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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 Praça dos Leões: reminiscências da paisagem do Centro de Fortaleza MIYASAKI, JULIA SANTOS(1); AMARAL, GERSON LIMA (2) 1. Centro Universitário Estácio do Ceará. Curso de Arquitetura e Urbanismo [email protected] 2. Architectus S/S. Coordenação de Projetos. [email protected] RESUMO O século XIX se configura como uma fase marcante na história da cidade de Fortaleza visto que é o momento em que a cidade assume o protagonismo econômico da Província. O desenvolvimento da agricultura do algodão para a exportação e a chegada da linha férrea dá início a uma série de mudanças econômicas que irão repercutir em sucessivas transformações urbanas com fins de ordenamento e aformoseamento, tendo por influência direta a Belle Époque francesa. Nesse contexto se enquadram as modificações efetuadas em uma série de espaços livres públicos, ocorridas em uma conjuntura de política higienista e de aformoseamento da cidade vigente entre o final do século XIX e início do século XX, seguindo os princípios urbanísticos da época, algo comum entre as principais capitais brasileiras e da região Nordeste. Assim, propõe-se como objeto de estudo deste artigo um dos espaços livres mais antigos da cidade: a Praça General Tibúrcio, localizada no centro da cidade, compondo com o Palácio da Luz (1856), a Igreja do Rosário (1755) e a Assembleia Provincial (1871) um expressivo conjunto urbano, com prédios e praças tombados separadamente pelo Governo Estadual e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Observa-se que tal espaço já está presente nos mapeamentos mais antigos da cidade, datados a partir de 1790, e recebeu variadas designações ao longo de sua existência: Largo do Palácio, Pátio do Palácio, Praça do Palácio e finalmente, Praça General Tibúrcio. Foi local de implantação da primeira estátua da cidade em 1888, numa homenagem ao General Antônio Tibúrcio de Souza, que, posteriormente iria dar nome ao local. As praças foram o grande lugar de socialização durante os primeiros anos do século XX, até aproximadamente 1930 e, a exemplo de outros espaços livres de Fortaleza, como o Passeio Público, a Praça do Ferreira e a Praça José de Alencar, a Praça em questão também recebeu, entre 1913 e 1930, um desenho de pavimentação e canteiros de influência neoclássica, bem como a adição de esculturas de leões, que viriam a ser responsáveis pelo seu nome popular, Praça dos Leões. É interessante observar que a área da Praça resistiu às obras de reordenamento urbano orientadas pelo plano do engenheiro Silva Paulet de 1823 que delineou o traçado xadrez da cidade replicado por planos urbanísticos seguintes. Dessa forma, encontramos um espaço público que preservou sua morfologia e o conjunto de edificações que compõem sua vizinhança, tornando-se um dos últimos espaços públicos do Centro que ainda preserva seu mobiliário urbano, suas obras de arte e, em parte, sua configuração paisagística. Dessa forma, com base na análise de fontes documentais como fotografias e mapas, pretende-se analisar a evolução construtiva da Praça como parte de uma narrativa da evolução urbana de Fortaleza, destacando o seu papel como componente da paisagem e da memória urbana, num estudo que demonstra sua relevância pelo fato de ser esse espaço um dos mais antigos da cidade, cujo desenho sofreu menos alterações, se configurando um dos últimos remanescentes dentre os jardins históricos da cidade passível de restauro. Palavras-chave: Ecletismo; Jardins Históricos; Praça dos Leões

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Praça dos Leões: reminiscências da paisagem do Centro de Fortaleza

MIYASAKI, JULIA SANTOS(1); AMARAL, GERSON LIMA (2)

1. Centro Universitário Estácio do Ceará. Curso de Arquitetura e Urbanismo

[email protected]

