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_>>> Enxerto Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 24/6/2011 (21:2) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de junho de 2011 | Ano 12 | Número 2784 | R$ 3,00 www.valoronline.com.br Pecuaristas buscam apoio dos sem-terra por Carajás Ana Paula Grabois De Marabá (PA) Pecuarista e fundador do Sindicato Rural do Pará, o deputado federal Gio- vanni Queiroz (PDT-PA) tentou, sem sucesso, atrair lideranças dos sem-terra acampados em Marabá até quarta-fei- ra para participar do movimento pela criação do Estado do Carajás, do qual é o principal articulador. Entre os cinco mil assentados estava o potencial eleitorado do plebiscito pela criação do Estado. O deputado saiu em defesa pública de suas causas, mas, em entrevista ao Valor , reclamou da insegurança jurídica trazida pelas invasões e da leniência do Judiciário. Se as lideranças da reforma agrária resistem ao novo Estado, a base do mo- vimento dos sem-terra mostra-se favo- rável, sob o argumento de que a capital de Carajás, Marabá, estaria mais próxi- ma para receber suas reivindicações. O eleitorado do plebiscito é alvo de controvérsias. Questiona-se se todo o Pa- rá deve participar ou apenas os eleitores dos 39 municípios de Carajás. O publici- tário Duda Mendonça, dono de terras na região, já se ofereceu para fazer campa- nha pelo plebiscito, de graça. Com o no- vo Estado, a Vale deixaria de contribuir para o Pará, o que causaria a perda de metade da receita de ICMS. Página A6 China e Rússia enfrentam o Brasil no G-20 Assis Moreira De Paris O Brasil entrou em confronto com a China e a Rússia no encontro do G-20 agrícola em Paris. A divergência ocorreu em relação a um parágrafo que encoraja- va os países a produzirem etanol a partir de plantas e não de matérias-primas para produção de alimentos, e a reduzirem suas exigências de utilização de biocom- bustíveis no transporte. Isso sujeitaria a política brasileira de combustíveis alter- nativos à de segurança alimentar global. O pressuposto do texto era que é impos- sível elevar a oferta de biocombustíveis e alimentos no mundo ao mesmo tempo. O Brasil discorda, porque aumentou a produção de ambos. EUA, Brasil e Cana- dá bloquearam as tentativas de reco- mendação de mudanças. Página B12 EcoRodovias quer operar em Santos e Viracopos Fernanda Pires Para o Valor, de Santos A EcoRodovias planeja estender sua atuação logística para além das estradas. A holding, que administra concessões rodoviárias, pátios e estações aduaneiras, pretende operar contêineres no porto de Santos, o maior do país, e atuar no aero- porto de Viracopos. “Já somos um parcei- ro estratégico de todos os terminais ope- radores de cais”, diz o diretor de Desen- volvimento de Negócios, Dario Lopes. A entrada no segmento de operação por- tuária de contêineres poderá ser feita tanto com um parceiro estratégico de al- gum grupo já presente em Santos ou iso- ladamente, conta o executivo. Há dois anos a EcoRodovias, que é concessioná- ria do sistema Anchieta-Imigrantes, dis- putou a compra de parte do terminal Embraport e perdeu para a Odebrecht. Quanto a Viracopos, o executivo é mais cauteloso. A preocupação é a forma como o governo está propondo a deses- tatização, para atender a demanda imi- nente de Copa do Mundo e Olimpíada. “O evento não pode comprometer o ne- gócio”, afirma Lopes. “Ao fazer o processo de desestatização simplesmente para melhorar uma capacidade você pode es- quecer elementos que permitam que es- sa infraestrutura atue como a indutora do transporte”. Página B1 Brasil não está fadado a uma “escolha de Sofia” Artigo José Luis Oreiro e Luiz Fernando de Paula Para o Valor, de Brasília Algumas visões ortodoxas sustentam que, para eliminar o problema do “juro alto, câmbio valorizado”, o governo e a sociedade brasileira teriam de fazer uma escolha entre desindustrialização e fim do Estado do bem-estar social, uma ver- dadeira “escolha de Sofia”. E o governo atual tenta — segundo a perspectiva or- todoxa — escapar desse dilema por in- termédio da política de acumulação de reservas conduzida pelo Banco Central. Tendo em vista que o Brasil convive há vários anos com o problema do “juro alto, câmbio valorizado”, não nos parece corre- to basear toda uma argumentação lógica sobre um pressuposto — o pleno emprego — que se aplica apenas ao período bem mais recente da economia brasileira. A premissa de que a escassez de poupança se deve aos incentivos perversos produzidos pela Constituição de 1988 também parece não ser uma hipótese plausível. A argumentação ortodoxa é questio- nável do ponto de vista de sua funda- mentação teórica e empírica. A econo- mia brasileira não parece estar fadada a uma “escolha de Sofia”. Página A16 Este é o oitavo artigo da série sobre câmbio, juros e inflação, escrita a pedido do ‘Valor’. Preço de exportação em alta limita déficit externo João Villaverde e Sergio Lamucci De Brasília e de São Paulo Nos últimos cinco anos, os preços de exportação dos produtos brasileiros cresceram 78%, mais que o dobro da al- ta dos preços dos bens dos produtos importados. Essa diferença de ritmo deu uma segurança extra às contas ex- ternas do país. Sem ela, o déficit em conta corrente, hoje na casa de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), seria mui- to maior, superando 4% do PIB. O Brasil acumula nos últimos 12 meses um superávit comercial superior a US$ 20 bilhões Se os termos de troca — a razão entre cotações de vendas e com- pras externas — estivessem hoje nos ní- veis de 2005, quando estavam próximos da média histórica, o Brasil teria nos 12 meses até abril um rombo na balança co- mercial de US$ 21,7 bilhões, em vez de um superávit de US$ 23,2 bilhões, segun- do cálculos do J.P. Morgan. Essa piora de quase US$ 45 bilhões no saldo comercial faria o déficit em conta corrente pular de US$ 48,9 bilhões para US$ 93,8 bilhões. O aumento dos preços de exportação reflete o comportamento e o peso das commodities na balança comercial brasileira. No cenário de deterioração da crise europeia, uma desaceleração mais forte da economia global tenderia a afetar as cotações dos produtos pri- mários, reduzindo o saldo comercial, e também pode ter impacto negativo so- bre os fluxos de capital estrangeiro que têm ajudado a financiar o rombo na conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas com o exterior). Hoje, esses riscos são considerados re- lativamente pequenos e um déficit infe- rior a 2,5% do PIB parece razoável. Além das reservas superiores a US$ 330 bi- Megaoperação para derrubar o petróleo Keith Johnson e Guy Chazan The Wall Street Journal Os EUA e outros 27 países aceitaram on- tem liberar 60 milhões de barris de petró- leo de suas reservas estratégicas, baixando temporariamente a cotação para o menor nível em quatro meses, num esforço polê- mico para sustentar a frágil recuperação da economia mundial. A intervenção foi criti- cada pela indústria petrolífera, grupos em- presariais e políticos. A Casa Branca alega que a decisão de liberar parte das reservas visa a ajudar a substituir parte dos 140 mi- lhões de barris perdidos por causa da guer- ra civil na Líbia, e para impulsionar a oferta durante a temporada de verão nos EUA, em que o consumo de gasolina atinge o auge. O impacto da medida provavelmente será mais psicológico. Os 60 milhões de barris são menos que um dia do consumo mun- dial. O petróleo caiu 4,6% em Nova York e fechou a US$ 91,02 o barril. Página A13 Índios participam da festa dos 50 anos do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso: os mais jovens estão convencidos de que é uma boa hora para reunir lideranças das 16 etnias espalhadas pelos 2,6 milhões de hectares, lembrar o passado e discutir o futuro. EU& Fim de Semana CLAUDIO BELLI/VALOR CVM aperta o cerco à não divulgação de fatos relevantes e informação incompleta D1 Grécia fecha plano de austeridade com FMI e União Europeia C2 Ideias Indicadores Alex Ribeiro Auditoria conclui que faltou ao FMI ca- pacidade para refletir sobre realidades econômicas que fogem ao manual. A2 Motos ultrapassam a crise A venda de motocicletas no país deve re- tornar ao ritmo de antes do início da crise financeira, em 2008, e voltar para a casa dos dois milhões de unidades. Até maio, foram emplacadas 756,1 mil unidades. B8 Apesar da previsão de crescimento me- nor neste ano, as principais redes de su- permercados regionais de Santa Catari- na — Angeloni, Giassi e Bistek — inves- tem na abertura de novas lojas, princi- palmente na Grande Florianópolis, diz Walter Ghislandi. B4 Yu Yongding O caminho do yuan para tornar-se uma moeda verdadeiramente internacional promete ser acidentado. A11 Ministras reforçam PT no Sul As nomeações de Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti para o Ministério reforçou politi- camente o PT sulista, que espera reverter o declínio da legenda na região. O partido aposta na ministra-chefe da Casa Civil pa- ra o governo do Paraná em 2014. A9 Carvão sustentável A Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia desenvolveu um sistema de produção sustentável de carvão vegetal que promete maior rendi- mento e menor impacto ambiental. B8 Coca amplia fábrica no Paraná A Spaipa, franqueada da Coca-Cola para o Paraná e o interior de São Paulo, vai inves- tir R$ 200 milhões neste ano. A maior par- te será destinada à expansão da unidade de Maringá (PR), que vai ganhar uma no- va linha de envase de refrigerantes. B5 Agências virtuais diversificam Agências de turismo on-line e buscadores de viagens tentam elevar a venda de estadias em hotéis e outros serviços para reduzir a dependência das passagens aéreas, que che- gam a representar até 80% da demanda. B4 Shell aposta em nova tecnologia A Royal Dutch Shell adota uma nova tec- nologia para exploração de gás natural liquefeito (GNL) em águas profundas, tornando comercialmente viáveis cam- pos que, no passado, seriam pequenos ou distantes demais da costa. B7 Varejo avança em Florianópolis ‘Fiscais’ da ética Grandes companhias que enfrentaram escândalos de fraudes ou corrupção nos últimos anos, como Daimler, Siemens e Renault, criam diretorias ou cargos no conselho destinados a fiscalizar a lisura dos procedimentos corporativos. D10 lhões, os investimentos estrangeiros di- retos têm superado com folga o buraco em conta corrente. Importante por co- brir integralmente o elevado rombo, esse fluxo crescente de investimento para ati- vidades produtivas deve rondar US$ 60 bilhões neste ano, mas até mesmo esse fi- nanciamento pode ser reduzido caso ha- ja uma desaceleração mais significativa da economia global ou um aumento mais forte da aversão ao risco. Para o economista-chefe do J.P. Mor- gan, Fabio Akira, a dependência da ba- lança comercial em relação às commodi- ties deixa claro que o país está mais sujei- to às oscilações do crescimento global, especialmente da China. Nelson Marco- ni, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), vê com preocupação o déficit em conta corrente. Ele parece “inofensi- vo, mas se o humor externo mudar, pode ficar complicado”. Página A3 Mais varas trabalhistas A presidente Dilma Rousseff autorizou a criação de 84 varas trabalhistas nos Esta- dos de São Paulo, Mato Grosso, Piauí, Ma- ranhão e Ceará. Além disso, tramitam no Congresso oito projetos de lei para a insta- lação de mais 56 varas em oito Estados. E1 Metalúrgico gaúcho pode parar Insatisfeitos com os reajustes oferecidos pelas empresas nas negociações salariais, metalúrgicos gaúchos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) ameaçam parar a partir de segunda-feira. A3 Passado e futuro no Xingu Luciano Coutinho, do BNDES, prevê dois anos difíceis para o Brasil A3 Destaques Bovespa (22/06/11) -0,37 % R$ 5,2 bi Dólar comercial Mercado 1,5870/1,5890 (22/06/11) BC 1,5869/1,5877 Dólar turismo São Paulo 1,5300/1,6900 (22/06/11) Rio 1,5800/1,6900 Euro Reais/Euro (BC) 2,2801/2,2814 (22/06/11) US$/Euro (BC) 1,4368/1,4369 . Previ e Petros vão em busca de investimentos com mais risco Marcelo Mota Do Rio A Previ, maior fundo de pensão do país, acha que os cerca de R$ 4 bilhões em títulos privados que têm em cartei- ra hoje podem crescer mais R$ 15 bi- lhões em cinco anos. Até hoje foi possí- vel bater metas atuariais só com títulos públicos, mas o diretor de investimen- tos da fundação, Renê Sanda, diz que isso vai acabar nos próximos anos. “Basta que o juro fique em patamar próximo ao de outros países emergen- tes que você já está numa situação de ter que correr mais riscos”. Na Petros, a aposta para compensar a queda de rentabilidade nos papéis pú- blicos são os Fundos de Investimento em Participações. Segundo o diretor de Investimentos, Carlos Fernando Costa, a Petros já tem 24 fundos, por meio dos quais participa em mais de 100 empre- sas. Prepara a criação de mais quatro, que serão voltados para as oportunida- des em óleo e gás. Página C1

