princípios de genética humana - instituto de biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as...

44
Seção 5 36 Princípios de Genética Humana e Médica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312 37 Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Princípios de Genética Humana Coordenador: Paulo A. Otto

Upload: lymien

Post on 07-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Seção 5

36 Princípios de Genética Humana e Médica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312

37 Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . 343

Princípios de Genética HumanaCoordenador: Paulo A. Otto

Page 2: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

312 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

CAPÍTULO 36

Princípios de GenéticaHumana e MédicaPaulo A. OttoRegina Célia Mingroni NettoAngela Maria Vianna Morgante

Apresenta-se neste capítulo uma série de conceitos gerais deGenética Humana e Médica que se julgam importantes parao clínico não-especialista atualizar-se, poder aprofundar-semediante consulta a material mais especializado e ser capazde acompanhar a literatura recente. Os progressos fantásti-cos da medicina, ocorridos nos últimos tempos, acabarampor delimitar drasticamente a área de atuação dos médicos,não só nos países desenvolvidos como também nos centrosmais industrializados dos países ainda em desenvolvimento,como é o caso das regiões sudeste e sul do Brasil. Em decor-rência do crescente controle das condições ambientais e médico-sanitárias, os profissionais da saúde vêm se confrontandocada vez mais em sua prática diária com defeitos e doençascom componente genético importante. A recente explosãodos conhecimentos e avanços técnicos na área da biologiamolecular veio contribuir também para pegar o clínico geraldesprevenido, uma vez que bases relativamente sólidas degenética e de biologia molecular são ministradas aos estu-dantes de medicina apenas recentemente e em poucas facul-dades de bom nível concentradas nas regiões mais desenvolvidas.Longe de pretender passar aos profissionais da saúde todasas informações de pertinência em genética, este capítulo e opróximo, que compõem o módulo de princípios de genéticahumana, se propõem apenas a fornecer-lhes os elementos neces-sários para a leitura de obras mais especializadas e aprofundadas.Ao final da unidade será apresentada uma lista de referênciasbibliográficas atualizadas e didáticas que permitem o auto-estudo aos interessados.

Foram selecionados quatro tópicos de natureza muito ge-ral que se consideraram importantes para a formação do médicoclínico geral: (1) bases moleculares da genética humana; (2)conceitos gerais de genética básica aplicáveis à genética hu-mana e médica; (3) análise de heredogramas; (4) metodologiasconvencional, laboratorial e molecular usadas no diagnósticodas doenças genéticas. Também foram incluídas noções sobretrês tópicos específicos importantes: (5) bases cromossômi-cas das doenças genéticas; (6) erros inatos de metabolismo; (7)diagnóstico pré-natal.

Um capítulo à parte desta seção trata do aconselhamentogenético e cálculo de riscos.

BASES MOLECULARES DA GENÉTICA HUMANATodos provavelmente tivemos nosso primeiro contato escolarcom a genética resolvendo problemas sobre cruzamentos rea-lizados entre plantas de ervilhas de jardim, nos mesmos mol-des dos experimentos realizados por Gregor Mendel. As ervilhasestudadas por Mendel apresentavam características fenotípi-

cas visíveis, facilmente distinguíveis entre si: as ervilhas eramamarelas ou verdes, lisas ou rugosas, as plantas eram altas oubaixas, e assim por diante.

Portanto, nossa primeira visão sobre o gene coincide prova-velmente com a visão do gene dos geneticistas pioneiros: ogene é compreendido como um fator, transmitido de uma geraçãoà outra, responsável pela determinação de uma característicafenotípica, em geral visível. Esses fatores hereditários, os genes,estão sempre presentes aos pares: um fator é herdado da mãee o outro é sempre herdado do pai. Quando se produzem gametas,óvulo ou espermatozóide, de cada par de fatores hereditários,apenas um estará representado no gameta produzido.

No entanto, os primeiros geneticistas no começo do sé-culo XX ainda não tinham a menor noção do que era o genedo ponto de vista físico ou químico, nem mesmo como elepoderia funcionar. As primeiras pistas sobre a natureza dafunção do gene vieram de estudos sobre doenças genéticashumanas. Um médico, Archibald Garrod, observou que di-versas doenças humanas tinham provavelmente herança au-tossômica recessiva, idéia essa reforçada pelo fato de queocorriam com maior freqüência na prole de casais consan-güíneos. Garrod observou que alguns desses defeitos gené-ticos pareciam ser defeitos metabólicos, uma observação quelevou ao termo “erros inatos de metabolismo” que se utilizaaté hoje para descrever esse grupo de afecções. Os estudosde Garrod conduziram-no à suposição de que as doençasgenéticas poderiam decorrer da ausência ou do funcionamentoincorreto de enzimas que realizam reações importantes emnosso metabolismo.

Estudos posteriores realizados na década de 1940 com ofungo Neurospora por George Beadle e Edward Tatum per-mitiram o detalhamento de diversas etapas do metabolismobiossintético desse organismo. Os autores estudaram diver-sas linhagens mutantes de fungos, que podiam ser distintaspelas suas diferentes necessidades nutricionais quando cul-tivadas em laboratório. O cruzamento entre as diversas li-nhagens de fungos e o estudo dos compostos químicos quese acumulavam em cada uma das linhagens levaram Beadlee Tatum a propor a hipótese: um gene – uma enzima. Emoutras palavras, o papel de um gene seria determinar a sín-tese de uma enzima específica, que atuaria em uma certa etapade uma via metabólica.

A hipótese um gene – uma enzima foi um avanço impres-sionante na compreensão da função gênica. Contudo, o retra-to ainda parecia incompleto: todas as enzimas são proteínas,mas existem muitos outros tipos de proteínas nas células quenão são obrigatoriamente enzimas. Há proteínas com funçõesestruturais, hormônios etc. Seriam essas também codificadaspelos genes? O avanço dos conhecimentos genéticos e bioquímicosfez com que o conceito sobre a função do gene se ampliassepara incluir nele proteínas que não eram enzimas. Por exem-plo, em 1957, Vernon Ingram demonstrou que a anemia falciforme,doença de herança autossômica recessiva na espécie humana,era causada pela substituição de um único aminoácido na cadeiabeta da hemoglobina.

A generalização de que o papel do gene era codificar umaproteína também precisou logo sofrer ajustes. A hemoglobi-na, por exemplo, é constituída por quatro cadeias polipeptídicas:duas cadeias do tipo alfa e duas cadeias do tipo beta. Hoje,sabe-se que as cadeias alfa e beta das globinas são codifica-das por genes diferentes. Assim, a descrição do gene fica maisapropriada caso se afirme que o seu papel é codificar umacadeia polipeptídica.

A partir de 1940 começaram a aparecer evidências experi-mentais que finalmente mostraram que o gene, sob o ponto devista químico, era composto por DNA, o ácido desoxirri–

978-85-7241-000-0

Page 3: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 313

SEÇÃ

O 5

bonucléico. Em 1953, Watson e Crick propuseram o clássicomodelo sobre a estrutura do DNA, o modelo da hélice dupla,que oferecia, enfim, uma explicação de natureza física para acapacidade de autoduplicação do material hereditário, comoserá visto a seguir.

A década de 1960 se destacou por enormes avanços bio-químicos: desenvolveram-se os estudos sobre a transcriçãodo RNA e os diferentes tipos de RNA presentes na célula, ocódigo genético foi decifrado e compreendeu-se, em grandeparte, o mecanismo da síntese de proteínas. Esses estudosdestacaram a importância de um outro grupo de moléculasfundamental ao funcionamento da célula: os RNA, ou seja,as moléculas de ácido ribonucléico. Os RNA mensageiros,os RNA transportadores e os RNA ribossômicos são funda-mentais ao processo de síntese de proteínas. A cada dia, novascategorias de moléculas de RNA são descobertas, exibindofunções regulatórias até muito pouco tempo desconhecidas.Essas moléculas também são transcritas pelos genes. Por-tanto, com o conhecimento que se tem hoje, a maneira maisprecisa de descrever o gene seria considerá-lo como um tre-cho da molécula de DNA capaz de transcrever um RNA: esseRNA, por sua vez, pode vir a ser traduzido em uma cadeiapolipeptídica ou executar alguma outra função. Existe umgrau considerável de controvérsia entre os geneticistas se naextensão do que é considerado um gene devem ser incluídosos trechos da molécula de DNA que regulam a própria fun-ção do gene, ou seja, as seqüências regulatórias da trans-crição ou da tradução, sendo muito provável que o conceitode gene ainda venha a sofrer muitas modificações num fu-turo relativamente próximo.

Atualmente sabe-se que cada um dos nossos 46 cromos-somos é constituído por uma única e longa molécula de DNAassociada a diversos tipos de proteínas com funções estrutu-rais e regulatórias. Cada cromossomo representa, então, umasucessão de milhares de trechos de DNA com funções espe-cíficas, que determinam a transcrição de diversos tipos deRNA, alguns dos quais serão traduzidos em cadeias poli-peptídicas. A cada um desses trechos pode-se atribuir o nomede gene.

Como nossos cromossomos estão organizados aos pares,isso significa que cada gene está representado por duas cópias,ou seja, dois trechos da molécula de DNA, com posição cor-respondente nos cromossomos homólogos. A cada uma des-sas cópias do gene dá-se o nome de alelo.

Cada par de cromossomos humanos contém milhares degenes. Ainda há dúvidas sobre o número exato de genes queexistem na espécie humana. Estimativas que variaram de 35.000até 100.000 genes já foram propostas e aguarda-se, com certaexpectativa, qual será o valor correto do número de genes danossa espécie. Hoje, os dados disponíveis apontam para asestimativas menores, entre 25.000 e 40.000 genes.

Nas páginas a seguir, será apresentado com mais detalheso funcionamento do gene, ou seja, como o DNA, que é omaterial hereditário, exerce suas funções e regula o funcio-namento da célula coordenando a síntese de moléculas deRNA e de polipeptídeos.

O ácido desoxirribonucléico (DNA) é um polidesoxirri-bonucleotídeo de estrutura dupla e complementar: a estruturadessa molécula consiste numa hélice formada por duas ca-deias complementares: dois filamentos de açúcar (desoxirribose)– fosfato, e a cada resíduo de açúcar se prende uma basenitrogenada que pode ser purínica [adenina (A) ou guanina(G)] ou pirimidínica [citosina (C) ou timina (T)], como mos-trado no esquema da Figura 36.1.

As bases presas a um dos filamentos estão pareadas comas bases do outro filamento por meio de ligações de baixo

potencial energético, denominadas pontes de hidrogênio. Emvirtude do posicionamento das pontes de hidrogênio e do diâmetrodas bases nitrogenadas, só são possíveis os pareamentos entreadenina e timina, bem como entre guanina e citosina, comomostra o esquema da Figura 36.2, o qual evidencia tambémque as duas cadeias do DNA, complementares em razão des-ses pareamentos, correm orientadas de maneira antiparalelauma em relação à outra.

Como se vê na Figura 36.2, os grupamentos fosfato unem-seàs moléculas de pentose pelos átomos de carbono de posição3' e 5'. Enquanto uma das cadeias corre no sentido 3'-5', aoutra corre no sentido 5'-3'. Em outras palavras, se na extre-midade de uma das cadeias ocorre um carbono 5' livre, na ca-deia complementar estará presente um carbono livre 3'.

A propriedade de pareamento das bases nitrogenadas ga-rante a capacidade de autoduplicação (também referida comoreplicação) praticamente perfeita do DNA, como mostra oesquema da Figura 36.3. Numa fase anterior à duplicaçãopropriamente dita da molécula, 5'-nucleosídeos (pequenasmoléculas formadas pela união de uma base nitrogenada àdesoxirribose) existentes na célula e sintetizados previamentepor ela a partir de nutrientes, são ativados mediante conver-são em 5'-trifosfo-nucleosídeos na presença de ATP. No processode duplicação, a molécula de DNA se abre (à maneira de umzíper) e as bases expostas de ambas as fitas servem de mol-de para a incorporação dos novos 5'-trifosfo-nucleosídeos,mediada pela enzima DNA-polimerase, que trata de polimerizarestes últimos sob forma de 5'-monofosfo-nucleosídeos (ousimplesmente 5'-nucleotídeos, dado que dois resíduos de fosfatosão perdidos no processo). Em ambas as cadeias do DNA, ocrescimento da cadeia é orientado no sentido 5'-3': um localespecífico da DNA polimerase promove a união do grupamentofosfato de cada novo 5'-nucleotídeo com o átomo de carbo-no de posição 3' livre do 5'-nucleotídeo anteriormente in-corporado. Os longos trechos de DNA nos cromossomos sãoreplicados em trechos menores que posteriormente são reu-nidos. Convém destacar que as enzimas DNA-polimerasesque catalizam a adição de novos nucleotídeos no sentido 5'-3' não têm capacidade de iniciar sozinhas uma nova cadeiade DNA, sendo capazes apenas de alongar uma cadeia pre-existente, com uma extremidade 3' livre. Dessa propriedade

Figura 36.1 – Representação esquemática da estrutura tridimen-sional do ácido desoxirribonucléico (DNA)

A T

G C

3,4Å

34Å

10Å

978-

85-7

241-

000-

0

Page 4: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

314 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

resulta que, nas células, o início de síntese de cada um dosfragmentos recém-sintetizados (como mostrado na Fig. 36.3)depende da síntese de pequenas moléculas de RNA (oligor-ribonucleotídeos), iniciadores de síntese ou primers, quefornecem as extremidades 3' livres. Esses pequenos primerssão posteriormente substituídos por trechos de DNA no finaldo processo da síntese, que termina com a reunião dos di-versos fragmentos recém-sintetizados.

No parágrafo anterior referiu-se à autoduplicação doDNA como sendo um processo praticamente perfeito: aenzima DNA-polimerase possui um segundo local específicoque verifica se o resíduo recém-incorporado está pareado demaneira correta, antes de avançar no sentido de acrescentarmais um resíduo. Esse fato tende a minimizar a probabilidadede erros na replicação do DNA, que poderiam resultar emalteração da seqüência de bases do DNA recém-replicado.Outros mecanismos enzimáticos podem promover o reparo dealterações da molécula de DNA, quer sejam erros oriundosda replicação do DNA ou resultantes de danos diversos adqui-ridos nas cadeias, por exemplo, como conseqüência de radiaçõesou agentes químicos. Esses mecanismos de reparo garantema estabilidade dos genomas em geral.

Figura 36.2 – Estrutura primária de um segmento do DNA. Naparte superior do desenho, R’ designa a molécula de desoxirribosee P a de um resíduo de fosfato

1G C A T C T

C G T A G A2

A

nG

C

T

DNA-polimerase

Mg++ 3’

5’1

23’

3’

5’ 3’

3’5’

3’

5’

3’

extremidade doprimer

1G C A T C TC G T A G A

2

G C A T C T

C G T A G A

Figura 36.3 – Representação esquemática do mecanismo deautoduplicação do DNA

O papel do DNA presente no núcleo é principalmente con-trolar a síntese das cadeias polipeptídicas, de modo que a umadeterminada seqüência de resíduos de nucleotídeos de uma dasfitas do DNA corresponderá uma determinada seqüência deresíduos de aminoácidos da cadeia polipeptídica.

Numa primeira fase, mostrada esquematicamente na Figu-ra 36.4, uma das fitas do DNA serve de molde para a síntesede um RNA denominado RNA mensageiro (RNAm), síntese essamediada por uma enzima chamada RNA polimerase e orientadapelo pareamento obrigatório das bases DNA/RNA. A moléculado RNAm é semelhante a uma das fitas do DNA (ou seja, exata-mente complementar ao segmento de DNA que serviu de moldepara a sua síntese), com a diferença de que o açúcar de cadaresíduo de nucleotídeo é a ribose em vez da desoxirribose e abase nitrogenada uracila substitui a timina. A D-ribose presenteno RNA diferencia-se da D-desoxirribose presente no DNA porpossuir, no carbono de posição 2, um radical hidroxila (-OH)no lugar de um radical hidrogênio e a uracila é simplesmentea timina desmetilada na posição 5 (essas posições são mos-tradas na Fig. 36.2).

Após ser sintetizado na cromatina do núcleo celular, oRNAm migra para o citoplasma da célula, no qual se uneaos ribossomos, estruturas formadas por RNA ribossômico(RNAr) e proteínas, em que terá lugar a síntese de cadeiaspolipeptídicas. As bases do RNAm associado aos ribossomosestabelecem, então, ligações com as bases de um outro tipode RNA denominado RNA de transferência ou RNA trans-portador (RNAt), que estão, por sua vez, associados de maneiraespecífica a aminoácidos (Fig. 36.5). As ligações entre essesRNA estabelecem-se sempre obedecendo aos pareamentos

978-85-7241-000-0

Page 5: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 315

SEÇÃ

O 5

A/U e G/C entre um trio de bases expostas do RNAm (códon)e um determinado trio de bases do RNAt (anticódon), indi-cado na Figura 36.5 pela seta a. Como se vê nessa figura, aestrutura do RNAt resulta do dobramento mais ou menos aomeio de uma única cadeia polirribonucleotídica com cercade 70 a 80 resíduos de nucleotídeos, com as extremidadeslivres pareando-se da maneira também indicada no esquema.Cada RNAt tem a capacidade de ligar-se (na posição indicadapela seta b) a um aminoácido específico, reação essa mediadapor enzimas que não só são capazes de associar cada tipo deRNAt ao seu aminoácido correspondente, como também sãoresponsáveis pela ativação energética e ligação do aminoácidoao respectivo RNAt.

Estabelecidas as ligações entre os trios de bases do RNAt(anticódons), carregados cada um com um tipo de aminoácido,com as bases expostas do RNAm (códons), ocorrerá no ribossomoo encadeamento ordenado dos aminoácidos, com formaçãode ligações peptídicas entre dois resíduos de aminoácidossubseqüentes (Fig. 36.6). Após a formação de uma ligaçãopeptídica, o ribossomo desliza sobre a molécula de RNAm aum “passo” de três bases de cada vez. Com o deslocamentodo ribossomo, um novo trio de bases do RNAm (códon) ficaexposto a interagir com um RNAt recém-chegado, trazendonovo aminoácido e a ligação peptídica ocorre novamente. Assim,com os deslocamentos sucessivos do ribossomo sobre o RNAm,ocorre o crescimento da cadeia polipeptídica e finalmente liberaçãoda proteína em sua estrutura primária (Fig. 36.6).

Figura 36.4 – Representação esquemática da síntese do ácidoribonucléico mensageiro (RNAm) pelo DNA

Figura 36.5 – Representação esquemática de uma molécula deácido ribonucléico transportador (RNAt). A seta a indica o localde pareamento (anticódon) com o códon correspondente com-plementar do RNAm. A seta b indica a extremidade em que seliga o aminoácido (no caso do anticódon AAA, a fenilalanina)

A A A a

G C

C

A b

O processo todo, incluindo o molde do RNAm pelo DNAe todas as demais etapas descritas, pode ser visto na Figura36.7. Da inspeção dessa figura fica claro que a cada trio deresíduos de nucleotídeos de uma das fitas do DNA correspon-de um trio de resíduos de nucleotídeos do RNAm ou códon,um anticódon do RNAt (este exatamente igual ao trio de ba-ses do DNA, com a base uracila substituindo a timina) e umdeterminado resíduo de aminoácido na cadeia polipeptídica.

Essas equivalências (códon de RNAm no sentido 5'-3' eresíduo de aminoácido correspondente na cadeia polipeptídica)são mostradas na Tabela 36.1, que é uma representação docódigo genético. Este é, então, o conjunto de regras de cor-respondência entre os códons do RNAm e os aminoácidos pre-sentes nas cadeias polipeptídicas.

Os aminoácidos mostrados na Tabela 36.1 são indicadospelas abreviaturas entre parênteses a seguir: ácido aspártico(asp), ácido glutâmico (glu), alanina (ala), arginina (arg),asparagina (asn), cisteína (cys), fenilalanina (phe), glicina (gly),glutamina (gln), histidina (his), isoleucina (ile), leucina (leu),lisina (lys), metionina (met), prolina (pro), serina (ser), treonina(thr), triptofano (trp) e valina (val).

Existe um códon que inicia a tradução de todos os poli–peptídeos, que é o códon correspondente à metionina. Esseaminoácido estará presente na primeira posição em todos ospolipeptídeos sintetizados na célula, mas pode ser retirado nofinal do processo. Há três códons que codificam a parada datradução por não corresponderem a aminoácido algum. Seupapel é o de determinar o fim da tradução.

Com exceção da metionina e do triptofano, que são codi-ficados por um único códon, todos os demais aminoácidossão codificados por pelo menos dois códons, um por três, muitospor quatro e três por seis. Existem ainda dois trios iniciadoresde leitura (além do correspondente à metionina, já menciona-do, o trio GUG correspondente à valina tem função idênticaem alguns organismos procariontes) e três terminadores. Tudoisso deixa claro que o código genético (que é universal, sendopraticamente o mesmo em todos os organismos vivos) é dege-nerado de uma maneira sistemática, o que era de se esperar,uma vez que o número de aminoácidos (cerca de 20) é muitomenor que o número possível de trios de bases (64).

Com base no apresentado anteriormente fica fácil compreen-der os possíveis efeitos das mutações sobre o DNA.

DNAG C A T C T

A

nG

C

U

RNA-polimeraseMg++

G C A T C T

U A G A

3’ 5’

G C A T C T

C G U A G A

C G U A G ARNAm

978-85-7241-000-0

Page 6: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

316 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

De um modo geral, as mutações que ocorrem no DNA podemser classificadas da seguinte forma:

Substituições: quando ocorre a troca de uma ou algu-mas bases nitrogenadas dos nucleotídeos na moléculado DNA. Os efeitos das substituições podem variar de-pendendo do tipo. Algumas substituições acarretam asubstituição do aminoácido correspondente na cadeiapolipeptídica. São chamadas de mutações de sentido errado(missense). Algumas substituições de bases não acarre-tam substituição do aminoácido correspondente, já quemais de um códon pode corresponder a um mesmoaminoácido. Essas são chamadas de mutações silencio-sas (silent). Outras substituições transformam um códonque corresponde a um aminoácido em um dos três códonsde parada, causando o término prematuro da traduçãoda cadeia polipeptídica. Essas são chamadas de muta-ções sem sentido (nonsense).Deleções: quando ocorre perda de um ou alguns nucleo-tídeos na molécula do DNA.

RNAm

A U G G U U A A G G U G U U U C A AU U C C A C

U A C G U U

RNAt3 RNAt4G C G C

C

A

C

ACONH-

RNAt1 G C

C

AH2N

aa1

aa1

aa2

aa3 aa4

aa1 aa2

aa3

aa4 aa5 aa6

RNAt6G C

C

ACOOH

Cadeia polipeptídica

Figura 36.6 – Mecanismo de síntese das cadeias polipeptídicaspelo complexo ribossomo/RNAm/RNAt

aa1 aa2 aa3

T A C C A A T T C

DNA

RNAm

A U G G U U A A GC A A

U A C U U C

RNAt1

G C

C

A

aa1

aa2

aa3

RNAt2

G C

C

A

RNAt3G C

C

A

RNAt

G C C A

RNAr

U U C

G C

C

A

aa

NH2 COOH

Figura 36.7 – Esquema mostrando as fases da síntese de ca-deias polipeptídicas a partir de genes localizados no DNA. Oslocos responsáveis pela síntese de RNAr e RNAt não estão neces-sariamente situados no mesmo cromossomo que aloja o geneestrutural exemplificado

Inserções: quando ocorre a introdução de um ou algunsnucleotídeos na molécula do DNA. Um tipo especial deinserção é a duplicação, que ocorre quando a porção inseridatem seqüência de bases repetida em outra região do geneou do genoma.

As deleções e inserções, se ocorrerem em número de nu-cleotídeos diferente de três ou de múltiplos de três, têm umgrave efeito na síntese dos polipeptídeos, pois acarretam umamudança da matriz de leitura dos códons no ribossomo: a partirda posição em que elas ocorrem no DNA, e, conseqüentente,no RNAm, a leitura de todos os códons subseqüentes é defa-sada e muitos aminoácidos são substituídos na cadeia polipetídicaaté que se alcance um códon de parada. Essas alterações re-cebem a designação de mutações de quadro de leitura ou dematriz de leitura (frameshift), por causa de seus efeitos.

Algumas regiões do DNA, conforme já explicado, em vezde codificarem cadeias polipeptídicas por meio de RNA men-sageiros, são responsáveis pela síntese dos outros tipos de RNA(transportadores e ribossômicos) e outros tipos de RNA espe-cializados no transporte de polipeptídios, no processamento eno amadurecimento de outros ácidos ribonucléicos.

Sabe-se atualmente que, nos organismos dotados de núcleo(eucariontes), apenas algumas porções do gene (aqui definido deuma maneira simplificada como uma seqüência de resíduosde desoxirribonucleotídeos) codificam o RNAm final, maduro,responsável pela síntese das cadeias polipeptídicas. As porçõesque permanecem no RNAm maduro, após o seu processamento,são chamadas de exons (de expressed regions). Geralmente sãoessas porções que realmente correspondem a uma determinadaseqüência de resíduos de aminoácidos na cadeia polipeptídica.As porções restantes são chamadas de introns (de intragenicregions) ou seqüências intercaladas, formadas por seqüênciasque não codificam aminoácidos. O RNAm inicialmente transcritoé uma cópia do gene completo, contendo todos os exons eintrons; antes de passar ao citoplasma, o RNAm é processado(ocorre o splicing), com os introns sendo retirados e os exonsadjacentes sendo reunidos. Essa seqüência de eventos é mos-trada esquematicamente na Figura 36.8.

Por exemplo, o gene inteiro responsável pela cadeia betada hemoglobina A, localizado no cromossomo 11, tem cercade 1.500 pares de bases (pb), enquanto a cadeia polipeptídicada cadeia beta tem 146 resíduos de aminoácidos. Nesse gene,portanto, são necessários somente 146 × 3 = 438 pares de bases(pb) para codificar os aminoácidos; o restante (cerca de 1.060pb)corresponde principalmente a introns que são retirados do RNAmdurante o processo de splicing.

CONCEITOS GERAIS DE GENÉTICA BÁSICAAPLICÁVEIS À GENÉTICA HUMANA E MÉDICAComo cada pessoa se origina de um zigoto que recebe umcomplemento simples ou haplóide de cromossomos de cadagenitor, os cromossomos de cada célula estão representadospor pares de cromossomos ditos homólogos, um lote de ori-gem materna e outro de origem paterna. Dos 23 pares de cro-mossomos encontrados no núcleo de uma célula humana diplóidequalquer, 22 pares são comuns a indivíduos de ambos os se-xos e recebem o nome de autossomos. O vigésimo terceiropar é formado por dois cromossomos X (nesse caso, tambémhomólogos) nas mulheres e por um par exibindo heteromorfismoem indivíduos de sexo masculino (um cromossomo X e umcromossomo Y). Diz-se, portanto, que a mulher tem 23 paresde cromossomos homólogos (incluindo os dois cromossomosX) e os homens 22 pares de cromossomos homólogos e umpar de cromossomos heterólogos (um X e um Y). Por inter-médio de um processo de divisão especial denominado meiose,

978-85-7241-000-0

Page 7: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 317

SEÇÃ

O 5

as células da linhagem germinativa originam os gametasmasculinos e femininos, cada um deles (espermatozóides eóvulos) contendo um lote haplóide de 23 cromossomos. Aopasso que todos os óvulos possuem 22 autossomos e um cro-mossomo X, existem dois tipos de espermatozóides, uns con-tendo o cromossomo X e outros contendo o cromossomo Y.No momento da fecundação, dependendo do cromossomo sexualcontido no espermatozóide, originar-se-á um zigoto destina-do ao sexo masculino ou ao sexo feminino, se o cromossomosexual for o Y ou o X, respectivamente. Como metade dosespermatozóides carregam o cromossomo X e a outra metadeo Y, espera-se que recém-nascidos de sexo feminino e mas-culino ocorram em proporções aproximadamente iguais (diz-seentão que a razão sexual ao nascimento é cerca de um).

Nos cromossomos, os genes estão localizados em posiçõesespecíficas que recebem o nome de locos, que são ditos ho-mólogos em relação a todos os autossomos e ao par de cro-mossomos X em mulheres. Em indivíduos de sexo masculino,os cromossomos sexuais X e Y apresentam apenas alguns poucoslocos em comum. A maior parte dos genes do Y está ligada àdeterminação genética do sexo do embrião e da fertilidademasculina; fora isso, o cromossomo Y é relativamente pobreem genes que codificam proteínas; portanto, a maioria dos genesdo cromossomo X ocorre em dose única em machos.

Os genes localizados em um mesmo loco são ditos alelose todos os alelos de um mesmo gene presentes nos indivíduosda população originam-se por mutação de alelos preexistentes.Assim, os alelos resultam de diferenças nas seqüências de basesnucleotídicas do DNA em um gene. Estudos recentes de bio-logia molecular têm mostrado que o número de alelos alber-gados em qualquer loco é geralmente muito grande, o que confereàs populações um alto grau de variabilidade genética, mos-trando, portanto, que a plasticidade evolutiva dos seres huma-nos e de todos os organismos de uma maneira geral é enorme.

Normalmente se designam os alelos de um loco usandouma mesma letra ou abreviatura para indicar que pertencema um mesmo loco e índices para diferenciá-los entre si (porexemplo, a1, a2, a3 etc.). Os indivíduos que possuírem nummesmo loco autossômico duas cópias iguais de um mesmoalelo (por exemplo, a1a1) são ditos homozigotos (no caso, quantoao gene a1); quando o loco estiver ocupado por dois alelosdiferentes (por exemplo, a1a2 ou a2a3) o seu portador é ditoheterozigoto. As constituições genéticas exemplificadas an-teriormente (a1a1, a1a2, a2a3) são denominadas genótipos. Emrelação a locos do X em indivíduos de sexo masculino, osgenótipos corresponderão simplesmente aos alelos (por exemplo,b1, b2, b3 etc.) possíveis e costuma-se referir a esses indiví-duos como hemizigotos (respectivamente quanto aos alelosb1, b2, b3 etc.).

Os estudos de ligação entre genes de locos distintos fezcom que se difundisse na literatura especializada um outroconceito útil, o de haplótipo, que é usado para definir a cons-tituição de um conjunto de locos situados num mesmo cro-mossomo (locos sintênicos). Assim, caso se tome um indivíduohomozigoto c1c1 quanto a um primeiro loco e heterozigoto d2d3

quanto a um segundo loco no mesmo cromossomo, podemosdizer que seu genótipo é c1d1/c1d3, em que c1d1 e c1d3 são oshaplótipos, cada um em um dos cromossomos homólogos. Seo indivíduo for heterozigoto em relação aos dois locos (porexemplo, c2c3 e d1d4) seu genótipo pode ser tanto c2d1/c3d4 comoc2d4/c3d1, não se conhecendo, logo, a fase (duplo heterozigoto“em atração” ou “em repulsão”; esses dois termos foram cria-dos originalmente para distinguir-se um heterozigoto AB/abde um Ab/aB, em que A e B são alelos dominantes selvagense a e b alelos mutantes recessivos). É comum os haplótipos sedesfazerem por meio da recombinação que ocorre na primeira

Gene

Exon 1 Exon 2 Exon 3 Exon 4 DNA

Intr

on

Intr

on

Intr

on

Transcrição

RNAm primário

Remoção dosintrons

RNAm maduro

Tradução

Splic

ing

Cito

plas

ma

Núc

leo

Figura 36.8 – Mecanismo de síntese de cadeias polipeptídicasnos organismos eucariontes, mostrando como são removidas asregiões não-codificadoras (introns) do RNAm

TABELA 36.1 – Código genético: correspondência de trios 5'-3'de RNAm (códons) e resíduos de aminoácidos na cadeiapolipeptídica. O asterisco indica códons de parada de leituraou terminadores

SEGUNDA BASE DO CÓDON

U C A G

UUU phe UCU ser UAU tyr UGU cys U

UUUC phe UCC ser UAC tyr UGC cys CUUA leu UCA ser UAA * UGA * AUUG leu UCG ser UAG * UGG trp G

CUU leu CCU pro CAU his CGU arg U

CCUC leu CCC pro CAC his CGC arg CCUA leu CCA pro CAA gln CGA arg ACUG leu CCG pro CAG gln CGG arg G

AUU ile ACU thr AAU asn AGU ser U

AAUC ile ACU thr AAC asn AGC ser CAUA ile ACA thr AAA lys AGA arg AAUG met ACG thr AAG lys AGG arg G

GUU val GCU ala GAU asp GGU gly U

GGUC val GCC ala GAC asp GGC gly CGUA val GCA ala GAA glu GGA gly AGUG val GCG ala GAG glu GGG gly G

PRIM

EIRA

BA

SE D

O C

ÓD

ON

TERCEI RA BA

SE DO

CÓD

ON

divisão da meiose; e isso será tanto mais provável quanto maiorfor a distância entre os locos que contêm esses genes. Porexemplo, considerando-se um indivíduo AB/ab que se cruzacom um ab/ab, se a taxa de recombinação entre esses doislocos for 5%, significa que o duplo heterozigoto produzirá95% dos gametas contendo os haplótipos não-recombinantesAB ou ab (47,5% de cada), enquanto 5% de seus gametas conterãoos haplótipos recombinantes Ab ou aB (2,5% de cada).

O genótipo do indivíduo pode determinar uma caracterís-tica física ou fisiológica qualquer, comumente referida comofenótipo. Os alelos que compõem o genótipo interagem devárias maneiras, originando os vários fenótipos.

Quando o fenótipo correspondente a um dos homozigotosé semelhante ao dos heterozigotos, diz-se que a característicaque se expressou no heterozigoto é a dominante. A que não seexpressa no heterozigoto é dita recessiva. Por exemplo, emrelação aos grupos sangüíneos do sistema ABO, os alelos Ae B são ambos dominantes em relação ao alelo O, que é recessivo.

