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Prática psicológica em hospitais: demandas e intervenções Aline Maria Tonetto William B. Gomes Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) RESUMO Analisa-se o desenvolvimento da prática psicológica hospitalar para levantamento das demandas psicológi- cas existentes e dos recursos utilizados para atendê-las. Foram entrevistadas sete psicólogas hospitalares e observado o trabalho desenvolvido por três delas. Os conteúdos obtidos foram analisados qualitativamente através de três etapas sistemáticas e sinérgicas: descrição, análise indutiva e análise crítica. A descrição ressaltou como demandas psicológicas: dúvidas e apreensões quanto ao diagnóstico e hospitalização; prepa- ração para cirurgia; adesão ao tratamento; adaptação à nova condição de vida; e enfrentamento de situações de risco, morte e luto. O modelo de intervenção é clínico, em geral obtido em centros de formação psico- terapêutica. A análise indutiva destacou que psicólogos hospitalares com maior autonomia e com auxílio de estagiários de psicologia introduziram maiores adaptações nas formas de atuação. A análise crítica reconhe- ceu tratar-se de nova área de atuação, mas indicou que as ferramentas utilizadas são decorrentes e comuns a outros contextos profissionais. Palavras-chave: Psicologia hospitalar; demandas; intervenções. ABSTRACT Hospital psychological practice: Demands and interventions This work analyzes the development of hospital psychological practice for collecting information on existing psychological demands as well as the resources used to deal with them. Seven hospital psychologists were interviewed. Additionally, the work carried out by three of them was submitted to observation. The obtained results were qualitatively analyzed through three synergic and systematic steps: description, inductive analysis, and critical analysis. The description brought out psychological demands such as the following: doubts and apprehension relative to diagnosis and hospitalization; preparation for surgery; adhesion to treatment; adaptation to new life conditions; coping with risk situations, death and mourning. The model of intervention followed is clinical, usually learnt in centers for psychotherapeutic formation. The inductive analysis emphasized that hospital psychologists who had greater autonomy and who relied on the assistance of psychology interns have introduced a higher degree of adaptation to their ways of acting towards patients. The critical analysis acknowledged that it is a recent area of practice, but it also indicated that the instruments used derive from and are shared with other professional contexts. Key words: Hospital psychology; demands; interventions. v. 36, n. 3, pp. 283-291, set./dez. 2005 PSICO PSICO Ψ Ψ INTRODUÇÃO O termo Psicologia Hospitalar tem sido usado no Brasil para designar o trabalho de psicólogos em hos- pitais, ao que se sabe, sem precedentes em outros paí- ses (Bucher, 2003; Seidl e Costa, 1999). O movimento para demarcar a área como uma especialidade surgiu a partir do final da década de oitenta (Yépez, 2001). Tal fato se concretizou em dezembro de 2000, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promulgou a Resolução de nº 014, regularizando a concessão de título de especialistas, incluindo a Psicologia Hospitalar. Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre a especificidade dos ser- viços psicológicos oferecidos em hospitais. Nos últi- mos anos, cinco estudos empíricos dedicaram consi- derável atenção à prática psicológica em hospitais no Brasil: Romano (1999) descreveu as atividades desen- volvidas por psicólogos em hospitais entre 1987 e 1997; LoBianco, Bastos, Nunes e Silva (1994) fize- ram um levantamento de práticas profissionais inova- doras, reconhecendo a Psicologia Hospitalar como uma delas; Yamamoto e Cunha (1998) e Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) descreveram o trabalho de

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Prática psicológica em hospitais: demandas e intervençõesAline Maria TonettoWilliam B. Gomes

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

RESUMOAnalisa-se o desenvolvimento da prática psicológica hospitalar para levantamento das demandas psicológi-cas existentes e dos recursos utilizados para atendê-las. Foram entrevistadas sete psicólogas hospitalares eobservado o trabalho desenvolvido por três delas. Os conteúdos obtidos foram analisados qualitativamenteatravés de três etapas sistemáticas e sinérgicas: descrição, análise indutiva e análise crítica. A descriçãoressaltou como demandas psicológicas: dúvidas e apreensões quanto ao diagnóstico e hospitalização; prepa-ração para cirurgia; adesão ao tratamento; adaptação à nova condição de vida; e enfrentamento de situaçõesde risco, morte e luto. O modelo de intervenção é clínico, em geral obtido em centros de formação psico-terapêutica. A análise indutiva destacou que psicólogos hospitalares com maior autonomia e com auxílio deestagiários de psicologia introduziram maiores adaptações nas formas de atuação. A análise crítica reconhe-ceu tratar-se de nova área de atuação, mas indicou que as ferramentas utilizadas são decorrentes e comuns aoutros contextos profissionais.Palavras-chave: Psicologia hospitalar; demandas; intervenções.

