vinculos afetivos

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81 Juliana Alencar de Souza é Psicóloga, Especialista em psicologia da saúde; docente da Faculdade de Ciências Empresariais e Estudos Costeiros de Natal -FACEN e do Instituto Natalense de Educação Superior - INAES. A FORMAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO: A QUESTÃO DO APEGO JULIANA ALENCAR DE SOUZA Resumo: A pesquisa que se apresenta, de natureza bibliográfica, tem por objetivo levantar teorias a respeito da relação mãe-bebê. O mito do amor materno é um tema abordado por vários autores. Pois alguns defendem que o bebê desenvolve o vínculo com sua mãe, somente depois do nascimento, enquanto, outras explicam que o surgimento desta relação didática desenvolve- se muito antes da concepção do filho. Este artigo tem por objetivo específico analisar esta questão da formação deste vínculo afetivo, dando ênfase à questão do apego. Para assim favorecer a construção e a intensificação da interação mãe e filho, haja vista ser essa construção a base para toda a constituição psíquica do futuro adulto. Palavras-chave: Psicopedagogia, Vínculo afetivo, Interação mãe-bebê, Apego. I. Introdução Toda ciência que procura compreender o comportamento humano recai um dia na questão de como e por que o ser humano estabelece vínculos afetivos e emocionais. Até meados da década de 1950, tanto os psicanalistas, como Freud, Lacan e outros, como os teóricos da aprendizagem, Piaget, Vygotski, compartilhavam do mesmo ponto de vista sobre a formação dos vínculos afetivos: necessidades de satisfação dos impulsos primários, tais como a alimentação e o sexo. Na psicologia, várias teorias tentam explicar o estabelecimento de vínculos, como, por exemplo, as teorias com embasamento teórico em Winnicott, (1999); Spitz, (1988); John Bowlby, (1962); Maldonado (1988) e Soifer (1980). Em vista disto, fez-se necessária uma revisão teórica a respeito desta “construção” da maternidade, pois muito se Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 5, n. 1/2,p. 81-98, jan./dez. 2005

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Page 1: Vinculos afetivos

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Juliana Alencar de Souza é Psicóloga, Especialista em psicologia da saúde; docente da Faculdade de Ciências Empresariais e Estudos Costeiros de Natal -FACEN e do Instituto Natalense de Educação Superior - INAES.

A FORMAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO:

A QUESTÃO DO APEGO

JULIANA ALENCAR DE SOUZA

Resumo: A pesquisa que se apresenta, de natureza bibliográfica, tem por objetivo levantar

teorias a respeito da relação mãe-bebê. O mito do amor materno é um tema abordado por vários

autores. Pois alguns defendem que o bebê desenvolve o vínculo com sua mãe, somente depois

do nascimento, enquanto, outras explicam que o surgimento desta relação didática desenvolve-

se muito antes da concepção do filho. Este artigo tem por objetivo específico analisar esta

questão da formação deste vínculo afetivo, dando ênfase à questão do apego. Para assim

favorecer a construção e a intensificação da interação mãe e filho, haja vista ser essa construção

a base para toda a constituição psíquica do futuro adulto.

Palavras-chave: Psicopedagogia, Vínculo afetivo, Interação mãe-bebê, Apego.

I. Introdução

Toda ciência que procura compreender o

comportamento humano recai um dia na questão de como e

por que o ser humano estabelece vínculos afetivos e

emocionais.

Até meados da década de 1950, tanto os

psicanalistas, como Freud, Lacan e outros, como os teóricos

da aprendizagem, Piaget, Vygotski, compartilhavam do

mesmo ponto de vista sobre a formação dos vínculos

afetivos: necessidades de satisfação dos impulsos primários,

tais como a alimentação e o sexo. Na psicologia, várias

teorias tentam explicar o estabelecimento de vínculos, como,

por exemplo, as teorias com embasamento teórico em

Winnicott, (1999); Spitz, (1988); John Bowlby, (1962);

Maldonado (1988) e Soifer (1980).

Em vista disto, fez-se necessária uma revisão teórica a

respeito desta “construção” da maternidade, pois muito se

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fala a respeito e, no entanto, não se chega

a uma conclusão a respeito do assunto.

Ao discutir o assunto, verifica-se

que para se chegar à maternidade e à

formação de vínculos, deve-se examinar

a interação mãe-bebê, levando-se em

conta:

A mãe: através da complexidade

que envolve a figura materna, onde a

questão do instinto materno faz-se

presente ou não; isto na visão,

principalmente, de Bowlby, Maldonado e

Klein;

O bebê: na visão de Winnicott,

pr ior i tar iamente, teórico da área

transicional e do espaço potencial,

defende que a criança pra se desenvolver

bem só necessi ta de uma mãe

suficientemente boa; por outro lado, existe

Klein, onde diz que o primeiro objeto de

amor e ódio do bebê é sua mãe;

O vínculo: a questão do apego de

Bowlby, onde de acordo com suas idéias, o

apego é uma necessidade básica e vital do

ser humano, tendo em vista que este

nasce predisposto e equipado para se

apegar a um indivíduo em especial que se

disponha a se relacionar com ele de uma

f o r m a t a m b é m e s p e c i a l . Ta l

comportamento de ligação persiste

durante a vida adulta (pode ser

particularmente observado nos adultos

nas situações de doença ou de tensão),

embora a freqüência e a intensidade

tendam a diminuir com a idade. Winnicott

(1999) assinala que a ausência da

segurança materna terá efeitos sobre o

desenvolvimento emocional e acarretará

danos a personalidade e ao caráter. Além

de Spitz, (1988); Maldonado (1988); e

Soifer (1980) que têm demonstrado que a

criança passa a identificar sua mãe

através da discriminação perceptual,

sorrindo pra ela, vocalizando-a e a

olhando. Aparece aqui, também,

pesquisas de outros autores sobre o

assunto (suas pesquisas) mas os mesmos

se basearam nos autores citados acima.

