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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU AVM FACULDADE INTEGRADA A ARTETERAPIA: COMO ESPAÇO DE ACOLHIMENTO E FORTALECIMENTO DOS VÍNCULOS FRATERNAIS Por: Alba Sandra Alencar da Silva Orientador: Profª. Fabiane Muniz Brasília, DF. 2016

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

AVM FACULDADE INTEGRADA

A ARTETERAPIA: COMO ESPAÇO DE

ACOLHIMENTO E FORTALECIMENTO DOS VÍNCULOS FRATERNAIS

Por: Alba Sandra Alencar da Silva

Orientador: Profª. Fabiane Muniz

Brasília, DF.

2016

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

AVM FACULDADE INTEGRADA

A ARTETERAPIA: COMO ESPAÇO DE ACOLHIMENTO E

FORTALECIMENTO DOS VÍNCULOS FRATERNAIS

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Arte em Educação e Saúde.

Por: Alba Sandra Alencar da Silva

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à vida, que me dá a

possibilidade de outros olhares para

aceitar as diferenças, e ampliar minha

compreensão sobre as relações de

afeto.

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DEDICATÓRIA

À Telma Romão...

O amor...

Desenhado por essa bordadeira de seres

humanos.

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RESUMO

A Arteterapia como espaço de simbolizar e brinca, permitiu usar seus recursos, como espaço de trocas de formação vínculos e de afeto nas relações fraternais. Para isso essa construção foi permeada pelo conceito de subjetividade de González Rey. Com o olhar da pesquisa qualitativa, compreende a subjetividade das relações e contribuir para compreensão de sua complexidade e consequentemente o fortalecimento de identidade do sujeito e social. Através do Estudo de Caso baseada na Epistemologia Qualitativa a produção do sujeito é transformada em substrato para construção do conhecimento. De forma particular, a Arteterapia contribui juntamente com embasamento na perspectiva do brincar winnicottiano. Dar-se nessa construção da relação fraternal e a vinculação afetiva entre irmãs, que não se reconheciam nesse papel fraternal. Analisar como os irmãos percebem a vinculação afetiva e constrói a relação fraternal, quais elementos das inter-relações fortalece a relação fraterna. Chegando-se à conclusão que a Arteterapia é um rico instrumento de mediação, aproximação e construção dos vínculos afetivos. Tal recurso possibilitou, que através do imaginar e simbolizar permitiu a inteireza do grupo de irmãs.

Palavras chaves: vínculo fraternal, arteterapia, brincar, estudo de caso

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METODOLOGIA

Para atingir os objetivos, esse trabalho se propôs, a utilizar como

metodologia a pesquisa Epistemológica qualitativa, como instrumento de

observação da subjetividade da relação fraternal entre três irmãs. Nessa

perspectiva o projeto de pesquisa, assume intuitivamente o espaço vivencial,

no qual acontece mesmo antes de definir de acordo com a teoria (REY, 1997).

O que facilita imensamente o trabalho com a espontaneidade do grupo de

irmãs estudado e descrito no estudo de caso.

Conforme Rey (2005) a autenticidade do espaço é construída a partir do

que atraí o interesse dos participantes.

Para Yin (2001), a utilização do Estudo de Caso acontece quando existe

a necessidade de entender um determinado fenômeno social abrangente com

muitos elementos ou partes. Entender ‘como’ na cotidianidade acontece e

desenvolve os processos humanos, as relações e os vínculos afetivos.

Portanto, o Estudo de Caso é um veículo que transpõe o campo do

conhecimento, sendo um espaço de ação, de reflexão, construção teórica a

partir da referencia a clinica. É a possibilidade de aperfeiçoar a atuação

profissional (PEREIRA, GODOY, TERÇARIOL, 2009). Tellis (1997), as

múltiplas perspectivas desse instrumento na coleta e análise são flexibilizadas,

o que possibilita incorporar ao Estudo de caso outras sobreposições.

Os principais autores e teóricos que foram utilizados e embasaram a

fundamentação desse trabalho de Estudo de caso foram Winnicott (1968), Nery

(2013), Ostrower (1989), Allessandrini (1996), Achterberg (1999/2000).

Possibilitou dialogar na ampliação do tema tratado, através da descrita nesse

Estudo de caso.

Participantes – três irmãs, ainda usando fralda, duas gêmeas, a terceira, mais

velha 11 meses. Guarda provisória da mãe adotiva, encontros realizados após

a chegada das crianças ao novo lar.

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Instrumentos - Os instrumentos utilizados são: dinâmica conversacional,

pintura espontânea, dramatização, contação de histórias, brincadeiras livres,

todas com o olhar para a intervenção em arteterapia.

Procedimentos para coletas – Estudo de caso - A demanda inicial foi trazida

pela mãe adotiva, após primeiro encontro com a mãe observamos outras

demandas importantes e necessárias a serem trabalhadas. Os encontros

posteriores com as crianças foram pré-definidos para 02 meses, totalizando 08

encontros que tiveram duração aproximada de 2h, foi estabelecido que fossem

priorizados os vínculos familiares e inclui-se o desfraldamento.

Procedimentos para análise dos dados – Todo material foi analisado através

do eixo da dinâmica conversacional sobre vínculos afetivos dentro da

perspectiva da metodologia de González Rey (2005).

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Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 CAPÍTULO I ..................................................................................................... 11 1. OS VÍNCULOS ....................................................................................... 11

1.1. Definição .......................................................................................... 11 1.2. Experiências de vinculações afetivas anteriores .............................. 12 1.3. A chegada: os novos vínculos na família monoparental .................. 13 1.4. O reconhecimento dos vínculos nas relações fraternal ................... 16 1.5. O vínculo com o terapeuta ............................................................... 17

2. ARTETERAPIA ...................................................................................... 19 2.1. A manifestação do simbólico e imaginário ....................................... 19 2.2. Nós brincamos... Eu brinco!! ............................................................ 21

3. O RELATO DO CASO ........................................................................... 23 3.1. Observações sobre meu lugar como Arteterapeuta ......................... 24 3.2. Descrições das atividades ............................................................... 26 3.3. Discussão ........................................................................................ 27

CONCLUSÃO .................................................................................................. 35 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 37 ANEXO I........................................................................................................... 41

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INTRODUÇÃO

“Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do

inconsciente de cada um, É a liberdade de expressão, é

sensibilidade, criatividade, é vida”.

Jung

O intuito deste trabalho é pesquisar como a arteterapia contribui para

identificar a construção da relação fraternal e a vinculação afetiva entre irmãos.

Analisar como os irmãos percebem a vinculação afetiva e quais elementos das

inter-relações fortalece a relação fraternal.

Para tal faz-se necessário refletir sobre o amor em família, o esmero de

conviver no cotidiano, pensar nos sentimentos imersos no mundo privado da

relação fraternal. Nas relações interpessoais entre irmãos são delineadas as

experiências vividas a partir da diversidade desse lugar.

Este estudo desenvolveu-se baseado na Arteterapia como instrumento

de mediação no universo infantil.

Oaklander (1980), o processo de fantasia da criança, é o mesmo do seu

desenvolvimento no ciclo de vida.

