por uma história do jornalismo internacional no brasil

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  • 8/14/2019 Por Uma Histria do Jornalismo Internacional no Brasil

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    Por uma Histria do Jornalismo Internacional no BrasilAGUIAR, Pedro. aluno do Mestrado em Comunicao e Cultura, ECO/UFRJ (RJ)

    Resumo:

    Este artigo pretende constituir-se um guia preliminar para eventuais pesquisas que sedebrucem sobre o tema, ao oferecer parmetros de anlise, indicar fontes primrias esecundrias, realizar um levantamento bibliogrfico preliminar e apresentar uma

    proposta de periodizao histrica para a evoluo daInterbrasileira nestes 200 anos.Ao fim, trata-se de fornecer subsdios a demais pesquisadores que se aventurem areconstituir o percurso traado pelo Jornalismo Internacional produzido no Brasil e suasespecificidades socioeconmicas, tecnolgicas, ideolgicas, discursivas e pragmticas.

    Palavras-chave: histria do jornalismo; jornalismo internacional; metodologia de pesquisa

    A imprensa brasileira que completa 200 anos de Histria em 2008 no faz jus ssuas origens no que diz respeito dedicao quantitativa e qualitativa ao resto do

    mundo no espao do noticirio. Tanto a Gazeta do Rio de Janeiro, jornal fundado para

    dar voz corte portuguesa recm-instalada na sede da administrao colonial, quanto o

    Correio Braziliense, primeiro rgo de imprensa publicado por um brasileiro e

    inteiramente produzido no exterior, se dedicavam prioritariamente a informaes sobre

    fatos ocorridos fora do Brasil. Aquela, por ser no mago o veculo oficioso de uma elite

    ainda mais preocupada com o curso da guerra na Europa cujo desenlace determinariaquando (e se) poderia regressar a Portugal. Este, por partir dos acontecimentos europeus

    para desenhar paradigmas de relaes entre Estado, sociedade e instituies que se

    pudessem aplicar ao projeto nacional de Brasil constitucionalismo, parlamentarismo,

    liberalismo econmico, entre outros. Portanto, seja qual for o veculo tomado como

    marco para o nascimento da imprensa nacional, o fato que o jornalismo brasileiro

    nasceu em 1808 com os olhos voltados para fora.

    Tal constatao no faz do Brasil uma exceo, tampouco deveria ser novidade.

    A tnica da comparao entre solues polticas europias e norte-americanas com a

    realidade brasileira, por sinal, marcou profundamente a cobertura internacional da

    imprensa novecentista brasileira, caracterizada pelo engajamento em campanhas. Assim

    que a Revoluo de Julho de 1830 na Frana ser evocada em abril do ano seguinte,

    no movimento que culmina com a abdicao de Pedro I; a Primavera dos Povos de

    1848 repercute na Revoluo Praieira pernambucana; e a derrubada do Segundo

    Imprio francs e sua subseqente Comuna de Paris so inspiradores para os

    republicanos da gerao de 1870, particularmente os radicais apelidados de jacobinos.

    1

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    No entanto, ainda forte no senso comum a crena de que o jornalismo no mundo

    teria nascido primeiro voltado para a informao local, e s depois expandido para alm

    das fronteiras, a partir de recursos tecnolgicos advindos da Revoluo Industrial. Esta

    concepo situa as origens do noticirio sobre fatos estrangeiros num estgio secundrio

    do desenvolvimento da imprensa, como desdobramento do processo de industrializao

    capitalista. De acordo com esta viso, o jornalismo internacional um fenmeno da

    atividade intelectual e econmica que data do segundo quartel do sculo XIX, porque

    sua histria estaria ligada ao desenvolvimento da escrita, imprensa, indstria

    editorial, s tecnologias de comunicao e ao transporte (ESPINOSA, 1998).

    Os acontecimentos sobre o exterior entraram nas pginas dos jornaistardiamente, porque no havia formas de compilao de fatos ou porque ointeresse no transcendia fronteiras. Assim foi, em geral, a histria daimprensa no mundo. O jornalismo nasceu como uma atividade decomunicao local, com uma vocao comunitria. A primeira agncia denotcias internacionais organizada no segundo quartel do sculo XIX. Asnotcias sobre o exterior ganham seu espao na imprensa diria quase umsculo depois da Revoluo Industrial.1

    Contrariando tal concepo, Natali (2004) afirma que o prprio jornalismo

    nasceu internacional, na medida em que os primeiros rgos ditos jornalsticos da

    modernidade eram osnewsletters

    , boletins noticiosos mercantis da burguesia

    neerlandesa em comrcio com outras naes, no sculo XVII. Assim, das folhas

    noticiosas de distribuio interna entre os grupos mercantis surgiram os primeiros

    impressos com notcias para circulao pblica, com nfase no nas informaes locais,

    mas nos fatos ocorridos no exterior.