ABSTRACTHospital psychological practice: Demands and interventionsThis work analyzes the development of hospital psychological practice for collecting information on existingpsychological demands as well as the resources used to deal with them. Seven hospital psychologists wereinterviewed. Additionally, the work carried out by three of them was submitted to observation. The obtainedresults were qualitatively analyzed through three synergic and systematic steps: description, inductiveanalysis, and critical analysis. The description brought out psychological demands such as the following:doubts and apprehension relative to diagnosis and hospitalization; preparation for surgery; adhesion totreatment; adaptation to new life conditions; coping with risk situations, death and mourning. The model ofintervention followed is clinical, usually learnt in centers for psychotherapeutic formation. The inductiveanalysis emphasized that hospital psychologists who had greater autonomy and who relied on the assistanceof psychology interns have introduced a higher degree of adaptation to their ways of acting towards patients.The critical analysis acknowledged that it is a recent area of practice, but it also indicated that the instrumentsused derive from and are shared with other professional contexts.Key words: Hospital psychology; demands; interventions.

v. 36, n. 3, pp. 283-291, set./dez. 2005PSICOPSICOΨΨ

INTRODUÇÃO

O termo Psicologia Hospitalar tem sido usado noBrasil para designar o trabalho de psicólogos em hos-pitais, ao que se sabe, sem precedentes em outros paí-ses (Bucher, 2003; Seidl e Costa, 1999). O movimentopara demarcar a área como uma especialidade surgiu apartir do final da década de oitenta (Yépez, 2001). Talfato se concretizou em dezembro de 2000, quando oConselho Federal de Psicologia (CFP) promulgou aResolução de nº 014, regularizando a concessão de títulode especialistas, incluindo a Psicologia Hospitalar.

Apesar de já ser uma especialidade reconhecida,tem se debatido muito sobre a especificidade dos ser-viços psicológicos oferecidos em hospitais. Nos últi-mos anos, cinco estudos empíricos dedicaram consi-derável atenção à prática psicológica em hospitais noBrasil: Romano (1999) descreveu as atividades desen-volvidas por psicólogos em hospitais entre 1987 e1997; LoBianco, Bastos, Nunes e Silva (1994) fize-ram um levantamento de práticas profissionais inova-doras, reconhecendo a Psicologia Hospitalar comouma delas; Yamamoto e Cunha (1998) e Yamamoto,Trindade e Oliveira (2002) descreveram o trabalho de

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psicólogos hospitalares no Rio Grande do Norte; eSeidl e Costa (1999) no Distrito Federal.

Romano (1999) comparou dois conjuntos de da-dos obtidos de profissionais de diferentes partes dopaís em 1987 e 1997. Os resultados indicaram que asintervenções psicológicas permaneciam concentradasno atendimento de pacientes internados, orientadas pormodelo de atendimento individual, tanto para pacien-tes quanto para familiares. Os psicólogos passaram aparticipar de modo mais efetivo das reuniões de equi-pe para definição de conduta. As práticas de ensinoforam sistematizadas a partir de estágios, residências,cursos de especialização, mestrado e doutorado na áreade psicologia hospitalar. As atividades em pesquisa,entre esses profissionais, permanecia muito limitada.A exceção, neste sentido, foi para profissionais vincu-lados a programas de mestrado e doutorado.

Romano (1999) concluiu que ainda havia muito aavançar na área, apesar das importantes mudançasocorridas entre os anos de 1987 e 1997. Os psicólogospassaram a valorizar o trabalho em equipe multi-disciplinar e a reconhecer a importância de investir naformação oferecendo estágios, cursos de especializa-ção e programas de mestrado e doutorado. A autoramostrou-se preocupada com o baixo envolvimento dospsicólogos hospitalares em pesquisas. Para ela, taisachados eram injustificados, uma vez que, entre osprofissionais da equipe de saúde, a psicologia é a for-mação com maior ênfase em metodologia científica.Por fim, a autora ressaltou que muitos profissionaisnão demonstraram clareza sobre suas funções, apesarde já estarem definidas as atribuições do psicólogohospitalar.

LoBianco et al. (1994) reconheceram o trabalhoem hospital como uma prática inovadora no âmbito dapsicologia brasileira. O fator diferencial foi a inserçãodos psicólogos nas equipes de saúde e a atuação emvários planos da organização hospitalar. O atendimen-to psicológico incluía não só pacientes e familiares,mas a própria equipe de saúde. O estudo ressaltou ain-da que os psicólogos consideravam importante o de-senvolvimento de pesquisas para a consolidação daprática em hospitais, e para o fortalecimento da parti-cipação em equipes de saúde. A partir das experiên-cias analisadas, LoBianco et al. (1994) identificaramfatores que propiciaram o desenvolvimento de atua-ções inovadoras: capacidade de identificar especifici-dades nas variadas demandas, de contextualizar oobjeto de trabalho e de desenvolver uma base ampla esólida das várias teorias e sistemas psicológicos; pos-tura profissional flexível, curiosidade intelectual e ca-pacidade de reflexão crítica.

Em contraste, Yamamoto e Cunha (1998) questio-naram o status da prática hospitalar como um novo

campo de atuação. Para eles, a área não passa de umaextensão de práticas psicológicas tradicionais. Damesma forma que no estudo de Romano (1999), osachados ressaltaram problemas de formação profis-sional. As deficiências eram supridas por cursos deespecialização. As atividades realizadas eram, basica-mente, psicoterapia breve de base psicanalítica compacientes, e psicoterapia de apoio com familiares. Otrabalho era desenvolvido em diferentes espaços dohospital. Para os autores, a Psicologia Hospitalar nãopoderia ser caracterizada como uma nova área profis-sional. As atividades desenvolvidas não estavam em-basadas em novos referencias teórico-metodológicose nem se dirigiam a segmentos antes excluídos. Osrecursos utilizados consistiam na combinação de mo-delos, sem haver preocupação com compatibilidadesepistemológicas. Assim sendo, os autores concluíramque a psicologia hospitalar é uma vertente de ação quese insere no campo da saúde, constituindo “umaextensão relativamente linear dos modelos tradicio-nais” (p.357).

