prandi - a dança dos caboclos

18
7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 1/18 Reginaldo Prandi > A dança dos caboclos : uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros  http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/P_autores/PRANDI_Reginaldo_tit_da nca_caboclos.htm I  Aprendemos na escola que a população brasileira foi formada pelos europeus colonizadores, que se mesclaram com os indígenas que aqui já viviam antes da chegada dos portugueses e com os africanos trazidos pelo escravismo. Somos ao mesmo tempo brancos, índios e negros. São essas as nossas raízes, s quais mais tarde vieram se juntar povos do !riente "r#$imo, do %$tremo !riente e de outras partes do mundo. Somos um povo mestiço, com uma cultura mestiça, mas o assumir dessa identidade s# veio a ganhar alguma legitimidade por volta dos anos &' do s(culo passado, (poca, inclusive, em que se formaram duas importantes marcas dessa ascend)ncia* o samba, no universo da m+sica popular brasileira, e a umbanda, síntese da diversidade religiosa afrobrasileira. -egros e índios* impossível pensar o rasil sem essas duas origens. Suas marcas estão na constituição física do brasileiro e tamb(m na sua cultura, sobressaindose a m+sica e a religião, mas incluindo tamb(m dimens/es como língua, culinária, est(tica, valores sociais e estruturas mentais. 0as ( nas religi/es afrobrasileiras que estão registradas a presença decisiva e a diversidade da contribuição negra. 1urante quase quatro s(culos, negros africanos foram caçados e levados ao rasil para trabalhar como escravos. Separados para sempre de suas famílias, de seu povo, do seu solo 2de fato apenas alguns poucos conseguiram retornar depois da abolição da escravidão3, os africanos foram aos poucos se adaptando a uma nova língua, novos costumes, novo país. 4oram se misturando com os brancos europeus colonizadores e com os índios da terra, formando, como disse, a população brasileira e sua cultura, como tamb(m aconteceu em outros países da Am(rica. 0uitos foram os povos africanos representados na formação brasileira, os quais

Upload: jose-mangoni

Post on 20-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 1/18

Reginaldo Prandi

> A dança dos caboclos : uma síntese do Brasil segundo os

terreiros afro-brasileiros

  http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/P_autores/PRANDI_Reginaldo_tit_da

nca_caboclos.htm

I

 Aprendemos na escola que a população brasileira foi formada pelos

europeus colonizadores, que se mesclaram com os indígenas que aqui já

viviam antes da chegada dos portugueses e com os africanos trazidos pelo

escravismo. Somos ao mesmo tempo brancos, índios e negros. São essas

as nossas raízes, s quais mais tarde vieram se juntar povos do !riente

"r#$imo, do %$tremo !riente e de outras partes do mundo. Somos um

povo mestiço, com uma cultura mestiça, mas o assumir dessa identidade

s# veio a ganhar alguma legitimidade por volta dos anos &' do s(culo

passado, (poca, inclusive, em que se formaram duas importantes marcas

dessa ascend)ncia* o samba, no universo da m+sica popular brasileira, e a

umbanda, síntese da diversidade religiosa afrobrasileira.

-egros e índios* impossível pensar o rasil sem essas duas origens. Suas

marcas estão na constituição física do brasileiro e tamb(m na sua cultura,

sobressaindose a m+sica e a religião, mas incluindo tamb(m dimens/es

como língua, culinária, est(tica, valores sociais e estruturas mentais. 0as (

nas religi/es afrobrasileiras que estão registradas a presença decisiva e a

diversidade da contribuição negra.

1urante quase quatro s(culos, negros africanos foram caçados e levados

ao rasil para trabalhar como escravos. Separados para sempre de suas

famílias, de seu povo, do seu solo 2de fato apenas alguns poucos

conseguiram retornar depois da abolição da escravidão3, os africanos

foram aos poucos se adaptando a uma nova língua, novos costumes, novo

país. 4oram se misturando com os brancos europeus colonizadores e com

os índios da terra, formando, como disse, a população brasileira e sua

cultura, como tamb(m aconteceu em outros países da Am(rica. 0uitos

foram os povos africanos representados na formação brasileira, os quais

Page 2: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 2/18

podem ser classificados em dois grandes grupos ling5ísticos* os

sudaneses e os bantos 2"randi, &'''3.

São chamados sudaneses os povos situados nas regi/es que hoje vão da%ti#pia ao 6hade e do sul do %gito a 7ganda, mais o norte da 8anz9nia.

Seu subgrupo denominado sudan)s central ( formado por diversas etnias

que abasteceram de escravos o rasil, sobretudo os povos localizados na

região do :olfo da :uin(, povos que no rasil conhecemos pelos nomes

gen(ricos de nag;s ou iorubás 2mas que compreendem vários grupos de

língua e cultura iorubá de diferentes cidades e regi/es3, os fons ou jejes

2que congregam os daomenaos e os mahis, entre outros3, os haussás,famosos, mesmo na ahia, por sua civilização islamizada, e outros grupos

que tiveram import9ncia menor ou nenhuma na formação de nossa cultura,

como os gr+ncis, tapas, mandingos, fantis, achantis e outros não

significativos para nossa hist#ria. "ara enfatizar a especificidade de cada

uma dessas culturas ou subculturas, talvez seja suficiente lembrar que

duas das cidades iorubás ocupam papel especial na mem#ria da cultura

religiosa que se reproduziu no rasil* !i#, a cidade de <ang;, e =ueto, a

cidade de !$#ssi, al(m de Abeocutá, centro de culto a >emanjá, e >le$á, acapital da subetnia ije$á, de onde são provenientes os cultos a !$um e

?ogum %d(. ! candombl( jejenag; da ahia, o batuque do @io :rande do

Sul, o tambordemina do 0aranhão e o $ang; de "ernambuco são

heranças brasileiras desses povos.