    Poderamos supor que o jornalismo surgiu como atividade que fizesse circularinformaes de interesse local ou paroquial, j que o campo de interessecomum dos mortais, em comunidades compartimentadas, sofria os efeitos deuma infra-estrutura precria de comunicaes. Pois suporamos errado. Ojornalismo nasceu, isto sim, sob a forma de jornalismo internacional, com oformato de coleta e difuso de notcias produzidas em terras distantes. 2

    Segundo o autor, a gnese dos primeiros peridicos, criados no contexto da

    ascenso da burguesia na Europa nos sculos XVII e XVIII, est ligada necessidade

    de obter notcias sobre o estrangeiro, a fim de gerenciar os negcios domsticos. O

    jornalismo, afirma, nasce com a newsletter de circulao interna da Casa Fgger (do

    1 ESPINOSA DE LOS MONTEROS, Guillermo G.. Periodismo Internacional, Corresponsales y Testimonios sobre el Extranjero.

    Foro Internacional n 152-153, Cidade do Mxico: Hemeroteca Virtual/UNAM, 1998.2 NATALI, J. B.. Jornalismo Internacional. So Paulo: Contexto, 2004, p.23

    2

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    banqueiro Jacob Fgger, 1459-1525), com informaes externas relevantes para orientar

    seus negcios. Estas folhas noticiosas, produzidas por uma rede de agentes da casa

    bancria de Fgger, informavam sobre a cotao de determinadas mercadorias nas

    feiras comerciais urbanas, bem como conflitos regionais e seus efeitos sobre o risco

    de trfego pelas estradas, as cotaes dos pedgios nas alfndegas senhoriais ou o preo

    das aplices de seguro. Segundo Natali, ali estava de uma inequvoca o embrio do

    jornalismo econmico e poltico, voltado para assuntos internacionais (2004; 21).

    Portanto, seria um equvoco acreditar que o Jornalismo Internacional teria

    nascido apenas no sculo XIX, quando em Londres os peridicos impressos

    ampliavam sua rea geogrfica de interesse e de cobertura em razo da expanso do

    imprio colonial britnico e, nos EUA, o noticirio internacional tomava corpo porqueimigrantes enriquecidos tinham uma viso mais metropolitana do mundo e criavam

    uma demanda especfica por informaes, sobretudo as que tinham origem na Europa

    (NATALI, 2004; 19).

    (...) O jornalismo impresso e o jornalismo internacional, que nos primrdiosdo jornalismo era o nico tipo de jornalismo conhecido no nasceu com ocapitalismo. O mercantilismo j precisava dele e foi por isso que o criou.Ocorreu, na poca mercantil, o florescimento rpido dessas folhas de notciasimpressas que eram vendidas a quem quisesse comprar e no mais circulavamdentro de um mesmo conglomerado comercial e financeiro (...).3

    Apesar de toda a relevncia desta especializao nas origens e na atualidade de

    nossa imprensa, fato pblico e notrio que a bibliografia disponvel sobre Jornalismo

    Internacional produzido no Brasil escassa. Excluindo-se os relatos testemunhais, as

    coletneas de crnicas e os livros-reportagem de ex-correspondentes e enviados

    especiais, sobram raros ttulos de foco especfico na rea e do modo brasileiro de se

    cobrir o exterior. Os livros catalogados como jornalismo internacional so, em ampla

    maioria, anlises sobre a mdia em outros pases ou tradues de literatura especializada

    estrangeira que aborda a realidade dos profissionais de Inter (redatores, editores,

    correspondentes) no exterior quase sempre, bem diferente das condies de trabalho

    nas redaes brasileiras.

    A escassez de produo bibliogrfica sobre Jornalismo Internacional no Brasil

    no deve desestimular pesquisadores a se debruarem sobre o tema. Pelo contrrio,

    serve de incentivo a trabalhos originais. H outras fontes disponveis que ainda

    3 NATALI, J.B.. op.cit., p. 22

    3

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    permitem a execuo de investigaes de riqueza e profundidade terica. Assim, este

    artigo pretende oferecer um levantamento bibliogrfico e de fontes disponveis

    preliminar para eventuais pesquisas sobre o tema, alm de uma periodizao possvel

    que oriente o estudioso em distintos momentos da evoluo tcnico-econmica da

    produo jornalstica emInter. No inteno aqui esboar uma narrativa diretamente,

    mas sim sugerir parmetros necessrios anlise histrica contextualizada a futuros

    trabalhos que a isto se proponham. So brevemente considerados certos fatores

    determinantes em sua configurao, como tecnologias (notavelmente as de comunicao

    a longa distncia, necessrias na intermediao com o objeto da notcia neste campo),

    estrutura organizacional (constituio tardia como editoria, redes de correspondentes) e

    de economia poltica (relaes com fontes externas, agncias de notcias e mdiaestrangeira, bem como apropriaes discursivas que implicam) em todas as mdias e

    suportes: impresso dirio e semanal, rdio, televiso e web.

    1. Problemas e particularidades

    O campo do Jornalismo Internacional apresenta determinadas particularidades e

    certos problemas intrnsecos que imprimem ao eventual pesquisador uma metodologia

    heterodoxa. O mais visvel destes, externamente, a distncia fsica em relao aoobjeto da notcia. O redator depende de mediaes tecnolgicas para ter acesso s

    informaes ou s fontes primrias, e mesmo o correspondente que trave contato direto

    com as fontes in loco ter que transmitir sua reportagem at a redao por algum

    aparelho do teletipo, no incio do sculo XX, ao atual e-mail. Esta condicionante

    tcnica (inexistente, por exemplo, na cobertura de Cidade) imprime marcas sobre o

    texto, tanto formais-sintticas quanto discursivas, pois,

    ao trabalhar com apurao a distncia, o Jornalismo Internacionalapresenta uma tendncia natural a pr-mediatizar o trabalho jornalstico (viaapurao por outras mdias); realizando uma permanente polifonia ereproduzindo discursos sobre discursos de outrem. Neste processo, correpermanente risco de negligenciar contextos, deslocar declaraes e perenizarvises pr-concebidas.4

