portugues se aprende cantando

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Darcilia Simões, Luiz Karol & Any Cristina Salomão (orgs.) PORTUGUÊS SE APRENDE CANTANDO 2007 Português se aprende cantando 2 Copyrigth @ 2005 Darcilia Simões Publicações Dialogarts (http://www.darcilia.simoes.com) Coordenadora/autora do volume: Darcilia Simões – [email protected] Co-coordenador do projeto: Flavio García – [email protected] Coordenador de divulgação: Cláudio Cezar Henriques: [email protected] Diagramação e Revisão: Darcilia Simões – [email protected] Logotipo: Rogério Coutinho Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Formação de Professores – DELE Instituto de Letras – LIPO UERJ- DEPEXT – SR3 - Publicações Dialogarts 2007

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Portugus se aprende cantandoCopyrigth @ 2005 Darcilia Simes Publicaes Dialogarts (http://www.darcilia.simoes.com)

Darcilia Simes, Luiz Karol & Any Cristina Salomo (orgs.)

PORTUGUS SE APRENDE CANTANDO

Coordenadora/autora do volume: Darcilia Simes [email protected] Co-coordenador do projeto: Flavio Garca [email protected] Coordenador de divulgao: Cludio Cezar Henriques: [email protected] Diagramao e Reviso: Darcilia Simes [email protected] Logotipo: Rogrio Coutinho Centro de Educao e Humanidades Faculdade de Formao de Professores DELE Instituto de Letras LIPO UERJ- DEPEXT SR3 - Publicaes Dialogarts 2007

2007

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)

Portugus se aprende cantando

FICHA CATALOGRFICAS407 Portugus se aprende cantando. Estratgias para o ensino da lngua nacional. Darcilia Simes, Luiz Karol & Any Cristina Salomo. (orgs.) Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007. p. 325 Publicaes Dialogarts Bibliografia. ISBN 978-85-86837-29-6 1. Lngua portuguesa. 2. Gramtica. 3. Ensino. 4. Semitica. I. Simes, Darcilia - II. Luiz Karol III Any Cristina Salomo I - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. II - Departamento de Extenso. III. Ttulo. CDD.410.415

EQUIPES DE PESQUISA DO PROJETO A MSICA E O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA (2004-2007):

PROGRAMA DE INICIAO CIENTFICANatlia Rocha Correia (UERJ/FAPERJ) Thas de Arajo da Costa (FAPERJ) Manuela Trindade Oiticica (Voluntria) Marilza Maia de Souza (Voluntria) Guilherme da Rocha Baslio (Voluntrio)

MESTRES E DOUTORANDOSAdriane Gomes Farah Claudia Moura da Rocha Ione Moura Moreira Lcia Deborah A. de Salles Cunha Marcelo Beauclair Maria Nomi Freire da Costa Freitas

Correspondncias para: UERJ/IL - a/c Darcilia Simes R. So Francisco Xavier, 524 sala 11.139-F Maracan - Rio de Janeiro: CEP 20 569-900 Contatos: [email protected] [email protected] [email protected] URL: http://www.dialogarts.uerj.br

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)

Portugus se aprende cantando

AGRADECIMENTOS

Esta a sesso mais importante dessa obra e de qualquer obra. indispenssvel agradecer a Deus por nos dar vida e inteligncia para que produzamos tudo o que necessitamos para nosso conforto espiritual e material. No plano das realizaes intelectuais, o esprito que enriquece. Muito mais rico se torna o esprito quando tem a oportunidade de reunir-se com outros tantos na busca do aperfeioamento sociocultural. Impem-se ento outros agradeimentos. equipe de trabalho que tornou possvel a existncia desse livro. Equipe complexa, contudo, nica nos seus propsitos de contribuir para a subrea lngua portuguesa, oferecendo caminhos outros para a produo de aulas proficientes porque dinmicas e agradveis. H quem diga que aprender demanda sofrimento, mas se possvel amenizar o sofrimento na direo da aprendizagem, por que 5

no faz-lo? Assim sendo, agradecemos equipe de Iniciao Cientfica bolsistas e voluntrios - Natlia Rocha Correia, Thas de Arajo da Costa, Manuela Trindade Oiticica, Marilza Maia de Souza e Guilherme da Rocha Baslio, que propiciaram estudos compartilhados de grande valia para todos ns, ao mergulharem na tarefa de selecionar letras-de-msica e discutir-lhes a estruturao verbal. Agradecemos aos alunos da turma de Mestrado 2004-1 Adriane Gomes Farah Claudia Moura da Rocha, Ione Moura Moreira, Lcia Deborah A. de Salles Cunha1 2 Marcelo Beauclair e Maria Nomi Freire da Costa Freitas pela ousadia das incurses semiticas em suas anlise, desafiando uma discusso que era alvo de desconfiana de muitos, por fora da novidade da abordagem. Aos parceiros Luiz Karol e Any Cristina Salomo que vm nos acompanhando na trajetria de explorao das letras-de-msica desde a produo de Lngua e estilo de Elomar. A todos, Muito Obrigada! Rio de Janeiro, dezembro 2007 Darcilia Simes www.darcilia.simoes.com

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Doutoranda da turma 2006. Doutorando da turma 2006.

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) NO ACASO DA CANO, ENSINA-SE A LNGUA

Portugus se aprende cantando caminhos pode ser: Portugus se aprende cantando como to bem Geraldo Vandr nos ensinou: Caminhando e Cantando e seguindo a cano / Somos todos iguais braos dados ou no / Nas escolas, nas ruas, campos, construes / Caminhando e Cantando e seguindo a cano (...) / Caminhando e cantando e seguindo a cano / Aprendendo e ensinando uma nova lioProfa. Dra. Maria Suzett Biembengut Santade Ps-Doutora em Letras pela UERJ-Rio de Janeiro/Brasil Professora Titular e Coordenadora do Curso de Letras na Graduao & Ps-Graduao FIMI/Mogi Guau/SP/Brasil Professora Titular da FMPFM/Mogi Guau/SP/Brasil Professora Colaboradora na UERJ-Rio de Janeiro/Brasil Pesquisadora do GrPesq (SELEPROT) Semitica, Leitura e Produo de Textos

( guisa de Prefcio)A msica transcende os espaos espirituais e materializados da humanidade. A msica est em todos os seres desde os primrdios da existncia da vida. A cano surge nas ondas do mar, nos gemidos das folhas e das pedras atravs dos ventos, nas chuvas batendo nos telhados e janelas. A msica, o canto, as vozes e os sons suscitam desde o bailar da vida no tero materno at o instante da travessia final de nossa existncia. A cano nina a criana, alivia a dor do doente, ameniza a perda de algum querido, alegra a estrada da sobrevivncia das pessoas... A cano est no acaso, na primeiridade, segundo a teoria semitica de Peirce. Ela existe. Quando se consegue cercar a msica com palavras que ecoam o pensar do cantante, a ela [a cano] descreve a cultura, o social, a crena, a paisagem, retratando cada ser em linguagem personificada. O livro Portugus se aprende cantando traz uma metodologia corajosa que j vem sendo aplicada em sala de aula por inquietos educadores. Profa. Dra. Darcilia Simes e seu grupo de pesquisadores tm levado as vozes dessa metodologia a eventos nacionais e internacionais atravs de trabalhos acadmicos. Tambm pertinente assinalar que tais trabalhos so gritos de rebeldia contra o ensino apagado e desanimador nas escolas do pas. Ensinar a lngua atravs da cano explorar os sons da palavra na melodia dos fonemas, morfemas, lexemas, enfim, das vozes da lngua e da linguagem. Parafraseando talo Calvino, a leveza uma das propostas para o ensino da lngua ensinar no significa repetir o que est pronto, mas criar possibilidades de compreender, desempenhar e avanar no processo da linguagem. A criatividade est na leveza das nossas aes didtico-metodolgicas e, assim, um desses 7

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)

Portugus se aprende cantando trazendo assim um estilo assemelhado ao das crnicas. Usamos esse argumento na mo contrria, apresentando-o como defesa do enquadramento das letras-de-msica como gnero literrio, com as mesmas ressalvas que se faz a certas crnicas que se prendem a fatos to especficos que acabam por situar-se no rol dos textos jornalsticos. Os textos corpus selecionados a partir do critrio de representao da variedade lingstica foram explorados nos seguintes planos: fonolgico, morfolgico, morfossinttico, sinttico, semntico e estilstico. Alm desse enfoque gramatical e estilstico, em alguns itens, foram feitas breves incurses semiticas respondendo a provocaes dos prprios textos. Por conta do nvel de explorao dos contedos textuais, nosso livro se dividiu em duas partes. A primeira parte do livro traz aos leitores letras-de-msica distribudas em sete planos de anlise, quais sejam: fonolgico, lexical, morfolgico, morfossinttico, sinttico, semntico e estilstico. Os aspectos gramaticais e estilsticos foram explorados sob o prisma funcional, propiciando uma viso mais objetiva e significativa dos fatos lingsticos, observados em seu carter ideacional, interacional e textual. O componente semitico foi subsidirio das anlises de cunho semntico-estilstico que vez ou outra se impunham. A segunda parte deste livro apresenta alguns estudos avanados com letras-de-msica que podem servir de sugesto para trabalhos de concluso de curso ou mesmo como paradigmas para planejamento de aulas no terceiro grau. Independentemente do grau de ensino, urge inserir de uma vez por todas os componentes pragmtico e variacionista, uma vez que se quer um estudo contextualizado pelos problemas cotidianos de comunicao. Assim sendo, as incurses semiticas vm trazer tona dados de natureza pragmtica (emergentes da natureza interacional dos enunciados) que no 10

APRESENTAO com grande satisfao que apresentamos aos docentes de lngua portuguesa o produto do projeto A msica e o ensino de lngua portuguesa. Este foi desenvolvido no perodo de 2004 a 2007, estando nos dois ltimos anos (ago-05 a ago-07) inserido no Programa de Iniciao Cientfica UERJ/FAPERJ. Inicialmente, o projeto A msica e o ensino de lngua portuguesa pretendia deixar como legado um livro didtico para o Ensino Bsico. Contudo, a equipe de pesquisa de Iniciao Cientfica entrou a preparar um material com uma qualidade que no se ajustava quele nvel de ensino. Assim sendo, ao invs de propor uma filtragem na discusso gramatical das letras corpus, optamos por redefinir a meta do material em elaborao, destinando-o no mais aos discentes, mas aos docentes, com vistas a oferecer-lhes estudos gramaticais em textos do gnero letra-de-msica. Logo de incio, importante esclarecer que estamos inserindo as letras de msica nos estudos dos gneros textuais veculos de comunicao que circulam na sociedade uma vez que tais textos constituem uma modalidade especfica. Debate-se a insero ou no das letras-de-msica no rol dos textos literrios. Mas h opinies contrrias baseadas no fato de nmero relevante de letras tratarem de questes cotidianas, 9

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) podem ficar de fora de qualquer estudo textual mais aprofundado. Por isso, aparecem letras-de-msica bastante diversificadas quanto ao uso lingstico, com vistas a propiciar no s o contraste entre estruturas comunicativas semanticamente correspondentes apesar de estruturalmente distintas, mas tambm a observao do tipo de sujeito sociocultural que se manifesta em tais textos, numa leitura semitica dos cenrios, dos contextos. A obra est a, disposio dos leitores. A equipe de produo se pe ao dispor para futuras conversas. Boa leitura. Rio da Janeiro, 26 de novembro de 2007. Darcilia M. P. SimesCoord do Curso de Doutorado em Lngua Portuguesa - UERJ Representante Nacional na Federao Latino Americana de Semitica FELS Membro da Diretoria da Associao Internacional de Lingstica do Portugus AILP Lder do GrPesq Semitica, Leitura e Produo de Textos SELEPROT CNPq Coord do Projeto de Extenso Publicaes Dialogarts -UERJ www.darcilia.simoes.com & www.dialogarts.uerj.br