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Page 1: Preço de exportação em - documentacao.socioambiental.org · Preço de exportação em ... A venda de motocicletas no país deve re- ... fluxo crescente de investimento para ati-

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Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 24/6/2011 (21:2) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de junho de 2011 | Ano 12 | Número 2784 | R$ 3,00www.va l o ro n l i n e . c o m . b r

Pecuaristas buscam apoiodos sem-terra por CarajásAna Paula GraboisDe Marabá (PA)

Pecuarista e fundador do SindicatoRural do Pará, o deputado federal Gio-vanni Queiroz (PDT-PA) tentou, semsucesso, atrair lideranças dos sem-terraacampados em Marabá até quarta-fei-ra para participar do movimento pelacriação do Estado do Carajás, do qual éo principal articulador.

Entre os cinco mil assentados estavao potencial eleitorado do plebiscitopela criação do Estado. O deputadosaiu em defesa pública de suas causas,mas, em entrevista ao Va l o r , reclamouda insegurança jurídica trazida pelas

invasões e da leniência do Judiciário.Se as lideranças da reforma agrária

resistem ao novo Estado, a base do mo-vimento dos sem-terra mostra-se favo-rável, sob o argumento de que a capitalde Carajás, Marabá, estaria mais próxi-ma para receber suas reivindicações.