Essa relação do terapeuta e a criança possibilitam que através da

brincadeira e no espaço da diversão, revelar emoções e sentimentos

escondidos. E dentro da resolutividade da criança, trabalhar afetos e vínculos

amorosos que oferecem importantes elementos no fortalecimento dos laços

fraternais e consequentemente nas relações familiares.

O objetivo foi compreender a formação dos vínculos e como acontece a

construção do papel fraternal. Além disso, investigou-se a construção das

relações afetivas e suas vivências dentro da cotidianidade e suas

peculiaridades no devir desse lugar.

Acredita-se que o fortalecimento dos vínculos afetivos poderá trazer

contribuições para outras relações afetivas futuras.

Para tanto foi utilizada como principal referencias teóricos, a abordagem

Winicottiana sobre o brincar nas intervenções de Arteterapia no olhar de

Andrade (2000), Alessandrini (1996).

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Assim como Rey (2005), na conversação que conduz a subjetividade

individual que tece o espaço que reconstrói a condição de sujeito ativo.

Nessa tentativa de perceber o fenômeno, seus significados dialogam. E

com isso, revelar a concepção dos vínculos afetivos que foi construída durante

a trajetória das crianças.

Para isso, a compreensão desse fenômeno poderá colaborar para

ressignificar suas histórias e promover uma possibilidade nova sobre os

vínculos fraternais e o que se entende sobre esse lugar na família.

Portanto, esse estudo foi dividido em três capítulos, que ponderam sobre

pontos importantes nas relações humanas, que são os vínculos.

No primeiro, descreveu-se sobre o papel dos vínculos familiares,

fraternais e as questões relacionais. No segundo capítulo, por sua vez, a

finalidade de trabalhar com a arteterapia como espaço de cuidado, contenção

de sentimentos e brincar com o imaginário e o simbólico.

E por fim, no terceiro capítulo, apresentar o Estudo de caso e também,

procurou-se trazer a descrição das atividades e a discussão sobre o caso.

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CAPÍTULO I

1. OS VÍNCULOS

1.1. Definição

[...] a maneira pela qual cada indivíduo se relaciona com outro ou

outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada

momento, chamamos de vínculo (Pichon-Rivière, 1995, p.3).

A origem do termo tem origem na palavra “vinculum” que é uma união

duradoura, como também uma forma de ligação entre pares. Essa ligação

entre pares, nem sempre são vínculos afetuosos, pode-se vincular por amor,

por ódio, por conhecimento ou reconhecimento (ZIMERMAN, 2014).

Logo, os vínculos se organizam em vários elementos intrínsecos na

pessoa, compõe um sistema que influência e é influenciado por ele. Ou seja,

existe uma relação e interação, presença de emoções imanentes, polissêmicos

e de natureza reticular (ZIMERMAN, 2014). Uma grande de rede se forma fora

e dentro do sujeito que normatiza suas relações afetivas.

Para Bion, definiu “como sendo estrutura relacional-emocional, entre

duas ou mais partes separadas de uma pessoa mesma pessoa”. Cada sujeito

interage com suas partes de maneira parcial, ou por vezes, com grandes

conteúdos internos é indivisível separar sentimentos dessa relação (apud,

ZIMERMAN, 2014, p.398).

A psicanálise descreve como o complexo fraterno como labirintado de

sentimentos que pode existir, ao mesmo tempo de maneira incongruentes entre

irmãos. O termo cunhado de complexo fraternal fala-nos, do lugar estruturante

do sujeito e do seu grupo familiar. Pois assumindo um duplo investimento

reações que possui dois valores diferentes de amor e ódio, também exerce um

modelo defensivo (ZIMERMAN, 2014).

Essa dimensão teórica amplia a compreensão dos diferentes tipos de

vínculos, como eles se sobrepõem na relação interpessoal e intrapessoal.

As questões apresentadas nesse capítulo referenciam o lugar dos

vínculos, em aprendizados anteriores, inserido no contexto familiar e

consequentemente na relação específica de irmãos.

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1.2. Experiências de vinculações afetivas anteriores

Segundo Bowlby (1907), vínculos são primordiais para relações

profícuas, nas primeiras afinidades que estabelece com a mãe.

Peretto e Valente (2013) reforçam a ideia de que os contatos iniciais

com o bebê são primordiais, estimulam o seu desenvolvimento psicológico.

Acrescente-se que esses contatos iniciais são necessários não só quando a

criança é um bebê, mas em qualquer idade.

Esse sentimento de apego preponderantemente aqui descrito é de

vinculação e não de dependência. Para a terapia familiar psicanalítica, o

fracasso em desenvolver uma identidade diferenciada produz um apego

contínuo e intenso com sua família, que implicaria na fusão, caraterística de

famílias sintomáticas (Nichols & Schwartz, 1998).

Conforme Byington (2003), a força simbólica da mãe é tão expressiva

que a sua perda entre o terceiro e sétimo mês pode redundar em uma

depressão anaclítica mortal.

Diz o autor que, a perda da mãe destitui os incomensuráveis significados

simbólicos que concebe nessa fase de sua vida (BYINGTON 2003).

Na infância se experiência afetos, sentimentos e a construção de

pertencimento e confiança. A criança expressa e explora através de suas

vivencias como parte de seu desenvolvimento emocional (BOWLBY, 1907).

De acordo com suas palavras, “o primeiro e mais persistente de todos os

vínculos é geralmente entre a mãe e o filho, um vínculo que frequentemente

persiste até a idade adulta” (BOWLBY, 1907, p. 96).

ORIONTI E SOUZA (2005) comenta que as vinculações primárias

quando não realizadas dentro da família, muitas vezes, são marcadas por

violência de toda ordem. Quando vividos dentro de instituições de abrigamento,

solidificam-se em memórias.

A autora compreende uma disponibilidade das crianças

institucionalizadas de constituir novos vínculos. Acontece no primeiro contato

uma desconfiança bastante expressiva, porém com o passar do tempo, e no

tempo particular de cada um (ORIONTI E SOUZA, 2005).

O primeiro sentimento de não ser acolhido, pois vivenciou uma

experiência anterior não gratificante, dá lugar à confiança. Uma vez que, seria

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uma maneira saudável e protetiva diante de situações por vezes traumáticas

(ORIONTI E SOUZA, 2005).

1.3. A chegada: os novos vínculos na família monoparental

O mundo familiar mostra-se numa vibrante variedade de formas de

organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas na busca

de soluções para as vicissitudes que a vida vai trazendo.

Desconsiderar isso é ter a vã pretensão de colocar essa

multiplicidade de manifestações sob a camisa-de-força de uma única

forma de emociona

r, interpretar, comunicar (CARVALHO, 1995, p. 27).

A família monoparental se estrutura a partir do reconhecimento da

Constituição Federal de 1988, que a coloca como novidade social estabelecida

e também traz visibilidade para o fato. Entretanto, de acordo com Leite (2003,

citado por Santos & Santos 2008) sua legitimação é apenas no âmbito jurídico

do Direito Constitucional, não subsiste para o Direito Social e Civil.

Leite (2003, apud Santos & Santos 2008) explica que o reconhecimento

diferenciado em várias áreas do direito se dá pela demora da aplicação do

poder Público, mesmo que legitimada sua aplicabilidade.

