163). Segundo Jean-Marc Lehu, o sucesso do

modelo incide em três fatores que deveriam ser construídos em conjunto, o primeiro deles o

espaço físico que a inserção ocupa na tela, o segundo o tempo de duração e o terceiro o número

de ocorrências. A inserção já começa com uma boa vantagem quando tem a oportunidade de

16

Page 17: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

ocupar um grande espaço físico na tela ou se é repetidamente mencionada no diálogo das

personagens, ainda mais caso consiga unir as duas coisas, potencializando as chances de se tornar

memorável na mente dos consumidores. As inserções somente verbais são menos queridas pelos

anunciantes, já que, se não bem atreladas à trama, correm o risco de passar despercebidas. A

eficácia também pode ser atingida a partir da quantidade de cenas em que o produto ou marca

aparecem e é a combinação desses três elementos que confere um aspecto de forte lembrança ao

product placement, atingindo a percepção e memória dos espectadores (Lehu, 2007, p.111). “O

product placement não é sobre vendas; é sobre lembrança de marca” (Samuel Turcotte apud Lehu,

2007, p.92).

17

Page 18: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

Capítulo IIA análise por trás das produções

1. Muita calma nessa hora2. Por causa da Maionese

3. Avenida Brasil

18

Page 19: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

Capítulo III A ética inserida na prática

1. A ética e a publicidade

Nos últimos anos a “Associação de Marketing e Recursos de Entretenimento” estimaram

que os anunciantes repassaram aos estúdios de Hollywood nada menos que U$360 milhões por

ano para que seus produtos fossem veiculados (Russel, 2002, p.306). Apesar dos números serem

exorbitante e até assustadores, a discussão em questão não são os lucros provenientes da prática,

mas sim, o que isso poderia acarretar a ela. É bom sempre termos em mente que o product

placement, junto com todas as outras ferramentas de marketing, é um instrumento do mercado,

sendo assim, é regido pelo mercado e por suas necessidades. As empresas e a indústria do

entretenimento, obviamente, não deixaram a oportunidade passar. Até mesmo porque poderiam

não sobreviver caso o fizessem (Oliveira, Crescitelli, 2009, p.3).

A ética dentro do product placement é um assunto difícil, pois essa prática está

frequentemente ligada ao implícito. O marketing e a publicidade já são, geralmente, considerados

uma fonte de ganância e materialismo. Por trabalhar no cerne do capitalismo, recebem muitas das

críticas direcionadas ao modelo de produção (Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.109). A

crítica ao marketing ocorre com constância à promoção de produtos prejudiciais a saúde,

especialmente bebidas e cigarros e aqueles que atingem diretamente as crianças. Em outras

conjunturas o marketing pode ser visto como uma prática que invalida os valores do jornalismo

independente e distorce a linha editorial dos mesmos. Outras críticas giram em torno do fato de

ser uma “força” que desvia a atenção de problemas políticos e sociais para o mercado global.

Além de todos esses pontos o product placement ainda carrega o peso de ser uma prática

complexa de ser categorizada. Ele aparece como uma junção de várias práticas do mix de

marketing e é baseado, acima de tudo, em uma comunicação que não revela suas fontes, motivos

ou finalidades (Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.110). Sendo assim, o profissional de

marketing precisa ter a consciência que possui um poder de influência sobre os consumidores

(Silvia D, 2007, p.11). Ele precisa entender seu impacto na sociedade e as consequências de suas

ações para o consumidor e para aqueles que estão sob o poder de decisão deles (Silvia D, 2007,

p.27). Não é desacreditar ou desconfiar dos publicitários, mas como qualquer outra profissão e,

como também ocorre para o cidadão que vive em sociedade, a orientação da perspectiva ética

precisa ser apresentada legalmente como já o faz nosso código de ética, porém, mais bem

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Page 20: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

amarrado e apresentado em relação aos diversos modos de promoção que existem dentro do mix

de marketing. O código de ética publicitário apresenta algumas considerações bem estruturadas

em relação à promoção de segmentos diferentes da nossa indústria, mas não trata, claramente,

de todos os meios de promoção, cada um com sua peculiaridade. Muito disso, devido também, a

não incluir novos meios, gerados através das mudanças tecnológicas e da evolução no sentindo

profissional da prática, já que o código provém de 1980 (Conar, 1980). Em contrapartida a todo

esse dever cívico que o publicitário possui, não podemos esquecer que os consumidores também

apresentam mecanismos de defesa. Mecanismos esses que os guiam entre o que é certo e o que é

errado e o que é ou não compatível com seus valores (Silvia D, 2007, p.66). Da mesma forma que

os consumidores agem quando não aceitam o que lhes é “imposto”, as empresas e os publicitários

também possuem diversas maneiras de modificar suas ações para que possuam uma influência

positiva da imagem de suas empresas frente aos consumidores (Silvia D, 2007, p.67).