Portugus se aprende cantando NDICE NO ACASO DA CANO, ENSINA-SE A LNGUA 7 ( guisa de Prefcio) 7 Por que ensinar portugus com msica? 17 Sons: nas palavras e nas msicas 22 Extra, Extra! Uma abordagem fonolgica que ultrapassa os muros da semntica. 28 S o me Uma abordagem lxico-fontica e semiticoestlstica. 32 S o me 32 Sodade, meu bem, sodade: lngua e cultura na letra de msica 36 Ai, palavras! Ai, palavras! Que estranha potncia a vossa! 42 Morfologia em A novidade e Nega do cabelo duro 50 A Novidade 58 A cura 66 Verbo tempo e posio 66 Funes e valores: a Morfossintaxe. 74 Timoneiro 77

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Alm do espelho 88 Mais uma vez o que 99 Mais Uma Vez 99 Faz parte do nosso show: reflexes sobre o emprego dos pronomes oblquos no Brasil 104 Quando o sol se for 118

Portugus se aprende cantando Somos ns 184 Somos ns 184 Suburbano corao 188 Linha de Passe 194 Madame Roquefort tambm tem approach 202 Vozes em Monte Castelo 207

O quebra-cabea das formas e funes 128 Outros Estudos 212 A sorte cega 132 Estudando a formao dos significados e sentidos... 140 Lenda das sereias - Estudos Semnticos 144 Lavadeira do Rio 150 Metfora: o que se diz, o que se entende 155 Agora ou nunca: estudos semnticos, produo de textos e leitura 162 Quereres: o que quer, o que pode essa lngua! 168 A msica na sala de aula: um espelho da lngua 229 O texto e as Individualidades 177 Tempo de Dondon 238 Cho de estrelas 179 Festa de Arromba 240 Noite cheia de estrelas 181 Malandragem d um tempo 241 13 14 Um estudo semitico da lngua portuguesa a partir de letras de Zeca Baleiro 213 Lenha 217 O parque de Juraci 219 Maldio 222 O hacker 224 Heavy Metal do Senhor 225

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Intil 242 Asa Branca 243 Cuitelinho 243 To Seu 244 Rosa 245 Samba do Approach 246 Arer 247 O mundo um moinho 248 As Rosas no Falam 248 Maria-fumaa o Brasil de Kleiton e Kledir 251 Maria Fumaa 252 Ensino de lngua materna: a msica como elemento de interao e de apredizagem 260 Bola de Meia Bola de Gude 262 Msica e lngua portuguesa: uma parceria de sucesso 278 Deserana 285 Corban, de Elomar: uma toada entre a morte e a vida 292 Corban 294 15

Portugus se aprende cantando A versatilidade lingstica de Aldir Blanc* 309 O Ronco da cuca 318 Carta de pedra 323

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)

Portugus se aprende cantando ticos que inspiram a Constituio e a LDB, organizados sob trs consignas: sensibilidade, igualdade e identidade. Aqui comeam a surgir os ingredientes que consubstanciam nosso projeto metodolgico. Toma vulto um entendimento equivocado acerca do ensino da Lngua Portuguesa no Brasil a partir da difuso tcnicocientfico-poltica da variao lingstica. Apoiados na idia de que aceitar a fala original respeitar o sujeito falante, a escola acabou se desviando de seu compromisso com o ensino da lngua padro, a dos documentos, a lngua em seu uso formal. A fala docente, contaminada pelo no-entendimento adequado da corrente poltico-didtica de respeito s individualidades (entre outras causas), em geral confunde-se com a fala original dos alunos e, por conseguinte, no acrescenta dados novos ao saber lingstico dos discentes. Aqui se conecta a epgrafe extrada de Ausubel que focaliza a aprendizagem significativa como mecanismo humano de apreenso de dados. Isso se associa concepo de Novak (1996) de que a aprendizagem significativa subjaz integrao construtiva entre pensamento, sentimento e ao. Logo, parece-nos que o que est faltando na reorganizao didtica de nossas aulas a percepo de um novo contexto, do qual resultam novas expectativas, novos interesses. Convm lembrar que o corpo discente de hoje difere radicalmente daquele da dcada de 1950, pois enquanto o daquela poca se compunha de crianas de classe mdia urbana, com acesso a um letramento prvio; o de hoje compem-se de crianas oriundas de segmentos mais pobres da periferia, com mais acesso s atuais tecnologias sofisticadas de comunicao que a um letramento suficiente para fazer face quela educao tradicional. Assim sendo, o aluno contemporneo no mais aceita uma aprendizagem imposta, sem conexo com seus interesses imediatos. Nessas consideraes baseia-se a nossa proposta de aproveitamento 18

POR QUE ENSINAR PORTUGUS COM MSICA?A aprendizagem significativa o mecanismo humano, por excelncia, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de idias e informaes representadas em qualquer campo do conhecimento. (Ausubel, 1963: 58)

Consideraes iniciais As prticas didticas vm sendo permeadas por mltiplos problemas de natureza poltica, social, tica, religiosa, etc. Contudo, participo de um grupo de estudiosos que acreditam que a melhoria da qualidade das relaes humanas dentro e fora da escola est intimamente ligada ao desenvolvimento da capacidade de intercomunicao. Esta, por sua vez, sobretudo nos espaos urbanos, implica o domnio de linguagens e cdigos complexos que instrumentalizam a leitura e a produo textual. A despeito disso e salvo excees, h um visvel e crescente desinteresse pelas aulas de linguagem, especialmente pelas de lngua materna. A curiosidade motor da cincia, e a instruo escolar tem de se assentar no desejo de saber. Portanto, preciso gerar um ambiente propcio para o ensino-aprendizagem. A estimulao da curiosidade condio indispensvel para o xito de qualquer processo, sobretudo no mbito didtico-pedaggico. Ainda na esteira do estmulo curiosidade e busca do conhecimento, observem-se as bases legais dos Parmetros Curriculares Nacionais PCN (Parecer CEB/CNE n. 15/98) que preconizam a formulao e implementao de polticas que devero ser coerentes com os valores estticos, polticos e 17

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) didtico-lingstico de letras de msica brasileira como texto produtivo na aquisio das estruturas do portugus em perspectiva sincrnica, sem deixar, contudo de estimular a curiosidade pelos fatos histricos que envolvem o conhecimento lingstico. Convm esclarecer que ao apontar o estudo da variao como problema na resposta didtica no significa que adotemos outra perspectiva seno a variacionista. Muito pelo contrrio, pretendemos por meio de nosso projeto (PIBIC-UERJFAPERJ/2005-2007) A Msica e o Ensino da Lngua Portuguesa subsidiar uma prtica didtica intimamente ligada variao lingstica, sobretudo com vistas a contemplar os usos que caracterizam a variada clientela escolar, muito especialmente levando em conta da migrao interna em busca de melhores condies de vida. Cabe lembrar igualmente que, muitas vezes, o desvio, acima aludido, do compromisso da escola com o ensino da lngua padro, d-se mais pelo desconhecimento ou interpretao errnea do que sejam as correntes e perspectivas variacionistas que por problemas inerentes s teorias dessas escolas. Assim sendo, no poderamos propor um trabalho com a lngua nacional que abstrasse a variao. Considerando que o ensino da lngua base da formao humana e que o ser humano um ser poltico, seria uma sandice propor trabalhos didticos e pedaggicos que no levassem em conta a pluralidade do povo brasileiro e sua manifestao na comunicao lingstica. Alm disso, se se quer uma escola para todos preciso reconhecer a variedade lingstica brasileira e, a partir dela, buscar difundir o uso padro que deveria funcionar como trao-de-unio entre todos os brasileiros. Dessa forma, pretendemos, por meio das letras de msica que 19

Portugus se aprende cantando tanto transitam entre os diversos componentes da pluralidade da expresso verbal nacional quanto a documentam instrumentalizar os falantes para a identificao de cada variedade ao mesmo tempo em que os apetrecharia para o uso padro, formal ou informal, com vistas a realizar de fato o que tem servido apenas como bordo poltico: incluso social. Pensando os contedos Com base na perspectiva variacionista que subjaz escolha da letra de msica como corpus de trabalho nas aulas de portugus, buscou-se, no projeto de pesquisa de Iniciao Cientifica A Msica e o Ensino da Lngua Portuguesa, produzir um material de apoio didtico-pedaggico que auxiliasse um planejamento de ensino significativo da Lngua Portuguesa. Entendemos que o aluno s aprende o que lhe interessa, o que faz sentido para sua vida. Logo, trazer as letras de msica para as aulas e nelas explorar a estruturao lingstica, identificar a variedade dos usos, apreender o contedo extralingstico ou enciclopdico nelas contido, em dilogo com a contemporaneidade, mostrou-se estratgia de alta produtividade em nossas experincias diretas com alunos. Por intermdio do Programa SBPC vai escola, pudemos apresentar e experimentar nossa proposta em 14 unidades escolares (federais, estaduais, municipais e particular) nas seguintes cidades: Armao dos Bzios (1), Belford Roxo (1), Cabo Frio (2), Itagua (2), Miguel Pereira (1), Niteri (2), Nova Iguau (1), Rio de Janeiro (2), So Joo de Meriti (1), Valena (1). Buscamos explorar todos os nveis da anlise lingstica fonologia, morfologia, sintaxe, semntica, estilstica alm de fazermos breves incurses semiticas para a construo do dilogo ente o verbal e o no-verbal. Nas intervenes semiticas, procuramos situar os usos lingsticos como 20

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) caracterizadores de sujeitos falantes especficos, observando contedos verbais e no verbais como ndices, cones e smbolos de grupos e prticas sociais diversificadas. Para dar cumprimento aos nossos objetivos, organizamos o contedo deste livro segundo a prevalncia de cada nvel de anlise, aquele que por sua vez emergia das letras de msica eleitas para estudo. Cumpre acrescentar que a seleo das letras foi realizada pelas pesquisadoras e seguiram como critrios bsicos a presena da variao lingstica e a riqueza expressional, seja quanto aos contedos gramaticais, seja quanto aos contedos enciclopdicos. O livro se estrutura em quatro partes, a saber: Fonologia Morfossintaxe Lxico e Semntica Lxico e Estilstica Semntica Estilstica

Portugus se aprende cantando

SONS: NAS PALAVRAS E NAS MSICASBuscamos a construo de estratgias didticas de base semitico-estilstica destinadas implementao de um ensino do idioma a partir da explorao de letras de msica brasileira. Trata-se de estudo voltado para a variao lingstica e para a anlise dos contornos icnicos e expressivos presentes nos textos musicais, a partir dos quais o estudante dever adquirir domnio da norma gramatical, riqueza lexical com capacitao para a leitura e compreenso de textos, alm do desenvolvimento da competncia para a escolha das palavras na produo textual. O preparo lingstico do cidado hodierno demanda capacidade de avaliao de textos, sobretudo quanto informatividade. Em se tratando de criao musical, acresce-se a exigncia de usos criativos da lngua. Portanto, o mercado fonogrfico nacional coetneo abundante; e, do ponto de vista da documentao de usos lingsticos variados, pode-se consider-lo relevante recurso didtico. material prximo do estudante, objeto conhecido; difere dos textos criados exclusivamente para exemplificao de fatos da lngua e que, quase sempre soam artificiais ou mesmo absurdos. Nosso objeto imediato a descrio da fala e da escrita e as intervenes de uma sobre a outra, as letras de msica podem ser consideradas excelente corpus a ser explorado nas aulas que tm o registro escrito da lngua como meta, contemplando os reflexos do que se diz no que se escreve, com vistas a formar usurios lingisticamente versteis, logo, preparados para uma participao social efetiva. Nesse primeiro captulo, exploraremos os sons da lngua e sua produtividade nas letras de msica.

