portal de histÓria do teatro mundial e brasileiro … · xiv, o proletariado russo do início do...

30
Portal de História Mundial e Brasileiro Página 1 Título: O Cubo-Futurismo Russo – Autores: Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna 09.PCES.00006 PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO PRATA DA CASA – ENSAIO _______________________________________________________________ Título: O Cubo-Futurismo Russo Autores: Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna Arquivo: 09.PCES.00006

Upload: phungkhanh

Post on 08-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 1

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO

PRATA DA CASA – ENSAIO

_______________________________________________________________

Título: O Cubo-Futurismo Russo

Autores: Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno

Maldegan e Leandro Senna

Arquivo: 09.PCES.00006

Page 2: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 2

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

O CUBO-FUTURISMO RUSSO

“Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder nela a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.”

Karl Marx

Contaminados pelo pensamento ideológico socialista desenvolvido por

Karl Marx no final do séc. XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-

se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário em seu

país, o qual concomitantemente influenciou um desenvolvimento estético

diferenciado de todas as outras manifestações vanguardistas que tomavam a

Europa. O Cubo-futurismo, influenciado pelo futurismo italiano, porém com uma

proposta ideológica totalmente contrária a este, foi o caminho artístico

percorrido e conquistado pela revolução russa, tendo como um de seus nomes,

Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Não foi à toa que essa manifestação artística

desenvolveu-se na Rússia, este país possuía especificidades que contribuíram

para a formação de um pensamento único acerca de se fazer arte: para e por

quem deve ser feita.

O capitalismo que se desenvolvia por toda a Europa já apresentava suas

contradições. Por conta do atraso no desenvolvimento industrial russo, o país

teve a possibilidade de perceber as antinomias que este sistema apresentava,

sem se envolver tão diretamente com ele como acontecia em outros países

europeus. Dessa forma, foi possível desenvolver na Rússia um pensamento

crítico maior sobre as mazelas capitalistas.

O país, em sua totalidade, era sustentado por uma aristocracia rural e

governado por uma monarquia que se mantinha no poder desde o séc. XVII,

com a dinastia dos Romanov. Comparado com os países da Europa, a Rússia

Page 3: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 3

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

do final do séc. XIV era um dos únicos países que não tinha vivido um

processo revolucionário, se tornando uma república. Estava envolvida em uma

pobreza e miséria infindas, onde somente poucos (nobres) possuíam boas

condições de vida; fato que gerava um descontentamento por parte do povo,

para com a figura do Czar. A lei de servidão obrigava os camponeses a lavrar

as terras sem poder possuí-las, sendo elas propriedade da aristocracia. Nicolau

I (1825-1855) e seu sucessor, Alexandre II (1855-1881) criaram reformas na

tentativa de gerar um desenvolvimento no país, como o fim da servidão agrária,

porém as constantes derrotas russas em guerras ao longo do séc. XIV e início

do XX potencializaram o descrédito do czarismo.

Alexandre II foi assassinado por um dos grupos de oposição política que

lutavam pelo fim da monarquia vigente, responsabilizada pela situação de

injustiça social existente. A igreja ortodoxa russa, que ainda tinha muito poder

por todo o país, ajudava nessa organização, de certa forma, feudal, que o país

ainda possuía.

Em 1894, Nicolau II assumiu o trono russo. Ele foi um dos protagonistas

do que se considera o marco inicial dos protestos que culminaram com a

revolução de 1917. Em 1904 as classes trabalhadoras, juntamente com a

pequena burguesia existente no país, se mostravam descontentes com a

situação econômica e fizeram diversas manifestações de protestos no país.

Vale ressaltar que nesse ano, a Rússia havia acabado de entrar em guerra

com o Japão por conquista de território, o que agravou a situação social russa.

Na tentativa de conter os revoltosos, o czar prometeu que findada a guerra,

tomaria diversas medidas visando à melhoria russa. Os partidos de orientação

liberal burguesa se sentiram satisfeitos e abandonaram o proletariado. No ano

seguinte, depois de derrotada, a Rússia foi palco, não de modificações político-

sociais, mas sim, de um combate severo aos revoltosos por parte de Nicolau II

e nenhuma de suas promessas foi cumprida. Este fato ficou conhecido como

Domingo Sangrento, no qual a classe trabalhadora viu-se enganada pelo czar.

Page 4: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 4

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Porém, tal fato favoreceu o pensamento desta classe em dois aspectos:

primeiramente, no ano de 1905, foram organizados os conselhos operários, ou

sovietes que eram corpos deliberativos formados pela classe trabalhadora,

denunciando maior organização no movimento de luta trabalhista e social,

fortalecendo o pensamento revolucionário. Para muitos, como por exemplo, o

próprio V. I. Lênin (1870 –1824), a revolução de 1905 foi um ensaio geral para

a de 1917. A partir desse momento, as manifestações começaram a crescer

por todo o país e o povo, tendo contato com o pensamento socialista

disseminado pela Europa foi se preparando para a revolução de 1917.

Para complicar ainda mais a situação russa, o país se envolveu em mais

um conflito, a 1ª Guerra Mundial (1914-1918). A longa duração dessa guerra

provocou crise de abastecimento alimentar nas cidades, desencadeando uma

série de greves e revoltas populares

Na data de 15 de março de 19171, a Rússia monárquica deixou de existir,

porém socialmente nada mudou nessa primeira fase da revolução. Depois que

Nicolau II foi deposto, instaurou-se um governo a partir dos políticos que já

compunham a dumas (espécie de parlamento russo), na sua totalidade

burgueses. Ou seja, mudava-se apenas a figura que governava, porém a

ideologia se mantinha. Nos meses seguintes, os sovietes foram crescendo e se

fortalecendo por todo o território, culminando na madrugada do dia 7 de

1 A Revolução de Fevereiro, como ficou conhecida ocorreu nesta data, pois a Rússia

durante esse momento histórico, ainda utilizava o calendário Juliano, passando apenas para o Calendário Gregoriano anos mais tarde. Sendo assim há essa diferenciação de datas tanto nesta revolução, quanto na Revolução de Outubro, a qual aconteceu em novembro.

Page 5: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 5

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

novembro de 1917, dia de início da Revolução de Outubro, como ficou

conhecida e que levou os bolcheviques2 ao poder.

Cubo-Futurismo e a militância artística nas vanguar das russas

Influenciado pelo Futurismo italiano, Severyanin, fundou em 1911 o

movimento chamado de Ego-Futurismo, baseado nos mesmos princípios da

vanguarda italiana: o desenvolvimento da tecnologia e das potencialidades do

homem com o diferencial de ter como principal plataforma a ênfase no ego e no

individualismo.