!s bantos são povos da frica 0eridional que falam entre setecentas e

duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendose para o sul, logo

abai$o dos limites sudaneses, at( o cabo da oa %sperança,

compreendendo as terras que vão do Atl9ntico ao Bndico. !s bantos

trazidos para o rasil eram falantes de várias dessas línguas,

sobressaindose, principalmente, os de língua quicongo, falada no 6ongo,

em 6abinda e em AngolaC o quimbundo, falado em Angola acima do rio

6uanza e ao redor de ?uandaC e o umbundo, falada em Angola, abai$o do

rio 6uanza e na região de enguela. A import9ncia dos grupos falantes

dessas tr)s línguas na formação do rasil pode ser aferida pela quantidadede termos que a língua portuguesa aqui falada deles recebeu 26astro,

Page 3: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 3/18

&''D3, al(m de outras contribuiç/es nada desprezíveis, como a pr#pria

m+sica popular brasileira. -a esfera das religi/es afrobrasileiras, a

participação dos bantos foi fundamental, pois ( da religiosidade desses

povos ou sob sua influ)ncia decisiva que se formou no rasil o candombl(

de caboclo baiano e outras variantes regionais de culto ao antepassado

indígena, como o catimb# de "ernambuco e da "araíba, que mais tarde

vieram a se reunir na formação da umbanda e que tamb(m constituíram

uma esp(cie de contrapartida brasileira ao panteão das divindades

africanas cultuadas nos candombl(, no $ang;, no batuque e no tamborde

mina.

II

 As diferentes etnias africanas chegaram ao rasil em distintos momentos,

predominando os bantos at( o s(culo <E>>> e depois os sudaneses, sempre

ao sabor da demanda por mãodeobra escrava que variava de região para

região, de acordo com os diferentes ciclos econ;micos de nossa hist#ria, e

do que se passava na frica em termos do domínio colonial europeu e das

pr#prias guerras intertribais e$ploradas, evidentemente, pelas pot)nciascoloniais envolvidas no tráfico de escravos. -as +ltimas d(cadas do regime

escravista, os sudaneses iorubás eram preponderantes na população

negra de Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma esp(cie de

língua geral para todos os africanos ali residentes, inclusive bantos

2@odrigues, DFGH3. -esse período, a população negra, formada de

escravos, negros libertos e seus descendentes, conheceu melhores

possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento emaior capacidade de organização. ! cativo já não estava preso ao

domicílio do senhor, trabalhava para clientes como escravo de ganho, e

não morava mais nas senzalas isoladas nas grandes plantaç/es do interior,

mas se agregava em resid)ncias coletivas concentradas em bairros

urbanos pr#$imos de seu mercado de trabalho. 4oi quando se criou no

rasil, num momento em que tradiç/es e línguas estavam vivas em razão

de chegada recente, o que talvez seja a reconstituição cultural mais bem

acabada do negro no rasil, capaz de preservarse at( os dias de hoje* a

religião afro-brasileira.

Page 4: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 4/18

 Assim, em diversas cidades brasileiras da segunda metade do s(culo <><,

surgiram grupos organizados que recriavam no rasil cultos religiosos que

reproduziam não somente a religião africana, mas tamb(m outros aspectos

da sua cultura na frica. -ascia a religião afrobrasileira chamada

candombl(, primeiro na ahia e depois pelo país afora, tendo tamb(m

recebido, como já disse, nomes locais, como $ang; em "ernambuco,

tambordemina no 0aranhão, batuque no @io :rande do Sul. !s

principais criadores dessas religi/es foram negros das naç/es iorubás ou

nag;s, especialmente os provenientes de !i#, ?agos, =ueto, >je$á,

 Abeocutá e >quiti, e os das naç/es fons ou jejes, sobretudo os mahis e os

daomeanos. 4loresceram na ahia, em "ernambuco, Alagoas, 0aranhão,@io :rande do Sul e, secundariamente, no @io de Ianeiro.

III

Simultaneamente, por iniciativa de negros bantos, surgiu na ahia uma

religião equivalente s dos jejes e nag;s, conhecida pelos nomes de

candombl( angola e candombl( congo. A modalidade banta lembra muito

mais uma transposição para as línguas e ritmos bantos das religi/essudanesas do que propriamente cultos bantos da frica 0eridional, tanto

em relação ao panteão de divindades e seus mitos como no que respeita

s cerim;nias e aos procedimentos iniciáticos, mas tem características que

fizeram dela uma contribuição essencial na formação do quadro religioso

afrobrasileiro* o culto ao caboclo. !ra, os bantos tinham chegado muito

tempo antes dos iorubás e dos fons, estavam bastante adaptados aos

costumes predominantes no país, falavam a língua portuguesa e tinham

assimilado o catolicismo. 0as, num país de escravos, ainda eram

considerados africanos, como todos os negros e mestiços, e seu lugar na

sociedade, por isso, era margemC sua identidade ainda era africana. %m

outras palavras, eram contraditoriamente brasileiros e africanos ao mesmo

tempo. 6omo africanos meridionais que eram, suas remanescentes

tradiç/es os orientavam no sentido de cultuar os antepassados,

antepassados que na frica banta estavam fi$ados na terra, de modo que

cada aldeia tinha seus pr#prios ancestrais como parte integrante daqueleterrit#rio geográfico e que usualmente não se deslocavam para outros

Page 5: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 5/18

lugares. 6omo brasileiros que tamb(m já eram, tinham consci)ncia de uma

ancestralidade genuinamente brasileira, o índio. 1a necessidade de cultuar 

o ancestral e do sentimento de que havia uma ancestralidade territorial

pr#pria do novo solo que habitavam, os bantos e seus descendentes

criaram o candomblé de caboclo, que celebrava espíritos dos índios

ancestrais 2Santos, DFFJC "randi, Eallado e Souza, &''D3.