É interessante ressaltar que, no

corpo do trabalho, falar-se-á na díade

mãe-bebê e, não necessariamente, será a

mãe a figura de apego com quem o bebê

estabelecerá o vínculo, pois quando se

fala da interação mãe-bebê na UTI

neonatal está implícito que a mãe está

com seu bebê. Mas o que se pode

observar é que esta figura (de mãe - da

maternagem) pode ser alguém que exerça

o papel de mãe: um parente, uma babá.

Enfim, o vínculo se estabelece com uma

figura disponível, independentemente de

ser ela a mãe ou não da criança.

E quando se inicia a formação

desse vínculo? Esta é a pergunta na

continuação do trabalho. Aqui se expõem

autores diversos como, Macedo e Barros

(2002); Pupo (2000); Durand (2003); que

abordam esta questão.

Tal questão é ainda polêmica e

resulta em opiniões diversas; muitos

estudiosos, como por exemplo Papalia e

Olds (2000) Montenegro (1992) e Valério

(2003) acreditam que a formação do

vínculo de apego começa antes mesmo do

nascimento do bebê. Sabe-se que antes

da concepção e durante a gestação

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existem fatores influenciando a formação

do vínculo, como por exemplo:

O desejo inconsciente dos pais

com relação ao desenvolvimento dos

seus papéis de pai e de mãe;

A existência do bebê enquanto

possibilidade;

A qualidade da relação seja do

próprio casal, como da mãe/bebê;

A existência de fantasias. (Aqui, por

exemplo, entram as fantasias com relação

ao sexo do bebê, ao como ele vai ser

quando crescer.)

Finalizando o estudo bibliográfico,

destaca-se a questão sobre como os

vínculos se transformam e podem se

romper se não houver uma integração

multidisciplinar dentro das instituições.

Pois humanizar é um caminho que pode

ser tomado, visando à diminuição dos

riscos que a falta de um vínculo afetivo

pode ocasionar.

Dessa forma, é a atitude emocional da

mãe que irá conferir a qualidade de vida à

experiência do bebê, o qual passará a

responder também afetivamente a esse

investimento emocional, numa relação

recíproca e desejante.

Esse desejo pelo filho vem desde

antes a gestação, refletindo as fantasias

de maternidade, à medida que o bebê é

pensado e inscrito numa rede de

significantes, numa gradativa construção

do filho imaginário. (Macedo e Barros,

2002).

2. Contribuições teóricas

Interação mãe-bebê

A Mãe

De acordo com Sayers (1992),

Melanie Klein, em sua vida particular,

acolheu sua mãe no que ela tinha de

“bom” e de “ruim”. Com isso, ela promoveu

uma revolução na psicanálise, desde a

preocupação com a subjugação dos

instintos “anárquicos” da criança como

dizia Anna Freud até uma compreensão

dos instintos como algo sempre

relacionado com o outro, a começar pela

mãe, amada e odiada.

Para Sayers (1992), ao citar Klein,

demonstrou progressivamente que essas

relações e não os instintos, despojados

da relação com o outro é que constituíram

a matéria-prima da vida mental.

Vár ios autores (K le in , 1975;

Maldonado, 1988 e 1989; Soifer, 1980;

Szejer & Stewart, 1997; e Lukas, 1983)

concordam que na complexidade, onde se

envolve a figura da mãe, devemos

priorizar o que há em um verdadeiro

relacionamento amoroso entre a mãe e

seu bebê, tal como se desenvolve quando

a mulher atingiu uma personalidade

plenamente maternal. Além disso, existem

vários caminhos que vinculam o

relacionamento da mãe com o seu filho ao

seu próprio relacionamento com a sua

mãe na infância. Tanto os bebês quanto as

crianças pequenas possuem um desejo

intenso, este consciente ou inconsciente:

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nas fantasias inconscientes da menina

pequena, o corpo da mãe está cheio de

bebês, na qual ela imagina que tenham

sido ali colocados pelo pênis do seu pai,

que a seus olhos significa toda a

“criatividade, poder e bondade”. É esta

atitude de admiração para com o pai e

seus órgãos sexuais como poder criador e

fonte de vida que associado ao desejo

intenso da menina de ter seus próprios

filhos dentro delas, que se tornam o seu

bem mais precioso, ou seja, o desejo de

ser mãe.

Frente a isto Klein (1975) relata que é

quando a criança brinca com suas

bonecas como se fossem bebês vivos e

reais que ela desenvolverá, na vida

adulta, o amor que a mulher grávida

experimenta pela criança que se

desenvolverá em seu ventre, e depois

pelo bebê a que deu à luz. Esta realização

a tornará uma pessoa menos agressiva e

irá intensificar a sua capacidade de amar o

seu filho.

De acordo com a autora existem,

porém, algumas mães que exploram esse

relacionamento para a gratificação de

seus próprios desejos, ou seja, de sua

possessividade e da satisfação de ter

alguém dependente delas. Mulheres

assim desejam que os seus filhos

permaneçam grudados a elas e detestam

a idéia de que eles venham a crescer e

adquirir individualidades próprias.

Por outro lado, Karen Horney, citado

por Sayers (1992), se opôs, em particular,

à a u t o - e s t i m a d a s m u l h e r e s

representadas pela explicação freudiana

de sua psicologia com base na inveja do

pênis. Ao fazê-lo, ela usou sua experiência

materna, essencialmente, para inverter a

teoria de Freud: primeiro, para argumentar

que a psicologia da mulher era

determinada pela identificação inata com

a mãe, e não pela identificação frustrada

com o pai; segundo, para chamar a

atenção para a inveja masculina do

maternalismo feminino.

Frente a esta dicotomia, de acordo

com Sayers (1992), Lopes (1983) e

Langer (1981), não se pode dizer que a

vida e a obra de Anna Freud tenham

envolvido a rejeição materno-centrada de

Horney ao patriarcalismo freudiano. Muito

pelo contrário. Embora tenha vivido com a

mãe por mais de meio século, Anna

parece tê-lo ignorado quase por completo,

enquanto assumia seu lugar como

secretária, enfermeira e principal

representante das idéias do pai.

Mas também as ultrapassou. Nesse

aspecto, surpreendentemente, ela

recorreu em particular à experiência de

maternalização de seu sexo.