    Tambm se deve ressaltar caracterstica intrnseca da Inter de descrever a

    alteridade, o diferente, o estrangeiro, e o quo distanciado est o objeto da notcia

    4 AGUIAR, P.. Jornalismo Internacional em Redes: de como usar NTICs para concretizar a NOMIC . Rio: ECO/UFRJ, 2007,p. 16

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    internacional, muitas vezes, para um pblico em grande escala iletrado e sem acesso a

    cargas culturais e informativas que contextualizem os fatos algo que a imprensa deve,

    mas nem sempre pode, suprir. uma rea em que a construo da notcia

    recorrentemente dependente de material fornecido por agentes externos ao veculo,

    quase sempre estrangeiros agncias de notcias, jornais e TVs europeus e norte-

    americanos que no tm preocupao alguma em suplementar o fato, contextualizando

    a informao para o pblico brasileiro, ou em criar comparaes com a nossa realidade.

    Este trabalho cabe aos redatores e editores.

    Nas redaes do Brasil, a Internacional foi uma editoria de constituio tardia:

    s a partir do final dos anos 1950, com a modernizao das tcnicas e dos processos

    jornalsticos, que se destacam equipes especializadas nesta cobertura (embora onoticirio exterior estivesse presente desde o incio).

    Outro aspecto a localizao da produo do noticirio internacional, tambm

    determinada por fatores econmicos da mdia. Ainda que tambm ocorra em outras

    especializaes, a concentrao no eixo Rio-So Paulo notavelmente maior na Inter,

    uma vez que jornais de pequeno e mdio porte no tm como sustentar uma estrutura de

    correspondentes expatriados e acabam por reproduzir contedos de agncias (nacionais e

    transnacionais) e de outros jornais maiores. Poucos so os jornais do interior (ou mesmode capitais estaduais) que mantm editorias de Internacional, submetendo em geral suas

    pautas seo de Poltica ou Geral e dedicando Inter espaos sob demanda para

    notcias espordicas e grandes eventos. O mesmo vale para emissoras de TV e rdio. Em

    internet, o quadro poderia ser distinto, j que o acesso seria virtualmente o mesmo dos

    grandes veculos online, mas a maioria dos portais em centros urbanos menores

    extremamente concentrada em informaes locais, cultura e servios. Isto faz com que

    um pesquisador seja forado a quase sempre limitar seu escopo aos veculos das maioresmetrpoles do pas, em particular da chamada grande mdia, que tem poder econmico

    para manter correspondentes e assinar servios de agncias e veculos estrangeiros.

    No obstante, houve e ainda h no Brasil rgos rotulados como mdia alternativa

    e dedicados exclusivamente cobertura internacional. Exemplo passado foi a revista

    Cadernos do Terceiro Mundo, publicada de 1974 a 2005 e editada por Beatriz Bissio e

    Neiva Moreira, enquanto exemplo presente a agncia/portal Carta Maior, publicada

    desde 2001 em So Paulo e editada por Flavio de Aguiar e Marco Aurlio Weissheimer.

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    Portanto, fundamental manter a ateno no apenas no contedo que teve

    espao nas pginas de Internacional dos jornais, revistas, telejornais, radiojornais e

    portais, constitudo pelos fatos que passaram pelo crivo do gatekeeping da mdia

    corporativa, mas tambm nos que foram barrados por esse filtro. Em outras palavras,

    importante analisar tanto o que saiu quanto o que deixou de sair o que exige um

    conhecimento concomitante de Histria mundial especfico de cada perodo,

    particularmente nos grandes espaos que freqentam o noticirio internacional

    brasileiro, como Europa, Amrica do Sul e Oriente Mdio. Afinal, como enfatiza Natali,

    nem tudo o que notcia aparece no noticirio internacional. O noticiriono constri um retrato do mundo com determinado grau de exatido. Muitacoisa que ser vista no futuro como de capital importncia histrica diariamente deixada de lado. E, ao mesmo tempo, certos temas semimportncia histrica nenhuma acabam virando notcia porque interpelam amitologia de nosso mundo cotidiano.5

    Aqui se faz pausa para um alerta fundamental: no se pode ignorar o papel da

    censura estatal na imprensa brasileira e suas conseqncias no noticirio internacional,

    no apenas pelas pautas proibidas na Inter, seno mais ainda pelas proibidas em outras

    editorias e que tiveram naquela sua vlvula de escape. Em diversas vezes, as limitaes

    para noticiar assuntos domsticos impulsionaram a cobertura internacional, em planos

    freqentemente metafricos ou projetivos das situaes internas. So indicativos de que

    o Jornalismo Internacional brasileiro serviu durante longo tempo para contornar a

    censura ou metaforizar os problemas nacionais, tradio herdada desde as Cartas

    Chilenas de Toms Antnio Gonzaga. Por sinal, trgica coincidncia histrica foi o uso

    do mesmo artifcio no j conhecido caso da primeira pgina sem manchete doJornal do

    Brasildo dia 12/9/1973, que noticiava o golpe militar da vspera no prprio Chile.