978-

85-7

241-

000-

0

Page 8: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

318 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

Assim, indivíduos de grupo sanguíneo “A”, que possuem apenasantígenos A recobrindo suas hemácias, podem ter genótipoAA ou AO; de maneira semelhante, indivíduos “B” podem tergenótipo BB ou BO, mas a indivíduos “O” corresponde ape-nas o genótipo OO, que indica a ausência dos dois antígenos.

No entanto, existem situações em que a cada genótipo cor-responde um fenótipo distinto: fala-se então de semidominânciaou dominância incompleta quando o fenótipo do heterozigotoé intermediário em relação aos fenótipos dos dois tipos dehomozigotos, e de codominância quando cada um dos doisprodutos típicos dos homozigotos está presente no heterozigoto.Um exemplo clássico de co-dominância é dado pelo sistemade grupos sangüíneos MN, no qual os indivíduos homozigotosMM ou NN apresentam na superfície de suas hemácias ape-nas antígenos M ou N, enquanto heterozigotos MN apresen-tam os dois tipos de antígenos. Esse também é o caso dosalelos A e B, no sistema ABO, em que o indivíduo com ogenótipo AB possui os dois tipos de antígenos nas hemácias.

A designação herança intermediária é mais apropriada paracaracterísticas quantitativas, que serão discutidas mais adian-te, como tamanho ou pigmentação, em que indivíduos Aa, porexemplo, apresentam um fenótipo que é aproximadamente amédia dos fenótipos apresentados por AA e aa.

As regras de transmissão das características biológicas deter-minadas geneticamente são muito simples se for consideradoum loco autossômico com dois alelos, com ou sem dominância,como mostra a Tabela 36.2, que reúne os resultados dos cruza-mentos que podem ocorrer numa população qualquer.

É importante considerar que as percentagens esperadas naprole de cada tipo de cruzamento parental correspondem aprobabilidades que somente corresponderão a valores observa-dos em um número de amostragens enorme. Como os resultadosgenotípicos na prole independem de resultados que já ocorre-ram, a chance de nascer uma criança aa de um casal de heterozi-gotos Aa × Aa, por exemplo, é sempre um quarto, quaisquer quesejam os genótipos dos filhos que já nasceram. No campo dasanedotas de genética médica, é muito conhecida aquela do casalde heterozigotos Aa quanto a cor de olho que perguntou ao seumédico o que seria preciso fazer para nascer uma criança deolhos claros (aa). A resposta que recebeu foi que era muito simples,pois bastava que o casal tivesse quatro filhos: três iriam nascercom olhos castanhos e um com olhos azuis.

Com o conhecimento que se tem atualmente sobre a varia-bilidade molecular que ocorre nos genes, tornaram-se rarosos casos em que apenas são detectadas duas variedades alélicas

num loco qualquer, de modo que é interessante, agora, conhe-cer-se o resultado de cruzamentos no caso de polialelia semdominância. Para isso basta se considerar quatro alelos (ai, aj,ak e al) e analisar as situações ainda não incluídas no caso jáanalisado de dois alelos. Se o cruzamento for aiai × ajak a progêniedeverá ser formada, em média, por heterozigotos aiaj e aiak emproporções iguais. No caso de cruzamentos aiaj × aiak e aiaj ×akal espera-se que ocorram nas suas proles quatro tipos dife-rentes de genótipos com freqüências iguais (25% cada): umhomozigoto e três heterozigotos diferentes no primeiro casoe quatro heterozigotos diferentes no segundo caso.

Tratando-se de locos bialélicos ligados ao cromossomo X,no caso de co-dominância existirão três fenótipos possíveis fe-mininos, cada um equivalente a um genótipo diferente (por exemplo,XBXB, XBXb e XbXb), e dois masculinos (com ou sem dominância,os fenótipos masculinos corresponderão sempre aos genótiposXB e Xb). No caso de dominância entre os alelos XB e Xb, exis-tirão dois fenótipos (dominante e recessivo) tanto em fêmeascomo em machos, porém correspondendo, respectivamente, aosgenótipos XBX- = XBXB ou XBXb e XbXb, ou XB e Xb.

A Tabela 36.3 mostra os casamentos possíveis com as fre-qüências esperadas dos diversos tipos nas respectivas prolesem relação a essas duas situações.

No caso de genes do cromossomo X é importante lembrar-seque, dos dois cromossomos X de uma célula diplóide de umamulher qualquer, apenas um está geneticamente ativo, comtodos os seus genes funcionando normalmente; o outro se encontrainativado, com apenas uns poucos locos ativos. Essa inativaçãodo cromossomo X em células femininas tem início nas pri-meiras fases de segmentação do embrião, completando-se entrea segunda e a terceira semanas da vida embrionária em huma-nos (fase em que o blastocisto está se aninhando na mucosauterina, ocasião em que conta com cerca de 1.000 a 2.000células). Um dos dois cromossomos X da mulher (o de ori-gem materna ou o de origem paterna), ao acaso, sofre um processode condensação numa célula que até então apresentava os doiscromossomos X com todos os seus locos ativos; todas as célulasdescendentes dessa célula, no entanto, terão sempre o mesmoX inativado. Esse processo (“teoria de Lyon”) recebe o nomede lyonização em homenagem à sua descobridora, a cientistainglesa Mary Lyon. O resultado disso é um fenômeno conhe-cido como compensação de dose: inativando aleatoriamenteum dos cromossomos X nas células femininas, em média aquantidade de produto do gene de cada loco do X será a mesmatanto em machos como em fêmeas. Outra conseqüência dissoé que, em razão de pequenos desvios naturais da taxa espera-da de inativação ao acaso (segundo a qual se espera que cercade metade dos X inativados sejam os de origem materna), asmulheres apresentam maior variabilidade que os homens naexpressão fenotípica dos genes ligados ao X.

Na herança dita quantitativa, o fenótipo do indivíduo dependeráda interação de diversos pares de genes situados em locos quesegregam independentemente nos diversos cromossomos. Existemvários modelos de herança quantitativa; no mais comumentecitado, a característica depende da interação de um númerorelativamente grande de genes distribuídos nos vários cromos-somos e cada um deles tendo efeito aditivo relativamente pe-queno; num outro modelo, o fenótipo resultaria de interaçõescomplexas entre genes de efeito marcante localizados num númerorestrito de locos. Existem provavelmente, ainda, sistemas quese comportam como híbridos desses dois, albergando ao mesmotempo genes de pequeno efeito aditivo, localizados em várioslocos, ao lado de outros (em quantidade restrita) com efeito maismarcante (“genes principais”). Todos os três modelos admitem,ainda, a intervenção de fatores ambientais na expressão fenotípicadas características quantitativas, tanto assim que esses modelos

TABELA 36.2 – Resultados possíveis em casamentos envolvendolocos autossômicos bialélicos, com e sem dominância

GENÓTIPOS NA PROLECASAMENTO (FENÓTIPOS FENÓTIPOS NA PROLE

PARENTAL SEM DOMINÂNCIA) (COM DOMINÂNCIA)

AA × AA AA 100% D 100%

AA × Aa AA 50% D 100%Aa 50%

AA × aa Aa 100% D 100%

Aa × Aa AA 25% D 75%Aa 50% r 25%aa 25%

Aa × aa Aa 50% D 50%aa 50% r 50%

aa × aa aa 100% r 100%

D = fenótipo dominante, correspondente ao genótipo A- = AA ou Aa; r =fenótipo recessivo, equivalendo ao genótipo aa

978-85-7241-000-0

Page 9: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 319

SEÇÃ

O 5

comumente são referidos como multifatoriais, resultando da açãoconjunto de sistemas poligênicos e de fatores ambientais (enten-dendo-se como tal todos os fatores que não são genéticos). A inter-venção destes últimos em características como o peso e a alturaé óbvia. Vários autores ainda se preocuparam em elaborar ín-dices que meçam a participação relativa de fatores ambientaise genéticos na determinação dessas características. Um dessesíndices é a taxa de herdabilidade, que tenta determinar a pro-porção de variabilidade fenotípica de uma característica atri-buível a fatores genéticos.

Na verdade, a influência não se limita às característicasmultifatoriais discutidas anteriormente. Nosso fenótipo, de umamaneira geral, resulta da interação entre o genótipo e o am-biente. Isso é claramente exemplificado no caso da fenilcetonúria:para apresentar a doença, um indivíduo precisa, além do genótiporecessivo, ingerir fenilalanina em sua dieta.

A maioria dos conceitos anteriores é diretamente aplicávela características fenotípicas normais, freqüentes na população.

Quando essas características são condições patológicas(defeitos isolados, doenças, síndromes, seqüências, associa-ções ou complexos malformativos), o primeiro problema quetem lugar é que elas são muito raras na população, tipicamentecada uma delas ocorrendo com freqüências da ordem de 1/10.000ou menos; as exceções são dadas quase sempre por uma ououtra condição excepcionalmente mais freqüente em algunsgrupos étnicos, como é o caso da fibrose cística em popula-ções de extração nórdica, da doença de Tay-Sachs em judeusde extração asquenazi e da anemia falciforme entre indiví-duos de origem africana. Essa raridade é explicada pelo fatode que qualquer característica genética só pode ser difundidana população por mutações, que ocorrem espontaneamente comfreqüências insolitamente baixas, ou por meio de portadoresdo gene mutante, que o transmitem a seus descendentes; comoa característica é patológica, redunda direta ou indiretamentena diminuição da probabilidade de reprodução de seus porta-dores, de modo que se não fosse pelas mutações (que são capazesde manterem os genes mutantes patológicos apenas em fre-qüências muito baixas) os genes patológicos desapareceriamtotalmente das populações, uma vez que os portadores de alelosnormais desses genes possuem uma eficiência reprodutiva maiorque os afetados, então submetidos aos efeitos da seleção na-tural. Apenas os genes autossômicos alterados que são total-mente recessivos podem se acumular na população emheterozigotos assintomáticos, que vão se tornando cada vezmais freqüentes; com isso, acaba ficando provável a forma-ção de um casal de heterozigotos. Um filho homozigoto recessivodesses casais (que nasce com probabilidade de 25%) será afetadoe, portanto, objeto de seleção natural, o que impedirá que ogene continue a aumentar de freqüência na população.

Principais Características das Doenças Condicionadas porMecanismo Autossômico DominanteEm relação a doenças condicionadas por genes autossômicosdominantes, os afetados são heterozigotos; apenas em duas(das cerca de três mil com esse mecanismo confirmado ou pro-vável) dessas doenças conhece-se o fenótipo dos homozigotosquanto ao alelo que causa a doença, os quais ocorreram porcausa de circunstâncias excepcionais: na acondroplasia, cujofenótipo (nanismo) favoreceu a formação de casais de afeta-dos heterozigotos, e na hipercolesterolemia familial, em queafetados heterozigotos (tipicamente com história de aciden-tes vasculares na terceira ou quarta décadas de vida) ocorremcom freqüência relativamente alta na população (da ordem de1/500); do casamento ao acaso entre alguns desses heterozigotos

(com chance de 1/500 × 1/500 = 1/250.000) nasceram algunsafetados homozigotos (com um quarto da chance anterior, ouseja 1/1.000.000), portadores de quadros gravíssimos deateroesclerose generalizada e acidentes vasculares ocorrendoem média já antes da puberdade. De certo modo, é como se aforma grave fosse determinada por mecanismo autossômicorecessivo, se considerar-se que os afetados heterozigotos estãopraticamente isentos de seleção natural, uma vez que a doençaneles se manifesta tardiamente.

Fora essas exceções, no entanto, não se conhece o fenótipocorrespondente aos homozigotos e a dominância foi definidade modo condicional (“dominância condicional”), uma vezque os heterozigotos Aa manifestam uma doença e, de casa-mentos entre pessoas afetadas e normais em média nascemcrianças normais e afetadas em proporções aproximadamenteiguais, o que coincide com o esperado teórico de cruzamen-tos Aa × aa = 1/2 Aa: 1/2 aa. Entretanto, é provável, como foiverificado nos casos da acondroplasia e da hipercolesterole-mia familial, que o fenótipo correspondente aos homozigotosseja sempre diferente e muito mais grave (provavelmente le-tal) que o dos heterozigotos.

Quatro fenômenos importantes observados na herança autos-sômica dominante de caracteres patológicos são: ocorrêncianatural de casos decorrentes de mutação nova, penetrância incom-pleta, expressividade variável e antecipação clínica.

Pelo fato de ocorrerem na população com freqüência insoli-tamente baixa (em geral da ordem de 1/10.000 ou menos) quasesempre os casos de doença autossômica dominante são isola-dos, resultando de mutações novas (quando se tiver certeza deque isso realmente ocorreu, o termo mais adequado para taiscasos é o de esporádicos). Por isso não causam estranheza o fatode uma parte considerável dos casos dessas doenças serem es-porádicos e o fato de, mesmo entre casos familiais, geralmentese poder localizar o primeiro afetado resultante de mutação nova.

Outra característica comum nas características patológi-cas autossômicas dominantes é a penetrância incompleta: ti-picamente uma fração dos heterozigotos quanto a esses genesnão apresenta manifestações fenotípicas detectáveis. Quando

TABELA 36.3 – Resultados possíveis em casamentosenvolvendo locos ligados ao X bialélicos, com e sem dominância

GENÓTIPOS NACASAMENTO PROLE (FENÓTIPOS FENÓTIPOS NA PROLE

PARENTAL SEM DOMINÂNCIA) (COM DOMINÂNCIA)

XBXB x XB XBXB 50% Df 50%XB 50% Dm 50%

XBXB x Xb XBXb 50% Df 50%XB 50% Dm 50%

XBXb x XB XBXB 25% Df 50%XBXb 25% Dm 25%XB 25% rm 25%Xb 25%

XBXb x Xb XBXb 25% Df 25%XbXb 25% rf 25%XB 25% Dm 25%Xb 25% rm 25%

XbXb x XB XBXb 50% Df 50%Xb 50% rm 50%

XbXb x Xb XbXb 50% rf 50%Xb 50% rm 50%

Df = fenótipo dominante feminino correspondente ao genótipo XBX- = XBXB

ou XBXb; Dm = fenótipo dominante masculino correspondente ao genótipoXB; rf = fenótipo recessivo feminino, equivalendo ao genótipo XbXb; rm =fenótipo recessivo masculino correspondente ao genótipo Xb

978-85-7241-000-0

Page 10: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

320 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

isso acontece, diz-se que a característica não penetrou, enten-dendo-se por taxa de penetrância a probabilidade de um genótipomanifestar-se fenotipicamente. Em muitas doenças autossômicasdominantes a taxa de penetrância é alta, porém incompleta.Isso significa, na prática, que apenas uma percentagem dosheterozigotos (representada pela taxa de penetrância K) ma-nifesta sinais e sintomas característicos da doença ou defeito.Por exemplo, no retinoblastoma bilateral, em que o genótipodos afetados é Rr, a probabilidade de um indivíduo que her-dou o gene mutante apresentar o tumor da retina entre o nas-cimento e no máximo seis anos de idade (cerca de 80 a 90%)depende de haver acontecido um segundo evento mutacionalinativando o alelo normal r, um gene supressor de tumor, empelo menos um dos cerca de um milhão de retinoblastos doembrião. Nesse caso, a falta de penetrância tem lugar quandonão ocorre esse segundo evento mutacional em estágio em-brionário, o que acontece com probabilidade de 10 a 20%.

Outro conceito importante em genética médica é a expres-sividade, que pode ser definida no caso das doenças autossômicasdominantes como o grau de manifestação fenotípica determi-nado pelo genótipo heterozigoto. A expressividade é tipica-mente muito variável na maioria das doenças determinadaspor mecanismo autossômico dominante. Isso explica porqueo diagnóstico clínico de patologias desse grupo é comumentedifícil, pois alguns afetados apresentam com certa freqüênciasinais e sintomas insuficientes (às vezes ausentes, como nocaso de falta de penetrância de genes com penetrância incom-pleta) para se fechar um diagnóstico de certeza. Em casos familiaisda doença, no entanto, a ocorrência de afetados típicos parentespróximos de um afetado atípico permite fechar o diagnósticode certeza neste último.

O fenômeno da antecipação refere-se à observação, numconjunto de casos familiais da doença, de casos conspicua-mente mais graves e completos nos indivíduos mais jovens,pertencentes às gerações mais recentes. Antigamente explica-va-se o fenômeno exclusivamente na base de uma tendenciosidadede averiguação: entre os afetados pertencentes às gerações maisantigas de um heredograma com casos familiais estão indiví-duos que conseguiram se reproduzir, conseqüentemente me-nos afetados, enquanto as gerações mais recentes contêm umaamostra aleatória de indivíduos com quadros diversos, em geralbem mais graves que os apresentados em média pelos indiví-duos das gerações anteriores. Mais recentemente, no entanto,descobriu-se um certo número de doenças decorrentes de umnovo mecanismo de mutação, uma expansão patológica deseqüências altamente repetitivas de trinucleotídeos que flanqueiamou estão inseridas nos genes correspondentes. Cada vez queo gene é transmitido, pode ocorrer aumento no número de cópiasdessas seqüências; número esse que, a partir de um determi-nado limiar, impede o funcionamento do gene ou altera o seuproduto de modo a desencadear a patologia. Assim, nessasdoenças, o fenômeno da antecipação tem bases moleculares,pois os indivíduos das gerações mais jovens têm quase sem-pre expansões maiores do que os das gerações mais antigas.Estão nesse caso a síndrome do X frágil, que é a síndrome deretardo mental herdado mais freqüente, a distrofia miotônicade Steinert e várias doenças neurológicas, como diversos ti-pos de ataxias cerebelares e a doença de Huntington.

Principais Características das Doenças Condicionadas porMecanismo Autossômico RecessivoNuma população em que os cruzamentos ocorrem ao acasoem relação ao fenótipo e ao grau de parentesco entre os in-divíduos, é como se os indivíduos da geração filial resultas-

sem da combinação ao acaso entre os gametas (espermatozóidese óvulos) produzidos por todos os indivíduos da população.Em relação a um loco autossômico qualquer (por exemplo,o que pode abrigar os alelos A e a), espermatozóides con-tendo os alelos A e a ocorrerão nas freqüências gênicas p eq, respectivamente, o mesmo acontecendo com os óvulos.Combinando-se esses gametas ao acaso, verifica-se que a pro-babilidade de formação de homozigotos AA na geração filialé o produto p × p = p2, da mesma maneira que homozigotos aaocorrerão com probabilidade q × q = q2. Como heterozigotosresultarão de fecundações tanto de óvulos A por espermatozóidesa como de óvulos a por espermatozóides A, eles ocorrerãocom probabilidade p × q + q × p = 2pq. Em relação a doen-ças determinadas por padrão autossômico recessivo, a fre-qüência de heterozigotos não-afetados na população é 2pq =2% aproximadamente para doenças com incidência ao nas-cimento da ordem de q2 = 1/10.000, correspondentes a genesdeletérios com freqüência q = 1% = 1/100. Como a chancede formação casual de um casal de heterozigotos é 2pq ×2pq = 2% × 2% = 1/50 × 1/50 = 1/2.500 e como a chance denascimento de um afetado na prole de casal de heterozigotosé um quarto, chega-se à probabilidade de na população ocorrerum homozigoto filho de dois heterozigotos, que é o produto1/2.500 × 1/4 = 1/10.000, que é a própria freqüência da doençaao nascimento.

O importante a guardar disso tudo é que basta nascer umacriança afetada por uma doença recessiva qualquer para seficar sabendo que o gene causador do defeito está presenteem heterozigose nos genitores. A não ser nos casos em queocorram casamentos consangüíneos ou em que o alelo recessivoresponsável esteja em freqüência elevada em certos grupospopulacionais, a doença em geral ficará restrita tipicamente aapenas uma irmandade, ao contrário do que pode ser obser-vado nos outros mecanismos de herança.

Um fenômeno comumente associado a doenças causadaspor esse tipo de mecanismo é a consangüinidade parental, quese encontra aumentada praticamente em todas as doençasautossômicas recessivas conhecidas. Quanto mais raro for ogene, maior será a taxa de consangüinidade parental: por exemplo,no caso da fenilcetonúria (freqüência populacional da ordemde 1/10.000) cerca de 10 a 20% dos casais parentais são pri-mos em primeiro grau; na aquiropoidia (uma amputação con-gênita extremamente rara de membros registrada apenas noNordeste do Brasil) todos os afetados resultaram de uniõesconsangüíneas. No capítulo sobre cálculo de riscos, que po-derá ser consultado pelos interessados em detalhes de dedução,será mostrado que, enquanto na prole de casais não-consangüí-neos a probabilidade de uma criança qualquer nascer afetada éq2, essa mesma probabilidade toma o valor literal q2 + pq/16 naprole de primos em primeiro grau. Caso se divida essa últimaprobabilidade por q2 obter-se-á quantas vezes é mais provávelocorrer um caso da doença na prole de primos do que na decasais não-aparentados: RR = [q2 + q (1–q)/16]/q2 = 1 + (1–q)/16q. Para um valor de q = 1% essa expressão toma o valor 1 +99/16 = 7,1, o que significa, por exemplo, que a chance de ocorreruma criança afetada por fenilcetonúria na prole de primos emprimeiro grau é sete vezes maior que a chance correspondenteà prole de casais não-consangüíneos.

Principais Características das DoençasCondicionadas por Mecanismo RecessivoLigado ao Cromossomo XEm relação a doenças determinadas por mecanismo recessivoligado ao cromossomo X, os afetados são homens hemizigotosque recebem o gene de mães heterozigotas ou que resultam

978-85-7241-000-0

Page 11: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 321

SEÇÃ

O 5

de mutações novas. São descritos raríssimos casos de mulhe-res afetadas. Algumas são homozigotas (nesse caso, todas re-sultantes de casamentos entre afetados e mulheres delesaparentadas); outras excepcionalmente são heterozigotas comdesvio muito acentuado da inativação ao acaso de um dos cro-mossomos X, de tal modo que a grande maioria dos cromos-somos X inativados são os que albergam o alelo normal, oque favorece a manifestação do fenótipo.

Principais Características das DoençasCondicionadas por Mecanismo DominanteLigado ao Cromossomo XEm relação a doenças determinadas por mecanismo domi-nante ligado ao X, as afetadas são quase sempre mulheresheterozigotas, que em geral, possuem quadros clínicos bemmais brandos que os apresentados por homens hemizigotosquanto ao gene. Isso ocorre por efeito da lyonização, pelofato de que as mulheres são um mosaico quanto a esses genes,possuindo em média apenas esses genes funcionando em metadede suas células – na outra metade estará funcionando o alelonormal. É comum a ocorrência de fenótipos letais em ma-chos, muitos desses fenótipos sendo desconhecidos por de-terminarem a eliminação do concepto em fases precoces dodesenvolvimento. Em razão disso, observa-se comumente atransmissão da característica dentro das famílias apenas porintermédio de mulheres afetadas.

Principais Características das Doenças Condicionadas porMutações no DNA MitocondrialAs mitocôndrias são as únicas organelas nas células animaisque contêm DNA próprio, chamado de DNA mitocondrial(DNAmt). Pode haver centenas ou milhares de mitocôndriaspor células e cada uma pode conter várias moléculas de DNA.O DNAmt humano é uma molécula de DNA circular, commais de 16.000 pares de bases de comprimento distribuídosem 37 genes mitocondriais que contêm a informação neces-sária para codificar 13 polipeptídeos, 22 tipos de RNA trans-portador e dois tipos de RNA ribossômico. No entanto, umamitocôndria humana é incapaz de funcionar adequadamentede maneira independente do genoma nuclear, pois os demaispolipeptídeos que atuam nas mitocôndrias são codificados porgenes localizados nos cromossomos, no núcleo.

Estudos de grandes genealogias documentaram a claraherança materna das doenças causadas por mutações do DNAmitocondrial. Nesse mecanismo de herança, todas as mulheresafetadas pela doença podem ter descendentes afetados. Entre-tanto, homens afetados nunca têm filhos ou filhas afetados.Isso ocorre porque as mitocôndrias de um indivíduo são herdadasde sua mãe, ou seja, as mitocôndrias de um indivíduo resul-tam da multiplicação das mitocôndrias originadas de sua mãe,presentes no ovócito por ocasião da fecundação. Em geral,os humanos não herdam o DNA mitocondrial presente nosespermatozóides, pois as mitocôndrias de origem paterna sãodestruídas após a fecundação.

Quando ocorrem mutações no DNA mitondrial das célulasda linhagem germinativa de um indivíduo, pode se instalaruma doença de herança mitocondrial na sua descendência. Demaneira geral, os sintomas presentes nas doenças de herançamitocondrial compreendem alterações de diversos tecidos, sendoas principais: miopatia, alterações neurológicas, atrofia óptica,diabetes e surdez. Acredita-se que esses sinais e sintomas ocorramnas doenças de herança mitocondrial porque a maioria dasmutações já descritas afeta a eficácia do mecanismo de fosforilação

oxidativa e, portanto, a produção de ATP. Tecidos com eleva-das demandas de ATP ou que são submetidos a alterações muitorápidas da demanda de ATP seriam os primordialmente afeta-dos pelas mutações que alteram o DNA mitocondrial.

O fenômeno da expressividade variável dos quadros clínicosé notável nas genealogias em que segregam as mutações mito-condriais. Geralmente, o grau de variabilidade dessa expres-sividade é muito maior do que o observado em distúrbiossemelhantes de herança autossômica dominante. Por exemplo,a surdez hereditária de herança mitocondrial tem um grau deexpressividade clínica variável muito maior do que a surdezde herança autossômica dominante.

Parte da expressividade variável observada nas doenças deherança mitocondrial tem sido explicada pela observação de, nomesmo indivíduo, e às vezes até mesmo dentro de um mesmotecido, poderem ocorrer moléculas de DNA mitocondrial comseqüências normais apenas, coexistindo com moléculas de DNAmitocondrial mutadas. Esse fenômeno, chamado de heteroplasmia,é freqüente na herança mitocondrial e explica em parte porqueórgãos, tecidos ou mesmo indivíduos da mesma família podemexibir graus da afecção tão distintos.

No entanto, mesmo nas famílias que segregam doenças mi-tocondriais para as quais a heteroplasmia é rara ou excepcional,ocorre também expressividade variável dos sinais e sintomas.Fatores ambientais, como a história de estresse oxidativo, ouso de medicamentos e o estilo de vida do indivíduo podeminfluenciar a gravidade das manifestações. Outro fator tam-bém capaz de influenciar o quadro clínico seria a variabilida-de genética presente em diversos outros locos do genoma nuclear,cuja função também é codificar produtos gênicos que atuamnas mitocôndrias.

Principais Características das DoençasCondicionadas por Mecanismo MultifatorialNo mecanismo conhecido como multifatorial, o fenótipo dosindivíduos resulta da ação integrada de genes localizados emvários locos espalhados pelos diversos cromossomos (meca-nismo poligênico) e de sua interação com fatores não-genéti-cos comumente referidos como ambientais.

A maioria dos defeitos e malformações presentes ao nas-cimento é determinada por esse tipo de mecanismo. São exemplostípicos o lábio leporino (com ou sem palato fendido), os de-feitos de fechamento de tubo neural (as espinhas bífidas, asmeningomieloceles e a anencefalias), os diversos tipos de pétorto congênito, a estenose hipertrófica do piloro e a luxaçãocongênita do quadril. Apenas esses defeitos contribuem comum total de afetados ao nascimento de quase 1%. Também sãocondicionadas por esse tipo de mecanismo doenças comunsna população, geralmente nos grupos etários um pouco maisavançados, como a úlcera péptica gastroduodenal, a epilep-sia, a hipertensão arterial, muitos casos de diabetes melito doadulto e os transtornos do humor. Ao contrário dos defeitosdeterminados por mecanismo monogênico, que tipicamentesão raros na população e possuem risco de repetição elevadoquando de ocorrência familial, os defeitos multifatoriais sãorelativamente freqüentes na população (taxas da ordem de 1/1.000 ou mais) e possuem risco de repetição pequeno ou des-prezível (tipicamente da ordem de 5% ou menos).

Outra diferença sutil é o limiar de manifestação, aqui repre-sentado por uma carga de alelos deletérios no sistema poligênico,como mostrado no esquema da Figura 36.9, que exibe a distri-buição hipotética, numa população, de todos os genótipos pos-síveis quanto ao sistema poligênico associado a um determinadodefeito multifatorial. A freqüência populacional da doença estáindicada pela área escurecida: se essa área corresponder, por

978-85-7241-000-0

Page 12: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

322 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

exemplo, a 1/1.000 da área total da função distribuição dosgenótipos, isso significa que a freqüência do defeito é 1/1.000.

Na Figura 36.9 os genótipos estão ordenados desde umque só contém genes normais (An) até um formado inteira-mente por genes deletérios (an), em que n é o número totalde genes do sistema; na realidade o sistema poligênico é formadopor muitos pares de genes (A,a; B,b; C,c; etc) localizadosem locos espalhados pelos diversos cromossomos, mas comoos efeitos de todos os genes indicados por letras maiúsculasé aproximadamente o mesmo (da mesma maneira que os efeitosdos designados por minúsculas), usam-se apenas duas letras:assim, o genótipo Ana0 designa um indivíduo AABBCC...,enquanto o genótipo A0an indica um indivíduo com genótipoaabbcc... Para que a doença ou defeito se manifeste é preci-so que o indivíduo possua em seu sistema um certo númerode genes deletérios, além das condições ambientais adver-sas necessárias ao desencadeamento do processo. Para se explicaros defeitos congênitos, postula-se que a finalidade do siste-ma poligênico íntegro é permitir o desenvolvimento da es-trutura embrionária, protegendo-a adequadamente da intervençãode fatores ambientais nocivos. Quando o sistema não estáíntegro e têm lugar esses fatores não-genéticos, instala-se odefeito, que será proporcionalmente mais grave quanto maiorfor o lote de genes deletérios acumulados em seu sistemapoligênico. Existem condições multifatoriais com limiar demanifestação gritantemente diferente nos dois sexos. É o caso,por exemplo, da luxação congênita do quadril, em que seteoitavos de todos os afetados são de sexo feminino. Como osmeninos estão de alguma maneira protegidos de desenvol-verem o defeito, precisam ter em média mais genes deleté-rios que as meninas, por isso o limiar do defeito neles estámais próximo da extremidade direita do gráfico. Isso faz comque o risco de repetição do defeito em famílias com meni-nos afetados seja bem maior que o de famílias com meninasafetadas apenas.

Análise de HeredogramasOs heredogramas representados nas Figuras 36.10 a 36.15 sãotípicos dos quatro possíveis mecanismos de herança monogê-nica: autossômico dominante (com penetrância completa ouincompleta), autossômico recessivo, ligado ao X recessivoou dominante. Na Figura 36.16, apresenta-se o mecanismode herança mitocondrial. Em todos esses heredogramas, ossímbolos escurecidos representam indivíduos afetados por umadoença hereditária; a exceção é dada pelos símbolos escure-cidos de tamanho menor, que indicam insucessos reprodutivos(abortos ou óbitos fetais). Os quadrados representam indiví-duos de sexo masculino e os círculos indivíduos de sexo fe-minino; indivíduos com sexo desconhecido ou não pertinente

ao problema são representados por losangos. As gerações sãodenotadas por algarismos romanos (I, II, III, IV etc. da maisantiga a mais recente) e os indivíduos de cada geração poralgarismos arábicos. Com finalidade apenas de facilitar a lei-tura do texto, foram inseridos nos símbolos que representamos diferentes indivíduos os genótipos a eles correspondentes.

É preciso ter sempre presente o fato de que as doenças here-ditárias, com raras exceções, ocorrem na população com fre-qüências insolitamente baixas, em geral da ordem de grandezade 1/10.000 ou menos. Disso resulta que os afetados por doençasautossômicas dominantes são quase sempre heterozigotos.

No caso de doenças ligadas ao cromossomo X, tanto recessivasquanto dominantes, as mulheres que transmitem o gene são sempreheterozigotas; os poucos casos de mulheres homozigotas quantoa genes recessivos deletérios ligados ao cromossomo X sur-giram de casamentos consangüíneos entre heterozigotas e primosafetados hemizigotos, tendo ambos recebido o gene respon-sável pelo defeito de sua avó comum heterozigota.

No caso de doenças autossômicas recessivas os afetadossão homozigotos com genitores heterozigotos; apesar de afreqüência de heterozigotos para esses genes ser relativamen-te alta na população (freqüência de 2% no caso de doençasque ocorrem na população na freqüência de 1/10.000), paranascer um afetado é preciso que os dois genitores sejamheterozigotos (probabilidade 2% × 2% = 4/10.000) e que ambostransmitam o gene deletério para a prole (probabilidade 1/2 ×1/2 = 1/4), o que resulta na freqüência populacional de afeta-dos 4/10.000 × 1/4 = 1/10.000); vê-se assim que numa famíliaqualquer com afetados deve ocorrer somente um casamentoentre dois heterozigotos (os genitores do afetado) e que difi-cilmente ocorrerão heterozigotos fora do ramo da família quecontém os afetados (que também, pelo raciocínio desenvol-vido mais anteriormente, ocorrerão em apenas uma irmanda-de); violações a essas regras só são encontradas em casos defamílias com casamentos consangüíneos (que tipicamente sãoencontrados com maior freqüência entre os progenitores deafetados, por favorecerem o encontro de duas pessoas hetero-zigotas quanto a um mesmo gene patológico herdado de umascendente comum delas) ou no caso de algumas doençassabidamente freqüentes em alguns grupos populacionais, comoé o caso da anemia falciforme na África equatorial e da fibrosecística entre nórdicos.