 Apesar de os bantos estarem no rasil havia muito mais tempo, indícios

hist#ricos nos levam a crer que ( tardia a formação de um candombl(

banto de culto a divindades africanas, o qual teria surgido apenas quando

os candomblés de orix e de voduns já estavam organizados ou seorganizando. %mbora todos os negros e mestiços fossem considerados

como iguais, na medida em que ocupavam na sociedade branca posição

oficialmente subalterna e marginalizada, as identidades (tnicas estavam

preservadas nas irmandades religiosas cat#licas, que reuniam em igrejas e

associaç/es específicas os diferentes grupos africanos (tnicolinguístico.

"ois quando nag;s e jejes reunidos nas irmandades cat#licas 2Silveira,

&'''3 refizeram no rasil suas religi/es africanas de origem, os bantos os

acompanham. "elas raz/es que já apontei, sua religião de inquices2divindades ancestrais bantas3 teve uma reconstituição muito mais

problemática, obrigandose a empr(stimos sudaneses nos planos do

panteão, dos ritos e dos mitos.

-o campo religioso foi, portanto, dupla a contribuição banta originada na

ahia* o candombl( de caboclo e o candombl( de inquices denominado

angola e congo K duas modalidades que se casariam num

+nico com!lexo afro-índio-brasileiro, povoando, a partir da d(cada de

DFH', praticamente o rasil todo de terreiros angolacongocaboclo.

-ão foi, entretanto, s# na ahia que surgiram os cultos das entidades

caboclas. !nde quer que tenham se formados grupos religiosos

organizados em torno de divindades africanas, podiam tamb(m ser 

reconhecidos agrupamentos locais que buscavam ref+gio na adoração de

espíritos de humanos. %sses cultos de es!íritos ganharam,evidentemente, feiç/es locais dependentes de tradiç/es míticas ali

Page 6: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 6/18

enraizadas, podendo estas serem mais acentuadamente indígenas, de

caráter mais marcado pelo universo cultural da escravidão, ou mesmo mais

pr#$imas da mitologia ib(rica transplantada para o rasil colonial. %m cada

lugar surgiram cultos a espíritos de índios, de negros e de brancos. %ssa

tend)ncia foi muito reforçada pela chegada ao rasil, no finalzinho do

s(culo <><, de uma religião europ(ia de imediata e larga aceitação no

rasil* o "s!iritismo #ardecista.

%m cada uma dessas denominaç/es religiosas caboclas, a concepção dos

espíritos cultuados tamb(m variou bastante. -a ahia, por e$emplo, o

caboclo ( o índio que viveu num tempo mítico anterior chegada dohomem branco, mas um índio que conheceu a religião cat#lica e se

afeiçoou a Iesus, a 0aria e a outros santosC um índio que viveu e morreu

neste país K este ( o personagem principal do candombl( de caboclo,

que, com o tempo agregou outros tipos sociais, sobretudo os mestiços

boiadeiros do sertão. A pro$imidade com religi/es indígenas ( atestada

pela presença ritual do tabaco, tabaco que, antes da chegada das

multinacionais do fumo, foi uma das grandes riquezas da ahia, antigo

centro nacional da ind+stria fumageira e importante produtor de charutos.! charuto ( at( hoje um símbolo forte dos espíritos caboclos.

-a "araíba e em "ernambuco, os espíritos, que ali se chamam mestres

podiam ser espíritos de índios, de brasileiros mestiços ou brancos, entre os

quais se destacavam antigos líderes da pr#pria religião já falecidos, os

mestres, designação esta que acabou prevalecendo para designar todo e

qualquer espírito desencarnado. %ssas manifestaç/es tamb(m herdaram

das religi/es indígenas o uso do tabaco, ali fumado com o cachimbo,

usado nos ritos curativos, al(m da ingestão cerimonial de uma beberagem

mágica preparada com a planta da jurema. $atimb% e &urema, os nomes

pelos quais essa modalidade religiosa ( conhecida resultam desses dois

elementos. 6atimb# ( provavelmente uma deturpação da palavra

cachimbo, e jurema, o nome da planta e da sua beberagem sagrada

2astide, &''DC randão e @ios, &''D3.