    De fato, a censura esteve presente no jornalismo brasileiro j de incio,

    estimulando a cobertura internacional no mesmo movimento em que cerceava as pautas

    do noticirio interno. Armitage (apud WERNECK SODR, 1966: 23) descreve a

    Gazeta do Rio de Janeiro como jornal preocupado quase que to somente com o que se

    passava na Europa, dando a impresso pelo silenciamento do discurso de que a

    realidade local era prxima de um paraso terrestre. H um paralelo direto disto com

    o clebre comentrio do general-presidente Emlio Garrastaz Medici sobre os

    telejornais noturnos, publicado naFolha de S.Paulo em 22 de maro de 1973:

    5 NATALI, J.B.. op.cit., p. 12

    6

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    Os noticirios que acompanho, regularmente, no fim da noite, so verdadeirostranqilizantes para mim. Vejo tanta notcia desagradvel sobre a Irlanda, oVietn, os ndios americanos e, no que respeita ao Brasil, est tudo em paz.6

    Em resumo, qualquer projeto de pesquisa em histria do Jornalismo

    Internacional no Brasil no pode prescindir, necessariamente, de anlise de contedo,

    anlise do discurso, estudo da economia poltica das empresas de comunicao

    envolvidas, bem como os determinantes tecnolgicos, ideolgicos e socioeconmicos

    dos perodos estudados.

    2. Fontes secundrias e referencial terico

    A produo bibliogrfica sobre o tema ainda circunscrita academia, com

    vrios trabalhos abordando a cobertura internacional da mdia nacional, mas poucos

    ttulos lanados editorialmente, mesmo pelas editoras universitrias. At entre autores

    de manuais consagrados de jornalismo e suas especializaes como os clssicos de

    Mrio Erbolato, Tcnicas de Codificao em Jornalismo (Vozes, 1979) e Jornalismo

    Especializado (Atlas, 1981) ocorre uma significativa excluso do tema, at em

    listagens das diversas editorias de um jornal dirio7.

    A situao se reflete nos estudos de histria da imprensa. Ao contrrio de outroscampos de especializao jornalstica, a cobertura internacional no conta com nenhuma

    obra que aborde sua trajetria, transformaes e especificidades histricas, muito

    embora esteja onipresente em nossa mdia desde sua prpria gnese. Mais ainda, raras

    so as antologias de histria da imprensa brasileira que dedicam trechos especficos s

    particularidades do noticirio nacional sobre fatos no exterior8. H, pelo contrrio, uma

    nica obra dedicada exclusivamente ao tema, ainda que de forma sucinta Jornalismo

    Internacional, de Joo Batista Natali (So Paulo: Contexto, 2004) que dedica umcaptulo perspectiva histrica. No por acaso, o prprio autor se queixa da aridez no

    terreno dos estudos sobre a histria da cobertura internacional.

    (...) Tudo isso faz parte de um perodo que ainda hoje objeto de um imensovazio bibliogrfico. No h pesquisas que nos digam de que maneira foram

    6 FOLHA DE S.PAULO, 22/03/1973. p.3 (editoria Nacional)7 Em Tcnicas de Codificao em Jornalismo, Erbolato dedica um nico pargrafo, com 102 palavras que ocupam 10 linhas, aotrabalho no noticirio internacional (pp.201-202). EmJornalismo Especializado , no h nenhuma linha, embora no posfcio se faauma observao de que a distino nacional/internacional se trata deprocedncia de informao, no de assunto (p.155).8 Outra ressalva importante a preocupao de Juarez Bahia, que no volume I de seu Jornal: Histria e Tcnica reserva captulo parte para a cobertura internacional brasileira, os primeiros correspondentes e os servios prestados por agncias estrangeiras

    imprensa nacional. Tambm Nelson Werneck Sodr se ocupa do noticirio internacional no jornalismo brasileiro, mas em menesdispersas ao longo de suaHistria da Imprensa no Brasil.

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    noticiados por aqui acontecimentos europeus ou norte-americanos relevantes.As hemerotecas de pasquins so consultadas por historiadores como fontesprimrias de opinies divergentes sobre poltica interna e no tendo comoobjetivo o jornalismo em si ou a seo de pautas estrangeiras que agora nosinteressa. O noticirio internacional no objeto de estudos editados ou

    disponveis em bases de dados de monografias de mestrado ou teses dedoutorado das universidades pblicas que consultei. Que fique a sugestopara quem est procura de um tema para pesquisa acadmica. O que temosso indcios, pescados ao acaso na bibliografia.9

    Entre os trabalhos tpicos, podem-se destacarA Histria dos Correspondentes

    Brasileiros de Guerra e sua Relao com o Poder Estatal e Militar, artigo de Adriana S.

    Kuhn apresentado ao 3 encontro da Rede AlCar em 2005; O Mundo por Aqui: notas

    sobre jornalismo internacional no Brasil, artigo de Andra C. S. Peres com base em

    captulo da dissertao de mestrado em Antropologia da autora (Unicamp-SP), que

    inclui uma anlise histrico-crtica sob a perspectiva da antropologia; e a monografia de

    graduaoJornalismo Internacional: a mudana na editoria Inter nos ltimos 50 anos,

    de Renata Castro, apresentada Escola de Comunicao da UFRJ em 2006, que

    reconstitui a trajetria tecnolgica da rea desde meio sculo atrs at os dias de hoje.

    Sabe-se que a produo acadmica sobre o tema vem crescendo, mas ainda no

    existem cadastros de publicaes especficas. At esta data, havia apenas um grupo de

    pesquisa sobre Jornalismo Internacional constitudo na base de dados do Conselho

    Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), sob o nome Notcias

    Internacionais na Aldeia Global e coordenado pelo Prof. Jacques Alkalai Wainberg, da

    PUC-RS, desde outubro de 2006. Seria de especial relevncia um trabalho parte que se

    propusesse a mapear tal produo, em catlogos exaustivos de teses, dissertaes e

    monografias de graduao. A tarefa se apresenta difcil pelo fato de haver textos que

    tangenciam o tema, sem incluir identificao precisa no ttulo ou em palavras-chave.