2. Architectus S/S. Coordenação de Projetos. [email protected]

RESUMO O século XIX se configura como uma fase marcante na história da cidade de Fortaleza visto que é o momento em que a cidade assume o protagonismo econômico da Província. O desenvolvimento da agricultura do algodão para a exportação e a chegada da linha férrea dá início a uma série de mudanças econômicas que irão repercutir em sucessivas transformações urbanas com fins de ordenamento e aformoseamento, tendo por influência direta a Belle Époque francesa. Nesse contexto se enquadram as modificações efetuadas em uma série de espaços livres públicos, ocorridas em uma conjuntura de política higienista e de aformoseamento da cidade vigente entre o final do século XIX e início do século XX, seguindo os princípios urbanísticos da época, algo comum entre as principais capitais brasileiras e da região Nordeste. Assim, propõe-se como objeto de estudo deste artigo um dos espaços livres mais antigos da cidade: a Praça General Tibúrcio, localizada no centro da cidade, compondo com o Palácio da Luz (1856), a Igreja do Rosário (1755) e a Assembleia Provincial (1871) um expressivo conjunto urbano, com prédios e praças tombados separadamente pelo Governo Estadual e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Observa-se que tal espaço já está presente nos mapeamentos mais antigos da cidade, datados a partir de 1790, e recebeu variadas designações ao longo de sua existência: Largo do Palácio, Pátio do Palácio, Praça do Palácio e finalmente, Praça General Tibúrcio. Foi local de implantação da primeira estátua da cidade em 1888, numa homenagem ao General Antônio Tibúrcio de Souza, que, posteriormente iria dar nome ao local. As praças foram o grande lugar de socialização durante os primeiros anos do século XX, até aproximadamente 1930 e, a exemplo de outros espaços livres de Fortaleza, como o Passeio Público, a Praça do Ferreira e a Praça José de Alencar, a Praça em questão também recebeu, entre 1913 e 1930, um desenho de pavimentação e canteiros de influência neoclássica, bem como a adição de esculturas de leões, que viriam a ser responsáveis pelo seu nome popular, Praça dos Leões. É interessante observar que a área da Praça resistiu às obras de reordenamento urbano orientadas pelo plano do engenheiro Silva Paulet de 1823 que delineou o traçado xadrez da cidade replicado por planos urbanísticos seguintes. Dessa forma, encontramos um espaço público que preservou sua morfologia e o conjunto de edificações que compõem sua vizinhança, tornando-se um dos últimos espaços públicos do Centro que ainda preserva seu mobiliário urbano, suas obras de arte e, em parte, sua configuração paisagística. Dessa forma, com base na análise de fontes documentais como fotografias e mapas, pretende-se analisar a evolução construtiva da Praça como parte de uma narrativa da evolução urbana de Fortaleza, destacando o seu papel como componente da paisagem e da memória urbana, num estudo que demonstra sua relevância pelo fato de ser esse espaço um dos mais antigos da cidade, cujo desenho sofreu menos alterações, se configurando um dos últimos remanescentes dentre os jardins históricos da cidade passível de restauro.

Palavras-chave: Ecletismo; Jardins Históricos; Praça dos Leões

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Introdução

O século XIX é marcado por intensas alterações na estrutura social, momento em que são

materializadas as primeiras questões urbanas, tendo como reflexo direto as modificações que

serão efetuadas no espaço da cidade. Nessa ocasião, a necessidade de projetar soluções

para os problemas gerados pelo aumento demográfico e pela mudança nos modos de

produção material se faz imperativa.

É o período em que as práticas de urbanização se desenvolvem sob a política sanitarista, com

a conjugação do saber médico com o saber do engenheiro na realização de transformações

do ambiente urbano. Abertura de grandes vias, definição de gabarito de edifícios e a

construção de redes de saneamento são efetuadas numa tentativa de resolver questões como

o escoamento da produção e problemas de saúde pública, delegando aos parques e praças

um papel estético aliado à salubridade, dando início à construção de uma nova paisagem.

No Brasil, esse conjunto de transformações tem início no período correspondente ao final do

Império e início da República e as modificações no espaço urbano se vinculam diretamente a

um ideal de progresso existente no país, procurando projetar a imagem de cidades civilizadas

e modernas.

Nesse contexto, apresentam-se como fatores que irão influenciar as obras executadas com

fins de promover a organização e o aformoseamento urbano, o estreitamento do contato com

as cidades europeias proporcionado pela abertura dos portos após 1808 e o conjunto de

reformas que foram executadas na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

As cidades portuárias situadas na costa do país são as primeiras a manifestar os primeiros

sinais de transformação espacial, com destaque, no Nordeste, para a construção dos

primeiros jardins públicos, em um processo que ocorreu primeiramente em cidades como

Recife, Fortaleza, Salvador e João Pessoa – ainda no período Imperial – e posteriormente, em

Natal, Aracaju e Maceió.

O embelezamento das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX e os jardins públicos

O conjunto de transformações nas cidades brasileiras realizadas com o fito de projetar uma

imagem moderna tem início ainda durante o Império com a vinda da Missão Francesa, no

começo do século XIX e irá atingir o seu auge no início do século XX. É na cidade do Rio de

Janeiro, então capital do Brasil, que as mais emblemáticas práticas de reorganização e

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aformoseamento do espaço urbano são executadas, influenciando as cidades brasileiras de

maior porte.

Nesse período, observa-se que os grandes edifícios públicos como igrejas, sedes de governo

e palácios da justiça são construídos como marcos no meio urbano, diferenciando-se do

restante das edificações em virtude de sua arquitetura e de um novo modo de relacionar-se

com o espaço urbano, “ficando protegidos por limites bem precisos e com posição de

destaque em relação aos percursos viários” (MOURA FILHA, 1998, p.2), atuando como

pontos de referência na malha urbana.

A construção e inserção desses edifícios fazia parte, então, de uma nova concepção de

paisagem urbana, cujo objetivo era a composição de cenários, com um tratamento de todos

os elementos urbanos de forma global, propondo o ajuste entre edifícios, ruas, praças e outros

logradouros públicos, que deveriam receber um tratamento paisagístico.

Diante desse quadro, percebe-se o desenvolvimento de práticas de urbanização e

aformoseamento – como a abertura de grandes vias, modifcação e alinhamento do traçado

viário pré-existente, estabelecimento de um gabarito para as edificações, arborização urbana,

construção de novos espaços públicos e reforma das praças existentes – sendo

desenvolvidas nas maiores cidades do país.