Diversas vezes o resultado de uma sociedade focada no consumo e sem a ética necessária

é uma parcela da população posta à margem. Pessoas que tem a vontade de se inserir, mas não

conseguem devido ao contexto social que as permeia (Boff, 2003, p.3). A publicidade gira em

torno de desejos e mexe com o imaginário (Burrowes, 2008, p.46), e, apesar de a razão ser o fio

condutor de tudo isso, ela não é nem o primeiro nem o último estágio das ações humanas e, por

isso, não explica tudo. Na verdade, o primeiro reflexo do ser humano à realidade é a afetividade,

depois entra em cena a razão. Desse modo podemos concluir que “a experiência de base não é

‘penso, logo existo, mas ‘sinto, logo existo’” (Boff, 2003, p.6) o que nos leva a crer que a razão seja

um guia para a afetividade. Segundo Leonardo Boff, se a razão se sobrepõe ao sentimento,

prevalece a “tirania da ordem”, já se o sentimento ignora a razão o que prevalece é uma “ética de

puro prazer”. A “ética do equilíbrio” consiste na razão sendo um auto-regulador do sentimento

(Boff, 2003, p.7). Além disso, não podemos deixar de lado uma característica básica de nossa

sociedade, o imediatismo, que é reiterado muitas vezes nos anúncios e nas campanhas

publicitárias. Além te der os desejos, eles precisam ser satisfeitos no “agora” (Santos, 2009, p.74).

A publicidade não tem por dever enganar o consumidor ou levá-lo a uma experiência

indigesta com os meios de comunicação. Seu dever, além do teórico, que é apresentar o produto,

é criar sonhos e valores que despertem interesse no cidadão (Boff, 2003, p.12). Porém, a

publicidade é composta de uma dupla mensagem, a conotativa e a denotativa, e não se pode

deixar que a inclusão de tais sonhos se torne alienação (Santos, 2009, p.77). Para o dicionário

“Michaelis”, sonhos são ideias que perseguimos com interesse e paixão e é nessa direção que

20

Page 21: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

devemos seguir. Na mesma medida que um sonho tem o dever de tirar um indivíduo da realidade,

ele também tem a característica de fazê-lo prosseguir e uma sociedade não deve viver com

somente uma dessas características como afirma Boff. A mensagem publicitária, por si só, tem um

atributo persuasivo que une aos desejos e vontades um intuito comercial (Santos, 2009, p.77). Um

caminho que parece fazer sentido para a procura pela ética é a formação de cidadãos que

pensem, discutem e resistem pelo que acreditam, e não só de consumidores que, passivamente,

aceitam o que lhes é entregue (Boff, 2003, p.13). Nos termos mais gerais, educar é formar um

cidadão que tem o dever de prestar serviços a população da maneira mais eficaz possível e com a

garantia de uma ética aplicada (Silvia D, 2007, p.11).

Ética – do grego ethos – significa usos e costumes; o conjunto de princípios morais, estéticos e apreciativos; é o ramo da filosofia que lida com os valores relativos à conduta humana; o estudo da obrigação moral. Diversas bases e princípios orientam a perspectiva ética. (Samara e Morsch apud Silva D, 2007, p.63).

“Ética não é um conjunto de normais e padrões morais, mas a reflexão sobre elas” (Silvia D, 2007,

p.63). Nós devemos basear nossas condutas a partir daquilo que nossa sociedade propõe. Os

conteúdos ofensivos ou que ultrapassem o limite são delimitados pela percepção dos

consumidores de acordo com a sociedade que fazem parte e dentro de seus padrões e moldes

culturais. A inovação e a tecnologia avançaram muito mais rápido que nossa condição humana foi

capaz de acompanhar e, junto com ela, nossa condição crítica (Silvia D, 2007, p.64). A publicidade

enfrentou diversas mudanças e atualizações ao longo das décadas, passando de uma fase com

características informativas para outra em que impera sua forma persuasiva, a partir do avanço do

mercado competitivo (Santos, 2009, p.70). Devido ao importante papel que obteve nessa nossa

sociedade de consumo de massa, a publicidade encontra-se no centro de questionamentos sobre

sua abordagem a partir da análise de valores éticos (Santos, 2009, p.73). Ela, por definição, está

diretamente ligada à propagação de ideias, já a propaganda ao caráter persuasivo dessa

divulgação. Intrinsecamente, a publicidade já possui uma característica influenciadora (Silvia D,

2007, p.31).