O eleitorado do plebiscito é alvo decontrovérsias. Questiona-se se todo o Pa-rá deve participar ou apenas os eleitoresdos 39 municípios de Carajás. O publici-tário Duda Mendonça, dono de terras naregião, já se ofereceu para fazer campa-nha pelo plebiscito, de graça. Com o no-vo Estado, a Vale deixaria de contribuirpara o Pará, o que causaria a perda demetade da receita de ICMS. Página A6

China e Rússiaenfrentam oBrasil no G-20Assis MoreiraDe Paris

O Brasil entrou em confronto com aChina e a Rússia no encontro do G-20agrícola em Paris. A divergência ocorreuem relação a um parágrafo que encoraja-va os países a produzirem etanol a partirde plantas e não de matérias-primas paraprodução de alimentos, e a reduziremsuas exigências de utilização de biocom-bustíveis no transporte. Isso sujeitaria apolítica brasileira de combustíveis alter-nativos à de segurança alimentar global.O pressuposto do texto era que é impos-sível elevar a oferta de biocombustíveis ealimentos no mundo ao mesmo tempo.O Brasil discorda, porque aumentou aprodução de ambos. EUA, Brasil e Cana-dá bloquearam as tentativas de reco-mendação de mudanças. Página B12

EcoRodov iasquer operarem Santos eV i ra c o p o sFernanda PiresPara o Valor, de Santos

A EcoRodovias planeja estender suaatuação logística para além das estradas.A holding, que administra concessõesrodoviárias, pátios e estações aduaneiras,pretende operar contêineres no porto deSantos, o maior do país, e atuar no aero-porto de Viracopos. “Já somos um parcei-ro estratégico de todos os terminais ope-radores de cais”, diz o diretor de Desen-volvimento de Negócios, Dario Lopes. Aentrada no segmento de operação por-tuária de contêineres poderá ser feitatanto com um parceiro estratégico de al-gum grupo já presente em Santos ou iso-ladamente, conta o executivo. Há doisanos a EcoRodovias, que é concessioná-ria do sistema Anchieta-Imigrantes, dis-putou a compra de parte do terminalEmbraport e perdeu para a Odebrecht.

Quanto a Viracopos, o executivo émais cauteloso. A preocupação é a formacomo o governo está propondo a deses-tatização, para atender a demanda imi-nente de Copa do Mundo e Olimpíada.“O evento não pode comprometer o ne-g ó c i o”, afirma Lopes. “Ao fazer o processode desestatização simplesmente paramelhorar uma capacidade você pode es-quecer elementos que permitam que es-sa infraestrutura atue como a indutorado transporte”. Página B1

Brasil nãoestá fadado auma “escolhade Sofia”ArtigoJosé Luis Oreiro e Luiz Fernando de PaulaPara o Valor, de Brasília

Algumas visões ortodoxas sustentamque, para eliminar o problema do “juroalto, câmbio valorizado”, o governo e asociedade brasileira teriam de fazer umaescolha entre desindustrialização e fimdo Estado do bem-estar social, uma ver-dadeira “escolha de Sofia”. E o governoatual tenta — segundo a perspectiva or-todoxa — escapar desse dilema por in-termédio da política de acumulação dereservas conduzida pelo Banco Central.

Tendo em vista que o Brasil convive hávários anos com o problema do “juro alto,câmbio valorizado”, não nos parece corre-to basear toda uma argumentação lógicasobre um pressuposto — o pleno emprego— que se aplica apenas ao período bemmais recente da economia brasileira. Apremissa de que a escassez de poupança sedeve aos incentivos perversos produzidospela Constituição de 1988 também parecenão ser uma hipótese plausível.

A argumentação ortodoxa é questio-nável do ponto de vista de sua funda-mentação teórica e empírica. A econo-mia brasileira não parece estar fadada auma “escolha de Sofia”. Página A16

Este é o oitavo artigo da série sobre câmbio,juros e inflação, escrita a pedido do ‘Valor ’.

Preço de exportação emalta limita déficit externoJoão Villaverde e Sergio LamucciDe Brasília e de São Paulo

Nos últimos cinco anos, os preços deexportação dos produtos brasileiroscresceram 78%, mais que o dobro da al-ta dos preços dos bens dos produtosimportados. Essa diferença de ritmodeu uma segurança extra às contas ex-ternas do país. Sem ela, o déficit emconta corrente, hoje na casa de 2,3% doProduto Interno Bruto (PIB), seria mui-to maior, superando 4% do PIB.

O Brasil acumula nos últimos 12 mesesum superávit comercial superior aUS$ 20 bilhões Se os termos de troca — arazão entre cotações de vendas e com-pras externas — estivessem hoje nos ní-veis de 2005, quando estavam próximosda média histórica, o Brasil teria nos 12meses até abril um rombo na balança co-mercial de US$ 21,7 bilhões, em vez de

um superávit de US$ 23,2 bilhões, segun-do cálculos do J.P. Morgan. Essa piora dequase US$ 45 bilhões no saldo comercialfaria o déficit em conta corrente pular deUS$ 48,9 bilhões para US$ 93,8 bilhões.

O aumento dos preços de exportaçãoreflete o comportamento e o peso dascommodities na balança comercialbrasileira. No cenário de deterioraçãoda crise europeia, uma desaceleraçãomais forte da economia global tenderiaa afetar as cotações dos produtos pri-mários, reduzindo o saldo comercial, etambém pode ter impacto negativo so-bre os fluxos de capital estrangeiro quetêm ajudado a financiar o rombo naconta corrente (as transações de bens,serviços e rendas com o exterior).

Hoje, esses riscos são considerados re-lativamente pequenos e um déficit infe-rior a 2,5% do PIB parece razoável. Alémdas reservas superiores a US$ 330 bi-

M e g a o p e ra ç ã opara derrubaro petróleoKeith Johnson e Guy ChazanThe Wall Street Journal

Os EUA e outros 27 países aceitaram on-tem liberar 60 milhões de barris de petró-leo de suas reservas estratégicas, baixandotemporariamente a cotação para o menornível em quatro meses, num esforço polê-mico para sustentar a frágil recuperação daeconomia mundial. A intervenção foi criti-cada pela indústria petrolífera, grupos em-presariais e políticos. A Casa Branca alegaque a decisão de liberar parte das reservasvisa a ajudar a substituir parte dos 140 mi-lhões de barris perdidos por causa da guer-ra civil na Líbia, e para impulsionar a ofertadurante a temporada de verão nos EUA, emque o consumo de gasolina atinge o auge.O impacto da medida provavelmente serámais psicológico. Os 60 milhões de barrissão menos que um dia do consumo mun-dial. O petróleo caiu 4,6% em Nova York efechou a US$ 91,02 o barril. Página A13

Índios participam da festa dos 50 anos do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso: os mais jovens estão convencidos de que é uma boahora para reunir lideranças das 16 etnias espalhadas pelos 2,6 milhões de hectares, lembrar o passado e discutir o futuro. EU& Fim de Semana