Page 7: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 7/18

0ais ao norte, no 0aranhão e no "ará, os espíritos cultuados são

personagens lendários que um dia teriam vivido na 8erra mas que, por 

alguma razão, não conheceram a morte, tendo passado da vida terrena ao

plano espiritual por meio de algum encantamento* são

os encantados  24erretti, DFFL e &''D3. %ssa tradição de encantamento

estava e está presente na cultura ocidental 2lembremonos nas hist#rias de

fadas, com tantos príncipes e princesas encantados3, bem como na

mitologia indígena. !s encantados são de muitas origens* índios, africanos,

mestiços, portugueses, turcos, ciganos etc. ?endas portuguesas de

encantaria, como a hist#ria do rei portugu)s dom Sebastião, que

desapareceu com sua caravela na batalha de Alcacequibir em DJGM, emluta contra os mouros, e que os portugueses acreditavam que um dia

voltaria, estão vivas nessa religião. A luta dos cristãos contra os mouros,

tão cara ao imaginário portugu)s, se transformou em mitologia religiosa,

mas os turcos da encantaria são agora aliados, não inimigos. %lementos da

encantaria amaz;nica, como as hist#rias de botos que viram gente e vice

versaC lendas de pássaros fantásticos e pei$es miraculosos, tudo isso foi

compondo, ao longo do tempo, a religião que se convencionou chamar 

encantaria ou encantaria do tambor-de-mina, no 0aranhão 2"randi e

Souza, &''D3, e sua vertente paraense 2?eacocN e ?eacocN, DFGJ3.

8odas essas formas de cultos nascidas no rasil, que podemos

genericamente chamar de religião dos encantados ou religião cabocla,

são religi'es de transe. As entidades cultuadas se manifestam em transe

no corpo de devotos devidamente preparados para isso, tal como ocorre

nos cultos dos ori$ás, voduns e inquices. 6omo tamb(m se dá no conjuntotodo das religi/es afrobrasileiras, todas desenvolvem ampla atividade

mágicocurativa e de aconselhamento oracular, todas elas são dançantes e

sua m+sica ( acompanhada de tambores e ritmos de origem africana,

embora em modalidades como o catimb# a dança tenha sido adotada mais

tarde, nesta provavelmente por influ)ncia do $ang;. 1iferentemente das

religi/es de ori$ás, voduns e inquices, as religi'es caboclassão, contudo,

cantadas em portugu)s, o que confirma seu caráter brasileiro e mestiço.

%m nenhum momento fica escondida a mistura básica que comp/e cada

uma delas* Am(rica, frica e %uropa, índio, negro e branco, são estas as

Page 8: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 8/18

fontes indispensáveis da sua constituição. % todas elas

sãosincréticas com o catolicismo, resultado de um momento hist#rico, o

de sua formação no s(culo <><, em que ningu(m podia ser brasileiro se

não fosse igualmente cat#lico. ! catolicismo era a religião hegem;nica,

oficial e a +nica tolerada em solo brasileiro.

%ssas tr)s manifestaç'es afro-índio-brasileiras de culto dos ancestrais

da terra K candombl( de caboclo, catimb#jurema e encantaria de mina K

não foram evidentemente as +nicas. 0uitas outras formas locais puderam

ser registradas nas diferentes partes do rasil, tendo sido algumas delas

absorvidas por alguma das formas que lograram melhor se e$pandir e seperpetuar, ou pela umbanda que se formou mais tarde 2Senna, &''D3.

!utras tantas, embora se mantendo com certa autonomia, ajudaram a

compor cosmovis/es e pante/es de religi/es irmãs, como no caso da

contribuição da pajelança amaz;nica 20au(s e 0acambira, &''D3

encantaria de mina. "or todo lado, diferentes e$press/es locais da

religiosidade cabocla se encontraram, se influenciaram, se fundiram e se

espalharam.

-ão se pode dei$ar de notar que essas práticas religiosas acabaram por se

 justapor aos cultos das divindades africanas, estabelecendo com eles

relaç/es de simbiose. ! candombl( de caboclo acabou se tornando

tributário de candombl( angola e congoC a jurema passou a compor com o

$ang;, sobretudo o de nação $ambáC e a encantaria associouse ao

tambordemina nag;. !s grupos religiosos de culto a ori$ás e voduns mais

comprometidos com raízes sudanesas se mantiveram, pelo menos at( um

determinado momento e em algumas casas de tradição mais ortodo$a,

alheios ao culto caboclo. %ra mesmo de se esperar que assim fosse, pois o

culto caboclo (, desde sua origem, de natureza mestiça.

I(

"or muito tempo tanto os candombl(s de divindades africanas e os cultos

que giravam em torno de espíritos brasileiros e europeus 2isto (, o

candombl( de caboclo, a encantaria de mina, o catimb# ou jurema dos

mestres3 permaneceram mais ou menos confinados a seus locais de

Page 9: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 9/18

origem. 0as logo no início de sua constituição, com o fim da escravidão,

muitos negros haviam migrado da ahia para o @io de Ianeiro, levando

consigo suas religi/es de ori$ás, voduns e inquices e tamb(m a de

caboclos, de modo que na então capital do país reproduziuse um vigoroso

candombl( de origem baiana, que se misturou com formas de religiosidade

negra locais, todas eivadas de sincretismos cat#licos, e com o espiritismo

Nardecista, originandose a chamada macumba carioca e pouco mais

tarde, nos anos &' e L' do s(culo passado, a umbanda. A umbanda e o

samba, símbolo maior da nacionalidade mestiça, constituíramse mais ou

menos na mesma (poca, ambos frutos do mesmo processo, que

caracterizou aqueles anos, de valorização da mestiçagem e de construçãode uma identidade mestiça para o rasil que então se pretendia projetar 

como país moderno, grande e homog)neo, e por isso mesmo mestiço, o

Orasil 0estiço, onde a m+sica samba ocupava lugar de destaque como

elemento definidor da nacionalidadeO, nas palavras de Permano Eianna

2DFFJ* &'3.

 A migração para o @io de Ianeiro, que a partir dos anos J' e H' seria

deslocada para São "aulo, com a nova industrialização, não se resumiu,evidentemente, aos baianos, embora inicialmente eles tenham sido em

maior n+mero. 6hegava ao @io gente de todo o -ordeste e tamb(m do

-orte, cada um trazendo seus costumes, suas crenças, deuses e espíritos.