A primeira experiência fez dela a

pioneira da análise com crianças e da

psicologia do ego, e a segunda fez com

que modificasse a visão de seu pai sobre o

desenvolvimento infantil, passando a levar

em con ta sua dependênc ia da

maternalização primária.

Devido à sua experiência na

assistência às crianças durante a guerra,

Anna Freud passou de uma centralização

no pai para uma centralização na mãe. Ela

voltou sua atenção para “o anseio de todos

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os indivíduos por uma união perfeita com

a mãe” (Sayers, 1992, p.187).

Em condições diferentes, Helene

Deutsch teve problemas na sua vida

particular com sua mãe, por conseguinte

não gostava dela (Sayers, 1992). Ela

estava mais interessada na psicologia

feminina, e, com isso, dizia ela que os

problemas advindos do aparecimento da

menstruação, do ciclo menstrual, da

perda da virgindade e conseqüentemente

da relação sexual, gravidez e parto, e

ainda da menopausa, sugeriu Helene, não

se deviam tanto, como argumentava

Freud, ao fato de essas funções

significarem a castração. Antes, afirmou

e la , e ram e fe i t o dos con f l i t os

desencadeados por estes eventos

reprodutivos entre o amor-próprio

narcísico e o amor maternal pelos outros.

Maldonado (1989), estudando este

tema, acrescenta que a maternidade e a

p a t e r n i d a d e s ã o f a s e s d o

desenvolvimento psicológico que estão

s e m p r e e m p o s s i b i l i d a d e s d e

rees t ru tu ração , mod i f i cações e

reintegrações da personalidade, ou seja,

a pessoa nunca cessa de crescer, de se

desenvolver e de aprender com suas

experiências.

A partir desta premissa, a mulher

passa, em sua vida, por três períodos

críticos de transição: a adolescência, a

gravidez e o climatério. Estas fases

a f e t a m o d e s e n v o l v i m e n t o d a

pe rsona l i dade da mu lhe r, po i s

intimamente ligadas com o papel delas na

sociedade, com as novas adaptações,

reajustes interpessoais e intrapsíquicos e

com sua mudança de identidade, passam

da menina, para a mãe e depois para a

menopausa.

Existem várias vertentes de análise

sobre a origem da maternidade se ela é

instintiva ou adquirida. De acordo com

Papalia e Olds (2002), o desenvolvimento

humano possui crenças básicas e por

meio de perspectivas distintas surgiram

t e o r i a s i m p o r t a n t e s c o m o : n a

Psicanalítica, a teoria psicossexual de

Freud. Essa teoria defendia que os fatores

i na tos e ram mod i f i cados pe las

experiências, ou seja, a mulher já nascia

com seu instinto de mãe e se modificava

com passar do tempo. Já a teoria

psicossexual de Erikson e a teoria

relacional de Miller defendem a existência

de uma interação dos fatores inatos com a

experiência.

Na perspectiva da Aprendizagem; os

Behavioristas (Pavlov, Skinner e Watson),

relatam que a ênfase recai somente na

experiência, as mulheres aprendem a ser

mães de acordo com suas experiências

vividas; já a teoria da aprendizagem social

(Bandura, 1989) preconizava que essas

experiências eram modificadas pelos

fatores inatos.

Para a perspectiva cognitiva, segundo

a teoria dos estágios de Piaget e a teoria

do processamento de informações, ocorre

uma interação dos fatores inatos com a

experiência vivida. E na perspectiva

etológica de Bowlby (1962) e Ainsworth

(2000), esta interação se repete. Por fim,

na perspectiva contextual de Vygotsky

(1999), ocorre que o contexto sociocultural

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de uma criança tem impacto importante no

desenvolvimento, ou seja, somente a

experiência interfere neste processo

(Pulaski, 1986).

Em uma entrevista cedida por

Maldonado (2001) sobre a ciência do

amor materno, ela fala sobre instinto

materno, se ele é adquirido ou inato, e

superproteção, e foi dito que o instinto

materno não existe, ou seja, que ele não é

inato, que o que ocorre é uma construção

de amor, onde este nasce no dia-a-dia, em

etapas, desde o planejamento do filho até

a vida adulta deste. Portanto, o amor a

uma criança não depende do vínculo

biológico, a “maternagem” é um processo

global de envolvimento mãe-filho. Fiori

(1981) concorda com Maldonado,

assinalando que o instinto materno é um

mito.

O que existe na realidade é amor

materno (“sentimento adquirido que se

estabelece pelo contato e disposição da

pessoa em amar a criança”- p23). Mas ela

diz que a frase "amor, só de mãe" tem

certamente um fundo de verdade. Pois

este amor de mãe costuma ser mais

estável, confiável, puro e supera melhor

as dificuldades. Ele é mais do que o amor

entre um homem e uma mulher. Mesmo

ele, porém, pode ser desconstruído.

Pois, “as relações humanas são muito

complexas. Como entre os seres

humanos todo amor é construído, ele

também pode ser desconstruído. Um

homem e uma mulher se amam porque o

amor deles foi construído. Sendo assim,

pode ser demolido. Um fato novo pode

acabar com ele. As separações e os

divórcios estão aí para mostrar. Quantos

irmãos que a princípio se amavam

rompem e passam o resto da vida sem se

falar? Às vezes, os próprios pais têm um

vínculo de amor com um filho e acontece

algo em certa altura da vida e esse vínculo

é cortado. Os motivos são variados: o filho

se casa com uma mulher que os pais

desaprovam”.(Maldonado, 2001)

Continuando, na mesma entrevista, a

autora explica que o instinto materno seria

verdadeiro se a mulher tivesse em seu

equipamento biológico algo que a levasse

a amar automaticamente seu filho. E ela

não tem, ou seja, o amor é construído no

seu psiquismo. É por isso que muitas

mães acham que amam seus filhos antes

deles existirem/nascerem, pois é verdade,

um bebê “planejado” já começa a existir

mesmo antes de sua concepção, vai ser

bem-vindo, amado incondicionalmente e

esperado; já um bebê não planejado vai

demorar a ser aceito, terá que ser

construído este amor através de cada dia,

com a convivência, com contato, enfim,

com a assiduidade. Ser mãe é muito mais

do que gerar um filho; é saber que “...

muitas das mais intensas emoções

humanas surgem durante a formação,

manutenção, rompimento ou renovação

dos vínculos emocionais...” (Bowlby,

1962, p.23).