Em termos de análise urbanística, cumpre destacar o que afirma Aline Silva (2015, p.88),

sobre os tipos de logradouros públicos no Brasil até o período da República Velha:

No Brasil, os logradouros públicos das cidades da Colônia, do Império e dos primeiros tempos da República, considerando seus atritbutos morfológicos (traçados, equipamentos, presença ou ausência de vegetação), as funções e os usos, inclusive na sua relação com as edificações do entorno (religiosas, militares, administrativas, civis, recreativas, comerciais), podem ser reunidos em dois grupos. Por um lado, campos, pátios, largos, adros, terreiros e praças – genericamente denominados de praças, segundo a tradição urbanística lusitana e o léxico português. E, por outro, passeios públicos, jardins, squares e parques – designados, em conjunto, como jardins públicos, quando os deslocamentos dos modos de intervir e denominar os logradouros públicos se inscrevem no espaço da cidade brasileira.

Tais são os logradouros públicos que, independente da denominação, passaram a ser

convertidos em jardins com desenhos marcadamente ecléticos, em alinhamento com o que

estava sendo produzido no continente europeu. Destaca-se, como pontos comuns dentro

dessas propostas, a construção de caminhos pavimentados, canteiros com arbustos e flores,

o uso de mobiliário urbano padronizado, gradis, a construção de coretos, fontes e chafarizes.

É importante destacar que um dos aspectos mais característicos do ecletismo no paisagismo

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também estava presente: a mistura de espécies botânicas, com o grande uso de vegetação

exótica.

Em algumas cidades do Nordeste, como Recife, João Pessoa e Fortaleza, os primeiros jardins

públicos resultaram da reconfiguração de espaços públicos pré-existentes como largos,

praças, pátios e campos, que apresentavam usos tão diversos como o religioso, o comercial e

o militar. Nesse período, marcadamente no colonial e durante grande parte do Brasil Imperial,

tais espaços muitas vezes eram circunscritos por edifícios públicos importantes como palácios

de governo, de justiça, igrejas e mercados. Posteriormente, também atuariam como limitantes

desses espaços alguns equipamentos cívicos como museus, teatros, estações ferroviárias e

bibliotecas.

Embora já contassem com alguns equipamentos como chafarizes, cruzeiros, bustos ou

monumentos históricos, eram pouco utilizados pela população até serem ajardinados. Tais

espaços ajardinados – quer tivessem a configuração de passeio público ou fossem jardins

construídos em praças – tinham como inspiração o square, jardim privado que surge em

Londres como parte de uma estratégia do mercado imobiliário, numa “intervenção com fins de

transformação fundiária e imobiliária” (PANZINI, 1993, p. 144), modelo também adotado por

algumas cidades da Costa Leste americana.

Entretanto, percebe-se que o modelo de square adotado nas cidades brasileiras se aproxima

mais dos squares parisienses construídos por Haussmann em Paris – que surgem

influenciados pelos squares londrinos – os quais se localizavam em zonas movimentadas e

eram de livre acesso ao público, não se limitando aos bairros residenciais e ao acesso restrito

aos moradores como eram os ingleses.

Nas cidades brasileiras, e especialmente nas principais cidades do Nordeste, os squares

foram traduzidos como jardins cercados por gradis em praças pré-existentes, compondo um

cenário completo com a instalação de mobiliário urbano, esculturas, coretos (dentre os quais

se destacam as estruturas de ferro pré-fabricadas), fontes e chafarizes.

Também no uso os jardins públicos brasileiros se aproximam mais dos squares parisienses do

que dos ingleses: enquanto os primeiros eram frequentados pela classe trabalhadora para

atividades de lazer como leitura, passeios e concertos de música, os segundos eram restritos

ao uso dos moradores do entorno, como um jardim privado. Ademais, cumpre destacar que as

semelhanças com os squares parisienes residiam muitos mais no que diz respeito ao uso, ao

desenho e ao público, já os jardins públicos brasileiros apresentavam a peculiaridade de

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serem espaços para a realização de quermesses e celebração de datas cívicas, remetendo à

funcionalidade inicial dos espaços em que foram instalados.

Hoje, apenas alguns desses espaços permanecem como guardiães da memória das cidades,

sobreviventes que foram ao impacto da urbanização avassaladora do período moderno. Os

motivos de suas permanências não podem ser precisamente delineados, indo desde o

acautelamento pelo reconhecimento de seu valor histórico, arquitetônico e paisagístico pelos

órgãos oficiais até o abandono ocasionado pela perda de prestígio das zonas das cidades

onde estão instalados após o surgimento de novas centralidades urbanas.