O termo Futurismo foi utilizado na Rússia pela primeira vez em 1912,

pelo grupo Ego-Futurista de Severyanin em São Petersburgo. O grupo Hiléia

de David Burliuk, que mais tarde se chamaria Cubo-futurista, também por

possuir grande influência do Cubismo, no mesmo ano, lançou em Moscou, o

manifesto Tapa na Cara do Gosto Público, conclamado como um manifesto do

Futurismo russo, embora nenhum dos artistas do grupo se considerasse

futurista nesse momento. O que o grupo desenvolvia nesse período era, na

verdade, uma espécie de primitivismo com ênfase na cultura eslava.

Posteriormente o grupo se definiria futurista, juntamente com mais dois outros

grupos: o Mezanino do Poeta de Vadim Shershenevich de 1913 e o grupo

chamado Centrífuga, de Sergei Bobrov, em 1914. Uma das principais

diferenças entre a vanguarda russa e a vanguarda italiana era a

heterogeneidade da primeira. Outro diferencial fundamental era a autonomia

das produções de cada um dos grupos, o modo como cada um se manifestava

livre e independentemente uns dos outros, diferente dos futuristas italianos que

2 Dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo, principal partido de oposição na época do czarismo russo, houve uma cisão ideológica em 1903, de onde surgiram os Mencheviques e os Bolcheviques. Os primeiros defendiam que o país deveria esperar o pleno desenvolvimento capitalista e que, por meio das suas contradições é que trabalhadores conseguiriam seu poder, dando início a ação revolucionário. Já os segundos, defendiam a formação da ditadura do proletariado, a qual só seria possível por meio da luta revolucionária realizada pela classe trabalhadora.

Page 6: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 6

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

eram sujeitados ao despotismo de seu líder Filipo Tommaso Marinetti. Era

comum um grupo acusar o outro de não ser legitimamente futurista e,

sobretudo, procuravam ao máximo dissociarem-se do movimento italiano. O

Futurismo russo, também, se desenvolveu em uma área essencialmente

literária, o que caracteriza outra grande diferença com o Futurismo italiano, que

se desenvolveu enormemente nas artes plásticas.

O grupo de Severyanin, os Ego-futuristas, lançou (em 1912) seu

manifesto fundador, intitulado Tabelas. Neste breve manifesto, afirmavam-se

como reitores da Academia da Ego-Poesia, responsável pela criação do

futurismo universal. Afirmavam possuir dois precursores, cujas obras

inspiraram e antecederam o desenvolvimento desta academia: os decadentes

Fofanov e Lokhvitskaya. Neste manifesto, apresentam alguns pontos

programáticos que permeariam as obras de seus participantes como a

glorificação do ego, do egoísmo, do individualismo e o valor da intuição e do

misticismo como experiências transcendentais, indispensáveis à vida humana.

Dentre os ego-futuristas, segundo os críticos, o maior talento era,

definitivamente, Igor Severyanin. Seja pelos constantes elogios da crítica, ou

pelo seu talento em operar com temas e imagens que eram atraentes para

seus leitores (os poemas de Severyanin muitas vezes transcorriam em

cenários utópicos luxuosos). Em 1912, Severyanin se tornou uma celebridade

literária na Rússia, o que o levou a tomar uma decisão que muito influenciou os

dois grupos: sua saída da chamada Academia de Ego-Poesia, anunciada

publicamente em novembro do mesmo ano, marcada pela carta intitulada

Epílogo do Ego - futurismo.

Após a saída de Severyanin, os integrantes do grupo buscaram

reformular seu grupo e sobreviver a este traumático evento, que diminuiu

consideravelmente a circulação de suas publicações. No entanto, no mesmo

período da saída de seu fundador, outro evento fez com que o grupo criado por

David Burliuk passasse a se destacar enquanto o representante de maior

renome do futurismo russo: a adoção da denominação de futurista para

Page 7: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 7

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

designar as propostas artísticas de seu grupo. Essa adoção ocorreu em 1913,

encabeçada presumidamente por Burliuk, fundador e articulador do grupo. Foi

certamente responsabilidade do mesmo, parcial ou total, a criação do termo

Cubo-Futurismo . A opção pelo termo teve um aspecto estratégico, visto que

ele havia sido estereotipado pela crítica como sinônimo de arte experimental e

inovadora. Ademais, os componentes da chamada Avant-Garde russa pré-

revolucionária seriam caracterizados por sua ampla experimentação com

diversas correntes vindas da Europa e pela subsequente “miscigenação” das

mesmas. O termo Futurismo, portanto, surge para abranger a heterogeneidade

da vanguarda russa.

Com o declínio da repercussão do grupo Ego-futurista, sendo

Severyanin agora um agente desvinculado de qualquer grupo, e a adoção da

denominação futurista pelo grupo Hiléia, este último passou, paulatinamente, a

se destacar entre a maioria dos russos, afastando-se do então arquétipo

futurista. Anteriormente, qualquer trabalho que fosse chamado de futurista seria

inicialmente pensado como um semelhante às obras de Severyanin e de seu

grupo. A adoção (ou aceitação) da denominação a partir de meados de 1913,

bem como a posterior inclusão do prefixo Cubo , tinha entre suas motivações a

diferenciação do grupo em relação aos demais, em especial ao Ego-futurismo e

ao Futurismo italiano. Possivelmente, os próprios críticos já começavam a

chamar os artistas do grupo moscovita de futuristas antes que Burliuk e

Mayakóvski começassem a fazê-lo em 1913.

Entre 1913 e o início da guerra, quando o Futurismo passava pelo que

seria considerado seu auge de popularidade, os Cubo-futuristas se apegariam

a esta pré-denominação por parte da crítica, como se este aspecto conferisse

uma espécie de legitimidade destes artistas em adotar o termo, visto que não

eram auto-proclamados, mas sim percebidos como inovadores,

experimentadores, futuristas. Posteriormente, com as dificuldades da guerra

pesando sobre o Futurismo e as sucessivas declarações na imprensa quanto à

morte do movimento, Maiakóvski, tomou uma posição defensiva afirmando que

Page 8: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 8

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

o termo, para início de conversa, havia sido posto sobre eles pela crítica, e que

as atividades destes artistas transcendia o termo. O autor afirmou que,

enquanto pudesse ser dito que o Futurismo, como era conhecido

anteriormente, havia morrido, seus componentes estavam mais fortes do que

nunca e haviam evoluído e agora se debruçavam sobre novas pesquisas e

possibilidades artísticas, enquanto ainda mantinham em vista os ideais de

experimentação, progresso e modernidade.