A família monoparental, definida por McGoldrick (2012), é um único

genitor que assume as responsabilidades de cuidar sozinho e constituir sua

família. Este termo surgiu na França em um estudo realizado na década de 80,

para definir o convívio de um genitor e filho (a) na mesma casa (Souza, 2008).

Esse fenômeno historicamente sempre existiu, mas alcançou uma

magnitude pelas rupturas ou de uniões conjugais e também pelo crescente

número de adoções.

Diniz (2002, apud, Santos & Santos, 2009) comenta as peculiaridades

que caracterizam essa configuração familiar:

A família monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um

casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um

dos seus genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio,

adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro

genitor, produção independente, etc (p. 8).

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Ao longo da história, a monoparentalidade passou por mudanças

significativas, o que antes acontecia por viuvez ou separação, hoje, em muitos

casos, se dá por meio da adoção.

Segundo Souza (2008) quando se estabelece convívio familiar entre uns

dos pais com um filho, a família monoparental é instituída. A autora aponta

esse modelo familiar como antagônico à supremacia nuclear de um

relacionamento conjugal. A legitimação e visibilidade se opõem às antigas

marginalizações que outrora foram vividas pelas famílias monoparentais que

não eram consideradas famílias nucleares, mas incompletas, desestruturadas

ou desfeitas.

A família monoparental aqui discutida é entre a afiliação biológica e por

adoção. Homens e mulheres solteiros que buscam constituir sua própria

família, e encontram na adoção a relação parental. Cown (2004, apud Pereira,

2012) explica que neste contexto de família monoparental a atenção destinada

ao filho seria extremamente benéfica, como também os pais reforçariam o

comprometimento parental.

Pais solteiros podem despender tempo, energia e afeto na chegada da

criança. Na adoção tardia, em que a criança muitas vezes traz uma história de

abandono e sofrimento, essa dedicação é muito importante. E a criança

inserida nesse novo lar, juntamente com esse novo pai ou mãe, pode fortalecer

as relações de afeto e vínculo (Cown, 2004 citado por Pereira, 2012).

Esses novos pais trazem uma referência de princípios básicos de

modelos parentais, porém é no exercício do ofício que irão aprender a exercer

e adquirir confiança nesse papel. Desse modo, é como o pai adotivo que não

acompanha a gestação de um filho, mas constrói no dia-a-dia o amor pela

criança que passa a ser seu filho (Fialho, 2004).

Ao abordar a monoparentalidade, assim como os laços estabelecidos,

amplia-se o olhar sobre a família e sua subjetividade. Visualizar, discutir e

legitimar a família monoparental é conhecer os seus aprendizados e as

vicissitudes cotidianas dos respectivos papéis parentais e filiais e compreender

papéis e relações desses pais com a família que escolheram.

Para a SARTI (1980), o filho na ausência de uma referência familiar,

possui grande capacidade para buscar em um novo ambiente, o que lhe falte

na vida familiar. Isso reforça o sentido adaptativo, mas entendendo, que o

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sistema familiar ainda assim constitui espaço de aprendizado, pensamentos e

sentimentos.

Para SARTI, (1980, p.x) “muitas pessoas, ao analisar famílias, consideram-

nas meramente como pequenos grupos compostos de indivíduos que exercem

funções de papel similares ou intercambiáveis”.

Confirmando esse pensamento, Szymanski (2003) diz que viver o

cotidiano das inter-relações afetivas tece o mundo familiar, o que seria

explicitado na ‘família vivida’ que surge nesse lugar, no qual a cotidianidade

habita e não a ‘família pensada’, implícita no discurso de modelo oficial de

família.

Silva (2014) indica o sentimento de pertencimento, assim como o de

apego à família, independente do modelo, como um lugar de vinculação

afetiva, de inter-relações e estabelecimento de funções e papéis.

Os arquétipos familiares construídos sobre a família monoparental

suscitam a compreensão desse sistema parental. Na experiência clínica busca-

se compreender as motivações, a construção dos vínculos e o aprendizado dos

papéis parentais e tem se notado o quanto esse processo é solitário. A visão

sobre tal família é relacionada aos atributos de coragem, de força, de

sentimentos nobres e outros adjetivos positivos. Entretanto, as dúvidas e

incertezas estão presentes no dia-a-dia e a realidade para estabelecimento de

vínculos é desafiante (SILVA, 2014).

A família monoparental possui uma organização diferenciada, porém os

vínculos são construídos como em qualquer outro modelo (SILVA, 2014).

Gomes (1988) nos fala da família como grupo de pessoas com uma

proposta de laços afetivos e de cuidados permanentes entre os adultos, e deles

para com as crianças, que convivem com a proposta de uma ligação

duradoura.

Valente (2012) ressalta a valorização de outros tipos de vínculos, sem

caráter de parentesco, mas simbólicos e afetivos, que nutrem a sobrevivência

cotidiana e familiar.

Winnicott (1975) identifica que o mesmo espaço mãe-filho, também

existe na relação entre irmãos, apoiado no (re)conhecimento de potenciais,

similaridades e nas suas diferenciações.

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A construção dos vínculos afetivos na relação parental e filial passa por

diversos momentos, ora de identificação ora de estranhamento. Acrescida

ainda, dos papéis fraternais a criança traz sua história com hábitos, vontades,

sentimentos e memórias recentes que se organizam na medida em que são

acolhidos (Costa & Rossetti-Ferreira, 2007).

1.4. O reconhecimento dos vínculos nas relações fraternal

De qualquer forma, a vivência da relação fraterna deixará suas

“marcas” no psiquismo individual. Os modelos vinculares daí

decorrentes, tais como ambivalência, rivalidade, sentimentos

amorosos, necessidade de reparar, impulso de domínio, sujeição ao

irmão e outros, tendem a se repetir ao longo da vida nos vínculos

com outros pares. Em geral, os irmãos têm um conhecimento

recíproco, consciente, e em grande parte inconsciente, do

funcionamento psíquico uns dos outros, por terem vivenciado juntos

sentimentos e conflitos ao longo do tempo na intimidade da vida

familiar. Em cada irmão perdurará uma “memória” desses

acontecimentos familiares. Mesmo que, ao crescer, cada um dos

irmãos siga um caminho diferente, a experiência da intimidade

compartilhada deixará sua “marca” no inconsciente de cada um deles.

O conhecimento da intimidade do outro irmão continuará sendo um

legado e um ponto de referência para a própria identidade (Goldsmid,

Féres-Carneiro, p. 781).

Nesse sentido Nery (2003) coloca que “a criança vive um processo de

co-ação, co-experiência e co-existência, ao desempenhar diversos papéis

sociais em seus primeiros vínculos”.

Esse processo têm dinâmicas vinculares múltiplas e contraditórias que

repercutem na aprendizagem emocional e dos papéis da criança (Nery, 2003).

Bowlby (1997) trata a importância da formação de vínculos como

primordial do ser humano, dando significado ao sentimento de apego para

concretizar a vinculação. O apego tem um aspecto importante nas relações

objetais saudáveis tanto na infância quanto na vida adulta.