A cidade de Fortaleza e seus primeiros espaços públicos

ajardinados

A formação dos primeiros núcleos urbanos no território cearense se deu inicialmente no

interior da Capitania, que até 1799 era vinculada administrativamente à Capitania de

Pernambuco. Impulsionadas pelo vulto econômico proporcionado pela atividade pecuária, as

pequenas vilas que primeiro se desenvolveram foram fundadas na interseção dos caminhos

das boiadas, nas margens dos rios ou “próximas às zonas para agricultura, na maioria das

vezes em regiões serranas ou em suas proximidades” (JUCÁ, 2007, p.225 apud

MARGARIDA, 2012, p.28).

Cidades como Icó, Aracati e Sobral foram as primeiras e se destacar como núcleos urbanos

prósperos e Fortaleza, ainda que portasse a condição de Vila a partir de 1726, ainda não

desempenhava o papel proeminente que viria a assumir posteriormente.

Entretanto, essa condição iria mudar a partir da independência administrativa do Ceará em

relação a Pernambuco e da alteração da base da economia cearense, possibilitada pelo

desenvolvimento da agricultura do algodão com fins de exportação.

Nesse contexto, o fim do monopólio português sobre as relações comerciais da colônia

brasileira marca o início de um período de prosperidade, com reflexos profundos no espaço

urbano e no modelo de vida adotado pela sociedade brasileira, e Fortaleza sente os primeiros

sinais dessas transformações a partir de 1802, quando a economia da cidade e algumas

edificações públicas se estruturam em volta do Porto, por onde era escoada a grande

produção de algodão proveniente do interior do território.

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A partir desse período, tem início um processo de consolidação e expansão do espaço urbano

da incipiente Vila que irá culminar com as ações de ordenamento e aformoseamento da

cidade ocorridos da segunda metade do século XIX até o início do século XX, em um cenário

comum a diversas cidades brasileiras. Tais ações faziam parte do ideal de progresso

existente no país, “quando se desejava construir cidades modernas e civilizadas” (MOURA

FILHA, 1998, p.1), principalmente após a proclamação da República. Tal período ficou

popularmente conhecido como a Belle Époque fortalezense, numa referência ao período de

mesmo nome ocorrido em Paris.

Dentre as ações efetuadas para a produção de espaços públicos voltados para o lazer,

destaca-se a criação, no Período Imperial, do Passeio Público, no local onde existia o Campo

da Pólvora, inaugurado em aproximadamente 1880, e a urbanização da Lagoa do Garrote,

que iria dar origem ao Parque da Liberdade em 1890, completamente equipado apenas em

1922.

Algumas das praças mais antigas da cidade que ainda hoje permanecem com o mesmo uso,

também foram agenciadas nesta época, como a Praça do Ferreira, a Praça José de Alencar, a

Praça Capistrano de Abreu, mais conhecida como Praça da Lagoinha, a Praça do Coração de

Jesus, Praça Castro Carreira e a Praça General Tibúrcio.

Todas as praças acima citadas receberam obras de ajardinamento no início do século XX e

segundo Aline Silva (2015, p.96):

As praças, quando ajardinadas, recebiam nomes que se justapunham às designações anteriores: Jardim Sete de Setembro da Praça do Ferreira (1902), antes Largo das Trincheiras, Praça Pedro II e Praça Municipal; Jardim Caio Prado da Praça da Sé (1903), antes Praça do Conselho e da Matriz; Jardim Nogueira Accioly da Praça Marquês do Herval (1903), antiga Praça do Patrocínio e atual Praça José de Alencar; Jardim Thomaz Pompeu da Praça Comendador Theodorico (1930), antes Praça da Lagoinha e atual Praça Capistrano de Abreu, e Jardim Bárbara Alencar da Praça José Júlio ou do Coração de Jesus (1931), antiga Praça da Boa Vista.

Dentre essas, destacam-se a Praça do Ferreira e a Praça José de Alencar, que até hoje

funcionam como marcos da paisagem do centro da cidade de Fortaleza. As duas Praças

apresentam características comuns às outras, como os canteiros ajardinados com arbustos e

os caminhos geometrizados, porém receberam equipamentos de maior vulto como quiosques

e coretos de ferro pré-fabricados – que também desempenhavam um papel decorativo –

esculturas e fontes. Estas eram alimentadas por cataventos, utilizados para bombear a água

armazenada nos reservatórios, e a presença dos dois equipamentos nos jardins públicos da

cidade se tornou uma característica singular dos logradouros cearenses.

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Muitos desses espaços não resistiram à passagem do tempo e acabaram descaracterizados,

principalmente a partir da década de 1940, inclusive no que diz respeito à sua configuração

territorial. Destaca-se como os que ainda guardam certa similaridade com o seu traçado

urbano original o Passeio Público, tombado pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico

(IPHAN) e a Praça General Tibúrcio.

A Praça General Tibúrcio ou Praça dos Leões

A Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões, é um dos espaços públicos

mais antigos da cidade. Esta Praça, situada no núcleo do assentamento urbano que viria a se

transformar na capital cearense, tem sua forma ainda bastante conservada, sofrendo

pouquíssimas alterações com o tempo e tornando-se um dos poucos remanescentes do que

foi originalmente o traçado da cidade.

Para melhor entendimento da sua história e dos fatores que influenciaram a sua atual

conformação, o texto foi estruturado de acordo com os principais acontecimentos, que

marcaram desde a sua origem até o seu estado atual.