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CVM aperta o cerco ànão divulgação de fatosrelevantes e informaçãoincompleta D1Grécia fecha plano deausteridade com FMIe União Europeia C2

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Alex RibeiroAuditoria conclui que faltou ao FMI ca-pacidade para refletir sobre realidadeseconômicas que fogem ao manual. A2

Motos ultrapassam a criseA venda de motocicletas no país deve re-tornar ao ritmo de antes do início da crisefinanceira, em 2008, e voltar para a casados dois milhões de unidades. Até maio,foram emplacadas 756,1 mil unidades. B8

Apesar da previsão de crescimento me-nor neste ano, as principais redes de su-permercados regionais de Santa Catari-na — Angeloni, Giassi e Bistek — inves -tem na abertura de novas lojas, princi-palmente na Grande Florianópolis, dizWalter Ghislandi. B4

Yu YongdingO caminho do yuan para tornar-se umamoeda verdadeiramente internacionalpromete ser acidentado. A11

Ministras reforçam PT no SulAs nomeações de Gleisi Hoffmann e IdeliSalvatti para o Ministério reforçou politi-camente o PT sulista, que espera reverter odeclínio da legenda na região. O partidoaposta na ministra-chefe da Casa Civil pa-ra o governo do Paraná em 2014. A9

Carvão sustentávelA Fundação para o DesenvolvimentoTecnológico da Engenharia desenvolveuum sistema de produção sustentável decarvão vegetal que promete maior rendi-mento e menor impacto ambiental. B8

Coca amplia fábrica no ParanáA Spaipa, franqueada da Coca-Cola para oParaná e o interior de São Paulo, vai inves-tir R$ 200 milhões neste ano. A maior par-te será destinada à expansão da unidadede Maringá (PR), que vai ganhar uma no-va linha de envase de refrigerantes. B5

Agências virtuais diversificamAgências de turismo on-line e buscadoresde viagens tentam elevar a venda de estadiasem hotéis e outros serviços para reduzir adependência das passagens aéreas, que che-gam a representar até 80% da demanda. B4

Shell aposta em nova tecnologiaA Royal Dutch Shell adota uma nova tec-nologia para exploração de gás naturalliquefeito (GNL) em águas profundas,tornando comercialmente viáveis cam-pos que, no passado, seriam pequenosou distantes demais da costa. B7

Varejo avança em Florianópolis

‘Fiscais’ da éticaGrandes companhias que enfrentaramescândalos de fraudes ou corrupção nosúltimos anos, como Daimler, Siemens eRenault, criam diretorias ou cargos noconselho destinados a fiscalizar a lisurados procedimentos corporativos. D10

lhões, os investimentos estrangeiros di-retos têm superado com folga o buracoem conta corrente. Importante por co-brir integralmente o elevado rombo, essefluxo crescente de investimento para ati-vidades produtivas deve rondar US$ 60bilhões neste ano, mas até mesmo esse fi-nanciamento pode ser reduzido caso ha-ja uma desaceleração mais significativada economia global ou um aumentomais forte da aversão ao risco.

Para o economista-chefe do J.P. Mor-gan, Fabio Akira, a dependência da ba-lança comercial em relação às commodi-ties deixa claro que o país está mais sujei-to às oscilações do crescimento global,especialmente da China. Nelson Marco-ni, professor da Fundação Getúlio Vargas(FGV-SP), vê com preocupação o déficitem conta corrente. Ele parece “inofensi -vo, mas se o humor externo mudar, podeficar complicado”. Página A3

Mais varas trabalhistasA presidente Dilma Rousseff autorizou acriação de 84 varas trabalhistas nos Esta-dos de São Paulo, Mato Grosso, Piauí, Ma-ranhão e Ceará. Além disso, tramitam noCongresso oito projetos de lei para a insta-lação de mais 56 varas em oito Estados. E1

Metalúrgico gaúcho pode pararInsatisfeitos com os reajustes oferecidospelas empresas nas negociações salariais,metalúrgicos gaúchos ligados à CentralÚnica dos Trabalhadores (CUT) ameaçamparar a partir de segunda-feira. A3

Passado e futuro no Xingu

Luciano Coutinho, doBNDES, prevê dois anosdifíceis parao Brasil A3

D e st a q u e s

B ove s p a ( 22 / 0 6 / 1 1) -0,37 % R$ 5,2 bi

Dólar comercial M e rc a d o 1 , 5 8 70 / 1 , 5 8 9 0

( 22 / 0 6 / 1 1) BC 1,5869/1,587 7

Dólar turismo São Paulo 1,5300/1,6900

( 22 / 0 6 / 1 1) Rio 1,5800/1,6900

Eu ro Reais/Euro (BC) 2,2801 /2,2814

( 22 / 0 6 / 1 1) US$/Euro (BC) 1 ,43 6 8 / 1 ,43 6 9

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Previ e Petros vão em busca deinvestimentos com mais riscoMarcelo MotaDo Rio

A Previ, maior fundo de pensão dopaís, acha que os cerca de R$ 4 bilhõesem títulos privados que têm em cartei-ra hoje podem crescer mais R$ 15 bi-lhões em cinco anos. Até hoje foi possí-vel bater metas atuariais só com títulospúblicos, mas o diretor de investimen-tos da fundação, Renê Sanda, diz queisso vai acabar nos próximos anos.“Basta que o juro fique em patamar

próximo ao de outros países emergen-tes que você já está numa situação deter que correr mais riscos”.

Na Petros, a aposta para compensar aqueda de rentabilidade nos papéis pú-blicos são os Fundos de Investimentoem Participações. Segundo o diretor deInvestimentos, Carlos Fernando Costa,a Petros já tem 24 fundos, por meio dosquais participa em mais de 100 empre-sas. Prepara a criação de mais quatro,que serão voltados para as oportunida-des em óleo e gás. Página C1

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REPORTAGEM DE CAPA

Povos do Xingu celebram os 50 anos do Parque Indígena

Rito depassagem

enfrentando questões típicas de um território em

transição: índios lutam para manter a identidade e

discutem como caminhar para o futuro, enquanto

circulam com cocar e celular. Por Daniela Chiaretti (texto) e

Cláudio Belli (foto), do Xingu

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18 | Valor | Sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de junho de 2011 Sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de junho de 2011 | Valor | 19

Se há um paraíso na Terra, ele ficaaqui, aos pés desta lagoa, onde opovo camaiurá se banha todos osdias, na bruma rosada das 5h30. A

aldeia Ipavu, no coração do Parque Indíge-na do Xingu, ao norte de Mato Grosso, ficaem um canto do Brasil particularmente lin-do e que parece ser assim, exatamente as-sim, há centenas de anos.

Mas será que a mágica termina à visão daprimeira parabólica cravada na aldeia? Émuito esquisito quando se vê o primeiro ín-dio de celular — e que, por sinal, aqui não pe-ga? Bobagem. Bastam alguns minutos noAlto Xingu para que se entenda que índiocontinua sendo índio mesmo de camiseta eshorts, relógio de pulso, Havaianas e TV naoca — assim como japonês não é menos ja-ponês se veste jeans e deixa o quimono noguarda-roupa ou italiano não perde a iden-tidade peninsular se come arroz e feijão noalmoço e no jantar. Preconceitos, sempre ri-dículos e sintoma de ignorância, no caso dosíndios brasileiros também são daninhos.