2. A ética e o product placement

Na realidade podemos definir duas linhas éticas concernentes ao product placement.

Uma é a utilização antiética do marketing e a outra é a utilização ética, porém de produtos

considerados antiéticos, o que ocorre muito também com as inserções de propaganda, já que

21

Page 22: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

essas possuem maior facilidade em driblar regulamentações de produtos com legislação

publicitária demasiadamente forte. A questão é que o marketing deveria, sempre, funcionar a

serviço da população. A princípio a publicidade existe para informar, vender é consequência

(Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.113). A inserção de propaganda parece ser, pelo olhar

ético, menos problemática quando os produtos expostos não fazem mal algum, porém a distinção

entre explícito e implícito sempre permeia a discussão. Se a inserção não é mais identificável como

uma publicidade, uma comunicação comercial, então a possibilidade do consumidor fazer uma

compra desinformada sempre existirá. Esse é o gancho no qual o caráter moral do product

placement se posiciona (Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.116). Quando as inserções não

são percebidas pelo público como propaganda e mensagens persuasivas, o product placement

pode parecer natural para vários espectadores, como símbolos que são utilizados frequentemente

para enriquecer uma cena ou a construção cultural de um personagem (Russel, 2002, p.306).

Em termos gerais o product placement também é utilizado para fugir de dois obstáculos, o

primeiro é a regulamentação dos órgãos governamentais e o segundo a resistência dos

consumidores quanto aos comercias nos horários de break (Oliveira e Crescitelli, 2009, p.6). Para

esse último fato o código de ética publicitário por si só já deixa claro as condições que a inserção

deveria se submeter. “O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua

forma ou meio de veiculação” (Conar, 1980, seção 6, art. 28). É exatamente a indeterminação do

product placement como um método de marketing que se apresenta como seu aspecto ético mais

incerto e é essa mesma indeterminação que revela sua maior virtude comercial (Hackley;

AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.114). Para muitos consumidores a ferramenta do product

placement é reconhecida como uma invasão de privacidade (Oliveira e Crescitelli, 2009, p.11),

mas, ao mesmo tempo é notório que ela não força em momento nenhum a venda e que sua

característica invasiva depende do equilíbrio de aparição da marca (Oliveira e Crescitelli, 2009,

p.11).

A partir da prática do product placement podemos perceber dois tipos de aplicação quanto

à recepção do público. A primeira ocorre quando a inserção é muito sutil, mais do que deveria, e o

resultado da percepção do consumidor poderá ser nulo. Já a segunda ocorre quando a inserção é

muito enfática, invadindo o entretenimento do espectador e deixando o mesmo desconfortável e

irritado (Oliveira e Crescitelli, 2009, p.3). Como já vimos ao longo do texto, toda prática depende

não só de fatores externos, mas também da cultura e dos fatores internos. No caso do Brasil, por

exemplo, um pouco menos de sutileza e mais explicitação na inserção pode representar

22

Page 23: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

características positivas, já que uma grande parte da população ainda precisa ser direcionada para

entender tal prática e isso só ocorre com a experimentação da própria prática, alinhada às

necessidades do momento (Silva e Révillion 2010, p.3).

Levando em consideração também o conceito de marca é fácil perceber sua ligação com a

inserção de propaganda em produções audiovisuais de entretenimento. “A marca consegue criar

uma imagem no imaginário dos consumidores, fazendo com que esses a associem a uma situação

ou comportamento” (Silva e Révillion 2010, p.4), da mesma maneira como ocorre à explosão de

sentimentos que ajudam a tecer a verossimilhança da narrativa no product placement (Burrowes,

2008, p.44). A comunicação de marketing e, junto dela o product placement, permite às empresas

atrelar suas marcas a lugares, pessoas, sensações e experiências, ou seja, uma junção perfeita

entre entretenimento e publicidade (Oliveira, Crescitelli, 2009, p.6).