Seidl e Costa (1999) descreveram, dentre outrosaspectos, a forma como psicólogos hospitalares doDistrito Federal desenvolvem suas atividades. O mo-delo de atuação variava entre o clínico e o de atençãointegral à saúde, com predominância deste último. Omodelo clínico caracterizava-se por atendimentos in-dividuais de pacientes, realizados no setor denomina-do de serviço de psicologia, com pouca ou nenhumainteração com equipes de saúde. Por sua vez, o mode-lo de atenção integral à saúde caracterizava-se pelaatuação em diversos espaços do hospital, em constan-te interação com os demais profissionais da saúde, vi-sando atender pacientes, familiares, equipe, e comuni-dade. Análises estatísticas indicaram associação sig-nificativa entre o modelo de atenção integral à saúdee os seguintes aspectos: 1) realização de pesquisa,2) participação em eventos científicos, 3) formaçãoem nível de pós-graduação, 4) inserção em equipesinterdisciplinares, e 5) solicitação de interconsultasprocedentes de diferentes unidades do hospital. Osdados mostraram, ainda, que profissionais sob a orien-tação do modelo de atenção integral demonstrammaior interesse em contribuir para a construção de umcorpo teórico-prático da psicologia aplicada à saúde,maior integração no trabalho em equipe, e maior reco-nhecimento pelo trabalho realizado.

Mais recentemente, Yamamoto et al. (2002) anali-saram o trabalho de psicólogos hospitalares do RioGrande do Norte, reiterando os resultados do estudoanterior (Yamamoto e Cunha, 1998), mas reconhecen-do que a prática psicológica hospitalar afirmava-secomo um novo campo de atuação. Foram considera-das especificidades da área a intervenção do psicólo-

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go frente às várias enfermidades e o atendimentodiante da perspectiva de morte. Contudo, os recursosutilizados ainda consistem em adequações às técnicastradicionais. Nesse sentido, os autores salientaram anecessidade de desenvolver referenciais teórico-metodológicos compatíveis com as especificidades eadequar a formação às novas exigências.

Com exceção de LoBianco et al. (1994), que seconcentraram no exame de práticas inovadoras, os de-mais autores ressaltaram falhas na formação de psicó-logos para o trabalho em hospitais, e a falta de litera-tura pertinente. Aliás, Francisco e Bastos (1992) ad-vertiram que estudos sobre perfis e tendências profis-sionais vêm se limitando ao exame de aspectos domi-nantes. Assim sendo, há necessidade de explorar osaspectos dinâmicos que garantam o processo continua-do de transformação das práticas profissionais, e daformação do psicólogo. Neste sentido, o objetivo dopresente estudo foi analisar o desenvolvimento da prá-tica psicológica hospitalar tendo em vista o levanta-mento das demandas psicológicas existentes em hospi-tais e dos recursos utilizados para atendê-las. A partirdisto, espera-se oferecer subsídios para a definição decompetências e habilidades do psicólogo hospitalar.

MÉTODO

ParticipantesParticiparam do estudo, sete psicólogas hospitala-

res da cidade de Porto Alegre (Tabela 1). A escolhadas instituições privilegiou diferentes configuraçõeshospitalares que incluíam o psicólogo em seu quadrofuncional. Todos estes hospitais ofereciam estágio depsicologia para cursos de graduação. As participantesforam selecionadas a partir do núcleo de psicólogoshospitalares de cada instituição. Nos locais que haviamais de dois psicólogos envolvidos com atendimentoclínico, participaram aqueles com mais tempo na ins-tituição.

Instrumentos e materiaisO contato com as profissionais e os locais de tra-

balho se deu por meio de observações e entrevistas. Aobservação identificou e descreveu práticas psicológi-cas em hospitais, conforme realizadas pelas profissio-nais e pelos estagiários. A entrevista seguiu um rotei-ro tópico flexível para propiciar a livre expressão dasexperiências, opiniões, e conhecimentos dos entrevis-tados com relação à prática profissional. A preparaçãodas entrevistas e os critérios de observação basearam-se em Patton (1990).

ProcedimentosAs observações e entrevistas foram agendadas

conforme consentimento e disponibilidade das parti-cipantes. As observações foram autorizadas apenas emdois hospitais, no público/escola e no misto/escola. Aspsicólogas dos demais hospitais não permitiram queseu trabalho fosse observado por que realizavam, ba-sicamente, atendimentos individuais. Todas as obser-vações foram registradas em diário de campo paraposterior análise. O tempo médio de duração de cadaatividade observada foi de 60 minutos.

As entrevistas foram realizadas nos hospitais, edepois das observações quando estas foram possíveis.O relato das entrevistadas foi gravado em áudio etranscrito na íntegra para análise. O tempo médio deduração das entrevistas foi de 60 minutos. Todas asentrevistadas assinaram o Termo de ConsentimentoLivre e Esclarecido antes de iniciar a entrevista.

Critérios de análiseOs conteúdos das observações e das entrevistas

foram analisados qualitativamente através de três eta-pas sinérgicas, conhecidas como descrição, análiseindutiva e análise crítica (Gomes, 1998). Na descriçãoprocura-se relatar o fenômeno estudado conformevivenciado pelos participantes. Na análise indutivadefinem-se as partes que se mostraram essenciais à

TABELA 1Perfil das psicólogas entrevistadas.