Origem: O Largo do Palácio

A mais antiga representação gráfica que se conhece da cidade de Fortaleza data de 1810 e foi

elaborada pelo capitão de fragata Francisco Antonio Marques Giraldes, hoje pertencente ao

acervo do Arquivo Histórico do Exército/AHEx, RJ. O desenho aponta apenas “pontos de

referência para aviso aos navegantes que entravam no porto” (CASTRO, 1997, p.42),

destacando, de toda a malha urbana, apenas aqueles elementos que ressaltavam na

paisagem. Apresentando com maior destaque os elementos da praia e do porto, o desenho

avança dentro do continente exatamente até a representação do Palácio do Governo e da

Igreja do Rosário.

Por sua vez o mapa elaborado por Silva Paulet em 1813 apresenta com maior clareza a

configuração de quadras e arruamento. Neste documento, percebe-se a implantação do

núcleo urbano na margem esquerda do riacho Pajeú, onde se destacam a Fortaleza de Nossa

Senhora da Assunção, que iria dar nome à Vila, e uma via estruturante que se inicia na base

do Forte e segue paralelamente ao curso d’água do riacho Pajeú, denominada Rua Direita dos

Mercadores, atual Avenida Sena Madureira. Junto ao Palácio e a Igreja do Rosário a Rua

dilata-se num espaço livre, o qual serve de transição para uma malha urbana mais regular a

oeste, e para o qual se voltam os dois edifícios supracitados.

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A leste do riacho Pajeú a ocupação era mais rarefeita, visto que o rio constituía um obstáculo.

Tal é o motivo pelo qual a primeira proposta de remodelação prevista pelo engenheiro Silva

Paulet é a abertura “de uma rua ao lado oriental do riacho Pajeú, então obstáculo físico

ponderável à expansão da vila para o leste” (CASTRO, 1994, p.49), preservando o desenho já

consolidado pela Rua Direita dos Mercadores à esquerda do rio.

Figura 1: Ruas e quadras da Vila da Fortaleza, 1813 elaborado por Silva Paulet. 1- Rua paralela ao mar; 2 – Rua Direita dos Mercadores; 3 – Riacho Pajeú; 4 – Rua aberta por Silva Paulet; 5 – Palácio e Ig. do Rosário. Fonte: ANDRADE, 2012.

Tal é a origem da Praça General Tibúrcio, que está associada à criação de um espaço público

vinculado à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e ao Palácio, conformando um largo definido

pelo arruamento que margeia o leito do riacho Pajeú, batizado como Largo do Palácio, nome

pelo qual fica conhecido até 1856, quando passa a ser denominado como Praça do Palácio.

O local, seguramente uma das ocupações mais antigas da cidade, ergue-se topograficamente

em relação à bacia do Riacho formando um suave promontório originalmente denominado

Marajaik, cujo nome faz referência a abundância de palmeiras Macaúbas (Acrocomia

intumescens) que caracterizava o local antes da ocupação portuguesa. O Palácio e a Igreja do

Rosário gozavam de uma posição topográfica privilegiada em relação à Rua Direita dos

Mercadores e, provavelmente por essa razão, foram incluídos na representação do capitão

Antônio Marques Giraldes de 1810.

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O ajuste no relevo da Praça – originalmente um aclive de ligação entre a rua e a Igreja – foi o

motivo principal para a execução das primeiras obras de qualificação do seu espaço,

executadas em 1847 pelo Coronel Ignácio de Vasconcelos (1844-1847), dentre as quais se

inclui a construção de uma muralha de "384 palmos de extensão", na verdade uma contenção

que permitiu dar maior regularidade ao terreno, estabelecendo um abrupto desnível em

relação a então Rua Direita dos Mercadores, atual Rua Sena Madureira.

Nessa primeira intervenção há a adição de um cercamento em ferro de proteção ao desnível

criado e a construção de uma escada de acesso à rua, que permaneceu em nível inferior.

Tal como em diversos espaços públicos brasileiros da época, foi instalado um coreto próximo

ao muro de contenção e ao Palácio, mas todo o largo permaneceu sem qualquer

pavimentação.

O monumento: homenagem ao General Tibúrcio

Em 24 de maio de 1888, o espaço foi escolhido para implantação da primeira estátua

implantada na cidade, em homenagem ao General Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa, que

lutou na Guerra do Paraguai, que também iria dar o nome à Praça em fevereiro de 1887,

atribuído pela Câmara Municipal da cidade. O monumento é constituído por uma escultura do

General em tamanho natural implantada sobre um pedestal que, por sua vez, fundava-se

sobre uma base quadrangular que ocupava o centro da Praça.

Contrastando com o despojamento geral do espaço público, o Monumento tinha sua base

circundada por postes em ferro fundido interligados por correntes, resguardando-o, sendo,

portanto, os primeiros elementos de iluminação pública instalados no local. O conjunto de

postes correspondia ao número de batalhas vencidas pelo General, os quais tinham seu nome

gravado nas bases em ferro de cada luminária.