No Alto Xingu, nesse fim de semana de ju-nho, Dia de Santo Antônio e Dia dos Namora-dos para muitos brancos do entorno, é dia deíndio. Há mais de 500 deles circulando pelopátio cerimonial ou saindo das grandes ocasdispostas em círculo para participar do I Festi-val de Culturas Xinguanas em comemoraçãoaos 50 anos do Parque Indígena do Xingu, oPIX. Alguns “parentes”, o jeito que índio cha-ma índio, vieram até de fora, do Acre, do RioNegro, do Amapá.

Conta-se nos dedos quem não está para-mentado para os três dias de festa — os ho-mens usam cordas, faixas coloridas nos ante-braços e joelhos, cintos largos às vezes comchocalhos pendurados. Alguns, entre os maisjovens, vestem cuecas por baixo dos enfeites,mas a maioria está nua. O cacique Raoni Txu-karramãe, facilmente reconhecido pelo boto-que no lábio inferior, veste camisa e shorts,mas quem se importa? Ele pode tudo. Os caia-pós não vivem no parque, mas são reconheci-dos por lutar pelos territórios indígenas. Rao-ni é provavelmente a maior autoridade indí-gena contemporânea. Ocorre um frisson naaldeia quando ele chega ao festival.

Homens e mulheres exibem tatuagens

Apresentação de lutano I Festival deCulturas Xinguanas: émuito raro umencontro desses, entrerepresentantes doscerca de 6.500 a 8 milíndios que vivem noparque - nem a Funaitem o número exato

muito gráficas — as negras são feitas com tintaextraída do jenipapo ou carvão em resina e asvermelhas, do urucum. Os enfeites que elesvestem são verdes, azuis, vermelhos e amare-los, não há tons pastel no Alto Xingu. A pintu-ra forte emoldurando os olhos é uma caracte-rística dos índios dessa região, assim comoum colar branco, estupendo, feito de lascasbem recortadas da concha de um caracol, tra-dição dos calapalos. É a joia do Alto Xingu.Identifica as lideranças das nove etnias que es-tão aqui desde sempre, os nobres entre os no-bres. O detalhe é que não se encontra mais ocaracol dentro dos limites do parque e os cala-palos têm que comprá-los dos xavantes.

O motivo da festa é comemorar os 50 anosda criação do Parque Indígena do Xingu, emdecreto assinado por Jânio Quadros em 14 deabril de 1961, resultado de anos de luta políti-ca de uma demanda dos índios apoiados pormédicos e intelectuais como Darcy Ribeiro,Noel Nutels e os famosos irmãos Claudio e Or-lando Villas Bôas. A efeméride, contudo, é pre-

texto não muito bem aceito por todos. É fácilentender o argumento dos que torcem o narizpara a data: a terra era dos índios, que já esta-vam lá antes de os brancos chegarem, invadi-rem, trazerem doenças e provocarem muitasperdas. Mas alguns jovens conseguiram subli-mar o eventual mal-estar, convenceram os ou-tros de que era uma boa hora para reunir lide-ranças das 16 etnias espalhadas pelos 2,6 mi-lhões de hectares e aproveitar para lembrardo passado e discutir o futuro.

É muito raro um encontro desses, entre re-presentantes dos cerca de 6.500 índios que vi-vem aqui — algumas estatísticas falam emquase 8 mil, mas ninguém, nem a FundaçãoNacional do Índio, a Funai, conhece o númeroexato. Lideranças das 16 etnias que vivem noAlto, Médio, Baixo e Leste Xingu se reuniramnas visitas dos então presidentes FernandoCollor e Fernando Henrique Cardoso, há vá-rios anos, e na criação da maior associação in-dígena do parque, a Associação Terra Indíge-na Xingu (Atix), em 1994. As distâncias enor-

mes, as dificuldades de transporte e os altoscustos de viagem são obstáculos difíceis detranspor. A outra questão é que há diferençasentre esses povos. Alguns foram inimigos vis-cerais. Os “kisedjis”, por exemplo, guerreavamcom os camaiurás, o grupo que recebe os con-vidados. Mas agora estão aqui, pintados denegro e em comitiva liderada pelo caciqueKuiussi, e bem recebidos pelos anfitriões.

São os mais velhos que abrem a primeiraroda de conversas, no galpão das falas, reco-berto com palha e cheio de cadeiras de plásti-co brancas. O gesto é sinal de reverência co-mum às sociedades indígenas, que prezam afamília, os anciões, o conhecimento dos pajés.Quando um fala, todos os outros escutam emsilêncio. Os pequenos discursos se sucedementre índios sentados em círculo. Não há mu-lheres nas primeiras filas. Nem nas outras. Asmulheres estão com as crianças, tomando ba-nho na lagoa ou dentro das ocas. A expressãopolítica ainda é domínio masculino.

Os líderes mais experientes contam histó-

rias sobre a criação do parque e externam suaspreocupações atuais. “É isso que Claudio e Or-lando falaram para mim, naquela época: ‘Umdia o homem branco pode vir e enganar vocês.Entre nós tem gente que mata por dinheiro,que mata pela terra’. Claudio falou para eu lu-tar e não ser enganado pelo homem branco”,diz o cacique Raoni em sua língua, com tradu-ção imediata para o português feita pelo so-brinho Megaron Txukarramãe. “Enquanto es-tiver vivo, vou continuar lutando.”

O cacique Aritana, chefe dos iaualapitis,mantém os braços cruzados e a expressão car-rancuda. O líder famoso, uma espécie de em-baixador do Xingu, é outra referência. “Te m o sque preservar a nossa cultura”, diz. “Te m o sque manter nossa terra, nosso ambiente, nos-sa reserva, nossas tradições, por mais 50 anos”,reforça. Aritana esteve envolvido recentemen-te em uma polêmica em torno de uma Peque-na Central Hidrelétrica (PCH). O empreende-dor teria entrado em contato com ele, e Arita-na teria aceito as condições e compensações

da obra. Só que outros líderes se queixaram denão ter sido consultados pelo cacique iauala-piti e o caso acabou em uma confusão interna.Nem tudo são flores no Xingu. As várias etniastêm muitas diferenças entre si, arestas que osmais jovens querem aparar.

O surgimento de uma série de PCHs nos li-mites do parque é um dos problemas que afe-tam a vida dos índios. Como são pequenas, asPCHs estão isentas de apresentar Estudos deImpacto Ambiental (EIA-Rima), já que seu im-pacto é evidentemente muito menor do que ode uma grande hidrelétrica. “A questão é quehá uma chuva de PCHs no entorno do parque,e, então, claro que o impacto é grande”, afirmaa engenheira florestal Cristina Velasquez, quehá vários anos atua no Programa Xingu doInstituto Socioambiental (ISA), a ONG reco-nhecida pelo trabalho tradicional junto a po-vos indígenas do Brasil. Mas as PCHs são sóuma ponta das aflições que atormentam osíndios do Xingu.

