precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

6
Presente! revista de educação 5 dez / 2008 Vanda Machado Poderíamos comparar a doutora Vanda Machado ao Sankofa - pás- saro mítico que expressa sabedoria africana: Nunca é tarde para voltar e buscar aquilo que ficou para trás. Pes- quisadora da história e cultura afro- brasileiras, Vanda mergulha no seu passado, buscando compreender os seus ancestrais para, então, ressigni- ficar o seu presente e continuar fazen- do história, a exemplo do seu Projeto Irê Ayó, na Escola Eugênia Anna dos Santos – comunidade do Terreiro Ilê Axé Opó Afonjá e da autoria de livros como Vivência e Invenção pedagógica - As crianças do Afonjá, Irê Ayó, Mitos Afro-brasileiros e Irê Ayó – caminho da alegria – educação das relações étnico-raciais. Aqui Vanda fala à Pre- sente! sobre a necessidade de consci- ência histórica e vínculos afetivos na formação do indivíduo, sentindo-se “enraizada numa parte do mundo com possibilidades florescentes”. Por Zulamar Aurélio ! Entrevista Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos Foto: Zulamar Aurélio

Upload: ire-ayo

Post on 24-Jul-2016

215 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Entrevista com Vanda Machado.

TRANSCRIPT

Page 1: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Presente! revista de educação5

dez / 2008

Vanda Machado

Poderíamos comparar a doutora Vanda Machado ao Sankofa - pás-saro mítico que expressa sabedoria africana: Nunca é tarde para voltar e buscar aquilo que ficou para trás. Pes-quisadora da história e cultura afro-brasileiras, Vanda mergulha no seu passado, buscando compreender os seus ancestrais para, então, ressigni-ficar o seu presente e continuar fazen-do história, a exemplo do seu Projeto Irê Ayó, na Escola Eugênia Anna dos Santos – comunidade do Terreiro Ilê

Axé Opó Afonjá e da autoria de livros como Vivência e Invenção pedagógica - As crianças do Afonjá, Irê Ayó, Mitos Afro-brasileiros e Irê Ayó – caminho da alegria – educação das relações étnico-raciais. Aqui Vanda fala à Pre-sente! sobre a necessidade de consci-ência histórica e vínculos afetivos na formação do indivíduo, sentindo-se “enraizada numa parte do mundo com possibilidades florescentes”.

Por Zulamar Aurélio

! Entrevista

Precisamos de consciência histórica e

vínculos afetivos

Foto

: Zul

amar

Aur

élio

Page 2: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Presente! revista de educação6Ano XVI - Nº 63

Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos Vanda Machado

Presente! – A senhora é pesquisadora da his-tória e da cultura africanas. Qual é a origem desse interesse?Vanda Machado – Eu mesma. Na verdade, resol-vi ser o meu próprio objeto de estudo. Nóvoa diz que ninguém se forma no vazio, e sim a partir do que a gente é. O princípio da educação é esse. É puxar aquilo que já tem dentro da gente. Tenho feito isso o tempo todo, mexendo com os meus sentimentos, com os meus raciocínios, com a minha vivência de criança negra, de jovem negra, de mulher negra, de educadora negra, de militante negra. Tudo isso junto deu forma a esse meu interesse, que é o de questionar: afinal, quem sou eu? Quem são meus ancestrais, que atravessaram florestas e oceanos, que convive-ram com a casa-grande, fugiram do capitão-do-mato, refugiaram-se nos quilombos e me fizeram caminhar até aqui? Todo esse passado é o meu presente.

Durante essa caminhada apren-dente, o que eu quis mesmo foi me formar como pessoa. Saber da minha identidade. Esse mo-

vimento é imprescindível para a cidadania.

Presente! – Em que o seu passado mudou o seu presente?Vanda Machado – Em primeiro lugar eu mudei. Hoje, a compreensão que tenho de mim mesma, como cidadã e educadora negra, é diferente. Sinto-me enraizada numa parte do mundo e com possibilidades florescentes. Não me vejo como uma árvore plantada isoladamente, mas numa floresta que pode ajudar na oxigenação do mundo. Minha primeira lição memorizada foi os estados e as capitais do Brasil. Passei a tarde

toda decorando. Recitei certinha, na frente da professora, com as mãos trêmulas e suadas, es-condidas nas minhas costas. Foi um aprendizado tão sofrido que, se agora eu tiver que citar todos os estados e suas capitais, terei muita dificuldade e, quem sabe, recorrer a livros ou à internet. A aprendizagem não entrou pelo coração, foi só o cognitivo e um cognitivo com validade tem-porária. Conto essa passagem para dizer que o que mudou foi a possibilidade de me encontrar naquilo que aprendo. Naquilo que serve para a minha vida e que pode servir para a vida de crianças, de jovens e de outros educadores e edu-cadoras. Durante essa caminhada aprendente, o que eu quis mesmo foi me formar como pessoa. Saber da minha identidade. Esse movimento é imprescindível para a cidadania.