No heredograma da Figura 36.10, I-1 é afetado e casado comI-2. Os filhos do casal são cinco (II-1 a II-5), e II-2, II-4 e II-5são afetados. II-5 (afetado) casou-se com II-6 (pertencente auma irmandade de seis indivíduos, dois dos quais constituemum par de gêmeos dizigóticos (II-10 e II-11); nessa irmandadeuma gestação terminou em aborto de sexo não determinado(provavelmente porque foi muito precoce, cerca de dois meses

Figura 36.9 – Modelo do mecanismo multifatorial

Condições ambientais adversas

Limiar

Ana0 A0an

Normalidade Doença

Figura 36.10 – Heredograma 1 (herança autossômica domi-nante): heredograma típico de uma doença rara na populaçãodeterminada por mecanismo autossômico dominante com pe-netrância completa

I

1 2 3 4

Aa aa aa aa

II aa Aa aa Aa Aa aa aa aa aa aa aa

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

III aa aa Aa aa Aa

1 2 3 4 5

978-85-7241-000-0

Page 13: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 323

SEÇÃ

O 5

de idade gestacional). Do casal II-5/II-6 nasceram cinco crian-ças, duas das quais (III-3 e III-5) são afetadas. A menina III-3é o propósito (ou caso índice); o propósito é o primeiro indiví-duo estudado da família, geralmente afetado, que motiva o levan-tamento do heredograma; sempre é assinalado por uma seta.

O padrão de transmissão da doença nessa família represen-tada na Figura 36.10 é claramente autossômico dominante, poisexistem afetados em todas as gerações e os afetados pertencemaos dois sexos. Fica claro também, como será detalhado maisadiante, que os afetados são heterozigotos, pois aqueles que sereproduziram tiveram crianças normais e afetadas.

O mecanismo de herança ligado ao X é excluído com cer-teza absoluta pelo fato de ocorrerem duas transmissões da doençade pai afetado para filho de sexo masculino. A herança autos-sômica recessiva é afastada, pois as mulheres I-2 e II-6, nessahipótese, precisariam ser ambas heterozigotas; não sendo apa-rentadas biologicamente de seus maridos (homozigotos recessivosna hipótese de herança autossômica recessiva), a chance dissoocorrer é muito baixa, uma vez que todas as doenças aqui apre-sentadas são raras na população.

Todos os indivíduos representados por símbolos escureci-dos são heterozigotos Aa (em que A é o alelo que determinaa doença e a o seu alelo normal), pois homozigotos AA ocor-rem em situações muito excepcionais: por exemplo, naacondroplasia, resultantes de casamentos entre dois heterozigotosafetados; conhecem-se menos de 10 casos de prole afetadaAA desses casamentos e os defeitos ósseos são gravíssimos,com a maioria dos afetados falecendo durante os dois ou trêsprimeiros anos de vida; em outras doenças a chance do casa-mento dependeria do encontro casual de dois afetados, cadaum deles ocorrendo numa freqüência da ordem de 1/10.000ou menos. Caso se trate de doença determinada por gene autos-sômico dominante de penetrância completa (indicando que todosos seus portadores apresentam o fenótipo completo ou incompletoque caracteriza a doença), todos os indivíduos da genealogiarepresentados por símbolos claros são aa.

Em heredogramas como esse, típicos de doença autossô-mica dominante, é comum a doença aparecer pela primeiravez num indivíduo que é filho de genitores normais, por efeitode mutação nova. No heredograma que se está analisando,por exemplo, o indivíduo I-1 tinha genitores normais e é comprobabilidade alta (com certeza caso a penetrância seja completa)o primeiro indivíduo portador do gene mutante A na família.

O risco de repetição da doença numa criança que tanto ocasal I-1/I-2 como o casal II-5/II-6 venham a ter é estimadoem 50% ou meio, pois para a doença se manifestar num in-divíduo qualquer, basta que ele receba de seu progenitor afetado

heterozigoto o gene A. Esse também será o risco de recorrênciada doença na prole dos afetados II-2, II-4, II-5, III-3 e III-5,caso eles venham a se casar (como acontece geralmente) compessoas normais não-aparentadas. O risco para a prole de todosos indivíduos normais da genealogia (incluindo o casal já consti-tuído I-3/I-4) é desprezível, da ordem de grandeza de zero.

O heredograma da Figura 36.11 mostra a segregação deuma doença autossômica dominante de penetrância incom-pleta, pois um dos membros do casal I-1/I-2 e o indivíduo II-5, todos fenotipicamente normais, são na verdade heterozigotosAa, uma vez que tiveram filhos normais e afetados.

O casal I-3/I-4 e todos os seus filhos são aa, da mesmamaneira que um dos membros do casal I-1/I-2; todos os filhosnormais dos casais I-1/I-2 e II-5/II-6, no entanto, podem seraa ou Aa não-penetrantes.

A configuração genealógica observada poderia também serexplicada, à primeira vista, por uma doença de herança autos-sômica recessiva, mas diante da raridade das doenças genéti-cas em geral na população, é muito pouco provável que a mulherII-6 fosse também heterozigota quanto ao gene que está se-gregando na família biológica de seu marido II-5.

No caso de penetrância incompleta com taxa K, o riscopara a prole de afetados ou de portadores do gene fenotipicamentenormais (como é o caso de I-1 ou I-2 e de II-5) é estimado emR’ = K/2, ou seja, para uma criança nascer afetada é precisoque o genitor heterozigoto afetado transmita o alelo mutante(probabilidade 1/2) e que o alelo, uma vez transmitido, pene-tre originando a doença (probabilidade K); um valor de K daordem de 80%, o risco reduz-se, portanto, a 1/2 × 80% = 40%.Para a prole de filhos normais de afetados esse risco é calcu-lado aplicando-se a fórmula R” = K (1–K)/[2 (2–K)], deduzidaem detalhe no capítulo sobre aconselhamento genético. A nor-malidade de um filho de afetado pode ser explicada de duasmaneiras: ou ele herdou o alelo normal (probabilidade 1/2)ou herdou o alelo patológico que por acaso não penetrou, eventocomposto com probabilidade 1/2 × (1–K); as chances dessefilho normal ser heterozigoto ou homozigoto estão entre siassim como (1–K)/2 está para 1/2 ou (1–K) está para 1, demodo que a chance de ele ser heterozigoto, dado que é nor-mal, é P (het) = (1–K)/[ (1–K) + 1] = (1–K)/ (2–K) e o riscopara a sua prole é finalmente obtido multiplicando-se P (het)por K/2, obtendo-se o valor final mostrado na fórmula paraR”. No caso de o valor da taxa de penetrância K valer 80%,o valor desse risco é R” = 6,7%.

O heredograma da Figura 36.12, além de ilustrar o meca-nismo da herança autossômica recessiva, introduz mais algunssímbolos usados nos heredogramas. Assim, a união entre osindivíduos III-5 e III-6 indica consangüinidade e está repre-sentada por uma linha dupla, que substitui a simples usada

Figura 36.11 – Heredograma 2 (herança autossômica dominantecom penetrância incompleta): heredograma típico de uma doençarara na população determinada por mecanismo autossômico do-minante com penetrância incompleta

Figura 36.12 – Heredograma 3 (herança autossômica recessiva):heredograma típico de uma doença rara na população determi-nada por mecanismo autossômico recessivo

I

ou

I

Aa aa

1 2

aa Aa

1 2

aa aa

3 4

II –a Aa –a Aa Aa aa aa aa aa aa aa

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

III –a –a Aa –a Aa

1 2 3 4 5

I Bb BB ou BB Bb

1 2 1 2

II BB Bb Bb BB

1 2 3 4

IV bb ? B– bb 3 B–

1 2 3 4 5-7

III B– B– B– B– Bb Bb B– B– B– B– B–

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

978-

85-7

241-

000-

0

Page 14: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

324 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

para assinalar os casamentos entre indivíduos não-aparentadosentre si. O concepto III-10 é um aborto ou óbito fetal de sexofeminino. Os indivíduos III-11 e III-12 são gêmeos monozigóticos.A linha inclinada sobre os símbolos I-1, I-2 e IV-2 indica queeles já faleceram. O ponto de interrogação no interior de IV-2indica que não se sabe se ele era afetado ou não (por exemplo,morreu jovem antes da idade média de manifestação dos pri-meiros sinais e sintomas da doença). O número 3 dentro dosímbolo mais à direita da última geração representa três indi-víduos normais de sexo masculino (IV-5, IV-6 e IV-7).

O mecanismo ligado ao X pode ser afastado por causa daocorrência de afetada de sexo feminino (IV-1) filha de geni-tores normais. A hipótese de herança autossômica dominantecom penetrância incompleta é uma possibilidade, mas nestecaso ela fica enfraquecida pela ocorrência do casamento con-sangüíneo entre III-5 e III-6.

Tipicamente, no mecanismo de herança autossômicorecessivo, os afetados costumam concentrar-se numa únicairmandade. Fortemente indicativo desse mecanismo é a ocor-rência de consangüinidade parental, como aconteceu no he-redograma aqui representado (III-5 e III-6 são filhos de doisirmãos, portanto, primos em primeiro grau). O genótipo dosafetados IV-1 e IV-4 é bb, em que b é um alelo recessivo queem homozigose determina a doença. Em razão disso, os ge-nitores primos em primeiro grau são ambos heterozigotosBb e é mais provável, nesse caso, que os genes presentes emhomozigose nos dois afetados tenham origem comum num

único alelo patológico b presente em dose única em I-1 ou emI-2, os ascendentes comuns do casal de primos. Seguindoesse raciocínio, II-2 e II-3 também são heterozigotos, casa-dos cada um deles com um homozigoto normal BB (II-1 e II-4).Cada um dos irmãos de III-5 (III-1 a) tem, então, chancesiguais (50%) de ser homozigoto BB ou heterozigoto Bb, omesmo acontecendo com os irmãos de III-6 (III-7 a III-12).Finalmente, cada um dos irmãos normais dos afetados (IV-3, IV-5, IV-6 e IV-7) possui chance de ser heterozigoto iguala (1/2)/ (1/4 + 1/2) = 2/3, uma vez que sendo normal e filhode heterozigotos só pode ser heterozigoto Bb ou homozigotoBB com probabilidades que estão entre si assim como 1/2:1/4 ou 2: 1 ou 2/3: 1/3. Isso tudo fica claro caso se considereo esquema mostrado na Figura 36.13, que mostra a distri-buição esperada dos genótipos possíveis na prole de um casalde heterozigotos, excluindo-se a possibilidade de a criançaser bb, uma vez que apresenta o fenótipo dominante: vê-seimediatamente que em duas das três eventualidades quecorrespondem ao fenótipo B- a criança é Bb.

O risco de recorrência do defeito ou doença na prole docasal III-5/III-6 é obviamente 1/4 ou 25%, pois tanto III-5como III-6 são heterozigotos Bb e para que uma próxima criançaque venham a ter nasça afetada é preciso apenas que cada umdeles transmita-lhe o gene b, o que ocorrerá com probabilida-de R = 1/2 × 1/2 = 1/4 ou 25%. O risco de ocorrência de proleafetada nos casais já constituídos I-1/I-2, II-1/II-2 e II-3/II-4,todos do tipo BB × Bb, é desprezível, da ordem de grandezade zero. Quanto aos indivíduos III-1 a III-4, III-7 a III-9 eIII-11 e III-12, cada um dos quais tem chance de heterozigoseBb igual a meio ou 50%, o risco de afecção em sua prole de-penderá de o futuro cônjuge (por hipótese não-aparentado)ser também heterozigoto e de ambos lhe transmitirem o alelob patológico. Para alelos recessivos patológicos que ocorremna população com freqüências da ordem de 1% aproximada-mente, como é o caso dos genes do albinismo e da fenilcetonúria,a freqüência de afetados ao nascimento é da ordem de 1/10.000,mas a freqüência de heterozigotos fixa-se em cerca de 1/50ou 2%. Isso significa que o risco de prole afetada para cadaum desses indivíduos (III-1 a III-4, III-7 a III-9 e III-11 e III-12)será R = 1/2 × 1/50 × 1/4 = 1/400 ou 0,25%, risco esse deordem de grandeza desprezível. Se um desses indivíduos ca-sar-se com um parente, no entanto, o risco será muito maior.Suponha-se, por exemplo, que o indivíduo III-1 venha a seunir com III-9, sua prima em primeiro grau. Cada um possuiuma chance a favor de ser heterozigoto da ordem de 1/2, demodo que o risco para a sua prole é estimado em R = 1/2 ×1/2 × 1/4 = 1/16 = 6,25%. Apesar de esse risco ainda ser re-lativamente baixo, ele está aumentado 6,25/0,25 = 25 vezesem relação ao risco existente na hipótese de qualquer um doscônjuges se casar com uma pessoa não-aparentada. Resta agoracalcular os riscos de prole afetada para os filhos do casal III-5/III-6. O risco para a prole de IV-1 ou IV-4 (afetados) é R =1 × 1/50 × 1/2 = 1%; para a prole de IV-3, IV-5, IV-6 e IV-7o risco correspondente é calculado segundo R = 2/3 × 1/50 ×1/4 = 1/300 ou cerca de 0,3%. Conclui-se, portanto, que orisco de prole afetada só está aumentado significativamente(R = 25%) para o casal III-5/III-6.

O heredograma da Figura 36.14 ilustra um caso típico deherança recessiva ligada ao cromossomo X, como é o da distrofiamuscular progressiva tipo Duchenne.

O mecanismo autossômico recessivo pode ser afastadousando-se a mesma argumentação do caso da primeira genealogia.A herança dominante com penetrância incompleta não podeser afastada, mas é muito pouco provável, pois para se expli-car a configuração da genealogia, baseando-se nesse meca-nismo, seria preciso que os dois heterozigotos não-penetrantes

Figura 36.13 – Genótipos possíveis na prole normal de um casalde heterozigotos, ficando claro que a probabilidade de uma criançanormal ser heterozigota é dois terços

Figura 36.14 – Heredograma 4 (herança recessiva ligada aocromossomo X): heredograma típico de uma doença rara napopulação determinada por mecanismo recessivo ligado ao cro-mossomo X

Bb

B b

Bb

B

b

BB Bb

Bb

bb

I XC XCXC XC XCXc

1 2 3 4

II XC XC XCXC XCXC XC XCXc

Xc XCX– XC

XC

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

III XCX– Xc XCX– Xc XC Xc

1 2 3 4 5 6

978-85-7241-000-0

Page 15: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 325

SEÇÃ

O 5

fossem mulheres (I-4 e II-6) e que os quatro afetados fossemhomens; a chance combinada disso vale (1–K)2. (1/2)6 < 1/1.000para um valor da taxa de penetrância K = 0,8. Como na hipó-tese de mecanismo recessivo ligado ao cromossomo X a pro-babilidade da configuração é um (ou seja, tem de acontecerexatamente o que aconteceu, ou seja, os quatro afetados têmde ser homens e todos eles aparentados entre si por intermé-dio das duas mulheres heterozigotas); chega-se a conclusãoque o mecanismo recessivo ligado ao X é pelo menos 1.000vezes mais provável que o autossômico dominante com pene-trância incompleta.

Como se nota da análise do heredograma, apenas indiví-duos de sexo masculino são afetados. Excepcionalmente, mulheresheterozigotas podem apresentar manifestações da doença, emgeral sob forma bem mais branda que a apresentada em mé-dia pelos homens hemizigotos afetados, como já se observouinúmeras vezes na hemofilia por deficiência do fator VIII oumais raramente na própria distrofia muscular de Duchenne.Evidentemente isso é possível desde que exista um desvio sig-nificativo no processo de lyonização e a mulher tenha inativadona maioria de suas células o cromossomo X contendo o alelonormal. A análise do heredograma mostra ainda que todos osafetados são aparentados entre si pelas mulheres I-4 e II-6,que são heterozigotas obrigatórias quanto ao gene que produza doença. Outro detalhe interessante notado na genealogia eque não deixa dúvidas quanto ao mecanismo de transmissãodo traço patológico é o fato de que a mulher II-6 casou-se emduas ocasiões com indivíduos não-aparentados, e de ambosos casamentos originaram-se afetados. Outra característica im-portante, que não se aplica ao caso da distrofia muscular deDuchenne e a outras condições letais ligadas ao cromossomoX, em que os afetados não conseguem reproduzir-se, é que aprole dos afetados é normal. Um ponto fundamental a se consideraré que se ocorrer transmissão de homem afetado para filho desexo masculino afetado, fica excluída a possibilidade domecanismo ligado ao X, tanto dominante como recessivo.

Chamando-se Xc o gene que em hemizigose determina a doençarecessiva ligada ao X, vem que o genótipo dos afetados II-7,III-2, III-4 e III-6 é Xc. O casal I-1/I-2 e todos os seus filhos (II-1 a II-5) são hemizigotos XC (se homens) ou homozigotas XCXC

(se mulheres). As mulheres heterozigotas certas (genótipo XCXc)são, conforme já mencionado, I-4 e II-6. A afirmação quanto aesta última não deixa dúvidas e no caso de I-4, apesar de ela tertido apenas um filho afetado, teve, por intermédio de II-6, trêsnetos igualmente acometidos. As demais mulheres que ocor-rem na genealogia (II-8, III-1 e III-3) são heterozigotas prová-veis, uma vez que são todas filhas de heterozigotas certas, cadauma com probabilidade de 50% favorecendo a hipótese deheterozigose. Todos os homens assinalados por símbolos cla-ros, sejam parentes em primeiro grau de afetados ou não, sãohemizigotos quanto ao gene normal (genótipo XC).

Da mesma maneira que na situação anterior, será calculadoem seguida o risco de repetição da doença na prole de todos osindivíduos da genealogia representada na Figura 36.14. Os ris-cos de criança afetada na prole dos casais I-3/I-4, II-5/II-6 eII-6/II-10 são de 25% ou um quarto, pois nessas situações asgenitoras são heterozigotas e para nascer uma criança afetada épreciso que herde o cromossomo Y do pai (probabilidade meio)e o cromossomo X com o alelo responsável pela doença da genitoraheterozigota (também com probabilidade meio). O risco finalé obtido multiplicando-se essas duas probabilidades: R = 1/2 ×1/2 = 1/4 ou 25%. O risco de criança afetada na prole de todosos afetados, desde que eles não venham a se casar com mulhe-res aparentadas ou pertencentes a famílias com casos da mes-ma doença, é da ordem de grandeza de zero (ou seja, para nascerum menino afetado seria necessário que ocorresse mutação nova

no cromossomo X recebido da mãe). É importante lembrar que,embora o afetado não transmita o alelo deletério a nenhum dosfilhos homens que tiver, todas as suas filhas serão heterozigo-tas certas, com risco de afecção para a sua futura prole estima-do em um quarto ou 25%. O risco de descendência afetada énulo para o casal I-1/I-2, para os seus filhos II-1 a II-4 e paratodos os demais indivíduos de sexo masculino assinalados porsímbolos claros ainda não mencionados (II-9 e III-5). Quantoao risco de prole afetada para as mulheres heterozigotas prová-veis II-8, III-1 e III-3 é estimado em R = 1/2 × 1/4 = 1/8 ou12,5%, uma vez que cada uma delas tem probabilidade de serheterozigota igual a meio ou 50%.

A Figura 36.15 ilustra um caso típico de transmissão deuma doença dominante ligada ao X, mecanismo relativamenteraro no conjunto das doenças genéticas monogênicas. Comono modo de transmissão autossômico correspondente, ocor-rem afetados em todas as gerações. Nota-se que mulheres he-terozigotas XDXd afetadas têm filhos XD e filhas XDXd afetadoscom probabilidades iguais (25%), enquanto os homenshemizigotos afetados XD não transmitem o defeito para ne-nhum de seus filhos, ao passo que todas as suas filhas sãonecessariamente heterozigotas XDXd afetadas. Nota-se tambémque a configuração do heredograma poderia acontecer sob hipótesede doença autossômica dominante. Sob essa hipótese, a pro-babilidade de ocorrência de cinco afetados de sexo femininoe de cinco meninos normais na prole de II-6, na ordem mos-trada, toma valor (1/2)10 = 1/1.024; sob hipótese de mecanis-mo ligado ao X dominante; no entanto, essa ocorrência seriaa única possível (com probabilidade um). A probabilidadefavorecendo esta última hipótese é, portanto, no caso, cercade 1.000 vezes maior que a outra. Inversamente, caso tivessesido observado apenas um caso de transmissão do defeito depai para filho ou se pelo menos uma das filhas do afetadofosse normal, a hipótese de mecanismo dominante ligado aoX seria afastada.

Figura 36.15 – Heredograma 5 (herança dominante ligada aocromossomo X): heredograma típico de uma doença rara napopulação determinada por mecanismo dominante ligado aocromossomo X

Figura 36.16 – Heredograma 6 (herança mitocondrial): heredo-grama típico de uma doença rara na população determinadapor gene mutante localizado no DNA das mitocôndrias

I xd xdxd xd xDxd

1 2 3 4

III xDxd xd xDxd xDxd xd xDxd xd xd xDxd xd

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

II xd xd xdxd xdxd xdxd xD

xd xDxd xdxd

xdxd

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

I

1 2 3 4

II

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

III

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

978-85-7241-000-0

Page 16: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

326 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

Serão determinados os genótipos de todas as pessoasrepresentadas no heredograma, sob a hipótese de herançadominante ligada ao X, agora bem fundamentada. Todosos indivíduos representados por símbolos claros são he-mizigotos Xd ou homozigotas XdXd normais, enquanto oshemizigotos afetados (símbolos escurecidos) possuemgenótipo XD e as heterozigotas afetadas (representadas porcírculos negros) são XDXd.

Os riscos para a prole dos indivíduos II-1 a II-4 do casalI-1/I-2 e de todos os indivíduos normais das proles de I-3/I-4,II-5/II-6 e II-6/II-10 são desprezíveis, da ordem de grandezade zero. O risco de doença na prole de I-3/I-4 (homem Xd ×mulher XDXd) é de meio ou 50%, pois esse casal pode ter quatrotipos diferentes de filhos, cada um deles com probabilidadede 25%: XD, Xd, XdXd, XDXd. O risco para as proles de II-5/II-6e II-6/II-10 também é de meio ou 50%, com a diferença queagora todas as meninas (que ocorrerão com probabilidade de50%) serão heterozigotas afetadas XDXd ao passo que todos osmeninos (que também ocorrerão com probabilidade de 50%)serão hemizigotos Xd normais, uma vez que o cruzamento parentalé do tipo homem XD × mulher XdXd.

Nesse mecanismo, exemplificado pelo heredograma mostradona Figura 36.16, o defeito é condicionado por gene mutantelocalizado no DNA das mitocôndrias, organelas que provêmdo óvulo, sendo, portanto, transmitidas às crianças de am-bos os sexos pela mãe. A inspeção do heredograma mostraclaramente que as crianças (meninos e meninas) de mulhe-res afetadas são afetadas da mesma forma, contrariamenteao que acontece com a prole de homens afetados, que é sem-pre normal. A situação é complicada quase sempre pela pe-netrância incompleta e expressividade muito variável do geneque determina a doença ou defeito na prole de mulheresportadoras do DNA mitocondrial mutante, geralmente afe-tadas. Desse modo, nem todas as crianças dessas mulheressão necessariamente afetadas, como é o caso do indivíduoIII-10 da genealogia anterior; a distinção importante em relaçãoà herança autossômica dominante é que não ocorrem crian-ças afetadas na prole de homens afetados. A heteroplasmia(presença de cópias de DNA mutante mitocondrial ao ladode cópias normais, em proporções variadas nos diferentesindivíduos) contribui para a expressividade do quadro clí-nico, que costuma ser muito mais variável do que na heran-ça autossômica dominante. Esse tipo de transmissão vemganhando importância crescente em genética médica desdeque se descobriu que uma fração considerável dos casos desurdez não-sindrômica é decorrente de mutações de DNAmitocondrial. Outras doenças e síndromes com manifesta-ções metabólicas, neurológicas, musculares e visuais tam-bém podem ser causadas por mutações no DNA mitocondrial.

METODOLOGIAS CONVENCIONAL,LABORATORIAL E MOLECULAR USADAS NODIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS GENÉTICASMesmo hoje em dia, em que a maioria dos laboratórios degenética humana já dispõe de um arsenal formidável de exa-mes citogenéticos, bioquímicos e moleculares para o diagnósticodas doenças genéticas, muitas continuam sendo diagnosti-cadas por meios clínicos clássicos. A raridade das doençasgenéticas em geral, aliada ao seu grande número (o númerode defeitos, doenças, síndromes, complexos e seqüências con-dicionadas por mecanismo monogênico, multifatorial ou cro-mossômico conhecidos atualmente é da ordem de 10.000)impedem virtualmente que até o especialista em genética médicae clínica adquira experiência clínica prática em todas elas;daí já se ter tornado prática freqüente, principalmente nos

últimos anos, a consulta a bancos de dados comerciais (comoo London Dysmorphology Database e o Possum) ou de do-mínio público e acesso grátis internet, como o OMIM (acrônimode On-Line Mendelian Inheritance in Man), criado pelo ProfessorMcKusick, da Faculdade de Medicina da Universidade JohnsHopkins em Maryland, nos Estados Unidos.

Diagnóstico Clínico das Doenças GenéticasHá geneticistas médicos que se especializaram em dismor-fologia clínica e sindromologia ou adquiriram proficiênciana especialidade trabalhando em serviços gerais de atendi-mento a afetados por doenças genéticas. Pelo menos facul-dades de medicina dos estados de São Paulo e Rio Grandedo Sul e de Brasília já oferecem residência e especializa-ção em Genética Médica e Clínica. Em algumas especiali-dades da medicina, o número de doenças e defeitos genéticosreconhecidos já é de tal monta que pediatras, ortopedistas,neurologistas e dermatologistas, entre outros, ao menos nasboas faculdades dos grandes centros urbanos brasileiros,já recebem treinamento na identificação e orientação de umgrande número delas, quer durante o curso de graduação,quer em estágios finais de internato hospitalar e residênciaou pós-graduação. Nos países desenvolvidos, em que os pro-blemas de doenças nutricionais, infecciosas e parasitáriasjá estão reduzidos a níveis vestigiais, a ênfase no estudo dedefeitos congênitos e doenças genéticas norteia os cursosde medicina e de outras áreas da saúde de ponta a ponta, demodo que todos os especialistas e generalistas médicos saemcom privilegiada formação na área, sendo capazes de lidarpelo menos com as patologias genéticas mais comuns emsuas clínicas.

Os métodos de diagnóstico clínico em genética não dife-rem essencial e globalmente dos usados no diagnóstico dasdoenças de Medicina Interna (Clínica Médica Geral), de Clí-nica Cirúrgica e das especialidades, mas com freqüência osgeneticistas humanos, médicos e clínicos, no exame físico depacientes portadores de defeitos congênitos e de doenças genéticasutilizam-se, sistematicamente, da pesquisa de pequenos sinais,os quais, apesar de destituídos de importância clínica prática,são muitas vezes os responsáveis pelo perfeito enquadramentodos afetados em uma patologia específica.

Adquirem especial importância na anamnese dos casos ahistória familiar e o estudo do heredograma da família. Algu-mas vezes, a informação contida no heredograma permite es-tabelecer-se com segurança o modo de transmissão do defeitoe assim realizar o aconselhamento genético da família mesmona ausência de um diagnóstico definitivo do problema que nelasegrega. Outras vezes, o conhecimento do mecanismo de herançaajuda a fechar o diagnóstico clínico.

Certas doenças e defeitos comuns na prática da genéticaclínica, como o retardo mental e a surdez, possuem alto graude heterogeneidade, pois incluem, além de casos comprova-damente condicionados por vários mecanismos monogênicos(no caso dos dois exemplos, todos os mecanismos possíveis),casos ambientais decorrentes de infecções congênitas de ori-gem pré-natal, de exposição a drogas, fármacos e agentes fí-sicos e químicos durante a gravidez, de falta de assistênciaadequada ao pré-natal, ao parto, ao recém-nascido e à criançanos primeiros anos de vida. Embora esses problemas todossejam típicos de países pobres, subdesenvolvidos e em desen-volvimento, mesmo nos países desenvolvidos esses fatores sãoresponsáveis ainda por uma fração considerável dos casos dosdois defeitos citados como exemplo. À guisa de comparação,a freqüência de casos de surdez congênita não-sindrômica noBrasil decorrentes de causas ambientais chega a 80%, pelo

978-85-7241-000-0

Page 17: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 327

SEÇÃ

O 5

menos nas áreas rurais, enquanto nos Estados Unidos a pro-porção de casos não genéticos do defeito foi estimada emcerca de 40%. Diante de um caso qualquer, seja de retardoseja de surdez, devem ser averiguados cuidadosamente, pormeio de uma história bem colhida, todos os fatores ambien-tais de risco mencionados anteriormente.

Outra curiosidade interessante típica das doenças genéti-cas é que casos isolados nas famílias costumam ter o diagnós-tico estabelecido com certa dificuldade, dado o grau extremode variação da expressividade clínica de muitas dessas doen-ças, em especial as determinadas por mecanismo autossômi-co dominante, em que é inclusive comum a existência deportadores aparentemente assintomáticos (não-penetrantes).A ocorrência de outros afetados na família, por outro lado,facilita muito esse diagnóstico, pois às vezes o propósito nãoapresenta um quadro típico ou completo da doença, mas umparente próximo deste é portador de quadro típico que nãodeixa dúvidas quanto ao diagnóstico específico da condição.Também em casos familiais de doenças autossômicas domi-nantes de penetrância incompleta é possível, inclusive, a detecção,pela inspeção da genealogia do afetado, de indivíduosheterozigotos não-penetrantes, ou seja, indivíduos que apesarde serem normais, possuem o gene mutante e, portanto, tam-bém risco alto (de 50%) de transmiti-lo à prole.

Diagnóstico Laboratorialdas Doenças GenéticasAo contrário do que se pode pensar, os exames de laborató-rio, em cuja descrição se deterá mais adiante, são usados namaioria das vezes apenas para se confirmar uma suspeita clínicaou para se conseguir separar variantes genéticas de doen-ças heterogêneas condicionadas por mecanismos diferentes,com riscos de recorrência também diferentes e eventual-mente com prognósticos distintos. E a não ser em casos dediferenciação de variantes sutis, muitas doenças genéticaspodem ser diagnosticadas seguramente por meios clínicosapenas. No entanto, é claro que a existência de testes mole-culares veio simplificar isso tudo, pois um único teste é capazde estabelecer definitivamente o diagnóstico numa série decondições de difícil delimitação clínica, como é o caso dassíndromes do cromossomo X frágil, de Prader-Willi, Angelman,Williams, cardiovelofacial e alguns tipos de distrofias mus-culares. Todas essas observações foram feitas para mostrarque os exames de laboratório devem ser norteados para severificar uma hipótese diagnóstica específica, sugerida porum bom exame clínico, o que se aplica de uma maneira gerala uma prática médica bem exercida.

A não ser em poucos casos específicos de doenças e defei-tos metabólicos hereditários, em que o tratamento interferepraticamente no mecanismo básico da doença (como é o casodo uso de dietas na fenilcetonúria ou na galactosemia ou dareposição de hormônio tireoidiano no hipotireoidismo congê-nito), o tratamento das doenças hereditárias é, em geral, sin-tomático e na maioria das vezes apenas cosmético ou paliativo.Em decorrência disso, o diagnóstico exato de variantes gené-ticas de uma determinada doença geralmente não tem aindaimportância na escolha do seu tratamento. Exemplo típico dessasituação é o caso extremamente heterogêneo do retardo men-tal puro ou sindrômico, em que a avaliação, orientação e tra-tamento dos pacientes são realizados ainda por métodos empíricosclássicos basicamente sintomáticos.

Ao contrário das outras especialidades, em que o diagnós-tico é elemento indicador da terapêutica específica a ser apli-cada na melhoria ou cura, infere-se das considerações anterioresque, na área de genética clínica, a principal aplicação será o

aconselhamento genético da família, uma vez que a maioriados defeitos congênitos e doenças genéticas é desprovida detratamento específico. Treinados para tratar e curar doenças,os médicos têm de, forçosamente, se adaptar a essa contin-gência do momento.

O arsenal de métodos laboratoriais de diagnóstico em ge-nética humana, médica e clínica é impressionante, tanto emtermos quantitativos como qualitativos. Uma parte considerá-vel desses exames é dedicada ao estudo dos cromossomos:estes são tão importantes que mereceram tratamento num capítuloà parte desta unidade.

Testes Tradicionais de LaboratórioOs outros exames de laboratório comumente empregados emgenética são testes bioquímicos em geral e moleculares (exa-mes de DNA). Tratar-se-á superficialmente de testes bioquímicosno item desta unidade sobre erros inatos de metabolismo. Adian-tando o raciocínio lá desenvolvido, os erros inatos de metabo-lismo conhecidos, muitos deles com manifestações clínicas nãomuito específicas associadas a quadros de retardo mental, montama um número tal que se tornou praxe, diante de casos de retardoassociado a sinais físicos e a sintomas não muito específicoscomo erupções e manifestações dérmicas inespecíficas, cheiropeculiar do suor e da urina etc., a realização de exames paratriagem de erros inatos de metabolismo, em especial os de meta-bolismo de aminoácidos, carboidratos e mucopolissacárides.Nas regiões mais desenvolvidas, incluindo-se aqui as regiõesSudeste e Sul do Brasil, os hospitais já aplicam em regime derotina alguns testes em recém-nascidos, testes estes dirigidospara patologias que, apesar de raras na população, possuemtratamento simples e altamente eficaz, inclusive em sua pre-venção total, se aplicados em fase pré-clínica. Por exemplo,todos os hospitais da rede pública dos Estados de São Paulo edo Rio Grande do Sul já fazem de rotina os exames de detecçãoda fenilcetonúria e do hipotireoidismo congênito em recém-nas-cidos. Nos países desenvolvidos da Europa Central e do Norte,da América do Norte e na Austrália, esses exames são reali-zados em quase todos os hospitais, em alguns casos (como nodos Estados Unidos) em relação a um número incrivelmente altode defeitos metabólicos hereditários.