O bebê

Teórico da área transicional e do

espaço potencial, conceitos de grande

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importância em seus textos, Winnicott

(1994) alterou as idéias recebidas com a

sua célebre fórmula, segundo a qual a

criança para bem se desenvolver em seus

primeiros momentos de vida necessita,

apenas, de uma “mãe suficientemente

boa”. Esta díade mãe/bebê será uma

unidade essencial para a construção da

vida psíquica do ser humano. A mãe terá a

grande responsabilidade de oferecer a

proteção ambiental, sabendo que as

falhas que vierem a acontecer serão

inevitáveis; elas poderão prejudicar

enormemente a construção do psiquismo

d a s u a c r i a n ç a , m a s t a m b é m

possibilitarão que ela se adapte, ao

suportá-las. Winnicott (1994) chamou

estes cuidados de “preocupação materna

primária”.

Além disso, a criança passa por uma

experiência traumática de intrusão ou

invasão. Esta intrusão é necessária por

preparar o bebê para ir se adaptando ao

meio ambiente, satisfazendo às suas

necessidades. Se há invasão há também

a necessidade de reagir, pois o

significativo é a reação a ela (Lebovici,

1987).

Segundo Winnicott (1994), a mãe vai

apresentando os objetos ao bebê,

permitindo que se crie um espaço

necessário para que possa percorrer um

caminho da subjetividade à objetividade.

Inaugura-se, assim, a área de ilusão em

que se sobrepõe o que a mãe oferece e o

que a criança pode perceber. Esta área de

ilusão ou espaço transicional será de

suma importância para a criação dos

objetos transicionais. A criança se

relaciona com os objetos que são reais e

concretos, de modo altamente subjetivo,

embora não se possa, ainda, chamá-los

de objetos internos. Tudo ocorre numa

zona intermediária entre a realidade

psíquica e a realidade externa, entre o eu

e o não-eu, articulando presença e

ausência maternas.

Papalia e Olds (2000) dizem que “o

bebê recém-nascido é, num sentido

extremo, um imigrante” (p.92). Após o

parto, ele terá que enfrentar problemas

mais difíceis, como, por exemplo,

começar a respirar, comer, adaptar-se ao

clima e responder a um ambiente confuso;

e isso é um desafio para um ser tão

pequeno que ainda os seus sistemas

orgânicos ainda não estão totalmente

maduros. Mas eles nascem prontos para

enfrentar estes desafios, exceto os

prematuros, como veremos adiante.

O nascimento é tanto um início quanto

um fim, ou seja, fim da vida fetal e início da

vida externa. E é a maturação deste feto

que determinará o início da vida aqui fora;

a maturação dos órgãos vitais, como os

pulmões, coração, estão prontos para

iniciar seu funcionamento fora do útero

(Papalia e Olds - 2000).

Para alguns autores, além do

supracitado Montenegro (1992), no

período neonatal, nas primeiras quatro

semanas de vida, temos uma época de

transição. No nascimento, os sistemas

circulatório, respiratório, gastrintestinal e

de regulação de temperatura do neonato

tornam-se independentes da mãe.

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Klein (1975), ao falar do bebê e suas

emoções, diz que o primeiro objeto de

amor e ódio do bebê é sua mãe, ou seja, é

ao mesmo tempo desejado e odiado com

toda a intensidade. No início, ele ama a

mãe assim que ela satisfaz suas

necessidades de alimentação, que alivia

suas sensações de fome e lhe oferece o

prazer sensual que experimenta quando

sua boca é estimulada pelo sugar do seio.

Essa “gratif icação” faz parte da

sexualidade da criança, é na realidade

sua expressão inicial. Mas quando o bebê

sente fome e seus desejos não são

gratificados, ou quando sente dor ou

desconforto físico, então toda a situação

subitamente se altera. Nele surgem

sentimentos de ódio e agressivos e ele se

vê dominado pelos impulsos de destruir a

pessoa mesma que é objeto de todos os

seus desejos e que sua mente está ligada

a tudo o que ele experimenta - seja de

bom ou de mau. No bebê, esses

sentimentos, acima citados, originam

estados extremamente penosos, como

sejam sufocação, falta de ar e outras

s e n s a ç õ e s a n á l o g a s , q u e e l e

experimenta como sendo destrutivas de

seu próprio corpo; com isso, a

agressividade, a sensação de infelicidade

e o s t e m o r e s s ã o n o v a m e n t e

intensificados.

O meio imediato e primário para aliviar

este bebê desses estados dolorosos de

fome, ódio, tensão e medo é a satisfação

de seus desejos pela mãe. Este, para

quem a mãe é antes de tudo apenas um

objeto que satisfaz a todos os seus

desejos, começa a corresponder a essas

gratificações e aos seus cuidados por

meio de crescentes sentimentos de amor

para com ela como pessoa. Mas este

primeiro amor já está perturbado em suas

raízes por impulsos destrutivos. Amor e

ódio lutam entre si na mente do bebê; e

essa luta persiste, até certo ponto, durante

toda a vida, podendo tornar-se uma fonte

de perigo nos relacionamentos humanos.

Crianças e suas mães: o vínculo

De acordo com Winnicott (1994) e

Lebovici (1987), o assunto é amplo, mas

certos fatos se destacam com muita

clareza; um deles é que quanto menor for a

criança, maior será o perigo de separá-la

de sua mãe.

Pois quanto mais jovem for a criança,

menor será sua capacidade para manter

viva em si mesma a idéia de uma pessoa;

quer dizer, se ela não vir uma pessoa, ou

não tiver provas tangíveis de sua

existência em x minutos, horas ou dias,

essa pessoa estará morta para ela. A

criança não se recupera facilmente do

trauma de separação de sua mãe.