Psicóloga Idade Tempo de atuação

Carga horária hospitalar

Natureza do hospital

Atividade complementar

A1 37 anos 6 anos 40 horas/semanais Particular Clínica A2 33 anos 4 anos 40 horas/semanais Particular Clínica B1 29 anos 5 anos 30 horas/semanais Público/Escola Consultório B2 37 anos 12 anos 30 horas/semanais Público/Escola Consultório C1 45 anos 19 anos 30 horas/semanais Público – C2 45 anos 16 anos 30 horas/semanais Público Consultório D1 23 anos 4 anos 20 horas/semanais Misto Consultório

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descrição. A distinção entre partes segue a técnica davariação imaginativa livre, processo de sucessivosquestionamentos sobre as presenças e ausências quecompõem a descrição (Lanigan, 1988). Nesta fase, opesquisador revê sua compreensão inicial do proble-ma e recolhe para análise aquelas experiências consi-deradas importantes para responder as perguntas depesquisa. Na análise crítica o problema é revisto naperspectiva do pesquisador e em confronto com a lite-ratura. A apresentação dos resultados e conclusõesseguirá a ordem de análise: descrição, análise indutivae análise crítica.

DESCRIÇÃOA descrição apresenta uma síntese do material

coletado por meio das observações e entrevistas, agru-pando-o nas seguintes unidades temáticas: formaçãoprofissional, atividades desenvolvidas, e caracteriza-ção da prática hospitalar. É importante ter claro que adescrição, enquanto apresentação de resultados, nãodeixa de ser uma interpretação, pois corresponde àconsciência do pesquisador sobre o fenômeno emquestão. Trata-se das escolhas que o pesquisador fez apartir do material bruto das observações e entrevistase, ao mesmo tempo, constitui a base empírica dasreflexões posteriores.

Formação profissionalAs entrevistadas consideram que os conteúdos tra-

balhados no curso de graduação foram insuficientes e,em alguns casos, inadequados, no sentido de capacitá-las para atuar em hospitais. Uma das estratégias utili-zadas para suprir tal falha foi recorrer aos grupos deformação. Deste modo, a orientação teórica das parti-cipantes variou conforme a predominância temáticadas formações locais: psicanálise freudiana, psicanáli-se lacaniana, e teoria sistêmica. Parte das profissionaisrecorreu ainda a cursos de pós-graduação lacto sensuem psicologia hospitalar, ou mesmo pós-graduaçãostricto sensu em áreas afins.

Atividades desenvolvidasO trabalho das psicólogas entrevistadas volta-se

fundamentalmente para o atendimento de pacientesinternados, ambulatoriais e participantes de programasoferecidos pela instituição. Em determinadas situa-ções, também têm o objetivo de atender familiares depacientes, equipes profissionais, e interesses adminis-trativos da instituição. Segundo relato das entrevista-das, os recursos utilizados no desenvolvimento das ati-vidades variam de acordo com a natureza da institui-ção e a maneira como estão inseridas no hospital. Ainserção no hospital era por meio de um serviço de

psicologia ou pela participação em equipes assisten-ciais, constituídas por profissionais de diferentesáreas.

Atendimento de pacientes internadosNos hospitais com um Serviço de Psicologia orga-

nizado, as psicólogas concentram suas atividades emunidades como maternidade, pediatria, oncologia eoutras que valorizam a assistência psicológica. Emcontraste, nos hospitais que não há um serviço de psi-cologia autônomo, as psicólogas atendem pacientesinternados basicamente por consultoria.

O termo consultoria é muito utilizado na práticapsicológica hospitalar para designar atendimento porsolicitação de outro profissional da área de saúde. Taisatendimentos referem-se a visitas esporádicas de acor-do com necessidades específicas. Os demais profissio-nais da área da saúde costumam chamar o psicólogoquando existem conflitos envolvendo a família e aequipe ou nas situações em que os pacientes estão emcrise, deprimidos, e se recusam a fazer tratamento. Atépouco tempo atrás, qualquer profissional da saúdeacionava o psicólogo. Atualmente, por motivos des-conhecidos dos informantes, o pedido de atendimen-to psicológico é realizado basicamente pela equipemédica.

Toda vez que as psicólogas são chamadas a inter-virem, elas buscam esclarecer com quem as solicitaquais os motivos do encaminhamento. Às vezes, o pro-blema não está no paciente, mas sim no modo como oprofissional está se relacionando com o paciente.Quando isto ocorre, a devolução do psicólogo varia deacordo com a relação que existe entre ele e o profissio-nal que o solicitou. Sendo confirmada a necessidadede atendimento psicológico, o tratamento somente érealizado se o paciente consentir.

Em hospitais com Serviço de Psicologia, as psi-cólogas passam diariamente nos quartos e enfermariaspara conversar com os pacientes. A partir deste proce-dimento, identificam os casos que necessitam de aten-dimento psicológico. A presença constante do psicó-logo resulta em maior interação com a equipe e maiorproximidade com os pacientes.

O atendimento psicoterapêutico de pacientes inter-nados e de seus familiares costuma ser realizado indi-vidualmente. O objetivo da intervenção oscila entre:avaliar o estado emocional do paciente; esclarecer dú-vidas quanto ao diagnóstico e hospitalização; ameni-zar angústias e ansiedades frente a situações desconhe-cidas; trabalhar vínculo mãe-bebê; trabalhar aspectosda sexualidade envolvidos na doença e no tratamento;preparar para cirurgia; garantir adesão ao tratamento;auxiliar na adaptação à condição de vida imposta peladoença; orientar os pais sobre maneiras mais adequa-

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das de informar as crianças sobre a hospitalização oumorte de um familiar; e facilitar o enfrentamento desituações de luto e de morte.