    O levantamento mais completo possvel da produo acadmica nacional sobre otema exigiria uma consulta exaustiva s bases de dados disponveis, notavelmente a

    Plataforma Lattes do CNPq o que em si j constitui uma pesquisa parte. Mas desde

    j pode-se assegurar que a tarefa exeqvel: levantamento preliminar nesse sistema

    feito para este artigo retornou 85 resultados com o termo jornalismo internacional,

    outros 60 com correspondentes ou correspondente (filtrados dentro da grande rea

    Cincias Sociais Aplicadas), 47 com agncias de notcias e mais 18 com cobertura

    9 NATALI, J.B.. op.cit., pp.37-38

    8

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    internacional. Presumindo que diversos trabalhos tm duas ou mais destas palavras-

    chaves atribudas e que as referncias se multiplicam ao serem repetidas em currculos

    de co-autores e participantes de banca, verossmil concluir que a soma direta

    redundante e que o total de cadastrados provavelmente menor que 210.

    O mtodo, porm, dificultado por alguns fatores: parte significativa de

    pesquisadores atribui palavra-chave jornalismo internacional a trabalhos que no so

    propriamente de cobertura internacional, mas anlises de poltica internacional, poltica

    externa brasileira ou mesmo pesquisas sobre o jornalismo praticado em outro pas, o

    que seria mais adequadamente denominado jornalismo estrangeiro.

    No entanto, parte muito rica do pensamento sobre o Jornalismo Internacional

    brasileiro nasce e permanece fora da academia, a partir dos prprios profissionais darea, por vezes materializada na publicao de estudos, livros-reportagem de enviados

    especiais e correspondentes, memrias e relatos pessoais. Depoimentos e entrevistas j

    concedidas a outros pesquisadores (particularmente alunos de graduao, a quem alguns

    veteranos dedicam notvel boa vontade) so outra fonte relevante, em especial quando

    so publicados na ntegra em jornais-laboratrio ou como anexos de trabalhos. H ainda

    os artigos de jornalistas e outros textos no-acadmicos, publicados irregularmente em

    revistas de entidades sindicais e observatrios de mdias, que trazem abordagensanalticas e reflexes sobre o campo de trabalho na cobertura internacional nos veculos,

    o cotidiano dos correspondentes e os processos de mudanas no mercado.

    3. Fontes primriasO universo das fontes primrias para reconstituies histricas do Jornalismo

    Internacional no Brasil composto primordialmente das reprodues de pginas de

    jornais, onde como j visto esta especializao comeou a se manifestar antes de todas

    as demais. Para o caso dos impressos, mais seguro tomar como referncia as coleesmicrofilmadas no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, nos catlogos de

    peridicos e de obras raras (que engloba o sculo XIX at cerca de 1870). No entanto,

    muitas delas esto com inmeros buracos incompletudes na srie que podem criar

    maior ou menor dificuldade, dependendo do perodo escolhido para estudo. As colees

    dos jornais e revistas de maior circulao, porm, esto armazenadas na ntegra.

    Nas consultas a jornais dirios ser interessante analisar, por exemplo, em pocas

    anteriores aos anos 1950, quantas vezes o noticirio internacional no foi manchete (ou

    9

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    seja, quando algum acontecimento domstico foi relevante o suficiente para retirar o

    privilgio do exterior na primeira pgina), numa poca em que dar o ttulo de primeira

    pgina Inter era praxe e sinal de respeitabilidade do veculo. A mudana deste

    paradigma se deu com o processo de modernizao da imprensa, na segunda metade dos

    anos 1950. preciso verificar se, at ento, a manchete de temas nacionais era minoria.

    Para pocas mais recentes, os manuais de redao institucionais, publicados a

    partir dos anos 1970, tambm fornecem preciosas informaes sobre o modus operandi

    do Jornalismo Internacional dentro de contextos tecnolgicos anteriores. A edio de

    1973 das Normas de Redao do Jornal do Brasil, por exemplo, traz exaustivas

    recomendaes aos correspondentes sobre como proceder para enviar matrias por

    telegrama, a necessidade de dar a descrio fsica da pessoa a buscar no aeroporto emcaso de texto enviado por portador, a importncia de registrar-se no hotel com o

    sobrenome pelo qual mais conhecido (para evitar atrasos na entrega de recados) e

    outras regras cujo anacronismo chega a ser curioso em poca de e-mail e celular.

    As revistas, particularmente as semanais de informao geral, merecem um

    captulo parte em uma histria do Jornalismo Internacional no Brasil. nas pginas

    delas que muito da cobertura encontrar espao de experimentao, com folga para

    textos abrangentes, grandes reportagens e fotos de alta carga informativa aliada a umaapurao esttica. A rotina produtiva das revistas semanais gera a possibilidade de

    escapar de (alguns dos) constrangimentos da imprensa diria tais como seu

    imediatismo e a demanda factual e, com isso, tais publicaes se abriram para a

    anlise de fundo, a ilustrao (nos sentidos literal e literrio) e o interesse humano o

    que mais enriquecedor quando se escreve sobre o exterior, o estranho, o outro.

    O pice desta experincia se deu entre as dcadas de 1950 e 1990, com O

    Cruzeiro, Manchete, Realidade, Veja, e Isto, tradio que se mantm com CartaCapitalepoca. As ltimas quatro mencionadas, por sinal, ainda existem e atualmente

    so as nicas revistas semanais de informao que mantm editorias de Internacional.