Cada parte ser precedida por uma breve explanao tcnicodidtica para orientao do aproveitamento do material ento disponibilizado aos docentes. Referncias bibliogrficasAUSUBEL, D.P. The psycology of meaningful verbal learning. Nova York: Grune and Stratton, 1963. MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa. Braslia: Editora da UNB, 1999.

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Sero observadas as qualidades e caractersticas da camada fnica da lngua portuguesa operando produtivamente na construo de letras ricas quanto forma e ao contedo. Letras capazes de representar a fala diversificada do povo brasileiro e nessa diversificao demonstrar a flexibilidade, a malemolncia de nossa lngua. Nossa preocupao em inserir estudos fonolgicos neste livro deve-se ao fato de a anlise dessa articulao ser posta em segundo plano, ou mesmo omitida, na maioria dos cursos. Alm disso, quando trabalhada, o recorte enfatiza a classificao dos fonemas por si mesma, o que se torna rido e aparentemente intil para os estudantes. Veja-se o que diz Henriques:Nos estudos de lngua portuguesa, a Fonologia talvez seja o campo em que os pesquisadores encontram as maiores resistncias entre os leitores hipotticos que compem o que poderamos chamar de contingente lingstico-gramatical da esttica da recepo, data venia de nossos colegas da rea de teoria da literatura.

Portugus se aprende cantando aliterao, homeoteleuto; metaplasmos como monotongao, assimilao, etc.; traz-se a rima para o mbito fonolgico, etc. Aproveitamos para fazer relaes entre a fala padro e as variedades, para que o estudante possa perceber conseqncias grficas das diferenas articulatrias e possa aprender a identificar cada uso lingstico, sem valor-los. Em nvel profundo, perceber e aceitar a beleza das diferenas a partir dos sons de Nossa Lngua. O importante para ns foi tentar mostrar a importncia da observao da camada fnica, dando-lhe valor significativo de modo que o aluno pudesse achar sentido nesse estudo. Henriques acrescenta que:A Fonologia e a Fontica esto tambm de braos dados com a Ortografia, a Ortopia e a Prosdia, e as conseqncias da quase sempre tardia revelao dessa parceria aos alunos so por demais conhecidas de todos ns, pois se desnudam nas salas de aula dos cursos de formao de futuros professores ou mesmo no exerccio docente em turmas dos ensinos fundamental e mdio. (id. ib.)

Com efeito, a insistncia no ensino exclusivamente descritivo dos itens referentes Fontica e Fonologia, dissociados de sua aplicao real e expressiva na lngua viva, tem contribudo para a excluso nem sempre disfarada desse assunto das preferncias e galerias acadmicas. (in Simes, 2006. Prefcio 1 edio)

Uma breve reviso tcnica necessria. At o advento da Lingstica contempornea, a Fontica era considerada como um sinnimo da Fonologia, apesar de a ltima ser um termo mais recente. Talvez, por essa razo, Fontica e Fonologia (ou Fonmica) sejam ainda termos condensados nas abordagens feitas em muitos livros de Gramtica da nossa lngua sendo, em geral, apresentadas nos captulos iniciais dos livros. Com essa atitude, portanto, muitos gramticos deixam de estabelecer os limites necessrios entre 24

Por isso, as abordagens da camada fnica nas letras de msica seguem itinerrios diferentes do presente nas gramticas e em compndios didticos. Privilegia-se a observao das conseqncias estilsticas e semnticas do uso dos sons nas estruturaes frasais. Discutem-se figuras fnicas, como 23

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) um conceito e outro. Em nosso trabalho, procuramos definir as noes de Fontica e Fonologia pautadas nos limites que separam tais noes. Vamos s definies: 1. Fontica: 2.

Portugus se aprende cantando Fonologia

Ramo da Lingstica que se ocupa do levantamento e estudo dos sons produzidos pelos falantes. A fontica tem por unidade bsica o fone (cada segmento voclico ou consonantal que representa um som da fala a ser transcrito), preocupando-se somente com a articulao dos fonemas. Dito de outro modo faz parte dos estudos fonticos o reconhecimento das variadas maneiras de realizaes de um fonema como o /d/ na srie dade-di-do-du, levando-se em conta as diferenas dialetais que caracterizam as comunidades lingsticas, segundo as variaes diatpicas (geogrficas), as variaes diastrticas (sociais) ou as variaes diafsicas (individuais). A Fonologia no privilegia as diferenas de realizaes fonticas, pois elas no alteram o significado do vocbulo, estudado ento independentemente da pronncia. Assim, o vocbulo tia, que fonologicamente se representa /'ti a/, teria suas realizaes fonticas ['ti a], em regies do Norte e Nordeste brasileiro e ['tpi a] na regio Leste.

Ramo da Lingstica que descreve o funcionamento dos sons da lngua, ocupando-se da distino entre os fonemas, que so passveis de variadas realizaes fonticas, como ocorre com o /l/ que admite vrias realizaes, em diferentes regies do Brasil. Fonologia, contudo, no interessa a variao de pronncia, os sotaques, mas interessa-lhe dar conta da distino de um par de fonemas num mesmo ambiente fnico, observando-lhes as realizaes e as relaes que constroem. Por ater-se ao carter distintivo dos sons da lngua, no fica difcil depreender a estreita relao da Fonologia com outros campos da lngua, a saber, o morfolgico, o sinttico, o semntico e o estilstico. As semelhanas e as diferenas fnicas que existem entre um vocbulo e outro, ou ainda entre fatos gramaticais, podem tornar-se mais perceptveis se consideradas tambm do ponto de vista fonolgico. Com o trabalho pautado em dados fonolgicos conseguem-se esclarecer fatos semnticos importantes como homonmia, homofonia, homografia, polissemia, paronmia, que geralmente so apresentados apenas como fatos ortogrficos e por isso perdem muito de seu valor significativo quando da leitura e produo de textos, meta final de nossa proposta metodolgica de ensino da lngua materna com letras de msica. Antes de passarmos para as anlises, trazemos ao texto um excerto muito importante como endosso para a finalidade do presente livro: Seja qual for a lngua ponto de chegada, importante o domnio da lngua materna: a primeira janela para o mundo. (Vilela. 1995:

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) 250) Referncias bibliogrficas.SIMES, Darcilia. Consideraes sobre a fala e a escrita. Fonologia em nova chave. So Paulo: Parbola, 2006. VILELA, Mrio. (1995) Lxico e gramtica. Coimbra: Almedina.

Portugus se aprende cantando

EXTRA, EXTRA! UMA ABORDAGEM FONOLGICA QUE ULTRAPASSA OS MUROS DA SEMNTICA.Pode-se dizer que a lngua um sistema abstrato que se apia basicamente em quatro planos: fonolgico, morfolgico, sinttico e semntico. Entretanto, como meio de comunicao, outros traos devem ser considerados. A partir da letra de Gilberto Gil, Extra, regravada recentemente por uma banda de reggae, Cidade Negra, possvel trabalhar com o plano fonolgico, que diz respeito estruturao do som da fala, em um sistema de relaes opositivas e combinatrias para a constituio dos signos de uma lngua. Contudo, como o nosso objeto de estudo uma letra-de-msica, no poderemos excluir totalmente certas caractersticas essenciais a esse tipo de texto, como o estilo, que a apropriao dos recursos disponveis no sistema para realar um discurso (Martins; 2003; 1-3), e as possibilidades de significados explorados pela semntica (conotao), que perpassa todos os planos da lngua. Assim sendo, apesar de neste captulo privilegiarmos o estudo de um plano que concebe a lngua como um sistema abstrato, relacionaremos a este fatores que visam tambm ao processo comunicativo; voltando, dessa forma, a uma questo muito discutida desde a didtica diviso de Saussure (in Curso de lingstica geral) entre lngua e fala.Extra (Gilberto Gil - 1983) Baixa (V. 1) Santo salvador (V. 2) Baixa (V. 3) Seja como for (V. 4) Acha (V. 5) Nossa direo (V. 6) Flecha (V. 7) Nosso corao (V. 8) Puxa (V. 9) Baixa (V. 21) Santo ou orix (V. 22) Rocha (V. 23) Chuva, laser, gs (V. 24) Bicho (V. 25) Planta, tanto faz (V. 26) Brecha (V. 27) Faa-se abrir (V. 28) Deixa (V. 29)

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)Pelo nosso amor (V. 10) Racha (V. 11) Os muros da priso (V. 12) Extra (V. 13) Resta uma iluso (V. 14) Extra (V. 15) Resta uma iluso (V. 16) Extra (V. 17) Abra-se cadabra-se a priso (V. 18) Baixa (V. 19) Cristo ou Oxal (V. 20) Nossa dor fugir (V. 30) Extra (V. 31) Entra por favor (V. 32) Extra (V. 33) Entra por favor (V. 34) Extra (V. 35) Abra-se cadabra-se o temor (V. 36) Eu, tu e todos no mundo (V. 37) No fundo, tememos por nosso futuro (V. 38) Et e todos os santos, valei-nos (V. 39) Livrai-nos desse tempo escuro (V. 40)

Portugus se aprende cantando Nos versos 18 e 36, o autor evoca uma palavra cabalstica curativa, transforma-a em frase mgica (Abra, cadabra!) e insere o pronome reflexivo se, caracterizando um novo jogo de palavras, o que comprovado no verso Faa-se abrir (v. 28), ou seja, o eu-lrico, ao utilizar esse recurso, enfatiza a sua splica: que a brecha se abra para que possamos sair dessa priso que a nossa dor e os nossos temores. Ainda nesse intuito, diante do seu desespero, recorre a diversas divindades religiosas, tecnolgicas, da natureza e at mesmo a seres extraterrestres. Na seqncia dos vv.27-30, h a personificao, caracterizada pela atribuio de caractersticas de seres animados a objetos inanimados, da palavra brecha: Brecha/ Faa-se abrir/ Deixa/ Nossa dor fugir. Outro fato importante a colocao dos pronomes tonos, cuja regra respeitada pelo autor, que utiliza a nclise no incio dos perodos (VV. 28, 39, 40). bom lembrar que a colocao dos pronomes tonos regida por motivao fonolgica, isto , assenta-se na pauta acentual da lngua. Assim sendo, o uso da nclise, embora abonado por nossas gramticas, soa artificial na oralidade brasileira. Do ponto de vista semntico, observa-se, por exemplo, a seqncia de palavras nocionais (vv. 23-26). Estas, assim como: Cristo, Oxal, santo, orix, priso, santo salvador, abra-se cadabra-se, Et (...), possuem significao extralingstica, ou seja, remetem a algo que faz parte do nosso mundo fsico, psquico ou social e, por isso, atravs da sua explorao, possvel enriquecer o repertrio verbal do estudante ao mesmo tempo que se permite ampliar o seu universo enciclopdico. Quanto estruturao gramatical dos versos, podemos destacar, por exemplo, o emprego alternado de verbos no imperativo, modo que caracteriza as ordens e splicas seguidas no verso seguintes pelos seus respectivos complementos (v. 30

