trabalho e fraternidade: um constitucionalismo...

20
1 TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL PARA O DIREITO DO TRABALHO Juliana Wülfing 1 Lilian Patrícia Casagrande 2 SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Trabalho: da exploração do homem pelo homem à proteção Constitucional; 3 Constitucionalismo: das origens medievais à crise da modernidade; 4 Constitucionalismo fraternal e flexibilização de normas de Direito do Trabalho; 5 Considerações Finais; Referências. RESUMO O presente artigo tem como tema o trabalho e a fraternidade, sendo seu objetivo demonstrar que é possível a humanização do direito do trabalho a partir da aplicação do Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea de superação da crise do Estado Moderno. A evolução dos modelos de Estado é descrita a partir da perspectiva do Constitucionalismo, entendido este como o movimento social, político, jurídico e ideológico, com vistas à limitação de poderes dos órgãos governantes e à garantia de direitos fundamentais. Assim, diante dos riscos de uma sociedade global, capitalista e maxificadora é necessário repensar como efetivar os direitos fundamentais, em especial, garantir a relação fraterna no ambiente de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: trabalho; direito; constitucionalismo e fraternidade. 1 INTRODUÇÃO É possível que trabalho e fraternidade andem juntos? É viável desenvolver uma sociedade onde as relações de trabalho são desenvolvidas sob as bases da fraternidade? O trabalho, em sua origem foi tido como um castigo, uma atividade para os não cidadãos, para 1 Doutoranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, sob a orientação da Profª. Drª. Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira, Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS, Professora Assistente do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: [email protected] 2 Mestranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, sob a orientação da Profª. Drª. Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira. E-mail: [email protected].

Upload: dokhue

Post on 14-Dec-2018

231 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

1

TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL

PARA O DIREITO DO TRABALHO

Juliana Wülfing1

Lilian Patrícia Casagrande2

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Trabalho: da exploração do homem pelo homem à proteção

Constitucional; 3 Constitucionalismo: das origens medievais à crise da modernidade; 4

Constitucionalismo fraternal e flexibilização de normas de Direito do Trabalho; 5

Considerações Finais; Referências.

RESUMO

O presente artigo tem como tema o trabalho e a fraternidade, sendo seu objetivo demonstrar

que é possível a humanização do direito do trabalho a partir da aplicação do

Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea de superação da crise

do Estado Moderno. A evolução dos modelos de Estado é descrita a partir da perspectiva do

Constitucionalismo, entendido este como o movimento social, político, jurídico e ideológico,

com vistas à limitação de poderes dos órgãos governantes e à garantia de direitos

fundamentais. Assim, diante dos riscos de uma sociedade global, capitalista e maxificadora é

necessário repensar como efetivar os direitos fundamentais, em especial, garantir a relação

fraterna no ambiente de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: trabalho; direito; constitucionalismo e fraternidade.

1 INTRODUÇÃO

É possível que trabalho e fraternidade andem juntos? É viável desenvolver uma

sociedade onde as relações de trabalho são desenvolvidas sob as bases da fraternidade? O

trabalho, em sua origem foi tido como um castigo, uma atividade para os não cidadãos, para

1 Doutoranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, sob

a orientação da Profª. Drª. Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira, Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS, Professora Assistente do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: [email protected] 2 Mestranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, sob a orientação da Profª. Drª. Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira. E-mail: [email protected].

Page 2: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

2

aqueles que não eram considerados “pessoas”. Com a evolução da sociedade, com o

surgimento do capitalismo, aquilo que era indigno – o trabalho – passou a ser honrado. Desde

então, aqueles que não trabalham são denominados por expressões pejorativas como:

“preguiçosos”.

Muitos dos conceitos, da moral e dos costumes foram alterados ao longo do

desenvolvimento da humanidade. Com o trabalho não foi diferente. Mas o fato do homem

trabalhador, ter melhorado sua posição social, ter se tornado digno de ser cidadão não lhe deu

a proteção à saúde, à segurança e à qualidade de vida. Estas tiveram que ser buscadas em

lutas, reivindicações, greves até a sua regulamentação, primeiro em leis esparsas,

acordos/convenções, para em um segundo momento serem afiançadas as garantias

constitucionais.

O Constitucionalismo surgiu – em um primeiro momento – como uma forma de

limitar o poder absoluto do Estado e em um segundo, em relação ao direito do trabalho, como

uma Carta de intenções para a manutenção de um mínimo de dignidade civilizatória à pessoa

do trabalhador.

Porém, com a expansão das formas de organização produtiva, com os novos

meios de comunicação e tecnologias, com o excesso de mão-de-obra e a crise mundial

surgiram formas de flexibilização e precarização das relações de trabalho que visam burlar as

normas constitucionais, colocando o trabalhador, necessitado do trabalho e do salário, para

além da proteção Constitucional.

Assim, faz-se necessário um repensar, um reformular destas relações, para buscar

no Constitucionalismo Fraternal a concretização dos direitos fraternais que expandem o

conceito de dignidade da pessoa humana, para difundir a compreensão do que significa

humanismo.

Dessa forma, para o estudo do tema proposto, o presente trabalho foi dividido em

três partes. A primeira tratou da evolução do trabalho e de sua constitucionalização. A

segunda do Constitucionalismo desde as suas origens no medievo até a crise da modernidade.

E, a terceira e última, estudou o Constitucionalismo Fraternal e a flexibilização do Direito do

Trabalho.

Para a materialização do presente trabalho, utilizou-se do método monográfico,

mediante a realização de pesquisa bibliográfica.

Page 3: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

3

2 TRABALHO: DA EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM À PROTEÇÃO

CONSTITUCIONAL

A história do trabalho3 confunde-se com a história das formas de exploração do

trabalho humano que teve iniciou com a escravidão, transitou pela servidão e pelas

corporações de ofício, até chegar à Revolução Industrial, quando, então, a sociedade passou a

enxergá-lo como uma questão social a ser protegida e regulamentada. Pois,

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse

sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante

relação de poder que sua dinâmica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no

estabelecimento e na empresa.

(...)

Porém, o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado

com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou

controles para esse sistema, conferindo-lhe certa medida de civilidade, inclusive

buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela

economia4.

O trabalho, sobre o enfoque do social, na sua origem, ficou marcado como uma

atividade que era desenvolvida de forma negativa, pejorativa. O labor era visto como

sofrimento, como a realização de pesados encargos, como uma tarefa indigna do cidadão, de

desrespeitos aos valores fraternos. Com a evolução das lutas de classes e a regulamentação do

trabalho pelos Estados, o labor deixou de ser uma vergonha, uma atividade de escravos, de

homens indignos e atingiu a concepção de verdadeiro pilar da noção de cidadania e de

dignidade da pessoa humana, cuja valorização social constitui fundamento da própria

atividade econômica no bojo da qual ele se desenvolveu.