Psicólogas que adotam uma postura mais flexívelcom relação ao referencial teórico que utilizam aten-dem os pacientes no próprio leito. Já aquelas que se-guem a orientação psicanalítica tradicional buscamatender em ambientes mais reservados. As psicólogasavaliam que aspectos devem ser trabalhados e quemirá se beneficiar do atendimento, no caso, se o própriopaciente ou algum familiar. Com exceção das psicólo-gas que tem uma orientação bastante tradicional, asdemais realizam psicoterapia breve focal. Os critériosque definem o término dos atendimentos nem sempreexistem. Eles dependem da sistemática de trabalho daprofissional e de sua preocupação em não deixar pes-soas aguardando atendimento por não terem sido fina-lizados casos que já atingiram seus objetivos.

Psicólogas de instituições particulares se sentempressionadas a estar constantemente demonstrando ascontribuições do seu trabalho para a recuperação e otratamento dos pacientes. Para isto, buscam desenvol-ver ferramentas que possibilitem acompanhar as mu-danças proporcionadas ao longo dos atendimentos. Porexemplo, foi criado um protocolo para pacientescardiológicos que possibilitou demonstrar que o acom-panhamento psicológico iniciado no período pré-cirúr-gico reduz a necessidade de utilizar drogas psicotrópi-cas após a cirurgia e, por conseqüência, reduz o tempode internação.

Serviço ambulatorialEm hospitais públicos, pacientes que recebem alta

hospitalar e necessitam continuar o atendimento psi-cológico são encaminhados para o ambulatório do pró-prio hospital. Se possível, seguem sendo atendidospelo mesmo profissional. No caso de não haver vagasdisponíveis, eles são encaminhados a outros serviçosda comunidade.

Quando se trata de pacientes de convênio, os hos-pitais não dispõem de recursos que viabilizem a conti-nuidade do tratamento psicológico iniciado na inter-nação. Psicólogas que convivem com esta limitaçãotêm proposto oferecer serviço de psicologia ambula-torial para pacientes de convênios. O objetivo é podertraçar planos de tratamento psicológico sem que omesmo tenha que ser interrompido em função da altahospitalar. A proposta foi considerada interessante,mas encontrou dificuldades operacionais de imple-mentação (custos).

A demanda atendida no serviço de psicologiaambulatorial dos hospitais públicos varia de um hos-pital para outro. Existem instituições que restringem oserviço para pessoas que estavam em atendimento e

receberam alta hospitalar e para aquelas que são enca-minhadas por outros serviços do próprio hospital. Jáem outras instituições de saúde, também são atendi-dos funcionários do hospital, pacientes encaminhadospor escolas e postos de saúde, e pessoas que procurampor vontade própria. Cabe ao psicólogo avaliar se hádemanda por parte do paciente e possibilidade do mes-mo se beneficiar do tipo de atendimento psicológicooferecido.

Os atendimentos no serviço de psicologia am-bulatorial são individuais e agendados em diferentesintervalos (semanal, quinzenal ou mensal) de acordocom as necessidades de cada caso. O tempo de trata-mento varia conforme o controle de produtividade dainstituição e a sistemática de trabalho do profissional.Psicólogas que trabalham em hospital público e desen-volvem uma prática mais tradicional atendem os pa-cientes por tempo indeterminado. Já aquelas psicólo-gas que adaptam os procedimentos de acordo com asnecessidades da demanda realizam atendimento focal.No hospital misto, o atendimento ambulatorial ofere-cido para pacientes do SUS é focal e realizado por nomáximo três meses.

Intervenção multidisciplinarPsicólogas de hospitais públicos e privados cola-

boram com práticas multidisciplinares voltadas paragrupos de pacientes ou familiares de unidades deinternação e de ambulatório. Em geral, as psicólogasdesignam estagiários de psicologia para acompanha-rem essas atividades. O trabalho é realizado em con-junto com profissionais de outras áreas, especialmen-te enfermeiros e assistentes sociais. O objetivo dosgrupos varia entre informar sobre determinada patolo-gia e seu tratamento; assegurar adesão ao tratamento;auxiliar na adaptação às mudanças provocadas peloatual estado de saúde; propiciar trocas de experiênciaentre pessoas que enfrentam dificuldades semelhantes;oportunizar contato com profissionais da equipe paraesclarecer dúvidas; comunicar normas e rotinas de de-terminada unidade; e avaliar a qualidade do atendi-mento prestado. Em casos específicos, tem o objetivode esclarecer sobre eventos que provocam mudançasna vida das pessoas, como a gravidez. Por vezes, a re-alização de grupos é dificultada por falta de espaçofísico e horários viáveis.

A observação dos grupos mostrou que o momentoe a forma de participação dos membros da equipe va-riam de acordo com o objetivo da atividade, o grau deenvolvimento do profissional e sua qualificação. Exis-tem grupos em que todos os profissionais são convida-dos a participar e outros em que cada profissional rea-liza os seus próprios encontros. O profissional da psi-cologia pode coordenar a atividade; mediar a relação

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entre a equipe e os participantes ou entre os partici-pantes; avaliar o estado emocional dos participantes; eapenas intervir se considerar necessário.