A ameaça, eles sentem, está lá fora. Ela podeter contornos ambientais, como o desmata-mento nas bordas do PIX, a poluição daságuas pelo uso de agrotóxicos nas fazendas daregião, o assoreamento dos rios, a diminuiçãona vazão como consequência às represas, a re-dução no estoque de peixes. O parque tem umproblema de origem: as nascentes dos forma-dores do Xingu, rio sagrado para os índios, es-tão fora de suas fronteiras. Os maiores riscospodem ter também contornos sociais, como asedução que as cidades exercem sobre os jo-vens, provocando êxodo nas aldeias e o enfra-quecimento cultural. O relacionamento comos brancos é outro fator de preocupação, alémdo consumo cada vez mais intenso de bebidaalcoólica, da crescente introdução de alimen-tos industrializados e do surgimento de novasdoenças. E há ainda o trauma com as invasões,os madeireiros ilegais, o turismo clandestino.

O lugar da festa não poderia ser mais sim-bólico para discutir passado e futuro e tocarem todas essas questões. O Parque Indígenado Xingu é a terra indígena mais famosa (etalvez a mais glamourosa) do Brasil. Poderassistir a um quarup, o lendário ritual quehomenageia os mortos, é sonho de todobranco que se interessa pela vida e culturadessa gente.

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Chega-se à aldeia Ipavu ou de barco ou deavião, saindo de Canarana. Podem ser sete ho-ras de voadeira pelo rio Culuene, o maior for-mador do Xingu, e depois pelo belo Tuatuari.Vão se seguindo jacarés tomando sol nas mar-gens, bandos de capivaras assustadas e man-tos verdes que se levantam de repente — umfantástico tapete voador de borboletas. Pelosares a viagem leva uma hora, em pequenosaviões que voam baixo e permitem a observa-ção da floresta de transição, do cerrado para aAmazônia. Quando se chega ao parque, o ver-de aumenta em proporção geométrica. Algu-mas manchas acinzentadas indicam que ali ofogo se alastrou e são sinal evidente de que amudança do clima torna a mata mais vulnerá-vel. Pequenas clareiras ocupadas por grandesocas em círculo começam a surgir na janeli-nha, surpresas em meio ao verde. O piloto vaiapontando a vida no Alto Xingu: essa aldeia écuicuro, aquela é uaurá, ali há uma aueti.

O avião pousa na pista de terra e mal desligaos motores que já há camaiurá abrindo a por-ta. Não conseguem esconder a decepçãoquando entendem que entre os passageirosnão está a ministra da Cultura, Ana de Hollan-da, nem o presidente da Funai, Marcio Meira.A presença deles estava confirmada, mas elesnão vieram. A ausência foi sentida e interpre-tada como reação do presidente da Funai àpolêmica sobre a construção da usina de BeloMonte, na região de Altamira. Os índios sequeixam de que a Funai não os ouviu no pro-cesso e acusam o órgão de não tê-los represen-tado devidamente. O cacique Raoni, que hádécadas luta contra as várias versões de BeloMonte, pede a saída de Meira do cargo.

O jovem Kadji Waura, professor indígena,se entusiasma, diz que é “grande guerreiro”e que esteve na barragem. “Se acontecer Be-lo Monte, vou guerrear lá”, avisa. “Digo prameus alunos: o futuro do Xingu depende decada um de nós aqui.”

“Foi uma questão de agenda pura e sim-p l e s m e n t e”, responde o paraense AloysioGuapindaia, presidente substituto da Funai(Marcio Meira está em férias) e diretor de pro-moção ao desenvolvimento sustentável, diasdepois da festa, em conversa por telefone como Va l o r . “Tivemos dificuldades com o avião daFAB que iria levar as autoridades para a aldeia,

O cacique RaoniTx u ka r ra m ã e ,também presente noencontro: os caiapósnão vivem no Parquedo Xingu, mas sãore c o n h e c i d o spor lutar pelosterritórios indígenas

ocorreram problemas com o equipamento.Fugiu à nossa vontade.” Sobre a provocaçãodo cacique, Guapindaia diz que “Raoni temtodo direito de se manifestar, ou contra ou afavor, como qualquer liderança indígena ouqualquer um de nós. Isso é inerente à demo-c r a c i a”. Em seguida, esclarece a linha fina en-tre a atuação da Funai e sua inserção no gover-no. “As coisas não se misturam. O nosso traba-lho é de conciliar os interesses do governocom o dos povos indígenas. Precisamos estru-turar uma política que atenda aos anseios de-les. Mas a Funai é um órgão de governo querealiza política de governo.”

Refeitos da decepção, os índios retornam àprogramação prevista para a manhã de sába-do. É a vez de as mulheres dançarem o Yamuri-kumã. “A história conta que essa peça surgiu apartir de uma rebelião de mulheres contra oshomens”, diz Ianukulá Kaiabi Suiá, um dos jo-vens líderes do Xingu. A lenda fala que as mu-lheres foram embora da aldeia e durante a via-gem entraram em uma grande caverna, feita

por um tatu. Vivem nas profundezas até hoje.Na dança, a única do repertório que é executa-da apenas por mulheres, alguns adornos sãoenfeites masculinos, como cocares e braçadei-ras. O fim da dança é um susto: as mulheressaem batendo, abraçando e atacando seusparceiros. Mas, como os índios conhecem ofim da coreografia, desaparecem de cena. A“i r a” feminina sobra para os incautos convida-dos não índios.

A discussão da tarde está reservada para aslideranças jovens com audiência formada pe-los chefes mais velhos e todos os homens dasaldeias. Trata-se de uma oportunidade de fa-zer ajustes entre a nova e a velha geração. Opano de fundo é a complexidade das mudan-ças que emergem da influência da TV e da in-ternet, da proximidade cada vez maior das ci-dades, da educação, das novas tecnologias, darelação com a sociedade que cerca o parque.“O ponto mais forte nessa reflexão de passadoe presente é o questionamento das liderançasmais velhas, se os mais jovens vão levar adian-

te suas lutas”, analisa Cristina Velasquez.Os índios, falando por eles mesmos, são

sua melhor tradução:“Não dá para viver em plena liberdade e

harmonia com o desmatamento fora do Xin-gu, que acontece pela plantação de soja e o ga-do. A saída dos nossos jovens para a cidade,sem retornar à aldeia, é problema. Nossas li-deranças, meio divididas, é outra questão. Vo-cês sabem que nossa luta sempre foi coletiva.A prática do turismo dentro da nossa reserva éoutro problema”, resume o professor IawarituTrumai, falando com delicadeza aos mais ve-lhos, que a hora é de união dos índios, não im-portam as diferenças do passado.

Trumai também toca em um ponto compli-cado, do turismo clandestino. Em algumas al-deias já há banheiros construídos e, à porta,letras pintadas discriminam “E l e” e “E l a”, indí-cios claros de que o trânsito de não índios de-ve ser frequente. “Isso é gravíssimo”, diz Gua-pindaia. “A Funai tem muitas críticas ao turis-mo dentro de terras indígenas. Essa prática

não é regulamentada e, embora traga um ren-dimento, o que é positivo para eles, tem efei-tos negativos, como alcoolismo, prostituiçãoe doenças”, continua. “Quando ficamos sa-bendo, vamos à comunidade e tentamos con-vencê-los de desistir disso.”