Ao longo da letra, notamos que o autor abusa do emprego de alguns fonemas, como as constritivas, principalmente da palatal //, tambm chamada de chiante, e da alveolar /s/. Tal insistncia consiste em um recurso estilstico denominado aliterao (Id; 48) (vv. 1-12). Observamos tambm uma srie de repeties voclicas, o que constitui a assonncia (Id; Ibid), principalmente do fonema /a/. Em relao s rimas, encontramos: homeoteleuto repetio de sons no final das palavras (mundo/fundo, valei-nos, livrai-nos) (Id; 40) e rima rica rima entre palavras de classe gramatical distinta (salvador/for, gs/faz) (Id; Ibid). Alm disso, observase um jogo (ludismo verbal) com as palavras: extra e resta, onde se pode ver a mudana de posio de letras (grafemas) do que resulta a oposio de signos verbais. Muda de posio a letra R que representa a vibrante dental simples /r/ em extra e a vibrante velar mltipla /R/ em resta; bem como muda a grafia das letras X e S que representam a sibilante alveolar mltipla /S/; a letra E vem precedida de silncio em extra e representa a vogal mdia anterior fechada //, enquanto em resta sua articulao de vogal anterior mdia aberta //. O mesmo pode-se dizer de extra e entra. A troca do grafema X pelo N, respectivamente arquifonemas /S/ e /N/, acarreta no s a oposio de signos verbais, como altera tambm a articulao da vogal precedente que em entra torna-se nasalizada. 29

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) primeira estrofe). J no refro, a palavra extra funciona como um chamariz, uma lide, muito utilizado pelos jornais, que anuncia a notcia que ser destacada. Para que se d seqncia a essa atividade, recomendamos que o professor continue analisando textos e destacando alguns recursos empregados pelos seus autores que privilegiem a estilstica fnica. importante tambm trabalhar o emprego de algumas palavras nocionais, explicando aos alunos sua origem e significado, talvez, at mesmo, pedindo-lhes que faam uma pesquisa a respeito. Nas prximas duas msicas, S o me e Sodade, meu bem, sodade, abordaremos questes lxico-fonticas associando lngua e cultura. Com isso, traremos tona a discusso referente variao lingstica, a fim de esclarecer que o fato de existir uma variante padro no significa que todas as outras devem ser ignoradas. Pelo contrrio, elas podem e devem ser valorizadas e utilizadas sempre que se fizer necessrio, ou seja, dependendo da situao comunicativa. Referncias bibliogrficas:SIMES, Darcilia. Fonologia em nova chave: consideraes metodolgicas sobre a fala e a escrita. Rio de Janeiro: H. P. Comunicao Editora; 2003. MARTINS, Nilce SantAnna. Introduo estilstica: a expressividade na lngua portuguesa. 3 ed. rev. e aum. So Paulo: T. A. Queiroz: 2003.

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S O ME UMA ABORDAGEM LXICO-FONTICA E SEMITICO-ESTLSTICA.Uma boa composio resulta de um trabalho cuidadoso. A seleo de palavras, a freqncia com que aparecem e a estruturao da frase so pensadas e trabalhadas. Por esses motivos, as letras de msica podem ser excelente instrumento a ser utilizado nas aulas de lngua portuguesa. S o me, que estudaremos a seguir, comprova a riqueza encontrada nas letras de msica brasileira e como uma nica composio pode abranger inmeros pontos de freqente discusso nas aulas de lngua portuguesa. Vejamos a letra: S O ME (Noriel Vilela)Ah m fio do jeito que sunc ta (v.1) S o me que pode ti ajud (v.2) Ah m fio do jeito que sunc ta (v.3) S o me que pode ti ajud (v.4) Sunc compra um garrafa de marafo (v.5) Marafo que eu vai diz o nome (v.6) Meia noite sunc na incruziada (v.7) Distampa a garrafa e chama o me (v.8) O galo vai cant sunc escuta (v.9) Ria tudo no cho que t na hora (v.10) E se guda noturno vem chegando (v.11) Sunc ia pa ele que ele vai andando (v.12) Ah m fio do jeito que sunc ta (v.13) S o me que pode ti ajud (v.14) Ah m fio do jeito que sunc ta (v.15) S o me que pode ti ajud (v.16) Eu estou ensinando isso a sunc (v.17) Mas sunc num tem sido muito bo (v.18)

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)Tem sido mau fio mau marido (v.19) Inda puxa saco di patro (v.20) Fez candonga di cumpanheiro seu (v.21) Ele botou feitio em sunc (v.22) Agora s o me meia noite (v.23) que seu caso pode resolv (v.24)

Portugus se aprende cantando some: ajud (v.2), diz (v. 6), cant (v.9) e resolv (v. 24). Fenmeno classificado como apcope. H tambm outras palavras apresentadas da mesma forma como so faladas popularmente, tais como: ria (v.10), guda (v.11), ia (v.12), pa (v.12), num (v.18) e bo (v.18). Em um segundo momento, podemos explorar o lxico da msica referente religiosidade. So utilizadas palavras como feitio e encruzilhada e grias, tais como: puxa-saco, marafo, candonga. Essas palavras podem auxiliar no enriquecimento do lxico, visto que podem incentivar o aluno a procurar seus significados, estimulando tambm a utilizao de dicionrios. Nesse momento, pode-se conscientizar o aluno da sujeio da lngua aos fatores interagentes sociais e temporais, visto que essas palavras, muito comuns h trs dcadas, j no o so mais; e, quando eram comuns, no o eram para todos os segmentos da sociedade. Seria o caso de propor aos alunos o seguinte problema: Em que grupos essas palavras ainda so conhecidas e correntes? Concluso Pudemos observar que a composio possibilita, portanto, no s um estudo lxico-fontico, como tambm uma abordagem semitico-estilstica, explorando as impresses que pode provocar no aluno. Sugestes de atividade O professor pode sugerir ao aluno a produo de dois textos: no primeiro ele utilizar a linguagem coloquial e no segundo a linguagem culta. Neste pode ser, por exemplo, simulada uma carta para um jornal e naquele a carta para um amigo. Outras sugestes 34

A letra de msica S o me, escrita por Edenal Rodrigues e gravada por Noriel Vilela, com a qual trabalharemos tem como objetivo retratar um dilogo entre um homem e uma entidade de umbanda. Para que isso ocorra, o compositor utiliza linguagem popular tpica dos transes msticos dessa religio, assim como vocabulrio referente a ela. Em um primeiro momento, podemos analisar a linguagem popular atravs de um estudo fontico. Observamos, j nos primeiros versos, palavras com formas diferentes. O pronome possessivo meu aparece como m (v.1); temos tambm fio (v.1) em vez de filho; me (v.2) em lugar de homem; t (v.1) em vez de est. Este ltimo muito freqente em linguagem de Internet.IMPORTANTE: A oralidade est cada vez mais presente na escrita. A linguagem utilizada na Internet, que est em constante crescimento, um timo exemplo. No entanto, importante que o aluno compreenda a importncia do conhecimento da norma culta, visto que dever utiliz-la em dissertaes e outras situaes que a exijam. Devemos lembrar que Um uso lingstico deve estar adequado s situaes e aos contextos em que se fala ou escreve. Assim, no nvel do saber expressivo, o usurio competente necessita responder, antes de mais nada, a trs perguntas: de que pretende falar?; com quem pretende falar?; em que contexto pretende falar? Com isso, importam-lhe no as noes de certo e errado, mas de adequado e inadequado, cujas definies so deveras discutveis e numerosas em graus bastante diferentes. (Henriques, 2003)

Em seguida, podemos analisar os verbos ajudar, dizer, cantar e resolver; que aparecem na msica, da mesma forma como na oralidade, porquanto o fonema /r/ vibrante, travador de slaba, 33

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) No quinto verso, encontra-se o numeral um seguido do substantivo garrafa. A partir dessa construo o professor poderia ensinar ao aluno os substantivos feminino e masculino, explicando as excees e a partir delas aprofundar o estudo em substantivos epicenos, comum de dois gneros etc. No dcimo verso, encontramos a forma ria, em vez de arria. Verbos como este causam dvidas ao aluno. Conjugar os verbos pentear, grampear, variar, maquiar sempre muito complexo e, por isso, merecem um estudo mais aprofundado, no qual o professor poder explicar a estrutura verbal para que o aluno possa utiliz-los em textos acadmicos da forma correta. No refro observamos o pronome ti sendo usado no lugar de te, fato que permite o estudo de pronomes retos, oblquos, incluindo, por exemplo, a questo do entre eu e voc em oposio a entre mim e voc, a qual complexa e no est clara para a maioria dos estudantes. No estudo a seguir, aproveitamos a letra de msica Sodade, meu bem, sodade para abordarmos de forma mais aprofundada o estudo de variao associado cultura. Referncias bibliogrficasCUNHA, Celso e Lus F. Lindley Cintra. Nova gramtica do portugus contemporneo. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. GARCIA, Othon M. Comunicao em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 23 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. HENRIQUES, Cludio Cezar. Sintaxe portuguesa para a linguagem culta contempornea. 3 ed. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 2003. SIMES, Darcilia. Fonologia em nova chave: consideraes metodolgicas sobre a fala e a escrita. Rio de Janeiro: H. P. Comunicao Editora; 2003.

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SODADE, MEU BEM, SODADE: LNGUA E CULTURA NALETRA DE MSICA

Durante muito tempo acreditou-se que, nas aulas de Lngua Portuguesa, o professor deveria optar por apresentar ao aluno apenas a norma padro privilegiando, em tese, o ensino da Gramtica a arte do bem falar e do escrever bem, conceito que nasceu na Grcia com o objetivo de preservar a cultura clssica e foi estabelecido pelos romanos (Ribeiro, 2001: 143). Essa concepo de ensino de Lngua Materna vem, no entanto, tornando-se cada vez mais discutida dada a relevncia de se apresentar ao aluno outras modalidades de lngua, a fim de aproximar o estudante de sua prpria cultura. Essa perspectiva didtica ajuda a problematizar um aspecto pouco discutido nos ambientes acadmicos: o corpo docente no o nico produtor de saber, o aluno parte fundamental nessa produo. Nessa letra que selecionamos, Sodade, meu bem, sodade, apresentamos um exemplo de como pode se dar esta aproximao do aluno com uma das variantes da nossa lngua: a variante caipira. Alm disso, oportuno observar o modo como o falante contribui no processo de evoluo da lngua, fenmeno que o professor no deve ignorar. O contato com uma modalidade de lngua diferente daquela que o aluno est acostumado a ver na escola o uso padro propicia a ampliao e o enriquecimento do lxico, sem, contudo, desprivilegiar a norma padro, que o nosso parmetro nas aulas de Lngua Portuguesa. Vejamos a letra-corpus:

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)Sodade, Meu bem, Sodade Sodade, meu bem, sodade (v.1) Sodade do meu amor (v.2) Foi se embora, no disse nada (v.3) Nem uma carta deix (v.4) E os io da cobra verde (v.5) Hoje foi que arreparei (v.6) Se arreparasse h mais tempo (v.7) No amava quem amei (v.8)

Portugus se aprende cantandoVariante caipira sodade (1) io (2) (3) arreparei/ arreparasse (4) trabaio (2) arrenego (4) t (5) Variante padro saudade olho reparei/ reparasse trabalho renegar est

(Dorival Caymmi)

Quem levou o meu amor (v.9) Deve ser o meu amigo (v.10) Levou pena, deixou glria. (v.11) Levou trabaio consigo (v.12) E arrenego de quem diz (v.13) Que o nosso amor se acabou (v.14) Ele agora t mais forte (v.15) Do que quando comeou (v.16)

(1) monotongao/assimilao voclica: /aw/ > /o/. (2) despalatalizao/vocalizao: // > /I/ (3) apcope do travamento silbico: /S/ > // (4) prtese: // > /a/ (5) afrese: /eS/ > //