Presente! – Não necessariamente pela via acadêmica.Vanda Machado – Não. Até porque, se me espe-lho apenas na academia, eu me torno um objeto não identificado. A academia me deu régua e compasso para entrar no campo conceitual, o que é muito importante também. Gosto da academia, gosto de circular pela Faculdade de Educação e de encontrar pessoas mergulhando nos seus objetos de pesquisa. Eu gosto de saber das pesquisas que estão nascendo. Isso me alegra, mas viven-ciar apenas o campo conceitual não me constrói como pessoa. Aprendi quem eu sou e como fazer educação rememorando a minha infância em São Felipe, cidade do Recôncavo baiano, convivendo com as comunidades negras da periferia, onde morei por muito tempo, aprendendo com a lição das pessoas no terreiro... Caminhando e fazendo caminho, como diz o poeta [sevilhano] António Machado, que não é o meu pai.

Presente! – E a escola? Ela vai além do campo conceitual?Vanda Machado – Ainda não. Muitas escolas ainda usam o imperativo, “arme e efetue”, “co-pie e resolva”. Isso não faz com que a criança compreenda a sua identidade, mas apenas con-ceitos, normas... Na minha escola, certa ocasião, a professora mandou que eu desenhasse a Terra. Eu desenhei a Terra e junto dela uma lua peque-nininha e torta. A professora não gostou. Ora, eu

Page 3: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Mabel Velloso

Presente! revista de educação7

dez / 2008

Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos Vanda Machado

tinha o tempo todo para observar a terra, sentir o seu cheiro, o cheiro de mato e de tudo que brota da terra... Afinal de contas, eu morava numa ci-dade do interior. A lua era um presente. A gente esperava a lua nova, a lua cheia, a lua crescente e isso deveria ser importante para a escola, pois em determinada época – tempo de semear – as crianças da roça faltavam a aula para ajudar os pais agricultores. A escola não fazia nenhuma relação entre a terra, o semear, a colheita e a vida das crianças. Eu pergunto: alguma coisa mudou? Não. A terra, a plantação, a feira, as pessoas, as dores, as alegrias, as expectativas, os conflitos, tudo continua lá fora. Quer dizer, a vida está lá fora, a vida não está dentro da escola.

Presente! – Então, como fazer acontecer a vida dentro da escola?Vanda Machado – Ah! esperar que a criança pergunte e responder de um jeito que ela possa entender! A gente não dá oportunidade para a criança perguntar. Ela não tem chance de racioci-nar. Quando entra na sala, todos os espaços estão cheios de escritos. Todos os imperativos já estão lá. Veja, por exemplo, nas escolas há os “combi-nados”. Todos os combinados dizem respeito às atitudes das crianças, mas nada em relação às atitudes da escola, do educador, da merendeira, do diretor, da coordenadora... Todos os impera-tivos dizem respeito às crianças. Como é possível construir uma identidade onde tudo não pode. Normalmente temos 30 ou mais crianças em sala de aula e elas só se encontram no recreio e, como o recreio é um tempo livre, elas não sabem o que fazer. Às vezes trocam tapas por não saber lidar com a liberdade. Não há laços, não há motivação para afetos. A escola precisa propiciar à criança a possibilidade de pensar numa forma colaborativa de estar junto. Em Cuba vi algo que julguei da maior importância para educação. Lá a criança passa com a mesma turma e o mesmo educador os três primeiros anos escolares. Penso que esse tempo ajuda a criar laços das crianças entre si e com o educador, que passa a ser uma figura muito importante, uma pessoa de confiança. Tem-se todos os argumentos contra isso, mas acho que a primeira coisa de que a escola precisa é criar laços, afeto. A gente não fala de amor na escola, como se tivesse vergonha, como se o amor fosse

uma coisa menor e sem importância para apren-dizagem. Paulo Freire diz que a transformação só acontecerá por amor, senão é o oprimido que vai tomar o lugar do opressor. Educar não me parece que seja isso, educação é convivência.