Uma das críticas mais fortes ao product placement incide no fato de que alguns

consumidores acreditam que o método seja subliminar e que atinja o subconsciente com efeitos

de ações promocionais. Outro problema é a preocupação de algumas pessoas em relação àquelas

que não estão conscientes quanto ao uso da inserção como publicidade e, podem vir a apresentar

comportamentos consumistas. Crianças, por exemplo, são vistas como um grupo particularmente

vulnerável, já que ainda não desenvolveram a sensibilidade necessária para o entendimento desse

tipo de ação promocional (Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.112). Alguns profissionais da

área discutem que esse é o melhor método de marketing de marcas já inventado, por outro lado,

os consumidores nem sempre estão conscientes que as marcas que eles veem durante seu

entretenimento tem finalidades comerciais (Hackley; AmyTiwsakul e Preuss, 2008, p.111). Grupos

fáceis de identificar e que se encaixam nesse perfil são os consumidores mais vulneráveis devido a

fatores como baixa renda ou limitados recursos informativos, como a falta de educação básica,

problemas financeiros e maturidade emocional. Muitos poderão ser facilmente manipulados

(Hackley, AmyTiwsakul, Preuss, 2008, p.115). Contudo, como escreve Russel, não é porque uma

pessoa lembra-se de ver ou ouvir uma marca em um programa, que a atitude dela em relação a tal

marca irá mudar. A relação entre memória e atitude não é direta. (Russel, 2002, p.314).

Essa relação não intuitiva ocorre pelo fato de que a modalidade de apresentação e o nível de conexões do enredo produzem interatividade, mas também efeitos diferentes na memória e na persuasão. A coerência/incoerência literária fornece discernimento nessa relação não-linear entre memória e atitude (Russel, 2002, p.314).

Apesar do código de ética publicitário não tratar especificamente de técnicas implícitas,

23

Page 24: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

ele deixa claro que o anúncio deve ser “claramente distinguido como tal, seja qual for sua forma

ou meio de veiculação” (Conar, 1980, seção 6, art. 28; art. 29). Somente a Áustria possui uma

legislação consistente sobre a utilização do product placement (Lehu, 2007, p.126). Assim como na

Áustria, em alguns outros países com uma legislação um pouco mais dura, as autoridades são

rápidas em punir aqueles que burlam a lei ao não mostrar um aviso digitalmente de que a inserção

é um método publicitário ou que não “borram” a imagem da marca, deixando-a inidentificável

(Lehu, 2007, p.165). Para o Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, os

anúncios não devem impor um sentimento de superioridade caso o produto seja consumido e

nem de inferioridade se não o for e não devem estimular comportamentos condenáveis perante a

sociedade (Conar, 1980, seção 11, art. 37, inc. I, alínea d; inc. II, alínea e). Outro ponto que aparece

com bastante ênfase é a propaganda voltada para crianças e adolescentes, onde fica clara a

necessidade de evitar certos produtos que levam a crer que seu uso gere benefícios no geral,

como objetos relacionados ao álcool, sexualidade, popularidade, entre outros. Além disso, existe a

responsabilidade de propagar os anúncios de forma clara, sem apresentar possibilidades de

confusão, demonstrando a distinção entre a programação e a mensagem publicitária (Conar, 1980,

anexo H, item 1, alínea i; alínea k). Enquanto os anúncios, claramente, devem ser identificados

pelos consumidores como peças publicitárias, os product placements e outras práticas de

marketing, que perpassam outros meios e experiências, caem em uma área nebulosa e ainda

pouco discutida pelos publicitários e pela população (Galician, 2004, p.128).

Segundo Galician, o product placement pode ser usado com duas finalidades diferentes.

Uma delas ocorre como um lembrete que uma marca ou produto existe, como, por exemplo,

quando o superman lança um adversário ao encontro de um painel eletrônico da Coca-Cola

durante um confronto e, a outra, para indicar que mesmo um personagem ficcional prefere a

referida marca. Um exemplo pode ser encontrado quando um personagem escolhe um produto

ou outro, como uma garrafa de champagne. Em nenhum dos dois existe uma indução explícita

para a compra do produto (Galician, 2004, p.95). Durante todo o texto podemos ver que o

principal problema dos anunciantes é chamar a atenção dos consumidores (Galician, 2004, p.103).

Para tentar contornar a situação, o product placement passou a ser parte integrante das táticas

publicitárias do marketing necessárias para construir uma lembrança de marca positiva.

Juntamente com o interesse dos anunciantes em atingir os consumidores, a prática trouxe

possibilidades de, além de se chegar ao consumidor, atingi-lo com suas defesas desarmadas, em

momentos de prazer (Galician, 2004, p.105).