Sem negar, de forma alguma, que o

dano físico pode vitimar crianças em

ataques aéreos, e sem minimizar o dano

que pode resultar do fato de elas

testemunharem o medo em adultos, ou

destruições concretas a sua volta, é

importante continuar apresentando o

lugarcomum de que a unidade familiar é

mais do que uma questão de conforto e

conveniência. De fato, a unidade familiar

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p r o p o r c i o n a u m a s e g u r a n ç a

indispensável à criança pequena. A

ausência dessa segurança terá efeitos

sobre o desenvolvimento emocional e

acarretará danos à personalidade e ao

caráter da criança.

Foi Bowlby (1989), o primeiro a tratar

do tema apego e vínculo, com suas teorias

a respeito da formação do vínculo. Esse

autor criou a teoria da sucção do objeto

primário. Segundo ele, a criança, ao

relacionar-se com a mãe por meio do seio,

aprende ao longo do tempo que ligada a

este seio existe a mãe e passa aos poucos

a ter um relacionamento também com ela.

Ele formulou, também, a Teoria da adesão

ao objeto primário, na qual defende que as

crianças têm uma propensão natural para

o contato físico.

Os estudos de Bowlby (1962), Spitz

(1988), Maldonado (1989), Soifer (1980)

têm demonstrado que a criança passa a

ident i f icar sua mãe at ravés da

discriminação perceptual, ou seja, a

criança relaciona-se com sua mãe

sorrindo para ela, vocalizando e olhando-

a muito mais tempo do que olharia para

outra pessoa.

E mais, a mãe passa a ser um ponto

fundamental neste processo de formação

de vínculo, pois a interação não acontece

apenas de um dos lados, tanto a mãe

quanto a criança se auto-estimulam a

partir do contato que estabelecem e há

uma receptividade de criança para a mãe.

Por conseguinte, Maia (2000) diz

tratar-se de “um processo bidirecional

orientado mais especificamente para

analisar os laços afetivos mãe-bebê”

(p.16); é por isso que se faz necessário

distinguir os termos “apego” e “vínculo”.

Para a referida autora, o termo “apego” é

utilizado quando esses laços afetivos se

formam na direção pais-bebê, e o termo

“vínculo” refere-se no sentido bebê-pais.

Podemos dizer então que, de acordo

com Maia (2000), citando Bowlby, um

vínculo bem formado vai proporcionar à

criança segurança e bem-estar, e por isso

este laço afetivo tem que ser estável e

harmônico, sem ameaças questionadas.

A mesma autora mostra, para o

primeiro trimestre de vida do bebê, uma

tabela a respeito das etapas evolutivas na

formação do apego. Essas etapas são:

proximal (do nascimento as 6 semanas);

transição (6 a 8 semanas) e a

proximal/distal (8 a 12 semanas).

De acordo com este trabalho realizado

por Maia (2000), o bebê tem preferência

pelo rosto e a mãe responde com uma

atração especial pelo bebê e valorização

de suas reações; necessidade de

aproximação estreita da parte do bebê

para fac i l i tação de aconchego,

reconhecimento do corpo do bebê e suas

partes; enquanto o bebê tem intolerância

e frustração, a mãe responde com

consolação imediata a inquietação do

bebê; e por último, o bebê tem a

capacidade de regular a estimulação

materna e a mãe busca de um ritmo ótimo

na estimulação.

A partir da 6ª semana, os bebês

deveriam começar a sorrir e vocalizar, e a

mãe responderá com brincadeiras

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provocadoras de prazer e conversas com

o bebê; o bebê vai buscar o contato face a

face, e a mãe, por conseguinte, faz

brincadeiras face a face e por fim o bebê

terá acoplamento seletivo a certas

reações maternas e a mãe apresentará

compreensão dos “sinais” do bebê e

resposta aos mesmos.

E como se dá esse processo nos

bebês prematuros? É o que veremos mais

adiante.

A origem do vínculo mãe-bebê

Muito se fala a respeito da origem do

vínculo, se ele é inato ou aprendido; vários

autores divergem a este respeito.

O instinto materno existe afinal? De

acordo com Valério (2003), devemos

esclarecer, primeiramente, o que venha a

ser o instinto, desde seus primórdios, ou

seja, nos animais.

De acordo com ele, o Instinto é na

verdade uma espécie de programa

operacional básico que garante aos

animais a sobrevivência, não há indícios

claros de que os vegetais o tenham. Ele

nada nos diz a respeito da realidade, a

não ser, talvez, a indução de uma

experiência que nos leve a conhecer

características do mundo físico através da

SENSAÇÃO. Mesmo assim, não nos

ajuda numa compreensão mais elevada.

Tal programa está presente em

prat icamente todas as cr iaturas

animadas, desde amebas até o ser

humano. Ele é um grupo de diretrizes

básicas de ação que garantem as funções

primárias da espécie como a subsistência,

o crescimento e a reprodução.

Sendo assim, muito se fala em instinto

materno, instinto de preservação da vida,

instinto de reprodução e similares. Mas,

na verdade, todos os instintos, programas

para garantir a sobrevivência da espécie,

traduzem-se no plano físico meramente

como dois aspectos básicos: A Busca pelo

Prazer e a Fuga da Dor. (Valério, 2003).

A s s i m , n o s s o i n s t i n t o d e

autopreservação não é baseado

operacionalmente numa idéia de

conservação da vida, mas sim de fuga da

dor. Evitamos um perigo físico, não devido

a uma imediata e inerente idéia de que

nossa existência estará ameaçada, mas

devido ao fato de pressentirmos que

aquilo nos trará sofrimento. Procuramos

nos alimentar, não baseados num

conhecimento antecipado de que por

intermédio da alimentação sustentaremos

o funcionamento de nosso organismo,

mas sim no de que eliminaremos a

sensação desagradável da fome e

teremos talvez o prazer do sabor do

alimento. Isso tudo, é claro, em um nível

primário animal. Mesmo o instinto sexual

não visa conscientemente à reprodução e

sim ao prazer.