A idéia não é inaugurar uma outra hierarquia racial. Não se

trata de trocar um discurso bran-co por um discurso negro. Seria uma grande bobagem e não nos

levaria a nada diferente do que já está posto.

Presente! – Em que medida o advento das Leis 10. 639/03 e 11.645/08 promoveu o reconhe-cimento e o fortalecimento das identidades brasileiras?Vanda Machado – A questão básica é que as leis não mudam nada. Quando alguém me diz que está “trabalhando a lei”, eu já penso que não está, pois não se trata de trabalhar a lei. Trata-se de trabalhar pela formação da pessoa. Dizer que está trabalhando a lei é fácil. Agora, pensar em reconhecer as identidades indígena e negra, buscar nas histórias desses povos o conhecimen-to para a formação da pessoa, aí é outra coisa. Então, a meu ver, não é a lei que transforma. Tenho que me encontrar com a minha identidade brasileira, com a minha consciência histórica, seja qual for a minha etnia. Isso não é assunto para os negros. Isso é assunto para o povo brasileiro. A idéia não é inaugurar uma outra hierarquia racial. Não se trata de trocar um discurso branco por um discurso negro. Seria uma grande bobagem e não nos levaria a nada diferente do que já está posto. A idéia é que possamos nos formar pesso-as solidárias, coletivas e com autonomia. Temos que compreender que a minha etnia é a sua etnia,

Page 4: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Presente! revista de educação8Ano XVI - Nº 63

quando nos entendemos como povo brasileiro. Nós não somos apenas brancos, ou apenas ne-gros, ou somente índios. Somos negros, brancos e índios, ou índios, brancos e negros... Nos livros geralmente está “brancos, negros e índios”, mas seria o contrário, pois os índios foram os primei-ros a habitar as terras brasileiras. Então, gastar tempo com imprecisões semânticas também só atrapalha.

Um grande equívoco, muito pre-sente nas escolas, é o de associar

a cultura e história africanas à religião. Quando isso acontece, o diálogo fica emperrado. Também é comum pensar que cultura afri-

cana é coisa do demônio.

Presente! – Simplifica a discussão?Vanda Machado – É claro. Se alguém diz “o africano tradicional...”, outro diz que não pode ser assim. Espere aí. Vamos pensar com mais se-gurança, com mais possibilidades de transforma-ção, e não deixar travar o debate numa questão semântica. Isso não leva a lugar algum. Quando se discute a cultura do negro e alguém pergunta pela do índio? (a população indígena, inclusive, tem muitas leis aprovadas no MEC, mas que não foram devidamente estudadas e disseminadas), não se trata de pensar o negro e não pensar o índio. A questão é pensar o Brasil. O que a gente precisa é de consciência histórica. É pensar nesse Brasil de todas as gentes.

Presente! – Quais são os maiores equívocos cometidos por essa falta de consciência his-tórica?Vanda Machado – Um grande equívoco, muito presente nas escolas, é o de associar a cultura e

história africanas à religião. Quando isso aconte-ce, o diálogo fica emperrado. Também é comum pensar que cultura africana é coisa do demônio. Assim, como ninguém precisa mudar de religião para pensar a cultura negra, o fato de ser negro não quer dizer que precisa ser pai ou mãe de santo ou pertencer de algum modo à religião de matriz africana. Se assim fosse, a gente teria perdido sacerdotes cristãos maravilhosos como o Pe. Garpar Sadoc, Dom Giglio, Pe. Clóvis Ca-bral e também alguns pastores que estão por aí fazendo valer esse sentimento de agregação, de estar junto e ser uma família planetária. O fato é que é difícil pensar a religião como possibilidade agregadora. Ao contrário, busca-se uma ima-gem de Deus com características tão arrogantes quanto daqueles que o pregam, hierarquizando e separando pessoas, famílias e comunidades. Deus é amor e Sua palavra não foi escrita para humilhar ninguém.