Assim, aliado ao contexto histórico da doutrina social da Igreja Católica, da

Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, bem como, da reação à Revolução Industrial,

- nasceu o direito do trabalho pela mobilização dos operários que postulavam melhores

condições de vida e labor, bem como, exigiam um tratamento fraterno por parte de seus

empregadores, como lembra Amauri Mascaro do Nascimento:

O direito do trabalho surgiu como consequência da questão social que foi precedida

da Revolução Industrial do século XVIII e da reação humanista que se propôs a

garantir ou preservar a dignidade do ser humano ocupado no trabalho das indústrias,

3 “Toda energia humana, física ou intelectual, empregada com um fim produtivo, constitui trabalho. Mesmo na mais remota antiguidade, o homem sempre trabalhou: na fase inicial da pré-história, com o objetivo de alimentar-se, defender-se e abrigar-se do frio e das intempéries; no período paleolítico, ele produziu lanças, machados e outros instrumentos, com os quais ampliou sua capacidade de defesa e sua instintiva agressividade”. SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Renovar, 2004, p. 03. 4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 81.

Page 4: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

4

que, com o desenvolvimento da ciência, deram nova fisionomia ao processo de

produção de bens na Europa e em outros continentes5.

Com a expansão da indústria e a mercantilização do trabalho, o direito civil, com

seus fundamentos liberais, não mais atendia aos anseios da classe trabalhadora, oprimida

diante da explosão do capitalismo e com ele, da indústria. Em face do predomínio do interesse

econômico capitalista e do aperfeiçoamento dos maquinários, foi possível a produção em

massa de produtos e serviços. Já não se exigia o aprendizado de um ofício ou profissão aos

trabalhadores. Qualquer operário, independente de idade, sexo, estado civil, profissão,

condições de saúde; estava apto para exercer uma atividade produtiva, sendo ínfimo seu poder

de barganha frente ao poderio econômico que contava com um excedente de indivíduos em

busca de uma colocação no mercado.

Os governantes percebendo a possibilidade de uma crise social6, bem como,

atendendo aos anseios dos industriais que exigiam que o Estado lhes proporcionasse

segurança e dos trabalhadores que pressionavam pela garantia de direitos mínimos, os

governantes dando-se conta da oportunidade para firmar e aumentar seu poderio,

desenvolveram um sistema legislativo protecionista e intervencionista, em que o Estado

deixou sua apatia natural, sua inércia e adotou um papel paternalista e impositivo, passando a

regulamentar as relações trabalhistas com mãos de ferro7.

Assim, os Estados, buscando solucionar a questão social, muito mais por uma

decisão política do que ética ou fraternal, resolveram impor limites a liberdade das partes,

proteger o hipossuficiente frente ao poderio econômico, buscar o equilíbrio das relações,

garantindo aos trabalhadores a sua dignidade como pessoas integrante de um Estado. É nesse

período que floresce o chamado “constitucionalismo social”, significando a inclusão, nas

Constituições, de artigos que tinham como intuito defender os interesses sociais e proteger os

direitos trabalhistas8.

A proteção aos direitos sociais, constitucionalmente positivados, foi apresentado,

de forma inovadora pela Constituição mexicana, de 1917 e posteriormente pela Constituição

da Alemanha, mais conhecida como Constituição de Weimer, de 1919.

5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 04. 6 “Fruto dessa superexploração no trabalho, começam a aparecer movimentos de associação entre os vários trabalhadores, como forma de defesa contra a ação do empregador. É importante notar que a concentração dos operários num só local de trabalho, que dá origem a esta mesma exploração, é que cria as condições para esse associacionismo”. MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 09. 7 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: GEN, 2012, p. 37. 8 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2006, p. 8.

Page 5: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

5

Já em 1919, a assinatura do Tratado de Versalhes, colocou fim a Primeira Guerra

Mundial, bem como, criou a Organização Internacional do Trabalho - OIT, como organismo

que deveria ocupar-se com a proteção das relações entre empregados e empregadores,

buscando o equilíbrio e a fraternidade do convívio.

A Carta Del Lavoro italiana, de 1917, determinou a criação do sistema

corporativo, que em um segundo momento foi adotado por países como Portugal, Espanha e

Brasil. O corporativismo previa um Estado forte, interventor, que promovesse o interesse

nacional através da organização da economia e da sociedade. Esse sistema gerou o colapso

dos sindicatos que passaram a exercer funções administrativas, como se fossem um braço do

Estado, perdendo, assim, sua capacidade de luta pelos direitos dos trabalhadores.

Em relação ao Brasil, este teve seu desenvolvimento industrial tardio em

comparação à Europa. Marcado pelo colonialismo, por uma sociedade escravocrata e agrícola

na sua origem, quando da primeira Constituição da República do Brasil, de 1824, seguindo o

ideário liberal, aboliu as corporações de ofício, para que houvesse liberdade de exercício de

profissões, sendo que o trabalho escravo somente foi abolido em 1888, com o advento da Lei

Áurea. Já a Constituição de 1891, apenas reconheceu a liberdade de associação e ainda de

forma genérica.

O crescente surgimento de leis protecionistas, bem como, a criação da OIT -na

Europa - influenciaram o surgimento de normas trabalhistas no Brasil. Da mesma forma, os

imigrantes, conhecedores da legislação trabalhista européia, ao chegarem ao Brasil, deram

origem aos maiores movimentos operários da época.

Em 1923, o Decreto 4.682/23, também conhecido como Lei Eloy Chaves, criou a

caixa de aposentadoria e pensões para os ferroviários, bem como, garantiu estabilidade no

emprego aos trabalhadores da referida classe operária, que completassem dez anos no mesmo

emprego.

Com a eleição para Presidente de Getúlio Vargas, primeiro representante da

indústria brasileira a ascender ao poder, este teve como missão apaziguar os ânimos dos

trabalhadores e industriais por meio de um governo intervencionista e corporativista.

A partir do governo de Getúlio, o Brasil saiu da apatia legislativa para a quase

totalidade legislativa, bem como, para a “burocratização” sindical.

Influenciada pelo constitucionalismo social europeu, a Constituição de 1934 é a

primeira Constituição brasileira a ter normas específicas de Direito do Trabalho.