Trabalho com funcionáriosPsicólogas de hospitais públicos e privados pres-

tam atendimento psicoterápico a funcionários quandonão há profissionais contratados especificamente paraesses atendimentos ou quando há, mas eles estão mui-to atarefados com as atividades gerais de recursos hu-manos. O atendimento é individual para problemas decaráter pessoal e em grupo quando envolve outras pes-soas do ambiente de trabalho. No caso de envolver aequipe, o atendimento só é realizado se houver inte-resse e disposição de todos os profissionais.

Em hospitais privados, o trabalho com funcionári-os também surge por iniciativa das psicólogas, dentreoutros objetivos, para trabalhar aspectos que são im-portantes para a saúde dos profissionais e para a quali-dade dos serviços. Quando isto ocorre, as psicólogastêm o cuidado de justificar a intervenção com dadosconcretos e objetivos, por exemplo, apresentando ín-dices de absenteísmo dos funcionários e de insatisfa-ção dos pacientes.

Supervisão de estagiáriosAs psicólogas hospitalares diferem quanto ao

envolvimento com a prática de supervisão. Aquelasque potencializam sua ação com o trabalho de esta-giários, dedicam a maior parte do seu tempo parasupervisioná-los, por entenderem que são os alunosque mostram a cara do serviço para a instituição. Jápsicólogas de hospitais particulares têm um númerorestrito de estagiários e não podem deixar de realizarsuas intervenções.

Os estagiários são supervisionados uma vez porsemana. A observação das supervisões indicou que aspsicólogas orientam os alunos a partir das dúvidas queeles têm sobre como conduzir os casos que estão aten-dendo. Além disto, as supervisoras procuram conver-sar com os estagiários sobre seu bem-estar subjetivo,tendo em vista as dificuldades existenciais associadasàs vivências hospitalares. Outro espaço de aprendiza-gem oferecido aos estagiários são os seminários, reali-zados com o objetivo de propiciar a troca de experiên-cias vivenciadas na prática hospitalar, debater textosrelacionados as atividades realizadas e desenvolver opensamento crítico com relação a atuação do psicólo-go em hospitais.

Envolvimento com pesquisasParte das psicólogas entrevistadas mostrou interes-

se em realizar pesquisas, mas reconheceram que, nomomento, o desenvolvimento desta atividade em hos-

pitais é restrito. A pesquisa resume-se a trabalhos deconclusão de curso e a investigações realizadas parafins práticos, sem rigor metodológico. Segundo as en-trevistadas, isto se deve a dificuldade de conciliar aprática de pesquisa com as demais atividades que rea-lizam no âmbito hospitalar.Psicólogas interessadas emproduzir conhecimentos que contribuam para a quali-ficação da psicologia hospitalar têm recorrido a cur-sos de mestrado. Outras têm buscado estabelecer par-cerias com universidades, no sentido de unir os conhe-cimentos práticos dos profissionais que trabalham emhospitais com o conhecimento teórico e metodológicodos pesquisadores. As interessadas em estudar aspec-tos que envolvam diferentes áreas do conhecimentoprocuram estabelecer parcerias com profissionais deáreas afins que trabalham no mesmo hospital. Outrasdefiniram linhas de pesquisa e passaram a exigir queos estagiários se envolvam com atividades desta natu-reza.

Um dos principais objetivos das psicólogas comas pesquisas é poder apresentar de forma mais concre-ta os resultados de seu trabalho. As exigências nessesentido são maiores em hospitais particulares, onde aadministração precisa justificar a contratação de psi-cólogos.

Práticas que visam interesses da instituiçãoPsicólogas que trabalham em instituições particu-

lares, que são certificadas de acordo com as normasISO (International Standarization Organization), sãosolicitadas a realizarem treinamentos para funcioná-rios, para atendimento de padrões internacionais. Taisações ocupam boa parte do tempo daquelas psicólogascom contrato de 20 horas/semanais. Isto faz comque muitas vezes seja necessário deixar de atender pa-cientes.

Atividades esporádicasOcasionalmente, psicólogas de hospitais públicos

e privados ministram cursos, palestras e aulas. Tam-bém são convidadas a participar de rounds e reuniõesde equipe. Podem ainda, integrar o Comitê de Gestãoque define as diretrizes da instituição.

Caracterização da prática hospitalarAs psicólogas divergem quanto à considerar o tra-

balho realizado em psicologia hospitalar como própriodesta área de atuação. Parte das profissionais relataque o entendimento que se propõe a fazer e o re-ferencial teórico que utilizam são os mesmos do con-sultório. Por este motivo, avaliam que as diferençasexistentes não passam de adaptações aos recursos eespaços disponíveis no contexto hospitalar. O settingé citado como o maior exemplo, pois os atendimentos

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costumam ser realizados em enfermarias e corredores.Em contraste, existem profissionais que acreditam queo trabalho desenvolvido no hospital é específico destaárea de atuação. A principal diferença é a necessidadede escutar o corpo enfermo. Para que isto seja possí-vel, acreditam que o profissional deve ser capaz dedecodificar o que o paciente sinaliza. Neste sentido, éconsiderado indispensável a combinação de atitudeempática e de conhecimento técnico.

Todas as entrevistadas concordam que o psicólogohospitalar deve ser flexível e tolerante à frustração,pois em muitas situações precisa aguardar o tempo dopaciente, dos demais profissionais, e da própria insti-tuição. Necessita ainda, conviver com diferenças hie-rárquicas e aceitar que o atendimento psicológico nãoé prioridade. Por fim, psicólogas voltadas para o aten-dimento de situações de morte e de luto consideramfundamental haver disposição interna para trabalharquestões relacionadas à morte e ao morrer.