Outro grupo se destacou quando nos deparamos com grande número de

russos em posições de críticos literários, este se formava sincronicamente a

estes grupos futuristas e se uniu ao coro de apoio aos Cubo-futuristas e suas

pesquisas linguísticas: os formalistas. Russos cujos nomes são hoje

conhecidos, como Jakobson, Shklovskii ou Brik, defenderiam em seus escritos

a validade das pesquisas linguísticas de autores como Kruchenykh ou

Khlubnikov, bem como da busca destes autores pela descoberta das

propriedades da palavra, do signo, da proto-linguagem, etc.

Aos futuristas, as circunstâncias da guerra tiveram também

repercussões específicas. A guerra foi sentida pelos futuristas especialmente

por ter afetado o seu cotidiano profissional de maneira radical. Frente à guerra

e às dificuldades que dela seguiram os futuristas encontraram seu público cada

vez menor e menos interessado, consumido pelas questões práticas de seu

cotidiano da guerra e menos dispostos a investir tempo ou dinheiro em

atividades tidas por supérfluas. Neste cenário, pode-se melhor entender

iniciativas conciliatórias que objetivavam formar um movimento futurista

unificado na Rússia – especialmente quando se observa que estas iniciativas

foram tomadas por pessoas cujas posições anteriormente eram notoriamente

excludentes com relação a outras abordagens. Como exemplos desta iniciativa,

podemos elencar o manifesto De agora em diante eu me recuso a falar mal

mesmo de trabalhos de idiotas, escrito por David Burliuk em 1915, ou o

manifesto de 1914, Vão para o Inferno, assinado por muitos cubo-futuristas e

por Igor Severyanin, fundador do Ego-futurismo. O primeiro, Burliuk inicia com

Page 9: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 9

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

o subtítulo Uma Rússia esteticamente unida. Em seguida, proclama a vitória

dos futuristas, que haviam, com sucesso, arrombado as muralhas da “cidadela

do velho gosto” e agora rugiam por entre os simbolistas, que, de forma

enrustida, os aceitavam. Observava a presença de obras de pintores futuristas

expostas lado a lado com obras que denomina “duras de morrer” como

evidência de que os críticos cediam às propostas dos futuristas, fortalecidos em

seus discursos de conflito e mudança pela grande guerra que permeava o

cotidiano de todos nas cidades russas.

Em janeiro de 1914 Marinetti visitou a Rússia, com o intuito de conhecer

os artistas que lá se diziam futuristas e afirmar sua liderança sobre os mesmos,

esperando cooptá-los ao movimento que iniciara em 1909. O que o artista

italiano encontrou, ao chegar, foi uma recepção diferente da que

provavelmente esperava. Enquanto na Europa estava acostumado a ser vaiado

e reprovado constantemente pela grande maioria dos críticos e boa parte do

público em geral, além da comunidade literária, encontrando aceitação

somente em seus companheiros e alguns simpatizantes, no império russo,

Marinetti foi recebido de maneira grandiosa por parte da sociedade russa,

tratado como ilustre celebridade europeia, um convidado de honra, enquanto

pelos futuristas, em sua grande maioria, encontrou apenas indiferença, boicote

ou hostilidade. Previamente à sua chegada, o conhecido futurista Mikhail

Lariônov, criador do raionismo, convidava seus colegas russos a jogarem ovos

podres sobre Marinetti, por causa de sua traição aos ideais futuristas. Por sua

vez, Marinetti acusava seus colegas futuristas russos de serem falsos futuristas

que distorciam o verdadeiro significado da “grande religião” que buscava a

renovação por meio do futurismo.

Khlebnikov e Livshits, ouviam os discursos de Marinetti sobre o potencial

futurista da Rússia como condescendentes e recusavam-se a curvar-se diante

deste pretenso comandante-em-chefe do Futurismo. A postura hostil ao

futurista italiano está diretamente relacionada à relação entre artistas e críticos

russos nos anos anteriores à sua visita.

Page 10: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 10

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Apesar de, tradicionalmente, a Rússia ter inegavelmente contribuído

com especificidades próprias a todos os estilos que transportou dos cenários

artísticos europeus para os seus, ela ainda permanecia, especialmente aos

olhos dos futuristas, um país que olhava para fora em busca de critérios e

indicações acerca do que fazer no campo artístico, ou seja,uma nação

artisticamente submissa.

Portanto, em 1912, quando Severyanin denominou a proposta de seu

grupo de futurista e demonstrou semelhanças com o movimento italiano, a

ligação foi imediatamente feita pelos críticos entre o movimento de Marinetti e o

de Severyanin. Enquanto para este, bem como para seus colegas, esta

associação pudesse ser positivo, ou, ao menos, irrelevante, para os futuristas

do grupo Hiléia, cujo tom era muito mais nacionalista ou eslavista, esta

associação era um ataque direto às premissas de autonomia e originalidade

que propunham estes artistas às suas propostas.

Os dois primeiros anos do Futurismo russo, portanto, foram marcados

pela disputa entre os grupos Ego e Cubo pela primazia e legitimidade de ser

chamado de futurista, mediada e interferida pela crítica. No entanto, a disputa

se dissolveu na medida em que os artistas amadureceram e se viram frente ao

terror imposto pela guerra e atitude “imperialista” de artistas como Marinetti,

que ameaçavam o encontro do artista e do povo russo consigo mesmo. A

atitude militante dos futuristas russos foi imprescindível para operar com

eficácia essa cisão profunda entre a Rússia medieval, estagnada e essa nova

Rússia que florescia sob os ideais revolucionários do início do século.

Eu mesmo: a vida e a poesia de Maiakovski

Page 11: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 11

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

1 Litografia de Lissitzky inspirada em poema de Maiakovski

Nascido à 7 de julho de 1893 na aldeia georgiana de Bagdadi, Vladimir

Vladimirovitch Maiakovski, teve um contato precoce com os ideais

revolucionários que circulavam em grande quantidade pela Rússia do começo

do século. Em sua autobiografia, Eu mesmo - texto composto de fragmentos

mnemônicos pautados pela subjetividade do poeta e pela constante análise

crítico-criativa sobre seu passado – ele destaca a morte de seu pai como causa

de sua imigração junto à mãe e irmãos para a Rússia pré-revolucionária. Lá

encontraria um contexto político e artístico em estado de ebulição, contexto do

qual viria a ser um porta-voz arguto e independente.

Alojam-se em Moscou. Maiakovski continua os estudos iniciados na

Geórgia e trabalha com sua família.

Imigrantes pobres em meio a uma

depressão econômica, vivem o

descontentamento compartilhado

por milhões. Do descontentamento à

revolta, o povo russo transita.