6ultos de mestres e encantados acabaram desaguando fartamente nos

terreiros dos caboclos e dos pretosvelhos da chamada macumba carioca,

que ia gestando a umbanda numa grande síntese, ali na capital federal da

rep+blica rec(mnascida para onde convergiam as mais diversasmanifestaç/es culturais de 9mbito regional, e onde essas diferenças

regionais e locais foram se apagando para se formar um todo +nico capaz

de representar simbolicamente o rasil como um todo, como uma +nica

nação, envolvendo todos os seus matizes raciais e as diversas fontes

culturais que animavam a construção da brasilidade.

0ais tarde, no final anos H' e começo dos G', iniciouse junto s classes

m(dias do Sudeste a recuperação das raízes de nossa civilização, refle$ode um movimento cultural muito mais amplo, denominado $ontracultura.

Page 10: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 10/18

-os %stados 7nidos e na %uropa, e daí para o rasil, esse movimento

questionava as verdades da civilização ocidental, o conhecimento

universitário tradicional, a superioridade dos padr/es burgueses vigentes,

os valores est(ticos europeus, voltandose para as culturas tradicionais,

sobretudo as do !riente, e buscando novos sentidos nas velhas

subjetividades, em esquecidos valores e escondidas formas de e$pressão.

-o rasil verificouse um grande retorno ahia, com a redescoberta de

seus ritmos, seus sabores culinários e toda a cultura dos candombl(s. As

artes brasileiras em geral 2m+sica, cinema, teatro, dança, literatura, artes

plásticas3 ganharam novas refer)ncias, o turismo das classes m(dias do

Sudeste elegeu novo flu$o em direção a Salvador e demais pontos do-ordeste. ! candombl( se esparramou muito rapidamente por todo o país,

dei$ando de ser um religião e$clusiva de negros, a m+sica baiana de

inspiração negra fezse consumo nacional, a comida baiana, nada mais

que comida votiva dos terreiros, foi para todas a mesas, e assim por diante.

0as o candombl( somente se disseminou pelo rasil muito tempo depois

da difusão da umbanda. "rimeiro o rasil como um todo conheceu e se

familiarizou com o culto dos caboclos e outras entidades OhumanasO daumbanda, em que os ori$ás ocupavam uma posição simb#lica importante

por(m menos decisiva no diaadia da religião. Somente mais tarde o

candombl( introduziu os brasileiros de todos os lugares numa religião

propriamente de deuses africanos. 0esmo assim, os caboclos nunca

perderam o lugar que já tinham conquistado. )nidade e di*ersidade foram

preechendo a tessitura nacional da cultura afrobrasileira de 9mbito

religioso e profano.

%m todos os lugares onde se constituiu o culto ao caboclo, alguns tipos

sociais regionais importantes foram incorporados. 4oi assim que surgiu, por 

e$emplo, para compor com o tradicional e destemido índio da terra e com o

sábio e paciente escravo pretovelho, o caboclo boiadeiro. ! boiadeiro ( a

representação mítica do sertanejo nordestino, o mestiço valente do sertão.

Q o bravo homem acostumado a lidar com o gado e enfrentar as agruras

da seca, símbolo de resist)ncia e determinação. !utro tipo social elevado categoria de entidade de culto foi o marinheiro. -um país em que as

Page 11: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 11/18

viagens de longa dist9ncia, sobretudo entre as capitais da costa, eram

feitas por navegação de cabotagem, sendo que todas as novidades eram

trazidas pelos navios, o marinheiro era figura muito conhecida e de

inegável valor. ! marinheiro podia representar ideais de mobilidade e

inovação, capacidade de adaptação a cenários m+ltiplos, amor pela

aventura de descobrir novas cidades e outras gentes.

6ada tipo um estilo de vida, cada personagem um modelo de conduta. São

e$emplos de um vasto repert#rio de tipos populares brasileiros, emblemas

de nossa origem plural, máscaras de nossa identidade mestiça. As

entidades sobrenaturais da umbanda não são deuses distantes einacessíveis, mas sim tipos populares como a gente, espíritos do homem

comum numa diversidade que e$pressa a diversidade cultural do pr#prio

país. 7ma vez escrevi que a Oumbanda não ( s# uma religião, ela ( um

palco do rasilO 2"randi, DFFD* MM3. -ão estava errado.

(

A a!roximação com o #ardecismo foi *ital !ara a formação daumbanda em termos ideol%gicos2-egrão, DFFH3. Eeio do espiritismo de

Rardec a concepção de mundo que proporcionou a remodelação das

bases (ticas, ou a(ticas, da religião afrobrasileira, fosse ela africana ou

cabocla. %ra o nascimento da umbanda, de feiç/es brancas, por(m

mestiça, uma nova forma de organizar e unificar nacionalmente as

tradiç/es caboclas das religi/es afrobrasileiras.