Page 6: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

6

A Constituição de 1937, inspirada no corporativismo da Carta Del Lavouro,

expressa o intervencionismo do Estado Brasileiro. Nesse documento foi previsto o sindicato

único vinculado ao Estado e a proibição da greve por ser entendida como um recurso nocivo à

economia e prejudicial à sociedade – representando um grande retrocesso.

A partir de 1º de maio de 1943, por meio do Decreto-Lei n. 5.452, entra em vigor

a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que teve como objetivo sistematizar a legislação

trabalhista até então existente, reunindo-a em um único documento, facilitando assim, o

manuseio e o conhecimento do arcabouço jurídico9.

A Constituição de 1946 estabeleceu o direito de greve, rompendo, de certa forma,

com o corporativismo da Carta de 1937 e passou a conter um elenco superior de direitos

sociais. Enquanto isso, a Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas das

Constituições anteriores e passou a prever o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Já a Constituição de 1988, trouxe progresso legislativo em âmbito sindical, porém,

ficou o legislador a meio caminho da efetiva liberdade e da autonomia sindical à luz da

Convenção 87 da OIT. Mesmo assim, como afirma Maurício Godinho Delgado:

[...] a Constituição de 5.10.1988 emergiu, também, como a mais significativa Carta

de Direito já escrita na história jurídico-política do país. Não se conduziu, porém, a

nova Constituição pela matriz individualista preponderante em outras atas

Constitucionais não autocráticas (como a de 1946) entre liberdade e igualdade,

direitos individuais e direitos coletivos ou sociais. A nova constituição firmou largo

espectro de direitos individuais, cotejados a uma visão e normatização que não

perdem a relevância do nível social e coletivo em que grande parte das questões

individuais deve ser proposta. Neste contexto é que ganhou coerência a inscrição

que produziu de diversificado painel de direitos sociotrabalhistas, ampliando

garantias já existentes na ordem jurídica, a par de criar novas espectro normativo

dominante10.

Assim, a Constituição de 1988, produziu um raio de renovação à cultura jurídica

brasileira, ao constitucionalizar o direito do trabalho, com sua especial busca pela efetividade

e celeridade da justiça, influenciando os demais ramos do direito para evoluírem e para

modificarem-se com o objetivo de melhor atender ao cidadão.

Mas em termos globais, o direito do trabalho, a partir de 1970 passou a ser visto

sob uma nova perspectiva, em especial, com a crise do petróleo que ocorreu neste período,

refletindo de forma considerável no mercado mundial - afetando as empresas e as relações

trabalhistas. Amauri Mascaro Nascimento lembra que:

9 “A sistematização e consolidação das leis num único texto (CLT) integrou os trabalhadores no círculo de direitos mínimos e fundamentais para uma sobrevivência digna. Além disso, proporcionou o conhecimento global dos direitos trabalhistas por todos os interessados, principalmente empregados e empregadores”. BOMFIM Cassar, Vólia. Direito do trabalho. Niterói: Editora Impetud, 2011, p. 20-21. 10 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 125-126.

Page 7: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

7

A economia mundial entra em recesso, a Organização dos Países exportadores de

Petróleo (OPEP) triplica o preço do barril de petróleo por motivos de política

internacional, e o mundo passa por certo declínio.

Os empregos diminuem, crescem outras formas de trabalho sem vínculo de

emprego, as empresas passam a produzir mais com pouca mão de obra, a

informática e a robótica trazem produtividade crescente e trabalho decrescente.

A legislação é flexibilizada e surge novas formas de contratação. Apesar da

desaceleração da economia, as mulheres ingressam em larga escala no mercado de

trabalho. As jornadas de trabalho e os salários são reduzidos como alternativa para

as dispensas em massa. Elevam-se os níveis de terceirização11.

Assim, o direito do trabalho a partir de então passou por uma profunda

transformação. Apesar de manter sua característica de leis imperativas e cogentes ao mesmo

tempo surgiram outras formas de relacionamento entre empregados e empregadores que

buscaram flexibilizar12 as relações de trabalho.

Os sindicatos, muito mais preocupados com a manutenção do emprego do que

com a luta por melhores condições de trabalho e retribuição aos trabalhadores, tiveram seu

papel diminuído e muitas vezes, desprestigiado pela própria categoria.

As empresas pressionadas pelo mercado, pela concorrência global, buscaram

reduzir custos diminuindo a remuneração, as condições de trabalho, de saúde e a segurança do

trabalhador, perdendo-se de vista até mesmo a garantia dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais do

trabalho13.

Com receio do desemprego, os trabalhadores começam a apoiar falsos discursos

que têm por objetivo diminuir as garantias, facilitar a demissão e manter o emprego, tais como

o da jornada reduzida para aumentar as vagas de trabalho; o contrato por prazo determinado; o

tele-trabalho; os vínculos cooperativos/autônomos/eventual; a flexibilização ou

desregulamentação dos direitos trabalhistas. Assim, pensa-se em formas alternativas de

trabalho/jornada/contratos para reduzir os custos das empresas e com isso, a permanência do

retorno financeiro ao capitalista e o salário do trabalhador14.

Os Estados, em meio ao loby do empresariado, da crise mundial, da globalização

econômica, entre outras pressões internas e externas tem diminuído o ímpeto para criar leis

protecionistas, que impeçam o poderio econômico de impor as regras do jogo. Assim, com o

enfraquecimento dos Estados, dos trabalhadores e dos sindicatos dos operários, na

11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23-24. 12 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, p. 67 e seguintes. 13 CF, art. 1º, inc. II, III e IV. 14 NASCIMENTO, 2011, p. 25.

Page 8: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

8

contemporaneidade, o discurso capitalista prevalecente tem sido o da transferência da

regulamentação das relações de trabalho para as negociações coletivas.

Mesmo assim, acredita-se que é possível reagir e encontrar na Lei Maior uma

forma de proteger os trabalhadores da voracidade do mercado, para quem sabe, humanizá-lo

através do Constitucionalismo Fraterno. Para construir este argumento, faz-se necessário o

estudo do próprio Constitucionalismo.

3 CONSTITUCIONALISMO: DAS ORIGENS MEDIEVAIS À CRISE DA

MODERNIDADE

O Constitucionalismo pode se entendido como fenômeno social, político, jurídico

e até mesmo ideológico, com vistas a limitar o poder arbitrário do Estado, a partir do qual

emergem as Constituições nacionais.