Os irmãos quando são próximos, desenvolvem competências através do

brincar, amar e disputar uma maneira de protegerem-se, uma vez que, a

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similaridade de suas emoções encontra-se, mas equiparadas do que com seus

pais (Goldsmid & Féres-Carneiro, 2011, p. 777).

Ao estudar o companheirismo fraternal Goldsmid & Féres-Carneiro

(2011), descreve que os irmãos alteram o seus papéis. Dentro de uma

perspectiva da psicodinâmica, ora são transgressores e ora normativos. Isso

em determinadas ocasiões utiliza-se desse recurso como determinante na sua

estrutura psíquica. Acrescentam que esse lugar quando aprendido poderá

transitar em outras relações, citando o caso do pai que ao brincar com o filho

poderá estar em uma relação fraternal.

Tsoukatou (2005) expõe que na vivencia fraterna, por meio do seu

processo de diferenciação dos irmãos, elaboram e dão estrutura a sua

personalidade.

Jaitin (2001) compartilha desse pensamento o vínculo fraterno é um

mediador da realidade do mundo psíquico e da realidade cultural, que permite

um espaço de construção e intermediação através muitos meios.

Para a autora é reforçado pela organização de três mundos de

articulações: o corpo unitário, o corpo fraterno pela similaridade geracional e

corpo diferenciado regido tabu social e por último as fantasias específicas

organizadoras do vínculo fraterno (JAITIN, 2001).

Eiguer, (2001) reforça a ideia de que no mundo contemporâneo os

vínculos familiares, fraternos chama a atenção. A transmissão dos vínculos é

compreendida por cada filho de uma maneira diferenciada, pois receberá de

um jeito pessoal. Aceitaram com certa resistência por carregar o peso da Lei,

mas quanto aos irmãos e pares, essa transmissão será mais natural.

1.5. O vínculo com o terapeuta

A relação terapêutica é o vínculo por meio do qual se

processam os tratamentos psicoterápicos. O destino de

cada psicoterapia resulta das características pessoais do

paciente e do terapeuta, das reedições de vivências

passadas que ambos trazem para a situação presente e

da interação desses elementos com a relação atual, única

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e particular, que eles estabelecem entre si (Eizirik,

Libermann, Costa, apud Cordioli e col, 2008 p. 74).

O vínculo com o terapeuta para teoria analítica resulta do objetivo da

terapia é de ligação entre o terapeuta e o seu paciente, o que Freud descreve

como aliança terapêutica. A pesar de ser um terno psicanalítico, a aliança

configura em todas as formas de relação paciente e o terapeuta ou o médico.

Essa relação com o paciente deve perdurar até a conclusão do processo, o que

determinará um bom desempenho do trabalho (Cordioli, 2008).

Segundo Scarpato (2001) é um elemento fundamental do terapeuta a

vinculação, uma vez que permite lidar com os sentimentos ambivalentes.

A sua atuação esta dimensionada na complementariedade, o eu sou o

outro, o eu para o outro, o outro para mim e o eu e o outro. “O vínculo

terapêutico ocorre dentro de um continuum que vai da identificação à

alteridade” (SCARPATO, 2001). O terapeuta ocupa um espaço no universo do

paciente, assim como o paciente também habita esse lugar. É um espaço sutil,

aonde emerge a busca de aceitação, orientação, confronto e teste da

confiança. “A cada momento do vínculo há questões diferentes sendo

maturadas” (SCARPATO, 2001).

Roustang (2000) esclarece que a relação do paciente e terapeuta é um

campo para vivenciar as relações reais e prováveis no contexto terapêutico e

modifica-las, lugar fértil e transformações.

Surge no estar junto com o outro, nesse lugar fértil uma jornada em que

o terapeuta procura iluminar o caminho do paciente. Os vínculos, ou laços

afetivos construídos no processo terapêutico são viáveis e de trocas são

imprescindíveis para maturação dessa relação. O terapeuta terá a missão de

continente de medos, angustias e inseguranças e a habilidade de possibilitar o

enfrentamento e superação daquele que confiou sua história e memórias.

A linguagem silenciosa verbal, corporal e até mesmo inconsciente são

de suma importância para o paciente, ele nessa relação silenciosa, que muitas

vezes diz mais que palavras, capta esse conjunto de linguagens que o

influenciam (Bowlby 2001).

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CAPÍTULO II

2. ARTETERAPIA

“[...] a arteterapia caracteriza-se por possibilitar que qualquer um entre em contato com seu próprio universo interno, com aqueles que estão à sua volta e com o mundo. À medida que a emergência da expressão se mostra cada vez mais indispensável, tanto mais o sentido da vida torna-se evidente e, consequentemente, o despertar do desejo de como aprender a lidar com os problemas, com os medos, com as deficiências, de modo a tornar os pensamentos e os atos mais consonantes com o viver pleno (AATESP, 2009).”

2.1. A manifestação do simbólico e imaginário

Segundo Sarti (2007, p. 33). A “referência simbólica fundamental que

organiza e ordena sua percepção do mundo social, dentro e fora do mundo

familiar

Fischer (1966, p.18, 19) “para ser um artista é necessário dominar,

controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a

matéria em forma”. Fischer (1963, p.17) ainda acrescenta:

Algumas vezes predominará a sugestão mágica, outras a razão e o

esclarecimento, outras a intuição do sonho e outra ainda o desejo de

aguçar a percepção. Mas que a Arte apazigúe ou desperte, quer

projete sombras ou crie luz, ela nunca é uma descrição clínica da

realidade e sua função é sempre comover o homem total, permitir ao

“Eu” identificar-se com a vida dos outros, apropriar-se daquilo que ela

não é e que, não obstante, é capaz de ser.

A Arteterapia é plenamente indicada às crianças por se tratar de uma

terapia que trabalha a comunicação pela via simbólica valendo-se dos recursos

da arte, de uma vez que na infância a uma predominância da comunicação via

imaginário, qual forma de comunicação é própria do inconsciente.

Ela favorece, portanto, uma experiência do simbólico efetivamente,

como também de ressignificação de espaços perdidos da sua história de vida.

É nesse bojo que surgem as terapias artísticas, a arte-educação, as

terapias expressivas, a arteterapia. Todas, cada uma com suas

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especificidades, buscam os sentidos subjetivos do homem e

procuram, até mesmo, ser o caminho principal de integrá-lo ao

universo, levando-o a viver artisticamente, melhorando seus

relacionamentos, gerando saúde e felicidade (Mussi, 2005).

Além da utilização dos materiais artísticos, a simulação de cenários e o

exercício da dramatização. Na construção essencialmente lúdica, possibilitam

ainda mais uma condução da criança para recuperação, tanto quanto possível,

de partes machucadas de si.

Para Andrade (2000), “uma função mágica, aproximando-se do mistério

e sendo veículo dele ou ainda como uma racionalidade crítica revelando

diferentes aspectos da vida”. O mesmo autor, quando descreve essa função,

ele afirma que o indivíduo expressa ao mesmo tempo percebe seus

significados.

Deste modo para ele, “todos os métodos de compreensão do psiquismo

humano e possível atuação sobre ele, advêm da noção de simbolização”

(Andrade, 2000).