Surgida na cidade do @io de Ianeiro, o primeiro cenário da modernizaçãocultural brasileira e conte$to de acelerada mudança e diversificação social,

a umbanda foi ao mesmo templo plural e uniforme, uma esp(cie de

linguagem comum num diversificado meio social urbano, integrando negros

pobres iletrados e brancos escolarizados de classe m(dia bai$a. Sua

capacidade de reunir em um s# panteão entidades espirituais de diversas

origens, a fazia uma representante da diversidade, ao mesmo tempo que

homogeneizava os espíritos caboclos em função de seus pap(is rituais. A

umbanda manteve da matriz africana o culto aos ori$ás, o transe de

possessão e o rito dançado, mas seus ritos, celebrados em portugu)s, são

Page 12: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 12/18

bem mais simples e acessíveis. 1iferente do modelo africano, sua

concepção de mundo ( fortemente marcada pela *alori+ação da

caridade, isto (, o trabalho desinteressado em prol do outro, muito

característico do Nardecismo, religião de inspiração cristã no plano dos

valores.

controle moral na umbanda se estende sobre a atividade religiosa de

tal modo que as entidades espirituais, os espíritos dos mortos, devem

praticar a caridade, ajudando seus fi(is e clientes a resolverem toda sorte

de problemas. A noção de que os espíritos v)m 8erra para trabalhar (

basilar no Nardecismo. >gualmente, as práticas de ajuda mágica vãoconstituir o centro do ritual umbandista. A incorporação da noção cristã de

um mundo cindido entre o bem e o mal, associada necessidade de

praticar a caridade, fez com que a umbanda se afirmasse como religião

voltada precipuamente para a prática do bem. 8odas as forças religiosas

deveriam ser canalizadas na prática da caridade. >sso não impediu, no

entanto, que junto prática do bem pelas entidades do chamado panteão

do bem ou da direita, surgisse, desde o início, ainda que de modo

escondido, uma Oface inconfessaO do culto umbandista* uma esp(cie deuniverso paralelo em que as práticas mágicas de intervensão no mundo

não sofrem o constrangimento da e$ig)ncia (tica, em que todos os desejos

podem ser atendidos. Afinal, a herança africana foi mais forte que a

moralidade Nardecista e imp;s a id(ia de que todos t)m o direito de ser 

realizados e felizes neste mundo, acima do bem e do mal.

4oi nesse espaço em que a questão do bem e do mal está suspensa que a

umbanda construiu um novo modelo de entidade espiritual

denominado exu, freq5entemente associado ao diabo dos cristãos. !s

e$usdiabos da quimbanda na verdade nem são o dem;nio cristão nem o

ori$á %$u do candombl( africano. São espíritos de seres humanos cujas

biografias terrenas foram plenas de práticas antisociais. Q nesse modelo

que todas os personagens de moralidade questionável, como as prostitutas

e os marginais, são acomodados. "ara resumir, o bem conta com

entidades do bem, que são os caboclos, os pretosvelhos e outrospersonagem cuja mitologia fala de uma vida de conduta moralmente

Page 13: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 13/18

e$emplar 26oncone, &''D3. São as entidades da direita. !s de má biografia

pertencem esquerda, não se constrangem em trabalhar para o mal,

quando o mal ( considerado incontornável. 4ormam as fileiras dos e$us e

suas contrapartidas femininas, as pombagiras 2"randi, &''D3. 6omp/em

com outros tipos sociais já referidos uma esp(cie de mostruário plural das

facetas possíveis do brasileiro comum. "ara não integrar os e$us e

pombagiras no mesmo espaço das entidades da direita, em que se

movimentam os praticantes do bem, a umbanda os reuniu num espaço

parte, num culto que por muitas d(cadas foi mantido subterr9neo,

escondido e negado, a chamada uimbanda. 8ipos antisociais e

indesejáveis sim, mas e$cluídos não K afinal, cada um com suaespiritualidade e sua força mágica nada desprezível. A umbanda não e$clui

ningu(m, na busca de uma síntese para o rasil nada pode ser dei$ado de

fora.

-o panteão das entidades da esquerda, as mulheres ganharam um lugar 

especial. As religi/es tradicionais sempre trataram as mulheres como seres

perigosos, voltadas para o feitiço, para o desencaminhamento dos homens,

fontes de pecado e perdição. Q o que nos conta o mito bíblico judaicocristão de %va e toda a tradição iorubá das velhas mães feiticeiras, as >á 0i

!$orongá. As pombagiras teriam sido mulheres de má vidaC elas

desconhecem limites para a ação e são capazes, a fim de atender os

desejos de seus devotos e de sua vasta clientela, de fazer o mal sem medir 

as conseq5)ncias. As famosas pombagiras, os e$us femininos, foram em

vida mulheres perdidas, prostitutas, cortesãs, companheiras bandidas dos

bandidos amantes, alcoviteiras e cafetinas, jogadoras de cassino e artistasde cabar(, atrizes de vida fácil, mulheres dissolutas, criaturas sem família e

sem honra. A elas coube sobretudo a fatia da magia relacionada a

assuntos amorosos. -o fundo, o culto ao panteão dos e$us e pombagiras

aponta para a redenção de tipos sociais usualmente rejeitados, com a

assunção de pervers/es da alma que se enredam na vida real e na

fantasia do homem e da mulher comuns.

6omo já disse, a umbanda ( resultante de um !rocesso de síntese, deuniformização. A inclusão em seus panteão de personagens dos cultos

Page 14: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 14/18

caboclos regionais teve que obedecer ao modelo dicot;mico da direita e da

esquerda, e isso provocou transformaç/es radicais em muitas entidades

que migraram para a umbanda. Assim /é Pelintra, por e$emplo, que na

origem ( um mestre do catimb#, foi, no @io de Ianeiro, transmutado em

e$u, trabalhando para a esquerda. >gualmente 0aria Padil1a,

originalmente tamb(m mestra da jurema, foi feita pombagira de renome e

sucesso nas giras de quimbanda. At( mesmo a encantada 6abocla

0ariana, filha do @ei da 8urquia, figura famosa da encantaria do tambor

demina, muito festejada tanto 0aranhão quanto no "ará 2?eacocN e

?eacocN, DFGJ3, viuse em São "aulo quase transformada em pombagira.