Sobre o ttulo O ttulo revela o tema da msica - Saudade - alm de apresentar a variante lingstica sodade - predominante no texto, a variante caipira. Partindo do tema Saudade pode-se, ento, explorar o seu valor semntico que induz o leitor/ouvinte a imaginar outros termos de valor similar, como afastamento ou perda de um ente querido. Seguindo a leitura do texto, essa constatao ser comprovada, pois desenvolvida no texto a lamentao de algum que ficou sem a pessoa amada, que partiu sem avisar. A escolha lexical A escolha lexical (seleo vocabular), que, no caso, privilegia a variante caipira, pode ser apontada como trao marcante no texto, aproveitando-se para fazer observaes das caractersticas dessa modalidade que apresenta alteraes nos fonemas que compem os vocbulos, como se verifica nos exemplos apontados no quadro a seguir:

Tendo em vista os metaplasmos envolvidos, muito produtivo que o professor faa uma relao entre os eixos sincrnico e diacrnico da lngua, mostrando (1) que esses processos de alterao da massa fnica tanto ocorreram no desenvolvimento histrico da lngua, quanto ocorrem atualmente; e (2) que, nas variantes utilizadas pelas comunidades rurais, tanto se preservam formas arcaicas da lngua, quanto ocorrem mudanas. Nos exemplos apontados, muito importante destacar que a monotongao, reduo de ditongo para fonema simples, uma tendncia comum na fala dos brasileiros, como, por exemplo, ei para e, ou ainda de ou para o como ocorre na realizao fontica de deixou> dex. No ttulo do texto, Sodade, meu bem, sodade ocorre um caso de monotongao (os ditongos so simplificados por asssimilao parcial da semivogal base) do ditongo /aw/ na palavra saudade> sodade em o. Por assimilao, do ditongo au originou-se o ou, como em aurum>auro>ouro (Silva Neto, 1977). Dessa forma, a vogal o, mais fechada que a vogal a, torna-se mais prxima do u. Com a tendncia ao fenmeno da 38

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) monotongao, a semivogal deixa de ser pronunciada no vocbulo sodade, e o ditongo desaparece. OUTRAS PESQUISAS INTERESSANTES NA LETRA-CORPUS: A) linguagem metafrica A meno ao animal cobra no quinto verso do texto e os io da cobra verde faz referncia traio sofrida pelo eulrico, por ter sido abandonado sem aviso, como fica esclarecido nos versos anteriores: foi se embora, no disse nada/ nem uma carta deixou (vv.3-4). Sabe-se, pois, que olhar nos olhos de algum com quem se fala implica uma relao com a verdade (Simmel, 2000:19). O olhar diretamente nos olhos, no ato da conversa, transmite uma segurana ao interlocutor em relao ao que ouve. Note-se que o termo cobra traz consigo o valor semntico de traio, mas acompanhada do adjetivo verde, recebe outra conotao: a de esperana. A cobra verde conhecida como inofensiva em algumas regies interioranas do Brasil e, devido sua cor, costuma-se atribuir-lhe a simbologia da esperana. B) colocao pronominal Observando-se as frases abaixo, atentaremos para a posio dos pronomes oblquos tonos: antes (prclise) e depois (nclise) do verbo.

Portugus se aprende cantando Observe-se, ainda, que o caso exemplificado foi-se embora, no disse nada o pronome se pode ser identificado como uma partcula de realce (ou partcula expletiva). A sua retirada da frase, portanto, no implica alterao sinttica nem semntica. Vejamos:

foi-se embora no disse nada foi embora no disse nada

exprimem a mesma mensagem. Na segunda frase destacada, que o nosso amor se acabou, inverte-se a situao de uso do pronome se. Ele anteposto ao verbo sem obedecer a nenhum critrio prescrito na norma padro. Nesse caso, a norma gramatical privilegia o uso da nclise. A prclise pronominal (Leito, 2000: 211-12) empregada na lngua portuguesa, dentre outros casos:

aps palavras e expresses que indiquem negao, aps um pronome indefinido, aps um pronome relativo, os quais ganham tonicidade ao associarem-se ao pronome.

Atente-se, portanto, ao uso do pronome anteposto ao verbo que foi usado para beneficiar a manuteno do ritmo da msica, em que o autor se valeu de uma prerrogativa estilstica disponvel para os textos poticos, em especial.

Foi-se embora, no disse nada (v.3). Que o nosso amor se acabou (v.14) Concluso Com a anlise dessa letra de msica sugerimos que o professor perceba mais que a simplicidade ou a forma grotesca do modo de falar do caipira. Desejamos antes, mostrar a riqueza dos 40

No primeiro caso tem-se uma nclise (pronome depois do verbo) em que a colocao do pronome est obedecendo norma gramatical de no se iniciar frases com pronome tono. 39

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) fenmenos lingsticos nos diversos planos da lngua morfolgico, fonolgico, semntico, sinttico e estilstico que a variao dialetal apresenta. Alm disso, uma maneira democrtica de consolidar a lngua nacional e enriquecer a experincia lingstica dos alunos (cf. Simes, 2004:111). Sugesto O professor pode aproveitar essa anlise para trabalhar variao regional. Letras de msica do autor Patativa do Assar podem ser sugeridas para os alunos pesquisarem mais sobre o assunto. Referncias bibliogrficas.LEITO, Luiz Ricardo (org.). Gramtica Critica: o Culto e o Coloquial no Portugus Brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 2000. RIBEIRO, Ormezinda. M. Ensinar ou no a Gramtica na Escola? Eis a Questo. In: Linguagem & Ensino, Vol. 4, No. 1, 2001 (141-157). Artigo disponvel na internet: hptt://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v4n1/h_ormezinda.pdf SIMES, Darcilia. Fonologia em nova Chave: consideraes sobre a fala e a escrita. Rio de Janeiro: H.P. Comunicao Ed. 2 ed., 2005. _______. Lngua Portuguesa e Cidadania: Uma perspectiva multidialetal para o ensino. In: HENRIQUES, Claudio Cezar & SIMES, Darcilia (orgs.). Lngua e Cidadania: novas perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: editora Europa, 2004. (pp.89-113) SILVA NETO, Serafim da. Introduo ao estudo da lngua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Presena, 1977.

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AI, PALAVRAS! AI, PALAVRAS! QUE ESTRANHA POTNCIA A VOSSA!Lutar com palavras / a luta mais v. / Entanto lutamos mal rompe a manh. / So muitas, eu pouco. / Algumas, to fortes / como o javali. (...) / J vejo palavras / em coro submisso, / esta me ofertando / seu velho calor, / outra sua glria / feita de mistrio, / outra seu desdm, / outra seu cime, / e um sapiente amor / me ensina a fruir / de cada palavra / a essncia captada, / o sutil queixume. (Fragmento de O Lutador, de Carlos Drummond de Andrade.)

Por que palavras? Tanto o ttulo deste captulo (verso de Das palavras areas, de Ceclia Meireles) quanto o poema em epgrafe documentam a fora das palavras e a responsabilidade no lidar com elas. Segundo Saussure (1857-1913) a palavra (ou signo lingstico) seria a unidade mnima de comunicao. Ainda que a lingstica e a semiologia tenham evoludo substancialmente, o estatuto interacional da palavra se confirma a cada dia. Tambm reafirmado o seu poder de mutao semntica, com o qual o falante luta a cada instante de expresso e comunicao. Segundo Gil (2006), o lxico o mdulo integrante do sistema da lngua em que se realizam a produo e a transformao dos recortes culturais de determinada comunidade lingstica. Alm disso, ele revela valores ideolgicos e vises de mundo dos sujeitos interlocutores, produtores da enunciao membros dessa comunidade. O acervo de lexemas da lngua tambm retrata o conjunto da 42

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) experincia humana acumulada ao longo da histria do homem, suas prticas sociais e culturais, assim como o movimento de expanso e alterao dessas prticas, o surgimento de novas experincias, novas idias ou novas tcnicas. A indiscutvel importncia do vocabulrio de uma lngua pode ser comprovada por iniciativas como a da Academia Brasileira de Letras quecriou, preliminarmente, a Comisso de Lexicografia, que mais recentemente se ampliou nos propsitos com a Comisso de Lexicografia e Lexicologia. Por lexicografia se entende a arte de fazer um dicionrio e por lexicologia a cincia que estuda e descreve o lxico de uma lngua. (In http://www.academia.org.br/)

Portugus se aprende cantando ensino da lngua materna foi empobrecido e, em alguns casos, relegado a segundo ou terceiro plano ou ao preenchimento de formulrios didticos(?) com a identificao de formas da lngua. A incluso da redao no Vestibular (dcada de 80) e em outros processos seletivos promoveu mudanas nas prticas didticas de lngua portuguesa no Brasil. Contudo, parece que a preocupao formal suplantou a preocupao com o contedo, e os usurios (alunos, candidatos, etc.) demonstram, geralmente, o compromisso com modelos redacionais prmoldados (cf. nariz de cera) sem que percebam a importncia fundamental da seleo vocabular na construo de seu texto. Antes mesmo do trabalho com a redao, as atividades de compreenso e de interpretao de textos atestam a fragilidade verbal do falante mdio brasileiro (o que conclui a escola bsica). Durante a leitura de um jornal, revista, manual de instruo, contrato comercial, bula de remdio, etc., este falante absorve um percentual mnimo (muitas vezes insuficiente) do contedo inscrito no texto. Estudos tm sido realizados no sentido de avaliar o processo de alfabetizao com vistas a melhorar a qualidade do trabalho escolar. Segundo Oliveira (2005: 377),As competncias relacionadas com os objetivos da aprendizagem da leitura, a compreenso e produo de textos so de natureza muito mais complexa. O ensino dessas competncias antecede, acompanha e sucede o processo de alfabetizao, mas independente delas. As pessoas compreendem antes de saber ler e so capazes de contar histrias, fazer descries ou relatar notcias antes de saber escrever.

Prestigiando a catalogao lexical (dicionarizao) e a o estudo cientfico do lxico de uma lngua, a ABL e a comisso de Lexicologia e Lexicografia se debruam sobre a riqueza verbal portuguesa e, por intermdio do Vocabulrio Ortogrfico, possibilitam um conhecimento amplo e ajustvel das unidades lexicais do portugus. A despeito disso, frgil o trabalho didtico com a palavra. Diante das mudanas sociais refletidas nos processos de interao verbal informais, cada dia mais truncados, o trabalho escolar em torno da palavra se mostra insuficiente. Paulatinamente os textos produzidos pelos estudantes demonstram o empobrecimento lexical. O desinteresse pelo vocabulrio da lngua cresce medida que o falante se satisfaz com comunicaes pseudo-telegrficas, pobres de detalhamento e cheias de impreciso. O velho bordo popular Entendeu no sacrifica!, para apoiar expresses verbais inadequadas, truncadas, adentrou a sala de aula e, legalizado por polticas de promoo automtica (ou similar), o 43

O autor adverte sobre a diferena fundamental entre aquisio da escrita e competncia expressional. Separa leitura e 44

