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ELEIÇÕES A CRISE NA EUROPA MATOU DE VEZ O FEDERALISMO?

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ELEIÇÕES

A CRISE NA EUROPA

MATOU DE VEZ O

FEDERALISMO?

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A crise matoude vez o federalismo?

Proposto há 60 anos como ideal para a Europa, o federalismosaiu de moda mas mantém fiéis em todo o continente. Mas háum problema prévio: nunca se sabe bem do que se está a falar

Os dilemas da Europa (III)Bárbara Reis

Em

Maio de 2000,Joschka Fischer, en-tão ministro dosNegócios Estrangeirosda Alemanha, fezum discurso em de-fesa da velha ideiade uma "FederaçãoEuropeia". Na altura,o federalismo, apesar

de controverso, estava na moda."O termo 'federação' irrita muitosbritânicos", disse Fischer. "Mas,até hoje, ainda não fui capaz deencontrar outra palavra. Não que-remos irritar ninguém."

Catorze anos depois do célebre"discurso de Humboldt", o termoparece irritar ainda mais pessoase não só no Reino Unido. Em todaa Europa. Há quem brinque e faleem "f-word", como quem se referea um palavrão, uma coisa feia quenão se deve dizer em voz alta.

Hoje, o federalismo saiu do li-

melight e é olhado como uma ideia"irrealista" e "utópica" que apenasseduz uma elite desligada da rea-lidade. Isto na versão simpática.Para muitos, talvez a maioria doscidadãos europeus, é um cenáriodistante, "perigoso" e até "aber-rante".

Há um problema prévio: é difícilfalar sobre federalismo. Estamosrodeados, apesar de tudo, por con-

ceitos políticos mais claros. É tão

complicado falar de federalismoque há mais de 20 anos que o te-ma não surge de forma explícita emnenhuma sondagem do Eurobaró-metro. "Perguntar num inquérito'É federalista?' é ao mesmo tempodemasiado directo e demasiado de-licado", diz Pedro Magalhães, cien-tista político e professor do Institutode Ciências Sociais da Universidadede Lisboa. "Quando se fala em fede-ralismo, fala-se num pacote muitocompleto de instituições, e não há

garantia de que a União Europeiapossa alguma vez ser uma reprodu-ção dos sistemas federais existentes.É melhor fazer perguntas sobre as-

pectos concretos do que poderia serum sistema de tipo federal, e depoisverificar em que medida as mesmas

pessoas podem desejar alguns deles,mas não outros."

Mesmo assim, e apesar desta dis-tância dos cidadãos, o federalismocontinua a ser levado a sério e a seranalisado em think tanks e universi-dades de toda a Europa. E continuaa gerar manifestos, como o do GrupoEiffel, que reúne peritos franceses e

que acaba de propor uma "Comu-nidade do Euro" numa linha marca-damente federalista: essa "Comuni-dade", que já tem uma moeda e um"destino comuns", passaria a abran-

ger também os negócios estrangeiros

e a educação, investiria no digital, nainvestigação, nos transportes e redesde energia, teria novos instrumentos

para absorver os choques económi-cos e apoiar os cidadãos mais vul-neráveis, benefícios comuns para os

desempregados e uma "harmoniza-ção parcial" do mercado de trabalho.Como funcionaria? Um novo parla-mento da zona curo elegeria um Go-

verno com poderes executivos sobre

a "Comunidade" (esses deputadosseriam os membros do actual Parla-mento Europeu).

Tudo isto pode parecer apenasmais uma ideia louca francesa. Mashá uma coisa que este novo mani-festo evidencia: o arrastar da crise

europeia, a incapacidade que o sis-

tema tem em dar respostas aos pro-blemas, os novos nacionalismos, as

sucessivas vitórias dos extremistasem eleições locais e regionais, o nú-mero de eurodeputados anti-Europaque vão ser eleitos para o Parlamento

Europeu... Todos estes sinais estão aestimular federalistas em toda a Eu-

ropa. Que vão encontrando inspira-ção em ideias aparentemente maissensatas e consensuais, como a doinvestigador Hugo Brady, do Centrefor European Reform: uma vez queos cidadãos europeus não queremnem o colapso do curo, nem umsuper-Estado federal, talvez sejampersuadidos por uma ideia intermé-