! mesmo aconteceu com muitos outros guias espirituais.

7ma vez que a umbanda foi se alastrando pelo rasil inteiro, os cultos

caboclos regionais, que se mantiveram vivos em seus locais de origem,

começaram a passar por um processo de umbandização. Poje, no sertão

do -ordeste, quiçá no rasil todo, ( difícil ver um culto de jurema que não

seja no interior de um terreiro de umbanda. At( na ahia, e$us da

quimbanda dançam em velhos terreiros do candombl( de caboclo

2Assunção, &''DC 6aroso e @odrigues, &''DC Shapanan, &''D3. 6om ogrande tr9nsito que hoje e$iste em todo o universo religioso afrobrasileiro,

personagens como os referidos ( "elintra e 0aria "adilha retornam aos

seus locais de origem completamente transformados.

(I

0as essa hist#ria ainda não terminou. Pá algum tempo o pluralismoreligioso brasileiro vem se desenvolvendo amplamente, possibilitando a

criação de um mercado mágicoreligioso em que as religi/es afro

brasileiras se e$pandem e ganham maior visibilidade. 6ada vez mais as

escolhas religiosas são livres e as religi/es ampliam suas ofertas religiosa,

adequandose aos novos tempos, novos mercados, novos gostos

religiosos. "or todo lado há novas religi/es, novos santos, novos deuses.

-os dias de hoje, a religião tem que se atualizar para poder competir com

as outras. A sociedade em permanente mudança imp/e um novo

movimento de valorização da diversidade cultural. !s antigos cultos

Page 15: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 15/18

caboclos de caráter regional vão tamb(m se tornando conhecidos nos mais

diferentes rinc/es do país e suas entidades ganham o status de objetos de

culto de 9mbito nacional. 6aminhos se refazem, personagens se

reconstituem. -ão ( mais tempo de buscar uma identidade brasileira que

seja +nica, homog)nea, capaz de representar a nacionalidade num s#

símbolo, como ocorreu nos anos &' e L' do s(culo passado. -o final do

s(culo <<, alvorecer do <<>, quando a umbanda já ( quase centenária,

importa agora enfatizar as diferenças, manter as especificidades, festejar o

pluralismo.

-ossos personagens sagrados, nossos mestiços espíritos caboclos daumbanda tamb(m ganham novas feiç/es nesse novo processo de busca

da diversidade, pois ( preciso sempre se atualizar. !caboclo e o !reto-

*el1o são as entidades fundantes da umbanda e continuam sendo ainda

as mais cultuadas. Bndio e negro são matrizes tanto do povo brasileiro

como dessa religião, mas, já no conte$to do rasil urbano contempor9neo,

em que o catolicismo já perdeu cerca de um quarto de seus seguidores e

seus modelos de moralidade dual perdem import9ncia na sociedade, outro

tipo social vem ganhando cada vez mas adeptos no universo umbandista*o baiano 2Souza, &''D3. Surgido nas +ltimas d(cadas, o baiano já ganhou

significativa popularidade. Sua origem mítica remete aos velhos paisde

santo da ahia, aos homens negros e mulatos das cidades litor9neas do

rasil, sobretudo migrantes residentes no @io de Ianeiro. São em grande

parte personagens da chamada malandragem carioca, pouco afeitos s

convenç/es sociais, mas que não chegam a ser interesseiros e maus

caracteres nem arruaceiros e perigosos como os e$us da quimbanda. -emtampouco são e$ímios curandeiros como os caboclos ou sábios

conselheiros como os pretosvelhos. %stão e$atamente na fronteira entre o

bem e o mal, apagando essa distinção dicot;mica moral. % rapidamente a

umbanda vai dei$ando se fazer distinção entre esses dois lados, o do bem

e o do mal, reassumindo a visão africana de que tudo anda junto, tudo (

ambíguo e contradit#rio. 8alvez por isso os baianos v)m sendo tão

valorizados. %les são símbolos e$emplares do novo caráter de síntese

moral umbandista que vai abandonando a dualidade cristã. Assim, apaga

se a fronteira entre a direita e a esquerda, e os e$us e as pombagiras vão

Page 16: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 16/18

dei$ando de ser vistos como entidades perigosas, suspeitas e socialmente

indesejáveis, cujo culto devia ser mantido secreto, escondido. ( "elintra e

0aria "adilha, nossos emblemáticos migrantes, já podem voltar a ser 

mestres da jurema, simplesmente. A encantada 0ariana pode continuar a

ser a ela 8urca.

 A fle$ibilidade e a enorme capacidade de adaptação da religião mestiça

afrobrasileira estava já, evidentemente, inscrita no seu nascedouro* ( esta

a herança dos bantos escravizados no rasil e seus descendentes. Seus

seguidores nos dias de hoje já não são mais necessariamente nem bantos

e nem negros, mas brasileiros de todas as origens raciais que partilhamdesse universo religioso mestiço. São adeptos dos encantados caboclos

que se re+nem em congressos e seminários para discutir o caráter de suas

entidades e guias espirituais e questionar suas raízes, reafirmando sua

crença em sua religião. !s fi(is cr)em que seus caboclos, mestres e

encantados, de todas as origens, seguem em sua dança de transe,

abrindolhes o caminho na religação deste mundo material e passageiro

dos humanos ao mundo eterno e espiritual habitado pelos deuses.