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) letramento. Compreende a aprendizagem da leitura e da produo textual como processos semiticos, no exclusivamente lingsticos, e precedentes interveno escolar. No entanto, essa interveno a mola propulsora da competncia verbal dos sujeitos. Na escola o falante deve expandir seu potencial lingstico, somando a sua variedade verbal original a outras variedades, em especial o uso padro, formal ou culto. Nessa expanso se sobressai a aquisio lexical. freqente o aluno pedir para responder uma questo oralmente, quando dele solicitada uma resposta escrita. E isso se deve pouca ou nenhuma experincia redacional somada precariedade vocabular, esta oriunda da pouca leitura. Assim sendo, o treinamento para concursos se mostra antagnico ao trabalho escolar cotidiano com a lngua. Naquele, cobra-se do sujeito leitura e compreenso de textos, bem como a identificao de usos adequados ou no a dada variedade lingstica. Cobra-se a redao em registro formal e com tamanho determinado. Ao passo que a escola, atada a uma idia torta de respeito s diferenas (individuais, raciais, regionais, religiosas, polticas, esportivas, etc.) acaba por deixar solta a expresso verbal, e o sujeito consegue chegar ao ensino superior com um nmero irrisrio de palavras. Em decorrncia, l mal e escreve pior ainda. Por tudo isso, nosso projeto didtico de explorar letras de msica para aquisio de domnio vernacular se funda no fato de ser a capacidade comunicativa repartida entre todas as formas de comportamento (cf. Fonseca & Fonseca, 1990: 93), entre todas as atividades biossociais (Neves, 2004: 97). Assim sendo, projeta-se um ensino apoiado em textos reais e prximos da experincia do alunado, para, a partir desse corpus, apreciar a riqueza vocabular da lngua portuguesa, identificar os ajustes idiomticos segundo a variao lingstica e instrumentalizar os sujeitos para o uso formal, ou culto da 45

Portugus se aprende cantando lngua. Dentre outras qualidades, a explorao das letras de msica permite um trabalho ldico com a lngua a partir da criatividade dos compositores que transitam do erudito ao chulo em seus textos. Ilustrando: O uso eruditoOuviram do Ipiranga as margens plcidas De um povo herico o brado retumbante, E o sol da Liberdade, em raios flgidos, Brilhou no cu da Ptria nesse instante. (Fragmento do Hino Nacional Brasileiro)

O uso formalMinha vida era um palco iluminado Eu vivia vestido de dourado Palhao das perdidas iluses Cheios dos guizos falsos da alegria Andei cantando a minha fantasia Entre as palmas febris dos coraes (Fragmento de Cho de Estrelas, de Slvio Caldas e Orestes Barbosa)

O sertanejoAi clari, ai ai clari Ai clari, ai ai clari Ai clari, ai ai clari Purriba dos lajedo o l cheg J c na cabicera a funo pispi Ami cedo a la j entr E eu v pass a noite intera// Cantano clari

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)(Fragmento de Clari, de Elomar Figueira Melo)

Portugus se aprende cantando(fragmento de Se ela dana, eu dano, de MC Leozinho)

O uso popular com duplo sentido (passando ao chulo)A malandro... vamos despertar essa veia potica que voc tem adormecida. vamos interar essa rima a! mas intera com carinho cuidado pra no me comprometer! Olha a rima o negocio rimar, olha rima que d, olha rima, o negocio rimar Perigosa a rima que d! (Fragmento de Olha a rima, de Dicr)

Popular potico-metafricoGarimpeira da beleza te achei na beira de voc me achar Me agarra na cintura, me segura e jura que no vai soltar E vem me bebendo toda, me deixando tonta de tanto prazer Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, no vou esquecer. Eu que no sei quase nada do mar descobri que no sei nada de mim Clara noite rara nos levando alm da arrebentao J no tenho medo de saber quem somos na escurido (Fragmento de Eu que no sei quase nada do mar, de Ana Carolina e Jorge Vercilo)

O estrangeirismoVenha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferryboat (Fragmento de Samba do Approach, de Zeca Baleiro)

O uso popularSe ela dana eu dano Se ela dana eu dano Se ela dana eu dano, falei com o DJ Pra fazer diferente Botar chapa quente pra gente danar Me diz quem a menina que dana e fascina Que alucina querendo beijar

E nessa trilha, a msica brasileira se oferece ao estudo com beleza e exuberncia, permitindo ao estudante uma viagem pela pluralidade da fala brasileira que se reflete na produo potico-musical. Vamos aos estudos lexicais para entender os mecanismos de produo e produtividade dos vocbulos em portugus, mediante o levantamento de aspectos semnticos especficos, ao indispensvel tanto clareza da recepo, quanto preciso da produo textual.

Referncias bibliogrficas 48

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)FONSECA, Fernanda Irene & Fonseca Joaquim. Pragmtica lingstica e ensino do portugus. Coimbra: Almedina, 1990. GIL, Beatriz Daruj. O amor no lxico de canes populares. In http://gel.org.br/4publica-estudos-2006/sistema06/999.pdf NEVES, M. H. M. Que gramtica estudar na escola? So Paulo: Contexto, 2004. OLIVEIRA, Joo Batista Arajo e. Avaliao em Alfabetizao. Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.48, p. 375-382, jul./set. 2005.

Portugus se aprende cantando

MORFOLOGIA EM A NOVIDADE E NEGA DO CABELO DUROA morfologia nos permite observar a formao das palavras, como elas se estruturam, que conseqncias podem causar o acrscimo, a comutao ou a substituio de morfemas (mudanas de classe, ou significado, o que ocorre no acrscimo de afixos, ou, como no caso das desinncias, mudana de gnero, modo, tempo, nmero ou pessoa). Comearemos o estudo da morfologia atravs de duas msicas: A novidade de Gilberto Gil e Nega do cabelo duro de David Nasser e Rubens Soares. Na primeira, daremos nfase anlise de substantivos e adjetivos, na segunda, daremos nfase aos verbos. Partamos, ento, para os morfemas, iniciando por sua definio.

Morfema - Menor unidade significativa que constitui o elemento ou elementos integrantes do vocbulo. O morfema pode ter significao externa ou interna. Significao externa refere-se ao mundo extralingstico, biossocial (morfema-lexical). Significao interna refere-se a noes puramente gramaticais (morfema gramatical).

Os morfemas dividem-se em: radical, vogal temtica, afixos e desinncias. Radical Parte lexical de um vocbulo referente realidade extralingstica. Corresponde ao elemento irredutvel, parte comum, de mesmo significado, de palavras de uma mesma 49 50

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) famlia. Considerando-se a srie pedra, pedreiro, pedraria, pedregulho, o radical representado pelo segmento pedr-, irredutvel e indivisvel. Vogal temtica. Podem ser nominais ou verbais. As vogais temticas so a, -e, -o tonos. Como vemos, por exemplo, em mesa, mente, bolo. de extrema importncia fazermos aqui a diferenciao entre vogal temtica e desinncia de gnero feminino. O a pode ser uma vogal temtica como em faca ou uma desinncia de gnero como em gata. Para entendermos a diferena necessrio comparar os vocbulos. Se houver oposio no masculino, como em gata e gato, o a ser desinncia de gnero feminino. Esse fenmeno no ocorre com mesa e *meso, pois esta ltima forma no existe em lngua portuguesa, neste caso o a ser vogal temtica (Kehdi, 2003). Gata gat- = radical, -a desinncia de gnero feminino, = desinncia de nmero singular. Gato gat- = radical, -o = vogal temtica, = desinncia de gnero masculino, = desinncia de singular Mesa mes- = radical, -a = vogal temtica, = desinncia de nmero singular. Nomes atemticos so os que no apresentam vogal temtica. Terminam em vogal tnica ou consoante. Ex.: sof, caf, caqui, jil, tatu. Estas palavras quando sofrem acrscimo de sufixo, no perdem a vogal tnica, isto comprova que essas vogais fazem parte do radical, no so, portanto, vogais temticas. Repare-se que a grande maioria dos nomes atemticos, segundo a Filologia Clssica, tem origem extica e no vernacular, em outras palavras, so emprstimos de lnguas, como o tupi e as lnguas africanas e orientais, 51

Portugus se aprende cantando que concorreram na formao do lxico do Portugus Brasileiro. Essa informao pode ser trabalhada como ndice da formao multirracial da sociedade brasileira. Vogais temticas verbais h trs vogais temticas verbais: -a (primeira conjugao), -e (segunda conjugao), e i (terceira conjugao). A forma mais fcil de identificar essas vogais busc-las no infinitivo: so as vogais que aparecem imediatamente antes da desinncia r (falar, vender, partir). Como se trata de morfema caracterizador da conjugao, em casos problemticos (como verbo pr na 2a. conjugao CII), basta que se conjuguem verbos, formando paradigmas, e a VT se apresentar visivelmente: CII = VT E CII = VT E Vendesse Pusesse Vendesses Pusesses Vendesse Pusesse Vendssemos Pusssemos Vendsseis Pussseis Vendessem Pusessem CIII = VT I Partisse Partisses Partisse Partssemos Partsseis Partissem

CI = VT A Cantasse Cantasses Cantasse Cantssemos Cantsseis Cantassem

As vogais temticas verbais apresentam algumas variantes:

-a- > -e- (primeira pessoa do singular do pretrito perfeito do indicativo amei) -a- > -o- (terceira pessoa do singular do pretrito perfeito do indicativo amou) -e- > -i- (pretrito perfeito do indicativo vendia; primeira pessoa do singular do pretrito perfeito do indicativo vendi; particpio passado vendido).

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Afixos: prefixos e sufixos. So afixos os morfemas que se juntam ao radical, para alterar o significado (igual desigual), ou para acrescentar uma idia secundria (casa > casinha ). Denominam-se prefixos os afixos que se antepem ao radical (reescrever, ilegal, desnecessrio) e sufixos aqueles que se pospem a ele (ressentimento, calmamente). Esta, no entanto, no a nica caracterstica que os distingue. O acrscimo de um sufixo contribui, muitas vezes, para a mudana de classe, por exemplo, flor (substantivo) > florescer (verbo), o que no ocorre com o prefixo. Alm disso, os prefixos, normalmente, se associam a verbos (desfazer) e a adjetivos (infiel); quando se prendem a substantivos esses so geralmente deverbais (desrespeito). Os sufixos, por sua vez, podem ser nominais e verbais. So nominais quando contribuem para a formao de nomes (substantivos e adjetivos): pagamento, mortal; so verbais quando contribuem para a formao de verbos: galantear, civilizar, florescer, saltitar. H somente um sufixo adverbial (mente), que se associa forma feminina do adjetivo: vagarosamente, gentilmente. H elementos intermedirios que unem a raiz a um sufixo, chamam-se interfixos. O tema no ponto pacfico entre os estudiosos (cf. Bechara, 1999: 339-40): uns apontam os interfixos como morfes vazios; outros, como portadores de significado. Monteiro (2002: 59-ss), entretanto, assevera que a vacuidade semntica desses elementos tem de ser vista com maior cautela. Vejamos os verbos acima listados: flor-e-sc-er flor-ir; salt-it-ar salt-ar. No primeiro caso, h diferena entre uma ao que comea e se prolonga no tempo (uso popular) e outra que se toma em sua forma imediata, abstrata; no segundo, a diferena entre ato repetido e ato nico. Veja-se ainda os exemplos de Monteiro (Op. cit.: 61): vend--vel significa que se vende com facilidade, enquanto vend--vel se refere 53

Portugus se aprende cantando ao que pode ser vendido Por isso, matria para pensar. Segundo a teoria eleita, poderemos ter formas como ec- nos verbos incoativos como um interfixo. Alm dessa forma, poderemos resolver o problema das vogais e consoantes de ligao (cuja nomenclatura que fonolgica - colide com o plano de anlise, que mrfico), as quais passariam tambm a ser interrpretadas como interfixos, caso o analista no as aceite como integrantes de alomorfes de sufixo. Desinncias So os morfemas finais de palavras variveis que indicam, nos nomes, as flexes de gnero e nmero (desinncias nominais); e, nos verbos, de tempo-modo e nmero-pessoa (desinncias verbais). Assim sendo, os sufixos podem ser divididos em flexionais e derivacionais. Os flexionais podem ser chamados tambm de desinncias. Do ponto de vista estrutural, no apresentam distino, contudo, no mbito sinttico, funcionam de modo diverso, a saber: Os sufixos derivacionais (ou simplesmente sufixos) operam apenas no plano morfossemntico, promovendo acrscimos nos significados lexicais dos vocbulos. Assim, mesa e mesinha indicam coisas distintas; do mesmo modo, ocorre com feliz e infeliz e felizmente.