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dia, uma "terceira opção". A saber: a

perda temporária da soberania eco-nómica durante três ciclos eleitorais(15 anos), o que garantiria o nível devida de uma geração e, ao mesmo

tempo, dava "aos governos o tempoque eles precisam para consertaro falido sistema bancário, redese-nhar a moeda única e fazer amplasreformas económicas". Como seisto fosse pouco, Brady propõe tam-bém mais "união política" que, nasua versão, seria isto: "Definiçãode regras para garantir standardsmínimos de administração nacionalbásica e cumprimento da lei; o mer-cado único teria de ser relançadode modo a tornar-se uma realidade;os comissários europeus teriam deser em menor número mas aumen-tar em pedigree político, de modoa reforçarem a sua autoridade. E a

União Europeia teria de ser capazde abolir estruturas improdutivascomo o Comité Económico e Social

e o Comité das Regiões". Haveria,claro, uma cláusula de saída: toda e

qualquer soberania perdida duran-te os 15 anos do acordo seria auto-maticamente devolvida aos Estados

em 2029. Hugo Brady chama aisto um "New Deal para o curo"ou um "quebrar o medo pelo mé-todo rooseveltiano".

É tão complicadoralar de federalismoque há mais de 20anos que o temanão surge nassondagens doEurobarõmetro.

"Perguntar tfederalista? édemasiado directoe demasiadodelicado", diz Pedro

Magalhães

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Ao pé disto, a proposta históri-ca de se criar uma Federação Eu-

ropeia parece uma brincadeira de

crianças.Em Maio de 1950, no que é hoje

considerado o discurso fundadorda União Europeia, Robert Schu-

man propôs que a integração da

Europa fosse feita em pequenospassos e não "de um só golpe". Vê-lo e ouvi-lo no vídeo dos arquivoshistóricos é constatar num minutocomo a Europa mudou. O então mi-nistro francês dos Negócios Estran-

geiros disse duas frases com o seu

quê de poesia e mistério que ainda

hoje nos fazem pensar. A primeira:

"A Europa não foi feita, tivemos a

guerra." A segunda: "Para que a

paz possa verdadeiramente tentara sua sorte, é preciso, primeiro, quehaja uma Europa."

Por outras palavras, só há pazna Europa se a Europa for um to-do uno. Ou: depois de terem sido

incapazes de evitar duas guerras,os países europeus não podem serdeixados soltos, sem um chapéu co-

mum e uma superstrutura que os

amarre à paz e à democracia.Foi com base nesta ideia que, na

Sala do Relógio no Quai d'Orsay,em Paris, com os seus carismáticosóculos pretos de massa, Schuman

propôs criar uma aliança para lan-

çar "os alicerces de uma FederaçãoEuropeia, indispensável à preser-vação da paz".

Quando Schuman morreu, o Pre-sidente John Kennedy disse que ele"combinava imaginação e realis-mo". Mas não só a "Federação Eu-

ropeia" está longe de existir, como

agora, quando estamos em Maio de2014 e à beira de mais umas eleiçõeseuropeias, as palavras do "pai daEuropa" parecem vir das nuvens.De que está Schuman a falar? Há70 anos que a Europa está em -i

O holandês Geert Wilderscorta uma estrela da bandeirada UE, em Bruxelas

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paz, com excepções terríveis mascontidas. As gerações mais jovensjá não são sensíveis ao argumentode que a integração europeia é a

garantia da paz.Vão alguma vez os federalistas

convencer as populações europeiasde que a sua é uma boa proposta?"Enquanto houver uma real diver-

gência na qualidade da governação,como parece acontecer hoje naEuropa, que incentivos tem quembeneficia de uma democracia dealta qualidade, como os nórdicos,para abdicar dessas instituições ese juntar a uma Europa que nãofunciona?"- interroga Pedro Ma-galhães.

O historiador e eurodeputadoRui Tavares, candidato às eleiçõesdeste domingo pelo novo partidoLivre, prefere falar em "democra-cia" do que "federalismo": "Fe-deralismo versus soberanismo éum falso debate hoje em dia. Overdadeiro debate é democraciaversus tecnocracia. Pode bem ser

que a única forma de ter uma de-mocracia europeia é que ela sejafederal. Mas não tem de ser obriga-toriamente assim. Pode inventar-sena Europa uma forma de democra-cia continental que não seja federal(até pela dificuldade prática de teruma maioria da população a favordo federalismo, ao passo que é bemmais fácil ter uma maioria da popu-lação a favor da democracia). Mas hámuitos federalistas que querem umafederação à força, acreditando queela vá ser democrática depois. Tam-bém isto não é forçosamente assim: a

Europa pode federalizar-se com base

nos seus elementos tecnocráticos e/ou burocráticos e, nesse sentido, vira ser uma federação sem chegar a serdemocrática - e, nesse caso, eu nãoa quereria."