Além desses testes, quase sempre realizados diretamente emfluidos orgânicos como sangue, suor e urina, está publicado naliteratura um sem número de exames mais complicados e sofis-ticados que exigem cultivo de células, concentradas a partirde fluidos orgânicos ou obtidas por biópsia.

Apesar do grau de sofisticação técnica, da aparelhagemnecessária, do alto custo dos exames e da dependência cadavez maior da tecnologia de ponta dos países desenvolvidos,tanto os nossos cientistas como a nossa iniciativa privadaforam capazes de se adaptar rapidamente à nova situação,de modo que muitos desses exames já podem ser realizadosem sistema de rotina em muitos laboratórios do Brasil.

Técnicas Moleculares Aplicadasao Diagnóstico das Doenças GenéticasDispõe-se de um número enorme de diferentes e variadas técnicasmoleculares aplicadas ao diagnóstico e ao aconselhamento dasfamílias dos portadores de doenças genéticas. A cada dia, novastécnicas sofisticadas são criadas, tornando quase impossívelem um texto único abranger todas. No entanto, todas elas têmcomo princípio algumas técnicas básicas de estudo da molé-cula de DNA, que serão explicadas a seguir.

A primeira grande inovação que surgiu no estudo dasmoléculas de DNA foi o aparecimento da técnica de Southern

978-85-7241-000-0

Page 18: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

328 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

blotting, desenvolvida pelo pesquisador E. Southern, na décadade 1970. O processo começa com a extração de DNA de umtecido, por exemplo, o sangue de um indivíduo; segue-se ocorte das moléculas de DNA com as chamadas enzimas derestrição. Estas são enzimas extraídas de diversas espéciesbacterianas, cada uma delas com a capacidade de cortar asmoléculas de DNA em seqüências de bases específicas. Issosignifica que uma enzima de restrição deve cortar o DNAobtido de um certo indivíduo sempre nas mesmas posições,ainda que o experimento seja repetido várias vezes. Os frag-mentos do DNA genômico total de um indivíduo, resultantesda clivagem com uma enzima de restrição, são então separa-dos por meio de eletroforese: as amostras do DNA clivadosão aplicadas em poços de um gel poroso, mais comumentefeito de agarose e submetidas a um campo elétrico. Os frag-mentos menores migram com mais facilidade no gel poroso,deslocando-se mais rapidamente do que os fragmentos maio-res. Após a eletroforese, para cada indivíduo corresponderáuma pista em que se deslocaram milhares de fragmentos deseu DNA. No entanto, nessa pista não podem ser identifica-dos quais fragmentos pertencem a um certo cromossomo oua um gene específico. O gel de agarose é colocado então emcontato com uma membrana de náilon, sobre a qual é coloca-da uma pilha de papel absorvente. O gel está colocado sobreum papel de filtro embebido em uma solução tampão. Apósalgumas horas, o tampão que embebe o gel de agarose vaisendo absorvido pela pilha de papel absorvente, carregandoconsigo as moléculas de DNA do gel e transferindo-as para asuperfície da membrana de náilon. A membrana de náilon passaa conter os fragmentos de DNA que estavam no gel, na mes-ma posição e representa, portanto, uma cópia fiel do resulta-do da eletroforese. Para evidenciar nessa membrana um trechoespecífico da molécula de DNA, por exemplo, um gene deuma doença que se deseja investigar, os fragmentos da mem-brana são hibridados com um segmento específico do DNA.Esse DNA previamente conhecido e isolado no laboratório échamado de sonda. Para a sonda evidenciar na membrana osfragmentos que lhe são correspondentes, precisa estar marcada:os processos mais comumente utilizados compreendem amarcação da sonda com isótopos radioativos ou substânciasquimioluminescentes. Assim, a sonda previamente marcada édesnaturada (a hélice dupla do DNA é separada por calor outratamento com solução alcalina). O DNA da membrana tam-bém é tratado para sofrer desnaturação e ambos são postos

em contato por algumas horas, a uma temperatura que permi-ta a hibridação (reconstrução da hélice dupla) entre o DNA dasonda e o DNA imobilizado na membrana. Após a hibridação,aplicam-se métodos que permitam identificar o fragmento quehibridou com a sonda. Por exemplo, no caso de se usaremisótopos radioativos, a membrana é colocada em contato comum filme de raios X, evidenciando-se, assim, a posição dosfragmentos do DNA da membrana hibridados com a sondaradioativa (Fig. 36.17).

Se um indivíduo tiver uma mutação gênica, como por exemplo,uma substituição de uma única base nitrogenada na região doDNA correspondente ao gene da beta-globina, ele pode serum portador da mutação que causa a anemia falciforme (essasubstituição ocorre exatamente no códon correspondente aoaminoácido ácido glutâmico, que é substituído por um resí-duo de valina nos afetados). Essa substituição faz com que oDNA dos portadores deixe de ser cortado pela enzima de restriçãoMst II. Logo, se o DNA de vários indivíduos for cortado comessa enzima, separado por meio de eletroforese e for realiza-do o Southern blotting seguido de hibridação com uma sondaespecífica do gene da betaglobina, padrões diferentes de hibri-dação serão observados nos homozigotos normais, nos hete-rozigotos e nos homozigotos afetados pela anemia falciforme,conforme mostrado na Figura 36.18.

A técnica de Southern blotting permite que se detectem,além das alterações de locais de corte das enzimas de restri-ção, outras mutações como as que aumentam o tamanho deum fragmento de DNA (causadas por inserções) ou as quediminuem o tamanho de um fragmento de DNA (causadas pordeleções). Pode ocorrer até que não haja a hibridação, o quediagnostica a deleção completa do fragmento que hibrida coma sonda específica.

Uma outra técnica, cuja introdução acarretou uma avalanchede inovações na área da genética molecular, foi a chamadareação em cadeia de polimerase (PCR–Polymerase ChainReaction), desenvolvida na década de 1980. A PCR consisteem uma sucessão de reações de replicação de uma moléculade DNA, realizada em tubo de ensaio. Parte-se de uma amos-tra de DNA-alvo, por exemplo, uma certa amostra do DNAgenômico de um indivíduo. São fornecidos os reagentes ne-cessários à replicação do DNA, que incluem os quatro tiposde nucleotídeos na forma trifosfatada, íons e um par de iniciado-res da reação (primers), que são oligonucleotídeos cujas se-qüências de bases são complementares às seqüências de basesque flanqueiam o segmento de DNA que se deseja amplificarpor meio da PCR. A necessidade de um par de iniciadores dareação decorre de uma peculiaridade do próprio mecanismode replicação do DNA in vivo: as polimerases que replicam oDNA são incapazes de iniciar a síntese de uma nova cadeia apartir da cadeia molde; só são capazes de alongar uma cadeiade ácido nucléico preexistente, que lhe fornece uma extremi-dade com carbono 3’ livre na qual serão adicionados os novosnucleotídeos trifosfatados. Na célula viva, os iniciadores (primers)são adicionados por uma RNA polimerase e constituídos porribonucleotídeos que, depois da replicação, são substituídospor desoxirribonucleotídeos. Na reação da PCR, os primerssão sintetizados artificialmente e se constituem de curtos seg-mentos de 15 a 30 desoxirribonucleotídeos. As seqüências debases dos primers são definidas em função de sua comple-mentaridade com a seqüência de bases que flanqueia o seg-mento de DNA que se deseja amplificar. Após sucessivos ciclosde desnaturação do DNA (por aquecimento da amostra), hibridaçãodos primers (com o resfriamento da amostra) e extensão dosfragmentos pela DNA polimerase (a uma temperatura de cercade 72°C), a alíquota de DNA inicial é amplificada milhares devezes, como mostrado na Figura 36.19.

NáilonPapel toalha

Elet

rofo

rese

Papel filtro

Gel deagarose

Cuba com soluçãode transferência

Suporte

Auto-radiografiamostrando as

faixas marcadasSondas de DNA

marcadas em soluçãode hibridação

Figura 36.17 – Representação do método de Southern blotting

978-85-7241-000-0

Page 19: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 329

SEÇÃ

O 5

Nem todo o DNA genômico é amplificado, mas apenas osegmento de DNA compreendido entre o local de hibridaçãode ambos os primers é amplificado. De maneira análoga aoque ocorre na técnica de Southern blotting, a PCR permiteevidenciar, dentre uma coleção de fragmentos de DNA do genomade um indivíduo, apenas um pequeno trecho. As vantagensdessa técnica são inúmeras: pequenas quantidades de DNApodem ser analisadas e o resultado costuma ser obtido muitomais rapidamente do que na técnica de Southern. No entanto,o planejamento dos primers da PCR requer conhecimento prévioda seqüência de bases do DNA-alvo que se deseja amplificar.A PCR, sem dúvida, revolucionou os diagnósticos laboratoriaiscom base no estudo do DNA e permitiu avançar muito tam-bém no que diz respeito ao diagnóstico pré-natal e à identifi-cação individual, com ênfase em questões forenses.

Se um indivíduo for portador de uma substituição de basesem um certo gene que altera o local de corte de uma enzimade restrição, o produto obtido pela PCR de um segmento dessegene pode ser clivado com a enzima. A análise dos fragmen-tos obtidos pode mostrar a presença dessa substituição. Demaneira análoga ao blotting, o tamanho do fragmento ampli-ficado pode indicar uma deleção ou uma inserção de bases. Aausência completa de amplificação de um fragmento revelaa deleção completa da região do gene que está contida entreos dois primers. Uma série de outras técnicas, incluindo opróprio seqüenciamento de bases do DNA, tem a PCR comoa etapa inicial da análise, simplificando muito o estudo devários genes relacionados a doenças.

A técnica que permite estudar de modo mais direto um deter-minado gene é o seqüenciamento do DNA. Essa técnica tam-bém se baseia no mecanismo de replicação do DNA. Umamolécula de DNA que será o alvo do seqüenciamento é hibridadacom um único primer. De modo semelhante ao que ocorre naPCR, uma polimerase do DNA adiciona trinucleotídeostrifosfatados à extremidade 3’ livre do primer e realiza o alon-gamento do segmento, sempre obedecendo às regras de comple-mentaridade de bases em relação à cadeia molde. A estratégia,entretanto, é que parte dos nucleotídeos utilizados na reaçãode polimerização é de nucleotídeos que possuem a pentose coma extremidade 3’ modificada (nucleotídeos didesóxi), que blo-queiam a adição de um novo nucleotídeo na extremidade 3’ apóssua incorporação. Assim, as novas cadeias sintetizadas são in-terrompidas em posições diversas pela adição dos didesoxinu-cleotídeos. Os quatro tipos de didesoxinucleotídeos utilizadosna reação de seqüenciamento podem ser marcados com subs-tâncias fluorescentes de quatro cores distintas (Fig. 36.20).

As cadeias novas sintetizadas são separadas por eletro-forese em gel de acrilamida (no método convencional) ouem capilar contendo um polímero especial, submetido a umcampo elétrico. A cor dos fragmentos que migram no gelou no polímero é analisada por um detector a laser presen-te no aparelho (um analisador também chamado popular-mente de seqüenciador), que transforma os sinais em umgráfico, a partir do qual é deduzida a seqüência de cores,ou seja, das bases da cadeia complementar àquela que foiutilizada como molde da reação de seqüenciamento. O exem-plo do resultado do seqüenciamento de um trecho da molécu-la de DNA é mostrado na Figura 36.21.

SIGNIFICADO DO PROJETO GENOMA HUMANOO Projeto Genoma Humano é um programa de pesquisa interna-cional que foi organizado com o objetivo de seqüenciar comple-tamente o genoma humano, ou seja, obter a seqüência das cercade três bilhões de bases que constituem o lote haplóide de cromos-somos humanos. Esse mesmo consórcio iniciou paralelamenteoutros projetos semelhantes visando ao seqüenciamento do

genoma de outros organismos importantes, como a mosca Droso-phila melanogaster e a bactéria Escherichia coli, modelos emestudos genéticos. O Projeto Genoma Humano começou oficial-mente em 1990 com a previsão de em quinze anos finalizar atarefa. Como o Projeto resultou de uma iniciativa financiadacom verbas públicas, qualquer pessoa pode ter acesso às infor-mações obtidas, gratuitamente, pela internet (http://www.ensembl.org/genoma/central e http://www.ncbi.nlm. nih.gov/genome/central). Coordenado inicialmente por James Watson, o ProjetoGenoma Humano foi concluído sob a direção de Francis Collins.

Figura 36.18 – Detecção da mutação no gene da anemia falciformemediante o uso de enzimas de restrição e da técnica de Southernblotting

5’3’

3’5’

Primer 1Primer 2

Desnaturaçãodo DNA

Hibridaçãodos primers

Extensão dascadeiasCompl. aoprimer 1

Compl. aoprimer 2

5’

3’

3’

5’

5’

3’5’ 3’ 3’ 5’

3’

5’

Figura 36.19 – Esquema mostrando como funciona a técnicada reação em cadeia da polimerase (PCR)

Hemoglobina S – Pro – Val – Glu –– CCT – GTG – GAG –

Hemoglobina A – Pro – Glu – Glu –– CCT – GAG – GAG –

MstII

A

S 1,1kbp

A1,1kbp

1,3kbp

SAA AS SS

Sonda

1,3kbp

978-

85-7

241-

000-

0

Page 20: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

330 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

Em 1998, nos EUA, uma companhia privada foi criada porJ. Craig Venter com o plano ambicioso de também seqüenciartodo o genoma humano, mais rapidamente do que o consórcioda iniciativa pública. Essa empresa, chamada Celera, primeiroexecutou de forma rápida o seqüenciamento do genoma daDrosophila melanogaster, lançando-se em seguida, em 1999,ao desafio do genoma humano. A estratégia utilizada pela Celeraé chamada de shotgunning. Todos os cromossomos foramaleatoriamente quebrados em milhões de pedaços de DNA de2.000 a 10.000 pares de bases de comprimento. Os pedaçosforam inseridos em vetores (foram clonados), por exemplo,em plasmídeos bacterianos, e reintroduzidos em bactérias paraserem multiplicados e depois seqüenciados. A seqüência bru-ta, desordenada, foi gerada em cerca de nove meses. Em se-guida, programas computacionais ordenaram essas seqüências,como se resolvessem um enorme quebra-cabeças. Entretanto,para que as peças do quebra-cabeça pudessem ser colocadasem posição correta, foi preciso utilizar informações já dispo-nibilizadas gratuitamente pela iniciativa pública.

Já na iniciativa do Projeto Genoma público, a estratégia deordenar as peças do quebra-cabeça pelos computadores foitambém utilizada, mas a maior parte das seqüências já haviasido indiretamente ordenada antes do seqüenciamento. Em outraspalavras, os pesquisadores já haviam investido previamentena construção de um mapa físico de cada cromossomo humano.Quando foi executado o seqüenciamento, os pesquisadores játinham uma idéia de onde vinham os pedaços de DNA conti-dos em cada um dos clones (nos chamados vetores, como osplasmídeos já citados), pois esses clones já haviam sido mapeadosantes nos cromossomos humanos.

Usando diferentes métodos para obter e ordenar as seqüências,os dois Projetos comemoraram simbolicamente a conclusãodo seqüenciamento em junho de 2000. No princípio de 2001,as revistas científicas Science e Nature publicaram artigosdedicados à divulgação das conclusões principais a que ti-nham chegado os pesquisadores, após a análise desse “rascunho”

Moldede DNAA T G C C A T T G G A C

dATP ddATPdCTP ddCTPdGTP ddGTPdTTP ddTTP

T

T

T

A

A

A

C

C

C

G

G

G

Figura 36.20 – Uso de nucleotídeos modificados na técnica doseqüenciamento

do genoma humano. Os achados da Celera foram publicadosna revista Science e os do consórcio público foram publica-dos na Nature. Na verdade, nessa ocasião ainda restavam muitaslacunas a serem preenchidas por ambos os projetos e algumasseqüências, difíceis de abordar por motivos técnicos, foramdeixadas para mais tarde. Hoje, em 2008, podemos afirmarque o Projeto Genoma Humano está praticamente concluído,pois muitas dessas lacunas foram preenchidas. Quase todasas seqüências dos cromossomos humanos estão disponíveispara consulta na internet, facilitando muito o trabalho dos geneti-cistas. No entanto, a conclusão do seqüenciamento significaque já se sabe quantos e quais são todos os genes humanos equais suas funções? A resposta é não.

Após a obtenção das seqüências completas dos cromos-somos, elas são submetidas a diversas análises computacionaisque tentam identificar quantos e quais são os possíveis genes aelas correspondentes. O fato de uma seqüência correspondera um possível gene não significa obrigatoriamente que elaseja realmente um gene. Essa comprovação depende de ou-tras análises, como a análise dos RNA mensageiros produ-zidos e dos seus produtos protéicos. Nem sempre é possível,tendo em mãos a seqüência de bases de um gene, prever exata-mente qual é sua função. Além disso, há controvérsias sobrequais os melhores métodos computacionais de se realizar abusca de genes nas seqüências conhecidas. Por isso aindahoje ninguém consegue informar com exatidão quantos sãoos genes humanos. Isso significa que os resultados do Pro-jeto Genoma Humano serão gradativamente compreendidosà medida que se aumentarem as pesquisas sobre o conjuntode transcritos produzidos nas células (Transcriptoma), sobreas proteínas produzidas (Proteoma) e se aperfeiçoarem as ferra-mentas computacionais de análise. Muito ainda resta a fazerpara os geneticistas humanos e clínicos, pois é necessário corre-lacionar as seqüências com a origem de milhares de doençascujos genes responsáveis ainda não foram identificados. Emresumo, o término do Projeto do Genoma Humano não significao término de uma análise genética completa do ser humano,mas apenas a disponibilidade de material bruto para o começodessa análise aprofundada.

Elet

rofo

rese

TA

CG

GT

AA

CC

TG

T A C G G T A A C C T G T C T A A G C A T G G C A T C G A A A T T A A C

Figura 36.21 – Resultado do seqüenciamento de um trecho de DNA

978-85-7241-000-0

Page 21: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 331

SEÇÃ

O 5

Com o seqüenciamento do genoma humano ficou confirma-do que os exons codificadores de partes de cadeias polipeptí-dicas representam de 1,5 a no máximo 3% de todos os cercade 3,1 × 109 nucleotídeos do genoma humano. Convém lem-brar nesse momento que se dá o nome de genoma ao conteú-do total de DNA de um único lote de cromossomos, ou seja,normalmente o termo se refere ao conteúdo genético haplóidede uma espécie. Se os exons correspondem a 3% do nossogenoma, o que são os 97% remanescentes? Em média, a ex-tensão dos íntrons de um gene é cinco a dez vezes superior àextensão dos exons. Isso significa que se pode explicar, tal-vez, o papel de no máximo 30% das seqüências de DNA pre-sentes do nosso genoma. Uma certa fração do remanescentedeve codificar diversas moléculas de RNA, como RNA trans-portador, RNA ribossômico e outros RNA mais recentementedescobertos. As ferramentas atuais de estudo dos genomas nãopermitem ainda prever com precisão quais seqüências corres-pondem exatamente a certos tipos de RNA.

Ainda há muitas seqüências a explicar. Além dos genes,seus íntrons e exons, que ocorrem em cópia única ou poucasvezes reiterados no genoma, existem muitas seqüências de DNAque são repetitivas. Alguns dos genes que ocorrem reiteradasvezes são genes que codificam as histonas, importantes proteínascromossômicas, e os genes que codificam RNA ribossômico.Esses genes ocorrem algumas centenas de vezes no genoma.

Outras seqüências de DNA repetitivas ocorrem nos telômeros,isto é, estruturas presentes nas extremidades dos cromossomos,e que têm enorme importância na manutenção de suas integri-dades física e funcional. De maneira análoga, nos centrômerosde cada cromossomo ocorrem blocos de seqüências curtas erepetidas milhares de vezes, chamadas de DNA satélite. Emregiões próximas ao centrômeros ou em outras localidades doscromossomos há enormes massas desse DNA altamenterepetitivo com pouca atividade transcricional, denominadasgenericamente de heterocromatinas. Um outro tipo interes-sante de DNA repetitivo é o constituído pelas chamadas VNTR(Variable number of tandem repeats). Essas seqüências, de-nominadas de micro ou minissatélites em função do compri-mento da seqüência repetida, ocorrem na mesma posição nosdiferentes indivíduos da população, mas o número de repe-tições da seqüência varia muito de indivíduo a indivíduo. Comoexistem milhares de microssatélites e milhares de minissatélitesespalhados no genoma humano, podem-se explorar as inúme-ras diferenças que se acumulam entre as pessoas da população,utilizando essas seqüências na identificação individual, comoacontece nos testes de paternidade, por exemplo.

No entanto, somando todas as categorias de DNA mencio–nadas até o momento, ainda não se totaliza mais do que umapercentagem mínima do total de nosso genoma. Um dos fatosmais surpreendentes sobre o genoma, confirmado na publica-ção do rascunho da seqüência humana, é que cerca de 45% donosso genoma é composto por elementos repetitivos dispersos(em oposição aos elementos repetitivos denominados em tan-dem, já mencionados no parágrafo anterior). Esses elementosdispersos são divididos em categorias em função de seu tama-nho e propriedades: as duas categorias mais freqüentes são asSINE (Short INterspersed Elements) e as LINE (Long INters-persed Elements). O tipo mais abundante de SINE, chamadade seqüência Alu, ocorre em um milhão de cópias e o tipomais abundante de LINE, chamada L1, acontece cerca de 500.000vezes. O mais surpreendente sobre esses elementos é a suaorigem: cada cópia se originou de um evento de retrotransposição.Em outras palavras, a presença dessas seqüências é decorren-te da existência de elementos genéticos móveis no nosso genomaque se foram duplicando por meio de uma molécula interme-diária de RNA, que foi retrotranscrita em uma molécula de DNA

e que posteriormente se integrou em outro local do genoma. Esseselementos foram se multiplicando no passado evolutivo atéatingir as freqüências hoje observadas. As LINE são elemen-tos capazes de codificar enzimas que permitem a sua própriamobilização no genoma e as SINE muito provavelmente uti-lizaram a maquinaria enzimática das LINE para que pudes-sem ter atingido um número de cópias tão surpreendente. Seesses elementos foram recrutados na estrutura do genoma paradesempenhar alguma função é questão profundamente investi-gada e debatida atualmente.

Além disso, ainda resta uma grande fração do genoma cujafunção é totalmente desconhecida. Esse DNA é referido como“DNA espaçador”. Na verdade, o termo serve apenas pararotular a ignorância sobre o papel de grande fração do DNApresente no nosso genoma.

BASES CROMOSSÔMICAS DAS DOENÇAS GENÉTICASA Citogenética estuda a estrutura, a função e a evolução doscromossomos. A Citogenética Clínica focaliza especialmenteas alterações cromossômicas, os mecanismos que as originame seus efeitos fenotípicos. Seis a sete em cada mil recém-nas-cidos têm uma alteração cromossômica. Essas alterações cons-tituem a causa genética principal de malformações congênitase retardo mental, podendo estar relacionadas também comesterilidade e infertilidade. Entre os abortamentos espontâ-neos de primeiro trimestre, 50% têm anormalidades cromos-sômicas como causa. A comparação entre as freqüências dasanormalidades cromossômicas nos abortamentos e ao nasci-mento mostra o efeito deletério que elas têm sobre o desen-volvimento, chegando a termo apenas pequena fração dosconceptos afetados.

Como Estudar Cromossomos HumanosAs células somáticas humanas têm 46 cromossomos, 23 her-dados de cada genitor. Vinte e dois pares cromossômicos sãosemelhantes no homem e na mulher e se denominam autossomos.O par de cromossomos sexuais é formado por dois cromosso-mos X na mulher e por um cromossomo X e um Y no homem.

Quando uma célula se divide, seus cromossomos progres-sivamente aumentam a condensação e encurtam, permitindovisualizá-los e analisar sua morfologia ao microscópio óptico.Já na célula que não está em divisão, os cromossomos estãomuito distendidos e, apesar de cada um manter sua integrida-de, não permitem a análise morfológica. Assim, para analisarcromossomos são necessárias células em divisão, obtidas apartir de tecidos vivos.

Os cromossomos são analisados nas fases de metáfase ouprometáfase da divisão mitótica que dará origem a duas célu-las com número de cromossomos igual ao da célula-mãe (Fig.36.22). O cromossomo, nessas fases, já está duplicado, con-sistindo em duas cromátides, unidas pelo centrômero (Fig. 36.23).Cada cromátide é formada por uma molécula de DNA asso-ciada a proteínas e esse material é chamado de cromatina.

Os exames cromossômicos pós-natais, para diagnóstico dealterações cromossômicas constitutivas, são rotineiramenterealizados nos linfócitos do sangue periférico, diante da faci-lidade de obtenção do material e da relativa simplicidade datécnica de cultivo. Outros tipos de células podem também serusados, quando a pesquisa de uma determinada alteração exigea extensão da análise, como os fibroblastos obtidos de biópsiasde pele. No diagnóstico pré-natal, a análise cromossômica érealizada em amniócitos ou em células das vilosidades coriônicas.

Para o estudo dos cromossomos dos linfócitos, o sangue é co-lhido com um anticoagulante, a heparina, e após a sedimentação

978-

85-7

241-

000-

0

Page 22: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

332 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

das hemácias, uma alíquota de plasma com os leucócitos emsuspensão é inoculada no meio de cultivo, que contém a fitoe-maglutinina, o agente mitogênico que estimula os linfócitosa se dividirem. Após cerca de 70h de incubação a 37°C, égrande o número de células em divisão. Para se obterem asmetáfases ou prometáfases necessárias à análise, o processode divisão deve ser interrompido nessas fases. Esse bloqueioé feito utilizando-se substâncias, como a colchicina, que im-pedem a formação do fuso mitótico, necessário para a sepa-ração das cromátides dos cromossomos e sua migração paraas células-filhas. Após esse passo, as células são separadas domeio de cultura por centrifugação e tratadas com uma solu-ção hipotônica, para que os cromossomos se espalhem e, as-sim, possam ser claramente vistos, sem estarem emaranhadosuns com os outros. O material é, então, fixado com uma so-lução de metanol e ácido acético. Pingam-se algumas gotasda suspensão de células em fixador sobre lâminas de microscopia

Figura 36.22 – Comportamento dos cromossomos na mitose:no final da divisão são produzidas duas células com o mesmonúmero de cromossomos da célula-mãe. A = anáfase; G = gap;M = metáfase; P = prófase; S = duplicação dos cromossomos;T = telófase

e, após secagem, as preparações estão prontas para serem sub-metidas aos diversos métodos de coloração dos cromossomosque permitem sua análise ao microscópio.

O método de coloração cromossômica rotineiramente uti-lizado nos exames diagnósticos é o que produz faixas clarase escuras (bandas) ao longo dos cromossomos, permitindo iden-tificar todos os pares: as preparações cromossômicas são tra-tadas com uma solução de tripsina e coradas com o corante deGiemsa – bandamento G (Fig. 36.24). Para a classificação doscromossomos levam-se em conta seu tamanho, posição docentrômero e o padrão das bandas. O conjunto de cromosso-mos arranjados aos pares é o cariótipo da célula. O termocariótipo é utilizado também para designar a constituiçãocromossômica de um indivíduo. Por exemplo, o cariótipo deum homem normal é 46, XY e o de uma mulher, 46, XX. Existemnormas que são seguidas internacionalmente para se descre-verem os cariótipos normais e alterados (ISCN, An InternationalSystem for Human Cytogenetics Nomenclature*).

Na análise dos cromossomos deve-se cuidar para que o ní-vel de distensão dos cromossomos seja o adequado para se ob-terem pelo menos 550 bandas no lote haplóide. Cromossomosmais compactados impedem o diagnóstico de muitas alteraçõesestruturais identificáveis pela análise do padrão de bandas G.O poder de resolução da técnica, entretanto, não permite a detecçãode alterações que comprometam menos de cinco milhões depares de bases do DNA e alterações maiores podem passar des-percebidas, caso não produzam mudanças no padrão das bandas.

Hoje é possível a detecção de alterações menores, utilizan-do a técnica de hibridação in situ fluorescente (FISH, FluorescentIn Situ Hybridization) na análise cromossômica. Por exemplo,na pesquisa de uma determinada deleção cromossômica, usa-seum segmento de DNA, a sonda, que contém a seqüência debases do segmento que se supõe deletado. Cópias da sonda sãocolocadas em contato com as preparações cromossômicas, emcondições apropriadas, de modo que ocorra sua ligação (hibridação)com o segmento exatamente correspondente (homólogo). Assondas são previamente marcadas com um fluorocromo. Pode-se,assim, verificar se o segmento está ou não presente no cromos-somo, na análise ao microscópio de fluorescência (Fig. 36.25).

Há sondas disponíveis comercialmente que permitem detectarmicrodeleções cromossômicas já descritas em associação aquadros clínicos específicos (Fig. 36.26). Outras são homólo-gas às porções terminais dos cromossomos, sendo utilizadaspara detectar diminutas translocações e deleções situadas nasextremidades dos cromossomos. As regiões dos centrômerosde cada cromossomo também são identificáveis e, assim, épossível contar o número de cromossomos de um tipo numnúcleo interfásico, portanto, na célula que não está em divi-são (Fig. 36.27). Conjuntos de sondas correspondentes a todaa extensão de um cromossomo – bibliotecas cromossômicas– podem ser hibridadas simultaneamente, o que permite, porexemplo, identificar segmentos cromossômicos adicionais numcariótipo, cujo padrão de bandas não seja característico.

As técnicas de hibridação in situ tornam-se progressiva-mente mais sofisticadas. O uso de fluorocromos de cores diferentespara marcar as sondas permite analisar vários cromossomosao mesmo tempo e até mesmo todos os cromossomos podemagora ser analisados simultaneamente, associando-se as com-binações de fluorocromos diversos a sistemas de filtros espe-ciais e recursos computacionais (cariotipagem espectral eM-FISH). Uma outra técnica, CGH (Comparative GenomicHybridization) evidencia perdas e ganhos de segmentos cro-

Cromátide

Centrômero

Satélite

Constriçãosecundária

A B C

Figura 36.23 – Os cromossomos metafásicos estão duplicados,formados por duas cromátides unidas no centrômero. De acor-do com a posição do centrômero, os cromossomos são classifica-dos em metacêntricos (A), submetacêntricos (B) e acrocêntricos(C). Nos braços curtos dos cromossomos acrocêntricos humanosobservam-se constrições secundárias (onde estão situados os genesque codificam RNA ribossômico) e, em sua extremidade, massasde cromatina mais condensada, os satélites

Duplicação doscromossomos

G1

S G2

P

M

A

T

Interfase

Mitose

Separação dascromátides

* ISCN (1995): An International System for Human Cytogenetic Nomenclature,Mitelman F (ed); S. Karger, Basel, 1995.

978-85-7241-000-0

Page 23: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 333

SEÇÃ

O 5

mossômicos hibridando, com metáfases normais, o DNA obtidoda amostra que se quer testar (marcado para fluorescer emvermelho) juntamente com o DNA de uma amostra de tecidonormal (marcado para fluorescer em verde). A análise dafluorescência dos cromossomos é feita por computador: umsegmento com excesso de verde está deletado na amostrateste e aquele com excesso de vermelho está duplicado nela.O estudo de tumores, que costumam apresentar alteraçõescromossômicas extremamente complexas, é especialmentebeneficiado por essas técnicas.

Alterações CromossômicasOs cromossomos podem ter o número ou a estrutura altera-dos. As alterações do número dos cromossomos decorrem deerros na separação dos cromossomos na divisão celular (não-disjunção cromossômica). Esses erros podem acontecer naformação dos gametas (numa meiose) ou após a união dos ga-metas que formam o zigoto (numa mitose). As alterações estru-turais resultam de quebras nos cromossomos, seguidas de fusãode extremidades que não estavam contíguas. Assim, os seg-

mentos podem ser trocados de posição, perdidos ou duplica-dos. Essas alterações também podem se originar durante aformação dos gametas ou depois da formação do zigoto.

Em geral, as anormalidades cromossômicas não são her-dadas e surgem em cada geração como mutações novas. Issoacontece porque na maioria dos casos há perda ou ganho decromossomos ou de segmentos cromossômicos que levam seusportadores à morte pré ou pós-natal e aqueles que sobrevivemgeralmente não as transmitem para a prole, porque são esté-reis ou apresentam quadro clínico muito grave. Nas pessoasportadoras de alterações estruturais, entretanto, essa altera-ção está freqüentemente equilibrada, ou seja, houve mudançade posição de segmentos cromossômicos, sem que ocorres-sem perdas ou ganhos que produzissem efeitos clínicos. Essesindivíduos podem passar essas alterações para a geração se-guinte, na forma equilibrada ou não, mas entre eles há umaparcela que é estéril, por efeito do rearranjo cromossômicona gametogênese.

A Tabela 36.4 mostra as freqüências dos diversos tipos dealterações cromossômicas entre recém-nascidos.