Maiakovski se envolve com grupos

que almejam a reforma política, o

2Litografia de Lissitzky inspirada em poema de

Maiakovski

Page 12: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 12

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

fim do czarismo, a revolução proletária. É preso diversas vezes como

subversivo. Escapa pela pouca idade.

Estudou pintura e poesia. Nos círculos artísticos de Moscou conhece os

pintores e escritores com os quais irá levar a frente a vanguarda cubo-futurista.

David Burliuk reconhece seu talento e o adota. Khlébnikov e Krutchônikh

escrevem manifestos e semeiam a polêmica. Visados pela censura divulgam o

escândalo e Maiakovski escreve sua primeira peça para o teatro: Vladimir

Maiakovski: uma tragédia.Sua relação com a arte cênica se aprofunda e irá

permear todo o seu trabalho posterior. Cada poema pressupõe a sua

enunciação, o seu tom. Nesta época sua poesia ainda se vincula aos poetas

simbolistas, lidos por Maiakovski ávidamente. No entanto já se encontram ali os

lugares-comuns do futurismo: a pressa da modernidade, as imagens

fragmentadas, a mecânica, as multidões.

A Primeira Guerra eclode. Maiakovski, que queria alistar-se, é rejeitado

no exército. Traça, portanto, relações com a subversão. Sob a guerra as

condições de vida chegam a um nível desesperador e os ânimos populares

exaltam-se.

Em fevereiro de 1917 assiste de perto à

revolução branca. A cena artística fervilha e o

poeta desenvolve concomitantemente

trabalhos no teatro, cinema e literatura. Suas

peças são encenadas por Meyerhold. A

revolução de outubro não tarda e Maiakovski

se envolve intimamente com os grupos de

agitprop que difundem os ideais

revolucionários e informam uma população perplexa e

entusiasmada. Faz experimentações linguísticas e sonoras

fundindo complexos mecanismos semânticos e discursivos a uma linguagem

rica em coloquialidade. Sua poesia ganha significado pictórico em obras que

inauguram o construtivismo e vieram a ensejar o concretismo brasileiro.

3Liu bliú. Poema de Maiakovski.

Litografia de Lissitzky .

Page 13: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 13

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Logo adquire destaque e se torna uma figura pública, onipresente na

jovem república soviética, com a qual nem sempre esteve em perfeita sintonia.

Maiakovski trabalha para a revolução em detrimento da convenção. Quando

uma e outra se mostram mais próximas do que se poderia imaginar, hesita.

Viaja pela Europa. A arte e a militância se fundem em seu trabalho.

Nos anos posteriores à revolução, Maiakóvski cristalizou a forma de

seus poemas em uma organização de versos em escada. Uma das vantagens

da disposição é fornecer indícios de forma clara - embora pouco convencional -

sobre o tempo e intensidade da enunciação. Na busca obstinada de uma

estética anti-burguesa, sem concessões ou

desvios individualistas, constrói em seu

trabalho uma linguagem jornalística,

objetivando a crueza na exposição do

processo revolucionário, suas idiossincrasias

e contradições. “Estou reiniciando (houve

tentativa de “suprimir”)a Lef, agora “Nova”.

Posição fundamental: contra a ficção, a

estetização e a psico-mentira por meio da

arte; pelo panfleto, pelo jornalismo qualificado

e a liberdade”.3

Ao final da década de 20, Maiakovski,

se encontra desiludido com muito do que se

tornou a Rússia soviética. Seus detratores

que há tempos o desqualificavam sob a crítica de que seus textos não

comunicavam para as massas, ganham território com a crescente expansão do

moralismo proletário levada à cabo pelo Comintern, que, já nessa época

centralizava todas as decisões do Partido Bolchevique.

Em janeiro de 1930, encerra o mais famoso de seus poemas, A plenos

pulmões, em que mais uma vez marca a distância que mantêm dos novos e

dogmáticos ideais bolcheviques.

3 MAIAKOVSKI, V. Eu mesmo. Maiakovski Poemas 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

4Lília Brik na capa do livro Pro eto(Disto)

Page 14: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 14

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Tão presente em sua obra, o suicídio, do qual falara, consternado, a

Iessiênin anos antes - “Nesta vida morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu

ofício”4 - termina por levar o poeta à morte em 14 de abril de 1930.

Mistério-bufo – A saga da revolução Russa

“O teatro é uma lente de aumento”

(Vladimir Maiakóvski)

Em 1918, em comemoração ao primeiro aniversário da revolução,

Maiakóvski apresenta sua peça Mistério-Bufo: um retrato heroico, épico e

satírico da nossa época. Nessa obra, o autor faz, de forma deslumbrante, uma

simbiose entre a realidade russa e a arte, transformando a história do país em

uma peça magnífica, que demonstra claramente como foi o processo

revolucionário nacional.

Maiakóvski ao apresentar suas personagens, traz sete pares de “puros” :

Negus, Abissínio, Rajá indiano, Paxá turco, Mercador-valentão russo, Chinês,

Persa bem-nutrido, Francês gordo, Australiano com esposa, Pope, Oficial

alemão, Oficial italiano, Americano, Estudante –, os quais são postos em

oposição com os sete pares de “impuros”: Limpa-chaminés, Lanterneiro,

Chofer, Costureira, Mineiro, Carpinteiro, Peão, Criado, Sapateiro, Ferreiro,

Padeiro, Lavadeira e Esquimó (pescador e caçador). Essa distinção inicial já

denota qual choque o autor quer provocar no espectador, ou leitor. De forma

alegórica, Maiakóvski coloca em embate a aristocracia decadente russa e a

pequena burguesia, como “sete pares de puros” e a classe trabalhadora, como

“sete pares de impuros”.

A obra apresenta a seguinte narrativa: O mundo acaba e

“representantes” de várias profissões e de várias nações se encontram, na

4 MAIAKOVSKI, V. A Sierguéi Iessiênin. Maiakovski Poemas 7 ed. São Paulo:

Perspectiva, 2006.

Page 15: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 15

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

tentativa de sobreviverem na procura do monte Ararat5 e para tal finalidade,

resolvem construir um navio. A princípio, os “puros” não querem a presença

dos “impuros”, mas logo descobrem que sem eles, não conseguiriam sequer

passar pela construção da embarcação. Após a construção, durante a viagem,

os dois grupos entram em choque e os puros resolvem inventar uma forma de

organização para que estes sobreponham aqueles. Instaura-se um regime

monárquico, porém, tempos depois os próprios puros percebem que a

monarquia é falha e não servem a eles, instaurando uma democracia. Os

impuros que apoiaram essa democracia percebem que não houve mudança

nenhuma, sendo assim, dão um golpe e instauram uma sociedade socialista. A

embarcação prossegue viagem e descobre que Ararat não é o melhor lugar,

vindo a ser A terra Prometida¸ o lugar que eles procuram. Ao chegar nela,

descobrem que é o mesmo país de outrora, porém sem um governo autoritário

e déspota.