Presente! – Novamente a necessidade de criar laços?Vanda Machado – Imagine: o sujeito entra num navio negreiro absolutamente só. Deixa sua família, sua terra, seu lugar para trás e passa dias e dias sobre o oceano nas miserá-veis condições que a gente já conhece. Perde o nome na entrada do navio, ganha o nome de um santo que ele nunca ouviu falar e é ba-tizado em nome de um Deus que ele também não conhece. Quando chega no navio, se torna malungo (irmão, companheiro) daqueles que estão ali no mesmo infortúnio. O sujeito pre-cisava continuar a viver e a base da sociedade africana é a família extensa. Uma família em que uma aldeia toda pode ser considerada filha de um pai e uma mãe que não são pais biológicos. Ou uma pessoa pode ter quatro ou cinco pais e muitas mães, que naturalmente não são seus pais biológicos. No Novo Mundo, marcado pelo inferno da escravização, restava criar um jeito de refazer os laços familiares que tinham ficado para trás. Assim, todo mundo que estava por perto passou a ser irmão e o que era cultura no Continente Africano se constituiu em religião no Brasil. Qual foi a função dessa religião no Brasil? Agregar, acolher pessoas. Fazer a pessoa sentir a segurança de outra vez pertencer a um

Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos Vanda Machado

Page 5: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Mabel Velloso

Presente! revista de educação9

dez / 2008

grupo de acolhimento e proteção mútua. Um grupo que se reconhece nas suas similaridades e diferenças.

Presente! – Como isso se dá?Vanda Machado – O Micea Eliade [filósofo con-temporâneo (1907 - 1986)] fala de um povo que, quando estava fraco e desanimado, o líder reunia e contava histórias e mais histórias dos feitos dos seus ancestrais. Dessa forma, todos voltavam para os seus lugares fortes e confiantes novamente. Esses mitos que se repetem têm o sentido de fortificar as pessoas. Nós vivemos muitos mitos, um exemplo é o da Semana Santa. É bom que a gente defina mito não como uma mentira, mas como uma verdade que se repete sempre de for-ma diferente. Esse é o segredo. Os cristãos podem estar fragilizados, descompassados, mas num período previsto vivem as histórias da Semana Santa. Assim, se fortificam e ressuscitam com o Cristo na Páscoa. O povo de santo nos terreiros revivem anualmente a história de Oxalá e outras tantas que vão acontecendo nas festas comunitá-rias. Em cada acontecimento festivo e renovador, a comunidade vive e convive para a melhoria do jeito de caminhar no mundo. As festas nos cha-mam de volta para a consciência coletiva.

Presente! – E quanto aos ícones da música, da poesia e da ciência que são de origem africana?Vanda Machado – Os ícones são importantes não porque são ícones, mas porque se parecem com as crianças, com os pais das crianças. Nas famílias sempre tem alguém parecido com o compositor e poeta Cartola, com o músico Pixin-guinha, com o ativista social Abdias Nascimento, com o médico Juliano Moreira. Significa muito para a criança saber que o grande Machado de Assis era filho de uma lavadeira de origem portu-guesa e de um homem negro; saber que o hino nacional tem uma música composta por um ho-mem negro, o regente Francisco Manoel da Silva; saber que o famoso escultor Aleijadinho também era negro; saber que o intelectual Manoel Quirino era negro... Além disso, toda comunidade tem aquela parteira que também pode ser uma negra; a moça que sabe aplicar injeções; a professora negra que se dedica às suas crianças e é muito

querida... Então, ignorar esses ícones, tanto os mais distantes como os mais próximos, é negar à criança a história do seu lugar, das pessoas que são importantes e estão no entorno. Não precisa ser o rico ou o diplomado, mas aquela pessoa bacana que sabe falar a linguagem das crianças, que sabe dizer coisas bonitas e pode ser exemplo para elas. Pode ser um cordelista, um repentista, um cantor ou uma cantora de rap. Assisti a uma entrevista de Fábio, que é ator do Bando de Teatro Olodum. Ele disse: Eu sou um herói para o povo da minha rua. Isso é bacana porque vai contribuir para a altivez das pessoas do lugar e para a compreensão de que somos to-dos potencialmente iguais, independentemente de nossa etnia. Podemos ser qualquer coisa que escolhermos. Temos um único tronco genético.

Há uma necessidade de fazer com que a criança possa se olhar e

dizer: “Eu sou negra”. Mas, para fazer isso, é preciso que ela tenha

consciência histórica.