Alterações Cromossômicas NuméricasOs erros de divisão celular podem resultar em indivíduos comtrês ou quatro vezes o número haplóide (n = 23) de cromos-somos: os triplóides (3n = 69 cromossomos) e os tetraplóides(4n = 92 cromossomos), respectivamente. Ambas as condiçõessão muito raras e letais, provocando quase sempre abortamentoou morte logo após o nascimento. A triploidia é, na maioria dasvezes, resultado de dispermia, ou seja, da participação de doisespermatozóides na fertilização de um óvulo. Pode acontecertambém a produção de um gameta diplóide, por uma falha nadivisão meiótica ou ainda pela fusão de um óvulo com um cor-púsculo polar. A tetraploidia parece resultar principalmente de

Figura 36.24 – Metáfase (A) e cariótipo (B) de uma célula dehomem normal, após bandamento G

A

1

B

2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 X Y

Desnaturação

Hib

rida

ç ão

Sonda de DNAmarcada comfluorocromo

Visualizaçãoao microscópio

de luz UV

Figura 36.25 – Na hibridação in situ fluorescente (FISH), a son-da marcada com um fluorocromo liga-se ao segmento homólogono cromossomo metafásico, que assim é evidenciado. No processo,o DNA da sonda e dos cromossomos é desnaturado (separaçãodas cadeias da hélice dupla) e posto em contato, oferecendo-seas condições para que volte à condição de cadeia dupla (rena-turação). Quando a cadeia dupla é refeita entre o DNA da sondae o do cromossomo (hibridação), o segmento do cromossomopode ser visualizado fluorescente ao microscópio de luz UV

978-

85-7

241-

000-

0

Page 24: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

334 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

um erro mitótico, depois da formação do zigoto, acarretandoduplicação do número total de cromossomos.

Com maior freqüência os erros de separação dos cromos-somos resultam em alterações em um par, que perde ou ganhaum cromossomo, produzindo-se, respectivamente, monossomiasou trissomias (as aneuploidias). Erros mais complexos, queatingem mais de um par ou com ganhos de mais de um cromos-somo podem ocorrer, mas são bem mais raros. Essas altera-ções, mesmo quando afetam um único par cromossômico, sãoencontradas principalmente em abortos. Entre recém-nasci-dos, as monossomias autossômicas não aparecem e a únicatrissomia de autossomos com freqüência significativa é a docromossomo 21, que causa a síndrome de Down, com umaincidência de 1/800 a 1/1.000. As outras duas trissomias com-patíveis com a sobrevivência até o nascimento são as dos cro-mossomos 13 e 18, observadas em 1/10.000 e 1/6.000 nascidosvivos, respectivamente. A maioria dos afetados, entretanto,morre nas primeiras semanas de vida. Algumas outras trissomiasautossômicas, como a do cromossomo 8, podem ser encontra-das em nascidos vivos, se bem que muito raramente e, nessescasos, foram detectadas células normais ao lado das célulastrissômicas, caracterizando um mosaicismo cromossômico.

As aneuploidias dos cromossomos sexuais são mais comuns.Estima-se que 1/400 meninos e 1/650 meninas nasçam comessas alterações. Mesmo a monossomia X (45,X) é encontra-

da entre recém-nascidas (1/5.000), apesar de constituir a al-teração cromossômica individualmente mais freqüente nosabortos. A explicação para a menor letalidade das alteraçõesdo número de cromossomos sexuais está no fato de que umdos cromossomos X nas células somáticas da mulher está inativo,num mecanismo de compensação de dose, ou seja, para com-pensar a presença de dois cromossomos X nas mulheres e umúnico no homem. O número de genes no cromossomo X é muitomaior do que no cromossomo Y, em que se encontram princi-palmente genes que atuam no desenvolvimento e no funciona-mento dos testículos, havendo raros segmentos homólogos aocromossomo X. O silenciamento de um dos cromossomos Xnas mulheres não atinge, entretanto, todos os genes, havendoaqueles que funcionam em dose dupla. Os defeitos produzidospela alteração do número de cromossomos X parecem, assim,decorrer do funcionamento alterado desses genes.

Apesar de as aneuploidias poderem decorrer de erros naseparação de cromossomos, tanto meióticos (Fig. 36.28) comomitóticos (Fig. 36.29), elas resultam principalmente da não-disjunção cromossômica na primeira divisão meiótica mater-na. Estudos da origem do cromossomo extra presente em criançascom síndrome de Down, utilizando polimorfismos do DNA,mostram que em 90% dos casos a não-disjunção foi materna,75% tendo ocorrido na primeira divisão meiótica. Quando ocromossomo extra é contribuído pelo pai, a não-disjunção temchances semelhantes de ter acontecido em qualquer das duasdivisões meióticas. Em cerca de 3% dos casos, a não-disjunçãoé pós-zigótica, ocorrendo, portanto, numa mitose.

Antes mesmo de se saber que a trissomia 21 era a causa dasíndrome de Down, já se detectara a influência da idade maternaem sua incidência. Para mulheres com menos de 35 anos deidade, o risco de nascer uma criança afetada pela síndrome écerca de 1/1.000; esse risco vai progressivamente aumentando,em especial após os 35 anos, quando é de 1/400, atingindo 1/100 aos 40 anos e 1/25, após a idade de 45 anos. Esse risco seaplica também a outras trissomias. A idade materna a partirdos 35 anos constitui-se, assim, na indicação mais freqüentepara o diagnóstico pré-natal de doenças genéticas.

O mecanismo pelo qual a idade materna influencia a ocor-rência de não-disjunção não está esclarecido. Diferentementedo que ocorre na gametogênese masculina, em que a meioseé um processo contínuo a partir da maturidade sexual, na mulhera meiose se inicia por volta do terceiro mês de vida intra-uterina. Por ocasião do nascimento, os ovócitos encontram-seno final da prófase da primeira divisão meiótica, numa faseestacionária – o dictióteno, só retomando a divisão, um a cadaciclo menstrual, a partir da puberdade. Esse “envelhecimento”do óvulo no dictióteno seria o responsável pelo aumento naincidência de não-disjunção cromossômica.

Dissomias UniparentaisA não-disjunção cromossômica pode estar associada a umadissomia uniparental, isto é, os dois cromossomos de um parsão herdados de um mesmo genitor. Por exemplo, num fetotrissômico com dois cromossomos 15 maternos e um paterno,a perda de um dos cromossomos 15, que restabelece o núme-ro normal de cromossomos e permite a sobrevivência, podeprovocar uma dissomia uniparental materna. Outro mecanis-mo é a união de um gameta que tem dissomia de um cromos-somo com outro que tenha nulissomia desse mesmo cromossomo.Pode acontecer ainda a perda de um cromossomo no início dodesenvolvimento; o concepto sobeviverá se uma não-disjunçãorestaurar o par cromossômico, mas terá uma dissomia uniparental.

A dissomia uniparental é diagnosticada quando está asso-ciada a um quadro clínico. Por exemplo, no caso de uma doença

Figura 36.26 – Identificação por FISH de uma microdeleção deum cromossomo do par 17 em paciente com suspeita diagnósti-ca de neurofibromatose tipo 1: a sonda, correspondente ao seg-mento deletado, marcou um único cromossomo 17 (fluorescênciaverde). Nos dois cromossomos 17 também se observam os sinaisde uma outra sonda hibridada ao mesmo tempo, que serviu decontrole para a sensibilidade do teste (fluorescência vermelha)

Figura 36.27 – Trissomia do cromossomo 18 evidenciada em núcleointerfásico pela hibridação de uma sonda do centrômero dessecromossomo

978-85-7241-000-0

Page 25: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 335

SEÇÃ

O 5

recessiva em uma criança, quando apenas um dos genitores éportador da mutação. A presença na criança de duas cópias docromossomo com a mutação proveniente de um dos genitorese nenhum cromossomo do outro genitor torna-a homozigota,manifestando a doença.

Outra conseqüência fenotípica da dissomia uniparental decorredo fenômeno do imprinting genômico: alguns genes que pos-suímos funcionam diferentemente, dependendo da origem paternaou materna. Assim, num dado par desses genes, apenas o ma-terno ou o paterno está marcado para funcionar. Há indicaçõesde que essa marca epigenética é estabelecida durante a gameto-gênese e, desse modo, uma mulher já transmite seus genes ma-ternos e paternos, que são sujeitos a imprinting, com a marcamaterna; o homem os transmite com a marca paterna. Se umindivíduo tem dissomia uniparental de um cromossomo quetem segmentos sujeitos ao imprinting genômico, pode apresentarum quadro clínico que resulta da falta ou do excesso da ati-vidade de gene ou genes que se localizam nesse segmento cro-mossômico. O cromossomo 15 é um dos cromossomos que temsegmentos sujeitos a imprinting; um desses segmentos tem genesativos apenas no cromossomo paterno e, quando a criança tem

dissomia uniparental materna, a falta dos produtos dos genespaternos nesse trecho do cromossomo causa a síndrome dePrader-Willi (hipotonia, obesidade, baixa estatura, hipogona-dismo, comprometimento mental leve a moderado e hiperfagia).Há uma forma de diabetes neonatal, muito rara, que é conseqüên-cia de uma dissomia uniparental paterna do cromossomo 6; nessecaso a doença parece ser causada pelo excesso da atividadegênica de uma região marcada para funcionar apenas no cro-mossomo paterno.

As doenças relacionadas ao imprinting genômico tambémpodem se manifestar quando ocorrem deleções cromossômi-cas. Por exemplo, a maioria dos afetados pela síndrome de Prader-Willi tem perda do segmento do cromossomo 15 paterno sujeitoa imprinting e que justamente contém os genes que ficam ativos.

Outros exemplos de síndromes, cujos mecanismos causaisestão relacionados com o imprinting genômico, são: Angelman(cromossomo 15), Beckwith-Wiedemann (cromossomo 11) eSilver-Russell (cromossomo 7).

Alterações da Estrutura CromossômicaOs cromossomos podem quebrar-se e o mecanismo de reparocelular ao atuar para cicatrizá-los pode fazê-lo incorretamente,resultando em mudanças de posição, perdas e duplicações desegmentos cromossômicos. Outro mecanismo que pode originarrearranjos cromossômicos é a recombinação “ilícita” entre seg-mentos do genoma que têm seqüências muito semelhantes, masnão estão localizadas exatamente na mesma posição em cromos-somos homólogos. Difere, assim, da recombinação que provocatroca de segmentos exatamente correspondentes que ocorrenormalmente na meiose e que produz diferentes combinaçõesde genes paternos e maternos em um par de cromossomos.

Um rearranjo cromossômico pode não alterar a informaçãogenética, estando equilibrado sem produzir efeitos clínicos.Quando há perda ou ganho de segmentos, o rearranjo está não-equilibrado e o portador apresenta um quadro clínico carac-terizado geralmente por malformações congênitas e retardo mentalde graus variáveis. É interessante que rearranjos cromossômicosque se apresentam equilibrados na análise do padrão de ban-das G podem estar associados a sinais clínicos. O fato de esses

TABELA 36.4 – Freqüências dos diferentes tipos de alteraçõescromossômicas por mil nascimentos*

TIPOS DE ALTERAÇÃO FREQÜÊNCIA/1.000

Numéricas 3,4 Autossômicas 1,4 Cromossomos sexuais 2

Estruturais 2,6 Não-equilibradas 0,6 Equilibradas 2

Total 6

* Freqüências estimadas a partir dos estudos de séries de recém-nascidosconsecutivos em diferentes países

(A) Normal

X

MI

MII

(B) (C)

MI Não-disjunção

MII

ou ou

Gametas

Anormais

Y

X

Normais

Y

X Y

X X Y Y

X Y

XY

X Y

X Y XY

X Y

X Y

X Y

XX Y Y

X X YY

Figura 36.28 – Comportamento dos cromossomos na meiose:formação de células haplóides – os gametas – a partir de umacélula germinativa diplóide (A); formação de gametas aneuplóides,em razão da não-disjunção dos cromossomos X e Y na primeira(B) e na segunda divisão da meiose masculina (C)

Figura 36.29 – Não-disjunção cromossômica pós-zigótica, numadivisão mitótica no início do desenvolvimento, originando umindivíduo com três linhagens celulares: 45,X/47,XXX/46,XX(mosaicismo cromossômico)

978-85-7241-000-0

Page 26: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

336 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

rearranjos serem mais freqüentes entre pessoas afetadas doque na população geral indica que não se trata sempre desimples coincidência. Na verdade, já se demonstrou, em análisesmais refinadas por hibridação in situ e do DNA, que as quebrasem rearranjos aparentemente equilibrados podem danificargenes, levando a um fenótipo alterado. Esse tipo de altera-ção está abaixo do poder de resolução da análise cromossô-mica por bandamento.

A Figura 36.30 mostra alguns tipos de alterações estrutu-rais dos cromossomos humanos.

As translocações são rearranjos que consistem em trocasde segmentos entre cromossomos. Entre as crianças comsíndrome de Down, por exemplo, uma fração de aproxima-damente 4% tem uma trissomia 21 por translocação: possu-em dois cromossomos 21 livres e um terceiro translocado paraum outro cromossomo (Fig. 36.31). Essas translocações qua-se sempre ocorrem na formação de um dos gametas que ori-ginou a criança e não tendem a repetir na irmandade do afetado.Entretanto, um dos genitores pode ser portador da translocaçãoem estado equilibrado e, se este for o caso, há risco aumen-tado de repetição da síndrome de Down na família. A Figura36.32 mostra o que pode acontecer na meiose de um portadorde translocação equilibrada entre os cromossomos 14 e 21: nameiose há normalmente o emparelhamento dos cromossomoshomólogos, assegurando que cada gameta formado receba umrepresentante de cada par. No portador da translocação equi-librada os cromossomos 21 e 14 se emparelham com os ho-mólogos que formam o cromossomo translocado (Fig. 36.32,A). Quando esses cromossomos vão para os gametas, podemfazê-lo em seis diferentes combinações (Fig. 36.32, B). Doistipos de gametas podem originar crianças normais, com cro-mossomos normais ou com a translocação equilibrada; os demaisgametas formarão zigotos com alterações cromossômicas,monossomias e trissomias do cromossomo 14 ou do 21. Des-sas alterações, a única compatível com o desenvolvimento atéo nascimento é a trissomia 21 (Fig. 36.32, C). Assim, teorica-mente, o risco de criança com síndrome de Down na prole doportador é de um terço. O risco empírico, entretanto, é bemdiferente: quando a mãe é a portadora da translocação, o risco

é de cerca de 15% e é de menos de 5%, quando o pai é por-tador. Esse risco menor do que o esperado é em parte expli-cado pelo abortamento espontâneo de fetos com trissomia 21.A diferença entre os riscos para homens e mulheres portado-res pode decorrer de seleção contra os espermatozóides comalterações cromossômicas ou de peculiaridades meióticas quepossam estar favorecendo o tipo de segregação dos cromos-somos que origina gametas normais.

O fato de a síndrome de Down poder ser causada por umatranslocação herdada torna a realização do exame cromossô-mico dos afetados ou de seus pais necessária, mesmo quandoo diagnóstico pode ser firmado com base nos sinais clínicos.

O que se apresentou sobre as translocações na síndromede Down, aplica-se aos rearranjos estruturais em geral. Quandouma alteração estrutural é detectada numa criança, os genito-res devem ter seus cromossomos analisados. Se um dos geni-tores é portador da alteração cromossômica equilibrada, outraspessoas de sua família também podem ser portadoras, comrisco aumentado de ter criança com alteração cromossômica.Esses possíveis portadores devem ser identificados e alertadossobre essa possibilidade, estando indicado que se submetamao exame cromossômico. Uma das indicações indiscutíveisde diagnóstico pré-natal é justamente quando um dos membrosdo casal tem uma alteração cromossômica equilibrada.

Indicações para Realizaçãode Exame CromossômicoAs alterações cromossômicas, especialmente dos autossomos,causam com freqüência atraso do desenvolvimento neuropsi–comotor e retardo mental. Estão também comumente associa-das a malformações congênitas de gravidade variável e retardodo crescimento. Um conjunto desses sinais constitui, assim,indicação para o exame cromossômico, sempre que não setenha um diagnóstico de síndrome não cromossômica. Osquadros já bem caracterizados clinicamente, como a síndromede Down, mostram a grande variabilidade que os indivíduosafetados por uma mesma alteração cromossômica podem

Figura 36.30 – Alterações cromossômicas estruturais

Figura 36.31 – Os dois cromossomos 21 livres e um terceirotranslocado para um cromossomo 14, em uma criança comsíndrome de Down. O esquema mostra como o cromossomotranslocado se formou. Houve no processo a perda de pequenossegmentos dos dois cromossomos, compreendendo basicamentegenes que produzem RNA ribossômico. Como esses genes estãorepetidos muitas vezes nos outros cromossomos acrocêntricos,essa perda não traz efeitos clínicos

14 14/21

21 21

14

Translocação robertsoniana

Perdem-se

A

B 14 14/21

21 21

978-85-7241-000-0

Translocação recíproca

Deleção

ABC

DEF

ABC

DEF

ABC

DEF

AD

CBEF

Inversão

Page 27: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 337

SEÇÃ

O 5

apresentar. Assim um quadro sugestivo de uma alteração cromos-sômica, mesmo não sendo típico, é indicação para que serealize o exame.

As alterações dos cromossomos sexuais podem trazer qua-dros diversos, em geral decorrentes do desenvolvimento gonadalalterado. Assim, genitália com graus diversos de ambigüida-de, amenorréia primária, esterilidade e atraso no desenvolvi-mento dos caracteres sexuais secundários são indicações parao exame. Em meninas, a baixa estatura pode ser a única mani-festação da síndrome de Turner, que deve ser também umahipótese diagnóstica quando uma recém-nascida tem edemade dorso de pés ou se detectou um higroma cístico no feto.

A esterilidade, em particular a masculina, pode tambémestar associada a uma alteração cromossômica estrutural equi-librada. Entre os casais com abortamento de repetição, a fre-qüência de alterações equilibradas pode chegar a 10%.

Para o diagnóstico pré-natal de alteração cromossômica sãoindicações principais: presença de alteração equilibrada emum dos genitores; idade materna avançada, freqüentementeacima dos 35 anos; alterações fetais sugestivas de alteraçãocromossômica detectadas em exames de acompanhamento dagestação; e criança anterior com alteração cromossômica não-herdada, apesar do risco relativamente baixo de recorrência.

ERROS INATOS DO METABOLISMOSão reunidas sob esse nome numerosas doenças que resultamde bloqueios metabólicos produzidos por defeitos enzimáticos.As mutações gênicas, que são alterações da seqüência dos nucleo-tídeos do DNA, podem provocar alterações nas seqüências deaminoácidos ou causar alterações na quantidade das proteínasproduzidas. No caso das enzimas, uma mutação gênica, ocorrendoquer nas porções normalmente transcritas do gene estruturalque determina a ordem dos aminoácidos na cadeia polipeptídicaquer em outras porções ligadas ao controle da transcrição dogene, resultará na abolição total ou parcial da atividade enzimá-tica, fenômeno que se exteriorizará por meio de um bloqueiometabólico e suas conseqüências.

A Figura 36.33 representa de maneira esquemática umacadeia metabólica qualquer e as conseqüências possíveis deum bloqueio enzimático. Na parte superior da figura está repre-sentada uma via metabólica hipotética A – B – C – D, na qualas etapas A-B, B-C e C-D são mediadas, respectivamente, pelas

enzimas a, b e c sob controle genético. Nos quatro níveis seguintesmostrados no desenho estão representadas as conseqüênciasbioquímicas do bloqueio da atividade da enzima C, bloqueioesse determinado por um gene C mutante em homozigose.

O efeito desse gene defeituoso poderá ser simplesmente aausência da substância D, caso esta seja obtida exclusivamentepor essa via metabólica. Isso constitui exatamente o que aconteceno albinismo tirosinase-negativo tipo I ou OCA-I, caracteri-zado pela ausência do pigmento melânico na pele e fâneros,e coróide e retina do globo ocular. O defeito decorre de au-sência total (parcial numa variante chamada OCA-IB) de ati-vidade da enzima tirosinase, que utiliza a tirosina para obterprecursores da melanina. O quadro clínico inclui diminuiçãograve da acuidade visual com nistagmo e ausência de respostanormal (pigmentação) à radiação solar, substituída nos afe-tados por reações inflamatórias e transformações patológicasde metaplasia e neoplasia. Todos esses problemas resultam daausência de melanina (a pigmentação da maioria das estru-turas encefálicas, promovida pela neuromelanina, cuja sínte-se depende de outra enzima, é normal).

Supondo-se, agora, que a substância D possa ser obtidapor outras vias, não sucede sua falta, mas a substância C, sópodendo ser metabolizada pela enzima c bloqueada, acumu-la-se no organismo, como o que ocorre na alcaptonúria. Essedefeito foi corretamente identificado como um erro inato demetabolismo na publicação original de Archibald Garrod noinício do século XX, como já mencionado anteriormente. Nelea substância C que se acumula é o ácido homogentísico, emrazão de uma deficiência da enzima oxidase do ácido homo-gentísico no metabolismo da tirosina. Os sinais da doença incluemacidúria homogentísica, ocronose (pigmentação, por um polímeroque se forma naturalmente a partir do ácido homogentísico,da córnea, cartilagens, tecidos fibrosos, tendões e ligamentos),artrite e, em fases tardias, cardiopatia.

O excesso de C também pode acentuar uma via metabó-lica apenas acessória em condições normais, na tentativa deeliminar o excesso dessa substância. No esquema da Figura36.33, esse desvio está representado pela formação da subs-tância E. O exemplo clássico dessa situação é a fenilcetonúria,decorrente de um defeito da enzima hidroxilase de fenilala-nina, que normalmente converte a fenilalanina provenienteda dieta ou do catabolismo protéico em tirosina. Como qua-se toda a fenilalanina que penetra no organismo é transfor-

Figura 36.32 – Um portador de translocação equi-librada entre os cromossomos 14 e 21 tem fenótiponormal, possuindo toda a informação genética dessescromossomos necessárias para o desenvolvimentonormal. Podem formar, entretanto, gametas comalterações cromossômicas: na meiose, o emparelha-mento do cromossomo translocado com os cromos-somos 14 e 21 normais (A) leva à formação de seisdiferentes tipos de gametas (B). Após a fertilizaçãocom gametas normais, os conceptos que se formampodem ter cromossomos normais, ser portadores datranslocação equilibrada ou possuir monossomia outrissomia (C)

21 14 21/14 Normal

Portadorequilibrado

ou

Monossomia21

Trissomia21

ou

Trissomia14

Monossomia14

Portadoraequilibrada

GametaIndivíduo

normal

Emparelha-mento nameiose A

GametasB

ConceptosC

978-85-7241-000-0

Page 28: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

338 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

mada primeiro em tirosina para a partir desse aminoácido seraproveitada num sem número de passos metabólicos distin-tos (que incluem a síntese das catecolaminas na supra-renal,do hormônio tireiodiano e do pigmento melânico), em de-corrência do bloqueio da hidroxilase da fenilalanina se acu-mulam no organismo não só esse aminoácido como tambémos metabólitos tóxicos obtidos pela via de transaminação, osácidos fenilpirúvico, fenilacético e fenil-lático (substância E).Em casos não-tratados precocemente por dieta pobre emfenilalanina, os afetados desenvolvem um quadro de retardomental grave associado a convulsões e outras manifestaçõesneurológicas e de hipopigmentação. Todas essas manifesta-ções resultam dos níveis elevados de fenilalanina e seus me-tabólitos por transaminação, os quais inteferem de maneiranegativa nos processos de mielinização cerebral, de síntesede serotonina e de formação de melanina.

Quando a via metabólica A – B – C – D compreende rea-ções reversíveis, o bloqueio da enzima C pode resultar emacúmulo, não do substrato c, mas das substâncias A ou B,como se observa na doença de von Gierke (glicogenose hepato-renal). De fato, nessa condição ocorre uma deficiência daenzima glicose-6-fosfatase, responsável pela mobilizaçãoda glicose fosfatada intracelular para o espaço extracelular.A conseqüência disso é que a glicose continuamente passa-da para o interior das células pela hexoquinase fica encarce-rada (em especial, nas células do fígado e do rim) sob suaforma polimerizada de armazenamento, o glicogênio. Em razãodisso, os afetados apresentam hepatomegalia, hipoglicemia(assintomática ou acompanhada de convulsões), retardo decrescimento e atraso da idade óssea, episódios de acidoseláctica grave, xantomas eruptivos, hipercolesterolemia, hiper-gliceridemia, cetonúria, cetonemia e hipofosfatemia; são com-plicações de instalação mais tardia a gota, nefropatias e odesenvolvimento de hepatoma.

Detecção de HeterozigotosCom exceção de uns poucos desses defeitos que possuemherança autossômica dominante ou ligada ao X recessiva oudominante, a imensa maioria dos erros inatos de metabolis-mo é condicionada por mecanismo autossômico recessivo, oque faz sentido, uma vez que as enzimas são normalmenterequeridas em quantidades infinitesimais para exercer suaatividade catalítica. Em decorrência disso, os indivíduos hetero-zigotos quanto aos genes que em homozigose determinam oserros inatos de metabolismo são normais, pois mesmo que pro-

duzam metade da quantidade de enzima produzida noshomozigotos normais, isso não afeta significativamente o seumetabolismo. Em muitos deles é possível, por meio de testesde sobrecarga (semelhantes aos usados em testes de detecçãode pré-diabéticos), detectar-se a heterozigose. Testes dessetipo são efetivos para a detecção de heterozigotos quanto aosgenes da fenilcetonúria e da doença de Wilson. No caso dafenilcetonúria, o teste consiste na ingestão de doses elevadasde L-fenilalanina e na medição, a intervalos regulares, dosníveis plasmáticos desse aminoácido, que permanecerão acimados encontrados em indivíduos normais por várias horas. Nadoença de Wilson, caracterizada por uma insuficência detransferência do cobre livre (ligado à albumina sérica) paraa apoceruloplasmina (precursor da ceruloplasmina sinteti-zado pelo fígado) os indivíduos a serem testados recebemum isótopo radioativo do cobre; são colhidas, a intervalos regu-lares, amostras de sangue e separada a fração sérica. A eletro-forese dessas amostras mostra que, em cerca de três horas,a quantidade de cobre radioativo transferido da albumina paraa ceruloplasmina (localizada na fração das alfa-2-globulinas)já permite distinguir sem dificuldades heterozigotos de indi-víduos normais e de afetados.

Atualmente, com o desenvolvimento das técnicas de bio-logia molecular, já existem métodos de detecção de heterozigotosnão só para inúmeros erros inatos de metabolismo como tam-bém para várias doenças que não resultam de defeitos enzimá-ticos e sim de mutações em genes que controlam outros tiposde proteínas, como é o caso das hemoglobinopatias.

Por causa da freqüência geralmente muito baixa com queocorrem esses defeitos, é ao mesmo tempo antieconômica epouco prática a aplicação de testes na população geral, visan-do à detecção de heterozigotos. De uma maneira geral, tem semostrado mais factível aplicarem-se esses testes apenas emgrupos populacionais de risco, em familiares próximos deafetados, principalmente quando se trata de cônjuges consan-güíneos. No Brasil já existem testes padronizados visando,por exemplo, à detecção de heterozigotos para a doença deTay-Sachs, entre judeus de origem européia central (judeusasquenasi, entre os quais a freqüência de heterozigotos quantoao gene é da ordem de grandeza de 15%) e de heterozigotosquanto ao gene da anemia falciforme (hemoglobina S) entredescendentes de africanos.

A detecção de heterozigotos já era possível há algum tempoem algumas doenças aplicando-se os seguintes métodos labora-toriais (entre parênteses são citados alguns exemplos de condi-ções para as quais já há possibilidade de testes rotineiros):determinação da atividade enzimática ou quantificação de ou-tras proteínas (galactosemia, acatalasia, oroticacidúria, hipo-fosfatasia, homocistinúria, doença de von Giercke, deficiênciade glicose-6-fosfato-desidrogenase, doença de Fabry, distrofiamuscular progressiva tipo Duchenne, hemofilias A e B, doençade Wilson), provas de sobrecarga (doença de Wilson, fenilce-tonúria, hiperlisinemia), cultura celular com medição direta daatividade enzimática (galactosemia, doença de Pompe, acatalasia,oroticacidúria), cultura celular com pesquisa de metacromasia(fibrose cística do pâncreas, doença de Gaucher, síndrome deChédiak-Higashi) e cultura e clonagem celulares em doençasligadas ao X (deficiência de G6PD, síndromes de Lesch-Nyhane de Hunter). Hoje, principalmente nos grandes centros de muitospaíses, incluindo-se o Brasil, esses métodos estão sendo gra-dualmente substituídos por testes moleculares de DNA. Estesjá são aplicados em condições de rotina no diagnóstico de ta-lassemias, hiperplasia congênita da supra-renal, fibrose cística,síndrome do X frágil, hemofilias A e B, doença de Lesch-Nyhan,distrofias musculares, distrofia miotônica e anemia falciforme,entre outras doenças genéticas.

DNA Gene a Gene b Gene c

RNAma RNAmb RNAmc

Enzima a Enzima b Enzima c

A B C D

A B C

A B C C

A A A B B C

A B C E

Enzi

ma

cde

feit

uosa

Metabolismo normal

Ausência de D

Acúmulo de C

Acúmulo de A e B

Desvio do metabolismo

Figura 36.33 – Esquema mostrando as principais conseqüênciasmetabólicas de um defeito enzimático determinado por genesmutantes

DNA

978-85-7241-000-0

Page 29: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 339

SEÇÃ

O 5

TRATAMENTO DOS ERROS INATOS DO METABOLISMOE DE OUTRAS DOENÇAS HEREDITÁRIASTratamentos dietéticos simples são altamente eficientes no tra-tamento e prevenção de um certo número de erros inatos dometabolismo. É o caso, por exemplo, da galactosemia (defi-ciência em galactose-1-fosfato-uridil-transferase), em que osafetados não conseguem transformar a galactose provenienteda dieta em glicose. Uma dieta com restrição total dos açúcareslactose (dissacarídeo que no intestino delgado é desdobrado emglicose e galactose) e galactose impede de maneira espetacu-lar o aparecimento dos sinais da doença, que não tratada pro-duz um quadro grave e complicado incompatível com odesenvolvimento e a sobrevivência da criança. Em homozigotosquanto ao gene da fenilcetonúria clássica, uma dieta pobreem fenilalanina instituída precocemente impede o desenvol-vimento da doença. A restrição dietética em fenilalanina nãoé total, pois nesse caso o organismo promoveria intensocatabolismo protéico para obtenção do aminoácido, essencialpara a síntese de novas proteínas. O tratamento era mantido,antigamente, do nascimento até o máximo de oito anos de idade,ocasião em que o cérebro humano já está totalmente mielinizado.A verificação, mais ou menos recente, de que fenilcetonúricostratados com a dieta suspensa por volta dos oito anos apre-sentavam desempenho escolar inferior ao de controles fez comque se tomasse a decisão de manter a dieta por toda a vida doindivíduo. Isso deixa clara a necessidade de um perfeito co-nhecimento da fisiopatologia da doença para se poder ter umtratamento eficaz. Existem, inclusive, variantes raras de fenil-cetonúria que não respondem ao tratamento dietético, da mesmamaneira que se conhecem alguns tipos de hiperfenilalaninemiaque não necessitam de tratamento. Na doença de Wilson otratamento associa a uma dieta pobre em cobre (o que é proble-mático, pois o cobre é um micronutriente presente em um númeromuito grande de alimentos) o uso de agentes quelantes (penici-lamina), capazes de eliminar efetivamente o cobre depositadonos tecidos dos afetados.

Em alguns defeitos que resultam de respostas anômalas adrogas e fármacos, como é o caso da anemia hemolítica pro-duzida por antimaláricos de síntese em portadores de defi-ciência em glicose-6-fosfato-desidrogenase, a suspensão damedicação produz uma remissão do quadro clínico. Esse casoe o de outros defeitos mais ou menos afins são estudados pelafarmacogenética. Além de se deter no estudo de doenças he-reditárias que modificam o efeito das drogas, favorecendo oaparecimento de sinais e sintomas colaterais indesejáveis, a far-macogenética trata também de variantes hereditárias de en-zimas responsáveis pela metabolização de drogas e fármacose da resistência ou suscetibilidade genética aos efeitos dessassubstâncias. Alguns desses defeitos chegam a ser extrema-mente comuns na população, como é o caso dos acetiladoreslentos da isoniazida, uma droga usada tradicionalmente notratamento da tuberculose. Esses acetiladores lentos ocorremcom freqüência de cerca de 50% em populações européias eexibem manifestações tóxicas com doses usuais de isoniazida,normalmente inativada por um processo de acetilação pelaenzima acetil-transferase hepática. A dosagem da atividadedessa enzima permite adequar a dose terapêutica de isoniazidaa acetiladores normais (ditos rápidos) e lentos.

Em outros defeitos utiliza-se uma terapêutica de substitui-ção, como em casos de hipotireoidismo congênito por deficiênciade hormônio tireoidiano, que é tratada com a administração detiroxina. Outros recursos são drogas e fármacos capazes de desviarou de inibir certas etapas metabólicas. Por exemplo, em casosde hiperplasia congênita da supra-renal por deficiência da 11-hidroxilase a administração de cortisol (exatamente a subs-

tância que os afetados não conseguem sintetizar) corrige intei-ramente os problemas metabólicos e impede a virilizaçãoposterior, por conduzir a síntese dos esteróides do córtex dasupra-renal aos seus níveis normais; associa-se a essa medida,em meninas afetadas que tiveram sua genitália externa virilizada,a sua correção cirúrgica. A administração de doses altas decortisol a heterozigotas grávidas que já tiveram uma criançaafetada consegue impedir totalmente, até o nascimento, o de-senvolvimento da hiperplasia da supra-renal e a virilizaçãoda genitália de meninas.