Ao longo da peça, destacam-se três momentos completamente

metafóricos e que fazem menção às mudanças política na história russa. O

primeiro deles é quando os “puros” e “impuros” resolvem instituir um líder para

a embarcação. Dessa forma, escolhem a personagem negus6 para czar:

“ITALIANO (de um jeito significativo levanta o dedo) Eureka! (ao alemão) Escute! A troco de que nós brigamos, outrora? O que foi que nos melindrou tanto? Já que temos um inimigo em comum, agora. (aponta para o porão. Pega-o pelo braço e leva-o falando pelo caminho) Proponho um negócio, vamos ali no canto... (depois de cochichar, estão retornando.) ALEMÃO (fazendo discurso) Senhores!

5 O Monte Ararat, na tradição judaico-cristã, está associado com as "Montanhas do

Ararat", onde segundo o livro do Gênesis da bíblia, a Arca de Noé estaria supostamente localizada.

6 Negus era o título usado por um rei e às vezes por um governante vassalo no antigo

estado monárquico etíope, a antiga Abissínia (atualmente, norte da Etiópia).

Page 16: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 16

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Nós todos somos tão puros. Será que é para nós o suor derramar? Vamos obrigar os impuros a para nós trabalhar. ESTUDANTE Eu os obrigaria! Mas isso não é para mim sou frágil, sombra! ITALIANO Deus nos livre de brigar! Não brigar, mas enquanto aboletados eles vão devorar o meno daqueles, beber e berrar, nós vamos pegar e uma pra eles aprontar. ALEMÃO Vamos eleger pra eles um czar! TODOS (com surpresa) Para que um czar? ALEMÃO Porque o czar promulgará um manifesto – todos os manjares para mim, como se diz, devem ser entregues com rapidez. O czar come, e nós comemos – seu súditos fiéis. (…) POPE (conforme o papel) Por obra e graça divinas nós, o czar das galinhas tostadas pelos impuros e grão-príncipe para os delas referidos ovos, não tirando de ninguém o couro, tiramos seis sétimos, o resto permanece para o povo – anunciamos aos nossos súditos fiéis: tragam tudo que há disponível – peixe, pão, legume, porquinhos e tudo que encontrar de outro comestível. O senado governante é quem não tardará em orientar-se nos acervos de bens, selecionar e nos servir tudo que é comível!”

Page 17: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 17

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Como dito anteriormente, a monarquia na Rússia perdurou mais de três

séculos, evidenciando o despotismo que o povo russo encarava a longuíssima

data. O segundo momento destacado é quando os “puros” percebem que o

czar havia se tornado um ser autoritário e pedem a ajuda para os “impuros”

para que, juntos, proclamassem a república:

“MERCADOR Cidadãos, façam favor, para a assembleia! (ao padeiro) Cidadão, o senhor é a favor da república? IMPUROS (em coro) Assembleia? República? Que república? FRANCÊS Parem! A intelligentsia7 vai trocar em miúdos para o público. (ao estudante) Ei, senhor, intelligentsia! (A intelligentsia e o francês sobem na ponte) FRANCÊS Declaro aberta a assembleia. (ao estudante). A palavra é sua. ESTUDANTE Cidadãos! Tem uma boca insuportável aquele czar! VOZES É verdade! É verdade, cidadão orador-democrata! ESTUDANTE Tudo, juro, o maldito vai devorar! VOZ É verdade! ESTUDANTE E ninguém jamais vai conseguir se arrastar até o Ararat. VOZES É verdade!

7 O termo intelligentsia ou intelligentzia usualmente refere-se a uma categoria ou grupo

de pessoas engajadas em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores intelectuais.

Page 18: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 18

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

É verdade! ESTUDANTE Basta! Arranquem as correntes enferrujadas do despotismo! TODOS Abaixo, abaixo o absolutismo! MERCADOR (ao negus) O sanguezinho, sugou, O povo sacaneou... FRANCÊS Ei, você, alon zanfan pra água! Chegou! (com esforços conjuntos, balançam o negus e o jogam na água. A seguir, os puros dão as mãos aos impuros e dispersam-se cantarolando.) ITALIANO (ao mineiro) Camaradas! Vocês nem vão acreditar! Eu estou feliz, ó luminares Não há mais estas barreiras seculares. FRANCÊS (ao ferreiro) Meus parabéns! Ruíram os pilares seculares. FERREIRO (de modo vago) Hum, é! FRANCÊS O resto se arranja, o resto – é bobagem. POPE (à costureira) Nós – por vocês, vocês – por nós, certo?! MERCADOR (contente) Certo, certo! Me leve no bico, esperto... FRANCÊS (na ponte) Então, cidadãos basta, divertiram-se à vontade. Vamos organizar o poder democrático de verdade Cidadãos,

Page 19: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 19

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

para que tudo isso seja rápido e sem demora, eis que nós – guarde, senhor, a alma do negus – eis que nós treze seremos ministros e auxiliares de departamentos, e vocês – cidadãos da república democrática, – vocês irão apanhar morsas, coser botas, cozer roscas. Vocês têm prática. Objeções não há? Estão aceitos os argumentos? FERREIRO De acordo! TODOS Viva! Viva a república democrática! FRANCÊS E eu (aos impuros) a vocês proponho trabalhar agora. (aos puros) E nós – às penas. Trabalhem, tá na hora, carreguem, para cá, às pencas e nós tudo dividiremos em partes iguais, de verdade – a última camisa será rasgada pela metade.”

A Revolução de Fevereiro marca o fim do absolutismo russo, dando início

ao processo revolucionário socialista, porém o poder ainda se mantinha nas

mãos das classes dominantes. Sendo assim, o proletariado que apenas ajudou

essa primeira revolução, meses depois foi o responsável por instituir o

socialismo na Rússia, assim como na peça quando os “impuros” tomam o

poder da embarcação, pondo fim ao comando dos “puros”:

“MINEIRO Camaradas! Que que é isso! Antes tudo devorava um só boca e agora o nosso um batalhão emboca. Aconteceu que a república, é o mesmo czar, só que de cem bocas. FRANCÊS (esgravatando os dentes) Vocês estão esquentando demais. Prometemos e dividimos em partes iguais. Para um – a rosca, para outro – o buraco dela. A república democrática é por aí que se revela. MERCADOR Então precisa alguém ficar com as semente não é a melancia para todos os dentes. IMPUROS Nós vamos mostrar a vocês a luta de classes! Em frente!