Na avaliação das psicólogas, um dos maiores de-safios enfrentados na prática hospitalar é conseguirdemonstrar os resultados do trabalho que realizam deforma concreta. Parte das profissionais acredita queisto pode ser feito através da prática que realizam, eparte acredita que também é preciso investir em pes-quisas. Dentre outros aspectos, consideram necessárioprovar que os conteúdos trabalhados pelo psicólogosão relevantes para a recuperação e o tratamento dospacientes, e constituem especificidades do fazer psi-cológico. Tal comprovação da eficiência e eficácia éapontada como condição para que o trabalho alcancemaior credibilidade e aceitação.

ANÁLISE INDUTIVAA análise indutiva examinará a atuação do psicó-

logo observando a formação profissional; tipo de ins-tituição; modo de vinculação do psicólogo; e presençade estagiários.

As críticas apontadas ao curso de formação básicaem psicologia reiteram a avaliação de estudos anterio-res (Romano, 1999; Yamamoto e Cunha, 1998; Yama-moto et al., 2002). A principal queixa é que o ensinofocado no modelo clínico tradicional não propicia odesenvolvimento das competências necessárias à atua-ção em hospitais. No entanto, as profissionais desta-caram a formação psicanalítica como importante nacapacitação para o trabalho em hospitais. Isto mostraque a formação é falha quanto ao desenvolvimento dascompetências básicas que garantem a inserção do psi-cólogo em diferentes contextos.

As estratégias de intervenção junto aos pacientesinternados tendem a se diversificar na medida em queo profissional procura adaptar seus recursos teórico-

metodológicos às necessidades do hospital. Isto ocor-re quando há um Serviço de Psicologia autônomo e acolaboração de grupo de estagiários. Nestes casos, háum planejamento integrado de atendimento psicológi-co. Em contraste, a ausência das condições apontadasmostrou que as intervenções psicológicas se restrin-gem aos casos em que a equipe médica solicita.

O mesmo panorama aparece nos serviços am-bulatoriais. No hospital público/escola observou-se aadaptação de recursos teórico-metodológicos às neces-sidades da demanda hospitalar, apresentando o seguin-te perfil: serviço de psicologia autônomo, colaboraçãode estagiários, e atendimento focal se possível realiza-do em grupo. No hospital público o vínculo era com aequipe assistencial, o atendimento psicoterápico erarealizado de forma individual e por tempo indeter-minado, não havendo estagiários. No hospital mistohavia serviço de psicologia autônomo, estagiários, eatendimento focal. Mas os serviços eram limitados atrês meses de duração, por questões de produtividadee políticas do SUS.

O envolvimento da psicologia com intervençõesmultidisciplinares parece encontrar maior ênfase emhospitais públicos/escola e mistos, nos quais o psicó-logo recebe a colaboração de estagiários. Em geral, sãoos estagiários que realizam os atendimentos junto aoutros profissionais. Para tanto, seria necessário pos-suir conhecimento amplo das patologias, dos serviçosespecializados, do trabalho com grupos, e das relaçõesmultidisciplinares. Nas situações observadas, a profis-sional ou estagiário da psicologia tendia a permanecercomo ouvinte, o mesmo acontecendo nos rounds e nasreuniões de equipe. Assim sendo, nem sempre estesespaços contribuem para esclarecer aos demais pro-fissionais sobre a relevância das ações do psicólogohospitalar para a recuperação e o tratamento dos pa-cientes.

Como se poderia esperar, o envolvimento do psi-cólogo com atividades de ensino permanece concen-trado na supervisão de estagiários (Romano, 1999). Otempo dedicado a esta prática depende do número deestagiários que o psicólogo é responsável. Isto é defi-nido de acordo com o interesse do psicólogo e o tipode instituição. Psicólogas de hospital particular, comno máximo dois estagiários, dispõem de tempo parasupervisionar os alunos e realizarem suas próprias in-tervenções. Psicólogas de hospital público e misto, quepotencializam sua ação com o trabalho de estagiários,ocupam boa parte do tempo em atividades de super-visão.

Existe um consenso entre as psicólogas de que hánecessidade de evidenciar as contribuições da psico-logia para a recuperação e o tratamento dos pacientes.No entanto, nem todas demonstram preocupação em

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investir em condutas que resultem em maior reconhe-cimento da prática psicológica hospitalar. Psicólogasde instituições particulares e mistas têm procuradocontinuamente desenvolver recursos que comprovemos resultados de suas ações. Elas tanto valorizam a prá-tica de pesquisa (LoBianco et al., 1994) quanto se em-penham em produzir novos conhecimentos decorren-tes da experiência em hospitais (Seidl e Costa, 1999).Isto ocorre por entenderem que precisam justificar suacontratação.

A partir da fala das entrevistadas, verifica-se que acaracterização da prática psicológica hospitalar é as-sociada a dois fatores: modelo de intervenção e carac-terísticas da demanda. As psicólogas que vêem o tra-balho em hospitais pelo modelo de intervenção enten-dem que a prática psicológica é genérica, ou seja, con-siste na adaptação de recursos utilizados em outroscontextos de atuação do psicólogo. Em contraste,aquelas que se concentram nas características da de-manda argumentam tratar-se sim de uma especialidade.

Existe consenso entre as entrevistadas quanto anecessidade de ser flexível e tolerante à frustração.Segundo elas, é preciso reconhecer as diferenças hie-rárquicas existente nos hospitais, aceitar que o atendi-mento psicológico não é prioritário, e que às vezes hánecessidade de envolvimento em atividades burocráti-cas. No entanto, é importante enfatizar que os serviçospsicológicos complementam os demais serviços hos-pitalares e contribuem marcadamente para a qualida-de do atendimento e do bem estar do paciente.