Nos animais superiores, esse

programa de evitar a dor e obter o prazer

desenvolve todo um complexo de

estruturas emocionais, nos animais

inferiores isso não é evidente, mas,

mesmo assim, acredita-se que haja

grande diferença no instinto de um inseto

e no instinto humano, não no instinto em

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si, apenas na forma com que o "sentimos",

principalmente de forma emocional.

Alguns animais possuem instintos que

aparentam ser até mesmo mais

elaborados, como a espetacular

"engenharia" das abelhas e formigas em

construir suas moradas e operar suas

funções, algo que o ser humano não

parece possuir por natureza e sim por

cultura.

Dessa forma, este autor não acredita

numa superioridade do instinto humano

em relação ao dos animais. Pois, para ele,

o instinto nada mais é do que um

programa sem qualquer capacidade de

adaptação a situações imprevistas, e por

isso um besouro não parece ser capaz de

aprender.

Para Valério (2003); Maldonado

(1988); Papalia e Olds (2000), o instinto

materno parece ser nada mais do que um

instinto de busca e conservação de

prazer, não necessariamente de si

próprio, mas também refletido num

semelhante. Afinal, como seres humanos,

somos capazes de nos sentir mal apenas

ao observar o sofrimento do próximo.

Em vista disto, percebe-se que,

lamentavelmente, a palavra Instinto é

amplamente confundida com Intuição,

mesmo sendo conceitos diametralmente

opostos. É comum vermos expressões do

tipo, "siga seus instintos", para a

resolução de problemas que transcendem

em muito as funções primárias da

espécie. Na verdade, tal expressão

deveria ser "siga sua intuição". Os

instintos são absolutamente inúteis no

sentido de ajudar a resolver problemas

racionais, por exemplo.

Portanto, para Valério (2003), o

Instinto humano não é um poder de

conhecimento da realidade, não evolui

como eles e nem sequer é superior ao dos

animais inferiores.

Em vista disto, alguns autores como

Badinter (1985) e Nazareth (2004)

desenvolveram o “Mito do Amor materno”.

Em “Um amor conquistado o mito do amor

materno”, Elizabeth Badinter (1985) nos

mostra de maneira muito clara que o amor

materno inato é um mito. Não é “dado”,

mas sim, como deixa antever o título da

obra, “conquistado”.

Porém, acreditamos em nosso

imaginário que tal amor seja algo natural.

Algo que nasce com as mulheres,

verdadeiro, único das mulheres. Falando-

se até de “instinto materno”.

De acordo com Nazareth (2004), essa

convicção se dá basicamente por duas

razões:

A primeira é devido à imposição feita

pe la cu l t u ra , responsáve l pe lo

desenvolvimento do modelo de amor

materno conhecido atualmente e com o

qual temos convivido desde o século XIX.

A segunda, em uma relação de

causalidade circular com a anterior, deve-

se à necessidade de se idealizar a relação

mãe-filho, idealização que obedece ao

desejo de união perfeita, fantasia de

completude que protege o indivíduo das

ansiedades e medos mais primitivos de

separação, abandono e perda.

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Desse modo, para Badinter (1985), a

mãe é concebida como alguém puro a

quem são atribuídos apenas sentimentos

nobres de acolhimento, abrigo e

continência no que diz respeito à sua cria.

A criança é vista como um ser que se

satisfaz total e plenamente com uma

relação fusional.

O caráter ambivalente e contraditório

desse modelo de vínculo que reúne

sentimentos de aprisionamento e

possibilidade de individuação será

enfrentado só bem mais tarde na vida,

com a entrada do terceiro na relação

diádica composta por mãe e filho, cujo

primeiro representante e protótipo para os

demais é o pai.

Contudo, de acordo com Nazareth

(2004), o amor materno como o

conhecemos atualmente é aquisição bem

recente. Os estudos trazidos por Badinter

(1985) nos fazem ver que nem sempre foi

assim. A mãe tinha mais uma função

biológica que afetiva, ficando as crianças

ao cargo de amas-de-leite que lhes

garantiam a sobrevivência física, o

suporte emocional e humanização.

Atualmente, em divergência, muitos

autores, entre eles Rico (2001) e

Trucharte e Knijnik (2002), afirmam que é

muito antes do nascimento e ainda no

ambiente intra-uterino que se tem início à

formação do vínculo entre a futura mamãe

e seu bebê, ou seja, que o vínculo poderia

ser inato. Pois se trata de um processo de

comunicação tão complexo quanto sutil e

que torna possível esta troca íntima e

profunda. O vínculo é de importância vital

para o feto, pois precisa se sentir desejado

e amado para propiciar a continuação

harmoniosa e saudável de seu

desenvolvimento.

Trucharte e Knijnik (2002) afirmam

que o processo de formação de vínculo

mãe-filho se inicia ou se intensifica ao

aparecerem os movimentos fetais.

Quando citam Bowlby, as autoras

salientam que existem condições

necessárias para que o apego se dê entre

a mãe e seu filho. Entre elas seria a

sensibilidade da mãe frente aos sinais do

bebê, como também a capacidade do

bebê para sentir que suas iniciativas

sociais levam à troca afetiva com sua mãe.

Ele acredita que ao término do primeiro

ano de vida a dupla mãe-bebê já tenha

desenvolvido um padrão próprio de

interação.

Como já foi dito antes, observa-se que

a formação do vínculo não é automática e

imediata, pelo contrário, é gradativa e,

p o r t a n t o , n e c e s s i t a d e t e m p o ,

compreensão e amor para que possa

existir e funcionar adequadamente. É,

também, fundamental para que se possa

c o m p e n s a r o s m o m e n t o s d e

preocupações e reveses emocionais

maternos a que todos nós estamos

sujeitos no cotidiano. (Rico, 2001).

E mais, de acordo com estudos

realizados nesta área, ocorre nas mães

uma dupla identificação: com o feto e com

sua própria mãe. É importante salientar,

neste sent ido, que as re lações

estabelecidas pelas mães em sua família

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de origem podem influenciar a ligação

com seu filho (Trucharte e Knijnik-2002).