24

Page 25: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

Outro ponto que normalmente é discutido é o redirecionamento de verba que ocorre

quando uma produção consegue diminuir seus custos através da inserção de propaganda.

Qualquer custo que é poupado raramente chega ao consumidor de alguma forma, para não dizer

que nunca chega. Essa verba é realmente redirecionada, como dito anteriormente, e o espectador

final, a ponta que recebe todo o esforço aplicado durante a produção, nada lucra com a prática.

Os recursos são realocados na própria produção e nada é repassado ao consumidor, nem em

cortes nos preços das entradas nem em redução do número de breaks comerciais durante a

programação (Galician, 2004, p.106). Apesar de serem claras as possibilidades que uma produção

tem de se envolver em um processo meramente comercial, sua própria técnica cuida de impor

responsabilidades para com o público no momento da inserção. Como expõe Galician, o product

placement não pode, em momento algum, arriscar a integridade tanto ética quanto criativa do

filme, série ou qualquer que seja seu meio. A questão não se resolve somente a partir do

desenvolvimento explícito ou implícito da inserção. Ela tem que estar organicamente atrelada à

história, como se a trama não sobrevivesse, não fosse a mesma sem ela (Galician, 2004, p.107).

Quando os autores são pressionados a “criar” um espaço para uma inserção acontecer, seus

direitos e sua criatividade são abalados. Mesmo que eles possuam poder de vetar uma decisão,

estão sempre com a responsabilidade de decidirem também pelo futuro financeiro da produção, o

que não lhes deveria ser inerente, já que é um tópico que mexe diretamente com as

características artísticas e, portanto, intrínsecas à obra (Galician, 2004, p.107 – 108). Esse tipo de

ocorrência incita preocupação em relação à super comercialização e suas consequências (Galician,

2004, p.109). É claro que os autores sempre têm a possibilidade de dizer não. A princípio é uma

questão de escolha querer ou não um produto entremeado ao seu trabalho, porém tal escolha

deve ser feita levando em consideração todos os riscos e, principalmente, a vulnerabilidade de seu

público. No final das contas, a responsabilidade será tanto dos autores, quantos dos produtores e

dos anunciantes (Galician, 2004, p.125). A opção de negociar uma simples aparição do produto na

cena se mostra uma boa opção a partir do momento que, além de ser praticamente tão efetiva

quanto à menção da marca no enredo, ela é mais barata e agride menos os telespectadores. Essas

considerações são importantes já que os consumidores estão ficando cada vez mais sofisticados e

céticos em relação ao crescimento da comercialização na indústria do entretenimento (Russel,

2002, p.314).

Para os espectadores existe uma parte de todo esse processo que tem ganhado mais

força e mostrando-se como um benefício, agregado um valor mais consistente e diretamente

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Page 26: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

ligado ao dia a dia do consumidor: a produção, indireta, de programas com conteúdos mais

familiares e brandos. Isso ocorre devido a certa pressão dos anunciantes que intentam conciliar os

valores das produções com os valores que querem transparecer em suas marcas. (Galician, 2004,

p.117). Apesar da mudança e, em certos aspectos, melhora no conteúdo, isso nos traz a conclusão

de que o product placement nem sempre intensifica a realidade. Na verdade, ele costuma mostrar

somente o lado positivo. Lembrando que as inserções ocorrem em produções de entretenimento

no meio midiático, é possível constatar que tanto a produção quanto a inserção tendem para o

mesmo objetivo (Galician, 2004, p. 124). De acordo com Mary-Lou Galician, muitos consumidores

são conscientes do uso do product placement e não possuem objeção quando a isso, desde que

não seja excessivo e inapropriado. Apesar de muitos consumidores serem conscientes da prática,

isso não quer dizer que, ao vivenciarem a experiência das produções, envolvidos em suas histórias

e tramas, não fiquem mais suscetíveis e expostos ao objetivo comercial da inserção (Galician,

2004, p.124).