    Em televiso, depende-se muito dos registros armazenados a partir da introduo

    do VT (vdeo tape ou fita de vdeo). Antes disso, o telejornalismo era transmitido ao

    vivo ou captado em pelcula. No caso da maior rede de televiso, embora os arquivos do

    Centro de Documentao (Cedoc) sejam para consulta interna, a pesquisa facilitada

    pelo trabalho do projeto Memria Globo, que desde 1999 organiza o material de arquivo

    10

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    em publicaes. Parte do acervo da TV Globo foi perdida no incndio de 1976 na sede,

    no Rio. Fragmentos do Jornal Internacional, telejornal dedicado majoritariamente

    cobertura do exterior que a emissora produziu de 1972 a 1975, esto parcialmente

    mantidos. J o Jornal Nacionals comeou a ser arquivado diariamente em 1973

    (MEMRIA GLOBO, 2004; 14).

    Em contraste, os arquivos da TV Manchete, que nos anos 1980 e 1990 investiu a

    srio em cobertura internacional, esto em situao precria, sofrendo perda total em

    inmeros casos. Desde a falncia da Bloch Editores, a maior parte das fitas da emissora

    ficou presa no prdio (...) lacrado pela Justia, sob pssimas condies de conservao,

    de propriedade da empresa Hesed Participaes, espera de deciso judicial10.

    As redes Bandeirantes e Record no abrem seus acervos a pesquisa pblica(mantidos com o que no foi perdido nos incndios da dcada de 1960). Finalmente, os

    arquivos de emissoras extintas como a TV Tupi e a Excelsior foram distribudos entre

    entidades como o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, o arquivo do Centro Cultural

    So Paulo e o Arquivo da Fundao Assis Chateaubriand, em Braslia.

    Em rdio, a situao significativamente pior: alm da quase inexistncia da

    cobertura internacional da mdia sonora no Brasil, em virtude das barreiras da lngua e

    das caractersticas da linguagem do udio, h dificuldades graves para o acesso aregistros originais. A maior emissora de jornalismo em rede nacional atualmente, a

    CBN, das Organizaes Globo, simplesmente no grava a ntegra de sua programao, e

    mantm uma seleo bem reduzida de arquivo. J o acervo da Rdio JB (referncia em

    Jornalismo Internacional nesta mdia nas dcadas de 1970 e 1980) foi desmontado e

    vendido a terceiros quando do arrendamento pelo grupo Docas Investimentos.

    Mas, sem dvida, o caso mais desfavorvel ao pesquisador o das agncias de

    notcias transnacionais. Nenhuma das que mantm redao no Brasil (AFP, Reuters,Lusa, EFE) guarda arquivo do material que produz aqui, assim como as que possuem

    apenas escritrios de equipe reduzida (DPA, ANSA, Xinhua). As demais mantm

    apenas um correspondente, que no raro trabalha de sua prpria residncia. A consulta

    ao acervo dos despachos enviados s pode ser feita nas sedes das agncias no exterior,

    e nenhuma delas disponibiliza-o digitalmente para pesquisadores.

    No entanto, um fator imprevisto tornou o contedo recente das agncias

    disponvel quase integralmente, e em total gratuidade: como muitas delas tm como10 BORTOLOTI, Marcelo. Acervo da Manchete est se perdendo. in: Folha de S. Paulo, 4/8/2002.

    11

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    clientes os portais de informao (UOL, Terra, iG, G1) e estes publicam praticamente

    todos os despachos recebidos (s vezes inclusive o que no era para ser divulgado,

    como correes, avisos e mensagens internas aos assinantes), a produo das agncias

    conseqentemente passou a circular entre o pblico, em relativa completude, desde por

    volta do ano 2000. Para pesquisas cujo perodo se inicie j neste milnio, este recurso

    pode ser de valiosa ajuda.

    De importncia primordial tambm a documentao da memria testemunhal,

    por meio de entrevistas com profissionais (ativos e aposentados) da rea. O relato oral

    destes personagens capaz de resgatar detalhes sobre processos, bastidores de grandes

    coberturas (no apenas de correspondentes e enviados, mas de decises editoriais,

    critrios de seleo, edio e sobre o tratamento dos fatos) e que assuntos da pautaforam vetados, j que em dado momento as ordens deixaram de ser escritas exatamente

    para no deixar rastros. O testemunho capaz de reconstituir no s a ao da censura,

    mas tambm da auto-censura.

    Uma certa pressa necessria neste trabalho. Toda uma gerao de profissionais

    envolvidos com a modernizao da cobertura internacional, decorridos 50 anos desde a

    criao das primeiras editorias nos jornais dirios, est na terceira idade. Diversos

    destes pioneiros j faleceram: Antonio Callado (que, entre muitos destaques, cobriu aGuerra do Vietn), Arajo Neto (correspondente do Jornal do Brasilna Itlia durante

    dcadas) e Carlos Alberto Tenrio (reprter da revista Manchete que entrevistou Fidel

    Castro na Sierra Maestra em 1958) foram alguns. Recentemente, a morte do ex-

    correspondente de guerra Joel Silveira encerrou um arquivo inestimvel, ainda que

    parcialmente registrado em uma extensa obra escrita. J no este o caso de Newton

    Carlos, Clvis Rossi e Theodoro de Barros, que publicaram um nmero menor de obras

    e, destas, nem todas especificamente sobre o trabalho de cobertura internacional.Alm destes, h um nmero de profissionais que podem ser considerados

    expoentes na rea, listados aqui os que dedicaram a carreira majoritariamente

    cobertura internacional em cada mdia. Na trajetria do impresso (jornal dirio),

    destacam-se Newton Carlos, Carlos Castilho, Clvis Rossi, Fritz Utzeri, Joo Batista