T T T

Bibliografia

 ASS7-UV!, ?uiz. !s mestres da jurema. >n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria

brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

AS8>1%, @oger. 6atimb#. >n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de

Ianeiro, "allas, &''D.

@A-1V!, 0aria do 6armo e @>!S, ?uís 4elipe. ! catimb#jurema do @ecife. >n*

"@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

6A@!S!, 6arlos e @!1@>:7%S, -+bia. %$us no candombl( de caboclo. >n* "@A-1>,

@eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

6AS8@!, Weda "essoa de. 4alares africanos no rasil. @io de Ianeiro, 8op ooNs e Academia rasileira de ?etras, &''D.

Page 17: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 17/18

6!-6!-%, 0aria Pelena Eillas ;as. 6aboclos e pretosvelhos da umbanda. >n*

"@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

4%@@%88>, 0undicarmo 0aria @ocha. 1esceu na guma* o caboclo no tambordeminano processo de mudança de um terreiro de São ?uís. A 6asa 4antiAshanti. São ?uís,

Sioge, DFFL.

4%@@%88>, 0undicarmo 0aria @ocha. 8erec;, a linha de 6od#. >n* "@A-1>, @eginaldo

2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

?%A6!6R, Seth X ?%A6!6R, @uth. Spirits of the 1eep* a StudY of an Afrorazilian

6ult. -eZ WorN, 8he American 0useum of -atural PistorY, DFGJ.

0A7QS, @aYmundo Peraldo e E>??A6!@8A, :isela 0acambira. "ajelança e encantaria

amaz;nica. >n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas,

&''D.

-%:@V!, ?ísias. %ntre a cruz e a encruzilhada* formação do campo umbandista em

são "aulo. São "aulo, %dusp, DFFH.

"@A-1>, @eginaldo. !s candombl(s de São "aulo. São "aulo, Pucitec, DFFD.

"@A-1>, @eginaldo. -as pegadas dos voduns. Afrosia. Salvador, n[ DF\&' 2DFFG3 , pp.

D'FDLL, DFFM.

"@A-1>, @eginaldo. 1e africano a afrobrasileiro* etnia, identidade e religião. @evista

7sp, São "aulo, n[ ]H, pp. J&HJ, &'''.

"@A-1>, @eginaldo. %$u, de mensageiro a diabo* sincretismo cat#lico e demonização

do ori$á %$u. @evista 7sp, São "aulo, n.J', p.]HHJ, &''D.

"@A-1>, @eginaldo X S!7A, "atrícia @icardo de. %ncantaria de mina em São "aulo.

>n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

"@A-1>, @eginaldo, EA??A1!, Armando X S!7A, Andr( @icardo de. 6andombl( de

caboclo em São "aulo. >n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de

Ianeiro, "allas, &''D.

@!1@>:7%S, -ina. !s africanos no rasil. ]^ edição. São "aulo, -acional, DFGH.

Page 18: Prandi - A Dança Dos Caboclos

7/24/2019 Prandi - A Dança Dos Caboclos

http://slidepdf.com/reader/full/prandi-a-danca-dos-caboclos 18/18

SA-8!S, Ioc(lio 8eles dos. DFFJ. !s donos da terra* o caboclo nos candombl(s da

ahia. Salvador, Sarah ?etras.

S%--A, @onaldo de Salles. Iar), a religião da 6hapada 1iamantina. >n* "@A-1>,@eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

SPA"A-A-, 4rancelino de. %ntre caboclos e encantados. >n* "@A-1>, @eginaldo 2org.3.

%ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

S>?E%>@A, @enato da. Iejenag;, iorubátapá, aon efan e ije$á* processo de constituição

do candombl( da arroquinha, DGH]DMJD. @evista 6ultura Eozes, "etr#polis, F]2H3, pp.

M'D'D, &'''.

S!7A, Andr( @icardo de. aianos, novos personagens afrobrasileiros. >n* "@A-1>,

@eginaldo 2org.3. %ncantaria brasileira. @io de Ianeiro, "allas, &''D.

E>A--A, Permano. ! mist(rio do samba. @io de Ianeiro, Iorge ahar, DFFJ.

T T T

Agradeço a André Ricardo de 2ou+a e Patrícia Ricardo de 2ou+a, meus orientandos no

3outorado em 2ociologia da )2P, !ela a&uda na redação de uma *ersão !reliminar. Agradeçoao $4P a bolsa de !esuisa ue tem me !ermitido estudar as religi'es afro-brasileiras.

 __________________ 

Reginaldo Prandi ( "rofessor 8itular de Sociologia da 7niversidade de São "aulo. %m &''D

recebeu o "r)mio Qrico Eannucci 0endes, outorgado pelo 6-"q, S"6 e 0inc, pela sua

contribuição preservação da mem#ria cultural afrobrasileira, e o "r)mio 7nião na 1iversidade,

conferido pelo >ntecab, >nstituto -acional da 8radição e 6ultura Afrorasileira. %m &''& teve

dois livros indicados para o "r)mio Iabuti* 0itologia dos ori$ás, na categoria ci)ncias humanas,

e !s príncipes do destino, na categoria infantojuvenil. "ublicou tamb(m outros livros, como !s

candombl(s de São "aulo, Perdeiras do a$(, 7m sopro do %spírito, A realidade social das

religi/es no rasil, este em coautoria com Ant;nio 4lávio "ierucci, %ncantaria brasileira, do qual

( organizador, e >fá, o Adivinho.