O rapaz de óculos, outro professor indíge-na, conta que o avô, na década de 30, já “fala -va a língua do caraíba”. O discurso de MutuaMehinaku é impressionante: “Quando a Es-cola Paulista [de Medicina] chegava à aldeiaeu ficava com medo, porque ouvia que umdia o branco ia me dar um biscoito com açú-car envenenado e eu ia morrer. Também es-cutava que a escola era muito perigosa e, seeu entrasse ali, eu ia mudar”, conta. “Hoje,depois de estudar muito, valorizo a nossalíngua e defendo a escola como um espaçode analisar a nossa cultura.” Mehinaku nas-ceu em uma aldeia cuicuro, tem 30 anos etrês filhos. Tem página no twitter e perfil noGoogle. Em dezembro defendeu tese demestrado no Rio, sendo orientado pela re-

nomada antropóloga Bruna Franchetto. “Éum futuro líder”, aposta Cristina Velasquez.

A questão da educação é muito mais com-plexa do que pode parecer. As escolas nas al-deias, que dão ensino bilíngue e contam comprofessores indígenas, chegam até a 8a ou 9a

série. Alguns jovens começam a querer cursaro ensino médio e vão para as cidades. Outrofator de êxodo é a busca, sempre maior, doacesso aos direitos sociais dos índios, como aaposentadoria enquadrada no regime de tra-balhador rural ou o Bolsa Família. O que éobrigação do Estado acaba tendo um efeitocolateral, e a sedução dos centros urbanos es-tá vencendo a batalha.

Outro professor indígena, Aturi Kawaiwete,levanta temas muito atuais no cotidiano xin-guano. “Eu me sinto triste de não ver uma dis-cussão de mulheres, que também são guerrei-ras, para falarem do futuro do Xingu”, come-ça. “Hoje a mudança climática mudou nossavida tradicional. Não podemos mais acenderfogo no mato porque ele se espalha e acabacom nossos remédios, acaba com a madeirapara construir a nossa casa. Isso é fundamen-tal para o nosso futuro. Já se fala no mercadode carbono”, prossegue.

Uma jovem agarra o anzol lançado pelo jo-vem “k aw a i w e t e” e pede a palavra. “A minhapergunta é para os professores. O que vamosfazer para evitar que nossos filhos vão para acidade? Não quero colocar minha filha emuma escola que fica seis meses sem aula. Se te-nho escola boa na aldeia, vou querer quemeus filhos estudem aqui”, diz WatatakaluYawalapiti, a Takan. A plateia reage com gritosde “Uhu!”. Takan nasceu na aldeia iaualapiti,do tio Aritana. Com a família viveu no PostoLeonardo — um dos primeiros locais de apoioàs aldeias indígenas do Xingu, com escola eposto de saúde. Na adolescência morou emCanarana, depois em Brasília. “Sempre estu-dei em escola fraca, sem professores. Eu era aúnica aluna indígena, sofria preconceito.”

As dificuldades vieram de todo lado. Na al-deia ninguém acreditava que ela fosse voltar.“Achavam que, porque eu estudei fora, ia casarcom branco.” Takan casou-se com IanukuláCaiabi, que trabalha na Funai, em Canarana. Amoça tem uma loja na cidade, de artesanatoindígena. “Eu conheço os dois mundos. A edu-

A jovem Takan, commaquiagem típica; oprofessor Mutua (àesq.), que tem páginano Twitter; e ocacique Aritana,espécie deembaixador do Xingu:defensores da cultura

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Vista aérea de umaaldeia no Alto Xingu:lideranças rejeitam adenominação deParque Indígena equerem que sua terraganhe status dete r r i t ó r i o

cação no Xingu vem ajudar a gente, mas nãoestá funcionando como deveria.”

Todos, na reunião, falam em português — secada um se exprimir na própria língua, nin-guém se entende. “Falar português é um ele-mento de defesa, para ficarem menos vulne-r áv e i s ”, explica André Villas Bôas, há 16 anoscoordenador do Programa Xingu e secretá-rio-executivo do ISA. A exceção à regra é Rao-ni, que se exprime em sua língua. Depois detodas as falas, o velho cacique pede a palavra,chama pelo sobrinho Megaron, inclina o cor-po em 90 graus, joga os braços para trás. Co-meça uma dança circular muito ágil e entoauma cantoria. Não se sabe ao certo a idade deRaoni. Alguns calculam entre 70 e 75 anos,outros suspeitam que está próximo dos 80. Ocacique começa a falar e toca em vários pon-tos do que foi dito. Não se escuta nenhum ruí-do, todas as atenções estão voltadas para ele.“Quero falar para as mulheres, minhas filhas.A força de vocês é grande. Apoiem a luta domarido de vocês”, recomenda. Prossegue:“Quero falar sobre a religião que querem tra-zer para nós. Eu não aceito isso. Não quero es-se costume do branco de cobrir o rosto com am ã o”. A audiência responde: “Uhu!”

As mudanças do mundo de fora ocorreramem velocidade impressionante nesses 50 anose atingiram as populações no parque. “Quan -do o PIX foi formado, as perdas eram muito vi-vas ainda, havia grupos quase extintos, redu-zidos a 40 pessoas”, conta André Villas Bôas,que não tem parentesco próximo com os ir-mãos da saga xinguana. “Em 1961, quando sepensou o parque, pensava-se os índios comoalgo do passado do Brasil”, continua. A cria-ção do PIX foi uma atitude ousada, mas, natentativa de proteger vários povos de seremmassacrados ou morrer nas epidemias de gri-pe e sarampo, muitos perderam seus territó-rios ao ser trazidos para dentro da reserva. É ocaso dos icpengues, por exemplo, retirados deseu lugar, que foi invadido por garimpeiros. Ocaso mais famoso é o dos panarás (ou crenaca-rores) que foram transferidos para o Parquedo Xingu, mas nunca se adaptaram.

Testemunhas das mudanças, o casal de mé-dicos sanitaristas Sofia Mendonça e DouglasRodrigues, da Escola Paulista de Medici-na/Unifesp, é várias vezes mencionado com

apreço pelos xinguanos. Douglas visitou a re-gião pela primeira vez em julho de 1981, paraajudar no combate de uma epidemia de co-queluche. “Naquela época tinha muita malá-ria, tuberculose, epidemias de gripe devasta-doras”, conta o “doutor Douglas”, como os ín-dios o chamam. “A gente lutava com o que ti-nha, havia falta de medicamentos, a mortali-dade era altíssima.”