Bello corrobora com o pensamento do referido autor, pois, apresenta a

arte simbólica para refletir sobre nossa realidade interior que é significativa

quanto à realidade que nos circunda. A esse potencial simbólico, que será

ativado a partir do contato com a pintura espontânea (BELLO, 2014).

Portanto como uma configuração de expressão não-instituída, não só da

sua especificidade é função social da arte, mas também estruturação da

realidade vivida (ANDRADE, 2000).

Vale dizer que o imaginário remonta um cenário repleto de símbolos. De

outra maneira, o que figura o imaginário são as imagens simbólicas. São estas

figuras, instrumentos repletos de significados e, sobretudo, de conteúdo

arquetípico, que estrutura a psique. É a simbolização e não a racionalização é

quem vai estruturar o ego da criança e com isso favorecer a diferenciação do

Ego e do Outro (BYINGTON, 2003).

A simbolização inicia-se com o contato com a mãe, a qual possibilita à

criança as primeiras experiências de pertencimento.

Conforme dito por Allessandrini:

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Vivenciei o sentido da arte na vida, ao inserir a cada novo modelo um

colorido especial no trabalho, nas relações no viver! A vida passou a

dinamizar – realizar com uma qualidade energética especial, porque

potencializadora da ação – condição de criar, de ser no sentido do encontro

com a essência da alma, e de acreditar no potencial adormecido e não

aproveitado! Que alegria enorme sentir a concentração ou elevação da

energia terapêutica ao redescobrir junto com os meus clientes a

possibilidade de criar e de ler novas palavras! Emoção pura de “desfrutar”

cada pequeno grande momento, compreendendo e ampliando a

consciência, em uma ação prazerosa e inusitada, arduamente desejada e

conquistada”. (ALLESSANDRINI, 1996, p. 16).

Assim sendo, as crianças podem dizer de suas inquietações, desejos,

medos, necessidades e aos poucos construir seu mundo e apreender o mundo

que o cerca (ALLESSANDRINI, 1996).

Logo a mesma autora explicita,

A criança possui um pensamento original ao inventar nome para as

coisas, diz a autora. É neste lugar de invenção de criação imagética

ela vai estruturando sou mundo e o mundo a sua volta numa num

continuo de criação. A criança recorre a uma “representação

semiótica – que se refere ao conhecimento já internalizado e presente

durante a ação de criar determinado objeto, e acontece através de

signos – na procura por melhores formas de construir o que deseja.

Direciona o gesto a partir da imagem que antecipa, traduzindo em

uma linguagem não-verbal o que se propõe a fazer (Op. Cit. p. 65).

Desta forma, através do imaginário a criança simula, ensaia, aprende

não só o que tem a fazer, mas também o como fazer. Ou então, busca

representações no “como fazer”, isto é, busca caminhos a serem tomados com

vistas ao resultado a que quer chegar.

FICHTNER, 1997, as preferências artísticas de cada criança emergem

sem desconsiderar a utilização da técnica escolhida.

2.2. Nós brincamos... Eu brinco!!

Segundo Winnicott (1971), criar um espaço através do brincar, de

experimentação, aproximação do dia-a-dia, serve de caminho na construção

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humana, mesmo em um caminho de mudanças e incertezas. Inclusive na falta,

poder ressignificar, o estar dentro do mundo familiar e social marcado pelos

referenciais simbólicos.

Para o mesmo autor ressalta que nesse lugar proveitoso conecta-se a

sua personalidade integral:

É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto,

pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente

sendo criativo que o indivíduo descobre o eu o self” (WINNICOTT,

1975, p. 80).

Como argumenta Vygotsky (1999) o jogo infantil permite o acesso da

arte, é inevitável a criança traduz para si o mundo às avessas para melhor

contê-lo em si.

Segundo Saade (1998), ao “dar livre curso às expressões das imagens

internas, o sujeito ao modelá-las, transforma-se a si mesmo”, e ressignifica

alguns processos internos. O que através da brincadeira acontece

naturalmente quando a criança encontra-se em um lugar possível de exercício.

Franco (2013) descreve que na organização da brincadeira nem sempre

é uma visão romanesca, pois às vezes, no ato de brincar é vivido um lugar

ameaçador. Por isso, a necessidade do observador está atento ao seu papel,

de conter os aspectos de medo na dimensão criada nessa experiência. Pois, o

brincar utiliza da subjetividade e do objeto concreto no ato da brincadeira.

Nessa capacidade e em cada novo contato experenciado, amplia a

capacidade criativa para resolutividade de velhos problemas (Belo, Scodeler

2013).

Com o objetivo de atingir melhor a compreensão do papel da arteterapia

na constituição e no desempenho dos vínculos. Propôs-se a realização deste

trabalho descrito e argumentado em forma de estudo de caso, que consta no

teor do Capítulo III, disponibiliza a reflexão e a construção do objeto desse

estudo.

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CAPÍTULO III

3. O RELATO DO CASO

1) a contextualização das participantes - As crianças na qual se baseia

este estudo de caso, são três irmãs, sendo as gêmeas de 03 anos e a mais

velha de 04 anos, mas apenas com 11 meses de diferença. As crianças

moravam em uma instituição no interior, e apesar de poucas crianças morando

juntas a instituição não tinha estrutura. Os genitores perderam o poder familiar

e elas aguardavam serem adotadas. Mesmo tendo a informação e o registro de

nascimento com irmãs, elas não se reconheciam como tal. A vinculação de

relação familiar e fraternal, os vínculos eram frágeis e inconsistentes.

As sessões foram divididas em 08 (oito) encontros de 2h (duas), um

encontro semanal; Sessões no setting da Arteterapia, com as intervenções pré-

definidas: desenhos e pintura, representações e brincadeiras.

2) a questão trazida pela guardiã/mãe adotiva – Para a mãe as meninas

não conseguiam usar o banheiro e faziam necessidades fisiológicas em vários

locais da casa, não se conheciam pelo nome e também que eram irmãs. Ou

seja, não sabiam com clareza o significado dos vínculos e das relações

familiares e por que haviam mudado de casa. As irmãs Clara (4 anos), Melissa

(3 anos) e Helena (3 anos) foram trazidas para atendimento pela mãe/adotiva.

Após, o primeiro mês da chegada das meninas no novo lar, ela achou

necessário um acompanhamento terapêutico mãe trazia uma preocupação com

a formação da identidade das meninas, e que cada uma pudesse se

desenvolver com as singularidades que iriam marcar a respectivas identidades.

As gêmeas são negras, enquanto a irmã mais venha 11 meses é branca e

facilmente passava diante das pessoas como filha biológica da mãe adotiva.

Como a história das meninas eram complexas, cheias de informações

imprecisas, havia a possibilidade dos pais serem diferentes. O que aparece

claramente nas diferenças físicas, esse fato, só veio a reforçar durante a

permanência na instituição que poderiam não ser irmãs biológicas.

Apresentamos as características principais observadas de cada criança,

ao longo das observações.

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-Clara introvertida, pouco fala, gosta de organizar os objetos e cuidar do

espaço.

-Melissa extrovertida, conversa muito e com muita dificuldade de

compartilhar brinquedos e brincadeiras, choro fácil.