No Constitucionalismo Antigo a Constituição não era vista como resultado

jurídico de acontecimentos somente políticos. O fator político não era separado do social, de

maneira que a revolução não se reduzia ao aspecto político, mas era tida como uma

reconstrução social. Já no Constitucionalismo Moderno a ideia de Constituição é reformulada,

compreendida no sentido mais amplo da evolução das ideias políticas que se desenvolvia

desde fins da Idade Média. Essa evolução iniciou-se com o debate acerca da limitação dos

poderes em conflito, ou seja, o poder papal e o poder real, culminando no debate das

limitações de poder em geral. Assim, o Constitucionalismo Moderno apresentava-se como

técnica de controle dos governantes, não apenas em sentido ético, mas especificamente em

sentido jurídico, pois estipulava sanções a infrações constitucionais15.

No fim da Alta Idade Média, formavam-se os primeiros Estados Nacionais,

consolidando-se os regimes absolutistas. Nesses regimes todo o poder encontrava-se nas mãos

do soberano e eram caracterizados pela extrema hierarquização e forte rigidez, onde os

indivíduos teriam seu destino preestabelecido a partir do posicionamento na estrutura social e

marcadamente estática16. Mas, diversos fatores, como o desenvolvimento do modo de

produção capitalista, a revolução científica, a crise da legitimação do sistema feudal, que, de

certo modo - continuou existindo paralelamente aos regimes absolutistas -, a ascensão da

classe burguesa, o desenvolvimento do comércio e o reflorescimento das cidades,

15 MCILWAIN, Charles Howard. Constitucionalismo Ancient & Modern. Cornell University Press: ITHACA, New York, 1947 apud SELLA, Gustavo Andrei Góes. Estado Ecológico de Direito: por um constitucionalismo fraterno. 2009. 117 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, Curitiba, 2006. 16ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação Constitucional e Garantias Institucionais dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 83-85.

Page 9: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

9

contribuíram para que houvesse um aumento da complexidade na sociedade como um todo,

demandando novas formas de organização social, política e econômica, ainda mais

complexas17.

Assim, diante dessa complexidade da sociedade, o indivíduo, de peça insignificante,

quando comparado à ordem divina, natural e social, passa a ser entendido como centro de toda

a estrutura organizativa da sociedade, surgindo, então, a partir da doutrina do Liberalismo18,

a primeira fase do Constitucionalismo Moderno: o Constitucionalismo Liberal.

A formação do Constitucionalismo Liberal está atrelada a não intervenção estatal e

valorização da liberdade individual, cuja preocupação era a de garantir a autonomia e as

liberdades individuais na sua máxima extensão. A defesa de liberdade individual, presente na

teoria do individualismo dá-se através da noção de direitos fundamentais do indivíduo frente

ao Estado; tendo os indivíduos direitos dos quais não podem ser alijados, surge para o Estado

um limite de atuação. A fim de garantir essa atuação limitada, divide-se o poder do Estado,

estabelecendo regras de controle recíproco.19.

A positivação constitucional dos direitos individuais e das correspondentes limitações

ao poder estatal condicionaram também a liberalização do comércio, objetivo do liberalismo

econômico. Assim, o pensamento liberal, além de uma doutrina política, apresentou-se

também como uma doutrina econômica, igualmente baseada no individualismo, visualizando

a sociedade como um aglomerado de pessoas que, para satisfazer suas vontades, entravam em

concorrência.

A ordem econômica dispensava a interferência do Estado e pautava-se na livre

iniciativa e na concorrência e a ideia de se ter um número indefinido de participantes dessa

concorrência era importante para impedir a concentração de poder econômico e, portanto, o

domínio do mercado por um ou alguns de seus participantes20. Essa ordem econômica

evidenciava-se a partir das Constituições e dos Códigos. Nas Constituições, através da

17 GUIMARÃES, Guilherme Cintra. O Direito Administrativo e a Reforma do Aparelho do Estado: uma Visão Autopoiética. In: O Novo Direito Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 60. 18 Entendido como doutrina política e também econômica, propondo-se a redefinir o papel do Estado e suas relações com a sociedade e o mercado. Pode ser definido como um conjunto de princípios e teorias políticas, que apresenta como ponto principal a defesa da liberdade política e econômica. Neste sentido, os liberais são contrários ao forte controle do Estado na economia e na vida das pessoas. O pensamento liberal teve sua origem no século XVII, através dos trabalhos sobre política publicados pelo filósofo inglês John Locke. Já no século XVIII, o liberalismo econômico ganhou força com as ideias defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith. Para aprofundamento v. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1985 e LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano.e Ed. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 19 SELLA, Gustavo Andrei Góes. Estado Ecológico de Direito: por um constitucionalismo fraterno. 2009. 117 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, Curitiba, 2006. 20 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra: Centelha, 1978, p. 43.

Page 10: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

10

afirmação da liberdade e da propriedade21 como direitos fundamentais inerentes ao indivíduo;

nos Códigos, através da delimitação jurídica da propriedade: titularidade, poderes, formas de

aquisição e transferência.

A economia era assunto privado, não devendo nela interferir a esfera pública. Ao

Estado limitava-se a função de defesa da sociedade das ameaças ou agressões e ao exercício

da política sobre as prestações que intentem por em causa a sanidade do corpo social22. Mas

isso não significava ausência absoluta de serviços prestados pelo Estado, sendo alguns

considerados obrigatórios. Assim, caberia ao poder público garantir condições mínimas de

produtividade, que abrangiam desde a infraestrutura até a reprodução das formas de trabalho,

via ensino e pesquisa, passando também pela proteção aduaneira do mercado interno e a

garantia de sua estabilidade, via política monetária23.

Essa atuação do Estado revela que a caracterização do Estado Liberal em termos de

“não intervencionismo” assume feições ideológicas pouco condizente com a descrição da

realidade, sendo mais preciso falar em Estado limitado (poder político limitado em favor do

poder econômico) do que propriamente falar em Estado não intervencionista. Assim, a opção

ideológica de não intervenção do Estado aumentou as desigualdades sociais alimentadas pelo

liberalismo econômico. O direito à igualdade era assegurado apenas do ponto de vista formal,

aumentando a revolta da sociedade.

Modelos previstos pelos teóricos liberais que não vieram a se efetivar por

completo, tanto no campo político, quanto no campo econômico ou social, são apontados

como fatores importantes para a crise do Constitucionalismo Liberal. No entanto, a grande

crítica viria do fato de que a maior parte dos benefícios do Estado Liberal ficou restrito a uma

pequena parcela da população. O direito do indivíduo traçar seu próprio destino, acréscimo

inigualável advindo da filosofia liberal, não foi capaz de impedir, contudo, o desequilíbrio

intenso e a exploração brutal sobre o homem24.