As primeiras fotos que existem da praça já registram a estátua no centro e algumas poucas

árvores de médio a grande porte que foram implantadas aparentemente sem qualquer

ordenamento paisagístico intencional, predominantemente próximas ao Palácio do Governo e

ao coreto.

Tal foi o aspecto que o espaço preservou até o ano de 1913 quando a praça recebeu a sua

mais significativa intervenção.

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Figura 2: Aspecto da praça no final do século XIX e início do século XX. Pode-se observar a falta de pavimentação e pouca arborização do local. Apenas o coreto e o monumento ao General Tibúrcio constituem os elementos construídos do espaço. Ao fundo, o Palácio da Luz, à direita e uma das torres da Igreja do Rosário, à esquerda. Fonte: Arquivo Nirez.

A construção da “Praça dos Leões”

Em 1913, sob as ordens do prefeito Ildefonso Albano, as obras de requalificação do lugar

promoveram uma retificação do arruamento no lado ocidental da Praça, a troca das grades

em ferro por uma balaustrada e a reforma das escadas de acesso à Rua Sena Madureira. Por

fim, a intervenção mais significativa foi o ajardinamento do espaço, que contou com um plano

de composição paisagística, criação de passeios e instalação de mobiliário. Foi nesta obra

que a Praça adquiriu a composição paisagística que lhe caracteriza até hoje.

Na intervenção realizada, vemos a segregação entre os espaços dos veículos, especialmente

os bondes elétricos, e os passeios de pedestre. O desenho de gosto clássico adotado é

característico da herança francesa que orientou o desenho de tantos outros jardins brasileiros

desde o século XIX. O traçado tomou como ponto de partida a presença do monumento ao

General Tibúrcio, mantendo-o no mesmo local e criando uma composição radial, com

caminhos que convergem para o monumento, em delicada adaptação a forma poligonal

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irregular do espaço. Curiosamente, pelo destaque dado ao Monumento, a Igreja do Rosário e

Palácio ficaram em posição secundária no arranjo final.

O monumento ao General Tibúrcio, por sua vez, teve sua base quadrangular substituída por

um jardim circular. As luminárias foram retiradas, permanecendo apenas a porção inferior de

seu fuste, a qual contém os registros das batalhas. Esses suportes, transformados em totens,

foram dispostos no perímetro circular do jardim.

O coreto antigo deu lugar a um novo em posição distinta, mais próxima à Igreja do Rosário,

dispondo de ampla visão de todo o espaço pela situação topográfica mais favorável, mas,

curiosamente, sem qualquer estrutura de coberta.

Figura 3: Ilustrações elaboradas a partir da análise da iconografia antiga apresentando a configuração da praça antes e após seu ajardinamento. Fonte: elaborado pelos autores.

O mobiliário implantado era constituído do que havia de mais aprimorado na época e era

composto por bancos em ferro fundido, postes, vasos e três esculturas de leões em bronze.

Esses elementos foram importados da França, originário da fundição Val D'Osne, que se

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destacou no cenário internacional por ter desenvolvido uma técnica de fundição que permitiu a

replicação de peças de arte em nível industrial. Sua farta produção pode ser encontrada em

várias cidades do mundo que, assim como Fortaleza, mantinham relações comerciais com a

Europa no final do século XIX e início do século XX.

As esculturas leoninas foram dispostas sobre a balaustrada que definia a praça. O leão, em

posição de maior destaque, foi implantado na esquina da Rua Conde D’Eu com Rua São

Paulo, no ponto onde a muralha de contenção da Praça adquire maior altura, conferindo-lhe

maior visibilidade. As figuras das leoas foram dispostas nos extremos da bordadura da praça

que tocavam o sistema viário então definido, uma próxima a então Assembleia Legislativa e

outra próxima à Igreja do Rosário.

Intercalados com luminárias, os vasos em bronze, convertidos em floreiras, passaram a ornar

a balaustrada.

A iconografia remanescente do período não deixa claro o registro, mas nos permite supor a

existência de um ou dois chafarizes na composição dos jardins próximos à Igreja do Rosário,

elemento muito comum nas praças e jardins ecléticos. Como possível componente dessa

fonte, remanesce na praça uma escultura anfíbia em bronze, igualmente oriunda de Val

D’Osne, que geralmente compunha a figuração de chafarizes fabricados pela Empresa como

se constata em vários exemplares de sua produção. Atualmente, a escultura encontra-se

mutilada e disposta aleatoriamente nos canteiros ajardinados da Praça.

No que tange à configuração florística do jardim, a composição adotada caracteriza-se pelo

uso de espécies exóticas adaptadas ao clima local. O ajardinamento preservou as árvores

existentes e adicionou arbustos diversos, agaves, pinheiros e palmeiras, essas últimas,

inclusive, tomando certo protagonismo na composição dos canteiros. Apesar do rigor formal

que rege toda a composição, é percebida nesse jardim eclético uma maior liberdade formal

nas composições dos agrupamentos vegetais.