O amor e a rejeição repercutem sobre

a criança muito precocemente, mas, para

que possa dar significado a estes

sentimentos, é preciso maturidade

neurofisiológica. Assim, até os três

primeiros meses de vida intra-uterina, as

mensagens enviadas pela mãe são, em

grande parte, incompreendidas pelo

embrião, muito embora possam causar-

lhe desconforto se percebidas como

desagradáveis. (Papalia e Olds - 2000).

Além disso, Rico (2001) destaca que,

à medida que vai evoluindo, o feto torna-

se capaz de registrar e de dar significado

às emoções e sentimentos maternos. É

quando, então, começa a se formar sua

personalidade, o que ocorre por volta do

terceiro trimestre de gestação. A

ansiedade materna é, de certa maneira,

até benéfica ao feto, pois perturbando a

neutralidade do ambiente uterino,

perturba-o também, conscientizando-o de

que é um ser distinto, separado desse

ambiente.

Para se livrar desse desconforto, ele

começa a elaborar progressivamente

técnicas de defesa como dar pontapés,

mexer-se mais ativamente, e que

funcionam, para a sensibilidade materna,

como um envio de mensagem de que está

sendo perturbado. Se houver sintonia

materno-fetal, imediatamente a futura

mamãe capta esta mensagem e começa a

passar a mão delicadamente em seu

ventre, o que é percebido e decodificado

pelo feto como atitude de compreensão,

carinho e proteção, portanto, como

tranqüilizadora.

Como assinala Spitz (1988), as

experiências e as realidades têm

demonstrado que as inf luências

formativas que se originam no ambiente,

ou seja, na mãe, são dirigidas a essas

totalidades vivas, receptivas e em

desenvolvimento, o bebê, pois o que a

mãe vive ela acaba transmitindo para o

seu bebê. As ações e respostas do bebê,

“provocadas” pela mãe, sem que se

devam à intenção consciente da mãe; a

existência da mãe, na sua simples

presença, age como estímulo para as

respostas do bebê; sua menor ação, por

insignificante que seja, mesmo quando

não está relacionada com o bebê, age

como um estímulo. Essas atividades da

mãe são as formas mais gerais e mais

facilitadoras notadas de intercâmbio de

estímulo da díade.

Ainda tomando Rico (2001) como

referência, podemos dizer que com o

decorrer do tempo a experiência de

desconforto transforma-se em emoção e

tem início a formação de idéias sobre as

intenções maternas em relação a si

mesmo. Desta maneira, se a mãe for

amorosa e tiver uma relação afetiva rica

com seu bebê, contribuirá para que nasça

uma criança confiante e segura de si.

Assim também, mães deprimidas ou

ambivalentes que, por uma razão

qualquer, privam o feto de seu amor e

apoio, certamente favorecerão o estado

depressivo e a presença de neuroses na

criança, que podem ser constatados após

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o nascimento, pois sua personalidade foi

estruturada num clima de medo e

angústia.

Mesmo a gestante que rejeita seu filho

comunica-se com ele através do

fornecimento do alimento. Mas, a

qualidade desse vínculo é diferente da

mãe que o deseja e esta é a grande

diferença, pois não é apenas uma

comunicação biológica.

Como o feto capta todas as emoções

maternas, as que o fazem entrar em

sofrimento como a ansiedade, temor e

incertezas, provocam-lhe reações mais

fortes e contínuas, enquanto que as de

alegria e felicidade, por não alterarem o

ambiente intra-uterino, permitem que

seus movimentos permaneçam suaves e

harmoniosos.

De acordo com várias pesquisas

realizadas acerca do assunto, o feto sente

o que a mãe sente, até como uma atitude

de solidariedade, mas com intensidade

diferente e sem a compreensão materna.

As emoções negativas são percebidas

como um ataque a si próprio (Papalia e

Olds, 2000) e (Rico, 2001).

Mais ainda, é fundamental lembrar

que as preocupações passageiras e

simples do cotidiano não lhe oferecem

risco algum, pois sequer podem levar o

organismo materno à produção de

hormônios. O que o afeta e prejudica

sobremodo são as situações que induzem

à produção intensa e contínua de

hormônios, como a ansiedade materna,

que pode, inclusive, provocar o estresse

da mãe.

Concluindo, se o vínculo materno-fetal

não foi consolidado durante o período

gestacional, há de se tentar restabelece-lo

nas horas e dias que sucedem ao

nascimento, período ideal na vida extra-

uterina e, se necessário, com a ajuda de

um profissional capacitado.

Para Nazareth (2004), todo afeto para

se dar precisa de proximidade física e

emocional. Deve ser conquistado com e

na convivência. É na intimidade das

relações construídas no cotidiano que

germina, cresce e frutifica. E o amor

materno não foge a essa regra. Não é

decorrente, como se crê, da ação de

algum instinto. É afeição que, como

q u a l q u e r o u t r a , n e c e s s i t a d e

reciprocidade desenvolvida em um

relacionamento estreito e contínuo que

assegure confiança e familiaridade aos

que dele se nutrem.

Mais ainda, segundo Trucharte e

Knijnik (2002), quando alude a Klaus-

Kennell (1978), vemos que o vínculo entre

mãe e filho é a fonte de onde irão provir,

depois, todos os futuros vínculos que se

estabelecerão pela criança e que

constituirão a relação a ser formada

durante o curso de vida da criança. Para

toda a vida, a força e a qualidade deste

laço influirá sobre a qualidade de todos os

futuros vínculos que serão estabelecidos

com as outras pessoas de seu convívio.

Com isso, é importante esclarecer que

a qualidade do vínculo influencia

diretamente o desenvolvimento físico e

emocional do bebê, formando, assim, uma

base para um posterior pregresso

adicional.

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3. Conclusões e considerações

finais

Podemos observar que a interação

mãe bebê é interferida quando ocorre, por

exemplo, uma situação de prematuridade,

onde o vínculo e o apego são afetados.

Ao nível da figura materna, o ponto

fundamental é a presença de uma mulher

que seja figura estável, que seja capaz de

dar amor e que seja, ao nível qualitativo,

capaz de compreender e atender às

solicitações básicas feitas pela criança.