    Natali, Rosental Calmon Alves, Roberto Lameirinhas, Jos Arbex Jr., mais Claudia

    Antunes e Marcelo Ninio (ambos na Folha de S.Paulo), Regina Zappa no Jornal do

    Brasil, Ana Maria Bahiana na cobertura cultural e Nathaniel Braia como excepcional

    12

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    exemplo de Inter do jornalismo popular. Em revistas, podemos listar Mino Carta,

    Argemiro Ferreira, Mario Sergio Conti e Claudio Camargo, entre outros. Na televiso,

    os mesmos Newton Carlos e Carlos Castilho, mais Carlos Chagas, Jos Carlos

    Monteiro, Argemiro Ferreira, Hermano Henning, Slio Boccanera, William Waack, Caio

    Blinder, Lucas Mendes, Carlos Dornelles, Caco Barcellos, Jorge Pontual, Antnio

    Brasil, Beth Costa, Pedro Bial, alm dos reprteres Sandra Passarinho, Roberto Feith,

    Edney Silvestre, Luiz Fernando Silva Pinto, Marcos Uchoa e Geneton Moraes Neto

    (todos os ltimos na TV Globo).

    Quanto ao rdio, defrontamo-nos com os problemas j mencionados, o que deixa

    poucos nomes para entrevistas. Alm dos envolvidos com oReprter Esso (1941-1968),

    destacam-se Vicente Adorno (na Rdio Eldorado e na NHK japonesa, entre outras) ediversos jornalistas que passaram pela BBC Brasil, brao do servio mundial da rede

    pblica britnica.

    J para o suporte digital (seja offline, como as primeiras publicaes em CD-

    ROM, ou online, como o webjornalismo), so referncias at agora Jaime Spitzcovsky,

    correspondente em Moscou e Pequim, ex-editor da Folha de S.Paulo e, depois, do

    Jornal do Terra; e tambm Ligia Braslauskas, da editoria Mundo daFolha Online.

    Para pesquisas de corte temporal recente, cabe citar nomes de algumas geraesmais novas que vivenciaram a mudana de paradigma tecnolgico, como Eric Hart (do

    Jornal Nacionalda TV Globo), Pedro Doria (colunista de Internacional do portal

    NoMnimo, 2002-2007) e Juliana Iooty, nO Globo e no GloboOnline.

    4. Proposta de periodizaoA fim de facilitar o trabalho de eventuais pesquisadores, proposta aqui uma

    diviso dos 200 anos da histria do Jornalismo Internacional no Brasil em perodos,

    constitudos por grandes ciclos e subciclos menores, caracterizados por determinadosparadigmas que perduram at serem quebrados. Parece dispensvel ressaltar que,

    embora a partilha temporal tenda a impor o generalismo, os ciclos no so de forma

    alguma homogneos do incio ao fim, mas processos contnuos de transformao

    delimitados por momentos de ruptura. A metodologia de periodizao foi feita

    obedecendo a critrios de anlise que levam em considerao primordialmente as

    transformaes da vida poltica nacional j que no Brasil a imprensa guarda relao

    intrnseca com o Estado desde suas origens mas tambm aspectos da prpria

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    imprensa, como os eventos no exterior que tenham recebido cobertura, a economia das

    empresas de mdia e os paradigmas tecnolgicos. Em cada etapa, a introduo de cada

    nova tecnologia de comunicao remota, como o telgrafo, o telex ou a internet, tem

    impactos significativos, quando no revolucionrios.

    Note-se que os ciclos da histria do Jornalismo Internacional no Brasil no so

    necessariamente os mesmos da histria da imprensa brasileira, uma vez que se

    determinam por outras condicionantes: as tecnologias e as pautas no so as mesmas,

    ainda que as socioeconmicas sejam.

    Um primeiro grande ciclo o que se inicia com o nascimento da prpria

    imprensa brasileira e dura at meados da dcada de 1870, quando convergem fatores

    tecnolgicos e polticos: a instalao do cabo telegrfico entre o Brasil e a Europa, o fimda Guerra do Paraguai, da Guerra Franco-Prussiana, e a gnese do republicanismo.

    Neste perodo, o pesquisador dever sempre atentar para a grande diferena

    temporal entre a data do fato e a possibilidade de sua publicao no Brasil: em 1808, este

    atraso chegava a trs meses, e em meados do sculo oscilava entre um ms e um ms e

    meio. Com o telgrafo, passou a ser desprezvel. Ncleos regionais importantes nesta

    poca so Recife, pela posio privilegiada como primeiro porto na rota dos navios que

    chegavam da Europa, e o Rio Grande do Sul como rea de fronteira numa poca em queas relaes do Brasil com seus vizinhos no Cone Sul eram particularmente conturbadas.

    So veculos de referncia neste perodo oJornal do Commercio do Rio de Janeiro (desde

    1827), o Dirio do Rio de Janeiro (1821-1876; muito embora se dedicasse pouco a

    notcias polticas, fossem nacionais ou internacionais) e, pelos motivos j explicitados, o

    Dirio de Pernambuco (desde 1825), oDirio de Porto Alegre (1827-1828) e os diversos

    jornais de colnias de imigrantes no Rio Grande do Sul.