Eles ajudaram nas campanhas de vacina-ção, na formação de agentes de saúde indíge-na e de auxiliares de enfermagem. A maláriaficou sob controle, as epidemias cessaram.Mas uma nova geração de males começou asurgir com casos de hipertensão e diabete,obesidade e doenças sexualmente transmissí-veis. “Hoje eles convivem ainda com desnutri-ção, escabiose (sarna) e doenças mais comple-xas”, diz Sofia. Os índios aprenderam a reco-nhecer a eficácia de técnicas dos brancos, co-mo as vacinas, e os médicos aprenderam a tra-balhar com os líderes espirituais das aldeias.“O trabalho com o pajé é fundamental ou a ló-

gica biomédica não funciona”, comenta Sofia.Antes de o festival terminar há uma exibi-

ção de huka-huka, a tradicional luta entreguerreiros e guerreiras. Vence quem joga ooutro ao chão ou quem encosta na barriga daperna do adversário. Uma parte do quarup éencenada e há ainda a hora em que se trocamcerâmicas por vestidos ou lanternas por pul-seiras de miçangas, em um grande “m o i t a r á”.A festa pelos 50 anos do parque chega a SãoPaulo nos próximos dias, com exposição foto-gráfica na Cinemateca, mostra de filmes e ci-clo de debates. Este ano, ainda, aguarda-se olançamento do filme “Xingu”, de Cao Ham-burger. Na aldeia Ipavu o festival termina coma leitura de cartas no pátio central dos ca-maiurás. Ali, os índios do Xingu pedem umamudança sutil, que, no entanto, vai muitoalém da semântica. Eles rejeitam a denomina-ção Parque Indígena, que, entendem, traz em-butida a ideia de “z o o l ó g i c o” e “parque de di-versões”. De agora em diante, dizem, queremque sua terra ganhe status de território. �

MÍDIA

No Afeganistão, arevolução é televisionadaFarrell Meisel, executivo americano, comanda a rede detelevisão que, de Cabul, põe em cena debates políticos emulheres abusadas. Por Diego Viana , de São Paulo

REGIS FILHO/VALOR

Meisel: “Mesmo entre os jovens, muitos afegãos não acreditam em igualdade”

Sentada diante da porta do es-túdio, a mulher esperava a ho-ra da gravação. Encolhida con-tra a parede, bebericava um su-

co de caixinha e chorava copiosamente.Quando deu o horário, ela se levantou eentrou na sala para gravar o programa“A Máscara” (Niqab). Criado pelo advo-gado Sami Mahdi, de 28 anos, “N i q a b” éexibido pelo canal 1TV, de Cabul, capi-tal do Afeganistão. No platô, atrás deuma máscara azul e branca que protegesuas identidades e lhes dá coragem,mulheres contam suas experiências deabuso doméstico no interior do país.

O caso da convidada aos prantos estáentre os mais impactantes do repertó-rio do americano Farrell Meisel, presi-dente da 1TV, que começou a transmitirde Cabul em 2010. Meisel esteve no Bra-sil e falou no 12o Fórum Brasil TV sobrea experiência de fazer “televisão a partirda frente de batalha”. Com objetividadee frieza, o executivo relata a experiênciaafegã. “Já atravessei um verão e um in-verno, estou na primeira primavera nop a í s .” Sua mulher, a cineasta Vered Kol-lek, dispensa a frieza e ressalta os aspec-tos mais duros da vida em Kabul: as fal-tas de energia e água, as ruas sem pavi-mentação, a obrigação de se mantercercado de seguranças. “Eu me adapto.Procuro não ir a lugares que possam serperigosos”, completa Meisel, friamente.

Ele começou uma carreira interna-cional na televisão em 1992, quandoparticipou da fundação da TV6 deMoscou, a primeira rede de televisãoprivada da Rússia após a queda daUnião Soviética. Naquele ano, diz, es-tava cansado do rumo da mídia ame-ricana. “Tudo estava ficando muitoigual, o mercado não prometia nada.Pensei até em abrir uma tabacaria.”

Desde então, comandou canais naTurquia, na Polônia e em Cingapura,

além da rede Al Hurra (“o livre”), ca-nal em língua árabe financiado pelogoverno americano. “O projeto russoabriu caminho para mercados emer-gentes, que quebravam o monopólioestatal”, estima.

No Afeganistão, Meisel toca um ca-nal idealizado por Fahim Hashimy,veterano do exército de 30 anos. O lu-cro é uma perspectiva distante, masnão de todo ausente. O mercado de te-levisão é recente no país, teve inícioem 1974, mas foi banido pelo Talibãentre 1996 e 2002. Hoje, as mídias seexpandem rapidamente. Criam-se, acada ano, nove canais de televisão e 20de rádio, segundo o relatório “MídiaAfegão em 2010”, da agência gover-namental americana Usaid (UnitedStates Agency for International Deve-lopment). Em número de receptores,o crescimento anual é de 20%.

Enquanto o lucro não vem, a redebusca seus outros propósitos. A ins-crição na vida política do país, ocupa-do por tropas estrangeiras e ameaça-do pelo fundamentalismo religioso, éum triunfo. “Ele escolheu o nome ‘Ya k ’[‘u m’ em dari, vertente afegã do idio-ma farsi] para representar a unidadeda nação. Fahim dá grande importân-cia à unificação das tribos”, diz Meisel.Os demais canais, como o líder ToloTV, fundado em 2007, evitam envere-dar pelas polêmicas de um país comrecorrentes atentados a bomba. A re-de Emrooz, que exibia sem censura ví-deos musicais de países vizinhos, co-mo Tadjiquistão, Irã e Índia, foi fecha-da pelo Ministério da Cultura porconduta não condizente com o Islã.

A Yak TV exibe debates, “talkshows” e reportagens investigativas.Nos debates, discussões acerbas nãosão exceção. “A Máscara” tampouco ésempre bem recebido. “Mesmo entre

os jovens, muitos afegãos não acredi-tam em igualdade. A apresentadorade um dos nossos programas foiobrigada a largar o emprego pelaprópria família”, diz Meisel.

O desafio da 1TV, diz seu presidente, écomo o de qualquer outro canal: conci-liar os desejos do público, que “quer serestimulado, entretido e informado”,com os interesses dos anunciantes. Os65 canais do país (apenas 25 registra-dos) dividem US$ 30 milhões de publi-cidade por ano. Os anunciantes se res-tringem ao governo afegão, o governoamericano, a Etisalat (agência de comu-nicação dos Emirados Árabes Unidos),organizações não-governamentais einstituições multilaterais.

Ainda assim, segundo o relatório daUsaid, são dez mil profissionais traba-lhando nesse mercado. Na 1TV, são 300empregados. Televisão e rádio são delonge o meio de comunicação com

maior penetração: só 30% dos 29 mi-lhões de afegãos sabem ler, ou 43% doshomens e 12% das mulheres.

Os números trazem à tona o papelsocial da televisão. Os debates e “AM á s c a r a” são definidos por Meisel co-mo “uma porta que se abre”. “A Más-c a r a”, em particular, é uma “forma deempoderar as mulheres”, e Mahdi dizque o projeto foi criado com o pensa-mento em sua mãe.

São iniciativas para um país em quea regulamentação legal é acrescida deregras criadas “ad hoc” por mulás, ouseja, autoridades religiosas. “Sofre -mos pressões tanto do governo quan-to de grupos religiosos. É normal. Nãopodemos impor nossas liberdades. Éum processo de treinamento”, diz oexecutivo americano, que se dedica aentreter os afegãos e treiná-los nos va-lores vindos do Ocidente por meio datelevisão comercial. �