Francisco Assis, o cabeça de lis-ta do PS, sublinha que é importan-te "manter a palavra 'federalismo'como horizonte regulador do pro-jecto europeu, senão isto reduz-se a

uma mera organização intergover-namental", mas também já foi umtema mais premente.

Dos quatro cabeças de lista assumi-dos europeístas, Paulo Rangel (PSD),

Francisco Assis (PS), Rui Tavares (Li-vre) e Marisa Matias (BE), só o primei-ro responde "sim, sou federalista"sem hesitar. Assis, o mais próximo,diz: "Não sou um federalista puro e

duro, um federalista absoluto. Souum federalista mitigado." Uma espé-cie de federalista "amansado" pelopeso dos sucessivos obstáculos queforam sendo levantados ao longo dosúltimos 50 anos. Um deles - decisi-

vo - foi o chumbo, nos referendosde 2005 em França e na Holanda,da Constituição Europeia assinadaem Roma pelos então 25 Estados-membros da União Europeia.

Mas mesmo Rangel, talvez o maisfederalista de todos os candidatos às

eleições do domingo, coloca um tra-vão logo a seguir ao seu "sim": "Co-mo o federalismo não é viável no cur-to prazo, revejo-me mais no epítetode 'europeísta' ou 'pró-europeu'." A

cabeça de lista do Bloco de Esquerda,eurodeputada há cinco anos, diz que"o problema" é que a União Europeia"já tem federalismo a mais", "já háum federalismo sem democracia".Marisa Matias acredita em ideias apa-rentemente inconciliáveis: quer umConselho Europeu "que representeos Estados e não os governos" e,portanto, seja eleito directamentepelos cidadãos europeus, mas aomesmo tempo não quer que Bru-xelas tenha um controlo sobre os

orçamentos nacionais. "Aceito quehá áreas em que tem de haver par-tilha de soberania, mas não em ma-térias essenciais como a política or-

çamental." Acima de tudo, insiste,não consegue "falar de federalismocomo conceito abstracto".

E aqui vamos de novo. Quan-do falamos de federalismo, não é

óbvio sobre o que estamos a falar.Estes quatro candidatos europeís-tas fazem leituras em alguns casos

opostas sobre a crise europeia, masquando se tira a palavra "federa-lismo" da discussão e se fala de

"passos futuros", todos parecemconcordar com um desenho gené-rico: uma União Europeia com mais

integração social, com uma câmaraalta e uma baixa eleitas directamen-

te, e desse modo um Conselho Eu-

ropeu que represente Estados e não

governos, e um BCE com poderessemelhantes aos da Reserva Federalamericana, capaz de emitir dívidaem nome da União. Parece simples.

"Há a ideia de que com o federa-lismo há uma perda, mas é o con-trário", diz Rangel. "0 federalismodá mais poder aos Estados peque-nos e médios porque a ponderaçãode votos passa a ser paritária (co-mo acontece nos EUA e na Suíça)ou quase paritária (Alemanha). Ofederalismo favorece a igualdadeentre os Estados e facilita a orga-nização de alianças de geometriavariável", diz o eurodeputado. Por-

tugal ficaria a ganhar "em protec-ção da sua autonomia soberana",porque o federalismo "é mais ami-

go da autonomia estadual do que ohibridismo actual". Também Assis

só vê vantagens: "Os cidadãos sãotratados em pé de igualdade, os Es-tados são tratados como iguais." Ocandidato socialista sublinha umponto: "Tem de ser um processogradativo. O tempo e o modo sãodecisivos."

Com a distância dos cientistas po-líticos, Pedro Magalhães desconfia."Como se dá o salto? Receio queisso só vá acontecer quando hou-ver o risco de desagregação e decaos. Só esse risco, só essa pressão,ou pelo menos o medo de que isso

aconteça, o medo de que a ordempolítica e social e a segurança das

pessoas sejam postas em causa, só

isso poderá obrigar as elites políti-cas a impulsionar uma mudançae as pessoas a aceitá-la. Hoje, nãosei qual poderá ser essa mudança,mas só essa pressão permitirá quepossamos sair deste navegar à vista,deste 'incrementalismo'."

A crise europeia, aincapacidade que osistema tem em dar

respostas, os novosnacionalismos,assucessivas vitoriasdos extremistas.

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os eurodeputadosanti-Europa quevão ser eleitos...todos estes sinaisestão a estimularfederalistas em todaa Europa