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Figura 4: Aspecto adquirido após a intervenção de 1913. O jardim de gosto eclético caracteriza-se por uma mistura de espécies exóticas adaptadas ao clima local. Uma sombra no canteiro do lado direito da foto sugere a existência de uma fonte. Fonte: Arquivo Nirez.

Um dos mais notáveis elementos que hoje caracterizam a praça foi incorporado ao lugar

apenas no início da década de 1940 pelo prefeito Raimundo Alencar Araripe, que criou uma

escadaria na esquina da rua São Paulo com Sena Madureira, exatamente no vértice de maior

desnível entre a Praça e as vias. A escadaria dupla envolve um pedestal com o brasão de

armas do estado que suporta a majestosa escultura do leão que já figurava no local. O novo

elemento foi inserido em harmonia com a composição da Praça e, pela sua expressividade

formal, consolidou-se rapidamente como ícone do lugar, fazendo com que a população

passasse a denominar o local como Praça dos Leões.

Em 11 de agosto de 1952, os restos mortais do general Tibúrcio foram transferidos do

Cemitério São João Batista para a cripta construída no pedestal de sua estátua.

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Figura 5: Escadaria dupla adicionada na década de 1940 rapidamente tornou-se o símbolo do local. Fonte: Arquivo Nirez.

A saída dos símbolos de poder

Após sua requalificação, a Praça General Tibúrcio tornou-se um dos espaços públicos mais

notáveis do centro da cidade, apesar de seu tamanho reduzido, se comparado a outras praças

do centro como a Praça do Ferreira, Praça José de Alencar e Praça Castro Carreira, ou Praça

da Estação. Grande parte da notoriedade adquirida pelo lugar se deve à presença das

instituições de poder em seu entorno como o Palácio da Luz e a Assembleia Legislativa.

Contudo, no ano de 1963 o Palácio da Luz deixa de ser a residência oficial do governador e

sede do governo, após a construção da nova sede na Avenida Barão de Studart, na Aldeota.

Poucos anos depois, mais precisamente em 1977, a Assembleia Legislativa do Estado do

Ceará foi transferida para uma nova sede construída na Avenida Desembargador Moreira, no

Dionísio Torres.

Após a saída dessas Instituições do entorno da praça, fruto de um processo de deslocamento

do eixo econômico e institucional da cidade para a nova centralidade que se formava no bairro

Aldeota, tem início um processo gradual de perda de vitalidade do Centro e consequente

degradação espacial. Nesse processo, a Praça General Tibúrcio perdeu sua importância

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institucional e simbólica para a cidade, entrando em um processo de degradação espacial

marcado pela falta de manutenção e vandalismo. Disso resultou uma grande perda da

configuração do jardim, remanescendo apenas a arborização de grande porte que hoje é

responsável notória qualidade espacial do lugar, que é uma das praças mais bem

sombreadas do centro da cidade.

Intervenções e permanências

O início dos anos 1990 é marcado por intervenções realizadas pelo Governo Municipal com o

objetivo de revitalizar o centro da cidade. A principal intervenção realizada no período foi a

reforma da Praça do Ferreira, obra que resgatou a configuração espacial que o lugar possuía

no início do século XX reconstruindo, inclusive, seu maior ícone, a Coluna da Hora. As

intervenções irradiavam pelas ruas ao redor da Praça, algumas das quais foram fechadas

para o trânsito de veículos e transformadas em ruas de pedestres ou calçadões.

Pela proximidade, a Praça General Tibúrcio foi contemplada pelas intervenções. Nessas

obras, as ruas de ligação entre as duas Praças e as vias que circundam a Igreja do Rosário

foram incorporadas ao seu espaço, eliminando o trânsito de veículos pelo local.

As ações coincidem com o reconhecimento da Praça dos Leões como patrimônio histórico e

artístico através do tombamento estadual, efetuado por meio do Decreto n° 21.346 de 25 de

abril de 1991. Entretanto, verifica-se, pelo resultado final dos trabalhos executados no

período, que estes foram executados sem um apuro técnico que lhe garantisse a perfeita

preservação, restringindo-se à troca de toda a pavimentação da Praça. Seu desenho sofreu

consideráveis alterações pela criação de novos caminhos, seccionando alguns dos canteiros.

Foi elaborada uma marcação na paginação de piso de pedra portuguesa, com vistas a fazer

referência ao trilho do bonde que até a década de 50 passava pela Rua General Bezerril. O

traçado, contudo, não foi definido por qualquer testemunho físico ou registro confiável,

resultando em um traçado fictício, aparentemente fruto de oralidade e que pode não ser

compatível com a via férrea que um dia existiu no lugar.

Os elementos construídos e bens integrados da praça foram preservados integralmente,

porém constata-se que dos bancos da praça apenas um exemplar é remanescente da reforma

de 1913.

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Figura 6: Ilustrações elaboradas a partir da análise da iconografia antiga e visita ao local, apresentando a configuração da praça após adição da escadaria dupla e seu estado atual após as obras de reforma de 1991. Fonte: elaborado pelos autores

A densa arborização foi preservada e novas espécies nativas foram gradualmente

introduzidas enriquecendo a diversidade florística local, mas diferenciando do aspecto do

jardim primitivo.