O sufixo derivacional possibilita a criao de novas palavras, ampliando o lxico da lngua (ferro/ferradura). Os sufixos flexionais (ou desinncias) operam alm do plano morfossemntico pois materializam o processo de concordncia nominal e verbal.

As desinncias atualizam a palavra na frase. Para ilustras, 54

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) vejamos: As meninas inteligentes estudam muito. As e inteligentes concordam com o substantivo meninas em gnero e nmero, uma vez que, esto subordinadas a ele; e a forma verbal estudam concorda em nmero e pessoa com o sujeito As meninas inteligentes. Ao contrrio dos sufixos, as desinncias tm uso obrigatrio condicionado aos mecanismos de concordncia. Os morfemas desinenciais, responsveis pela marcao da concordncia, dividem-se em nominais e verbais. Sufixos flexionais nominais ou desinncias nominais As nominais, por sua vez, subdividem-se em:

Portugus se aprende cantando Pessoa 1 P 2 P 3 P 4 P 5 P 6 P

Desinncias modo temporais da primeira conjugaoPres. Ind. Pret. Imp. VA VA VA VA VE VA Pret. Perf. P.Maisq- Perf. RA RA RA RA RE RA Fut. Pres. RE RA RA RE RE R Fut. Pret. RIA RIA RIA RIA RIE RIA Pres. Subj. E E E E E E P.Imp. Subj. SSE SSE SSE SSE SSE SSE Fut. Subj. R RE R R R RE Inf. Pes. R RE R R R RE

De gnero Morficamente utiliza-se a desinncia de gnero feminino a em oposio ao morfema zero para o masculino. Ex: menina / menino. De nmero Efetuando comparao entre os vocbulos pente/pentes verificamos que, enquanto o plural caracterizado pelo acrscimo do s, o singular no apresenta nenhuma desinncia especfica. O singular , portanto, caracterizado pelo morfema zero e o plural pela desinncia de nmero plural s.

Desinncias modo-temporais da segunda conjugaoPessoa 1 P Pres. Ind. Pret. Imp. IA IA IA IA IE IA Pret. Perf. P.Maisq- Perf. RA RA RA RA RE RA Fut. Pres. RE RA RA RE RE R Fut. Pret. RIA RIA RIA RIA RIE RIA Pres. Subj. A A A A A A P.Imp. Subj. SSE SSE SSE SSE SSE SSE Fut. Subj. R RE R R R RE Inf. Pes. R RE R R R RE

2 P 3 P 4 P 5 P 6 P

Sufixos flexionais verbais ou desinncias verbais Estas se desdobram em dois tipos que cumulam noes: as nmero-pessoais, carreiam noo nmero e pessoa; e as modotemporais indicam os tempos e modos durante conjugao verbal.

Desinncias modo-temporais da terceira conjugaoPessoa 1 P 2 P Pres. Ind. Pret. Imp. IA IA Pret. Perf. P.Maisq- Perf. RA RA Fut. Pres. RE RA Fut. Pret. RIA RIA Pres. Subj. A A P.Imp. Subj. SSE SSE Fut. Subj. R RE Inf. Pes. R RE

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)3 P 4 P 5 P 6 P IA IA IE IA RA RA RE RA RA RE RE R RIA RIA RIE RIA A A A A SSE SSE SSE SSE R R R RE R R R RE

Portugus se aprende cantando

A NOVIDADE(Gilberto Gil)A novidade veio dar praia(v.1) Na qualidade rara de sereia (v.2) Metade o busto de uma deusa Maia (v.3) Metade um grande rabo de baleia (v.4) A novidade era o mximo (v.5) Do paradoxo estendido na areia (v.6) Alguns a desejar seus beijos de deusa (v.7) Outros a desejar seu rabo pra ceia (v.8) mundo to desigual (v.9) Tudo to desigual (v.10) De um lado este carnaval (v.11) De outro a fome total (v.12) E a novidade que seria um sonho (v.13) O milagre risonho da sereia (v.14) Virava um pesadelo to medonho (v.15) Ali naquela praia, ali na areia (v.16) A novidade era a guerra (v.17) Entre o feliz poeta e o esfomeado (v.18) Estraalhando uma sereia bonita (v.19) Despedaando o sonho pra cada lado (v.20)

Desinncias nmero-pessoaisPessoa 1 P 2 P 3 P 4 P 5 P 6 P Pres. Ind. O S MOS IS M Pret. Imp. S MOS IS M Pret. Perf. I STE U MOS STES RAM P.Maisq- Perf. S MOS IS M Fut. Pres. I S MOS IS M Fut. Pret. S MOS IS M Pres. Subj. S MOS IS M P.Imp. Subj. S MOS IS M Fut. Subj. S MOS DES M Inf. Pes. S MOS DES M

Anlise morfologica de alguns vocbulos: Comearemos a aprofundar nossos estudos em morfologia, utilizando-nos da letra A novidade de Gilberto Gil, observaremos no s a estruturao dos vocbulos, como tambm as alteraes de significado e classe gramatical provocadas pelos acrscimos de afixos no vocbulo.Vocbulo Praia Sereia Busto Deusa Beijos Mundo Desigual carnaval Sonho Milagre Prefixo ------------------------------------------------------------Des------------------------------Radical Vogal Desinncia temtica de gnero Sufixo ----------------------------------------------------------------------------------------------------Desinncia de nmero -s

Prai-a ----------Serei-a ----------Bust-o ------------a Deus- ------------Beij-o -----------Mund-o ----------Igual ----------- ----------carnaval ----------- ----------Sonh-o ----------Milagr-e -----------

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)Guerra Feliz Poeta Bonita ----------------------------------------Guerrfeliz PoetBonit-a -----------a --------------------- --------------------- --------------------- -----------a ------------

Portugus se aprende cantando temos em realo lngua materna (em especial). A produo de formas da lngua, seja para dar nomes ou para descrever coisas, acontece de modo automtico. Ilustrando: Voc s fala mentira, Joo! Voc um mentiroso! Observe-se que a mentira (coisa abstrata) de Joo fica mais forte quando transformada em qualidade do sujeito com o emprego da palavra mentiroso no lugar de mentira. O falante realiza a derivao sem que pense sobre isso. Dessa transformao ainda se pode obter a informao de que o sufixo pode ao criar palavra de classe diferente promover mudana sinttico-funcional. Retomemos as oraes: Voc s fala mentira, Joo! mentira substantivo e objeto de falar. Voc um mentiroso! mentiroso adjetivo e predicativo de voc (pronome-sujeito). Aps esse breve estudo acerca da estruturao mrfica de substantivos e adjetivos, vejamos a seguir a estruturao dos verbos. A lngua portuguesa vista como complexa pela maioria dos brasileiros, e os verbos no se encontram fora desse imaginrio. So considerados complexos, principalmente quanto classificao de tempo e modo. A anlise a seguir serve para denunciar esse esteretipo e mostrar ao aluno a importncia de se traar paradigmas e efetuar comparaes.

Agora, podemos comparar sufixos e prefixos, observando a modificao que o acrscimo de cada um deles pode produzir. Os prefixos no alteram a classe da palavra como podemos observar nos exemplos abaixo:ADJETIVOS Igual real honesto fazer ADJETIVOS desigual(v.9) irreal desonesto refazer

Os sufixos podem modificar a classe das palavras.SUBSTANTIVOS Sonho (v.13) milagre (v.13) Medo Riso ADJETIVOS sonhado milagroso medonho (v.14) risonho (v.13)

ADJETIVOS Novo Desigual (v.9)

SUBSTANTIVOS Novidade (v.1) desigualdade

O falante de uma lngua pratica operaes mrficas inconscientemente. comum, aps uma explicao, ouvir-se do aluno que ele nem sabia que sabia o que estava sendo explicado. Isso corolrio da gramtica internalizada que todos 59 60

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Nega do Cabelo Duro(David Nasser e Rubens Soares)

Portugus se aprende cantandoVogal temtica -a -a -a -a -a Desinncia modotemporal Desinncia nmeropessoal -o -s -mos -is -m

Verbo

Radical penteipenteipenteipentepentepentei-

Nega do cabelo duro Qual o pente que te penteia? Qual o pente que te penteia? Qual o pente que te penteia? Quando tu entras na roda (v.5) O teu corpo serpenteia Teu cabelo est na moda: Qual o pente que te penteia? Misampli a ferro e fogo No desmancha nem na areia Tomas banho em Botafogo Qual o pente que penteia? (v.9)

(v.1)

penteio penteias penteia penteamos penteais penteiam

A msica Nega do cabelo duro (fruto de uma poca em que o no era preciso recorrer a formas politicamente corretas para expressar idias sobre as coisas) gira em torno de duas idias opostas: cabelo duro de pentear (cabelo ruim) & cabelo naturalmente penteado (cabelo bom). Por esse motivo o verbo pentear se destaca ao longo da msica sendo repetido inmeras vezes. O verbo pentear ser nosso ponto de partida para um estudo morfolgico dos verbos. necessrio ressaltar que os verbos, em sua maioria, seguem um paradigma. Os verbos terminados em -ear, por exemplo, no presente do indicativo se conjugam da seguinte forma:Singular Eu penteio Tu penteias Ele penteia Plural Ns penteamos Vs penteais Eles penteiam

A epntese do [i] em meio ao ditongo -EAr da forma de infinitivo decorrente de um fato fonolgico equivalente ao que ocorrera historicamente com palavras como *europea > europia[1]; Andra > Andria, nas quais o ditongo EA era rejeitado pela nossa pronncia, e o [i] aparecia independentemente da vontade do falante. Verifica-se ento nas formas rizotnicas (com a slaba tnica no radical) a insero do [i].(Nogueira, ) No podemos confundir os verbos terminados em -ear com os verbos terminados em -iar, que seguem este paradigma:Singular Eu maquio Tu maquias Ele maquiaVerbo emaquio maquias maquia maquiamos maquiais maquiam Radical maquimaquimaquimaquimaquimaqui-

Plural Ns maquiamos Vs maquiais Eles maquiamVogal temtica -a -a -a -a -a Desinncia modo-temporal Desinncia nmero-pessoal -o -s -mos -is -m

H, no entanto, excees que contribuem para enriquecer ainda 61 62

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) mais nossa lngua. Como, por exemplo, os verbos mediar, ansiar, recear incendiar e odiar3, que devem ser conjugados como os verbos terminados em ear:Singular Eu odeio Tu odeias Ele odeiaVerbo odeio odeias odeia odiamos odiais odeiam Radical odei odei odei odi odi odei