    O segundo grande ciclo se inicia com a chegada do telgrafo, via cabosubmarino transatlntico em 1874 (FERREIRA, 1980: 5). Vrios jornais,

    principalmente na Corte Imperial, passaram a publicar o noticirio internacional com

    destaque: na primeira coluna da primeira pgina, esquerda. Era a ntegra traduzida dos

    telegramas internacionais, inserida no incio porque, na poca, a paginao era

    composta linearmente e os telegramas eram o primeiro material a ficar pronto para o

    fechamento (AGUIAR, 2007: 21). So veculos de referncia neste perodo os jornais

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    Gazeta de Notcias (1875-1942), O Paiz (1884-1934), O Estado de S.Paulo (desde

    1875), e a Gazeta da Tarde (1880-1901).

    O terceiro grande ciclo pode abranger a partir do advento do rdio (no Brasil, em

    1922) e as conturbadas relaes polticas domsticas que ofuscaram a pauta

    internacional. Nas dcadas seguintes, as grandes reportagens sobre fatos internacionais

    especialmente coberturas de guerra, da Segunda Guerra Mundial Coria e ao Vietn

    ficam a cargo das revistas ilustradas e coloridas, como O Cruzeiro, Manchete e

    Realidade. Data ainda desta poca a introduo do teletipo, com o qual as agncias

    agilizaram significativamente o envio de notcias, em texto decodificado (NATALI,

    2004; 34). So veculos de referncia neste perodo oReprter Esso, primeiro no rdio e

    depois na TV, a revista O Cruzeiro (1928-1975), os jornais Correio da Manh (1901-1974),Dirio de Notcias (1930-1976) e O Jornal(1919-1974).

    O quarto grande ciclo se inicia pouco aps a chegada da televiso (mais tarde, do

    satlite) e a substituio em larga escala do teletipo pelo telex nas redaes. Consta que

    a primeira editoria de Internacional em um jornal brasileiro foi criada no Jornal do

    Brasil em 1958, inicialmente chefiada por Newton Carlos ou assim se atribui o crdito

    o prprio11. Outro fator relevante o incio da poltica desenvolvimentista de Juscelino

    Kubitschek, que inclui a facilitao importao de equipamentos e servios doexterior, incluindo as assinaturas de publicaes estrangeiras. O aspecto econmico

    assume um papel orientador na cobertura internacional, forando os correspondentes a

    escrever no s sobre poltica internacional, mas tambm para a editoria Economia. So

    veculos de referncia neste perodo a TV Globo (principalmente a partir de 1969, com

    seu telejornal carro-chefe, o Jornal Nacional), o Jornal do Brasil(destacadamente o de

    maior apreo a questes internacionais desde sua reforma editorial e grfica de 1958-

    1959), alm das revistas Veja (desde 1968), Manchete (1952-2000), Viso (1952-1993),Realidade (1966-1976) e Cadernos do Terceiro Mundo (1974-2005).

    O quinto e atual grande ciclo teve incio em meados dos anos 1990, com a

    revoluo nas tecnologias de informao e comunicao das quais a mais visvel a

    internet. No plano geopoltico, a chamada nova ordem mundial ps-Guerra Fria, o

    processo de globalizao econmica e a consolidao do neoliberalismo no Terceiro

    Mundo marcam a cobertura internacional. Pases se unem em blocos que passam a ser

    novos atores e fontes na pauta da editoria: Unio Europia, Mercosul, NAFTA, ASEAN11 Em entrevista em 2002 concedida a alunos de graduao da UERJ; Cf. AGUIAR, P. op.cit. p. 32.

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    e outras iniciativas de integrao. Estas contribuem para relativizar as definies de

    pauta internacional, at ento baseada em fronteiras de soberania estticas.

    Tambm no Brasil, as reformas econmicas desta poca permitem

    reestruturaes da mdia, inclusive com a chegada de canais estrangeiros de notcias via

    TV por assinatura: CNN, TVE espanhola, RTPi que uma forma de ver outro tipo de

    Jornalismo Internacional em portugus. Com estas so vistas as primeiras coberturas de

    guerra in loco depois de longo tempo, como a Guerra do Golfo (1991, considerada a

    primeira guerra ao vivo) e as guerras da Iugoslvia (1993-1995 e 1999). Neste

    perodo, a eloqncia das imagens televisivas muitas vezes se sobreps s

    possibilidades do texto no jornalismo impresso. Os atentados de 11 de setembro de 2001

    nos EUA so um marco bvio desta alterao esttica e discursiva na cobertura.So veculos de referncia neste perodo o canal Globonews (inaugurado em

    1996), a Folha de S.Paulo (programa de correspondentes-bolsistas e tem a editoria

    Mundo mais respeitada atualmente), o jornal O Globo (o que manteve a mais extensa

    rede de correspondentes), as revistas CartaCapital(desde 1994), alm dos portais UOL

    (desde 1996), Terra (desde 1999, como ZAZ), Carta Maior (desde 2001) e G1 (que

    investe em enviados prprios ao exterior, desde 2007).

    No h dvida de que diversos outros aspectos, como a marcada distino entrediscurso jornalstico e construo da narrativa histrica, ou uma abordagem mais

    aprofundada do papel da censura, esto deixados de fora. Mas no puderam ser

    includos dadas as limitaes metodolgicas deste trabalho que, como anunciado ao

    incio, no se pretendia ser um esboo de narrativa historiogrfica. Trata-se apenas de

    uma tentativa inicial de constituir uma (entre muitas possveis) orientao de pesquisa

    motivada pela convico de que a histria do Jornalismo Internacional no Brasil, agora

    que completa 200 anos, pode finalmente comear a ser escrita.

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