Outros tratamentos conseguem interferir ao nível da pro-teína mutante não-funcional. Por exemplo, no caso da hemofiliasão aplicadas transfusões ou fornecidos concentrados de fa-tor VIII. A administração de vitaminas e outros co-fatores deação enzimática consegue, em cerca de 50% dos afetados pelahomocistinúria, aumentar satisfatoriamente a atividade catalíticada enzima mutante. Os métodos mais recentes incluem inter-ferência em nível molecular, mas de uma maneira geral estãoainda em fase experimental, apesar de já serem usados em caráteremergencial em algumas patologias, dada a inexistência demétodos tradicionais que funcionem efetivamente. Esses mé-todos visam a modificar o genótipo somático, mediante técni-cas que vão do transplante de órgãos (aqui considerada aindaem fase experimental por causa das inconveniências da rejei-ção) à terapia de transferência gênica por meio de vetores.

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATALO diagnóstico pré-natal consiste na aplicação de um conjuntode técnicas capazes de verificar a saúde e o desenvolvimento doconcepto (embrião ou feto) e de nele detectar, quando presentes,defeitos e doenças. Alguns métodos permitem a visualizaçãodireta (amnioscopia, fetoscopia) ou indireta (ultra-sonografia,radiografia) do concepto e a conseqüente detecção de anoma-lias anatômicas. Outros dependem da obtenção de fragmen-tos de tecido (biópsia de vilosidades coriônicas), de líquidoamniótico (amniocentese) ou de alíquotas de sangue (cordo-centese), material esse que é colhido para a aplicação diretaou indireta (após cultivo) de testes bioquímicos (para detecçãode erros inatos de metabolismo), moleculares (testes de DNApara a detecção de genes mutantes) e citogenéticos (estudodos cromossomos e determinação do cariótipo para se confir-mar suspeita de aberração cromossômica).

A verificação da evolução do ganho ponderal e do aumentoda circunferência abdominal e a ausculta fetal já faziam partede longa data da rotina do acompanhamento pré-natal dasgestantes; alterações aí detectadas já constituíam evidênciade defeito ou doença no concepto. Atualmente, mesmo empaíses subdesenvolvidos, já faz parte da rotina obstétrica oacompanhamento das condições de gestação pela ultra-sono-grafia, que já inclui um exame morfofuncional geral do feto.As demais técnicas referidas no parágrafo anterior aplicam-sea situações específicas, em que há risco aumentado de certostipos de defeitos ou doenças para o concepto.

Principais Indicações do Examede Diagnóstico Pré-natal

Idade Materna AvançadaMães idosas têm chance aumentada de gerar crianças porta-doras de defeitos cromossômicos, em especial as trissomiasautossômicas. O efeito está bem demonstrado na síndrome deDown, na qual a probabilidade de um afetado chegar a nasceré muito maior que nas demais trissomias (como as dos cromos-somos 13 e 18, responsáveis respectivamente pelas síndromes

978-

85-7

241-

000-

0

Page 30: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

340 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

de Patau e Edwards), cujo efeito é praticamente anulado pelaalta taxa de abortamento espontâneo precoce. De fato, a prin-cipal aplicação do diagnóstico pré-natal ainda continua sendoa idade materna avançada com a finalidade específica de severificar se o concepto é portador ou não do defeito cromos-sômico responsável pela síndrome de Down (em geral, umatrissomia simples do cromossomo 21). Quase sempre o exa-me é indicado para gestantes com 38 anos ou mais, pois essegrupo de mulheres contribui com praticamente metade de to-dos os casos da síndrome de Down. Se todas essas mulheres sesubmetessem a esse exame e optassem pela interrupção da gravidezquando for constatada a trissomia, a incidência da síndrome deDown ao nascimento baixaria de cerca de 1/800 para 1/1.600,ou seja, a freqüência de afetados na população seria reduzidaà metade da taxa normal de ocorrência. Para se reduzir maisainda essa freqüência seria necessário submeter ao exame, emcondições de rotina, um número muito grande de mulheres, oque ainda é inviável economicamente. No entanto, mesmo nogrupo de mulheres com maior risco, com idade entre 40 e 50anos, o risco é por si só baixo, de 4% no máximo; apesar disso,encontra-se cerca de 40 vezes aumentado em relação ao riscode mães jovens, que é da ordem de 1/1.000.

Defeitos de Fechamento do Tubo NeuralDeterminados por mecanismo multifatorial, eles apresentamum espectro de expressividade clínica que varia da espinhabífida oculta ou aberta e dos diversos tipos de meningomieloceleaté defeitos extremamente graves como as encefaloceles e aanencefalia; estas últimas resultantes de anomalias do desen-volvimento embrionário que comprometem a extremidadecranial do tubo neural. O risco de repetição desses defeitos naprole de casais que já tiveram uma criança afetada é baixo, daordem de 4%. Como, no entanto, o defeito pode ser detectadocom segurança por técnicas simples e não-invasivas, como aultra-sonografia, comumente indica-se o exame para casaisque já tiveram criança afetada. Como na vigência do defeitoos níveis de alfa-feto-proteína estão elevados no soro maternoe no líquido amniótico, a dosagem dessa substância (associadaà aplicação da técnica da ultra-sonografia) está indicada. Nocaso da anencefalia, defeito incompatível com a sobrevivên-cia do concepto, com freqüência os casais têm solicitado àautoridade legal permissão para interrupção da gravidez, quegeralmente é fornecida por meio de um alvará. Dessa maneira,além das situações já previstas em lei que permitem a inter-rupção da gravidez no Brasil, vai se abrindo pouco a poucoespaço para aí incluírem as condições de defeitos e malfor-mações muito graves, que diminuem muito a qualidade de vidaou impedem totalmente a sobrevivência do concepto.

Casais com Prole Afetadapor Doença RecessivaNo caso de doenças autossômicas recessivas os genitores deafetados são heterozigotos, o que determina o risco alto de repetição(25%) do defeito ou doença numa criança qualquer que venhama ter. No caso de doenças ligadas ao X recessivas esse riscovaria de 17 a 25% nos casos isolados, fixando-se em 25% nasituação de casos com recorrência na irmandade ou na família.São conhecidas atualmente entre 3.000 e 4.000 doenças e de-feitos diferentes condicionados por esses tipos de mecanismo,mas na prática existem testes moleculares que podem ser aplicadosem diagnóstico pré-natal em menos de 10% dessas condições.A situação ainda é complicada atualmente pelo fato de a maioriados laboratórios de biologia molecular capazes de processa-rem esses exames serem especializados em apenas um certo

número deles. O número de doenças pesquisadas aumentaquando se considera a possibilidade da aplicação de estudosindiretos de ligação com marcadores mapeados nas vizinhan-ças do loco da doença. De qualquer maneira, existindo o exa-me, claramente está ele indicado nessa situação, talvez a maisimportante pela grandeza do risco a ela associada.

Portadores de AlteraçãoCromossômica EquilibradaNuma fração pequena de casais com crianças afetadas pordefeitos cromossômicos um dos genitores é portador da alteraçãocromossômica em estado dito equilibrado, ou seja, sem queredunde em manifestações fenotípicas para o seu portador.Outros parentes do afetado também podem ser portadoresequilibrados. O tipo de defeito mais comumente encontradonesses casos são as translocações equilibradas, como as quepodem ocorrer entre os braços longos dos cromossomos 21e 14 na síndrome de Down. A verificação empírica das taxas derecorrência nesses casos mostrou que o risco é da ordem de 15a 20%, quando a mãe é portadora da translocação equilibradae inferior a 5%, quando o portador é o pai. A ordem de gran-deza dessas cifras seguramente indica a aplicação de técni-cas de diagnóstico pré-natal.

Outras IndicaçõesA aplicação de técnicas de diagnóstico pré-natal também estáindicada em casos de suspeita de infecção durante a gravidezcapaz de produzir defeitos fetais (como é o caso da rubéola,sífilis, citomegalovirose etc.), no caso de ingestão de drogascom capacidade teratogênica, como a talidomida, em doen-ças maternas de natureza sistêmica como o diabetes e aindaem casos de imunização materna. A maioria dos serviços dediagnóstico pré-natal ainda indica a aplicação do exame emcasos de casais que tiveram crianças portadoras de defeitos cro-mossômicos; como esses defeitos quase sempre são de naturezaesporádica e o seu risco de repetição é pequeno ou desprezível,em geral da ordem de 1% ou menos, o exame aqui se justificapara a tranqüilização psicológica que possa trazer aos casaisnessa situação. Algumas outras situações, no entanto, não jus-tificam a aplicação do exame, como é o caso da consangüinidadeparental. Apesar de o risco de doença autossômica recessivana prole de primos em primeiro grau estar aumentado cercade dez vezes em relação ao risco correspondente para não-consangüíneos, o número enorme de doenças possíveis e aausência de manifestações detectáveis em condições de rotinade muitas delas tornam inviável a aplicação do método, domesmo modo que para a população geral.

Principais Técnicas Utilizadasno Diagnóstico Pré-natalMuitos serviços de diagnóstico por imagem já se tornaramproficientes no diagnóstico de defeitos congênitos em examesde rotina durante o acompanhamento de gestantes, mas são osserviços de patologia fetal que congregam especialistas na detecçãodesses defeitos. Além da parte relativa ao dianóstico por ima-gem, os serviços de patologia fetal estão aparelhados para aaplicação das técnicas de que trataremos nesta seção. Nessesserviços os profissionais prestam esclarecimentos adequadosaos consulentes sobre todos os aspectos, técnicos, médicos eéticos dos exames, mas é importante que, ao encaminhar suasconsulentes para diagnóstico pré-natal, seu médico já lhes escla-reça de maneira geral em que consiste o método e quais sãosuas limitações e riscos associados.

978-85-7241-000-0

Page 31: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Princípios de Genética Humana e Médica � 341

SEÇÃ

O 5

Ultra-sonografiaTrata-se de um método não-invasivo e inócuo que consiste naemissão de ondas ultra-sônicas de alta freqüência, cujo refle-xo (eco) é captado por um transdutor e transformado em imagemnum monitor. Apesar de depender da perícia e preparo do ultra-sonografista, a aparelhagem conta com o auxílio de computadorcapaz de realizar cálculos e medidas em tempo real. Equipa-mento Doppler a cores acoplado à ultra-sonografia permitedeterminações de fluxo nos vasos do feto. A ultra-sonografiaem duas dimensões foi a primeira utilizada e permite a obten-ção de cortes tomográficos do concepto com boa resolução.Atualmente está sendo substituída pela ultra-sonografia tridi-mensional, que possibilita a visualização da imagem em pro-fundidade, inclusive em tempo real, com aparelhagem maissofisticada. Teoricamente o exame pode ser aplicado com sucessoa partir da 11ª semana da gestação, uma vez que nessa oca-sião a morfologia fetal já está praticamente definida e a maio-ria (cerca de 80%) das malformações eventualmente presentesjá podem ser detectadas. A época ideal para a sua aplicaçãodepende, no entanto, do aparelho ou sistema a ser investigado.Assim, defeitos de fechamento do tubo neural (espinhas bífidas,meningomieloceles e anencefalias) podem ser diagnosticadoscom segurança apenas a partir da 15ª semana e as displasiasesqueléticas, de uma maneira geral, mais tardiamente, a par-tir da 18ª semana. Num exame de rotina realizado num ser-viço de patologia fetal são verificados sistematicamente sinaismorfológicos indicadores de defeitos cromossômicos, comoo aumento da translucência nucal, geralmente em razão doacúmulo de linfa (higroma cístico incipiente) nessa região emuito comum na monossomia X (síndrome de Turner) e nastrissomias autossômicas (síndromes de Down, Patau e Edwards).A presença desse sinal indica a coleta de material do conceptoe a realização de estudo cromossômico. Além de ser empre-gada no diagnóstico direto de uma série de defeitos, a ultra-

sonografia é usada sistematicamente para monitorar os outrosexames invasivos de diagnóstico pré-natal, como se pode verificarno esquema da Figura 36.34, em que o transdutor de ultra-sonografia está sempre presente no acompanhamento das téc-nicas de biópsia de vilosidade coriônica transcervical outransabdominal, amniocentese e cordocentese. Embora ideal-mente toda gravidez devesse ser acompanhada pela técnica,constituem indicações de certa maneira formais da ultra-sonografia pré-natal, entre outras, as seguintes:

Gestações complicadas por variações patológicas daquantidade de líquido amniótico, muitas vezes associa-das a malformações do concepto. Assim, o poliidrâmniopode indicar a presença de defeitos obstrutivos de tubodigestivo como a atresia do esôfago, enquanto o oligo-drâmnio muitas vezes é manifestação de defeitos renais(síndrome de Potter ou seqüência do oligodrâmnio emdecorrência de agenesia renal bilateral).Casais com história de filhos afetados por doença autos-sômica recessiva cujos sinais são passíveis de detecçãopelo exame, como é o caso de várias displasias ósseas(síndrome de Ellis-van Creveld, aplasia de eixo radi-al que ocorre na síndrome de Fanconi, forma recessivagrave de osteogênese imperfeita) ou os defeitos de váriosórgãos e sistemas que ocorrem na síndrome de Meckel-Gruber (microcefalia e defeitos de fechamento cranialdo tubo neural como a encefalocele occipital, poli-dadctilia, rim policístico, onfalocefe); prole de indi-víduos adultos afetados por doenças autossômicasdominantes como a acondroplasia e outras formas dedisplasia óssea hereditária.Antecedentes na família (parentes em primeiro grau) commalformações de natureza multifatorial como os defei-tos de fechamento de tubo neural já mencionados, fen-das de lábio ou palato.

Figura 36.34 – Principais técnicas dediagnóstico pré-natal, todas monito-radas pela ultra-sonografia: (A) biópsiade vilosidades coriônicas por via vagi-nal transcervical; (B) biópsia de vilosi-dades coriônicas por via transabdominal;(C) amniocentese; (D) cordocentese oupunção do cordão umbilical. tr = apa-relho transdutor

A B

C D

tr tr

trtr

978-85-7241-000-0

Page 32: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

342 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

Casais com história de filhos ou parentes próximos afe-tados por microcefalia e outros defeitos de desenvolvi-mento craniano.Antecedentes familiares de hidrocefalia, principalmentese os afetados forem de sexo masculino e se suspeitar daforma clássica recessiva ligada ao X por estenose con-gênita do aqueduto de Sylvius. O defeito é pesquisado,verificando-se a existência ou não de dilatação do siste-ma ventricular cerebral, uma vez que muitos afetadosapresentam circunferência craniana normal ao nascimento.

Resumiram-se a seguir as principais técnicas invasivas dediagnóstico pré-natal, representadas esquematicamente naFigura 36.34. Todos esses procedimentos são monitoradospela ultra-sonografia.

Biópsia das Vilosidades Coriônicas

O exame desse material permite a aplicação de técnicas quevisam o estudo do cariótipo, a verificação do sexo do embrião,a aplicação de testes bioquímicos e enzimáticos e a extração eanálise do DNA. Entre a sétima e a 11ª semana da gravidezé possível atingir a margem do cório frondoso que formará afutura placenta por meio de uma cânula introduzida atravésda vagina e do colo do útero. Por meio dela aspira-se o ma-terial e, com o auxílio de uma lupa esteroscópica, seleciona-seo material de origem embrionária (vilosidades coriônicas). Nessaépoca as células das vilosidades dividem-se ativa e esponta-neamente e é possível obter-se metáfases para estudo cromos-sômico diretamente ou após curto período de incubação. Emalgumas situações a obtenção de material via vaginal transcervicalé dificultada ou impossibilitada pela ocorrência de vaginite,anomalias de útero e de canal cervical ou de gravidez múlti-pla; opta-se então por atingir a placa coriônica por punçãotransbdominal, que constitui a técnica de eleição entre a 11ªe a 17ª semana, ocasião em que a bolsa amniótica já preen-cheu totalmente a cavidade uterina, eliminando o espaço vir-tual livre que permitia o acesso ao cório frondoso sem lesaras membranas do embrião. Recentemente, essa via está sendousada com freqüência cada vez maior, tendendo a substituirtotalmente a via vaginal transcervical.

Amniocentese

É a punção transabdominal suprapúbica, por meio de uma longaagulha conectada a uma seringa, da cavidade amniótica, coma finalidade de obtenção do líquido, que às vezes é o própriomaterial a ser analisado (no caso de dosagem de pigmentos,alfa-feto-proteína e outras substâncias). Geralmente o que sepretende colher são as células que estão suspensas no líquidopor descamação dos epitélios de revestimento externo (fibro-blastos de pele) ou interno (células originárias dos tratos urinário,digestivo e respiratório). Como nas outras técnicas que visamà obtenção de material de origem fetal, a amniocentese é moni-torada pela ultra-sonografia, que permite assim a seleção deregiões em que a coleta do líquido é mais fácil, além de afas-tar com segurança as possibilidades de lesão placentária oufetal. O material obtido é concentrado por centrifugação esubmetido à cultura de células previamente às análises citológicas,bioquímicas e cromossômicas que se pretende nele aplicar. Oexame é realizado geralmente a partir da 17ª semana contadaa partir da última menstruação. Como as demais técnicas dediagnóstico pré-natal, o procedimento é seguro, praticamentedesprovido de riscos e complicações para a gestante e o concepto,além de poder ser realizado em consultório, em regime de aten-dimento ambulatorial. Embora não haja a necessidade de in-

dicação formal de anestesia local, esta é aplicada com certafreqüência para eliminar a dor e o desconforto produzidos pelapunção abdominal. A dosagem da alfa-feto-proteína, antiga-mente realizada com freqüência para o diagnóstico dos de-feitos de fechamento do tubo neural, vem sendo substituídaprogressivamente pela ultra-sonografia, pois a capacidadediscriminante das aparelhagens mais modernas é excelente epermite, nas mãos de um profissional experiente, detectar comsegurança esses defeitos.

A taxa de conceptos com aberrações cromossômicas (monos-somia e outras aneuploidias do cromossomo X, trissomiasautossômicas e casos de mosaicismo) detectadas em materialcolhido pela técnica da biópsia das vilosidades coriônicas ésignificativamente maior do que a observada usando-se a téc-nica da amniocentese. Parte da discrepância pode ser explicadapela probabilidade de abortamento em razão de defeitos cro-mossômicos ser maior nas fases iniciais da gravidez, em queo primeiro método é aplicado.

CordocenteseA cordocentese consiste na punção por agulha da veia um-bilical do feto, proximamente à inserção do cordão na pla-centa. Pode ser realizada em qualquer ocasião a partir da18ª semana da gravidez. No material colhido (de 1 a 10mLde sangue, dependendo da época da punção e do tipo de exame)podem ser realizados os mais diversos exames, que incluemo estudo do cariótipo, a determinação de anticorpos em casosde suspeita de aloimunização ou de infecções, testes bioquímicose moleculares.

FetoscopiaO procedimento, que consiste na inserção de um cateter mu-nido de fibra óptica na cavidade amniótica por via transabdo-minal, permite, pela inspeção visual direta do feto, o diagnósticode uma série de defeitos externos e de várias afecções congê-nitas da pele e anexos. O próprio fetoscópio permite o uso deacessórios como agulhas com a finalidade de se obterem amostrasde tecidos fetais. São comumente diagnosticados pela inspeçãodireta proporcionada pelo procedimento defeitos craniofaciais,de extremidades e até do tegumento; a análise indireta de materialcolhido ou submetido à biópsia permite o diagnóstico de defeitoscromossômicos, hemoglobinopatias, defeitos da coagulação, errosinatos de metabolismo e um sem número de outras afecções.

O diagnóstico pré-natal oferece a opção de ter filhos paracasais que evitariam a procriação na ausência do exame portemerem o aparecimento ou repetição de doença genética emsua prole. Inversamente, no caso de gravidezes não-planeja-das de casais em risco, o diagnóstico pré-natal de normali-dade do concepto permitirá, na maioria das vezes, que a gestaçãoseja levada a termo, pois no cômputo geral o resultado do exameafasta a possibilidade do defeito temido.

BIBLIOGRAFIABEIGUELMAN, B. Dinâmica dos Genes nas Famílias e nas Populações. Ribeirão Preto:

Sociedade Brasileira de Genética, 1995.BEIGUELMAN, B. Farmacogenética e Sistemas Sangüíneos Eritrocitários. Rio de Janei-

ro: Guanabara-Koogan, 1983.FUHRMANN, W.; VOGEL, F. Genetische Familienberatung. Berlin: Springer Verlag, 1982.

Versão em inglês: Genetic Counseling. New York: Springer Verlag, 1969. Versão emportuguês: Aconselhamento Genético. São Paulo: Pedagógica Universitária, 1978.

GRIFFITHS, A. J. F.; MILLER, J. H.; SUZUKI, D. T.; LEWONTIN, R. C.; GELBART,W. M. An Introduction to Genetic Analysis. New York: Freeman, 2000.

JORDE, L. B.; CAREY, J. C.; BAMSHAD, M. J.; WHITE, R. L. Medical Genetics. St.Louis: Mosby, 2003. Versão em português: Genética Médica. Rio de Janeiro: Elsevier,2004.

MCKUSICK, V. A. Mendelian Inheritance in Man (MIM). Available at: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/searchomim.html.

978-85-7241-000-0

Page 33: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 343

SEÇÃ

O 5

MILLER, O. J.; THERMAN, E. Human Chromosomes. New York: Springer Verlag, 2000.NUSSBAUM, R. L.; MCINNES, R. R.; WILLARD, H. F.; THOMPSON, M. W. Thompson &

Thompson’s Genetics in Medicine. Philadelphia: Saunders, 2001. Versão em português:Genética Médica de Thompson & Thompson. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2002.

OTTO, P. G.; OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O. Genética Humana e Clínica. 2. ed. SãoPaulo: Roca, 2004.

RIMOIN, D. L.; CONNOR, J. M.; PYERITZ, R. E. Principles and Practice of MedicalGenetics. 3. ed. London: Churchill Livingstone, 1996.

SCRIVER, C. R.; BEAUDET, A. L.; SLY, W. S.; VALLE, D. The Metabolic Basis of InheritedDisease. New York: McGraw-Hill, 1995.

STEVENSON, A. C.; DAVISON, B. C. C. Genetic Counseling. Philadelphia: Lippincott,1976.

STRACHAN, T.; READ, A. P. Human Molecular Genetics. New York: Wiley-Liss, 1999.Versão em português: Genética Molecular Humana. Porto Alegre: Artmed, 2002.

THERMAN, E.; SUSSMAN, M. Human Chromosomes. New York: Springer Verlag, 1993.Versão em espanhol: Cromosomas Humanos. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileirade Genética, 1996.

VOGEL, F.; MOTULSKY, A. G. Human Genetics. New York: Springer Verlag, 1997. Versãoem português: VOGEL, F.; MOTULSKY, A. G. Genética Humana. Rio de Janeiro:Guanabara-Koogan, 2000.

CAPÍTULO 37

AconselhamentoGenético e Cálculode RiscosPaulo A. Otto

INTRODUÇÃO: O QUE SE ENTENDEAQUI POR ACONSELHAMENTO GENÉTICOApesar do nome que sugere de imediato algum tipo de inter-venção psicológica, o aconselhamento genético tem por fina-lidade primária o cálculo dos riscos de repetição de uma doençacom qualquer tipo de determinismo genético na prole de umcasal, quase sempre pertencente à família ou ao núcleo fami-liar mais restrito em que ocorreu o afetado. São ainda ativi-dades ligadas de maneira direta ao aconselhamento genéticoa transmissão adequada dessa informação, em linguagem adaptadaao meio socioeconomicocultural dos consulentes, de modo queela possa ser entendida (da mesma maneira como se explicacomo deve ser tomado um antibiótico para combater um estadoinfeccioso), e o apoio psicológico que deve ser dado à famíliano sentido de ajudá-la a adotar uma atitude racional a respeito(da mesma forma como se explica a um consulente detalhessobre a natureza e o prognóstico de uma doença, incurável ounão, diagnosticada nele ou num filho menor). Nestas duas últimasatividades o médico deve ter treinamento adequado, quer sejaum especialista ou um generalista.

Costumam ser citadas como etapas ainda pertinentes aoaconselhamento genético, além das listadas anteriormente, odiagnóstico da afecção ou a sua comprovação, mediante a apli-cação de exames complementares e de laboratório quando indi-cados, e a orientação terapêutica, se existente. Com os progressosfantásticos da medicina, que já foram implantados nos paísesdo primeiro mundo, a realidade é que os diversos especialis-tas (pediatra, neurologista, dermatologista etc.) já vêm tendotreinamento clínico adequado no reconhecimento, diagnós-

tico e orientação das doenças genéticas, que já constituemnesses lugares, em seu conjunto, a principal causa de morbidadee mortalidade nos primeiros e nos últimos anos de vida. Aindamais, com o desenvolvimento vertiginoso das técnicas debiologia molecular aplicáveis ao diagnóstico dessas doen-ças, o interesse por elas aumentou de maneira despropor-cionada nos últimos dez a vinte anos, mesmo em paísesfrancamente subdesenvolvidos.

Em países em desenvolvimento como o Brasil, essa situa-ção já existe, mas apenas nos grandes centros dos estados maisdesenvolvidos econômica e industrialmente. Mesmo assim, emrazão dos problemas crônicos do subdesenvolvimento, mui-tos serviços de aconselhamento genético vêem-se, mesmo quandolocalizados nesses invejáveis bolsões de progresso, obrigadosa se ater ainda a essas etapas de diagnóstico e orientação. Nestecapítulo encara-se isso como expediente de emergência, aten-do-se de maneira especial ao cálculo de riscos. A parte dediagnósticos clínico e laboratorial específicos das doenças gené-ticas está contida nos exemplos descritos por sistema ou apa-relho neste tratado. A parte geral ligada a esses procedimentosestá incluída no outro capítulo desta unidade sobre genética.

INDICAÇÕES DE ACONSELHAMENTO GENÉTICOCom pouquíssimas exceções, todos os consulentes encami-nhados para serviços de aconselhamento genético o fazemcom a finalidade de obter informações sobre a existência deriscos genéticos aumentados para a sua prole. Na maioria doscasos, são eles casais normais que tiveram uma ou mais criançasafetadas cujos problemas enquadram-se numa das seguintescategorias: retardo mental não-atribuível claramente a causasambientais; defeito físico isolado ou não, com ou sem retardomental; síndrome, defeito ou doença condicionada por meca-nismo monogênico (autossômico ou ligado ao X, recessivoou dominante), mecanismo multifatorial ou alteração cromos-sômica. Com certa freqüência são atendidos também casaisconsangüíneos, geralmente sem filhos e sem casos de doen-ças genéticas em suas famílias, os quais desejam informar-sea respeito da existência de eventuais riscos de doença gené-tica, decorrentes da consangüinidade, em sua futura prole.Também procuram os serviços de aconselhamento genéticocom a finalidade de se informarem sobre a existência de ris-cos genéticos aumentados para a sua prole pessoas relativa-mente idosas e indivíduos expostos acidental, terapêutica ouprofissionalmente a radiações ou a drogas e fármacos com ca-pacidade mutagênica. Ainda são atendidos, finalmente, pes-soas adultas afetadas ou normais, porém parentes próximasde indivíduos portadores de defeitos supostamente genéticosou hereditários, e que são encaminhados aos serviços com amesma finalidade.

PAPEL DO CLÍNICO GERAL, DO ESPECIALISTANÃO-GENETICISTA, DO MÉDICO ESPECIALIZADOEM GENÉTICA CLÍNICA E DO GENETICISTAHUMANO NÃO-MÉDICOEm situações simples, como o aconselhamento genético decasais que tiveram uma criança afetada pela síndrome de Downpor trissomia simples ou uma criança afetada por doençaautossômica recessiva como o albinismo oculocutâneo ou afenilcetonúria, tanto o clínico geral como o especialista clí-nico não-geneticista podem incumbir-se perfeitamente doaconselhamento genético do casal. Isso é extremamente dese-jável, uma vez que como médico da família ele terá natural-mente mais facilidades não só na orientação geral como também

978-85-7241-000-0

Page 34: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

344 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

na prestação de auxílio psicológico para ajudar o casal a to-mar alguma atitude racional diante da situação. Quando o seubom senso indicar que ele não está preparado para isso ouainda simplesmente quando se sentir inseguro ante às com-plexidades da situação, o médico encaminhará o caso para umserviço de aconselhamento genético ou para um especialistaem genética clínica, com a mesma naturalidade com que en-caminha seus pacientes para parecer ou consulta a um espe-cialista em Oncologia, Hematologia etc.

Os especialistas em genética clínica são médicos que tive-ram treinamento específico no reconhecimento (diagnóstico)e na orientação (aconselhamento genético) de doenças com com-ponente genético importante. No início, essa proficiência eraconseguida exclusivamente às custas de cursos de pós-gra-duação com ênfase nas áreas de genética humana e genéticamédica, como os oferecidos pelas Universidades de São Pau-lo (USP), Federal do Paraná e Federal do Rio Grande do Sul.Mais recentemente, os conhecimentos necessários são conse-guidos também por meio de estágios de especialização e re-sidência médica, como é o caso dos cursos oferecidos pelaFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e pela Fa-culdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual deCampinas. Ainda mais recentemente, a Sociedade Brasileirade Genética Clínica vem outorgando títulos de especialista aprofissionais da área médica aprovados em concursos realiza-dos periodicamente com essa finalidade específica.

Com a melhoria das condições médico-sanitárias que seobserva mesmo em países subdesenvolvidos e em desenvol-vimento, por outro lado, mesmo os especialistas não-geneti-cistas vêm se defrontando cada vez mais com casos de doençasgenéticas. Em futuro relativamente próximo o especialista clíniconão-geneticista deverá receber treinamento adequado para lidarcom as doenças genéticas de sua área, ficando apto a acompa-nhar pelo menos boa parte dos casos que acontecerem dentrode sua clínica, o que já acontece há algum tempo com espe-cialistas em Neurologia, Pediatria e Ortopedia (apenas paracitar algumas especialidades) formados em boas faculdadesdos grandes centros brasileiros.

Em geral, as especialidades médicas concentram-se em gru-pos ou subgrupos de doenças cujos denominadores comuns sãoos aparelhos e sistemas (como no caso da otorrinolaringologia,oftalmologia, dermatologia etc.) ou a idade ou o sexo dos afetados(pediatria, ginecologia etc.) ou ainda circunstâncias especiaiscomo a gravidez e a infertilidade (obstetrícia e clínica de repro-dução e infertilidade). Muito raramente as especialidades sãoagrupadas pelo modo de ação ou transmissão do patógeno: clas-sicamente, isso acontecia com as doenças tropicais ou exóti-cas, quase sempre de natureza parasitária, e com as doençasinfecciosas; o agrupamento aqui se justificava pelo fato de essasdoenças possuírem prevalência populacional elevada e seremreconhecíveis com facilidade, pois apresentam uma série de sinaise sintomas típicos em comum. A especialidade Genética Clíni-ca, que a princípio trata de um grupo heterogêneo de doençaspertencentes a várias especialidades clínicas clássicas, aglutinaem si o estudo de condições cujo único ponto de contato é acausação (“doenças de origem genética”) ou o modo de trans-missão (“doenças hereditárias”), quando este ocorre. O fatorcomplicante disso é a freqüência, em geral insolitamente bai-xa, com que ocorrem essas doenças ou defeitos. Isso faz comque mesmo o especialista em Genética Clínica seja obrigadoconstantemente a se envolver com problemas intermináveis ecada vez mais complicados de diagnóstico diferencial. Nos últimostempos esses problemas vêm se minimizando por causa da massacrítica já relativamente numerosa de especialistas, à prolifera-ção em ritmo frenético de exames especializados de laborató-rio que facilitam muito o diagnóstico diferencial de várias doenças

com mecanismos de transmissão diferentes e à existência debancos de dados atualizados sobre essas doenças, de acessofácil pela internet. O melhor desses bancos de dados (OMIM= Mendelian Inheritance in Man) é o organizado pelo Profes-sor Victor McKusick, da Universidade Johns Hopkins, nosEstados Unidos, acessado pelo endereço eletrônico http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/searchomim.html. Além de permitir abusca de quase todas as condições patológicas hereditáriasconhecidas, esse banco de dados fornece listas de patologias comvários sinais e sintomas em comum, introduzidos no sistemapelos usuários, o que facilita tremendamente o trabalho de diag-nóstico diferencial não só para os geneticistas como tambémpara especialistas ou generalistas não-geneticistas clínicos.

Carece de fundamento lógico a idéia de que o aconselha-mento genético não possa ser realizado por não-médicos, umavez que a atividade em si não envolve diagnóstico por meiosinvasivos nem intervenção terapêutica. Tanto assim que nosEstados Unidos já existe até a figura do especialista em acon-selhamento genético, reconhecida plenamente pela classe médica,da mesma maneira que há muitos anos lá e mais recentementeentre nós já existe a especialidade de psicologia clínica, exercidapor profissionais não-médicos da área de psicologia. O maisimportante de tudo é que o aconselhador genético tenha umbom treinamento em genética humana e esteja atualizado quantoaos aspectos gerais da patologia em pauta para ser capaz deorientar os afetados e suas famílias com segurança. Esse assuntovem sendo debatido de maneira emocional já há bastante tempo,com conseqüências injustas para o pessoal não-médico ligadoà especialidade; de fato, além de haver sido criada por essesprofissionais, por muitos anos ela foi não apenas exercida comotambém desenvolvida por pessoal ligado à área básica de pes-quisa. Só mais recentemente é que a atividade de genética médicae clínica foi reconhecida como importante pela própria classemédica, adquirindo status de especialidade médica e trazendocomo conseqüências situações conflituosas de interesse. O autordeste capítulo, que trabalha em serviços de aconselhamentogenético desde os anos de internato médico do final do cursode medicina (1968), jamais vivenciou pessoalmente algumproblema realmente sério ligado a isso. No Departamento deBiologia/Genética do Instituto de Biociências da USP trabalhadesde 1972 num serviço de aconselhamento genético, no qualmédicos e biólogos convivem em perfeita harmonia. Esse serviçonunca deixou de contar, em sua equipe de atendimento, commédicos altamente treinados em genética médica, a maioria dosquais com pós-graduação e doutorado na especialidade, e combiólogos, muitos dos quais chegaram a adquirir proficiênciainvejável no lidar com certas patologias, a ponto de serem reco-nhecidos por especialistas médicos, como é o caso de distrofiasmusculares, retardo mental e surdez não-sindrômica, áreas nasquais o serviço é considerado centro de excelência. É óbvio quese sabe de abusos ocorridos esporadicamente aqui e ali, porexemplo, raros casos de geneticistas não-médicos que se arvoramem searas clínicas ou de médicos que praticam a especialidadesem nenhum conhecimento técnico do assunto, simplesmenteporque se julgam com direito de fazê-lo por serem médicos.No entanto, esses raros casos pouco a pouco vão sendo coibidospela censura interpares e pelo policiamento das sociedades eórgãos de classe, tanto de médicos como de biólogos e de outrosprofissionais não-médicos da área de saúde.