O acentuado processo de industrialização gerou a formação de um “exército” de

mão-de-obra, trazendo dificuldades que frustravam o ideal do liberalismo econômico, dentre

elas: i) a oferta excessiva de mão-de-obra desequilibrava a concorrência, colocando os

trabalhadores em posição subalterna frente aos empresários; ii) o surgimento desse “exército”

de mão-de-obra também era consequência da formação de sociedades empresárias em forma

21 Entendida a propriedade como privada, especialmente dos meios de produção, como “expressão jurídica primeira do sistema capitalista”. Cf. MOREIRA, 1978, p. 28. 22 Idem, p. 40. 23 SELLA, 2006, p. 48. 24 VALENTE, Adriano Chaves. Estado de Direito: anotações sobre liberdade e tutela. In: O Novo Direito Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

Page 11: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

11

de companhias, constituindo formas monopolistas ou quase-monopolistas, contrariando,

assim, o pressuposto básico de concorrentes ilimitados. Essas grandes corporações

(encontradas já no século XIX) estabeleceriam as regras de mercado entre si, chegando a

estabelecer acordos de partilha, forma embrionária dos cartéis do século seguinte25.

O problema do excesso de mão-de-obra implicava também na impossibilidade de

sustento das famílias:

[...] A situação de miséria dos trabalhadores sem emprego e suas famílias levou à

formação de associações de auxílio, pelos próprios trabalhadores, que serviriam de

base à formação dos sindicatos. A organização de greves e manifestações públicas

sofreria dura repressão do Estado, indicando um limite claro ao absenteísmo que se

lhe atribuía. A pressão exercida pelos trabalhadores provocou a extensão do

sufrágio, possibilitando a eleição de representantes classistas e a formação de

partidos de trabalhadores26.

Esses fenômenos receberam respostas pontuais: Inglaterra e França seriam os

primeiros a aceitar os sindicatos, processo que se estenderia pela Europa até o início da

Primeira Guerra Mundial; os Estados Unidos seriam os primeiros a elaborar a legislação

antitruste (Clayton Act, de 1896); as sociedades anônimas na Inglaterra seriam reguladas em

1844 (Joint Stock Compnies Act); de 1883 a 1889 a Alemanha editaria as primeiras leis de

previdência e assistência social27.

Tais medidas não surtiram o efeito esperado e isso somado à Primeira Guerra

Mundial, provocou desequilíbrios na produção como um todo, ocasionando como

consequência, crescimento da intervenção do Estado na economia, apoiado pelos

trabalhadores que exigiam melhores condições de trabalho. Diante disso, o Liberalismo

Econômico entra em crise, surgindo a necessidade de um ente político que garantisse

igualdade material, direitos sociais, econômicos e culturais, devastados na guerra. Tal

contexto ensejaria a fase seguinte do Constitucionalismo Moderno: o Constitucionalismo

Social.

A grande inovação do Constitucionalismo Social seria o reconhecimento dos

“direitos sociais”, prestando-se tal expressão tanto à designação de direitos próprios a certos

grupos como à designação de direitos de prestações em face do Estado.

Como característica marcante dessa fase do constitucionalismo pode-se referir à

inclusão dos direitos dos trabalhadores e do estabelecimento de uma ordem econômica social.

25 SELLA, 2006, p. 49. 26 Idem, p. 49. 27 MOREIRA, 1978, p. 81-86 apud SELLA, 2006, p.50.

Page 12: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

12

Assim, as Constituições do século XX conteriam matérias sobre o direito do trabalho ou sobre

as condições mínimas de trabalho28.

Surge, então, o Estado Social, cujas primeiras experiências ocorreram após a Crise de

1929 (Grande Depressão), nos Estados Unidos e na Suécia e de acordo com o país onde foi

implementado, trousse variações tipológicas significativas29:

Nas experiências norte-americana e sueca, pode-se vislumbrar essa diferenciação:

enquanto o New Deal norte-americano caracterizou-se por investimentos públicos

voltados ao emprego, mas sem contar com um sistema de previdência pública; o

compromisso sueco trataria de ampliar os direitos sociais, inclusive com a criação de

uma rede de proteção social.[...]30.

Assim, de direitos de abstenção do Estado passou-se a direitos à atuação do

Estado, gerando uma demanda por serviços públicos. A intervenção do Estado visava

assegurar o crescimento econômico, com regulação estatal da concorrência, além de ter o

Estado a incumbência de desativar o conflito social, promovendo políticas de bem-estar e

inclusão social31.

O Estado dispunha, então, desde a edição de ordens diretas aos particulares, até a

política fiscal para influenciar no comportamento dos agentes econômicos. Quando a indução

dos comportamentos revelava-se insuficiente, o Estado atuava diretamente, criando empresas

a fim de regular a demanda, os preços ou aferir lucros. Explorava desde serviços

fundamentais, cuja prestação não era compensadora para iniciativa privada (energia elétrica,

saneamento, etc.) até setores considerados tipicamente privados (bancos, transporte aéreo,

etc). Outro mecanismo utilizado de forma recorrente pelo Estado foi a manipulação de

finanças públicas, fosse através de benefícios fiscais, fosse pela concessão de incentivos

diretos – subvenções, linhas de crédito ou empréstimos a juros reduzidos32.

Assim, a substituição do modelo liberal pelo modelo social acarretou um

crescimento desenfreado do Estado, bem como, das áreas de intervenção deste na sociedade, o

que resultou na decadência deste modelo estatal. Sua decadência foi composta basicamente

por duas dimensões: crise fiscal, decorrente do grande aumento das atribuições estatais, o que

gerou um endividamento para os cofres públicos e a hiperjuridicização da via social, pois o

28 A Constituição Mexicana de 1917, por exemplo, trazia a matéria relativa a direitos trabalhistas de forma esparsa, já a Constituição Alemã de Weimar, de 1919, trazia tal matéria em capítulo próprio. 29 Cf. MOREIRA, 1978, p. 117-118, em relação a essas variações, distingue-se Estado Providência de Estado de Bem-estar Social. O primeiro comprometido com a prestação de serviços permanentes de saúde, ensino e assistência social; o segundo, operando mecanismos de redistribuição de renda e investimentos sociais. A ideia de Estado Providência estaria ligada à ideia de mínimo vital e a ideia de Estado de Bem-estar Social estaria vinculada à ideia de justiça social. 30 SANCHÉZ, Jordi. El Estado de bienestar, p. 244 apud SELLA, 2006, p. 54 31Idem,p. 55. 32 SELLA, 2006, p. 56-57.