Percebe-se que na l i teratura

encontram-se trabalhos segundo a qual o

bebê, já na barriga da mãe, agita-se

quando elas estão nervosas e inquietas, e

que se aquietam quando suas mães

conversam e acariciam o próprio ventre.

Ficando demonstrado, dessa forma, que

na vida intra-uterina o feto é capaz de

captar, perceber e reagir a estímulos de

meio interno e externo, sendo de

fundamental importância o momento da

gestação para a formação de um vínculo

de apego futuro.

Com o nascimento, o recém-nascido

traz consigo uma bagagem hereditária

para relacionar-se com outro ser humano.

Essa bagagem hereditária pode ser

observada nos comportamentos de

sucção, agarrar-se, choro, sorriso,

balbucio, locomoção e são encontrados

em outras espécies de animais e

compreendidos, etnologicamente, como

f a t o r e s q u e f a v o r e c e m a s u a

sobrevivência enquanto espécie,

podendo ser lida como uma predisposição

do ser humano para apegar-se. Assim,

quando o bebê encontra uma figura com

disponibilidade para interagir consigo,

com sensibilidade para interpretar e

responder aos sinais enviados por ele

consegue desenvolver um satisfatório

vínculo de apego. Conseqüentemente,

d e s e n v o l v e r á s e n t i m e n t o s d e

autoconfiança, confiança no mundo e nas

pessoas, bem como terá construído uma

boa base para o desenvolvimento de sua

autonomia enquanto sujeito particular.

Contudo, a situação descrita até então

é uma situação ideal, embora se saiba

que, após o nascimento, os primeiros

contatos mãe/bebê são marcados por

sentimentos ambivalentes: afeição,

atração, dúvida, medo e angústia. A mãe,

em particular, tem que elaborar o luto do

bebê fantasiado durante a gestação e

aprender a lidar com aquele novo ser,

e n q u a n t o o b e b ê e s t á s e n d o

sobrecarregado e é absorvido pelos

estímulos do mundo. Fica claro que o

processo de formação do vínculo de

apego é um processo complexo e

delicado, dinâmico e não estático, embora

s e p o s s a m d e l i m i t a r f a s e s d e

desenvolvimento durante o desenrolar do

mesmo.

Portanto, uma parceria fortemente

estabelecida no início da vida garante ao

indivíduo um sentimento de segurança em

si mesmo e nas pessoas, que lhe

p r o p i c i a r á , s e n a d a o c o r r e r

posteriormente, um desenvolvimento

emocional sadio, a confiança suficiente

para se envolver durante toda a vida em

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relacionamentos pessoais íntimos e

gratificantes (Berthoud, 1998).

Esse raciocínio se aplica para o

desenvolvimento de todas as relações

posteriores da vida do sujeito, o que serve

para enfatizar mais uma vez a importância

dos vínculos estabelecidos, de como eles

são estabelecidos na vida de uma criança.

Neste momento, cabe uma breve

reflexão de como está a realidade dos

nascimentos no Brasil e como esta

realidade traz alguma conseqüência para

o desenvolvimento do vínculo de apego

interação mãe/bebê. Atualmente, o local

de nascimento da maioria dos bebês é o

centro cirúrgico de algum hospital, um

ambiente desprovido muitas vezes de

calor humano, longe de pessoas

significativas para a gestante e nem

sempre suprido de apoio profissional e

técnico competente. Por outro lado, é bem

verdade que o índice de mortalidade de

recém-nascidos e de parturientes diminui

com esse tipo de nascimento. Contudo,

eleva-se o número de casos de depressão

pós-parto. A situação chega a ser ainda

mais complexa, pois o nosso país é

campeão mundial de partos por casaria,

há um rígido e limitado horário de visitas

além da separação do recém-nascido e de

sua mãe (dados de 2001). Sabe-se que

em muitas instituições essa realidade já

vêm sendo questionada e modificada,

porém, a permanência de atitudes

s e m e l h a n t e s p o d e o c a s i o n a r

conseqüências danosas para a formação

do vínculo afetivo. A mãe pode ter

dificuldades de aceitação e de contato

com seu bebê, v ivenciar for tes

sentimentos de perda, há um aumento da

probabilidade de esta mãe desenvolver

depressão pós-parto e comprometer a

díade mãe-bebê, bem como o próprio

bebê pode ter dificuldades de contato com

relação à mãe.

Enfim, como coloca Berthoud (1998),

apesar de tudo, felizmente, o ser humano

é bastante maleável e o apego seguro e

saudável pode se desenvolver no seio da

família, apesar das condições adversas

que cerquem o nascimento de seu novo

membro. É importante estar atento e

ciente dessa possibilidade, da capacidade

de mudança e de crescimento do ser

humano e da criança de uma forma geral.

Essa exper iênc ia , en tão , da

prematuridade, representa um forte

impacto para as mães, até porque o

período dos nove meses de gestação

consiste num processo fundamental de

preparação biológica e psíquica para a

experiência da maternidade. Assim, desde

o momento em que deparam com esse

acontecimento, as mães se confrontam

com o inesperado, com o amedrontador...

Com a maternidade prematura.

Diante dessas questões, vale ressaltar

uma consideração extremamente

pertinente no que se refere não apenas à

situação de prematuridade, mas à relação

mãe-bebê de um modo geral. Trata-se da

importância de que os serviços de

neonatologia possam desenvolver um

trabalho interdisciplinar capaz de acolher

a mãe e o seu bebê de uma forma mais

humanizada e integral; um serviço que

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seja capaz, enfim, de dar conta das

vicissitudes da díade mãe-bebê e das

possíveis eventualidades que possam vir

a surgir nesse momento tão constitutivo. É

fundamental que os serviços de

neonatologia atuem de forma preventiva,

oferecendo às mães um lugar mais

participativo junto aos cuidados para com

o bebê, no sentido de favorecer a

construção e a intensificação do vínculo e

da relação entre mãe e filho, haja vista ser

essa construção a base para toda a

constituição psíquica do sujeito (Macedo e

Barros, 2002).

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