-Helena exploratória, curiosidade para compreender como funcionam as

coisas, os brinquedos e também com dificuldades de compartilhar os objetos.

3) as observações referentes às questões apresentadas pelas as

crianças durante os atendimentos e intervenções e reflexões do terapeuta

seguem como uma síntese de cada atendimento.

3.1. Observações sobre meu lugar como Arteterapeuta

E assim o arteterapeuta constrói o profissional que se torna,

experienciando a alquimia criativa da transmutação de seus

conteúdos pessoais. Aprimora seus instrumentos ao refinar sua

sensibilidade e ao expandir seu conhecimento. Fortalece sua ação ao

dimensionar a sutileza e a densidade de cada movimento ou intenção

nas oficinas criativas que desenvolve com as pessoas em processo

arteterapêutico. Desenvolve uma sabedoria alegre e amorosa ao

estabelecer uma relação de intimidade com os materiais que utiliza

durante seu trabalho. Pode criar novas formas de emprego desses

mesmos objetos e materiais, pois compreende as conexões que eles

potencializam. Transcende, assim, as diretrizes norteadoras de um

fazer em espaço de arteterapia ao descobrir novos jeitos e novas

configurações, ampliando e enriquecendo seu corpo de

conhecimento, apoiado na observação cuidadosa e respeitosa da

ação terapêutica em ateliê. (ALLESSANDRINI, 2004, p.145)

A minha vivência com a Arteterapia, surgiu após um encontro com uma

terapeuta e arte-educadora com um belo caminho nessa seara. Fui tomada

pela experiência de simbolizar os sentimentos esquecidos, apaziguaram e

aqueceram minhas memórias.

A partir desse encontro, o desejo de usar as técnicas e recursos como

mediação na minha prática como psicóloga me encantou.

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Observo que em muitos casos, a fala e o silêncio não preenche o setting

terapêutico, precisamos manifestar essa inquietude que usa outras linguagens

simbólicas.

Nesse estudo de caso, ao acolher três irmãs com uma história encoberta

pelo estigma do abrigamento foi o ponto de partida. Eu assumi o compromisso

de atendê-las juntas, tarefa que considerei desafiadora. Mas quando optei em

trabalhar com a arteterapia, o desafio de atender essa demanda, pareceu

possível.

Como eu somente conhecia a mãe, o primeiro encontro, com as crianças

já foi na primeira sessão, confesso que me senti apreensiva tanto quanto elas.

Estar atenta às três crianças, com escolhas e gostos tão diferentes foi

minha primeira dificuldade, mas o encantamento delas com a pintura trouxe um

excelente começo. Pois manipular as tintas e escolher as cores quebraram a

apreensão e a timidez inicial delas e minha.

Ao termino desse primeiro encontro, além de uma insegurança absurda

de como seriam os próximos, eu me descobri naquele papel, o de

Arteterapeuta.

E ainda, entender que além de estudar muito sobre esse conteúdo, o

percurso que torna alguém arterapeuta? Conteúdo e muita prática? Sim, mas

também uma grande conexão interna com memórias, sentimentos, complexos

e principalmente com nossa alma.

Algo me arrebatou na sessão com as crianças, não sei definir com muita

clareza, talvez racionalizando um pouco, eu fui espontânea como elas.

Meu papel não era meramente interpretativo ou interventivo, e sim,

sobretudo de imersão naquele lugar cheio de imprevisibilidade.

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3.2. Descrições das atividades

Encontro Atividade Emoções Produção Reflexões do

terapeuta

1o Explorando o setting

Apreensivas

e Tímidas

Escolha pela

pintura com tinta

guache

“conhecendo-se”

O interesse das três

foi quase imediato

para a caixa com

tintas e pincéis.

Dificuldades dividir

material

2o Proposta de

brincadeiras Curiosas

Escolha da

pintura com tinta

guache Sucata e

brinquedos

Dificuldade de

propor outra

atividade que não

fosse a pintura.

Dificuldade de

dividir o material

3o

Espontaneida

de para

escolha do

que fazer

Ansiosas

Sucata e

brinquedos

“Construído a

nossa casa”

Retiramos do

setting a caixa de

tintas e pincéis, já

estavam mais

participativas e

integradas e

adoraram brincar

com as sucatas e

brinquedos

4o Construindo

o ninho Tranquilas

Construir a casa

e quem iria morar

nela. “Quem são

os personagens

dessa família”

Nesse encontro foi

percebido o início

da construção do

vínculo entre as

irmãs

5o Introduzir a

rotina da vida

familiar

Sensibilizada

s

Brincar de

cuidados entre

elas “Vamos viver

Alguns fatos

importantes: quem

cuida de mim

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juntas” quando preciso?

6o As relações

de vínculo

Afetivos

Reflexivas

Contar histórias,

dramatizar e

dançar “o que me

deixa: feliz e

triste”

As brigas

diminuíram e a

demonstração de

amorosidade

solidifica

7o Os vínculos

fraternais Participativas

Preparando a

comida para as

irmãs

(dramatização)

“O que nos nutre”

Não tomavam os

brinquedos e agora

compartilhavam

8o Fechamento Alegres

Brincamos,

pintamos,

dançamos e

contamos

histórias

“Despedida sem

abandono”

Sentiram-se

integradas, elas

trouxeram um

pouco de cada

encontro anterior.

3.3. Discussão

Transitar nesse universo idiossincrásico de construção do papel fraternal

foi o maior desafio da Melissa, Clara e Helena.

Essas questões foram trabalhadas durante 02 meses por meio de

sessões de arteterapia, por compreender que seria um atendimento complexo

para ser realizado com três crianças pequenas e em processo adaptativo a

uma nova configuração familiar. Concentramos inicialmente na demanda

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apresentada pela mãe, porém as meninas chegaram com desejos de explorar

o ambiente bem diferenciado. No início do primeiro encontro causou conflito

entre elas, mas o conflito foi construtivo. Assim como a partir dele, a dinâmica

de cada encontro foi delineada. Sabendo-se é claro, que as sessões poderiam

ser mudadas conforme o processo do encontro anterior e o atual.

No encontro inicial elas ficaram instigadas com o espaço do setting

arteterapêutico, Helena conhecia as cores básicas e fez a escolha das cores

para pintar, Clara e Melissa pegaram cores escuras, inicialmente foi

disponibilizado apenas uma grande folha panamá. Contudo elas começaram a

pintar separadamente na mesma folha, em determinado instante, Melissa pediu

uma folha individual para pintar, e em seguida as outras irmãs pediram

também. Helena que conhecia as cores básicas fez sua pintura com cores

vibrantes, enquanto as irmãs usaram os tons mais escuros.

Ao final do trabalho elas viram as pinturas na parede, imediatamente

quiseram fazer outra pintura escolhendo os dois tons da pintura mais clara da

irmã. O azul e o rosa nessa pequena intervenção das cores, elas responderam

com alegria a nova pintura, se divertiram muito com as quantidades de cores e

dividiram os potes de tintas com um pouco de resistência.