Dentre os inúmeros exemplares de espécies arbóreas existentes no local, duas espécies

possuem grande relevância histórica e simbólica. O primeiro deles é a Macaúba (Acrocomia

intumescens), da qual encontramos quatro exemplares, introduzidos no jardim em data

desconhecida. Essa palmeira é a mesma que outrora caracterizava o sítio onde nasceu o

núcleo urbano de Fortaleza e que dava nome indígena ao local: Marajaik que significa “rio das

Palmeiras”.

A outra espécie de grande relevância presente na Praça é a Munguba (Pachira aquatica),

árvore oriunda da Amazônia, largamente empregada no paisagismo das cidades brasileiras

desde o século XIX, presente inclusive na Praça do Ferreira anteriormente à construção do

Jardim Sete de Setembro, em 1902.

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Ao analisar a iconografia da praça em todas as suas fases, é possível observar a presença de

um exemplar dessa árvore em frente ao Palácio. Nas fotos mais antigas, ela já se apresenta

como uma árvore de médio porte, permitindo concluir que ela foi plantada em data anterior à

implantação do monumento em 1885. Nas obras de ajardinamento de 1913, percebe-se a

realização de um trabalho de poda para elevação de sua copa.

Hoje, pelo aspecto avantajado da Munguba que figura no local, pode-se concluir que se trata

do mesmo espécime registrado em diferentes fases de sua vida, constituindo, portanto, um

dos elementos mais relevantes do lugar, registro de uma das árvores mais antigas dos

espaços públicos da capital.

A última intervenção sofrida pelo espaço ocorreu em junho deste ano, com obras que se

caracterizam muito mais como manutenção do que como restauro, embora a Prefeitura

Municipal utilize com frequência o último termo. Bancos, coreto e postes foram pintados, os

canteiros, limpos, e as lâmpadas, trocadas. A pintura efetuada nos muros e na balaustrada foi

objeto de críticas, principalmente pelo material escolhido, um verniz poliuretano acrílico a

prova de pichação de acabamento brilhante.

Figura 7: Aspecto da escadaria principal no ano de 2016 semanas antes da obra de conservação. Fonte: Gerson Amaral, 2016.

Figura 8: Mausoléu do General Tiburcio. Ao fundo podemos ver o caule de duas Macaúbas (a direita) e a centenária Munguba (ao fundo a esquerda). Fonte: Gerson Amaral, 2016.

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Conclusão

O período compreendido entre o final do século XIX e o início do XX deixou um grande legado

arquitetônico, urbanístico e paisagístico. No quadro brasileiro, o cuidado com os espaços

públicos merece especial destaque, uma vez que foi um dos momentos em que mais atenção

foi dedicada às questões de organização espacial, arborização e aformoseamento urbano.

Hoje, lidar com esse patrimônio, principalmente as praças e os jardins históricos,

apresenta-se como um grande desafio, especialmente em cidades cujos registros são

deficientes.

Em Fortaleza, essa dificuldade de encontrar informações precisas sobre os seus antigos

espaços públicos é algo comum ao quadro da maioria das cidades brasileiras, restando,

infelizmente, apenas alguns dos seus exemplares parcialmente preservados.

A Praça General Tibúrcio é um deles e sua importância histórica e simbólica somente veio a

ser reconhecida nas últimas décadas, apesar de ser um dos espaços componentes do núcleo

urbano primordial da capital cearense.

A permanência de sua configuração territorial pode se dever a uma conjunção de fatores que

não necessariamente têm conexão com o acautelamento promovido pelo Governo do Estado

em 1991, dentre os quais se destaca:

1. O “esquecimento” a que foi relegada após a saída das instituições políticas que

existiam no seu entorno e o deslocamento do eixo econômico para a Aldeota, não

sendo alvo de drásticas intervenções modernizadoras;

2. A própria conformação territorial do logradouro, cuja topografia, tamanho e forma

impossibilitaram a instalação de terminais de ônibus como os que foram instalados em

outras praças, como a José de Alencar e a Castro Carreira, a partir da década de 60.

3. O tombamento de outros bens que estão situados em seu entorno como o Palácio da

Luz, em 1968, e a antiga Assembleia Legislativa, em 1973 pelo IPHAN, teriam

contribuído para a manutenção desse espaço.

Embora as hipóteses aventadas sejam bastante prováveis, também é possível que a

expressividade estética das esculturas dos leões e o fato de os restos mortais de um “herói

de guerra” terem sido mantidos no local por muito tempo, tenham habitado o imaginário da

população, criando laços de afetividade e memória, que entre perdas e permanências, se

mantêm como condição indispensável para a preservação de qualquer bem.

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Referências

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_________. Os jardins públicos na história do paisagismo do nordeste do Brasil. In: Jardins históricos: a cultura, as práticas e os instrumentos de salvaguarda de espaços paisagísticos. PESSOA, Ana; FASOLATO, Douglas; ANDRADE, Rubens (Org.). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2015. 322p.