ANÁLISE CRÍTICAAs experiências analisadas indicam que o psicólo-

go não precisa ter formação específica em psicologiahospitalar para ser capaz de se inserir nesta área e de-senvolver um trabalho condizente com as exigênciasda demanda. Basta que ele tenha uma metodologia detrabalho e seja capaz de adaptá-la de acordo com asnecessidades e os recursos disponíveis no ambientehospitalar. O problema é que nem sempre os cursos degraduação desenvolvem tais competências, conformeapontado em estudos anteriores (Romano, 1999;Yamamoto e Cunha, 1998). Com isto não se está des-prezando a relevância dos cursos de especialização empsicologia hospitalar (Romano, 1999), nem tampoucoignorando a necessidade de desenvolver recursos teó-rico-metodológicos compatíveis com a demanda hos-pitalar (Yamamoto et al., 2002). Trata-se apenas de re-conhecer que as competências básicas para inserçãodo psicólogo em hospitais são as mesmas necessáriasà inserção em outros contextos.

Todavia, a atuação dos psicólogos em hospitaistende a se diferenciar da prática clínica tradicional,

como salientado na literatura (Seidl e Costa, 1999). Adiferença parece estar associada à flexibilidade teóri-co-metodológica do profissional e ao valor atribuído àassistência psicológica por parte da instituição. Nestecaso, o psicólogo desenvolve atividades variadas, emdiferentes espaços do hospital, em constante interaçãocom os demais profissionais, e com o objetivo de aten-der pacientes, familiares, equipe, instituição e comu-nidade. Por outro lado, psicólogos de instituições pú-blicas, que têm uma postura tradicional e não se sen-tem valorizados pela instituição ao integrarem umaequipe assistencial, continuam atendendo os pacientesde forma individual, em espaço próprio da psicologia,por tempo indeterminado, sem interagirem com os de-mais profissionais (Romano, 1999; Seidl e Costa,1999; Yamamoto e Cunha, 1998).

A diversificação das atividades do psicólogo e aabrangência de seu trabalho dependem de qualidadestais como flexibilidade, tolerância à frustração, e re-conhecimento da equipe. Outra qualidade associada aoserviço psicológico parecer ser o oferecimento de es-tágios. O estágio é um fator de diversificação e atémesmo de ampliação da atuação da psicologia. No en-tanto, se o número de estagiários for muito grande opsicólogo acaba se ocupando basicamente de ativida-des burocráticas e de supervisão. Nas instituições emque isto acontece, as atividades voltadas para o aten-dimento de pacientes acabam sendo realizados apenaspor estagiários. Por conseguinte, espaços como roundse intervenções multidisciplinares nem sempre são uti-lizadas de modo a esclarecer para os demais profissio-nais sobre o trabalho psicológico realizado em hospi-tais, estratégia imprescindível para o reconhecimentoe a valorização do serviço (Wild, Bowden e Bell,2003).

O envolvimento do psicólogo hospitalar com aprática de pesquisa permanece restrito (Romano,1999). A pesquisa aparece associada à necessidade dejustificativa da contratação do psicólogo e não ao com-prometimento com o desenvolvimento da área. Destemodo, a pesquisa realizada em instituições particu-lares e mistas atende a fins imediatos, carecendo derigor metodológico.

É plenamente justificado o argumento de que a psi-cologia hospitalar apresenta-se como uma nova áreade atuação. Contudo, os recursos teórico-metodoló-gicos utilizados são os mesmos empregados em outroscontextos não apresentando, tecnicamente, aspectosúnicos que a caracterizem (Yamamoto e Cunha, 1998;Yamamoto et al., 2002). É uma nova área de atuaçãoporque, segundo o CFP (2003), o que define esteconstruto é basicamente o contexto e a forma como ademanda se apresenta. Não pode ser considerada umaprática que têm especificidades, porque não há nada

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que o psicólogo faça neste âmbito que não seja aplicá-vel a outros contextos. Sendo assim, pode-se dizer quea atuação do psicólogo hospitalar reafirma a generali-dade da formação em psicologia.

Por fim, é preciso atentar para as limitações do pre-sente trabalho. Trata-se de um estudo qualitativo, quenão têm a pretensão de estabelecer e muito menos ge-neralizar relações de causa e efeito. O mesmo propõea discussão de aspectos que podem estar interferindono desenvolvimento da prática psicológica hospitalar.No entanto, para que as interferências sugeridas sejamconfirmadas e discriminadas entre si, se faz neces-sário desenvolver novos estudos para melhor explo-rá-las.

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Recebido em: 18/08/2004. Aceito em: 17/10/2005.

Nota:Este artigo integra a dissertação de mestrado da psicóloga Aline Maria Tonettorealizada sob a orientação do prof. Dr. William B. Gomes, no curso de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS.

Autores:Aline Maria Tonetto – Psicóloga. Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS).William B. Gomes – Doutor em Psicologia. Professor do curso de Pós-Gra-duação em Psicologia da UFRGS.

Endereço para correspondência:WILLIAM B. GOMESRua General Couto de Magalhães, 1155, apto. 601CEP 90540-131, Porto Alegre, RS, BrasilFones: (51) 3343-9117 e 3316-5115 – Fax: 3343-5850E-mail: [email protected]