Page 13: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

13

direito passou a ser utilizado como instrumento normatizador da intervenção estatal na

sociedade, regulando as mais diversas áreas da realidade social, o que redundou na perda de

coerência e eficácia por parte do ordenamento jurídico33.

A crise político-institucional do Estado reflete-se no Constitucionalismo, ou, no

uso que se faz dele. As instituições do Estado Social revelaram-se insuficientes na

conformação do poder e da vida social, pois as mudanças aconteciam rapidamente e o Estado

não conseguia acompanhar. Essa deficiência traduziu ora na sucessão de Constituições, ora no

seu retalhamento, por processos de reforma ou pelo recurso das emendas. Com isso, as

Constituições perderam seu valor simbólico, reduzindo-se à mera formalidade34.

O período após o fim da Segunda Guerra Mundial, conhecido como “trinta anos

gloriosos” marca uma nova fase de expansão do capitalismo, que passaria de organizado para

globalizado, levando a modernização para outros países do globo, além dos desenvolvidos.

Período esse que apresentaria novas concepções cultural, social e política.

O surgimento da tecnologia da informação e seu rápido desenvolvimento levaram

alguns teóricos liberais a afirmar a emergência de uma “sociedade da informação”, a qual,

segundo Kumar35, é resultante de um processo histórico, significando a intensificação das

estratégias de produção consagradas pela Modernidade. A linha de montagem se expandiu,

novas formas de organização produtiva surgiram, houve um crescimento econômico

proveniente da descentralização, da aplicação da tecnologia de ponta e flexibilização, que

trouxe consigo a precarização das relações de trabalho. O sindicalismo passa a lutar não por

melhores condições de emprego, mas por qualquer emprego.

Assim, a “sociedade de classes” dá lugar à “sociedade de riscos”. O conceito de

risco passa a ocupar papel central na teoria social a partir da contribuição de dois importantes

teóricos sociais: Urich Beck36 e Anthony Giddens37. O conceito de sociedade de risco

permitiria a compreensão da modernização reflexiva, pois, como afirma Beck:

33 GUIMARÃES, Guilherme Cintra. O Direito Administrativo e a Reforma do Aparelho do Estado: uma Visão Autopoiética. In: O Novo Direito Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p.62. 34 MIRANDA, J. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 50. 35 Krishan KUMAR. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna. Novas Teorias sobre o Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 30. 36 Utiliza o termo “Segunda Modernidade” ou “Modernização reflexiva” , que pressupõe a configuração de uma nova sociedade, que tende a dissolver os contornos da sociedade industrial: “por isso supõe-se que modernização reflexiva signifique que uma mudança da sociedade industrial – ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início de uma modernização normal, autônoma, e com uma ordem política e econômica inalterada e intacta – implica a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminho para outra modernidade”. GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp Editora, 1997, p. 13. 37 Ao período pós-modernidade utiliza o conceito “Alta Modernidade”.

Page 14: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

14

[...] qualquer um que conceba a modernização como um processo de inovação

autônoma deve contar até mesmo com a obsolescência da sociedade industrial. O

outro lado dessa obsolescência é a emergência da sociedade de risco. Este conceito

designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos

sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das

instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial38.

Portanto, diante dos riscos atuais de uma sociedade globalizada, impõe-se pensar,

como as Constituições protegem os direitos sociais, em especial os direitos trabalhistas.

Diante de tantas mudanças ocorridas na sociedade contemporânea, onde prevalece o

capitalismo, que cada vez mais reflete consequências no direito do trabalho, como o

estabelecimento de técnicas de gestão organizacional e tecnonológica, centradas na chamada

“flexibilização produtiva”, visando a redução de custos e o aumento da produtividade para

ganhar competitividade nos mercados mundiais, é possível pensar em um Constitucionalismo

Fraternal?

4 CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL E FLEXIBILIZAÇÃO DE NORMAS DE

DIREITO DO TRABALHO

Enquanto no Constitucionalismo Liberal, a partir dos ideários liberais, a inércia do

Estado é condição para a concretização da liberdade, no Constitucionalismo Social a ação

estatal é utilizada com o fim de concretizar a igualdade. Princípios indissociáveis, de onde

emerge o Constitucionalismo Contemporâneo, isto é, o Constitucionalismo Fraternal.

A concepção de Constitucionalismo Fraternal39, não significa que este visa

eliminar as conquistas dos valores da igualdade e da liberdade, ao contrário, sem negá-las,

expressa a necessidade de concretização da fraternidade, como define Carlos Ayres Britto40:

Efetivamente, se considerarmos a evolução histórica do Constitucionalismo,

podemos facilmente ajuizar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social.

Chegando, nos dias presentes, à etapa fraternal da sua existência. Desde que

entendamos por Constitucionalismo Fraternal esta fase em que as Constituições

incorporam às franquias liberais e sociais de cada povo soberano a dimensão da

Fraternidade; isto é, a dimensão das ações estatais afirmativas, que são atividades

assecuratórias da abertura de oportunidades para os segmentos sociais

historicamente desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes físicos

e as mulheres (para além, portanto, da mera proibição de preconceitos). De par com

isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do

valor do desenvolvimento, do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da

democracia e até certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais. Tudo na

perspectiva de se fazer da interação humana uma verdadeira comunidade; isto é,

38GIDDENS, 1997, p. 15. 39 Também definido como constitucionalismo autruístico. Nesse sentido, a obra de Michele Carducci, Por um Constitucionalismo Altruísta, Tradução de Sandra Regina Martini Vial et alli, Porto Alegre: Livraria do Advogado. 40 O Ministro do STF vem defendendo, com pioneirismo, no Brasil, o Constitucionalismo Fraternal.

Page 15: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

15

uma comunhão de vida, pela consciência de que, estando todos em um mesmo

barco, não têm como escapar da mesma sorte ou destino histórico41.

Nesse contexto, a fraternidade assume seu papel de valor supremo, como já

enunciado no preâmbulo da nossa Carta Constitucional, onde se reconhece a sociedade

brasileira como fraterna, pluralista e sem preconceitos. Traz também em seu artigo 3º, inciso

I, como compromisso fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, sendo que podemos entender essa solidariedade como

“horizontal”42.

No momento em que o constituinte pátrio inseriu a construção de uma sociedade

fraterna no Preâmbulo da Magna Carta, resgatou formalmente o princípio esquecido

pela modernidade constitucional do Ocidente, recolocando-o no seu justo lugar: ao

lado da liberdade e da igualdade. Restaura-se a trilogia fundante do

Constitucionalismo moderno ocidental, a qual deve guiar a compreensão da

Constituição, do seu papel na construção e legitimação de um Estado Democrático

de Direito43.