QUANDO, COMO E PARA ONDE ENCAMINHARCASOS PASSÍVEIS DE ACONSELHAMENTO GENÉTICOQuando desconfiar da participação de fatores genéticos numcaso qualquer para cuja orientação se sentir despreparado ouinseguro, o médico deverá encaminhar a família para um ser-

978-85-7241-000-0

Page 35: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 345

SEÇÃ

O 5

viço de aconselhamento genético ou para um especialista emgenética clínica, como já mencionado superficialmente. Comose costuma fazer no encaminhamento adequado de pacientesa especialistas para parecer ou algum exame especializado, édesejável que a família receba do seu médico, antes da consultacom o geneticista, um relatório sobre o caso, incluindo a suspeitaclínica e um sumário dos exames e procedimentos já realiza-dos. Apesar de a situação haver melhorado bastante nos últi-mos anos, os serviços de genética médica e aconselhamentogenético (principalmente os de natureza mais pública) aindacostumam receber com certa freqüência encaminhamentossumários contendo, quando muito, apenas a indicação “sín-drome genética a esclarecer”.

Muitos serviços de aconselhamento genético, tanto no Brasilcomo no exterior, continuam ligados a Departamentos uni-versitários, em geral de Faculdades de Biologia, Biociências,Biomédicas ou afins, que funcionam independentemente de Fa-culdades de Medicina ou de Hospitais Universitários. Muitosserviços de genética clínica ou médica que funcionam liga-dos a Faculdades de Medicina e Hospitais Universitários fo-ram fundados por especialistas em Genética Humana e Médicanão-médicos ou por médicos que tiveram seu treinamento naespecialidade apenas por cursos de pós-graduação em insti-tuições não-médicas. Tudo isso é explicado pelo fato de quasetoda a pesquisa básica na área haver se originado nessas últi-mas instituições, orientada por pesquisadores profissionais.Nos últimos tempos, a situação vem se profissionalizando cadavez mais (tanto no exterior como no Brasil), de modo que prati-camente todos os serviços não ligados de forma direta a Facul-dades de Medicina ou a hospitais possuem, em suas equipes,médicos com treinamento em genética clínica, os quais intera-gem com os demais profissionais do serviço, especialistas não-médicos em citogenética, biologia molecular ou cálculo deriscos, por exemplo. Nos Estados Unidos, com freqüência essesserviços encontram-se duplicados nas Universidades, encarre-gando-se os diretamente ligados a departamentos médicos decasos rotineiros sem interesse de pesquisa básica e de casosaos quais interessa a experimentação clínica e terapêutica,enquanto os ligados a departamentos de pesquisa básica emgenética recebem prioritariamente casos com interesses aca-dêmico e científico.

A Sociedade Brasileira de Genética Clínica disponibilizaem seu site (http://www.sbgc.org.br/) listas de serviços de acon-selhamento genético e de especialistas em genética médica eclínica. Estão listados, a seguir, alguns desses serviços loca-lizados no Estado de São Paulo e citados por Brunoni1. Namaioria desses serviços as consultas são marcadas por tele-fone e os consulentes ou profissionais que os estiverem en-caminhando deverão, já nessa ocasião, fornecer informaçõessumárias sobre o caso, incluindo a suspeita diagnóstica e osexames solicitados (isso é importante porque já existe umcerto grau de especialização dentro de cada serviço). Sãoeles: Centro de Estudos do Genoma Humano, reunindo osserviços de aconselhamento genético do Laboratório de Gené-tica Humana, Unidade de Aconselhamento Genético e Labo-ratório de Genética Molecular Humana (Departamento deBiologia/Genética do Instituto de Biociências da Universi-dade de São Paulo em São Paulo – SP); Unidade de GenéticaClínica, Instituto da Criança, Hospital de Clínicas da Faculdadede Medicina, Universidade de São Paulo (São Paulo – SP);Centro de Genética Médica da Escola Paulista de Medicina,Universidade Federal de São Paulo (São Paulo – SP); Depar-tamento de Genética, Hospital de Lesões Labiopalatais, Fa-culdade de Odontologia, Universidade de São Paulo (Bauru –SP); Departamento de Genética, Faculdade de Ciências Mé-dicas, Universidade Estadual de Campinas (Campinas – SP);

Serviço de Aconselhamento Genético, Departamento de Ge-nética, Instituto de Biociências/Faculdade de Medicina, Uni-versidade Estadual Paulista (Botucatu – SP); Setor de GenéticaClínica, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Universidadede São Paulo (Ribeirão Preto – SP).

RISCOS DE RECORRÊNCIA EM SITUAÇÕES SIMPLESEntendem-se aqui por simples as seguintes situações:

Casos de ocorrência isolada (ou seja, sem repetição nafamília) de doenças diagnosticadas correta e sabidamentedeterminadas por qualquer um dos mecanismos seguintes:monogênico (recessivo ou dominante, autossômico ouligado ao cromossomo X), multifatorial e cromossômico.Os consulentes que se enquadram nesta e na categorialistada a seguir são casais normais que tiveram crian-ças afetadas; indivíduos afetados; e parentes próximosde afetados.Casos de ocorrência familial (ou seja, com repetição nafamília) de doenças diagnosticadas correta e sabidamentedeterminadas por qualquer um dos mecanismos mencio-nados no item anterior; ou doenças não diagnosticadasou desconhecidas, mas que não deixam dúvidas, por meiode seu padrão de segregação no heredograma da família,acerca de seu mecanismo de transmissão.Casos de casais consangüíneos, geralmente primos sim-ples em primeiro grau, sem filhos afetados e quase sem-pre sem parentes próximos afetados, que procuramorientação quanto à existência de riscos genéticos paraa prole, decorrentes apenas da consangüinidade.Casos de pessoas relativamente idosas, que desejaminformar-se sobre a existência de riscos genéticos de-pendentes da idade para a sua prole.

Não serão tratadas aqui outras situações igualmente sim-ples, mas que são relativamente raras, como exposição aci-dental ou profissional a agentes mutagênicos ou teratogênicosquímicos e físicos. Essas e outras situações são tratadas comalgum detalhe em obras padronizadas e livros-texto sobregenética clínica e médica ou sobre aconselhamento genéticocomo os listados nas referências bibliográficas.

RISCOS PARA IRMÃOS DE CASOS ISOLADOSDE DOENÇAS, SÍNDROMES OU DEFEITOSCONDICIONADOS POR MECANISMO MONOGÊNICO,MULTIFATORIAL OU CROMOSSÔMICOApesar de constituir a situação de compreensão menos intui-tiva e mais complicada, é a mais comum na prática do acon-selhamento genético. Por isso se começará por ela, mostrando,de maneira o mais intuitiva e informal possível, como são esti-mados os riscos de recorrência na prole de casais normais quetiveram uma criança afetada isolada.

Mecanismo MonogênicoAs doenças monogênicas são determinadas por genes que ocorremna população em freqüências quase sempre muito baixas, umavez que em se tratando de doenças, promovem de maneiradireta ou indireta uma diminuição do desempenho reprodutivodos afetados e o conseqüente bloqueio ou diminuição da trans-missão do gene patológico (em geral referido como mutante,para contrastá-lo com o alelo normal). Chamando de s essa di-minuição relativa (que em genética recebe o nome de coefi-ciente de seleção), a freqüência da doença ao nascimento, a

978-

85-7

241-

000-

0

Page 36: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

346 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

cada geração, acaba se fixando numa taxa muito baixa queresulta do equilíbrio entre as forças opostas da introdução dealelos recém-mutados por geração e da sua eliminação porseleção negativa dos afetados.

Quando se trata de uma mutação autossômica dominanteque impede o seu portador de se reproduzir, a freqüência dadoença ao nascimento fixa-se num valor igual a duas vezes ataxa de mutação do gene (2u), ou seja, somente nasce afetadauma criança que recebeu o gene recém-mutado no espermato-zóide (com probabilidade u) ou no óvulo (com a mesma proba-bilidade u) que a originaram. Em casos em que a doença apenasdiminui o desempenho reprodutivo de seu portador, o queresultará em ter ele, em média, número menor de filhos do queum indivíduo qualquer sem a mutação, a freqüência da doençana população fixar-se-á num valor determinado pelo equilí-brio entre a quantidade de mutações introduzidas por geraçãona população (quantidade que é dada exatamente pela taxa demutação do gene, que possui ordem de grandeza irrisória, entre10-4 e 10-8) e a total de genes eliminados por geração: se odesempenho reprodutivo dos afetados é w = 1–s em relaçãoaos não-afetados, a chance de eliminação do afetado é 1–w = s.Ora, com raríssimas exceções, os afetados por doenças autos-sômicas dominantes são heterozigotos. De fato, homozigotossó poderiam surgir se ocorresse mutação em ambos os gametasque os originassem a partir de genitores não-afetados ou daunião de um gameta com o gene patológico produzido por umafetado mais um gameta mutado produzido pelo parceiro nor-mal, ou ainda de gametas com o gene deletério produzidos porum casal de afetados; e a probabilidade de ocorrência ao acasode cada uma dessas situações é absolutamente desprezível. Cadavez que um desses afetados heterozigotos é eliminado por seleção(na taxa de um afetado por N indivíduos da população) estáocorrendo eliminação de um gene deletério A, na taxa de umgene em relação aos 2N genes da população; disso tudo resultaque, se a freqüência de afetados heterozigotos ao nascimentoé x = NAa/N e se a intensidade relativa de seleção deles é s, ataxa de eliminação de genes A por geração é sx/2. Em equi-líbrio (como acontece com populações relativamente antigas),u = sx/2, de modo que a freqüência de afetados ao nascimentonuma população qualquer é x = 2u/s, que se reduz a x = 2uquando s = 1 (indicando que o gene é letal e que nenhum afetadoconsegue se reproduzir). O importante disso tudo é que a ordemde grandeza da incidência das doenças autossômicas dominan-tes e dos genes que as determinam é uma quantidade insolita-mente baixa, quase da ordem da taxa de mutação do gene.

Isso tudo explica o fato de que, na maioria das vezes, osafetados por doenças autossômicas dominantes são casos iso-lados em suas famílias, sendo o resultado de mutação ocor-

rida num dos gametas que os originaram. Geralmente não existerisco aumentado de repetição da doença na família quandoessa situação se configura e a doença tem penetrância com-pleta (significando que todos os heterozigotos Aa são afeta-dos); quando a penetrância é incompleta, o risco de repetiçãoda doença num futuro irmão de afetado isolado é R = K (1–K)/2, em que K é o valor da taxa de penetrância do gene. Nãoé muito complicado deduzir-se esta última fórmula, pois ogene presente no afetado e responsável pela doença ou foitransmitido por um dos progenitores heterozigoto não-pene-trante ou originou-se de mutação ocorrida num dos gametasque o originaram. Como um heterozigoto normal só pode sê-lo por haver recebido um gene (com probabilidade meio) não-penetrante (com probabilidade 1–K) de qualquer um de seusprogenitores também heterozigotos normais ou de haver re-cebido uma mutação recém-ocorrida no gameta paterno ou nomaterno que o originou (probabilidade 2u), também não pe-netrante (probabilidade 1-K). Portanto, P (het,nl) = 2 × P (het,nl)/2 × (1–K) + 2u (1–K), do qual se tira que P (het) = 2u (1–K)/K. Se existe um afetado na prole do casal, isso pode teracontecido de duas maneiras: (1) o pai ou a mãe são heterozigotosnão-penetrantes, transmitiram o gene ao filho e o gene pene-trou; (2) o pai e a mãe não são heterozigotos mas ocorreu mutaçãonum dos gametas que originaram o filho e, por fim, o alelomutado penetrou. As probabilidades conjuntas associadas aoseventos (1) e (2) são respectivamente 2 × 2u (1–K)/K × 1/2 ×K = 2u (1–K) e [1 – 2u (1–K)/K]2 × 2u × K ~ 2uK. A proba-bilidade favorecendo a hipótese de que um dos genitores é hete-rozigoto não-penetrante, dado que tem um filho afetado, ficasendo então P (het|filho afetado) = 2u (1–K)/ [2u (1–K) + 2uK]= (1–K). Logo, o risco de que nova criança que o casal venha a ternasça igualmente afetada reduz-se realmente a R = K (1–K)/2,onde (1–K) é a probabilidade de heterozigose para um dosgenitores, meio é a chance de transmissão do alelo patológicoe K é a probabilidade deste penetrar, uma vez transmitido.

Esse risco é de, no máximo, 12,5%, valor que correspondea uma taxa de penetrância K = 0,5; como essa taxa é na rea-lidade quase sempre alta, da ordem de 80 a 90% ou mais, orisco de repetição tende a ser baixo, 8 a 5%, ou menos. Quan-do o afetado tem irmãos normais, esses riscos são evidente-mente menores, como se constata da inspeção da Figura 37.1e da Tabela 37.1, que mostram riscos aplicáveis na situaçãoem que o afetado isolado faz parte de uma irmandade com n(variando de zero a seis) irmãos normais.

A situação é similar no caso de doenças dominantes liga-das ao cromossomo X. Comumente o quadro clínico de indi-víduos de sexo masculino afetados (hemizigotos quanto aogene) é muito grave ou mesmo letal, ao contrário das mulhe-res heterozigotas quanto ao gene, que apresentam, em geral,quadro clínico brando, quando comparado às manifestaçõesem homens hemizigotos. Quando o caso é isolado numa fa-mília, mormente quando se tratar de um afetado masculino, équase certo que a ocorrência deveu-se a uma mutação recém-ocorrida num gameta parental.

No caso de doenças recessivas ligadas ao cromossomo X,a freqüência do gene na população é também mantida emtaxas muito baixas, próximas ao valor de sua taxa de muta-ção. De fato, para sua freqüência aumentar sistematicamentena população seria necessário que esse gene fosse transmi-tido de geração a geração apenas por mulheres heterozigo-tas normais, mas a chance de isso acontecer é pequena, porquetoda vez que uma mulher heterozigota tem uma criança, háuma probabilidade igual a um quarto de que essa criançaseja um menino hemizigoto quanto ao gene deletério, quesofrerá seleção intensa. Como a eliminação do gene dá-seexclusivamente por meio de indivíduos afetados de sexo mas-

Figura 37.1 – Riscos de recorrência (R) de doença autossômica do-minante com penetrância incompleta em função da taxa de penetrância(K) e do número n (0,...,6) de irmãos normais do afetado

R

0,12

0,1

0,08

0,06

0,04

0,02

0

0

1

23

45

6

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1K

978-85-7241-000-0

Page 37: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 347

SEÇÃ

O 5

culino e um terço dos cromossomos X da população estãoem indivíduos de sexo masculino (numa população em quefêmeas XX e machos XY ocorrem em proporções quase iguais),é fácil constatar-se que a eliminação de indivíduos afetados,sx, corresponde à eliminação de um terço dos genes deleté-rios contidos na população total; é intuitivo, portanto, quenesse caso u = sx/3 e x, a freqüência de afetados ao nasci-mento na população geral, reduz-se a 3u/s, expressão essaque se iguala a 3u quando s = 1 (numa doença letal ligadaao X, como é o caso da distrofia muscular de Duchenne).Ainda nesse caso letal, como a freqüência da doença aonascimento é 3u e u é a probabilidade de ocorrência da mutaçãono cromossomo X que um menino recebe de sua mãe, con-clui-se que um terço dos casos da doença é o resultado demutação nova; nos dois terços remanescentes o gene mutanteé herdado de mães heterozigotas clinicamente normais. Nocaso geral em que s é diferente de um, a freqüência da doençaao nascimento fixa-se em 3u/s, com uma fração u resultandode mutação nova: a chance de um caso isolado qualquer sero resultado de mutação nova reduz-se, logo, a u/(3u/s) = s/3;a quantidade complementar (3–s)/3 indica a probabilidadede o caso ser herdado. Por exemplo, no caso da distrofia muscu-lar de Becker ou da hemofilia por deficiência do fator VIII,o coeficiente de seleção dos afetados foi estimado em cercade 30%. As chances de um caso aparentemente isolado des-sas doenças ser o resultado de mutação nova ou haver sidoherdado são, respectivamente, 10 e 90%. Essas cifras, no entanto,aplicam-se formalmente apenas na situação em que não existeinformação alguma sobre os ascendentes diretos do afetado.Quando existem essas informações, sabendo-se que não fo-ram encontrados afetados entre os seus ascendentes diretos,o gene, na hipótese de haver sido transmitido ao afetado, ofoi exclusivamente por meio de mulheres heterozigotas. Nessecaso, aplicam-se as cifras correspondentes a genes letais, umterço e dois terços. Tomando como exemplo outra vez a distrofiamuscular progressiva de Duchenne, quando nasce de um casaluma criança afetada, caso único na família, o risco de repe-tição numa próxima criança do casal é 2/3 × 1/4 = 1/6 oucerca de 17%. Se já existirem na irmandade do afetado nmeninos normais, a probabilidade favorecendo a hipótese demutação nova aumenta e o risco de repetição diminui. De fato,se a freqüência de afetados na população, no caso da distrofiade Duchenne, é 3u e dois terços desses casos são herdados(com probabilidade 1/2 de mães heterozigotas), a chance deuma mulher qualquer da população ser heterozigota é 2/3 ×3u × 2 = 4u. A ocorrência de um afetado e n meninos nor-mais na prole de uma mulher qualquer pode acontecer sobas hipóteses de ser ela heterozigota ou não. Para que o eventoocorra na primeira hipótese, é preciso que a mulher seja antesde mais nada heterozigota (probabilidade 4u) e transmita oalelo recessivo ao afetado (com probabilidade meio) e o alelonormal a seus n meninos normais com probabilidade (1/2)n.Na hipótese alternativa é preciso que ela não seja heterozigota(probabilidade 1–4u), que ocorra mutação no gene que elatransmita ao filho que virá a ser afetado (probabilidade u) eque transmita o alelo normal aos n meninos não-afetados (comprobabilidade 1n = 1, uma vez que ela é homozigota normalsob hipótese). As probabilidades a favor de ser a mulherheterozigota ou não, dado que tem um filho afetado e n me-ninos normais, estão entre si assim como os produtos 4u.(1/2)n + 1 = 2u (1/2)n e (1–4u).u.1 = u-4u2 ~ u. A probabilidadede ser ela heterozigota reduz-se então a P (het) = 2. (1/2)n/[2. (1/2)n + 1]. Essa expressão toma o valor dois terços quandon = 0 e já cai para P (het) = 1/2 quando n = 1. Outros valoressão mostrados na Tabela 37.2, juntamente com os riscos de re-petição na irmandade do afetado, obtidos de R = P (het).1/4.

Também no caso de doenças produzidas por mecanismoautossômico recessivo, elas ocorrem na população com fre-qüência muito baixa, pois em equilíbrio u = s.x, em que x,como nos casos anteriores, é a incidência da doença ao nas-cimento. Como cada vez que um indivíduo aa é eliminado(em relação aos N indivíduos da população) dois genes a sãoretirados do total de 2N genes da população, a quantidade s.xé tanto a taxa de eliminação de indivíduos aa como de genes a.

Uma população na qual os casamentos ocorrem ao acasoequivale a uma população cujos indivíduos resultam da com-binação ao acaso entre os gametas produzidos por indivíduosde sexos opostos. Assim, se a freqüência do gene autossômi-co A for p e a de seu alelo a for q, estas serão exatamente asfreqüências com que ocorrerão espermatozóides e óvulosproduzidos na população. Disso resulta que as probabilidadesde se formarem indivíduos AA, Aa e aa são, respectivamente,p2, 2pq e q2. Quando se tratar de um loco do X, os indivíduos desexo masculino ocorrerão exatamente nas freqüências gaméticasp e q, ao passo que os genótipos femininos AA, Aa e aa ocor-rerão nas proporções p2, 2pq e q2, tal qual se tratasse de umautossomo. Voltar-se-á agora às expressões que descrevemo equilíbrio entre as forças opostas de mutação e seleção, eque são dadas respectivamente para os casos autossômicodominante, ligado ao X recessivo e autossômico recessivopor u = sx/2, u = sx/3 e u = sx. No primeiro caso x é igual a2pq; no segundo, a q; e no terceiro, a q2. Portanto, essas trêsfórmulas podem ser reescritas como spq ~ sp, sq/3 e sq2. Evi-dentemente essas quantidades todas são da ordem de grandeza

TABELA 37.1 – Riscos de recorrência (R) de doençaautossômica dominante com penetrância incompleta emfunção da taxa de penetrância (K) e do número n (0,...,6) deirmãos normais do afetado

n

K 0 1 2 3 4 5 6

0,00 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,0000,10 0,045 0,045 0,045 0,044 0,044 0,044 0,0430,20 0,080 0,078 0,076 0,074 0,072 0,070 0,0680,30 0,105 0,100 0,094 0,088 0,082 0,076 0,0700,40 0,120 0,109 0,098 0,087 0,076 0,066 0,0560,50 0,125 0,107 0,090 0,074 0,060 0,048 0,0380,60 0,120 0,095 0,074 0,056 0,041 0,030 0,0220,70 0,105 0,076 0,054 0,037 0,025 0,017 0,0110,80 0,080 0,052 0,033 0,020 0,013 0,008 0,0050,90 0,045 0,026 0,015 0,008 0,005 0,003 0,0011,00 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000

TABELA 37.2 – Probabilidades de heterozigose [P(het)] para amãe de um afetado isolado por doença recessiva ligada aocromossomo X e risco de repetição da doença (R) num próximoirmão do afetado, em função do número n de irmãos normaisque ele já tem

n P(het) R

0 0,667 0,1671 0,500 0,1252 0,333 0,0833 0,200 0,0504 0,111 0,0285 0,059 0,0156 0,030 0,0087 0,015 0,0048 0,008 0,002

978-

85-7

241-

000-

0

Page 38: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

348 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

da taxa de mutação, fazendo com que tanto p como q/3 tam-bém sejam quantidades insolitamente baixas: por isso é achance de um caso qualquer de doença dominante ou recessivaligada ao X ser o resultado de mutação nova é sempre muitoalta. Já no caso autossômico recessivo os afetados que sãoeliminados ocorrem na taxa q2, que também quase sempre éuma quantidade insolitamente baixa; mas a freqüência do geneq é relativamente alta (da ordem de 1% para uma taxa de afe-tados da ordem de 1/10.000 = 1% × 1%, de modo que paraessa freqüência de afetados (1/10.000) espera-se que existamcerca de 2pq = 2q (1–q) ~ 2q = 2% de heterozigotos normais,porém, portadores do gene patológico na população. Quandona prole de um casal qualquer surge um afetado por doençarecessiva é muito mais provável, portanto, que os genes emhomozigose do afetado tenham sido transmitidos por hetero-zigotos do que tenham (um ou ambos) se originado por mutaçãonova. Isso explica o risco de repetição de 25% que se aplicasempre que ocorre um caso de doença recessiva na prole deum casal normal.

Mecanismo MultifatorialNo chamado mecanismo multifatorial o traço fenotípico édeterminado pela ação conjunta e integrada de fatores gené-ticos e ambientais. Os fatores genéticos estão aqui represen-tados não mais por um par de alelos com relação de dominânciaou co-dominância, mas sim por um sistema poligênico, ouseja, por um conjunto de genes localizados em locos comu-mente independentes um do outro sob o ponto de vista físico(em cromossomos diferentes ou em pontos muito afastadosde um mesmo cromossomo), mas não do ponto de vista fun-cional ou fisiológico, uma vez que todos eles intervêm na de-terminação da característica, que por causa disso exibirá umavariação contínua ou praticamente contínua. Sob o ponto devista didático e para facilitar a compreensão dos modelos, costuma-se tratar os efeitos dos genes de cada loco como iguais ouaproximadamente iguais, mas é certo que todo sistema poligênicoapresentará genes com efeito mais forte (“genes principais”):a segregação desses genes em algumas famílias pode indicarsuperficialmente um padrão de herança autossômico domi-nante. A determinação das características dependentes desse

padrão é tão complexa que não se sabe até hoje quantos locosintervêm na determinação de traços fáceis de serem averigua-dos, como é o caso do peso e da altura das pessoas. As com-plicações ligadas a características patológicas multiplicam-se,pois elas ocorrem com freqüência baixa na população e osfatores não-genéticos ligados à sua determinação não são óbvioscomo no caso de características normais (por exemplo, o peso,onde a intervenção, na condição de fator ambiental, da quan-tidade e qualidade da comida, é clara). Em decorrência de tudoisso, de data relativamente distante para cá lança-se mão deriscos calculados empiricamente. Por exemplo, para se conhecero risco de repetição de casos de lábio leporino em irmandadescom um afetado isolado verificou-se simplesmente, do totalde irmãos nascidos após o caso índice, quantos eram portado-res de defeito igual ou similar. Procedendo-se dessa maneiraem relação a várias condições multifatoriais conseguiu-se de-terminar com precisão esse risco de recorrência, que já se sabiaser baixo ou pelo menos não muito alto para muitas condições.Esses riscos são comumente listados em livros-texto, dos quaisforam selecionados os constantes da Tabela 37.3. Excepcional-mente esses riscos são superiores a 5%, a maioria concentran-do-se na faixa de 2 a 4%; as condições listadas com riscos maioresque esses geralmente são heterogêneas, incluindo uma propor-ção de casos de determinação monogênica com riscos bem superio-res às taxas mencionadas anteriormente.

Doenças Produzidaspor Defeitos CromossômicosNo caso de doenças, síndromes e defeitos produzidos poraberrações cromossômicas, na maioria das situações os afe-tados são esporádicos (casos isolados em razão de defeitoscromossômicos não presentes nos genitores), não existindoacréscimo de risco significativo na irmandade do afetado.Quando o defeito numérico (por exemplo, uma trissomia autos-sômica simples, como a do cromossomo 21 que ocorre nasíndrome de Down ou do cromossomo 18 que ocorre na síndromede Edwards) está presente apenas na criança afetada, o riscode afecção num próximo concepto do casal é da ordem de1% se os progenitores (em geral as mães) forem jovens, tomandovalores ligeiramente maiores com o aumento da idade, comomostra a Tabela 37.4, aplicável a casos esporádicos de síndromede Down causados por trissomia simples e outros defeitosdo cromossomo 21.

A Tabela 37.4 mostra os riscos de ocorrência e de recor-rência em função da idade materna, notando-se que o risco derecorrência é sempre cerca de 1% maior que o de ocorrênciana prole de mulheres pertencentes ao mesmo grupo etário.Esse achado aparentemente paradoxal tem explicação fácil:ao se considerar um grupo de genitores que já tiveram umacriança com síndrome de Down, é de se esperar que entre eleshaja uma proporção maior de pessoas com algum tipo demosaicismo minoritário comprometendo a linhagem germi-nativa ou com genes que predisponham à não-disjunção docromossomo 21 do que no grupo de pessoas de mesma idadeque ainda não tiveram nenhum filho afetado. Daí o acréscimode risco de 1% quando são comparadas as duas taxas.

O caso anterior constitui o exemplo mais importante deriscos genéticos dependentes da idade. Um aprofundamentodo assunto pode ser encontrado no interessante artigo de Frota-Pessoa2, cuja leitura se recomenda.

No caso de outras trissomias autossômicas como as res-ponsáveis pelas síndromes de Edwards e de Patau, os riscosde repetição são de uma ordem de grandeza bem mais modes-ta que os observados no caso da síndrome de Down, isso porqueas chances de eliminação do concepto são muito altas, fato que

TABELA 37.3 – Incidência ao nascimento e riscos de recorrênciapara parentes em primeiro grau de afetados (filhos, irmãos) dealguns defeitos condicionados por mecanismo multifatorial6

INCIDÊNCIA RISCO DEDEFEITO OU DOENÇA (%) RECORRÊNCIA (%)

Luxação congênita do 0,07 5quadril

Estenose hipertrófica 0,3 4do piloro

Lábio leporino com ou sem 0,1 4palato fendido

Palato fendido 0,04 2Epilepsia 0,5 10Pé torto 0,1 5Anencefalia 0,2 5Espinha bífida 0,3 5Retardo mental inespecífico 1 6Estenose aórtica 0,05 2Comunicação interauricular 0,1 3Coarctação da aorta 0,06 2Comunicação interventricular 0,1 1Doença de Hirschsprung

(megacolo congênito) 0,02 4

978-85-7241-000-0

Page 39: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 349

SEÇÃ

O 5

explica a grande discrepância entre a incidência da síndromede Down (1/500 a 1/1.000 entre recém-natos de ambos os sexos)e as das outras duas condições, de uma ordem de grandeza pelomenos dez vezes menor.

Riscos baixos de repetição constituem geralmente a re-gra para casos de defeitos numéricos (aneuploidias), mas emcasos em que a criança é portadora de um defeito cromossô-mico estrutural essa alteração pode estar presente num dosprogenitores em estado equilibrado (ou seja, sem determi-nar efeitos fenotípicos deletérios) numa certa percentagemde casos, quase sempre pequena. Por exemplo, na síndrome deDown menos de 5% dos casos devem-se a translocaçõesenvolvendo um cromossomo 21 e um acrocêntrico qualquer(cromossomos 13, 14 e 15 do grupo D e cromossomos 21 e22 do grupo G). Em cerca de 10 a 20% desses casos atranslocação está presente em estado equilibrado em um dosgenitores: se a translocação é entre o 21 e o 22 ou qualquercromossomo do grupo D, os riscos empíricos de repetiçãode síndrome de Down na irmandade de um afetado variam decerca de 5% (quando o progenitor masculino é portador datranslocação) a 15% (quando a translocação equilibrada estána mãe da criança). Quando se trata da raríssima translo-cação 21/21, presente em estado equilibrado num dos geni-tores, o risco de recorrência é de 100%, qualquer que seja ogenitor portador da translocação equilibrada. Nos 80 a 90%dos casos remanescentes em que há translocação apenas nacriança afetada, aplicam-se os riscos correspondentes à si-tuação de trissomia simples. O mesmo ocorre quando a criançaé portadora de mosaicismo cromossômico.

RISCOS PARA A PROLE DE CASOS ISOLADOSDE DOENÇAS, SÍNDROMES OU DEFEITOSCONDICIONADOS POR MECANISMO MONOGÊNICO,MULTIFATORIAL OU CROMOSSÔMICOEsses riscos, ao contrário do que sucede com os anteriormentevistos, são de determinação trivial.

Doenças Autossômicas DominantesNo caso de doenças autossômicas dominantes com penetrânciacompleta, como é o caso da acondroplasia, supondo-se (comoacontece comumente) que o afetado isolado se case com pes-soa normal não-aparentada (detalhe que se admitirá tambémno tratamento dos outros tipos de doença), o risco fixa-se em50%, pois basta o filho receber o alelo patológico de seu genitorafetado para também desenvolver a doença. Quando a pene-trância é incompleta, como é o caso do retinoblastoma bilateral(valor de K da ordem de 80%), o risco de ocorrência de criançaafetada na prole de afetado é K/2, pois para isso acontecer épreciso que o gene seja transmitido à prole (com probabilidademeio) e penetre (com probabilidade K). No caso do retinoblas-toma bilateral esse risco é K/2 = 0,80/2 = 0,40 ou 40%.

Doenças Dominantes Ligadas ao XNo caso de doenças dominantes ligadas ao cromossomo X, asituação é semelhante à do item a para doenças com pene-trância completa, na situação de mulheres afetadas, que terãoem média metade dos filhos ou filhas afetados. No caso dehomens afetados, o risco global para a prole também se fixaem 50%, com a diferença de que todas as filhas serão afeta-das, o que não sucederá com nenhum dos filhos, que recebe-rão do pai não o X, mas sim o cromossomo Y. Na maioria dasdoenças produzidas por esse tipo de padrão, o quadro clínicodos afetados de sexo masculino é gritantemente mais graveque o apresentado pelas mulheres heterozigotas, em que asmanifestações são tipicamente amenizadas por efeito dalyonização. São raras as doenças em que o indivíduo afetadode sexo masculino consegue reproduzir-se; muitas dessascondições chegam mesmo a serem letais (no sentido originaldo conceito, que era reservado para descrever apenas condi-ções que conduziam à inviabilidade do embrião ou feto). Ocaso de penetrância incompleta é, em geral, mais complicado,pois comumente os valores da penetrância são diferentes entrehomens e mulheres que recebem o gene. Por exemplo, no casoda síndrome do cromossomo X frágil, importante causa deretardo mental em crianças de ambos os sexos, uma heterozigotanormal, porém portadora da pré-mutação, pode transmitir ogene para um filho ou uma filha. No conjunto de todos osmeninos que receberam o gene de tais mulheres, 80% apre-sentarão retardo, o mesmo acontecendo com 35% das meni-nas que caírem na mesma categoria. Chamando-se de Km =0,80 e de Kf = 0,35 os valores da penetrância em indivíduosde sexo masculino e feminino, respectivamente, o risco deocorrência da síndrome na prole de tais mulheres é R = 1/4 ×Km + 1/4 × Kf = 0,2875 ou cerca de 29%. Já o risco para aprole de homens normais, no entanto, para portadores da pré-mutação é nulo. Quanto a portadores da mutação completa, osafetados de sexo masculino não se reproduzem pelo fato deapresentarem retardo mental quase sempre grave, mas cercade 50% das heterozigotas com a mutação completa não apre-sentam retardo, por efeito de lyonização, e uma proporção con-siderável das afetadas apresenta retardo mental muito maisleve que o apresentado em média pelos afetados de sexo mas-culino, de modo que uma fração das heterozigotas portadorasda mutação completa consegue se reproduzir. Quando o Xcontendo a mutação completa dessas mulheres é transmitidoa um menino, este será certamente afetado; quando é umafilha que o recebe, entretanto, apenas cerca da metade seráafetada. Isso faz com que o risco de prole afetada dessas mu-lheres seja 1 × 1/4 + 1/2 × 1/4 = 3/8 = 0,375 ou cerca de 38%;é como se agora Km = 1 e Kf = 0,50 em vez dos valores Km =0,80 e de Kf = 0,35 admitidos pelas taxas de penetrância nocaso de genitoras portadoras da pré-mutação.