Page 20: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 20

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

ALEMÃO Parem, cidadãos! A política nossa... IMPUROS Ouçam! Incendeiem pelos quatro lados! Vamos mostrar a eles o que é política, então. Vai cheirar queimado. Não é precária. Vamos incendiar com a revolução, como na Bulgária. (Armam-se com as armas arranjadas pelos puros há hora do almoço, encurralam os puros na popa. Aparecem um a um os calcanhares dos puros que estão sendo derrubados.) “

A peça escrita por Maiakoviski, encenada por V. E. Meyerhold (1874-

1840) e apresentada pela primeira vez no dia 7 de novembro, foi uma obra

cubo-futurista que apresentava os elementos básicos desse movimento

vanguardista. A apropriação de situações da realidade da sociedade na qual

está inserida se caracteriza como o mote inicial do fazer artístico. Mistério-bufo

cumpre tarefas políticas, cotidianas e participativas, revelando-se, como toda

obra desse movimento artístico, uma obra de militância, denunciando a luta de

classe e trazendo à tona a manifestação popular.

O Percevejo

A obra O Percevejo, de Maiakóvski, foi escrita em 1928/1929, antes de

seu suicídio em 1930 e quatro anos depois da subida de Stálin ao poder na

URSS. Contrário aos ideais stalinistas, assume este texto como uma crítica

direta ao modo de implantação do socialismo autoritário e ditador. Maiakóvski

defendia o socialismo que foi implementado por Lênin, antes de sua morte em

1924, que não possuía poderes absolutos atribuídos a uma só pessoa, mas a

todo o proletariado; difusão do movimento por outros países e a igualdade

entre as classes.

O Percevejo traz como centro de sua trama um homem, Ivan Prissipkin,

ex-operário que muda seu nome para Pierre Skripkin, como forma de mostrar a

Page 21: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 21

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

todos que não pertence mais à classe trabalhadora, passando a, além disso,

usar gravatas, sapatos novos e cremes.

No início da peça já é possível perceber a clareza com que Maiakóvski

deseja criticar o socialismo. Prissipkin está organizando seu casamento (que

por acaso é com uma moça de classe mais abastada) quando, em uma de

suas falas, exalta o casamento “vermelho”, cor esta usada simbolicamente

como maneira de alusão ao socialismo. Esta fala é reforçada depois por Olieg

Bayan, outra personagem. Além disso, outro trecho que explicita seus ideais

está presente na fala do Maquinista:

Não, eu não sou desertor. Você pensa que eu gosto de vestir esses trapos imundos? Você acha que eu gosto de viver no meio dos piolhos? Garoto, nós somos muitos e não existem filhas de cabeleireiro para todo mundo. Quando as nossas casas estiverem construídas e tudo estiver pronto, aí todo mundo muda e se instala. Mas todos juntos e ao mesmo tempo! É isso: todo mundo junto e ao mesmo tempo! Nós não vamos abandonar as trincheiras fedorentas segurando uma bandeira branca!

É nítida a presença do discurso socialista de que todos devem se

organizar e movimentar sempre em conjunto e que Skripkin ao casar-se e, por

consequência, mudar de classe deixa para trás o restante dos trabalhadores,

tomando uma atitude anti-movimento, mas o autor deixa claro em outra fala

que talvez o novo rico não perceba a traição que comete, uma vez que ainda

se apresenta dentro da classe trabalhadora.

Prissipkin – O meu bem-estar pessoal pode até elevar o nível de toda minha classe! E tenho dito!

A trama, constituída por nove cenas, se constrói no contexto do

casamento apresentado, de um incêndio que ocorre na recepção após o

casamento, matando todos os presentes e do sumiço de um dos corpos que os

bombeiros acreditam tem virado pó. Na cena cinco o contexto muda

temporalmente, uma vez que ela retrata o tempo, passados cinquenta anos. Há

Page 22: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 22

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

o anúncio de que um homem foi encontrado congelado, exatamente onde

ocorreu o casamento de Prissipkin e o incêndio, sendo necessário decidir se o

corpo será descongelado ou não. Neste trecho da peça é encontrada uma

característica das obras de Maiakóvski, que é o uso de objetos inanimados,

retratados como se tivessem vida. Sobre isso, aponta Valmor Beltrame, em seu

estudo Maiakóvski e o Teatro de Formas Animadas:

(…) Os representantes das diversas regiões que compõe a “Federação da Terra” são apresentados como alto-falantes, os homens são representados por mãos de ferro. Assim, os homens são mãos de ferro, lâmpadas, alto-falantes, ou seja, as coisas abandonam o seu lugar e seu uso cotidiano e ganham vida, atuam, decidem com, junto ou pelos homens.

Quando no momento de descongelamento do corpo encontrado, que

àquela altura já é possível identificar como sendo o de Prissipkin, há uma

variada gama de argumentos para decidir se ele acontecerá ou não. O homem

congelado é considerado um operário devido às mãos calejadas e todos são

orientados de que, se o descongelarem, poderiam despertar os antigos

“bacilos” da Rússia, o que termina por caracterizar os ideais socialistas como

sendo uma doença, que também poderia ser despertada. Mas são esses seres,

formas animadas, que decidem pelo descongelamento, seres dessa Rússia

que estava cada vez mais industrializada e menos humanizada.

Junto com o Prissipkin, foi descongelado um percevejo, inseto que dá

nome à obra, servindo como metáfora aos “sugadores de sangue” e ao próprio

Skripkin/ Prissipkin, caracterizado depois como “sugador” da sociedade na qual

vive.

Uma das possíveis leituras da obra, indica que o personagem é o próprio

Maiakóvski, que sempre defendeu o regime, mas que acabou sendo apontado

por seus atos. No fim da obra, Prissipkin é enjaulado e suas atitudes comuns

como fumar, beber e dançar são repudiadas.

Page 23: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 23

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

O que é isso? Para que nós derramamos nosso sangue se agora eu, um líder da nova sociedade, não posso nem dançar uma música?

O comportamento de Prissipkin é mostrado, então, à sociedade como

numa exposição e colocado como um exemplo do que deve ser mau visto. Ou

seja, um mau exemplo.

A obra termina com um grito de Prissipkin/ Skripkin/ Maiakóvski, que

assume um papel de desespero e pede que as pessoas se atentem aos

acontecimentos na Rússia e lutem por seus direitos, contra a ditadura stalinista.