A maioria dos direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na

Constituição Federal brasileira, correspondem à fase do Constitucionalismo Social, em face

das reivindicações da classe operária, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava

as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de maior poder econômico.

Pois

O qualificativo social está associado à imagem da dívida que tem a sociedade para

os segmentos menores que vivem em nível de pobreza. No direito do trabalho, o

social refere-se aos trabalhadores e aos direitos que devem ter. Se por justiça

individual o que se deve entender é dar a cada um o que é seu, justiça social é a que

se realiza com a adequada distribuição de rendas entre os membros da sociedade44.

Agora, a pergunta que se faz necessária: Essa desigualdade existente nas relações

entre trabalhadores e empregadores desapareceu? Na verdade, muitas das reivindicações das

classes operárias foram atendidas, em especial, na Constituição Federal de 1988, que trouxe

diversas garantias que até então não tinham sido conquistadas, mas muitos problemas

continuam à espera de soluções cogentes.

41 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 216. 42 A fraternidade pressupõe um relacionamento horizontal, ou seja, refere-se à ajuda recíproca entre sujeitos diferentes, sejam pertencentes ao mesmo âmbito social ou não. Assim, a fraternidade assume uma dimensão política adequada, sendo, portanto, intrínseca ao próprio processo político. Ela passa a fazer parte constitutiva do critério de decisão política, contribuindo para determinar – junto com a liberdade e a igualdade – o método e os conteúdos da própria política e consegue influir no modo como essas duas categorias (liberdade e igualdade) são interpretadas. 43 FALLER, Maria Helena Ferreira Fonseca. O princípio da fraternidade e o constitucionalismo moderno: uma nova possibilidade de leitura das constituições contemporâneas. In: VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar (org). Direitos na pós-modernidade: a fraternidade em questão. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2011, p. 363. 44 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 40.

Page 16: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

16

Como problemas atuais, podemos considerar as consequências da “flexibilização”

das normas de direito do trabalho, que segundo Nassar45:

[...] é a parte integrante do processo de maior flexibilização do mercado de trabalho,

consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito Laboral de novos

mecanismos capazes de compatibilizá-los com as mutações decorrentes de fatores de

ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto

ajustamento.

Mas, o que não pode acontecer é, a pretexto dos reflexos da modernização da

sociedade, esquecer as conquistas dos trabalhadores, em especial os direitos fundamentais do

trabalho, que garantem a dignidade da pessoa humana. Não se pode deixar de lado a

preocupação com a eliminação de injustiças, com vistas à melhoria das condições de vida dos

trabalhadores para considerar tão somente o desemprego, o qual justifica que as injustiças

sejam consagradas pelo próprio direito.

O que tem ocorrido é a preocupação “sob a perspectiva desse novo paradigma,

apenas com o oferecimento de condições para que as empresas ofereçam trabalho, qualquer

trabalho, a qualquer custo”46. O Direito do Trabalho é fruto de lutas e conquistas históricas e

não pode ser substituído pelo direito “ao trabalho”47.

É certo que a Constituição Federal traz hipóteses de flexibilização, sob a premissa

de norma mais benéfica ao trabalhador, entretanto, a interpretação dessas normas deve ser

restritiva, ou seja, não se pode simplesmente suprimir direitos constitucionais dos

trabalhadores, ainda que por negociação coletiva, não constituindo vantagem ao trabalhador.

A flexibilização só pode acontecer se em troca da perda de um direito trabalhista seja

atribuída outra vantagem ao trabalhador48.

45 NASSAR, Rosita Nazaré S. Flexibilização do direito do trabalho. São Paulo, LTR, 1991, p. 20. 46 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo, LTR, 2000, p. 261. 47 “A tendência moderna, portanto, é a redução do intervencionismo estatal e o concomitante incentivo à solução de conflitos mediante a livre negociação. As regras estatais tendem a tornar-se mais flexíveis, com a substituição de normas impositivas, indisponíveis, por regras dispositivas, passíveis de derrogação por meio de acordo ou negociação coletiva. (...) O centro das preocupações passa a ser a manutenção do emprego e não mais a obtenção de novas conquistas ou ampliação das já obtidas. Surge em decorrência dessa nova orientação, o denominado sindicalismo de resultado, menos idealista, menos dogmático, menos preocupado com questões políticas ou partidárias e sim concentrado na manutenção do emprego de seus filiados, ainda que concessões que impliquem perdas para os trabalhadores precisem ser feitas para esse fim”. BARRETO, Gláucia, ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito do trabalho. Niterói: Impetus, 2006, p. 08. 48 “A flexibilização pode ser conveniente para alguns fins, sem perda do sentido do direito do trabalho, mas deve ser acompanhada da adoção de outras medidas, cada vez mais presentes nos ordenamentos jurídicos e que podem evitar a perda do ponto de equilíbrio na relação jurídica de trabalho, dentre as quais a representação dos trabalhadores na empresa, a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados, condição prévia para que possa aceitar, em bases justas, sacrifícios de redução temporária salarial nas épocas de crise, a adequada regulamantação da dispensa arbitrária ou sem justa causa, no sentido de impedir dispensas retalhativas, sem vedar as dispensas motivadas por causas econômicas, organizacionais de um sistema eficiente de seguro-desemprego, estatal e não-estatal, complementado pela empresa ao lado de planos de saúde pela mesma suportados, de concessões continuadas durante algum tempo após a extinção imotivada do contrato de trabalho”. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 155.

Page 17: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

17

Além disso, não se pode esquecer que no caso brasileiro, a garantia de um

“patamar civilizatório mínimo”49 está previsto em três grupos de normas trabalhista, quais

sejam: as normas constitucionais; as normas de tratados e convenções internacionais e as

normas legais infraconstitucionais que asseguram “patamar de cidadania ao indivíduo que

labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases

salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios,

etc.)”50, não podendo ser superados, estes degraus, pois, mesmo que o empregado esteja

representado pelo sindicato, ainda é a parte fragilizada da relação, por isso, a necessidade de

ser protegido.

Assim, o constitucionalismo que corresponde à nossa atualidade busca a

concretização dos direitos fraternais, que não são sociais e nem rigorosamente individuais,

eles vieram para expandir o conceito de dignidade da pessoa humana, para dilatar a

compreensão do que significa humanismo51.