Fig. 1- A primeira produção

A pintura tem a importância terapêutica, à medida que a pintura se

materializa as emoções emergem (Okalander apud VALLADARES,

2000/2001). O que foi observado reforça essa colocação de forma mediática,

apesar de um esforço para iniciar diante da estranheza, por nunca ter utilizado

tintas.

Naturalmente, Messi (2005), descreve como “esforço de

aperfeiçoamento”, a obra anuncia um diálogo entre o sujeito e sua obra. As três

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claramente manifestaram esse esforço em aprimorar, o que foi feito quando

fizeram suas produções independentes.

Depois, com a ajuda delas colocamos os desenhos na parede para que

cada uma olhasse a composição dos três desenhos. O grande em que as três

pintaram e o desenho de cada uma, ao observar as meninas buscaram fazer

uma nova pintura, em que experimentaram novas cores em sua produção. Ao

final elas gostaram do que pintaram que não tinham formar, somente as cores,

no entanto elas descreveram como a casa delas.

Curiosamente, Clara fez vários rabiscos, porém ao pegar com o giz de

cera fazia movimentos da direita para esquerda. Winnicott (1994) descrevia

uma técnica de jogos de rabisco, o que na realidade não era o que Clara havia

feito. Entretanto essa referência me ocorreu no momento em que ela fez os

rabiscos, pois é um modo de como o self se expõe no mundo. Ao perguntar o

que ela havia desenhado, ela respondeu que estava escrevendo o nome dela.

Também pintaram seus braços e pernas como muita quantidade de

tinta, esse foi o primeiro contato delas com pincel e tinta. Depois enquanto

limpávamos o espaço, e elas lavavam suas mãos, elas contavam histórias de

quem não sabia usar o banheiro e que já estavam deixando a fralda, como era

sua casa e outras coisas do seu cotidiano. Uma completava a história da outra,

com euforia e satisfação em serem ouvidas.

Rey (2005) descreve que conversações promovem uma co-

responsabilidade, pois cada partícipe, sentem-se sujeitos do procedimento. O

que consistir em criar espaços reflexivos, no qual muitas informações

importantes emergem. Como processo ativo, ao conversarmos,

reorganizávamos o nosso primeiro encontro terapêutico com a fala delas.

Segundo Messi (2005), esse momento vivencial com a arte acolhe e

facilita, primordialmente na construção de vínculo e a comunicação entre o

grupo e o arteterapeuta.

O mesmo autor coloca que a arte emerge espontaneamente no contato

com os materiais artísticos, o físico, psicoemocional e o mental para constituir o

trabalho criativo. Torna-se espaço transformador para todos que se vinculam

nele, pelas as mais diversas atividades propostas (MESSIS, 2005).

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Para Allessandrini, (1996), o processo criativo aquece para a vivência

criativa, em que os diversos matérias podem ser transformados, ou seja, serem

ressignificados pelos afetos, percepções/sentidos e emoções.

No segundo encontro, assim que elas entraram na sala, já correrão para

caixa de tintas e pincéis, o que foi permitido com naturalidade. Mas, antes

delas começaram a pintar, pedi que olhássemos para a sala. Elas insistiram na

pintura e com naturalidade disponibilizei novas cores e pincéis mais largos e

rolinho de espuma. Foi mais prazeroso para elas pintarem, pois rapidamente o

papel se enchia de cor, e quando elas perceberam a mistura dos tons elas riam

bastante.

As preferências artísticas de cada criança emergem sem desconsiderar

a utilização da técnica, quando a criança na maneira de comunicação com a

família, contribui para sua interação e percepção do mundo (FICHTNER, 1997).

Sugeri que brincássemos de representar a família e que cada uma

escolhesse como seria a brincadeira. Com os brinquedos e as sucatas que

havia na sala, o que poderíamos usar da mobília para criar brincadeiras.

A Helena despertou o interesse em ver os brinquedos e sucatas, e logo

às outras a seguiram na brincadeira. Elas se dividiram com os brinquedos,

Clara escolheu os utensílios de cozinha, começou a preparar o almoço para

todas nós. A Helena escolheu acender e apagar um pequeno abajur e

brinquedos de encaixe que precisavam uma compreensão maior para

funcionar. A Melissa escolheu as bonecas, as roupas, fitas e enfeites pra

brincar de ser mãe, Melissa perguntou cadê o pai? Todas as bonecas eram

meninas. Perguntei, a família de vocês são quantas pessoas? Elas se olharam

e falaram é a mamãe e a gente! Ah! Então é uma família de meninas! A

Melissa disse sim, e temos P...... e R...... (duas gatas), então vocês vivem em

uma família de meninas!!! Todas riram, e foram falar das gatas, como

brincavam em casa com elas, nesse momento elas ficaram sentadas uma perto

da outra contando suas histórias...

Ao final perguntei quem cuida de vocês? Melissa, Helena e Clara

responderam “minha mãe”. Quando ficamos doentes é só a mamãe que pode

cuidar, Clara observa a conversa e fica em silêncio.

Mas aqui na nossa brincadeira tem quem cuida? Elas se olharam

novamente e responderam, sim. A Clara disse a comida esta pronta, eu fiz o

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nosso almoço, macarronada com suco. A Helena disse minha filha quer fazer

xixi, eu vou levar ela no banheiro e dar banho também!

Melissa escolheu montar uma casa e colocar as filhas dentro para

dormirem, o que todas quiseram e começaram a brigar pelo espaço e as

bonecas.

O ato de representar utilizando a linguagem cenestésica, revela muitas

coisas ao outro, assim como a nós mesmos, é uma linguagem autêntica (Weil

& Tomspakow apud VALLADARES, 2000/2001).

Fig. 2 - Construindo a casa Fig. 3 - Morando na casa

Fig. 4 - Brincando dentro da casa

É brincando que a criança mergulha na vida, sentindo-a na dimensão

de suas possibilidades. No espaço criado pelo brincar nessa aparente

fantasia, acontece a expressão de uma realidade interior que pode

estar bloqueada pela necessidade de ajustamento às expectativas

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sociais e familiares. A brincadeira espontânea proporciona

oportunidades de transferências significativas que resgatam situações

conflituosas (CUNHA, 1993, p. 35-36).

Ao apoderar da experiência uma das outras, as crianças, através da

brincadeira e do universo da arte revelam o seu lugar no mundo. As

dificuldades psíquico-emocionais entre outras coisas são trabalhadas por meio

da Arte, sendo assim, a arteterapia abre um espectro possível de compreender

e superar emoções conflituosas.

As meninas estavam dramatizando situações de cuidado, o que abre um

espaço para o cuidado e também o conflito entre elas.

Para Vigotskii (2001) a importância de ressaltar que na zona de

desenvolvimento proximal, de modo que o mediador precisa nas suas

interações com o mediado, ser um facilitador no processo de seu

desenvolvimento (Fig.5, Fig. 6, Fig.7, Fig. 8).

Fig.5 Fig. 6

Fig. 7 Fig. 8

Portanto, as brincadeiras e jogos levam as situações de experiências

que subsidiaram na organização social, na adequação de regras, na

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identificação dos diferentes papéis e para a ampliação de competências sociais

(DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001).