Prissipkin – Cidadãos! Meu povo! Meus irmãos! De onde vocês vieram? Vocês são tantos. Quando vocês foram descongelados? Por que eu estou sozinho aqui nessa jaula? Meus amigos, meus irmãos! Venham comigo! Por que eu estou sofrendo? Camaradas!

Agitprop soviético

O teatro de agitação e propaganda possui um vínculo direto com o

programa político-econômico do Governo (lê-se Partido), e insere-se na

organização do movimento operário durante a primeira década da Revolução

Russa. Converge, para esse teatro, o vigor de uma população até então

marginalizada que procura expressar-se, comprometimento ideológico de uma

nova classe dirigente que incentiva ações coletivas e a adesão de uma

vanguarda criativa que acredita no movimento vermelho.

Surgido na junção desses elementos, o agitprop expandiu-se tanto que

superou a si mesmo enquanto proposta e produto.

Nesse sentido, o teatro de agitprop representa

uma subversão espontânea das formas tradicionais e uma radicalização dos procedimentos da vanguarda até o limite, mesmo do seu não-reconhecimento enquanto teatro.

Silvana Garcia

Dessa forma, esse estilo, redireciona práticas culturais a partir da

negação de procedimentos sacralizados do teatro tradicional, tal como o

Page 24: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 24

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Cena da peça Os Dias Passam, TRAM, 1928.

ilusionismo. Para tanto, se utiliza da explicitação de recursos cênicos para

chegar ao seu objetivo: “informar e, decorrente da informação, educar e

mobilizar para a ação” (Garcia). Este teatro visa um resultado concreto, não

apenas a mobilização para uma ou outra ação, mas a soma de esforços para a

construção do socialismo. Com isso, o fazer artístico passa a ser praticado por

uma camada mais ampla da população, que pela fusão de engajamento

político e recriação de formas, pretende gerar um produto cultural próprio.

As motivações básicas de pesquisa formal de teatro de agitprop são

duas: relação com o espectador e vínculo com a história presente. Suas

pesquisas, portanto, não investigam uma linguagem, mas a adequação a

objetivos políticos de envolvimento e participação.

A relação com o espectador não é apenas uma questão de quebra de

quarta parede, mas o envolvimento do mesmo do início ao fim do processo de

montagem. Essa forma de relação espetáculo/espectador possui uma

justificativa não só de ordem artística, a de não suprimir o prazer do

inesperado, mas também de ordem ideológica

Penso que mesmo uma pessoa que adquiriu um conhecimento detalhado da peça e que assistiu a dezenas de ensaios experimentarás sempre, quando da primeira representação, muitos momentos de alegria inesperada. Entendo também que apenas aquele que conhece bem a peça, que refletiu sobre ela, e, talvez que elaborou um pouco os diferentes papeias e as diversas cenas, irá tirar do espetáculo teatral um prazer pleno, verdadeiro e fecundo (“criativo”). A satisfação advinda do inesperado é uma emoção elementar. O prazer inesperado a partir de uma determinado trabalho sobre a peça é de ordem muito mais elevada.

Pavel Kerjentsev8

Movimento autoativo, assim ficou denominado a forma desenvolvida

para a reprodução desse

tipo de teatro, articulado

por meio de cursos em

8 Pavel Kerjentsev em 1918 elabora seu Teatro Criador, no qual estabelece as bases de

um teatro proletário, de a para os trabalhadores.

Page 25: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 25

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

escolas e estúdios de experimentação. Como maior exemplo do movimento

autoativo pode-se citar o TRAM (Teatro da Juventude Operária). Esse grupo

manteve um teatro ateliê com cursos regulares com duração de três anos. Em

1928, os TRAM em atividade somavam 11; em 1932, esse total tinha se

multiplicado para 300.

Essa preocupação com o coletivo se reflete na própria organização do

grupo de teatro.

A ideia de coletivo também alcança o nível das

relações internas dos grupos, que “interiorizavam” os preceitos de vivência comunitária que propagam; há uma procura de “exemplaridade” de comportamento que faz com que os grupos dediquem uma atenção especial aos aspectos de conduta e de procedimento social.

Jean-Pierre Morel

Dessa forma as funções se diluem dentro do coletivo, suprimindo até a

figura do diretor centralizador, por meio da rotação das funções entre os

integrantes.

A motivação e a ausência de textos satisfatórios aos propósitos dos

grupos revolucionários incitam a criação coletiva. Esse é o primeiro avanço

qualitativo dos grupos de agitação e propaganda no âmbito da pesquisa formal.

A “ação coletiva”, assim denominada por Maiakovski, se fundamenta em

improvisação sobre o tema a ser trabalhado.

Com o caráter coletivo e improvisacional, depreendeu-se a principal

característica do teatro de agitprop: sua contemporaneidade ou prontidão.

O teatro de agitprop reage diretamente à ocorrência dos fatos da história

revolucionária. Para tanto, tem de ser ágil, simples e objetivo.

Identificado, pelo

agitprop, os obstáculos a

serem ultrapassados,

esse teatro se apropria

de muitos procedimentos

de forma bastante

Vagão teatro do trem de agitação “Lenin nº1”

Page 26: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 26

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

criativa. Trem de agitação e o recurso de Litmontagem são exemplos dessa

criatividade.

O Trem de agitação é algo tão ornamentado e repleto de cartazes de

slogans de ordem que acaba se tornando uma alegoria. O repertório

representado dentro dos vagões se limita a obras clássicas e à tradição popular

combinado com a agitação de meeting (aclamação de slogans, distribuição de

panfletos, cantos revolucionários, etc.)

A Litmontagem é um recurso de “colagem” de textos. O agitprop se

apropria de todo e qualquer texto, na ordem que melhor lhe convier desde que

atenda aos interesses de seus objetivos. Permeia também com os gêneros

tradicionais e modernos do teatro, com o circo, teatro de variedades, tradições

populares e também da produção da vanguarda Cubo-futurista para escrever

suas próprias peças (formas curtas).

Em 1917, os artistas vanguardistas mais militantes aderiram à revolução

mostrando a arte de uma vanguarda inquieta e investigadora.

Principalmente os cubo-futuristas, à época da Revolução, já vinham há anos desmontando os princípios da arte tradicional, produzindo uma literatura inventiva e formalista, levada às últimas consequências, desenvolvendo uma investigação fonética até chegar à proposição de uma nova linguagem, abstrata, um código arbitrário que aproximava a poesia muito mais das artes plásticas do que dos métodos tradicionais da poética literária.

Silvana Garcia

A pintura e a poesia encontram assim, na produção cubo-futurista, uma

forma de síntese original que rompe com o imite dos suportes tradicionais e da

percepção da obra de arte, aproximando-se de uma forma precursora de

performance, tal qual a conhecemos hoje.