Segundo Ayres Britto52, os direitos fraternais alcançam segmentos que não se

movimentam nos espaços institucionais com desembaraço igualitário. Dentro desses

segmentos podemos incluir os trabalhadores, que estão em desigualdade, necessitando

garantir a eles seus direitos por meio de uma ficção jurídica.

Constitui o supremo objetivo do Constitucionalismo Fraternal a promoção de uma

integração do indivíduo à sociedade, uma integração digna, dessa forma, os trabalhadores não

podem ter seus direitos suprimidos, sob o argumento de manutenção de emprego na era da

globalização. A Constituição busca com a fraternidade a integração comunitária, que é mais

do que inclusão social e não se reduz a ações distributivas, vai além, pois essa integração

comunitária "[...] implica em um afastamento da identificação tão somente de deveres perante

o Estado, ampliando a noção de responsabilidade para realização de direitos: cada pessoa

possui responsabilidade interpessoal no sentido de comprometer-se com os direitos dos outros

indivíduos e da comunidade em que está inserido"53.

Mas, para a concretização do princípio da fraternidade é fundamental romper com

discursos de abstração. Impõe-se a ação da comunidade como um todo, pelo reconhecimento

do outro como ser humano, pois a responsabilidade não pertence somente ao Estado, cabe a

49 Termo definido por: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008. 50 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 117. 51 Cf. Carlos Ayres Britto, em conferência proferida no Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Sociais, sob o título “Constitucionalismo Fraterno e o Direito do Trabalho”. 52 Idem. 53 AQUINI, Marco. Fraternidade e direitos humanos. In: BAGGIO, Antonio Maria (org). O princípio esquecido. A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas, São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 133-136 Apud FALLER, 2011, p. 368.

Page 18: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

18

todos os indivíduos cumprir com o papel de cidadão, vendo o outro na sua própria imagem,

vendo o direito do outro, como se fosse seu.

Não há um descarte da ação estatal. Porém, se destaca a potência contida no

princípio da fraternidade, como um instrumento de fortalecimento de espaços aptos

à efetivação dos direitos mais fundamentais da pessoa, a partir de práticas de

reconhecimento recíproco e de responsabilização pelo outro. Surgem, a partir disso,

novas possibilidade para a solidificação da democracia54

.

Dessa forma, é preciso lançar um olhar diferente sobre a Constituição, tanto pelos

membros da sociedade, como pelos operadores do direito, resgatando o princípio da

fraternidade, para, junto com os princípios da liberdade e da igualdade buscar a plenitude da

sociedade concreta.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a evolução histórica do direito do trabalho, percebe-se que essa

remonta do constitucionalismo que inicialmente foi liberal, passando a ser social e atualmente

é definido como fraternal. Isso não significa que o constitucionalismo contemporâneo visa

suplantar a concretização dos valores liberdade e igualdade, mas expressa necessidade de

consubstanciar um Estado fraternal.

Assim, observa-se que entendemos por Constitucionalismo Fraternal a fase em

que as Constituições incorporam à liberdade e à igualdade de cada povo soberano a dimensão

da Fraternidade; isto é, a dimensão das ações estatais afirmativas, que são atividades que

visam a abertura de oportunidades para os segmentos sociais historicamente desfavorecidos,

sendo que estas ações visam combater a discriminação e a desigualdade nas relações de

trabalho, bem como a proteção da classe trabalhadora, historicamente fragilizada frente ao

poderio econômico do empregador.

O conceito de fraternidade pressupõe a liberdade individual e a igualdade de todos

os homens e está numa relação mútua com esses dois princípios, assim, não há como se falar

em liberdade e igualdade efetivas, sem falar em fraternidade, sendo que esses três princípios

podem ser considerados os pilares que sustentam a dignidade da pessoa humana.

Assim, a fraternidade assume um papel atual de concretizar a liberdade e a

igualdade, que nos Estados Liberais e Sociais, não alcançaram sua plenitude.

54 FALLER, 2011, p. 370.

Page 19: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

19

REFERÊNCIAS

ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação Constitucional e Garantias Institucionais dos

Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 83-85.

BAGGIO, Antonio Maria (org). O princípio esquecido. Vol. 1. São Paulo: Cidade Nova,

2008.

______. O princípio esquecido. Vol. 2. São Paulo: Cidade Nova, 2009.

BARRETO, Gláucia, ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito do trabalho.

Niterói: Impetus, 2006.

BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso

em: 9 jun. 2012.

BRASIL. Decreto nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a consolidação das Leis do

Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>.

Acesso em: 9 jun. 2012.

BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

FALLER, Maria Helena Ferreira Fonseca. O princípio da fraternidade e o constitucionalismo

moderno: uma nova possibilidade de leitura das constituições contemporâneas. In:

VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar (org). Direitos na

pós-modernidade: a fraternidade em questão. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2011.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: GEN, 2012.

GODINHO, Mauricio Delgado. Curso de direito do trabalho. 7. Ed. São Paulo: LTr, 2008.

GUIMARÃES, Guilherme Cintra. O Direito Administrativo e a Reforma do Aparelho do

Estado: uma Visão Autopoiética. In: O Novo Direito Administrativo Brasileiro. Belo

Horizonte: Fórum, 2003.

GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição

e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp Editora, 1997.

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como categoria

jurídicoconstitucional. Disponível em: <

http://www.academus.pro.br/site/pg.asp?pagina=detalhe_artigo&titulo=Artigos&codigo=143

9>. Acesso em: 10 jun. 2012.

MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do trabalho. 12. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Page 20: TRABALHO E FRATERNIDADE: UM CONSTITUCIONALISMO …catedrachiaralubich.org/uploads/artigos/artigos_2014-07-08_ruef... · Constitucionalismo Fraternal, sendo este, uma proposta contemporânea

20

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Atrlas, 2006.

MIRANDA, J. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra: Centelha, 1978.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição de 1988. 2.ed. São

Paulo: Saraiva, 1991.

______. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005.

______. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.

NASSAR, Rosita Nazaré S. Flexibilização do direito do trabalho. São paulo, LTR, 1991.

ROMITA, Sayão Arion. In. MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas,

2006.

SELLA, Gustavo Andrei Góes. Estado Ecológico de Direito: por um constitucionalismo

fraterno. 2009. 117 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica

do Paraná – PUC-PR, Curitiba, 2006.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São

Paulo, LTR, 2000.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Renovar, 2004.

VALENTE, Adriano Chaves. Estado de Direito: anotações sobre liberdade e tutela. In: O

Novo Direito Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

VIAL, Sandra Regina Martins (org.). Temas atuais em sociologia jurídica. São Leopoldo:

EDUNISC, 2005.