Foram eleitos para a discussão esses dois encontros, pois eles

constituíram como fundamentais para descrever a interação e a construção

desse espaço inicial de afetos e vínculos entre elas e também com a

arteterapeuta.

Nos demais encontros, trabalhamos o fortalecimento dos vínculos e

pertencimento, assim como dos papéis filial e fraternal.

Perceber como as irmãs aprenderam na inter-relação amorosa e

também conflituosa, a fortalecer o cuidado, o compartilhar das descobertas de

emoções novas. Os vínculos trabalhados na relação fraternal possibilitaram

ampliar ao exercício dos laços sociais.

E no setting arteterapêutico como brincantes, elas construiriam seus

lugares na diferenciação dos papéis familiares e sociais.

Sobre este aspecto, Vitale (2002, p. 54) enuncia:

É bom lembrar que o sistema de trocas familiares é marcado por

laços de solidariedade, mas também pelo conflito. Assim, nessa teia

de relações enquanto cada um “dá o que tem” para enfrentar os

percalços do cotidiano, outros podem se sentir prejudicados por este

mesmo sistema. As redes de solidariedade não são uma instância

linear esvaziada de contradições.

Fig. 9 - Brincando e se divertindo juntas

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O brincar juntas dentro da perspectiva da arteterapia proporcionou a

elas, vários momentos importantes. Entre eles o reconhecimento da

irmandade, a resolução de conflitos internos e externos e principalmente a

capacidade de ressignificar e nomear emoções. Conforme Carvalho (1995) a

utilização da arte como terapia permite um galho pessoal, pois reconciliar

afetos e sentimentos, deste modo ampliar a capacidade de um olhar para

questões pessoais.

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CONCLUSÃO

O sentimento de pertencimento é um lugar de vinculação afetiva, de

inter-relações e estabelecimento de funções e papéis, e, sobretudo de

autoconhecimento.

Perceber como as irmãs aprenderam na inter-relação amorosa e

também conflituosa, a fortalecer o cuidado, o compartilhar e as descobertas de

emoções novas. Esse material trouxe muitos elementos para extensos

aprofundamentos, mas das conversas e brincadeiras, aconteceu encontros ora

raivosos, ora amorosos. Elas vivenciaram e integraram suas brincadeiras de

maneira positiva, o que facilitou o fortalecimento da relação fraternal.

Portanto na diferenciação dos seus papéis fraternais, cada uma

construiu seu primeiro ensaio do seu lugar na família e no contexto social.

As interconexões entre o compartilhar no espaço arteterapêutico,

demonstrou suas capacidades de ser continente de medos e angústias, de si e

das outras, mas principalmente na alegria de buscar entender as emoções

novas.

Ao final de cada sessão, a dinâmica conversacional organizava os afetos

e abria novas possibilidades de transpor dificuldades relacionais. Nossos

encontros foram permeados pela “arte”, de expressar dentro da

espontaneidade do universo infantil, a reconexão de sentimentos, sem atribuir

uma conotação maniqueísta.

Vale salientar que no universo infantil os afetos e desafetos, apresentam

muitas vezes, sentimentos incongruentes. Mas, a técnica da dinâmica

conversacional trazia a confirmação ou não que estávamos caminhando nesse

processo. Nesse processo repensávamos as sessões e os novos encontros é

conseguimos que elas ao final, ao modo delas apresentassem um lugar de

inteireza.

Compreendendo que no objeto desse estudo, foi sobre vínculos

fraternais em uma situação atípica. Porém, as relações fraternais em outros

contextos deveriam ser cuidadas e nutridas na família, na escola e ambientes

relacionais.

Pois, o sentimento fraternal transcende os laços familiares e

consanguíneos.

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Analisando tais aspectos, pode-se dizer que o objetivo central do

trabalho foi obtido, tendo a partir da constituição do mesmo, uma nova forma

de perceber e compreender os sentimentos. As experimentações de emoções,

que apareceram nesses encontros com a arteterapia, vivenciaram e

ressignificaram o sentido do vínculo fraternal.

Ao visitar sentimentos elas conectaram com algumas emoções, em uma

fonte de experimentação genuína, o significado da palavra vínculos afetivos e

fraternais.

É relevante observar que nas sessões de arteterapia reforçaram a

necessidade e a importância de famílias investirem em fortalecer suas inter-

relações com o contato, as brincadeiras e o compartilhar.

Como aspecto final, ressalta-se a necessidade de aprofundamento sobre

universo de irmãos que vivem em situação de abrigamento e como dentro das

instituições os vínculos são trabalhados.

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BIBLIOGRAFIA

AATESP. Associação de arteterapia do Estado de São Paulo. 2009

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ANEXO I

TCLE – Termo de consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a autorizar a participação do estudo

de caso referente aos atendimentos familiar em arteterapia: A ARTETERAPIA:

ACOLHIMENTO E FORTALECIMENTO DOS VÍNCULOS FRATERNAL.

A JUSTIFICATIVA, OS OBJETIVOS E OS PROCEDIMENTOS: O motivo que nos

leva a estudar o tema é a importância dos vínculos afetivos, a pesquisa se

justifica por compreender que faz-se necessário refletir sobre o amor em

família, o esmero de conviver no cotidiano, pensar nos sentimentos imersos no

mundo privado da relação fraternal. Nas relações interpessoais entre irmãos

percebemos como são delineadas as experiências vividas a partir da diversidade

desse lugar. O objetivo desse projeto é Pesquisar como a arteterapia contribui

para identificar a construção da relação fraternal e a vinculação afetiva entre

irmãos. O(os) procedimento(s) de coleta de dados será da seguinte forma:

Estudo de caso

• Grupo de três irmãs, sendo duas gêmeas de quatro anos e a terceira de

cinco anos. As três viviam em instituição de abrigo antes da adoção.

• Será oito encontros de 2h (duas), um encontro semanal; Sessões de

arteterapia: Jogos, desenhos e pintura espontânea, representações,

brincadeiras e Dinâmica conversacional.

DESCONFORTOS E RISCOS E BENEFÍCIOS: Não há riscos, porém desejamos que

os benefícios surjam do processo da intervenção arteterapêutica.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE

SIGILO: Você será esclarecido(a) sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar.

Você é livre para recusar-se a autorizar da participação de suas dependentes legal,

retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. A sua

participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar qualquer

penalidade ou perda de benefícios.

O(s) pesquisador(es) irá(ão) tratar a sua identidade com padrões profissionais de

sigilo. As participantes não serão identificados(as) em nenhuma publicação que possa

resultar deste estudo. Uma cópia deste consentimento informado será arquivada pelo

pesquisador e outra será fornecida a você.

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CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR

EVENTUAIS DANOS: A participação no estudo não acarretará custos para você e não

será disponível nenhuma compensação financeira adicional.

DECLARAÇÃO DO RESPONSÁVEL PELAS PARTICIPANTES: Eu,

_____________________________________________________________________ fui

informada (o) dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas

dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e motivar minha

decisão se assim o desejar.

Declaro que concordo com o estudo de caso. Recebi uma cópia deste termo de consentimento

livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Nome Assinatura do Responsável legal

Data

Nome Assinatura do Pesquisador

Data

Nome Assinatura da Testemunha

Data

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