Quando a revolução sobreveio, os cubo-futuristas viram uma

oportunidade de ascender sua arte, pois a sublevação encontra nesse período

mais espaço do que o teatro tradicional:

Page 27: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 27

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

As elaboradas articulações dos cubo-futuristas casaram-se perfeitamente com o novo cenário: o teatralismo embutido no cotidiano desses artistas, aliado ao desprezo por qualquer arte que se pretendesse sublime ou universal, aproximou-os da função utilitária que a Revolução exigia das manifestações culturais e artísticas. Tratava-se de produzir muito, em ritmo vertiginoso, obras que seriam descartadas, no momento seguinte, tão logo o exigisse o desenrolar do novelo histórico.

Silvana Garcia

A arte cubo-futurista é a que melhor se encaixou nas necessidades da

Revolução, que se inseria nos cartazes e anúncios de agitação e a

improvisação discursiva dos meetings políticos-culturais.

Em vias gerais, entre vanguarda e o teatro de agitprop, podemos

destacar quatro pontos em comum: fazer cênico não atrelado aos padrões em

vigência, com ideal militante e experimental; predominância do jogo do atuante

(atuante, se considerarmos que a maioria dos atores não possuíam experiência

anterior); rompimento entre palco e plateia; e intenção explícita à crítica ativa

do expectador. Em resumo pode-se dizer que Cubo-futurismo e teatro de

agitação e propaganda, em instância maior, se identificam pelo anseio comum

de serem populares.

Todas as características esboçadas sobre o teatro de agitprop o

consolidam como um movimento forte e coerente. Porém essas mesmas

características promovem obstáculos à sua continuidade.

O ativismo político em conciliação com uma manutenção estética,

desemboca na disputa entre as “grandes” e “pequenas” formas.

Com a Revolução consolidada, de forma natural, o teatro de agtiprop

emergencial não é mais necessário, pois a atenção foi deslocada das palavras

de ordem para a nova sociedade que se organiza. Essa nova situação exige do

teatro outra forma de envolvimento.

Por outro lado, também por causa da Revolução consolidada, que

pratica um maior controle da sociedade por seus dirigentes, influencia também

a produção teatral do movimento agitpropista que até então era organizada

Page 28: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 28

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

pelos próprios operários. Nesse momento o movimento entra num embate: se a

força do movimento é a auto-gestão, qualquer direcionismo não

descaracterizaria seus próprios princípios? De fato, em conferências sobre

teatro organizadas em 1927, o que se configura é uma censura de ordem

estética que sufoca as formas típicas do repertório dos grupos autoativos. A

pressão de cima empurra constantemente os grupos para as “grandes formas”.

Os atuantes espontâneos do agitprop não conseguem correspondem às exigências de uma interpretação de papéis mais elaborados. A demanda crescente pelo retorno a personagens de perfil psicológico esbarra no limite de atores formados em uma linha de interpretação antiilusionista por excelência. A profissionalização, para a maioria dos grupos, significa o início do fim.

Silvana Garcia

O realismo socialismo, sendo o método básico da

crítica e da literatura soviética, exige dos artistas uma representação historicamente concreta, verdadeira, da realidade em seu desenvolvimento histórico. Além disso, a verdade e a integridade históricas da representação artística devem se combinar com a tarefa de educação e transformação ideológicas do trabalhador no espírito do Socialismo.

Norris Houghton

O realismo socialismo vem pautado com a questão do profissionalismo

inerente ao momento.

Segundo dois críticos, Nazarov e Gridneva: “o erro maior das

autoridades soviéticas, a partir de meados da década de 20, foi terem perdido a

‘paciência exemplar’ de Lenin e Lunatcharski e retirarem do povo o direito de

julgar segundo seu próprio gosto”. O Partido ao reconhecer uma aprovação do

teatro realista socialista, entendeu que estava autorizado a eliminar tudo o que

fosse contra a opção manifesta pelo povo. O correto seria um processo de

“seleção natural” a favor do modelo realista.

Diante da soma desses fatores é que resulta a falência das produções

vanguardistas e também do movimento autoativo soviético.

Page 29: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 29

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

Notas:

1. Hiléia (Gilea) era o nome da região na qual vivera David Burliuk, organizador do grupo, na antiguidade. Seu nome contemporâneo era Chernianka. O nome da região foi adotado pelo grupo pela importância dada pelo mesmo à cultura eslava em suas pesquisas.

Bibliografia:

BELTRAME, Valmor. Maiakóvski e o Teatro de Formas Animadas, in: Revista

de Estudos Teatrais na América Latina, n 4. Dezembro/2002.

MAIA, Rodrigo R. Os Falsos Futuristas: os futurismos russos, seus críticos e

Marinetti. Tese de Mestrado in: XI Congresso Internacional da ABRALIC.

Tessituras, Interações, Convergências 13 a 17 de julho de 2008 USP – São

Paulo, Brasil.

BOLONHESI, Mário F. Suprematismo, cubo-futurismo e a tragédia de

Maiakóviski. Parte da dissertação de mestrado Tragédia: uma alegoria da

alienação. São Paulo: ECA/ USP, 1987.

COSTA, Iná Carmargo. Teatro na Rua da Idade Média ao Agitprop. In Tablado

de Arruar. Teatro de rua em movimento.

GARCIA, Silvana. Teatro da militância – a intenção popular no engajamento

político. São Paulo: Ed Perspectiva, 1990.

GRUPPI, Luciano. O pensamento de Lênin. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

HILL, Christopher. Lênin e a revolução russa. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

MAIAKOVSKI, V. A Sierguéi Iessiênin. Maiakovski Poemas 7 ed. São Paulo:

Perspectiva, 2006.

MAIAKÓVSKI, Vladimir. Mistério-bufo: um retrato heróico, épico e satírico da

nossa época. São Paulo: Musa editora, 2001.

Page 30: PORTAL DE HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL E BRASILEIRO … · XIV, o proletariado russo do início do séc. XX nutriu-se de força e esperança para realizar todo movimento revolucionário

Portal de História Mundial e Brasileiro Página 30

Título : O Cubo-Futurismo Russo – Autores : Caio Ceragioli, João Paulo Rafaelli, Vinícius Dadamo, Bruno Maldegan e Leandro Senna

09.PCES.00006

MARX, Karl. O manifestado do partido comunista. 1848.

http://www.pcdob.org.br/documento.php?id_documento_arquivo=181

RIPELLINO. A. M. Maiakóviski e o Teatro de Vanguarda. São Paulo:

Perspectiva, 1971.