O uso indevido e demasiado do product placement pode causar prejuízos de duas

maneiras diferentes. Uma é corrompendo qualquer trabalho artístico que não contenha os pré-

requisitos necessários no sentindo comercial e em segundo lugar, como consequência da primeira,

seria desestabilizar o público e torná-lo indisposto a essa forma de publicidade (Galician, 2004,

p.112). Em outras palavras, como incita Galician, “colocando em termos éticos, o uso inapropriado

e super saturado do product placement no mundo do entretenimento midiático não conduz ao um

respeito, cuidado e preocupação com os telespectadores”. Claramente, como já vimos

anteriormente, os cortes e as verbas provenientes dos product placements não são repassadas aos

consumidores que, efetiva e diretamente, nada ganham com isso (Galician, 2004, p.112). Por isso

é necessário sempre que a inserção seja bem distinguida pelos produtores e pelos criativos, ela

precisa fazer parte da cena como se o contexto não fosse mais o mesmo caso a inserção não

existisse. Quando a prática é posta em jogo, existe a possibilidade da mesma se prostituir,

modificando o clima criativo. Nem sempre é tão fácil ver claramente quando as vantagens

monetárias começam a coordenar as negociações (Galician, 2004, p.113). Enquanto é fácil

percebermos os benefícios do product placement para os produtores, não fica tão claro assim

percebê-los para os consumidores. Muitos argumentos são baseados na premissa que, ao realocar

as verbas, as produções têm a possibilidade de investir mais em etapas valiosas do processo, como

filmagens mais longas, efeitos especiais, iluminação, som e trilha sonora (Galician, 2004, p.111). Já

para os anunciantes as vantagens são enormes, tanto em qualidade quanto em valor. A inserção

26

Page 27: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

paga, que nem sempre é a mais negociada - normalmente as negociações ocorrem em torno de

trocas - tende a custar um valor abaixo do preço de um espaço de 30’ no horário nobre da

televisão. Além disso, filmes e séries costumam ser distribuídos globalmente, tendo um alcance

maior e possuem maior tempo durável de vida, existindo a possibilidade de serem redistribuídos

localmente através de locadoras (Galician, 2004, p.111).

Um filme é, em sua essência, uma mensagem não comercial em que alguns discursos

comerciais são incorporados (Galician, 2004, p.96). Apesar de temos certeza de que a prática do

product placement é abertamente produzida para não ser identificada como uma comercial, afinal

de contas, o sonho de qualquer anúncio é não se parecer com um, também sabemos que os

telespectadores de hoje, não o são mais como os de 20 anos atrás, inocentes e sem

conhecimentos sobre a prática (Galician, 2004, p.97). Além do mais, pesquisas não-científicas

conduzidas no meio on-line indicam que apenas 18 % dos telespectadores condenam a prática e

que 25% acreditam que a técnica é uma forma elegante de arrecadar fundos para a produção.

Outros 30 % veem como um interessante indicador cultural e os outros 25% creem ser distrativos.

No geral, os espectadores acham divergente um personagem utilizar um produto genérico ao

invés daquele usado no mundo fora das telas, no mundo real dos consumidores (Galician, 2004,

p.98).

Independente das preocupações que tenhamos em relação à técnica, independente do

que tememos em relação à ética ou às necessidades financeiras que levam à prática, é necessário

que os produtores, as agências e os publicitários lembrem sempre que a utilização do product

placement existe para ajudar numa representação mais fidedigna da realidade. Uma

representação mais real e verdadeira do que nós vivemos, mas nunca ao ponto de intrometer-se

na liberdade criativa do autor modificando a trama (Galician, 2004, p.110). A ideia central do

product placement provém de muitas décadas, até séculos atrás, e ela sempre foi aceita e

considerada atrelada à trama pela maneira com que foi tratada ao longo do tempo. Não podemos

deixar que a comercialização em excesso atinja esse conceito. Se o product placement for forçado

por investidores, os autores e os criativos poderão ter sua liberdade tolhida, o que incorrerá no

desenrolar e na qualidade da história, não sendo bem aceito pelo público. O intuito do product

placement não é deixar o espectador desconfortável, mas sim atingi-lo de uma maneira criativa,

diferente e mais real do que as propagandas tradicionais (Galician, 2004, p.123).

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Considerações Finais

Na realidade não deveríamos mais discutir sobre product placement, brand placement ou

patrocínios, deveríamos discutir sobre integração de marcas (Donaton, 2004, p.104). É necessário

associar a marca a produções que evoquem positivamente sua imagem (Lehu, 2007, p.100). “As

pessoas ligam suas televisões para serem entretidas, elas não esperam receber lições de civismo”

(Lehu, 2007, p.135).

O product placement, assim como a publicidade tradicional, se auto-regulamentará a

partir do momento que perceber que seus consumidores e espectadores estão insatisfeitos.

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Page 29: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

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Page 31: Product Placement - Um estudo sobre o bem e o mal

Anexos

La Diaphane com Sarah Bernhardt

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Un bar aux Folies – Bergère (Édouard Manet)

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