Portugus se aprende cantando de conjugao verbal, que se constituem poderosos agentes de automatizao do uso da norma padro de qualquer lngua. Concluso Cremos ter podido demonstrar, mediante o uso das duas msicas, que a morfologia est presente no nosso dia-a-dia, nas transformaes e relaes que o falante opera nas palavras de seu repertrio, seja no acrscimo de sufixos e prefixos, seja na conjugao de verbos. Alm disso, expusemos uma proposta para que o estudante possa efetuar comparaes e tornar o estudo mais simples e fcil. Comear por um elemento mais conhecido pelo aluno e aprofundar gradativamente a dificuldade dos contedos um excelente caminho para um melhor desempenho. Sugestes de atividade O professor pode sugerir ao aluno que se aprofunde no estudo dos verbos e suas conjugaes, assim como na formao palavras de mesma raiz cognatos - por meio de afixos. Neste captulo estudamos o plano morfolgico. Nas prximas msicas, evidenciaremos a sua articulao com o plano sinttico, uma vez que, como veremos, em certas ocasies torna-se impossvel estud-los de uma forma estanque. Referncias bibliogrficas.BECHARA, Evanildo Cavalcanti. Moderna gramtica portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. CAMARA JR, Joaquim Mattoso Estrutura da lngua portuguesa. 36 ed. Petrpolis : Vozes, 2004 CUNHA, Celso e Lus F. Lindley Cintra. Nova gramtica do portugus contemporneo. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. GARCIA, Othon M. Comunicao em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 23 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

plural Ns odiamos Vs odiais Eles odeiamDesinncia nmeropessoal -o -s -mos -is -m

Vogal temtica Desinncia modotemporal -a -a -a -a -a

Devemos ressaltar que os verbos seguem um paradigma, portanto, verbos terminados em ear, como, grampear, frear, estrear, bloquear, clarear, passear, chicotear, espernear, saborear, papear, marear, encandear, vaguear, bambolear, bombear e alguns verbos terminados em -iar, como, ansiar, incendiar, sero conjugados da mesma forma que o verbo pentear, visto anteriormente. J os verbos terminados em iar, como, arriar, adiar, iniciar, abreviar, aliviar, apreciar, avaliar, desviar, enviar, principiar e variar sero conjugados da mesma forma que o verbo maquiar. Se houver dvida quanto forma de se conjugar um determinado verbo, recomendvel que se conjugue um verbo mais comum, que esteja mais prximo do aluno, para depois, atravs de comparaes, chegarmos conjugao de verbos menos familiares. recomendvel, entretanto, que o aluno tambm se familiarize com o uso de dicionrios e dos manuaisH um processo mnemnico consagrado pela sigla MRIO, acrnimo dos verbos que se enquadram nessa exceo.3

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)KEHDI, Valter. Morfemas do portugus. 6 ed. So Paulo: tica, 2003 LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramtica Normativa da lngua portuguesa. 42 ed Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002 MONTEIRO, Jos Lemos. Morfologia Portuguesa. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002. NOGUEIRA, Rodriogo de S. Dicionrio de verbos portugueses conjugados. 6 ed. Lisboa: Livraria Clssica, s/d.

Portugus se aprende cantando

A CURA VERBO TEMPO E POSIOA lngua portuguesa oferece inmeros recursos para que o compositor, em sua letra, alcance o objetivo comunicativo desejado. Na msica A cura de Lulu Santos, veremos como o tempo verbal e sua posio na orao podem modificar o foco e a intensidade da ao.A CURA(Lulu Santos e Nelson Motta) Existir Em todo porto tremular A velha bandeira da vida Acender Todo farol iluminar (V. 5) Uma ponta de esperana E se vir Ser quando menos se esperar Da onde ningum imagina Demolir (V. 10) Toda certeza v No sobrar Pedra sobre pedra Enquanto isso No nos custa insistir (V. 15) Na questo do desejo No deixar se extinguir Desafiando de vez a noo Na qual se cr Que o inferno aqui (V. 20) Existir E toda raa ento experimentar Para todo mal A cura (V. 24)

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) Comentemos a letra em seus aspectos lingsticos. Lulu Santos utiliza os verbos no futuro do presente na maior parte da msica. Isso parece querer transmitir a idia de que a cura vir em um momento futuro possvel. Podemos encontrar os seguintes verbos na terceira pessoa do singular (tomando-se ento a cura como sujeito) do futuro do presente: existir (v. 1), tremular (v. 2), acender (v. 4), iluminar (v. 5), vir (v. 7) , ser (v. 8), demolir (v. 10), sobrar (v. 12), existir (v. 21) e experimentar (v. 22). Outras formas tambm poderiam ser utilizadas para dar a idia de futuro como, por exemplo, a locuo verbal (vai iluminar, ser demolida). Esta, no entanto, no tem o mesmo carter incisivo, impactante; visto que o sujeito se distancia do verbo principal por meio da utilizao do verbo auxiliar. Quando o autor fala do momento presente usando a expresso enquanto isso (v.14) utiliza verbos no infinitivo, gerndio e presente do indicativo, dando a idia de continuidade, de uma ao que comea no momento presente e continua. A msica possibilita tambm um estudo das oraes. Lembrando que para que haja orao necessria a existncia do verbo.IMPORTANTE. interessante notar que, das oraes estudadas, muitas se apresentam na ordem inversa (OI). O que isto quer dizer? No seguem o paradigma sujeito + verbo + complemento. No necessrio que as oraes estejam na ordem direta, pois muitas vezes produzimos na ordem inversa sem nos darmos conta. Ademais, do ponto de vista diacrnico, essa ordem era muito mais natural no perodo arcaico da lngua portuguesa. Por exemplo: Entrou um professor novo na escola. OI Um professor novo entrou na escola. OD Joga muito futebol o Ronaldo. OI O Ronaldo joga muito futebol. OD No entanto, para melhor compreenso, coloc-las-emos na ordem direta (OD).

Portugus se aprende cantando Vejamos os seguintes exemplos: 1) Em todo porto tremular a velha bandeira da vida (v.2 e 3)Pergunta-se: O que tremular em todo porto? R: A velha bandeira da vida Quantos processos esto representados? R: Um, tremular A velha bandeira da vida sujeito tremular verbo intransitivo em todo porto adjunto adverbial

2) No sobrar pedra sobre pedra (v.12 e 13) Pergunta-se: O que no sobrar? R: Pedra sobre pedra Quantos processos esto representados? R: Um, sobrar Pedra sobre pedra sujeito no adj. adverbial de negao sobrar verbo intransitivo

3) Todo farol iluminar uma ponta de esperana. (v.5 e 6) Pergunta-se: O que iluminar uma ponta de esperana? R: Todo farol Quantos processos esto representados? R: Um, iluminar Todo farol iluminar uma ponta de esperana Sujeito verbo transitivo direto objeto direto 4) Demolir toda certeza v (v.10 e 11) Pergunta-se: O que demolir toda certeza v?

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)R: A cura Quantos processos esto representados? R: Um. demolir (A cura) sujeito demolir verbo transitivo direto toda certeza v objeto direto

Portugus se aprende cantando um tempo que ser modificado segundo as circunstncias que envolvem os processos. Assim temos: Em todo porto tremular bandeira da vida Todo farol iluminar esperana Tomas banho em Botafogo Qual o pente que penteia? sujeito agente = A velha sujeito agente = Uma ponta de

5) E toda raa ento experimentar para todo mal a cura (v.22, 23 e 24) Quem experimentar a cura? R: Toda raa Quantos processos esto representados? R: Um, experimentar (E) ento toda raa experimentar a cura para todo mal Conj. concl. Sujeito verbo transitivo direto obj. dir. + compl. nom.

sujeito (oculto) agente = TU sujeito agente = o pente

6) Existir... (V. 21) ...a cura (V. 24) O que existir? R: A cura Quantos processos esto representados? R: Um, existir. ...a cura Sujeito Existir... (E toda raa, ento, etc.) verbo intransitivo.

Para mostrar a converso ativa & passiva e a representao do tempo, temos: O pente penteia o cabelo. sujeito agente = pente tempo = presente O cabelo penteado pelo pente. sujeito paciente = cabelo tempo = presente.

Importante chamar a ateno dos alunos para esta construo: [verbo (orao coordenada conclusiva intercalada) sujeito], em que o mesmo vocbulo, cura, dado o formato de apresentao do texto, funciona como sujeito na primeira orao e como objeto direto na segunda. interessante perceber que as oraes 3, 4 e 5 ensejam um estudo da construo passiva. Ao estudar as construes ativa e passiva, no se pode perder de vista a noo temporal imanente ao estudo dos verbos. Uma construo, independentemente de ser ativa ou passiva, indica 69

Antes de tratarmos de voz ativa e passiva, convm acrescentar que a noo ativo/passivo existe intedependentemente das vozes. Um verbo pode indicar ao ou processo; e estes podem requerer agentes ou pacientes. Ex. COMER requer agente (praticante da ao verbal); MORRER requer paciente (recebedor da ao verbal). Quanto s vozes ativa e passiva, observa-se um esquema estrutural a ser considerado. A transformao da voz ativa para a voz passiva ocorre de duas formas como apontam Cintra e Cunha (2001).1.Quando uma orao contm um verbo construdo com objeto direto, ela pode assumir a forma passiva, mediante as seguintes transformaes:

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Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.)a) o objeto direto passa a ser sujeito do verbo na passiva; b) o verbo passa forma passiva analtica no mesmo tempo e modo c) o sujeito converte-se em agente da passiva. 2. Se numa orao da voz ativa o verbo estiver na 3. pessoa do plural para indicar a indeterminao do sujeito, na transformao para a passiva cala-se o agente

Portugus se aprende cantando A partir dos exemplos a seguir torna-se mais fcil perceber a diferena entre a utilizao de um verbo (voz ativa) e de uma locuo verbal (voz passiva). Na voz ativa, o verbo sozinho na orao d nfase ao, enquanto na voz passiva, a locuo verbal d nfase ao sujeito paciente.Voz ativa: Todo farol iluminar uma ponta de esperana. (v.5 e 6) Voz passiva: Uma ponta de esperana ser iluminada por todo farol

Estudando a mudana da voz ativa para a voz passiva, compreendemos o motivo de Lulu Santos utilizar a voz ativa e o modo indicativo: eles tm maior impacto, transmitem a certeza da chegada da cura, mesmo em tempo futuro. Isso porque, gramatical e estilisticamente, a voz ativa destaca o sujeito agente; a passiva, o paciente; enquanto o modo indicativo , por exelncia, o prprio modo da certeza. Observem-se os efeitos expressivos: [E] toda raa // [ento] experimentar // para todo mal a cura (1) (2) (3)

Voz ativa:

Demolir toda certeza v (v.10 e 11)

Voz passiva: Toda certeza v ser demolida pela cura

Voz ativa: 23 e 24)

E toda raa ento experimentar para todo mal a cura (v.22,

Voz passiva: A cura para todo o mal ser experimentada por toda raa.

(1) sujeito agente; (2) predicado na voz ativa; 3) objeto (paciente da ao verbal) A cura para todo mal // ser experimentada // por toda raa (1,) passiva (2,) (4)

Concluso Podemos perceber, atravs da letra de msica A cura, que abordar o texto pelo verbo pode permitir tanto um estudo morfolgico quanto sinttico. O professor poder, portanto, enfocar no apenas um nico tema, por letra de msica, mas tantos quantos quiser. Principalmente, se perceber o interesse do aluno pela letra, ou se essa receptividade do prprio aluno ensejar a oportunidade para outras anlises. Sugesto de atividade Uma proposta de aplicao dos contedos trabalhados, voz ativa e passiva, seria, por exemplo, sugerir ao aluno que escrevesse um bilhete para um colega, avisando acerca da 72

(1,) sujeito paciente; (2,) predicado na voz passiva; (4) agente da

Observe-se que a funo de agente permanece com o sintagma toda raa, mas o foco da orao muda de posio: em (a) a nfase recai sobre toda raa; em (b), o elemento em realce a cura para todo mal. Vale observar, portanto, que a opo pela voz ativa ou passiva no uma questo meramente, formal, estrutural, mas expressiva. 71

Darcilia Simes, Luiz Karol e Any Cristina Salomo (orgs.) suspenso de um jogo ou evento combinado, em virtude de um dos colegas ter-se machucado. Podemos propor duas verses para o bilhete:

Portugus se aprende cantando

FUNES E VALORES: A MORFOSSINTAXE.E como ficou chato ser moderno. / Agora serei eterno. / Ete