Presente! – “Ser” é um exercício diário para todo indivíduo, especialmente difícil para o negro, não? Vanda Machado – Claro que é difícil. Falo sempre que eu aprendi também comigo mesma, com meus sentimentos. Quando eu era menina, houve um momento em que queria ser transparente. Na escola as professoras não me viam, não me escu-tavam, não me perguntavam, não me tocavam... Eu desejava muitas vezes ser transparente de verdade, ninguém me veria e estaria justificado o pouco caso. Vivi num lugar de poucos negros, não me lembro de outra família negra a não ser a minha. Não que as outras fossem brancas, mas não eram negras com o cabelo crespo como o meu e assim todas as outras meninas podiam

Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos Vanda Machado

Page 6: Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Presente! revista de educação10Ano XVI - Nº 63

coroar Nossa Senhora. Algo proibido para mim. Portanto, há uma necessidade de fazer com que a criança possa se olhar e dizer: “Eu sou negra”. Mas, para fazer isso, é preciso que ela tenha consciência histórica. Recentemente li na revista Galileu, edição de maio, expressões como o lado negro, o lado sombrio da internet, quando se referiam a matérias como pedofilia, racismo e neonazismo. Então, como é que uma sociedade, que tem uma revista científica que considera o imprestável, o difícil e o ruim como o lado negro, me vê? É preciso, de fato, que eu me reconheça ou até me reconstrua com uma identidade negra, para que eu possa di-zer que sou negra e não o lado sombrio dessa sociedade. Como alguém pode afirmar que é negro quando sabe que não pode denegrir uma pessoa, torná-la negra, pois isso é fazê-la ruim? Como fazer isso numa sociedade cheia de jar-gões, piadas, de músicas abomináveis em relação aos negros? Às vezes as músicas parecem tão inocentes... (“Mas como a cor não pega, mula-ta,/ Mulata, eu quero o teu amor” [composição de Irmãos Valença e Lamartine Babo]). A cor é tratada como se fosse uma doença. Então, é muito difícil para o sujeito declarar-se negro e vai custar muito ainda para acontecer. O que a gente ouve de vez em quando (“Ah, quando morrer, vai todo mundo para o mesmo lugar”) é bobagem. O negro pode até morrer bem antes porque ele não tem acesso aos médicos, hospitais, à saúde pública, mesmo pagando impostos. “Por dentro, todo mundo é igual”. Outra bobagem. Por fora, somos diferentes.

Presente! – Sobre a desigualdade, o poeta Mario Quintana disse que “a morte não iguala ninguém: há caveiras que possuem todos os dentes”. Vanda Machado – Fantástico esse pensamento de Quintana. Não é diferente porque é diferente, mas porque recebeu tratamento diferente. A ar-cada dentária não nega. Revela quem são os des-dentados e o tipo de tratamento receberam.

Presente! – Para encerrar, o que desejamos como educação das relações étnico-raciais? Vanda Machado – Criar vínculos de verdade. Criar afetos. Para construirmos alguma coisa boa

nesse país, precisamos ficar todos juntos. Ou estamos todos juntos - brancos negros, índios e todos os imigrantes que entraram e continuam entrando nessa terra -, para que a gente possa legar às próximas gerações um Brasil melhor, um mundo melhor, ou então a gente pode sentir ver-gonha das marcas deixadas por nossa geração. Pensar a nação, pensar o planeta, é diferente de apenas olhar para o próprio umbigo. Agora, que tudo isso possa nascer das nossas comunidades, das nossas escolas! Adoraria ver uma escola que não se importasse tanto com pensadores estran-geiros, que voltasse a estudar Paulo Freire, por exemplo, que tivesse um jeito mais flexível de ser e que as mudanças não ocorressem por decretos. Essa é a minha utopia. Uma escola com vínculos afetivos importantes. O conhecimento? Ah! esse se desenvolveria exatamente por tudo isso!

Precisamos de consciência histórica e vínculos afetivos

Janeiro10 a 1424º Congresso Internacional de Educação Física (FIEP) – Foz do Iguaçu, PR11 a 18Curso de verão - Arte e Educação Popular -(PUC/SP) - São Paulo, SP26/01 a 1/02 VI Fórum Mundial de Educação – Belém, PA

Maio3 a 1616º Congresso Internacional de Educação - Educar o Educador - São Paulo, SP 19 a 22 6ª Conferência Internacional de Educação para Jovens e Adultos (Confintea) - Belém, PA

Agenda