Doenças Produzidas porMecanismo Autossômico RecessivoNo caso de doenças produzidas por mecanismo autossômicorecessivo, o risco de ocorrência da doença na prole de um afe-tado qualquer é desprezível, comumente da ordem de 1% oumenos, desde que o afetado não se case com primo em pri-meiro grau ou qualquer outro tipo de parente próximo (situa-ção que será discutida no item sobre riscos para a prole de casaisconsangüíneos). De fato, como o afetado é homozigoto aa, umacriança deste recebe com certeza o gene a. No entanto, comopara ser afetada essa criança precisa receber também um genea de seu outro genitor, é preciso que este seja heterozigoto(probabilidade 2pq ~ 2q = 2% para um gene de freqüência

TABELA 37.4 – Riscos de ocorrência e de recorrência dasíndrome de Down na prole de um casal em função da idadematerna (tabela simplificada de várias fontes)

IDADE MATERNA AO RISCO DE OCORRÊNCIA RISCO DENASCER A CRIANÇA DE AFETADO (%) RECORRÊNCIA (%)

Menos de 35 anos 0,1 135 – 39 anos 0,5 1,540 – 44 anos 1,5 2,545 – 49 anos 3,5 4,5

978-85-7241-000-0

Page 40: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

350 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

populacional q = 0,01 ou 1%) e que transmita o gene a à criança,configurando-se portanto um risco de ordem de grandeza de1% ou menor (para freqüências gênicas menores que 1%).

Doenças Produzidas porMecanismo Recessivo Ligado ao XNo caso de doenças recessivas ligadas ao X como a hemofiliapor deficiência do fator VIII da coagulação ou a distrofia muscularprogressiva tipo Becker, o risco de afecção na prole de umafetado é zero, pois o afetado passará fatalmente o X paratodas as filhas (que sendo, portanto, heterozigotas, serão normais,apesar de carregarem para a sua futura prole um risco de umquarto ou 25%) e o Y para todos os filhos, que receberão o Xde suas mães, mulheres normais com probabilidade despre-zível de serem heterozigotas.

Doenças Produzidas porMecanismo MultifatorialComo os riscos de doença multifatorial dependem, obviamente,da quantidade de genes deletérios não-funcionais no sistemapoligênico ligado a uma determinada característica, os riscosde um parente qualquer de afetado dependem primariamenteda quantidade de genes compartilhada entre ele e o indivíduoafetado. Por isso os riscos de repetição de defeitos multifatoriaissão de mesma ordem de grandeza para filhos e para irmãos decasos isolados, uma vez que esses pares de indivíduos pos-suem cerca de 50% de seus genes em comum.

Doenças Decorrentesde Aberrações CromossômicasTipicamente as doenças produzidas por defeitos cromossômicosprovocam retardo mental grave (como é o caso de defeitos nu-méricos e estruturais não-equilibrados dos autossomos) ou este-rilidade (como é a regra nas doenças produzidas por aberraçõesdos cromossomos sexuais). Por isso raramente há que se consi-derar a situação de risco para a prole de afetados. Nos poucoscasos em que isso aconteceu, verificou-se que o defeito autossô-mico transmite-se num padrão autossômico dominante. Porexemplo, verificando-se a prole de mulheres com síndromede Down que engravidaram, constatou-se que cerca de me-tade é normal e a outra metade afetada pela síndrome de Down,com trissomia. No caso de aberrações ligadas aos cromossomossexuais X e Y, nos raros casos em que os afetados procriaramverificou-se uma freqüência aumentada de prole com defeitos

cromossômicos variados, incluindo-se quase sempre casos de mo-saicismo, muito provavelmente por efeito de genes causadoresde não-disjunção cromossômica segregando nessas famílias.

RISCOS PARA A PROLE DE IRMÃOS NORMAISDE CASOS ISOLADOS DE DOENÇAS, SÍNDROMESOU DEFEITOS CONDICIONADOS POR MECANISMOMONOGÊNICO, MULTIFATORIAL OU CROMOSSÔMICONo caso de aconselhamento de pessoas normais parentes pró-ximas de afetados isolados será considerada apenas a situa-ção em que o consulente é irmão ou irmã do paciente.

Mecanismo Autossômico DominanteSe a doença é produzida por mecanismo autossômico domi-nante de penetrância completa, o risco para a prole de irmã(o)normal de afetado é totalmente desprezível, da ordem de gran-deza da taxa de mutação e, portanto, realmente próximo de zero.Se a doença no caso isolado é produzida por gene autossômicodominante de penetrância incompleta (taxa K), como a proba-bilidade de heterozigose para os genitores do afetado é 1–K, anormalidade do irmão pode ser explicada de duas maneiras:(1) um dos genitores é heterozigoto não-penetrante, o irmão doafetado recebeu dele o gene A e este não penetrou, com proba-bilidade conjunta (1–K) × 1/2 × (1–K) = (1–K)2/2, ou recebeuo alelo normal, com probabilidade conjunta (1–K) × 1/2 × 1 =(1–K)/2; (2) nenhum dos genitores é heterozigoto, tendo, assim,o afetado sido originado por mutação nova: por isso o irmão énormal; a probabilidade conjunta relativa a esse evento é K ×1 × 1 = K. Logo, as probabilidades de o irmão normal do afe-tado ser heterozigoto ou não estão entre si assim como (1–K)2/2está para (1–K)/2 + K = (1 + K)/2, de modo que a probabili-dade do irmão normal do afetado ser heterozigoto é P (het) =(1–K)2/[ (1–K)2 + (1 + K)] = (1–K)2/ (2–K+K2) e o risco deafetado na prole deste último é R = K (1–K)2/[2 (2–K+K2)].Como pode ser visto na Tabela 37.5 e no gráfico corresponden-te (Fig. 37.2), esses riscos são baixos, da ordem de no máximo0,04 ou 4% para valores de K entre 0,25 e 0,45. Como os valoresque K toma na prática são quase sempre altos, da ordem de 80%ou mais, pode-se afirmar que para a maioria das doenças esse riscoé inferior a 1%, como mostram a Figura 37.2 e a Tabela 37.5.

Mecanismo Dominante Ligado ao XPara doenças com penetrância completa em homens e mu-lheres afetadas, esse risco é da ordem de grandeza de zero,como no caso autossômico. Quando a penetrância é incom-pleta, como no caso do retardo mental ligado ao sítio frágildo cromossomo X, requerem-se cálculos mais complicados doque no caso autossômico correspondente. Esses cálculos, noentanto, redundam em riscos relativamente baixos para a pro-le de irmãs normais. Como já existem técnicas rotineiras, tantocitogenéticas quanto moleculares, que permitem detectar-secom segurança heterozigotas parentes próximas de afetadosportadoras da mutação incompleta, a situação nesses casos éresolvida mediante a aplicação de testes laboratoriais.

Mecanismo Recessivo Ligado ao XNo caso de doenças recessivas ligadas ao cromossomo X, o riscopara a prole de irmãos normais (de sexo masculino) do afetadoé evidentemente desprezível, quer o afetado tenha recebido ogene de uma genitora heterozigota ou tenha sido o resultado deuma mutação nova. A situação é diferente; no entanto, quando

R

0,04

0,03

0,02

0,01

00 0,2 0,4 0,6 0,8 1

K

Figura 37.2 – Variação dos riscos de recorrência (R) de doençaautossômica dominante na prole de um irmão normal de afeta-do isolado, em função da taxa de penetrância K

978-85-7241-000-0

Page 41: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 351

SEÇÃ

O 5

a consulente é uma irmã normal de afetado. Tratando-se de umcaso isolado, a chance da mãe do afetado ser heterozigota é dedois terços. A probabilidade de heterozigose da irmã do afeta-do reduz-se à metade dessa taxa, de modo que o risco para aprole desta última é 1/3 × 1/4 = 1/12, ou seja, cerca de 8%.

Mecanismo Autossômico RecessivoNo caso de doenças autossômicas recessivas, finalmente, aocorrência de afetado na prole de homem e mulher normaisindica que os dois são heterozigotos. Assim sendo, qualquerirmão normal de afetado tem uma chance de 2/3 = (1/2)/(1/2+ 1/4) de ser heterozigoto, uma vez que sendo normal ele nãopode ser aa como o irmão afetado e as probabilidades favo-recendo as hipóteses de heterozigose e homozigose normalestão entre si assim como dois está para um na prole de casaisde heterozigotos. Para uma criança desse irmão vir a nascerafetada é preciso que não só ele como o seu cônjuge sejamheterozigotos e transmitam cada um o gene a para o filho: orisco final de criança afetada desse casal fica sendo R = 2/3× 2% × 1/4 = 0,33% caso se fixe a freqüência de heterozigotosna população em cerca de 2%, que tem lugar quando a fre-qüência do gene é da ordem de 1%. Para outros valores de qo risco é calculado segundo R = q/3.

Mecanismo MultifatorialDa mesma maneira que filhos e irmãos de afetados compar-tilham com estes 50% de todos os seus genes e isso justificao fato de os riscos de recorrência para filhos e irmãos de afe-tados serem da mesma ordem de grandeza, um sobrinho deafetado, filho de genitores normais, que possui 25% dos genesdo afetado em comum, terá risco menor que metade do riscoatribuível a parentes em primeiro grau de afetados, uma vezque os genitores são normais.

Doenças Produzidas porDefeitos CromossômicosO risco de defeito cromossômico na prole de irmãos normaisde afetados é geralmente de ordem de grandeza desprezível.Tomando-se como exemplo outra vez a síndrome de Down,dado um caso qualquer, a probabilidade de ele ser em decor-rência de uma translocação é da ordem de 5% ou 1/20. Em nomáximo 20% ou um quinto desses casos a translocação estarápresente em estado equilibrado num dos progenitores; a chancede um filho normal de um portador da translocação equilibra-da herdá-la é da ordem de 50% ou meio. E o filho de um portadorde translocação equilibrada será afetado com probabilidadenão superior a 15% ou cerca de um sexto. O risco de proleafetada do irmão ou irmã normal de afetado é obtido, por-tanto, multiplicando-se todas essas cifras. Obtém-se entãoR = 1/20 × 1/5 × 1/2 × 1/6 = 1/600, valor esse de ordem degrandeza desprezível. Como, no entanto, por meio de umestudo rotineiro dos cromossomos pode-se determinar se atranslocação está presente ou não nesse parente do afetado,muitos indicam o exame para se evitar a determinação proba-bilística do risco por ponderação anterior.

RISCOS DE RECORRÊNCIA PARA A PROLE DEPARENTES DE CASOS FAMILIAIS AFETADOS PORMECANISMO MONOGÊNICO OU MULTIFATORIALComo nos dois últimos itens que tratavam do aconselhamentode afetados e de parentes normais de afetados, a determina-

ção dos riscos de recorrência é também trivial. No caso deafetado por doença autossômica dominante casado com pes-soa normal e já com um filho também afetado o risco paranova criança é fixado em R = K/2, em que K é o valor dapenetrância do gene, incluindo-se aqui até casos de penetrân-cia completa (K = 100%), quando o risco fica sendo 0,5 ou50%. O caso correspondente ao X é semelhante e já foi dis-cutido em relação à prole de mulheres portadoras da pré-mutaçãoou da mutação completa da síndrome do cromossomo X frá-gil: com ou sem crianças afetadas, o risco para a prole de mulheresheterozigotas portadoras da pré-mutação é 29%; quando asmulheres são heterozigotas portadoras da mutação completa,afetadas ou não, esse risco eleva-se para 38%. Em casos de pe-netrância completa, o risco para a prole de homens ou mulhe-res afetados, com crianças afetadas ou não, é da ordem de50%, como já explicado anteriormente.

No caso recessivo, tanto autossômico como ligado ao X, aocorrência de crianças afetadas na prole de afetados é impos-sível ou excepcional, e serão consideradas aqui como familiais:(1) no caso autossômico, mais de um afetado na irmandade;(2) no caso ligado ao X, mais de um filho afetado ou um filhoe pelo menos um colateral masculino, pelo lado materno, ambosafetados. Em ambos os casos, o risco de recorrência na irmandadeé da ordem de um quarto ou 25%. O risco para a prole deirmãs normais desses afetados é um oitavo ou 12,5% no casorecessivo ligado ao X e desprezível (da ordem de 0,33%) nocaso autossômico.

No caso dominante com penetrância incompleta, o ris-co para a prole de irmãos normais de afetados familiais é

TABELA 37.5 – Riscos de recorrência (R) de doençaautossômica dominante com penetrância incompleta (taxa K)na prole de um irmão normal de afetado isolado. Esses riscoscorrespondem aos mostrados no gráfico da Figura 37.2

K R

0,00 0,0000,10 0,0210,20 0,0350,30 0,0410,40 0,0390,50 0,0360,60 0,0270,70 0,0180,80 0,0090,90 0,0021,00 0,000

Figura 37.3 – Riscos de recorrência (R) de doença autossômicadominante de penetrância incompleta na prole de irmãos nor-mais de casos familiais do defeito em função da taxa de pene-trância K

0,08

0,06R

0,04

0,02

00 0,2 0,4 0,6 0,8 1

K

978-

85-7

241-

000-

0

Page 42: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

352 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

R = K (1–K)/[2 (2–K)]. De fato, um irmão qualquer de afe-tado familial, situação em que um dos genitores é certamenteportador do gene mutante, é normal ou porque recebeu o alelonormal (probabilidade meio) ou porque recebeu o alelo mutantee este não penetrou [probabilidade conjunta (1–K)/2], dondese conclui que a probabilidade de ele ser heterozigoto não-penetrante é (1–K)/[1 + (1–K)] = (1–K)/(2–K). Multiplican-do-se essa expressão por K/2 obtém-se o risco literal fornecidomais anteriormente. Os valores de R são geralmente baixos,como mostram o gráfico da Figura 37.3 e a Tabela 37.6.

RISCOS DE RECORRÊNCIAEM SITUAÇÕES COMPLEXASComo exemplo principal de situações complexas em genéticaserá abordado o aconselhamento genético de doenças hetero-gêneas, exemplificando-as com o retardo mental inespecíficoe a surdez não-sindrômica. Ambas as condições podem sercondicionadas por todos os mecanismos monogênicos conhe-cidos; além disso, uma parte considerável dos casos dessesdois defeitos, principalmente nos países subdesenvolvidos eem desenvolvimento, são decorrentes de fatores ambientais(por exemplo, assistência deficiente à gravidez, ao parto e aorecém-nato, desnutrição, infecções maternas durante a gravi-dez etc.).

Eventualmente o defeito segrega em algumas famílias comum padrão típico de herança, o qual permite a inclusão docaso num dos mecanismos monogênicos possíveis. Nesse caso,não há problemas quanto ao aconselhamento genético. A si-tuação se complica quando o afetado for caso isolado ou opadrão de herança não estiver claro.

A primeira saída é lançar-se mão de riscos empíricos, cujouso será ilustrado com casos de retardo mental grave. Nocaso desse defeito e na impossibilidade da aplicação de tes-tes de laboratório (para se verificar, por exemplo, a possibi-lidade de tratar-se de um caso da síndrome do cromossomoX frágil), ainda hoje são usados classicamente os riscos empíricosobtidos em um amplo estudo realizado por Reed e Reed3. Osriscos de retardo para a prole de casais com nenhum, um edois genitores afetados são, respectivamente, 1, 11 e 40%. Éóbvio que o primeiro valor corresponde à incidência de re-tardo ao nascimento, na população geral. Os riscos para osmesmos tipos de casais, porém já com uma criança afetada,elevam-se para 6, 20 e 42%. Esses riscos são aplicáveis apaíses desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos, ondea pesquisa foi realizada na década de 60. Em países subde-senvolvidos e em desenvolvimento, esses riscos devem so-

frer alterações em razão da prevalência mais elevada, neles,de casos atribuíveis a fatores ambientais.

Alternativamente, existem métodos que permitem a esti-mativa teórica dos riscos, com base nas freqüências relativasdas diversas causas do defeito (Pi) e nos riscos associados acada uma delas (Ri), sendo o risco final ponderado dado porR = ΣPiRi. Exemplificar-se-á a aplicação do método ao casoda surdez não-sindrômica4. A freqüência de casos ambientaisdo defeito foi estimada, para o Brasil e outros países em de-senvolvimento, em 84%. Os outros 16% são casos hereditá-rios, dos quais 78% são autossômicos recessivos, 19%autossômicos dominantes e 3% recessivos ligados ao cromos-somo X. Como os riscos de recorrência do defeito em ir-mãos de casos isolados são, respectivamente, para esses trêsmecanismos monogênicos, 1/4 = 25%, K (1–K)/2 = 8% paraum valor médio de penetrância K = 80% e 1/6 = 16,7%, orisco final toma o valor R = 16% × 78% × 25% + 16% × 19%× 8% + 16% × 3% × 16,7% + 84% × 0% = 0,034 ou cerca de3%. Outras situações são resolvidas aplicando-se raciocíniosemelhante, mas redundam em fórmulas mais complexas cujosdetalhes serão omitidos aqui e que podem ser consultados notrabalho supracitado de Braga et al.4. A Tabela 37.7, aprovei-tada desse mesmo trabalho, fornece os riscos de surdez paradiversas situações de aconselhamento genético, para paísesem desenvolvimento e para países industrializados (nestes afreqüência de casos ambientais do defeito é de no máximo 50%;nos cálculos usados para gerar os riscos da tabela foi usadauma taxa de 38%, estimada a partir de levantamentos recen-tes). A Tabela 37.7 ainda fornece os riscos correspondentes àsituação em que fatores ambientais podem ser excluídos comalta probabilidade.

ACONSELHAMENTO GENÉTICO DECASAIS DE PRIMOS EM PRIMEIRO GRAUO assunto tem sido objeto de exaustivas pesquisas desenvol-vidas durante os últimos 60 anos mas mesmo assim permane-ce controverso, no sentido de que não existe consenso quantoà ordem de grandeza dos riscos para a prole desses e de ou-tros casais consangüíneos. Analisando os questionários de-volvidos por 309 aconselhadores genéticos e geneticistasmédicos nos Estados Unidos, Bennett et al.5 verificaram queos riscos de defeitos físicos e retardo mental comunicados aconsulentes primos em primeiro grau variaram de 0,5 a 20%e que não existia consenso quanto aos tipos de defeitos e doençasque neles eram incluídos.

Uma das maneiras usadas para a determinação desses riscosbaseia-se na comparação das freqüências de crianças nascidascom defeitos na prole de casais de primos e de casais não-con-sangüíneos. A Tabela 37.8 reúne, nas colunas A e B, os resul-tados de quatro desses estudos, realizados nos países indicadosna coluna da esquerda6. As diferenças entre as freqüências nosdois grupos, mostradas na coluna A-B, variam de um estudopara outro, como era de se esperar. Apesar de todos esses estudoshaverem sido realizados por excelentes grupos de pesquisa-dores, os critérios de inclusão dos defeitos variaram de umestudo para outro; além do mais, os observadores eram dife-rentes nos quatro estudos. As médias aritméticas dos valoresde A, B e A-B são mostradas na última linha de cada coluna.

Na prole de consangüíneos a probabilidade de formar-se umindivíduo homozigoto AA ou aa é maior que as quantidadesesperadas P’ (AA) = p2 e P’ (aa) = q2 na prole de não-consan-güíneos, e a probabilidade de formar-se um heterozigoto é menorque P’ (Aa) = 2pq; na realidade, elas se reduzem nesse caso aP” (AA) = p2 + Fpq = pF + p2 (1–F), P” (Aa) = 2pq–2pqF =0 + 2pq (1–F) e P” (aa) = q2 + Fpq = qF + q2 (1–F), em que

TABELA 37.6 – Riscos de recorrência (R) de doençaautossômica dominante de penetrância incompleta na prole deirmãos normais de casos familiais do defeito em função dataxa de penetrância K. Os riscos correspondem aos mostradosno gráfico da Figura 37.3.

K R

0,00 0,0000,10 0,0240,20 0,0440,30 0,0620,40 0,0750,50 0,0830,60 0,0860,70 0,0810,80 0,0670,90 0,0411,00 0,000

978-85-7241-000-0

Page 43: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

Aconselhamento Genético e Cálculo de Riscos � 353

SEÇÃ

O 5

F é a probabilidade de homozigose por origem comum (no casode filhos de primos F toma o valor 1/16), ou seja, a probabili-dade de que o filho de primos receba em dose dupla, portantopor meio de seus dois genitores, um mesmo alelo presente emdose única num dos ascendentes comuns do casal de primos (oavô e a avó que eles partilham pelo fato de serem filhos de doisirmãos). Logo, a diferença (A–B) mostrada na Tabela 37.8 re-presenta o valor da soma dos Fpq de todos os genes recessivosdeletérios, admitindo-se que casos de defeitos não-genéticosocorram com freqüência semelhante nos dois grupos de crian-ças. Acrescentando-se 0,5 a 1% (freqüência global de doençasrecessivas ao nascimento na população geral) ao valor total daúltima coluna, chega-se a uma estimativa de risco para a prolede primos em primeiro grau da ordem de 8 a 9%.

Há na literatura vários métodos teóricos para se determi-nar o risco de doença na prole de primos. Um desses méto-dos7 baseia-se nas freqüências com que ocorrem os genesdeterminantes de doenças recessivas e já havia sido delinea-do em linhas gerais em Frota-Pessoa et al.8, Otto e Frota-Pessoa9 e Otto10. Mediante consulta a obras gerais compiladas,artigos especializados e bancos de dados de doenças gené-ticas11, foram levantados os dados de 125 afecções razoavel-mente bem estudadas em populações caucasóides e com poucavariação geográfica de freqüência, incluindo retardo mental(mais de 100 locos) e surdez congênita (35 locos), perfazen-do um total de 258 locos. Esses dados permitiram levantara distribuição das freqüências de genes recessivos causado-res de doenças, a qual foi ajustada a famílias de funções gené-ricas, o que possibilitou obter a função densidade do pontomédio de cada classe de freqüência gênica fi tal que Σfi = 1e comparar as freqüências globais de afetados com coefici-ente de endocruzamento F = 1/16, R (F) = NΣ{fi [qiF + qi

2

(1–F)]}, e de afetados filhos de não-consangüíneos com F =0, R (0) = NΣ[fiqi

2].Os valores numéricos obtidos foram R (F) = 0,065 = 6,5%

e R (0) = 0,005 = 0,5%; como essas cifras se referem apenasa doenças produzidas por mecanismo recessivo e pelo menoscerca de 4% dos recém-natos apresentam defeitos físicos ouretardo mental, deve-se acrescentar a R (F) o risco referente aoutras doenças ou defeitos não-influenciáveis pela consangüi-nidade (doenças e defeitos genéticos com outros mecanismosque não o autossômico recessivo ou decorrentes de fatoresambientais, não-genéticos), que é da ordem de 0,04 – 0,005 =0,035. Chega-se, assim, aos riscos globais de doença na prolede primos e de não-consangüíneos da ordem de, respectivamente,R (F) = 0,065 + 0,035 = 0,10 = 10% e R (0) = 0,04 = 4%. Obanco de dados on-line OMIM (agosto de 2003) cita cerca de3.000 condições autossômicas recessivas, mais da metade delasnão-confirmadas. Mesmo se for reduzido drasticamente a 500 onúmero de doenças realmente recessivas desse total, nenhuma

delas tendo sido incluída em nossa lista, e ainda admitir-se quetodas elas ocorram com freqüências insolitamente baixas, da ordemde 1/1.000.000 na população geral, espera-se um total de mais500 × 1/1.000.000 = 1/2.000 = 0,0005 de afetados por doençasrecessivas na prole de não-consangüíneos e um total de 500 ×63,4/1.000.000 = 0,03 na prole de primos em primeiro grau.Nesse caso, o risco de afecção na prole de casais primos emprimeiro grau tornar-se-ia R (F) = 13%, enquanto R (0) perma-neceria com o valor anteriormente determinado (4%). De qual-quer maneira, é certo que esse risco não deve ser inferior a 10%e que a reprodução desses casais não deve ser encorajada.

Esses riscos não diferem dos obtidos aplicando-se um métodoaproximado proposto por Frota-Pessoa et al.8, o qual permitetambém determiná-los para a prole de um casal com grau genéricode consangüinidade. Admitindo-se que os genes recessivos queem homozigose determinam defeitos físicos ocorram todoscom freqüências da ordem de q = 1–p = 1% e que a freqüên-cia global de doenças recessivas ao nascer seja também dessaordem de grandeza, o risco R0 de doenças recessivas na proleum casal consangüíneo fica sendo o risco relativo RR = (q2 +pqF)/q2 = 1 + pF/q = 1 + 99F expresso em percentagem, emque F é o coeficiente de endocruzamento da prole do casal.Quanto ao retardo mental puro, o risco de ocorrência na prolede não-consangüíneos é da ordem de 1%, elevando-se para4% na prole de primos em primeiro grau: a diferença de 3%corresponde a um coeficiente de endocruzamento F = 1/16;para F = 1/8 e 1/4 a diferença deve elevar-se para 6 e 12%; paraF = 1/32, 1/64 e 1/128 essa diferença diminui para 1,5, 0,75e 0,375%. Portanto, para um F genérico qualquer o acréscimode risco em relação ao de casais não-aparentados corresponde,em percentagem, a 48F. O risco de retardo mental puro na prolede um casal consangüíneo qualquer é, portanto, em percenta-gem, 1 + 48F. Admitindo-se também que a freqüência global dedoenças recessivas (excluindo-se retardo mental) é da ordemde 1% ao nascimento na população geral, tem-se que o risco dedoença na prole de um casal não-consangüíneo é R1 = 3%caso se considerem apenas defeitos físicos com ou sem retar-do mental e da ordem de R2 = 4% caso se considere também

TABELA 37.8 – Freqüências, em porcentagens, de criançasnascidas com defeitos na prole de primos em primeiro grau (A)e na prole de casais não-consangüíneos (B)

A B A–B

Estados Unidos 16,2 9,8 6,4França 12,8 3,5 9,3Japão 11,7 8,5 3,2Suécia 16 4 12Total 14,2 6,4 7,8

978-85-7241-000-0

TABELA 37.7 – Riscos de recorrência de surdez não-sindrômica na prole de casais cuja situação é especificada na coluna da esquerda

FATORES AMBIENTAIS FATORES AMBIENTAISSITUAÇÃO NÃO-EXCLUÍDOS EXCLUÍDOS (%)

BRASIL (%) PAÍSES DESENVOLVIDOS (%)

Casal normal, não-consangüíneo, 1 criança afetada 3 13 – 14 21 – 23

Casal normal de primos, 1 criança afetada 17 23 – 24 25

Casal não-consangüíneo, 1 cônjuge afetado 1 5 9

Casal de primos, 1 cônjuge afetado 9 12 13

Casal não-consangüíneo, 1 cônjuge afetado, 1 criança afetada – – 40

Casal de primos, 1 cônjuge afetado, 1 criança afetada – – 48

Casal não-consangüíneo, 2 cônjuges afetados 3 – 10 10 – 14 18

Casal de primos, 2 cônjuges afetados 6 – 20 22 – 29 36

Page 44: Princípios de Genética Humana - Instituto de Biociênciasotto/downloads/pdf_otto/priaco.pdf · as informações de pertinência em genética, este capítulo e o próximo, que compõem

354 � Princípios de Genética Humana

SEÇ

ÃO

5

o retardo mental puro. Na prole de consangüíneos esses doisriscos (considerando-se ou não o retardo mental puro) tomamos valores percentuais R1 = (1 + 99F) + 2 = 3 + 99F e R2 =(1 + 99F) + 2 + (1 + 48F) = 4 + 147F. A Tabela 37.9 mostraalguns dos valores que R1 e R2 tomam, em função de F. Nota-se que para valores de F inferiores a 1/16 os acréscimos derisco são pequenos, sendo de ordem de grandeza desprezívelpara valores de F = 1/64 (que correspondem à prole de primosem terceiro grau) ou menos.

Numa sessão de aconselhamento isso é explicado ao casalde consulentes consangüíneos numa linguagem adaptada aoseu meio sociocultural, sem necessidade de se entrar em de-talhes técnicos. Explica-se também que o acréscimo de riscoé dado pela existência de mais de 1.000 doenças autossômicasrecessivas conhecidas e que isso inviabiliza, pelo menos porenquanto, a aplicação de testes moleculares para se verificar,por exemplo, se os cônjuges são portadores heterozigotos deum mesmo gene patológico. No caso de optarem por umagravidez, estarão indicados apenas os testes e exames apli-cáveis em qualquer gravidez. Por exemplo, explica-se que jáfaz parte da rotina obstétrica o acompanhamento da gravidezpor meio da ultra-sonografia pré-natal e que por ocasião doexame o concepto é checado quanto a malformações e defei-tos físicos isolados. Apesar de muitos defeitos genéticos dei-xarem de ser detectados nesse exame de rotina, um resultadode exame normal trará a tranqüilidade psicológica do casal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BRUNONI, D. Estado e desenvolvimento dos serviços de genética médica no Brasil.

Braz. J. Genet., suppl. 20, p. 11-23, 1997.2. FROTA-PESSOA, O. Riscos genéticos dependentes da idade. Rev. Bras. Pesq. Méd.

Biol., v. 11, p. 77-80, 1978.3. REED, R. W.; REED, S. C. Mental Retardation: a Family Study. Philadelphia:

Saunders, 1965.4. BRAGA, M. C. C.; OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O. Calculation of recurrence risks

for heterogeneous genetic disorders. Amer. J. Med. Genet., v. 95, p. 36-42, 2000.5. BENNETT, R. L.; HUDGINS, L.; SMITH, C. O.; MOTULSKY, A. G. Inconsistencies

in genetic counseling and screening for consanguineous couples and their offspring:the need for practice guidelines. Genet. Med., v. 6, p. 286-292, 1999.

6. OTTO, P. G.; OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O. Genética Humana e Clínica. 2. ed.São Paulo: Roca, 2004.

7. OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O.; VIEIRA-FILHO, J. Genetic risks of consanguineousmarriages. In: MAYO, O.; LEACH, C. (eds.) Fifty Years of Human Genetics: a festschriftand liber amicorum to celebrate the life and work of George Robert Fraser. Adelaide:Wakefield Press, 2007. p. 436-442.

8. FROTA-PESSOA, O.; OTTO, P. A.; OTTO, P. G. Genética Clínica. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1975.

9. OTTO, P. A.; FROTA-PESSOA, O. Estimativas de riesgos genéticos. An. Acad. Ci.Ex. Fis. Nat., Buenos Aires, v. 31, p. 271-289, 1979.

10. OTTO, P. A. Estimativas de riscos de doença genética na prole de primos em primei-ro grau. Ci. Cult., v. 41, p. 471-474, 1989.

11. VIEIRA FILHO, J. Riscos de Doença Genética na Prole de Consangüíneos. SãoPaulo, 1992. Tese (Doutorado) – Instituto de Biociências da Universidade deSão Paulo.

12. FUHRMANN, W.; VOGEL, F. Aconselhamento Genético. São Paulo: PedagógicaUniversitária, 1978.

13. MURPHY, E. A.; CHASE, G. A. Principles of Genetic Counseling. Chicago: YearBook, 1975.

14. STEVENSON, A. C.; DAVISON, B. C. C. Genetic Counseling. Philadelphia: Lippincott,1976.

TABELA 37.9 – Riscos de doença na prole de casais consangüíneos, em porcentagens, em função do coeficiente de endocruzamento F,admitindo-se que a freqüência de todos os genes recessivos patogênicos é constante e igual a 0,01*

RISCO DE AFECÇÃO RISCO TOTAL RISCO TOTALRECESSIVA (%) SEM RETARDO MENTAL INCLUINDO-SE RETARDO

CASAMENTOS F R0 = 1+99F PURO (%) R

1 = 3+99F MENTAL (%) R

2 = 4+147F

Pai–filha, mãe–filho, irmãos 1/4 25,8 27,8 40,8

Meio–irmãos, primos duplos em 1º grau, 1/8 13,4 15,4 22,4tio–sobrinha, tia–sobrinho

Primos em 1º grau, tio–meio-sobrinha, 1/16 7,2 9,2 13,2tia–meio-sobrinho

Primos em 2º grau, meio-primos em 1º grau 1/32 4,1 6,1 8,6

Primos em 3º grau 1/64 2,5 4,5 6,3

Primos em 4º grau 1/128 1,8 3,8 5,2

Primos em 5º grau 1/256 1,4 3,4 4,6

... ... ... ... ...

Não-consangüíneos 0 1 3 4

* Modificada de Otto et al.6

978-85-7241-000-0